boletim afap

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BOLETIM notícias da AFAP ASSOCIAÇÃO DA FORÇA AÉREA PORTUGUESA n.º 52 • jAnEIRO • FEvEREIRO • mARÇO • AbRIl • mAIO • jUnhO / 2014

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Page 1: BOLETIM AFAP

BOLETIMnotícias da

AFAP

ASSOCIAÇÃO DA FORÇA AÉREA PORTUGUESA

n.º

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2 AFAP

BOLETIM DA AFAP N.º 52 • JANEIRO • FEVEREIRO • MARÇO • ABRIL • MAIO • JUNHO / 2014 TIRAGEM 1500 EXEMPLARES

PROPRIEDADE Associação da Força Aérea Portuguesa • Av. António Augusto de Aguiar, n.º 7 - 3º Dto. • 1050-010 LISBOATel.: 21 357 40 02 - 21 470 69 78 Fax: 21 355 04 08

[email protected][email protected]É-IMPRESSÃO/IMPRESSÃO/ACABAMENTO Alves&Albuquerque, RAL - SINTRA

DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

Os nossos Associados .................................... 3

Editorial ........................................................... 5

Actividades da AFAP ....................................... 6

Ases da Aviação de Combate ......................... 7TGenPilAv(r) José Armando Vizela Cardoso

Meteorologia da Guiné ..................................... 9

Recordações ................................................... 9General Pil Av José Lemos Ferreira

Boicote a Portugal durante a Guerra do Ultramar ..................................... 12TGenPilAv(r) José Armando Vizela Cardoso

Diálogo com o Rochedo Profético ................ 15TGenPilAv(r) José Armando Vizela Cardoso

O Tenente Malaquias ..................................... 18Cmdt. Gabriel Cavaleiro

O “Spitfire” do Museu do Ar ........................... 28Engº. Aeronáutico Jorge H. Lima Basto

Os nossos poetas .......................................... 32

Memórias do Gato .......................................... 34Tenente Miliciano PilAv Francisco Gato

Viagem a Bucareste com Amália Rodrigues .. 37Coronel PilAv (r) João Ivo da Silva

Aqueles que partindo permanecem na nossa memória ................... 39

índIcE

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3AFAP

OS nOSSOS nOVOS ASSOcIAdOS

GALERIA DOS ANTIGOS E NOVOS ASSOCIADOSQUE SÃO BEM-VINDOS À VOSSA CASA

Sócio nº 1579 TGen. Rui Tavares

Monteiro

Sócia nº 1616Cap. Sónia Cristina

Guerra Vicente

Sócio nº 1627Cor.José Alberto Moura Calheiros

Sócio nº 1688 António Manuel

Franco Pombeiro

Sócio nº 1802José Fazenda André

Sócio nº 1816Romeu Virgílio Teixeira Silva

Sócio nº 1836TCor. Jerónimo Martins

Cardoso Perestrelo

Sócio nº 1881Dr. Joaquim José Martins Primavera

Sócio nº 1899Cmdt. José Nunes

Leitão

Sócio nº 1906Alexandre Pedro Almeida Rainha

Sócio nº 1907Eng. António Pais

de Carvalho

Sócio nº 1928MGen. Francisco

José Bourbon

Sócio nº 1945José Maria Lavareda

Simões

Sócio nº 1965Eduardo Luís Pinto

Basto

Sócio nº 2014MGen. Saul António

Dias Pascoal

Sócio nº 2016Cmdt. José Marques

dos Santos

Sócio nº 2098Cor. Fernando

Montalvão e Silva

Sócio nº 2025Carlos Manuel da

Costa Pinto

Sócio nº 2106Cap. Hélio Mário

Martins

Sócio nº 2045PSar. Joaquim Alemão Meira

Sócio nº 2115Eng. Manuel Martins Ferreira dos Santos

Sócio nº 2087Cor. José António Carronha Saraiva

Sócio nº 2159Dr. Manuel Gonçalo da Rocha Peixoto

Sócio nº 2092Eng. Ricardo de Oliveira Nunes

Sócio nº 2189Cmdt.Fernando Manuel

Moreira Marques

Page 4: BOLETIM AFAP

4 AFAP

Para que seja possível a inclusão da sua fotografia no próximo Boletim, desde já agradece-se aos prezados associados que ainda não enviaram uma, do tipo passe, PARA A secretaria da afap, que o façam com a brevidade possível

Sócio nº 2517Cap. Mário Bento

Sócio nº 2518TCor. Eugénio Vieira

Bolais Mónica

Sócio nº 2533Cor. Rui Manuel Gomes Correia

Sócio nº 2536Oscar Baptista

Lourenço

Sócio nº 2540João Novais Muhuia

Sócio nº 2542Cor. Sérgio Manuel

Carvalho Jacob

Sócio nº 2543TCor. Víctor Dias

Amaro

Sócio nº 2544Cor. António Jorge

Afonso

Sócio nº 136EDr. Manuel Silva Salta

Sócia nº 259EJúlia Navega dos

Santos

Sócia nº 357EMaria Natália

Benevides Neto

Sócia nº 372EMaria do Anjo Porteiro Cetra

Sócia nº 378EAssunção Costa Júlio

Sócio nº 383EProf.Dr. Fernando

Carvalho rodrigues

Sócio nº 407EMiguel Eduardo

Silvestre dos Santos

Sócia nº 435EIlda Pereira Ramos

Fonseca

Sócia nº 436EDrª. Maria Pais

Mamede

Sócia nº 437EMónica Sofia Paes

Mamede

Sócio nº 438EDr. Mário José Matos

dos Santos

Sócia nº 430EMaria Isabel Moura

Carvalho

Sócio nº 431ELuís Filipe Martins de

Araújo

Sócia nº 432EAlmerinda Nunes Magalhães Faria

Sócia nº 433ECeleste Dias Aves

Sócia nº 434EMaria Isabel Gândara

Page 5: BOLETIM AFAP

5AFAP

editorialCaríssimo Associado

A Direcção da AFAP, eleita para o biénio 2014-2015, tomou posse na Assembleia Geral de 09JAN 2014, em conformidade com as normas estatutárias.

A Missão que esta Direcção se propõe levar a cabo está nas mãos e no sentimento as-sociativo dos actuais sócios e daqueles que, servindo a Causa do Ar, ou na Força Aérea Portuguesa ou noutra instituição a ela ligada, se venham juntar a nós, contribuindo com uma quota mensal de apenas €3,0 (três Euros) por mês.

Quando, no início do mandato anterior, correspondente ao biénio 2012-2013, a Direcção da AFAP tomou posse, estava a “herdar” teoricamente 1.500 sócios, dos quais, apenas cer-ca de 800 cumpriam o seu dever de ter as quotas em dia! Perante este cenário, depois de se ter enviado a quem tinha quotas em atraso, uma carta a convidá-lo a regular a situação, houve que, com óbvia mágoa dos corpos directivos, fazer uma depuração de quem não quis aceitar esse convite e continuar a ser sócio da AFAP.

O espírito de associativismo e de solidariedade, que era cultivado pelas gerações que ser-viram a Causa do Ar em tempos bem difíceis, como os que se tiveram de viver na Guerra do Ultramar português, não se vê ser hoje praticado com o mesmo vigor por aqueles que ainda estão nas fileiras, e é a causa primária da queda do número de associados da AFAP, que no início do mandato desta nova direcção ronda os 890.

Destes 890 associados, cerca de 340 tinham quotas atrasadas em Dezembro de 2013!

É óbvio que, tendo em conta esta grave situação que põe em causa a continuidade da AFAP, a prioridade da Missão da actual Direcção irá assentar na recuperação do número de associados, onde o número ideal deveria assentar nos 2.000 !!! Irá ser feito um esforço para contactar de modo mais pessoal quem serve actualmente na Força Aérea Portuguesa (Oficiais, Sargentos, Praças e Civis) dando a conhecer o que é a AFAP, em especial na perspectiva dos valores de-ontológicos e culturais associados à Causa do Ar que se encontram no seu invulgar património.

Esta Direcção espera, com este novo empenhamento, conseguir mais compreensão e uma maior adesão ao estatuto de associado da AFAP, por parte de quem serve, ou serviu, a Causa do Ar . Se for possível alcançar este desiderato, a AFAP terá assegurada a sua continuidade e a actual Direcção terá cumprido o seu principal objectivo da sua Missão para este mandato de dois anos.

Aos Senhores associados e a todos os que tenham a oportunidade de ler este Boletim apresento as minhas saudações aeronáuticas, com a muita estima do

O Presidente da Direção José Armando Vizela Cardoso Ten-General PilAv

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ATIVIdAdES dA AFAP

AcTIVIdAdES

Ao longo deste primeiro semestre de 2014, a AFAP desenvolveu as seguintes ac-tividades, nas datas a seguir indicadas:

- 31JAN <> Almoço/Conferência proferida por sua Eminência o Patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, que abordou de modo sublime, com perfeito domínio da palavra para que a mensagem chegue de modo simples e perceptível a todo o audi-tor, o tema “A Ética e a Moral ao serviço das sociedades contemporâneas”.

- 21FEV <> Almoço/Conferência proferida pelo ilustre Professor Dr. César das Neves, sobre o tema “Reflexões sobre a Econo-mia Nacional na Conjuntura nacional e global”, que conseguiu manter atento um vasto número de pessoas presentes.

- 23MAR <> Viagem de Turismo Histórico/Cultural à cidade de Tomar, onde 45 asso-ciados e familiares puderam visitar lugares assinaláveis criados pelos Templários, nes-ta urbe por eles erguida, designadamente a Igreja de Santa Maria dos Olivais, o Castelo de Tomar e o Convento de Cristo. O Ten-General(R) Vizela Cardoso acompanhou os visitantes assegurando-lhes a descodifica-ção das mensagens esotéricas que os ca-valeiros Templários e os seus sucessores, os cavaleiros da Ordem Militar e Religiosa de Cristo ali nos deixaram, para sobre elas meditarmos e reflectirmos, bem como a ex-plicação dos históricos lugares visitados.

- 28MAR <> Almoço/Conferência proferida pelo ilustre Ten-Coronel PilAv(R) João Bran-dão Ferreira que, usando a sua peculiar maneira desafiante de expor, falou sobre “A Desconstrução Histórica de Portugal”.

- 05ABR <> O Presidente da Direcção da AFAP esteve presente na cerimónia de Homenagem ao Combatente, organizada pela Liga dos Combatentes, que teve lu-gar, como habitualmente, no Mosteiro da

Batalha. A missa foi celebrada pelo novo Bispo das Forças Armadas e de Seguran-ça, D. Manuel Lindo.

Presidiu a esta cerimónia o Gen CE-MGFA e de entre notáveis individualida-des, destacou-se a presença da Secretária de Estado da Defesa Nacional e os Chefes de Estado-Maior da Força Aérea, da Mari-nha e do Exército.

Recorda-se que este ano completam-se 100 anos sobre a data de início da 1ª Guerra Mundial (1914-1918).

- 06MAI <> Almoço/Conferência exposta pelo ilustre General Vasco Rocha Vieira que com eloquente objectividade e pro-fundo conhecimento do tema “Reflexão sobre a Transmissão da Soberania de Ma-cau para a República Popular da China”, cativou a assistência.

