bolano (2)_sociedade da informação reestruturação capitalista e esfera pública global

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"Sociedade da Informação": reestruturação capitalista e esfe global. César Ricardo Siqueira Bolaño, Universidade Federal de Sergipe Se é verdade que o capitalismo passa hoje por um processo de inelut!vel o #stado enquanto garantidor das condiç$es gerai processo de desenvolvimento que o capital individual não tem suprir deveria estar passando por uma reestruturação simétri as condiç$es e&ternas necess!rias para a acumulação e para q contento essa função deve garantir também a sua pr'pria legi uma pol(tica social que atenda de alguma forma as amplas camadas da população. % interessante da situação atual em que o #stado nacional se debilita frente ao capital global isso se tradu em um alto grau de incapacidade de faer frent de administr!*la coloca*se a questão da possibilidade da con parecido a um #stado global capa de garantir efeti sistema frente )s tend+ncias destrutivas da concorr+ncia entre os capitais individuais e entre os #stados nacionais capitalistas ,-ola 3 claro que não se pode pensar em um #stado desse tipo como u territorial que funde sua soberania por oposição ) soberania territoriais rivais. Indubitavelmente as transformaç$es no n dos #stados nacionais devem ser consideradas em detalhe na an de globaliação tanto no que se refere aos processos de frag de constituição de blocos de pa(ses. 4as tudo isso permanece processos mais ou menos cl!ssicos de reestruturação do espaç necessariamente para a constituição de um #stado global ainda que a reestruturação das relaç$es de hegemonia que est! por destruição de conglomerados pol(ticos internacionais seja um constituição do bloco hist'rico hegem5nico do #stado global e caracter(sticas da estrutura social e econ5mica do #stado nac também determinantes do poder de negociação de uma classe ou classe espec(ficos no interior do bloco hegem5nico.

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Bolaño. Sociedade da Informação

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"Sociedade da Informao":

"Sociedade da Informao": reestruturao capitalista e esfera pblica global. Csar Ricardo Siqueira Bolao, Universidade Federal de SergipeSe verdade que o capitalismo passa hoje por um processo de globalizao inelutvel, o Estado, enquanto garantidor das condies gerais necessrias ao processo de desenvolvimento que o capital individual no tem a capacidade de suprir, deveria estar passando por uma reestruturao simtrica. O Estado produz as condies externas necessrias para a acumulao e, para que ele cumpra a contento essa funo, deve garantir tambm a sua prpria legitimidade, atravs de uma poltica social que atenda, de alguma forma, as necessidades das mais amplas camadas da populao. O interessante da situao atual que, na medida em que o Estado nacional se debilita frente ao capital globalizado, e dado que isso se traduz em um alto grau de incapacidade de fazer frente crise e inclusive de administr-la, coloca-se a questo da possibilidade da construo de algo parecido a um Estado global, capaz de garantir efetivamente a estabilidade do sistema frente s tendncias destrutivas da concorrncia entre os capitais individuais e entre os Estados nacionais capitalistas (Bolao, 1997a). claro que no se pode pensar em um Estado desse tipo como um Estado territorial que funde sua soberania por oposio soberania de outros Estados territoriais rivais. Indubitavelmente, as transformaes no nvel da base territorial dos Estados nacionais devem ser consideradas em detalhe na anlise do processo de globalizao, tanto no que se refere aos processos de fragmentao, como nos de constituio de blocos de pases. Mas tudo isso permanece nos marcos dos processos mais ou menos clssicos de reestruturao do espao, no apontando necessariamente para a constituio de um Estado global, ainda que a reestruturao das relaes de hegemonia que est por trs da criao ou destruio de conglomerados polticos internacionais seja um dos elementos da constituio do bloco histrico hegemnico do Estado global em construo. As caractersticas da estrutura social e econmica do Estado nacional de origem so tambm determinantes do poder de negociao de uma classe ou fragmento de classe especficos no interior do bloco hegemnico. Seja como for, essa negociao deve levar a compromissos institucionalizados e constituio de instncias multinacionais de regulao que vo formar a espinha dorsal burocrtica do Estado global: ONU, Banco Mundial, OCDE, OTAN, Parlamento Europeu, Conselho de Ministros, OMC, uma infinidade de instituies mais