- 30MAI <> Almoço/conferência dedicado ao tema “Investigação sobre Tecnologia de Veículos Não Tripulados, na Academia da Força Aérea” proferida com objectividade e segurança pelo Ten-Coronel Engº José Passos Morgado.

A organização dos Almoços/Conferência é partilhada pela AFAP e a Associação de Comandos “Mama Sume”.

SITE da AFAP <> Para permitir uma maior aproximação às actividades da Associação, bem como a disponibilização de informação em tempo útil para os associados, está em fase de conclusão o “site” da AFAP que se prevê estar operativo a partir do dia 16 de Junho de2014.

O seu endereço é: www.emfa.pt/afap

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O FOKKER d-VII

O vencedor da competição entre os ca-ças monolugares, que decorreu em Johan-nisthal, próximo de Berlim, no ano de 1918, foi o biplano Fokker D-VII. Desenhado por Reinhold Platz, este novo avião estava equi-pado com um motor Mercedes em linha, de arrefecimento líquido, com 160, 180, ou 220 hp, montado numa fuselagem feita duma estrutura de tubos de aço. Algumas versões deste Fokker D-VII, estavam dotadas dum motor BMW, de 185 hp, também em linha e de arrefecimento líquido.

Fokker D-VII

As asas, tal como acontecia com o Fokker Dr.I, eram construídas em “cantilever” (su-porte em calhas) com um perfil aerodinâmi-co das secções da asa, de forma mais cóni-ca e mais grossa.

Fokker Dr.I

Os Fokker D-VII estavam armados com duas metralhadoras sincronizadas Spandau

e entraram em acção na Frente Oeste, em Maio de 1918. A Esquadra (Staffel) 3, co-mandada por Bruno Loerzer, foi a primei-ra unidade aérea a ser equipada com este avião. Seguiram-se a Esquadra 2 e a Esqua-dra 36, comandada por Hermann Goering, que puderam operar, já no fim da 1ª Grande Guerra, este fabuloso Fokker D-VII.

Fokker D-VII

A excelência do Fokker D-VII como avião de caça, era devida à sua elevada manobra-bilidade a baixa velocidade e a grandes al-titudes, para além da vantagem de ter uma elevada velocidade como limite de operação. Em complemento a estas capacidades o Fokker D-VII, pelo facto de ter o motor em linha, era mais fácil de pilotar que o seu “ir-mão” anterior; o Fokker Dr.I . O Fokker D-VII era muito rápido a subir e a recuperar de voo em picada, tinha boas características de manuseamento com resposta rápida a qual-quer movimento que o piloto exercesse no manche. Todavia a capacidade única para a época de “ficar pendurado na hélice” (como se fosse um helicóptero !) e de disparar para o avião inimigo que estivesse a voar por cima da cabeça do seu piloto, trouxeram ao Fokker D-VI uma popularidade, que nenhum outro avião desta época foi capaz de superar.

Em Outubro de 1918, todas as Unidades Aéreas alemãs da Frente Oeste, estavam a operar Fokker D-VII. A maioria dos “ASES” alemães, incluindo Udet, Lothar von Ri-chthofen, Rudolf Berthold, Eduard von Sch-leich e Theo Osterkamp, voou Fokker D-VII.

ASES dA AVIAÇÃO dE cOMBATE

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Este avião foi o único que vinha mencionado no Tratado de Paz dos Aliados, no qual estava referido, como condição, “a rendição de todos os aviões Fokker D-VII”.

MAJoR E. C. MANNoCK (MICKEy)

O topo dos ASES entre os pilotos ingleses, Edward (Mickey) Mannock, na 1ª Grande Guerra, em 1915 era inspector da Companhia de Telefones Inglesa na Turquia. Quando por esta altura a Turquia se alia aos alemães, Edward Mannock regressou a Inglaterra com problemas de saúde, particularmente com falta de visão. Depois de recuperado submeteu-se a um exame à vista para poder frequentar um curso de pilotagem que conseguiu superar.

Major E. C. MANNoCK (Mickey)

Já “brevetado”, em Abril de 1917, “Mickey” foi colocado na Esquadra 40 e, no primeiro mês, executou vários voos de patrulha e teve até alguns envolvimentos, mas sem haver qualquer sucesso. Em Maio de 1917, “Mickey” abateu um balão e foi preciso outro mês para ter o seu primeiro avião inimigo, abatido. Seguiram-se uma série de abates que lhe trouxeram a promoção a Capitão, no mês de Julho e a transferência para a Esquadra 74, que estava equipada com o S.E.5. O Sopwith S.E.5 não era tão ágil como o Sopwtih F.1

“Camel”, mas era mais veloz, mais forte e com um tecto de operação superior.

Sopwith S.E.5

Sopwtih F.1 “Camel”

Depois de lhe ter sido atribuído o Comando da Esquadra 85, o número de vitórias conseguidas por “Mickey” atingiu rapidamente o valor de 72, apesar de haver muitos aviões por ele abatidos, que ele “doava” aos seus pilotos mais jovens, para lhes elevar o moral. Em Julho de 1918 “Mickey” é abatido por fogo anti-aéreo, quando tentava dar apoio ao Tenente Inglis, um piloto novato, que estava a voar à sua asa e se tinha envolvido num combate com um avião alemão de dois lugares.

O Tenente Inglis abateu o avião alemão, mas apercebendo-se de que havia sacrificado a vida do seu Comandante, deu esta sua vitória a “Mickey” que passou à história dos ASES do Combate Aéreo, com 73 aviões inimigos abatidos.

TGenPilAv(r) José Armando Vizela Cardoso

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REcORdAÇÕES

Após uma vida longa e assaz movimen-tada, qualquer um de nós certamente terá muitas recordações que poderá rever.

No que me diz respeito, considerei por-ventura interessante relatar o meu aciden-te na Guiné em 1973 pilotando um DO-27, ocorrência única nas minhas mais de 10.000 horas de voo aos comandos da TIGER, T-6, T-33, VAMPIRE, F-84 E/G,F-86F, P-47 THUN-DERBOLD, FIAT G-91/R-4, CHIPMUNK, DC-4, DC-6, C-46 BEECHCRAFT, etc..

F-84

Quando em 1971 fui nomeado, sendo Te-nente-Coronel, para uma comissão na Gui-né em que, em princípio, iria exercer o cargo de 2º Comandante da então B.A.12, entendi que me deveria qualificar no FIAT G-91/R-4.

Apesar dos meus 42 anos, pensei que não me seria muito difícil retomar um ciclo de vida findo em 1959 no F-86F.

F-86

METEOROLOGIA dA GUInÉ

O clima na Guiné caracteriza-se por ele-vadas temperaturas e, na maior parte do ano, elevados níveis de humidade.

O vento em geral é muito fraco, à excep-ção da passagem das linhas de borrasca, constituídas por nuvens de desenvolvimen-to vertical – cumulonimbus- que originam chuva muito forte e ventos de grande inten-sidade, daqueles que ”levam tudo à frente”.

Estas linhas de borrasca, que se formam na época do ano em que a Frente Intertro-pical se situa nessa latitude, deslocam-se a alta velocidade de sudeste para noroeste, com uma extensão que praticamente cobre toda a largura do território.

O fenómeno meteorológico em questão, que aparece repentinamente, provocou bastantes acidentes e incidentes durante a guerra do Ultramar Português.

Lembramos o caso do acidente do heli-cóptero que se despenhou no rio Mansoa vitimando vários deputados da Assembleia Nacional, vários aviões que se acidentaram na aterragem em Bissau, e outros que se acidentaram na descolagem ou aterraram “in extremis”, em várias pistas a norte e no-roeste da província.

O artigo que se segue descreve os efeitos de tão traiçoeiro fenómeno.

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Aconteceu, todavia, que o 1º voo no T-33 em duplo comando não correu nada bem, porquanto não me sentia à vontade com a máscara de oxigénio, nem com o capacete e tinha perdido as referências agregadas a todas as manobras de voo.

Assim, quando regressei ao meu quarto na B.A.2 comecei a interrogar-me se não te-ria subestimado grandemente as dificulda-des inerentes a um desejado regresso que tinha já um interregno de 12 anos.

No final desta reflexão, considerei que o 2º voo no T-33 decidiria o passo seguinte, ou seja, se fosse positivo seguiria em frente para o FIAT G-91/R-4 e, caso contrário, teria de contentar-me com outra solução qualquer.

T-33

No dia seguinte, contrariamente aos re-ceios da véspera, o 2º voo no T-33 não pode-ria ter sido mais incentivador porquanto, de um momento para o outro, a máscara de oxi-génio e o capacete de voo passaram a ser-me familiares e as referências reapareceram sem esforço e o mais naturalmente possível.

Chegado à B.A.12, em conversa com o Comandante, o meu saudoso amigo e pri-meiro instrutor de voo, Coronel Moura Pin-to, acertámos que em adição às minhas funções de 2º Comandante da Base, faria missões no FIAT G-91 e em DO-27, con-forme fosse designado pelo Comando do Grupo Operacional (G.O.) e sem prejuízo da

minha missão primária de 2º Comandante da Base.

FIAT G-91

Tendo-me qualificado rapidamente no DO-27, passei a fazer missões TGER (Trans-porte Geral) entre sectores do Exército e RVIS (Reconhecimento Visual) em áreas de-terminadas e acompanhado pelo piloto que tivesse a seu cargo aquela zona, isto em adição às missões em FIAT G-91/R-4.

Bastantes meses mais tarde, ao efectuar uma missão TGER no DO-27, máquina voado-ra extremamente manobrável, quase ao termi-nar do dia tinha aterrado numa pista que apoia-va uma companhia do Exército, tendo a bordo um Coronel que comandava aquele sector.

Do-27

Aquela escala seria a última da missão, após o que regressaria à B.A.12. Enquanto o Coronel trocava impressões com o coman-dante da companhia, apercebi-me que se estavam a formar vários cumulonimbos de dimensão apreciável e que, aparentemente, vinham na nossa direcção.

Decidi então falar com o Coronel apressando-

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o a terminar a conversa por força do estado do tempo que piorava a olhos vistos e do avança-do da hora que poderia obrigar-nos a uma per-noita no local, o que parecia pouco desejável.

Apesar das minhas insistências para que se apressassem, quer o Capitão comandan-te da companhia, quer o Coronel coman-dante do sector pareciam ter orelhas mou-cas para o que lhes tinha dito.

Finalmente lá acabaram a conversa e em-barquei o Coronel e quatro praças que ti-nham terminado a comissão e dirigi-me para o início da estreita e pequena pista, já com os cumulonimbos muito próximos.

Do-27

Iniciada a corrida de descolagem e per-corridos 200 ou 300 metros, o vento lateral tornou-se tão forte que, com o leme de di-recção todo a fundo, o manche para o lado e travões de um só lado, nem assim foi pos-sível manter o DO-27 na pista.

Consciente de que ia entrar em terreno ”lavrado”, mantive o motor com a potência máxima e lá fui saltitando entre elevações de terreno até que embati com a asa esquerda, a cerca de um terço da ponta, num poste metálico que no lado esquerdo da pista se-gurava a manga de vento.

O embate foi de tal forma violento que cor-tou a asa e colocou a aeronave voltada para

a esquerda, mas a deslizar em frente, até que cheguei à pequena placa de estacionamento de onde tinha saído minutos antes, com o trem de aterragem dobrado e o hélice entortado.

Desligado o motor, cortado o combustível e a ignição, saí para fora da cabine verificando que, para sorte de todos, ninguém se tinha ferido a não ser o Coronel que tinha feito uma pequena escoriação numa canela, sendo logo tratado pelo enfermeiro da companhia.

Serenados os ânimos após o valente sus-to sofrido, várias coisas justificavam uma reflexão minha. Entre elas:

- Sabendo eu por muita experiência vivida, que tentar uma descolagem com cumulo-nimbos próximos nunca é recomendável e, menos ainda, com um DO-27 carregado e numa estreita pista do mato, deveria ter dito ao “nosso Coronel” ou vem agora ou fica cá, atitude por mim não tomada por consideração da mais idade e graduação;

- o acima expresso poderia ter conduzido a várias vítimas e levou, pelo menos, à destruição de uma valiosa aeronave; em suma, a consideração certamente que tem limites que, na circunstância não observei;

- por fim, e o que ainda mais me irritou comi-go próprio, foi o facto do “nosso Coronel”, restantes passageiros e algum pessoal da companhia terem tirado fotografias junto do destroçado DO-27 muito ao jeito do caça-dor africano que matou um elefante!

Na minha longa e variada carreira como Piloto Aviador, o acidente na Guiné poderia ter resultado na minha morte, o que só não aconteceu porque o destino não quis, ou ainda não era o dia!

General Pil.AV. José Lemos Ferreira

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O VOO nO BAc 167 “STRIKEMASTER”

Durante os quase catorze anos de guerra nos seus territorios ultramarinos, Portugal teve de enfrentar um forte boicote por parte de alguns Estados, particularmente em tudo o que se referia à aquisição de armamento.

Esta narrativa de factos que eu vivi é um paradigma das dificuldades que Portugal enfrentava para poder dar resposta às fren-tes da guerra subversiva que se desenrolava em Angola, na Guiné e em Moçambique.

Tudo começa em fins de Agosto de 1970! Eu estava colocado na BA2/Ota, na EICPAC (Esquadra de Instrução Complementar para Aviões de Caça), então equipada com o T-33 “T-Bird” e Comandada pelo Capitão PilAv- António José Vaz Afonso.

Porque o Cap. Vaz Afonso havia ido de férias, eu estava a Comandar interinamen-te a EICPAC e, cumprindo uma das rotinas, lá tive de ir a Despacho ao Comandante da BA2, o então Coronel PilAv Jorge Manuel Brochado Miranda. A certa altura do despa-cho, já com a maioria dos papéis assinados, o Comandante deu-me a seguinte novidade:

“ – A Força Aérea vai organizar um voo em DC-6 para levar pessoal ao Festival Ae-ronáutico de Farnborough e, porque há lu-gares disponíveis, veja lá na Esquadra se há alguém interessado em aproveitar esta via-gem a Inglaterra’!”

No dia seguinte, no “briefing” da manhã, perguntei aos pilotos, instrutores e alunos, se alguém estaria interessado em aproveitar este voo para Inglaterra?!

Porque ninguém estava interessado, quando de novo fui a Despacho ao Co-

mandante da BA2, comuniquei-lhe esta situação.

Perguntou-me então o Coronel Brochado Miranda: “- E você, não está interessado?”

Respondi-lhe: “Senhor Comandante! Até estaria interessado se me autorizassem a le-var a minha mulher, que já várias vezes me pediu para a levar a Londres.”

Disse-me o meu Comandante: “-Boa ideia! Vou propor isso.”

E no dia 07SET1970, lá fui com a minha mu-lher para Inglaterra no DC-6 Nº 6705, que saíu do AT1/Portela e aterrou em Benson, perto de Oxford, depois de ter passado por outra pista.

No dia 10SET1970, levantei-me cêdo para apanhar o comboio de Londres para Farn-borough, de modo a poder passar ali o dia a bisbilhotar as novidades no Mundo da aero-náutica, que este tipo de festival sempre nos proporciona.

Andava eu a deambular por entre as má-quinas voadoras ali em exposição, tirando umas fotografías, quando me apareceu es-baforido o Coronel PilAv- João Miguel Cor-reia do Amaral (então Chefe da 1ª Divisão (Pessoal) do Estado-Maior), que me diz:

“- Oh Vizela! Ainda bem que o encontro! Temos um compromisso com a BAC (British Aircraft Company) para irmos experimentar o BAC 167 “Strikemaster” e não consigo en-contrar o piloto (não me lembro quem era!) a quem se passou guia de marcha para estar aqui hoje e não consigo encontrá-lo. Impor-ta-se de vir comigo e substituí-lo, porque a reunião é dentro de poucos minutos?”

Obviamente que aceitei e quando dei por mim estava numa sala daquelas enormes

BOIcOTE A PORTUGAL dURAnTE A GUERRA dO ULTRAMAR

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tendas montadas pelas empresas constru-toras de aviões e assessórios, durante estas feiras aeronáuticas.

Durante umas boas duas horas fui sub-metido a uma série de briefings sobre os sistemas e componentes do avião “BAC 167 “Strikmaster” e sobre os regimes de voo, limites de operação e emergências. Terminada esta “lavagem ao cerebro” os técnicos da BAC, levaram-me a preparar o equipamento de voo e, depois de tudo pronto, fui para a tenda restaurante da em-presa, onde geralmente estão os “VIP’s” e potenciais clientes.

Para quem, quando se levantou pela ma-nhã, ia mentalizado para almoçar um ca-chorro e uma Coca-Cola, estar numa tenda daquelas, sentado numa mesa virada para a pista de modo a poder observar dali as evo-luções dos aviões que participavam neste festival aeronáutico e estar a almoçar opípa-ras iguarias (embora só acompanhadas de uns copos de água, porque ia voar!) parecia-me estar a viver um sonho!

Terminado o almoço e o festival, transpor-taram-me para a placa onde estava o BAC 167 “Strikemaster” (matrícula: G27.143”, que se vê na fotografia abaixo quando esta-va na exposição estática) para fazer um voo sob a supervisão do piloto que naquela tar-

de de 10SET1970, fizera o voo de exibição no Festival Aeronáutico de Farnborough.

O BAC 167 “Strikemaster” era a versão militar do avião de treino da Royal Air Force, o “Jet Provost”.

BAC 167 “Strikemaster” em voo

O BAC 167 estava equipado com o mo-tor “Vipers” da Rolls Royce e o seu com-portamento em voo era muito semelhante ao do Cessna T-37C. Haveria até um com-portamento mais estável nas baixas velo-cidades e a aterragem apanhou-se sem qualquer dificuldade. A sua velocidade, superior à do T-37C, e a sua capacidade em transportar armamento, davam-lhe ní-tida vantagem em relação ao velho roncei-ro T-6G “Harvard”, que naquele tempo, já enfrentava grandes limitações para operar em zonas onde havia reacção anti-aérea por parte dos guerrilheiros dos movimen-

BAC 167 “Strikmaster” Painel de Instrumentos do BAC 167 “Strikemaster”

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14 AFAP

tos de libertação, muito especialmente da Guiné e de Moçambique.

Depois desse voo e de uma troca de im-pressões sobre o voo com responsáveis da BAC, já no final deste longo dia, foram-me pôr a Londres, à “Oslo House” no bairro de Bayswaters, na viatura de um dos Directo-res da empresa.

No dia 12SET1970, o DC-6 (6705) regres-sou a Portugal e no dia seguinte estava no Estado-Maior (ainda na Av. da Liberdade, em Lisboa) a entregar o relatório desta ines-perada missão.

A perspectiva do BAC 167 poder subs-tituir o T-6G e o interesse da BAC em ven-der este seu produto, levou a que no dia 07DEZ1970,( em conformidade com o Des-pacho superior exarado no relatório que eu havia feito, a relatar o voo que efectuara a 10SET1970), uma delegação da FAP (Força Aérea Portuguesa) se deslocasse de Lisboa (aeroporto da Portela) até Preston (onde se localiza a fábrica da BAC), num birreactor executivo (Hawker Sidley 1125) usualmente usado pelos Directores da empresa.

Essa delegação da FAP era constituida pelo Ten-Coronel PilAv- Francisco Costa Gomes, pelo Major PilAv – Aurélio Benito Aleixo Corbal, pelo Tenente EngAer- Ventu-

ra e por mim, o Capitão PilAv José Arman-do Vizela Cardoso.

Ficámos alojados no típico hotel em Bla-ckpool e todas as manhãs íamos para as instalações fabris em Preston, para se fazer uma avaliação operacional ao BAC 167. A 09DEZ1970 coube-me voar uma missão de perfil operacional no BAC 167 (matrícula: G27.191), depois de já terem efectuado mis-sões idénticas os Ten-Coronel Costa Gomes e Major Corbal (que não chegou a completar a sua missão, devido a más condições at-mosféricas).

O parecer sobre o BAC 167, depois des-ta avaliação operacional, tinha o consenso desta delegação da FAP; não era um avião com grandes capacidades, mas substitui-ria com muitas vantagens, o lento e limita-do T-6G que estava a ser presa fácil para as anti-aéreas do inimigo, espalhadas pelos Teatros de Guerra da Guiné, de Angola e de Moçambique.

O negócio estava na calha final, mas o Governo británico, do Partido Trabalhista não o autorizou!!!

TGenPilAv(r) José Armando Vizela Cardoso

Cessna T-37C

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Carlos Tavares de Andrade Afonso dos Santos, nasceu em Lisboa a 13 de Agosto de 1890 e faleceu, na terra que o viu nas-cer, a 04 de Junho de 1973. Entre os que são conhecedores dos escritores de litera-tura portuguesa, Carlos Tavares de Andrade Afonso dos Santos é conhecido pelo pseu-dónimo “Carlos Selvagem”. “Selvagem” era a alcunha que lhe fora atribuída pelos seus colegas, no Colégio Militar, que frequentou entre os anos 1901 e 1907.

Na Escola do Exército, Carlos Selvagem fez o curso de Cavalaria e foi Oficial do Exér-cito português, até que solicitou a sua pas-sagem à Reserva, no posto de Major.

Carlos Tavares de Andrade Afonso dos Santos

Além de militar, Carlos Selvagem foi jor-nalista, autor dramático e historiador. Carlos Selvagem era dotado dum estilo de escrita muito equilibrada, simples e linear como a corrente de pensamento, o que permite uma

leitura muito leve dos seus trabalhos literá-rios, a tal ponto que, quando se começa a lê-los, não se tem vontade de parar.