ou menos poderosas, mais ou menos abrangentes, fazem parte dessa extremamente complexa estrutura do poder global na qual a grande corporao capitalista o elemento predominante. Assim, de um ponto de vista sociolgico, podemos verificar o surgimento no apenas de superburguesias nacionais globalizadas, com uma interpenetrao patrimonial crescente e alianas estratgicas extremamente complexas, mas tambm de uma classe mdia global, constituda, antes de mais nada, pelos altos funcionrios dessas corporaes e pelos altos burocratas das instituies que compem o Estado global em gestao, incorporando ainda uma infinidade de setores empresariais, polticos, mafiosos e intelectuais, hierarquicamente inferiores. Na verdade, segmentos cada vez mais amplos das chamadas classes mdias passam a agir e raciocinar globalmente e a evoluo dos setores de transporte e turismo esto a para provar isso. No seio da prpria classe trabalhadora, o movimento se faz sentir, especialmente no que se refere aos seus segmentos mais instrudos ou mais organizados (para no entrarmos aqui na questo crucial dos movimentos migratrios internacionais). claro que esse processo se d justamente num momento em que essa classe sofreu a maior derrota de toda a sua histria, de modo que avana, paralelamente, a excluso social e a misria. J tive a oportunidade de apontar, no obstante (Bolao, 1995), que a mudana estrutural em curso altera profundamente o perfil do operariado, incorporando amplas camadas de trabalho intelectual e explicitando a necessidade de uma anlise renovada da estrutura de classes que prevalecer no sculo XXI e da retomada, em novas bases, de algumas das velhas questes que o marxismo vulgar no conseguiu responder. O surgimento da Indstria Cultural, na virada do sculo XIX, est ligada ao que Harbemas (1961) chama de "mudana estrutural da esfera pblica", ou seja, a esterilizao das suas caractersticas crticas e da sua capacidade de ao poltica em favor de formas manipulatrias (publicitrias e propagandsticas) de comunicao, como reao ao carter potencialmente explosivo que vinha adquirindo a partir do momento da transformao do Estado liberal em Estado democrtico de massa, eliminando as restries que o primeiro impunha participao das camadas no proprietrias e no instrudas. Do meu ponto de vista, o que vivemos hoje uma nova reestruturao da esfera pblica, que retoma o carter excludente e crtico da esfera pblica burguesa clssica, mantendo e aprofundando, para a maioria da populao mundial, o paradigma da cultura de massa e do Estado nacional. A internet o exemplo mais importante dessa tendncia. Brindada inicialmente como uma estrutura revolucionria, no hierarquizada, de comunicao entre indivduos livres e iguais, mostra-se claramente hoje como um espao formado por uma teia complexa e extremamente assimtrica de atores, onde a capacidade de comunicao e de acesso informao relevante depende justamente daqueles elementos que no passado garantiam o acesso esfera pblica liberal: poder econmico (propriedade), poltico e conhecimento, nessa ordem de importncia (Bolao, 1997b). A mudana profunda por que passam hoje todos os sistemas de comunicao aponta no para um avano da democracia, mas para a constituio de um mundo em que o poder, cada vez mais concentrado, torna vivel uma "ao comunicativa" crtica para determinadas parcelas da populao mundial, ficando a imensa maioria excluda e iludida pela possibilidade de uma participao peridica em processos eleitorais cada vez mais incuos, inclusive no que se refere poltica interna, j que o poder de deciso, mesmo nessa matria, encontra-se em outra parte. Do ponto de vista terico, procurarei dialogar com o referencial habermassiano da Teoria de Ao Comunicativa, propondo como alternativa uma perspectiva, em fase ainda inicial de formao 1, mas que encontra respaldo na corrente crtica da Economia Poltica da Comunicao, no interior da qual destacam-se os trabalhos de Garnham, Mosco, Mige, entre outros. Essa perspectiva terica tem sido muitas vezes apresentada como oposta quela dos estudos culturais, apoiados muitas vezes em autores latino-americanos, como Canclini e Barbero, numa perspectiva de cunho basicamente antropolgico. No segundo caso, central o tema da mediao, enquanto que, no primeiro, o conceito bsico o de trabalho (cultural, intelectual, conceitual, artstico). Minha prpria contribuio (se que se pode falar assim) economia poltica da comunicao vai no sentido de destacar o carter mediador do trabalho intelectual, o que remete, evidentemente, para a possibilidade de uma articulao entre os dois enfoques citados, crucial, a meu ver, para o desenvolvimento de