Pessoalmente, para satisfazer o vício de ler qualquer coisa antes de fechar o cande-eiro da mesa de cabeceira, para adorme-cer, tenho sempre à mão a obra mais no-tável de Carlos Selvagem, um compêndio sobre a História Militar e Naval de Portugal, desde as origens do Estado Portucalense, até ao fim da dinastia de Bragança, com o título de “Portugal Militar”! Este extraordi-nário trabalho de pesquisa de Carlos Selva-gem proporciona de facto a quem o lê uma leitura repousante, absorvente e cultural-mente rica, sobre as obras valorosas feitas pelos nossos gloriosos antepassados, para construir um Portugal, soberano e inde-pendente, o tal país que os dirigentes dos nossos dias destruíram em pouco mais de quarenta anos. Por isto, Carlos Selvagem é um autor que não convém dar a conhecer às novas gerações, onde é importante para o regime vigente, da irresponsabilidade, dos apátridas e dos ateus, que elas des-conheçam a memória da sua história e ou-tros referenciais de valores éticos e pátrios, hoje substituídos por dogmas formatados em demagógica doutrina sobre a solidarie-dade virtual!

Por esta razão, e também numa singela homenagem a este camarada de armas e notável escritor, que muito admiro, lembrei-me de vir dar a conhecer ao estimado leitor do Boletim da AFAP, um dos poemas mais sublimes à criatividade do Homem, que só um génio literário, com a classe de Carlos Selvagem, nos podia proporcionar.

Este “prosa” admirável, pela maneira sin-gular como reflecte a capacidade criadora de Carlos Selvagem, pode-se admirar no último capítulo do seu livro, “Tropa de Áfri-

dIALOGO cOM O ROcHEdO PROFÉTIcO

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ca”, que foi publicado em 1919, e que o au-tor categoriza como “Jornal de Campanha de um voluntário ao Niassa”! De facto nesta obra, Carlos Selvagem descreve a sua sa-ída de Lisboa para ir defender o território de Moçambique, que a Alemanha havia in-vadido a partir da sua ex-colónia Rodésia do Norte (agora Tanzânia), abrindo a Frente Africana da 1ª Grande Guerra, para punir a decisão do Governo de Portugal em parti-cipar neste Conflito Mundial, ao lado dos aliados, bem como uma interessante pers-pectiva desta mortífera campanha vivida pelos militares portugueses, que ali tinham como inimigos os alemães, a malária e a cólera.

O último capítulo de “Tropa de África”, Carlos Selvagem dedica-o ao seu regres-so à Pátria, quando o navio em que viajava se aproximava da confluência do Oceano Índico com o Oceano Atlântico, e já se vis-lumbrava o contorno do imponente roche-do que a imaginação ardente e rica de Luis Vaz de Camões, nas suas imortais estrofes da Bíblia do nosso Passado, conseguiu personificar na temível figura do gigante Adamastor. Carlos Selvagem debruçado na amurada, sentia o brando sussurrar da brisa do mar levantada pela deslocação do navio e imaginava no contorno negro do ro-chedo aquela “figura disforme e de grandís-sima estatura, de rosto carregado, a barba esquálida,…, a boca negra, os dentes ama-

relos”, que aterrorizava os intrépidos nave-gadores portugueses que ousavam cruzar os mares destas paragens. Estava ele em-brenhado nesta idealização, quando o sibi-lar do brando vento lhe trouxe uma voz que o surpreendeu com um “olá” familiar, e que prosseguiu dizendo-lhe:

“Então também por estes sítios?!...A modos que te fiz surpresa?

Em verdade - volvi eu (o Carlos Selvagem a replicar!), não de todo refeito do espanto -

em verdade, não ousava…esperar tamanha honra!...

-Cantigas, menino!...Eu já não dou honra a ninguém, desde que vocês escogitaram das profundezas do bestunto o leme eléctrico, e as ondas hertzianas, e os grandes transa-tlânticos, e outras heresias igualmente corri-queiras…Por aqui me fiquei envelhecendo, com dentes menos amarelos e barba me-nos esquálida, graças à excelência da pasta Colgate e da lâmina Gillete que à infatigá-vel invasão do “business” americano devem estas areias bárbaras. Civilizei-me, amigo! Perdi a minha força, todo o meu prestígio. Banalizei-me também, que é, de resto, o que vai sucedendo a todo esse triste mun-do, com a vossa indigesta e chata civiliza-ção. E agora, bem embrulhado num casacão impermeável dos “dockers” de Londres, cá me resignei por fim, a esta lamentável situ-ação de patrão-mor reformado, que todavia de quando em quando se regala ainda de provocar e gozar muito naufrágiozinho com-pleto, muito danozinho verdadeiro, muita vítimazinha inocente,,,Nem tudo se perdeu, vamos! Honra seja feita ao meu compadre Neptuno!...

- E essas catástrofes, Adamastor, ao que vejo consolam-no?...

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- Saudades que se matam, amigo!...É uma desforra. Já o disse um dos vossos clássicos:

…Gosto amargo de infelizes,

Delicioso pungir d’ acerbo espinho.

Mas vocês defendem-se. Vocês apren-deram muito desde aquela noite azarenta em que ,por vez primeira, aqui me aparece-ram , à doida, num chaveco de madeira…Oh, muito me custou essa noite!...Depois…Acostumei-me! De cada vez me passavam à vista, traziam sempre invenções novas, novas engenhocas,,,E bem me cansava eu a meter-vos os chavecos no fundo, a cau-sar-vos danos e perdições de toda a sorte, a amedrontar-vos com toda a ferramentalha dos meus pavores…De nada serviu!”

E com esta deliciosa apresentação do velho Adamastor, este primoroso diálogo entre o mítico gigante e a rica imaginação de Carlos Selvagem prossegue, com uma abordagem a uma análise crítica à situa-ção do mundo, aos erros das estratégias seguidas por uma classe política “sem caco e sem bom senso” que,”…com um terço dos sacrifícios…teria obtido o triplo das van-tagens” e, ao estilo de Camões, fazendo uma referência a “…amores mal correspon-didos…”! Quase no fim do último capítulo deste livro “Tropa de África” o Adamastor faz uma curiosa profecia, no parágrafo onde ele começa a questionar:

“O que sucederá? – perguntaste-me tu há pouco. Sucederá, sem dúvida, que impo-tentes em África para inutilizares o “boche” e impor-vos ao “afrikander”, heis de passar pela vergonha de curvares a “cervis” dian-te dum e de outro; e impotentes na Euro-pa para prestardes à Inglaterra um auxílio valioso, efectivo, decisivo; a Inglaterra se desinteressará praticamente dos vossos in-

teresses vitais, resultando absolutamente improfícuo, inútil, inglório todo o vosso qui-xotesco esforço, apesar de vos ter deixado exaustos para afrontardes o pós-guerra. As consequências serão portanto equivalentes. Nem na Europa conseguireis compensações valiosas, nem em África os vossos interesses se podem considerar acautelados. E, no en-tanto, vós tereis queimado todas as vossas melhores energias e reserva; e em resumo, sereis de todos os Aliados, os únicos ven-cidos, amarfanhados, espoliados. Estamos em Setembro de 1917. Ninguém pode pre-ver ainda, ou presumir sequer, quantos anos mais durará esta hecatombe. Mas dure os meses ou anos que durar, não te esqueças nunca destas palavras singelas de profecia que me ouviste agora!...

Enquanto isto, o navio onde seguia Car-los Selvagem ia-se deslocando e “a voz” do gigante “vinda de muito longe, se perdia no marulhar da ressaca, nos bramidos do ven-to. Imóvel, truculenta, disforme, a silhueta basáltica do monstro esbatia-se já, longe, nas brumas cinzentas do horizonte, à beira de água. E mugindo plangentemente, pela voz da sua sirene, o paquete singrava sem-pre, com o casario da cidade à vista no anfi-teatro da sua vasta baía.

Horas depois entravamos nas docas de cape-Town; e eu, num jantar chic do Mont-Nelson Hotel, fazia por varrer inteiramente da memória todas estas sublimes facécias do velho rochedo profético…”

É deste modo que termina este magní-fico livro do ilustre militar, escritor e histo-riador, Carlos Selvagem, a quem dedico a minha admiração pela genialidade que con-seguiu por nos seus escritos e por ter sido um grande patriota!

TGenPilAv(r) José Armando Vizela Cardoso

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Esta foi, sem dúvida, uma das mais extraor-dinárias missões da nossa Guerra do Ultramar.

Pela acção em si de resgate imediato de um Piloto abatido, pela acção do piloto do helicóptero ao aterrar no local em que ocor-reu, numa das principais Bases da Frelimo no interior de Moçambique, pela prepara-ção técnica ou falta dela dos elementos da Polícia Aérea envolvidos, sem protecção alguma no terreno, desarmados, a não ser os dois aviões T-6 que freneticamente ten-tavam dissuadir quaisquer hipotéticos avan-ços do inimigo, indiferentes às 3 antiaéreas que poucas horas antes tinham abatido um camarada exactamente naquele local.

Dificilmente qualquer outra unidade espe-cial de combate teria feito melhor… com 3 homens no terreno, 3 T-6 e um helicóptero.

Nesta história que vos quero contar, os in-tervenientes não eram desconhecidos.

Embora permaneçam no limbo das muitas coisas que hoje nos importam pouco.

Eram Alferes, Soldados, Tenentes, Furriéis e Sargentos. Da Polícia Aérea e Pilotos. Da Força Aérea Portuguesa.

Nunca vi estes factos contados, por isso os conto aqui. Para que esta me-mória não se perca e como homenagem ao Malaquias, um Aveirense, Tenente Pilo-to Aviador da Academia Militar, ao Valde-mar Lobo, um Sargento Piloto natural de Cabo Verde (foi, anos depois, Piloto Chefe dos TACV), aos elementos da Polícia Aé-rea, com relevância para o Carlos Félix e demais pilotos milicianos intervenientes, Sarg Aj Eiró Gomes, Alf Baguinho e Fur Borges Ferreira.

É uma história de vários heroísmos, como tantos outros actos heróicos que uma gene-rosa geração perdida de portugueses prati-cou em todo o vasto Império que éramos, honrando a História, mas que hoje parece envergonhar um país que se amparou nos ombros de tantos desses humildes Solda-dos Desconhecidos, tentando esquecê-los agora, incómoda memória para os ideais contemporâneos.

Vamos então ao acontecido...

No dia 14 de Outubro de 1967, tive como missão fazer um RVIS no T-6 1753, a partir da minha Base em Vila Cabral, a capital do Distrito do Niassa.

O TEnEnTE MALAQUIAS

T-6 Harvard

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Esta missão seria executada em parelha com outro avião do mesmo tipo pilotado pelo Sarg Ajudante Eiró Gomes, num local que fica exactamente entre Vila Cabral e Marrupa.

o sítio onde o rio Luambala contorna o Monte

e a povoação de Cassembe

Chegados ao local, cada um de nós procurou detectar, debaixo da mata den-sa, sinais de vida recente, nomeadamente palhotas em que o inimigo se abrigasse. Embora à vista um do outro, escolhemos aleatoriamente dois locais diferentes. Eu fui um pouco para Norte do Monte que existe a Sudeste da povoação e o meu ca-marada procurava mais a Sul, junto ao rio Luambala.

O nosso objectivo era bombardear posi-ções inimigas e por isso íamos carregados com bombas, sem qualquer outro tipo de ar-mamento, como metralhadoras ou rockets.

E por ali nos mantivemos uns dez minu-tos a tentar descobrir por debaixo das árvo-res quaisquer sinais de vida, operação nem sempre bem-sucedida porque a camufla-gem era muitas vezes eficaz.

- Forte reacção Antiaérea! Estou a ser al-vejado!

Ouço subitamente pela rádio o meu ca-marada dizer-me.

Aquele meu camarada, que se expressa-va sempre com grande abundância de argu-mentos, talvez estivesse a exagerar... Pensei eu. Aquela zona nunca tinha sido referencia-da como capaz de conter tão forte presença de elementos da Frelimo.

E como eu ainda tinha todas as bombas, voei para junto dele, a um escasso minuto de voo de mim.

Ele afastou-se, disse-me que já não tinha armamento e orientou-me para a posição que lhe parecia ser a origem de tão inespe-rada actividade antiaérea.

Já a sobrevoar o local indicado por ele, entre o Monte e o rio, procuro encontrar pa-lhotas ou quaisquer outros sinais de activi-dade humana recente. Claro está que nada vi, e muito menos fogo de antiaérea.

Isto nos primeiros segundos… porque logo a seguir vi as tracejantes!

Tracejantes, que sulcavam rapidamente os ares na tentativa frenética de me encontra-rem. Ainda hoje as vejo com toda a nitidez.

Afinal era um caso demasiado sério e eu tinha que tomar rapidamente uma decisão. Pela direcção das balas, exactamente na vertical, eu devia estar mesmo em cima dos senhores meus colegas naquela Guerra, do outro lado dos argumentos, empenhados em cortarem-me as asas.

E eles queriam-me agora, a mim, lá em baixo…

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Pareceu-me (e bem, como mais tarde se verificou) que se largasse as bombas em “salva” (todas de uma vez) alguma delas (e eram 4) ficaria muito próximo do local dos disparos. Além do mais eu era agora o único avião no local com armamento e em caso de necessidade não tinha protecção alguma.

Decisão tomada, larguei-lhes as bombas em cima com o feroz desejo que fossem até à origem daquelas tracejantes que me rode-avam como formigas inquietas.

Estávamos agora os dois aviões sem ar-mamento. Nenhum de nós estava equipado com rockets ou metralhadoras. Já não podí-amos fazer mais nada.

Voltámos então às nossas Bases, como planeado.

O meu camarada a Marrupa.

E eu a Vila Cabral.

Escrito o relatório pelo Eiró Gomes, o Es-tado-maior da FAP em Nampula, deliberou que alguém devia ir investigar.

Nomearam o Tenente Malaquias.

Tenente Malaquias

Que chega a Marrupa uma semana depois daquele ataque que o Eiró Gomes e eu so-fremos.

A sua missão era colher o maior número possível de elementos de modo a avaliar se era necessária ou não uma operação com-binada com as Forças Terrestres.

E no dia 22 de Outubro, um Domingo, saiu com uma patrulha de 3 T 6. De Marrupa para aquele local. Nos outros dois aviões iam o Sargento Eiró Gomes e o Alferes Relego.

Este, acabado de chegar da Metrópole (Portugal Continental) após o curso de pilo-to miliciano, na sua 1.ª missão que poderia ser de combate. mas num avião sem rádio.

Por essa razão, o Relego foi avisado que deveria ficar “lá em cima” enquanto os ou-tros dois iam lá abaixo “cheirar”…

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Já no objectivo, cerca de 45 minutos afas-tados de Marrupa, o Tenente Malaquias dis-se pela rádio:

- Vou fazer uma passagem, eles disparam, vocês vêem e atacam a origem dos disparos.

O Tenente Malaquias, um piloto destemi-do, estimado e admirado por todos, tinha di-rigido do ar no seu T-6 uma companhia dos Comandos pouco tempo antes para o local de uma outra antiaérea, noutro sítio perto de Metangula junto ao Lago Niassa.

Nós dizíamos que ele tinha apanhado a arma “à mão” porque entrou em combate directo com eles para sinalizar a posição aos Comandos. E a antiaérea foi neutralizada.

Mas naquela manhã não foi assim.

O Tenente Malaquias entrou baixo, a ver. Na esperança de ser visto e assim desmas-carar a posição do fogo inimigo.

No sopé do Monte, naquela zona plana, desmatada, uma guarnição de atiradores estava há já uns minutos a municiar a arma.

A mesma de um conjunto de três que tão perto estivera de abater os nossos dois avi-ões uma semana antes. No silêncio da mata os operadores da antiaérea já tinham detec-tado há uns 15 minutos aqueles barulhentos aviões que se aproximavam.

Um encontro estava marcado.

Foi fácil prepararem-se. E já não era a pri-meira vez. Tiveram tempo para tudo.

O T 6 do Eiró Gomes ficou mais atrás e mais acima, como combinado para poder ter outro ângulo de visão. E o 3º elemento, o Relego, ainda mais alto, observava o desen-

rolar dos acontecimentos, mudo e quedo, sem comunicações rádio e ainda sem ne-nhuma experiência de combate.

O T-6 do Tenente Malaquias começa a sobrevoar aquele espaço quando a an-tiaérea isolada, no sopé do Monte à sua direita, mais adiante, já lhe estava apon-tada. As outras duas estavam perto uma da outra, junto ao rio, mais para a sua es-querda.

O Tenente Malaquias tinha o Monte à fren-te, à sua direita e o rio ao seu lado. Voava apontado a Oeste. O que via era aproxima-damente isto:

O seu olhar procurava balas tracejantes.

E elas não se fizeram esperar!

No chão, o artilheiro com o primeiro avião sempre na mira, não hesitou. Carrega deci-dido uma primeira vez no gatilho e uma sa-raivada de balas parte em direcção ao avião da frente.

O Tenente Malaquias reage e aponta as duas metralhadoras do T-6 contra ele e dis-para também na tentativa de o eliminar. O Eiró Gomes, mais atrás, também dispara contra a anti-aérea.

Argumentos extremos numa luta feroz de razões opostas.

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O artilheiro, experiente de outro episódio recente, frustrado, há tanto tempo prepara-do para aquele momento único, aguentou estoicamente, esperou pelo segundo exac-to, o dedo nervosamente encostado ao gati-lho da arma, as balas dos aviões a voarem a toda a sua volta, a mira a voar com o avião, o olho direito enfiado no alinhamento do T-6 da frente, a raiva de guerrilheiro controlada, o pensamento na Pátria que queria Liber-tar… e então apertou com um pouco mais de força, devagarinho, com toda a certeza do Mundo, aquele pequeno gatilho...

- Fui atingido!

Grita o Tenente Malaquias pela rádio, o braço direito praticamente decepado.

- Fui atingido! Nossa Senhora me valha!

As suas últimas palavras...

E o Relego, lá em cima sem ouvir nada, sem saber de nada, viu o T-6 do seu Chefe entrar pelo chão dentro e imobilizar-se numa nuvem de pó.

Sem arder.

Sem mais uma única rajada de fogo inimigo.

Não fizeram mais fogo.

O Sarg. Ajudante Eiró Gomes, assumin-do agora a função de comandante da pa-relha como piloto mais antigo e qualificado juntou-se rapidamente ao Alferes Relego e fez-lhe sinal para o seguir para a Base, em Marrupa.

O Tenente Malaquias ficou naquele planal-to, entregue a si, gravemente ferido, prova-velmente já sem vida depois daquela “ater-ragem” forçada, sem possibilidade de ajuda

daqueles dois que tudo viram mas nada mais podiam fazer. E os rádios dos aviões tinham um alcance limitado. Ninguém no Mundo os ouviria se pedissem socorro.

Regressados os dois a Marrupa, entre-gues àquele desespero, o Eiró Gomes, pela rádio ainda em voo e assim que teve con-tacto, pediu que se preparasse o Helicópte-ro para se ir recuperar o Tenente Malaquias ao mato.

E já no chão, sem esperarem por ordens superiores de ninguém, deliberaram em conjunto com todo o pessoal maior daquele Aeródromo de Manobra que tinha que se ir buscar o Tenente Malaquias.

O “pessoal maior” eram três Pilotos de T-6, um Piloto de Helicóptero Alouette III, o Sargento Miliciano Piloto Valdemar Lobo, o Alferes Bento e o Furriel Félix da Polícia Aé-rea. O Lobo, Piloto do Helicóptero, decidiu imediatamente que ia buscar o Tenente Ma-laquias, onde ele estivesse.

Sargento Lobo

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O Alferes Bento o Furriel Félix e o 1º Cabo Simplício da PA também se ofereceram.

o Furriel Carlos Félix, meses depois

destes acontecimentos

E lá partiram.

A pilotar o Helicóptero ia o Lobo (que dis-pensou o Cabo Especialista do Helicóptero para que não corresse riscos desnecessá-rios) acompanhado dos três elementos da Polícia Aérea.

Helicóptero Alouette III

Como armamento levaram apenas armas ligeiras e granadas…

Recordo que os elementos da Polícia Aé-rea tinham a função de protecção e policia-mento das unidades da Força Aérea e não tinham nenhum treino de combate na mata. Aqueles três elementos não estavam, de todo, tecnicamente preparados para o que se propunham fazer.

3 T-6 armados com metralhadoras acom-panharam o Heli não só para sinalizar o local mas também para dar a protecção ao resga-te do Tenente Malaquias.

Aos comandos os pilotos, por ordem de antiguidade na Força Aérea, Sargento Aju-dante Eiró Gomes, Alferes Miliciano Ba-guinho de Sousa e Furriel Miliciano Borges Ferreira.

Furriel Borges Ferreira Alferes Baguinho de Sousa

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45 minutos depois, chegados ao local do acidente, a baixa altitude, o Eiró Gomes, pela rádio, orientou o helicóptero para o lo-cal do T-6 caído.

O Lobo localizou logo o T 6 abatido no chão e reparou que o avião tinha caído e parado, sem fazer rasto algum. Não houve, portanto, nenhuma tentativa de aterragem forçada. O trem de aterragem estava recolhido.

O terreno tinha sido anteriormente des-matado, com as árvores cortadas pela base das copas. Havia vários troncos nus, altos, com mais de 1,5m, espalhados por toda a área. Provavelmente um deles arrancou a asa direita do T-6 que ali estava feito uma máquina sem alma, um túmulo improvisado.

O local teria sido anteriormente preparado para machambas (hortas) com as árvores cortadas e ali com muito capim já bastante alto, cerca de 2m de altura.

Era afinal um vasto largo de onde se avis-tavam, não muito longe, grandes palhotas escondidas que agora rente ao chão se viam bem, debaixo das grandes árvores segundo

o Lobo me disse. Alber-gavam certamente, ou talvez já não, muita gente.

O Lobo não encontrou de início um espaço se-guro para aterrar o heli-cóptero perto do avião abatido: havia muitas árvores cortadas, com troncos bastante altos. Muito perigo para o rotor de cauda, por não se ver o que poderia haver es-condido dentro daquele capim tão alto, com a agravante de não ter a preciosa ajuda do Cabo Especialista do helicóp-tero, impedido de ir a bordo naquela arriscada missão.

O Lobo deu outra volta e encontrou en-tão um pequeno troço de picada e aterrou, sempre a recear o pior para o helicóptero, a 50/100m do avião abatido.

Lá em cima, os T-6 do Eiró Gomes, Bagui-nho e Borges Ferreira mantinham-se vigilan-tes, às voltas sobre eles.

O Alferes Baguinho conseguia ver perfei-tamente várias palhotas com bastantes si-nais de vida actual o que o levou a perceber haver, com toda a certeza, bastante gente que ali vivia em permanência.

O Furriel Félix antes de sair do helicóptero ainda ouviu o Sarg. Ajudante Eiró Gomes di-zer pela rádio ao Lobo:

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- Ao 1º tiro ou sinal de hostilidades dos Turras sai daí!

A ameaça bem conhecida das antiaéreas não impediu nenhum dos pilotos que fazia a protecção ao helicóptero de se manter sobre a equipa de resgate, alvos fáceis, a proteger um helicóptero acabado de aterrar, imóvel, o piloto e os três ocupantes completamente à mercê de uma simples pistola, uma catana até, relativamente perto de várias e bastante grandes palhotas dissimuladas.

A gravidade da acção levou aqueles três pilotos a ignorarem por completo que voa-vam exactamente por cima das três antiaé-reas que no espaço de uma semana tinham alvejado 4 aviões a abatido um deles após um breve combate.

No chão, os três elementos da Polícia Aé-rea saltaram do helicóptero e desataram a correr, com a maca, desarmados para me-lhor se mexerem.

Acho que nenhum destes três jovens sabia exactamente o que estava a fazer mas, como dizia um camarada nosso, Oficial do Exérci-to, “cada um tinha o Inimigo que merecia”.

Escrevi “Inimigo” com letra grande porque este Inimigo mereceu-nos também.

O Lobo tinha aterrado junto da Base Pro-vincial de Instrução da Frelimo, soubemos de-pois, uma das mais importantes em Moçam-bique. Onde haveria dezenas de terroristas.

A verdade é que o Furriel Félix os viu per-feitamente. Eles estavam “LÁ mesmo!”

“Nas janelas das palhotas com os canhan-gulos apontados ao pessoal”, contou-me.

Expectantes e sem reacções.

Talvez paralisados pelo inacreditável da acção.

Se calhar manietados pelo espanto.

Ao ver um piloto de helicóptero aterrar cal-mamente no meio de uma das mais impor-tantes bases da Frelimo com três simples “polícias” que, desarmados, avançavam completamente indiferentes ao que quer que os esperasse, com um único objectivo: resgatar o Tenente Malaquias abatido há um par de horas.

Ou talvez tivessem achado por bem que a Força Aérea Portuguesa, perante aquele es-pectáculo de heroísmo desvairado, merecia que um dos seus pilotos pudesse ser res-gatado. Foi a impressão com que se ficou naquela altura.

Ou então, se calhar, talvez nunca venhamos a saber, resolveram evacuar do local à pres-sa a maior parte do pessoal para preservar os efectivos, com receio de represálias maiores. Afinal era uma grande Base de Instrução.

Provavelmente também terá contribuído uma hipotética neutralização das antiaéreas.

Os primeiros passos ao afastarem-se do helicóptero, a terem de lutar contra o capim alto que lhes tapava a visibilidade, sem sa-berem o que os esperava junto ao avião der-rubado, levaram à desorientação momentâ-nea do Alferes. O Furriel Félix só conseguiu “reanimá-lo” com uma saraivada de impro-périos bem à moda do Porto, aos gritos, que o fizeram recuperar…

A caminhada daqueles três na direcção do T-6 abatido, no meio daquele capim, pareceu-lhes uma eternidade. E o Furriel Félix, na sua corrida atabalhoada, encontrou no chão um braço ainda enfiado na manga

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do fato de voo, que carregou consigo até ao corpo a que pertencia.

Ainda hoje o Carlos Félix tem insónias quando se lembra do que viu ao chegar ao avião abatido, quando aquela imagem lhe reaparece, amiúde, teimosamente:

“O Ten/Pilav MALAQUIAS, sentado em cima do pára-quedas a olhar para mim...

Palavras para quê? ...As lágrimas teimam em aparecer”.

E no helicóptero com o motor a trabalhar, as grandes pás do rotor a girar num cres-cente nervosismo, o Lobo não tinha a mí-nima visibilidade. Estava rodeado de mato, capim alto quase à distância de um braço, sem horizonte algum!

Sem ver absolutamente nada! Sem saber o que se ia passando!

E esperou… Sozinho…

Lá de cima os três aviões de segurança descobriram entretanto um guerrilheiro ar-mado a uns 20m do helicóptero. Fizeram vários voos em picada ao local gritando pela rádio ao Lobo para sair dali porque corria perigo.

Mas ele não podia abandonar os outros três!

E esperou. Rodeado de capim. Completa-mente desprotegido.

Esperou... 5 infindáveis minutos…Os mais compridos 5 minutos da sua vida!

Ajudando-se mutuamente, os três elemen-tos da Polícia Aérea retiraram o corpo sem vida de dentro do T-6, recolheram o material que não devia ali ficar e regressaram rapi-

damente ao helicóptero com a maca, onde depositaram os restos mortais do Tenente Malaquias e o pouco material recolhido.

Em cima do corpo colocaram-lhe rapida-mente o braço direito. Visão terrível, confes-sou-me o Lobo.

Relato do então Furriel Félix numa mensa-gem que me enviou:

<< A história do Malaquias está contada por quem viveu parte dela pelo ar e a ou-tra pelo que viu ou lhe contaram, a minha, é aquela que foi vivida “in loco”, com um Alferes quase a desmaiar quando deixa de me ver, eu a ver os Turras a espreitar-nos e o Simplício à espera do sinal, para vir com a maca e transportarmos o Ten/PILAV Mala-quias, que julgávamos vivo e que infelizmen-te já estava morto.

Vá lá que também ainda estou vivo para contar, lembras-te? (dirigindo-se ao Lobo numa mensagem que me enviou para ele) Com tantos tiros dos aviões a darem-nos cobertura, tu aos zig-zagues com medo que atrás das medas de capim estivesse algu-ma anti-aérea e eu aos saltos para entrar no Héli. Parecia o VIETNAM. Com pouco mais de 20 anos tínhamos que estar preparados para a Guerra, a geração de hoje com 20 e muitos ainda estão com RSI! >>

O helicóptero levantou logo voo com a sua triste carga e com os cinco Ilustres Sol-dados Desconhecidos, um deles já cadáver, em direcção a Marrupa.

Sem nenhuma reacção do Inimigo…

Poucas horas após o resgate do corpo do Tenente Malaquias, portanto nesse mesmo Domingo, sobrevoei o local no T-6 matricu-lado 1780, sem de nada saber, em trânsito

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de Vila Cabral para Marrupa, operação já prevista anteriormente para colaborar nou-tras acções.

Aterrei em Marrupa antes do fim desse dia 22 de Outubro de 1967, no meio de um am-biente de cortar à faca.

Um dos nossos tinha sido abatido!

E a terminar e para que se perceba me-lhor porque é que considero estes He-róis Soldados Desconhecidos, digo-vos a título de exemplo que o Lobo, que foi

português durante 35 anos até à indepen-dência de Cabo Verde, 10 anos piloto da Força Aérea Portuguesa, com 2 anos de comissão na Guerra do Ultramar, louvado pelo Comandante do AB 5 e pelo Coman-dante da 3ª R. Aérea (OS Nº 020, de 15 FEV68, do COMRA 3 e OS Nº 49, de 27 FEV 68, do AB 5) ) o Lobo pediu há tem-pos a Dupla Nacionalidade.

- Foi-lhe recusada!

Cmdt. Gabriel Cavaleiro

Marrupa

Eu em Marrupa, por essa altura

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Depois de tanto falatório e polémica à vol-ta do Spitfire que se encontra em exposição estática no Museu do Ar em Sintra, chegou finalmente a altura de pôr os pontos nos i’s sobre este avião.

Os primeiros “Supermarine Spitfire” de origem inglesa, (18 unidades da versão “Mk. Ia”), chegaram a Portugal por via marítima em finais de 1942. Foram montados nas Oficinas Gerais de Material Aeronáutico (OGMA), se-guindo depois para a Base Aérea nº.3 (Tan-cos), onde formaram a esquadrilha XZ.

No ano seguinte chegaram, também por via marítima, mais 34 aviões Spitfire, mas na versão “Mk Vb”.

A terceira remessa de aviões chegou em 1947. Era constituída por diversos modelos “MK VbF” convertidos em “Mk VbLF”, num total de 60 aviões, que vieram a voar da Grã-Bretanha, e que formaram as esqua-drilhas MR e RL.

Infelizmente, todos os “Spitfire” foram abatidos ao activo e só mais tarde o Museu do Ar, verificando esta lacuna, tentou pro-curar a existência de qualquer peça, pelas diversas unidades da FAP e no Depósito Geral de Material da Força Aérea (DGMFA), não tendo sido possível encontrar nada.

Spitfire Mk.I da RAF

Devido ao elevado número de aviões que tinham servido a Aviação Militar Portuguesa e a sua história a nível mundial, considerou-se de grande importância encontrar um exemplar para o acervo do Museu do Ar, pese o facto de o seu valor ser incalculável (priceless).

Desde 1969, de entre as várias entida-des contactadas em diversos países, que pudessem ter algum exemplar, para possí-vel troca por um avião que o Museu tives-se disponível, não se obtiveram quaisquer resultados, devido ao reduzido número de “Spitfire” sobreviventes, considerados, ali-ás, peças raras.

Chama-se a atenção para o facto do Mu-seu do Ar ter sempre optado pelo sistema de “troca”, por se saber que o valor de com-pra ou venda destes tipos de avião, era de-masiado elevado; o Museu da RAF em 1979, afirmava de que um Spitfire quando (ou se) aparecer no mercado, poderá atingir um preço de até 50.000 libras.

Em 1983, o Adido Militar da Embaixada da República da África do Sul em Lisboa, con-tactou o Museu do Ar com vista a se realizar uma troca de um Spitfire, por um avião do acervo do Museu do Ar.

A República da África do Sul mostrou-se muito interessada no avião Bristol Beaufi-ghter, por não ter nenhum exemplar destes (só existiam 7 aviões em todo o mundo), tanto mais que tinham servido na South Afri-can Air Force (SAAF).

Restavam na altura em Portugal apenas dois exemplares do Bristol Beaufighter TF (Torpedo fighter) “Mk X”, com dois moto-res Hercules XVII de 1770 Hp, em muito mau estado; tinham servido na Esquadrilha B das Forças Aéreas da Armada designação à época da AN (Aviação Naval), colocada na

O “SPITFIRE” dO MUSEU dO AR

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Portela de Sacavém no total de 16, recebi-dos em 1945.

Durante alguns anos os dois sobreviven-tes permaneceram no Instituto Superior Técnico (IST) em Lisboa, para apoio e es-tudo nos cursos ali ministrados até 1964, onde estiveram sempre estacionados ao ar livre, tendo sido transferidos para Alverca.

O Museu do Ar em 1974 ainda tentou através de uma encomenda de trabalho, a reparação do avião Beaufighter BF-10 nas OGMA, mas por falta de manuais técnicos e desenhos, a reparação não se chegou a re-alizar tendo sido solicitada a guarda do que restava da aeronave, para possíveis trocas com outros Museus.

Depois de ponderadas as circunstâncias sobre as mais valias, historial aeronáutico nacional e valor de mercado de ambas as aeronaves, ficou estabelecido superiormen-te, fazer-se uma visita à África do Sul e ver “in loco” as condições físicas do Spitfire para então se tomar uma decisão.

O antigo Director do Museu do Ar, Sr. Co-ronel Edgar Cardoso, deslocou-se à Africa do Sul onde efectuou as primeiras conver-sações, das quais resultou um protocolo as-sinado entre a SAAF e a FAP em Janeiro de 1980, para a troca de um Beaufighter por um Spitfire, sem qualquer custo adicional e com a entrega final, em Alverca.

Num curto espaço de tempo, o Beaufi-ghter escolhido, tipo 156, matrícula BF-10 da AN, nº. de construção BAWW 11708, nº. de série RD 220, foi desmontado e acondi-cionado em dois grandes contentores metá-licos na OGMA, para uma longa viagem via marítima, com destino ao Museu da Força Aérea da África do Sul a fim de ali ser restau-rado para a condição de voo.

Bristol Beaufighter BF-10 em Alverca

(o Director do Museu do Ar,

Gen. Cunha Cavadas e o autor)

Apenas foram retiradas duas pás de héli-ce com extrema corrosão, uma para estudo e outra para mais tarde vir a ser exposta.

Os contentores viajaram do Porto de Lis-boa no navio “Leiria”, via Barcelona, tendo chegado ao porto de Durban na África do Sul em 27 Maio de 1983, e dali seguiram por estrada com acompanhamento moto-rizado da polícia local, e no meio de al-gumas peripécias caricatas, para Pretória, onde seria preparado nas oficinas do Mu-seu Sul Africano na Base Aérea de Swar-tkop, sendo mais tarde transferido para o Depósito Aéreo nº 1.

Passados longos meses, foi contac-tada a Embaixada da África do Sul para saber da situação do Spitfire, que tinha sido acordado para a troca, obtendo-se como resposta que, em breve, o avião seria entregue.

Passaram-se muitos meses, anos até, quando surgiu alguma informação sobre a situação com o envio de diversas fotogra-fias, para mostrar a evolução dos trabalhos.

Na verdade, o que se tinha passado, fora que o Director do Museu do Ar, quando se

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deslocou à África do Sul, foi levado a um parque com diversas aeronaves muito dani-ficadas junto de alguma sucata, onde tirou uma fotografia junto de um hélice metálico de 4 pás.

Só muito mais tarde se veio a saber, que na realidade, não existia nenhum avião Spi-tfire completo, mas apenas algumas peças soltas muito danificadas de um “Mk IX E” de asas cortadas, com o número de série ML-255 de origem.

Entretanto, a SAAF, procurou em diversos países, incluindo a Inglaterra, um avião “Mk V” para satisfazer a troca, tendo apenas en-contrado no estrangeiro, uma fuselagem e um motor.

O avião foi praticamente feito de novo, porque das asas só foi aproveitada a estru-tura inferior e, na fuselagem, grandes partes foram substituídas e reconstruídas nas ofi-cinas do Museu da África do Sul; as asas foram totalmente construídas para o efeito e só passados 6 (seis) anos, o Spitfire com-pleto, foi finalmente entregue ao Museu do Ar, em Alverca.

Foi transportado desmontado via ma-rítima de Cape Town em 29 de Junho de 1989, chegando ao Porto de Lisboa em 17 de Julho e montado em poucas horas, nas traseiras do Museu do Ar em Alverca, por 6 elementos do Museu da SAAF.

Entregue oficialmente no dia 24 de Julho de 1989, com uma pequena cerimónia na presença do CEMFA, Sr. General Concei-ção Silva, o Embaixador da África do Sul, o Director do Museu da África do Sul entre outras individualidades, foi oferecido um álbum fotográfico sobre a reconstrução do avião e um video da montagem final no Mu-seu do Ar, em Alverca.

O Spitfire já vinha pintado com um es-quema de pintura da época, previamente indicado pelo Museu do Ar para o modelo “Mk Vb” com a matrícula MR+D, mas o mo-delo que foi entregue não era de nenhuma das versões que a aviação naval portuguesa tinha tido, mas sim uma versão do “Mk IX” e com a matrícula MR+Z.

Spitfire antes da modificação no Museu do Ar,

em Sintra

Este aspecto foi largamente discutido e prometido que seria revista a alteração para o modelo “Mk Vb” em breve, só que levou muito tempo a realizar-se essa modificação, o que deu azo durante esse período, a mui-tas críticas de quem conhecia as versões utilizadas em Portugal.

Finalmente, só em 2012, uma equipa de pessoal do Museu do Ar, fez a tran-formação possível, incluindo a altera-ção do hélice de 4 pás para um hélice de 3 pás, tal como a configuração dos depósitos de óleo e das metrelhadoras, ficando de se melhorar quando oportu-no, para a configuração final do modelo, que realmente existiu na aviação naval portuguesa. O exemplar encontra-se ac-tualmente em exposição no Museu do Ar, em Sintra.

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Sabe-se entretanto, que o Beaufighter s/n RD 220, exemplar trocado com a África do Sul, nunca foi preparado para voo e no ano 2000, foi adquirido pelo National Mu-seum of Scotland; encontra-se numa fase de restauro no Hangar 3, do National Mu-seum of Flight em East Fortune, entre Edin-burgo e Dumbar, na Escócia.

O outro Beaufighter TF Mk X, matrícula BF-13 da AN, s/n RD 253, foi oferecido ao Museu da RAF ao abrigo da velha aliança en-tre Portugal e a Grã-Bretanha, por ocasião do Cinquentenário da Aviação Portuguesa (1964).

Este avião foi desmontado no IST por pessoal do Museu da RAF (Royal Air For-

ce Museum), e transferido de Alverca para o Museu da RAF em Hendon, Londres, en-contrando-se ali em exposição desde 1972, depois de totalmente restaurado.

Refira-se, em conclusão, que o autor des-tas linhas acompanhou de perto, desde o início, todo este processo movido apenas pela curiosidade histórica e aeronáutica.

Não quero terminar sem agradecer ao Mu-seu do Ar, o apoio na consulta dos elementos essenciais para a preparação deste texto e para a reprodução de algumas fotografias.

Engº. Aeronáutico Jorge H. Lima Basto

Spitfire depois da modificação no Museu do Ar, em Sintra Painel de instrumentos Spitfire

Bristol Beaufighter no Museu da RAF em Hendon, Londres (ex BF-13 da AN)

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ESQUAdRA 751

“PARA quE oS ouTRoS VIVAM”

Das múltiplas missões da Força AéreaHá uma que eu acho a mais abrangentePois quer esteja bom tempo ou intempérieArriscam a sua própria vida a salvar gente

Qualquer S.O.S. que chegue à EsquadraVoam, audazes, em condições adversasTêm como lema responderem a chamadaPorque o dever está acima de “conversas”.

Ao “Cabo do Medo”, onde não há bonançaChega, vindo de longe, um vento assobiadoDo ar, surge uma promessa, uma esperançaArrancando àquele inferno algum estropiado.

Num ápice, um herói, desce num cabo d’açoIça-o para o Helli onde espera gente eficienteE voa para o hospital enquanto é estabilizadoEntregando a uma equipa o resgatado doente.

Salvo da morte, mais um ilustre desconhecidoNão tendo em conta os perigos que passaramPois a fama não conta, mas o dever cumpridoQue os deixa felizes pelo bem que praticaram

Com este poema presto aqui minha homenagemAos temerários heróis que muitos de nós olvidamPelo exemplo, abnegação e tanta, tanta coragemExpondo a sua vida “Para Que Os Outros Vivam”.

Manuel Amendoeira Sócio efectivo nº. 2440

OS nOSSOS POETAS

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“Passagem à reserva”Despedida, nostalgiaInspirais sempre emoçõesDe métrica e harmoniaEm pessoa ou Camões

Bem longe desta linhagem,Hesito, tento escreverCurta singela mensagemCongeminada ao correr

Reserva da Força AéreaPouco de activo te deixoTalvez por fraca matériaNunca, porém, por desleixo

Sinto serem diminutosOs serviços que presteiForam-no em mais de oito lustros,Os quais nunca olvidarei

Pois fiz um pouco de tudo,Muito mais imaginei,Nem sempre mui conformadoObedeci, comandei.

Mesmo quando admoestadoEu jamais me envergonheiForça Aérea PortuguesaEstudei, engenhei, voarei,

Mas devo-te com certezaBem mais do que legareiEm ti se sente a amizadeA amargura mal provei,

E sempre com lealdadePor bem fazer esforçareiAgora vou jardinarEm árvores que plantei

Muito há a cultivarAinda não termineiQuatro netos a velarTambém por eles correrei!

Major General Engel. (r) Augusto da Conceição Cruz

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cHIPMUnK EM MAFRA!?

As aulas nas escolas primárias come-çavam muito cedo. O gelo acumulado nas vale tas atestava o inverno rigoroso que se fazia sentir, sem afectar a minha boa dispo-sição e a dos meus colegas, que aprovei-tavam um derradeiro jogo de berlinde e de pião até tocar o sino.

Naquele dia, a rotina foi subitamente que-brada com um estranho avião a voar muito baixo. A rapaziada alvoroçou-se e os pro-fessores vieram para o pátio de recreio ver as arriscadas manobras que aquele piloto desconhecido executava com muita perícia. Pelo ronco do motor, não podia ser um T-6, pensei, mas que raio de avião será este?!, da Força Aérea é certamente, pois via-se a Cruz de Cristo pintada nas asas e fusela-gem. Durante largos minutos fez várias figu-ras acrobáticas até que, numa delas, desa-pareceu por detrás dos telhados da escola, como quem vai embater no solo. Nervosos e assustados, fomos ver se o avião tinha ca-

ído. Para alívio geral, o avião ganhava altitu-de e disse adeus com o tradicional abanar de asas.

Da minha janela, voltada a sul, por volta das sete da tarde, vi passar um militar di-ferente dos da Escola Prática de Infanta-ria: vestia farda cinzenta clara, camisa azul celeste, divisas de sargento e, do lado do coração, destacava-se um objecto doirado, com duas asas – o brevet de piloto. Segui-o com curiosidade e, para espanto meu, entrou em casa do António da Bela, pai da Teresa, enfermeira no hospital de Mafra. De-pois do trabalho ainda ajudava a mãe Maria da Bela a tratar da vaca, do porco e demais criação.

Teresa e Relvas casaram.

Cheguei à BA7, S. Jacinto, a 23 de Janei-ro de 1967 para iniciar o curso de Oficiais Milicianos Pilotos-Aviadores da Força Aérea Portuguesa. Despachadas as formalidades administrativas, jantámos a saborosa ome-

MEMÓRIAS dO GATO

Avião Chip Munk

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leta de queijo no Gato Preto. No dia seguinte fomos distribuídos pelos respectivos instru-tores e notei que havia um chamado Relvas! Pedi-lhe licença para me apresentar e quan-do ele ouviu Mafra, perguntou-me, conhece o António da Bela? Se conheço, respondi-lhe entusiasmado, além de meu vizinho, sei que é pai da Teresa, sua mulher.

Com o andar dos tempos, conheci diver-sas histórias do tenente Relvas, existindo uma que ansiava confirmação. Caro Relvas, tem um minuto para me dar, quero contar-lhe uma peripécia passada há cerca de quinze anos, que suponho tenha sido o se-nhor o protagonista. Um Chipmunk fez uma valente rapada à escola primária de Mafra, por “acaso” bem próxima da casa de uma mafrense chamada Teresa. Por qualquer ra-zão, entrou em descontrole ficando em sé-rios apuros!? Não me diga nada, exclamou o nosso tenente aviador, foi o maior susto da minha vida, o avião entrou em vrille, e “vi” o terreno baixar-se para dar passagem ao avião! Foi um grande e inesquecível cagaço.

Já a voar na TAP, parei no Pedro dos Lei-tões, na zona da Bairrada. A meio do al-moço senti um toque no ombro. Olhei e vi o Relvas. Apresentei-lhe a minha mulher e ele fez questão de nos levar a casa para be-bermos um copo de vinho da Bairrada por ele fabricado. O António da Bela já falecera, mas a Maria da Bela e a Teresa fizeram-nos uma grande festa.

Retomada a viagem, comentámos: A Ma-ria da Bela ainda se mexe bem, apesar da idade…

Tenente Miliciano PilAv Francisco Gato

NoTA DA REDAÇÃo: o nosso querido amigo Relvas

já faleceu há cerca de 5 anos, mas a sua memória

continua bem viva.

NoTíCIAS PELA INTERFoNIA

Dia 3 de agosto de 1968.

Férias, Forte de Santo António, Estoril, Sa-lazar bate com a cabeça no chão após que-da desamparada. Manda guardar segredo, e só a 4 de Setembro admite sentir-se do-ente. Pela calada da noite de 6 de Setembro é transportado ao Hospital de S. José, onde é operado a um hematoma intracraniano no dia 7. Afastado do Governo a 27 de Setem-bro, é substituído por Marcelo Caetano.

É humanamente impossível guardar se-gredos de Estado, mesmo em regimes tota-litários. O calista, o barbeiro, a governanta, é gente a mais para garantir sigilo. Através de comunicados oficiais foram obrigados a criar uma evolução fictícia. Só a sua morte, a 27 de Julho de 1970, acabou com a vida institucional inventada pelos seus algozes.

Fins de Novembro de 1968.

Num voo de instrução em T-6, notei que a interfonia estava 5 por 5!, o que era raro. O grande pro blema dos instrutores era a hor-rível qualidade do intercomunicador. Para evitar abortar a mis são, eram obrigados a gritar chegando ao fim dos voos estoira-dos e roucos. O aluno fizera o Chipmunk comigo. Pensei em pregar-lhe uma partida. Enquanto o voo decorria, fui imagi nando a forma e o tempo de o surpreender. Pensei que seria divertido utilizar o bom estado da interfonia. Repeti mentalmente o teor da im-portante nova. Memorizado o seu conteúdo, sintonizei no ADF o Rádio Clube Português, que estava a transmitir música. Subitamen-te, disparei a seguinte “notícia”:

“Atenção senhoras e senhores ouvintes, notícia de última hora – Acaba de falecer o Doutor António de Oliveira Salazar…”

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O senhor alferes ouviu?!, exclamou o alu-no, morreu o Salazar, E você está satisfei-to?!, retorqui, tome lá cuidado, se a PIDE sabe da sua reacção, Senhor alferes, insistiu o aluno, e quem vai informá-los desta minha atitude, Como é que tem a certeza de que eu não vou bufar?!, contra-ata quei, vamos aterrar para eu participar a ocorrência, o avião é meu.

Dirigi-me para a perna de entrada do cir-cuito de aterragem. Rolei para a placa e pa-

rei no estacio namento. Mandei-o sair. Quan-do por mim passava e viu o gozo espelhado no meu rosto, exclamou:

Fui bem enganado, o senhor alferes é dia-bólico, Aprenda que eu não duro sempre! Concordei, se continuar assim tão ingénuo, poderá sair-lhe muito caro.

Ambos rimos despregadamente…

Tenente Miliciano PilAv Francisco Gato

Avião T-6 Harvard

Painel do Avião T-6 Harvard

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Estávamos em Janeiro de 1976.

A poeira da euforia da revolução dos cra-vos ainda não tinha assentado.

A caça às bruxas continuava.

Várias figuras públicas que tiveram êxito antes do 25 de Abril, eram agora persegui-das politicamente, muitas delas por incita-mento de determinados sectores políticos que as associavam ao antigo regime.

Uma dessas figuras foi a nossa grande diva do fado Amália Rodrigues.

Curiosamente, o seu valor foi reconhecido por um dos líderes comunistas, Nicolae Ce-ausescu presidente da Roménia, que pediu ao Governo Português que a convidasse para uma série de espectáculos em Bucareste.

Foi decidido enviar uma embaixada ar-tística, composta pelo rancho folclórico de Santarém, a nossa Amália Rodrigues e os seus guitarristas, sendo um deles o então jovem Jorge Fernando.

A Força Aérea foi incumbida desse trans-porte em Boeing 707, para o que fez todos

os preparativos, incluindo os pedidos de sobrevoo através do nosso Ministério dos Negócios Estrangeiros.

O voo seria feito no dia 25 de Janeiro, de manhã, regressando o avião só com a tripu-lação no dia imediato.

Normalmente, as autorizações de sobre-voo chegavam uns dias antes dos voos, para que as tripulações tivessem a garantia da execução da missão sem restrições e para permitir a sua inclusão nos planos de voo.

No caso vertente, isso não aconteceu.

O nosso Ministério não teve capacidade de resposta, e no dia do próprio voo a au-torização de sobrevoo da antiga Jugoslávia ainda estava em falta.

Contactado o ministério, não houve respos-ta, tendo-se deslocado ao AB1 um seu funcio-nário com uma desculpa “esfarrapada”.

O voo estava definitivamente atrasado, se não cancelado.

Mas, como o aviador nunca se “enras-ca” foi resolvido telefonarmos nós próprios ao Embaixador da Jugoslávia em Lisboa, e fazer-lhe o pedido directamente.

Este pedido foi imediatamente deferido, sendo que o número da autorização seria emitido dentro de duas horas.

O funcionário do nosso Ministério ficou furioso com a nossa iniciativa, mas “comeu e calou”.

O então Comandante do AB1, ofereceu um almoço aos passageiros, sendo que o autor deste artigo teve o prazer de almoçar ao lado da nossa Amália.

VIAGEM A BUcARESTE cOM AMÁLIA ROdRIGUES

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O almoço foi muito animado, dada a cor-dialidade com que esta grande Senhora tra-tava toda a gente.

Durante o almoço, a Amália Rodrigues brincou com o então iniciado Jorge Fernan-do e apreciou o menu, dizendo que já estava com saudades da pescada cozida com ba-tatas e ovos que lhe foi oferecida.

Finalmente chegou a hora da descolagem, e lá seguimos no avião 8801 rumo a Bucareste.

Ao passarmos à vertical de Sarajevo, o controlo de Tráfego Aéreo, no primeiro con-tacto rádio, lançou a seguinte pergunta:

A Amália Rodrigues está a bordo?

O voo continuou sem incidentes até Bu-careste onde, apesar do frio intenso e gran-de nebulosidade, nos aguardava uma im-portante comitiva de boas vindas.

No dia seguinte, após uma visita à cidade, regressamos a Lisboa.

Descolamos, aterramos, não partimos… foi um sucesso!

Coronel PilAv (r) João Ivo da Silva

O TEnEnTE cOROnEL TAMAGnInI BARBOSA

MEu AMIGo HEXAGoNAL

Tratavam-no por Mariano aqueles que o conheciam há muito tempo e se tinham in-teressado em procurar a sua amizade. Era um homem com várias facetas, todas elas sérias e risonhas ao mesmo tempo.

Era um Português à moda antiga, que acreditava na nossa cultura e nos nossos

valores seculares; era um Macaense, de olhos quase em bico, sempre a olhar o sol nascente como raiz e fonte dos seus valores universais; tinha pela Força Aérea uma pai-xão de homem adulto, consciente, interiori-zada, mas sempre sonhadora; teve, na de-fesa dos ideais (e dos “cabedais“ da AFAP), um interesse desmedido, um amor tardio; distribuía sem reservas amizade e camara-dagem a todos que dele se abordavam.

Mas o hexágono das suas qualidades tinha um lado maior que os outros: era também um

Aeroporto de Bucareste

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homem íntegro, sem perfídias nem enganos, norteado por grandes valores como a lealda-de, o espírito de serviço, o manter-se na rota dos grandes princípios humanistas.

Foi triste vê-lo partir, mas a sua memória vai acompanhar-nos muito tempo.

Ten.Cor (r) Morais Pequeno

O MAjOR ALVES PEREIRA

Faleceu o Major Alves Pereira.

Aqueles que frequentaram os cursos de pilotagem nos anos 50/60 do século passa-do, decerto se lembram com muita ternura deste homem que foi o nosso comandante da Esquadra de Instrução Elementar de Pi-lotagem na BA7 em Aveiro.

Conhecido pelo “FEFE” devido à sua ma-neira peculiar de falar, era estimado por to-dos os que serviram sob o seu comando.

A sua competência como Chefe e a sua rela-ção com os alunos e com os restantes subor-dinados era muito justa e amistosa, pelo que ainda hoje é lembrado com grande saudade.

Que Deus tenha a sua alma em descanso.

Coronel PilAv (r) João Ivo da Silva

o Major Alves Pereira com alunos do curso P2/61

AQUELES QUE PARTIndO PERMAnEcEM nA nOSSA MEMÓRIA

Ten.Cor António dos Santos Frias

1936-06-30 - 2013-08-26

Dr. Adriano Freitas1938-01-03 - 2013-10-09

Cmte. José Manuel Morbey Ramos Pereira

1936-04-29 - 2013-10-13

Maj.Gen Alberto Manuel da Costa Bastos

1919-11-05 - 2013-12-25

Ten.Gen Rui do Carmo da Conceição Espadinha

1932-07-18 - 2014-02-26

Maj. António José Alves Pereira

1920-10-13 - 2014-03-22

Ten. Cor. José Manuel Mouro Ferreira

1931-07-29 - 2014-04-06

Ten.Cor Mariano Acciaioli Tamagnini Barbosa

1919-05-27 - 2014-03-26

Prof. José Veiga Simão1929-02-13 - 2014-05-03

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ASSOCIAÇÃO DA FORÇA AÉREA PORTUGUESAAv. António Augusto de Aguiar, n.º 7 - 3.º Dt.º • 1050-010 lISbOA

Voar

Voar...eternaansiedade Quesobrevoaamemória Emoçãoquefazhistória (Davida...realidade Que,p’ranós,églória Foraofício...liberdade!

Paratrásficaopassado Nohorizonteaventura Voarénuvem...frescura Éser,umser...seralado Serjuventude...serachado Servisãodoalto...altura!

Crersermaisqueaterradá! Fugir...libertodaterra Voaralto...emoutraesfera Melhorsonho–esse?Nãohá! Quemvoa...nuncadirá: Quenaterraficaàespera!...

DedicadoàAFAP

Coronel (R) António Perestrelo