uma perspectiva marxiana rigorosa de anlise dos fenmenos culturais, sob o capitalismo. O interesse do prprio Marx pela antropologia e a importncia da sua contribuio para essa cincia (Krader, 1974, 1983), freqentemente subestimados, deveriam ser um indicador da relevncia de uma aproximao entre economia poltica e estudos culturais. Sem entrar diretamente nessa discusso, procurei, na prtica, apontar uma possibilidade nesse sentido, ao estudar o tema especfico da Indstria Cultural (Bolao, 1997 c), tratando de deixar claro que possvel tomar as diferentes teorias da comunicao e o conjunto dos enfoques da chamada ps-modernidade como teorias "burguesas" que, presas ao mundo da circulao, onde vigora o fetiche da mercadoria e do dinheiro, no chegam a desvendar as leis gerais, a unidade essencial que est por trs do caos aparente. Realizar a crtica dessas teorias passa por compreender o sentido metodolgico da crtica da economia poltica e procurar, no nosso caso especfico, a articulao ntima que existe entre o trabalho cultural, no sentido que lhe d a economia poltica da comunicao, e a ao de mediao realizada pela Indstria Cultural entre as instncias sistmicas (capital e Estado) 2 e o mundo da vida, para usar as categorias de Habermas, que discutirei em seguida. Mas podemos ampliar essa discusso para outro campo, o da educao, por exemplo, como faz Neide Sobral Silva (1996), o que envolve uma dificuldade importante devida ao fato de que, enquanto a Indstria Cultural funciona fundamentalmente segundo uma lgica de consumo, a escola est mais prxima da questo do controle social, de modo que a contradio capital-Estado adquire contornos bastante diferenciados num caso e no outro. O sistema educacional em seu conjunto um amplo e extremamente hierarquizado espao de mediao, que inclui desde os professores primrios at o Ministro da Educao e os burocratas do Ministrio, passando pelos professores universitrios e pelos tcnicos das secretarias de educao. Espao construdo historicamente, serve fundamentalmente reproduo ideolgica do sistema, mas articula tambm elementos de resistncia. Nesse contexto, podemos entender a questo do material didtico (do livro ao computador), por exemplo, no interior do processo de permanente reafirmao das assimetrias e hierarquias que conformam o sistema como uma estrutura complexa de poder, de hegemonia e de resistncia. Da criao utilizao final, o material didtico percorre um longo caminho em que a hierarquizao se revela, revelando-se tambm os graus de liberdade de cada nvel e de cada elemento especfico. Isso mostra, por outro lado, que a funo do material didtico e das tecnologias educacionais no simplesmente apoiar o processo de ensino-aprendizagem, mas fundamentalmente tambm enquadrar o trabalho do conjunto dos participantes do processo em seus diferentes nveis, ativando toda uma complexa cadeia de micro-poderes que leva a que a dominao se exera no atravs de um programa ou um objeto particular, mas no fluxo contnuo de programas e objetos ao longo das linhas hierrquicas cuja ativao garante as condies de reproduo da totalidade do sistema educacional e de efetivao da sua funo de dominao, do seu papel no conjunto da reproduo social. O livro, como o currculo, a TV ou o computador, como os diferentes programas especiais gestados nas instncias superiores do sistema, so elementos estruturantes fundamentais de um espao hierarquizado de mediao cuja compreenso em todas as suas dimenses no pode prescindir da contribuio de autores como Bourdieu, inclusive o seu conceito de "campo", e da apropriao marxista, la Poulantzas, por exemplo, de Foucault. Nesta linha de argumentao, podemos discutir a questo da introduo das novas tecnologias comunicacionais no processo educativo, demonstrando, em primeiro lugar, o seu carter marcadamente conservador, o que fundamental para refutar o falso otimismo com que esses desenvolvimentos vm sendo recebidos, no s por defensores do neoliberalismo, como seria de se esperar, mas tambm, de forma no totalmente surpreendente, por autores que se declaram crticos. Mas no podemos por isso deixar de notar as potencialidades liberadoras que as novas tecnologias trazem e que dependem tambm dos graus de liberdade que o trabalho de mediao dos educadores envolve, abrindo-lhes certas possibilidades de ao e de articulao com os movimentos sociais e as camadas populares. A discusso sobre a mediao nos permitir ultrapassar tanto o determinismo quanto o voluntarismo que constituem os plos de tenso entre os "dois marxismos" de que fala Gouldner (1980) 3. Apenas para ilustrar o ponto, podemos citar a conhecidssima crtica de Thompson (1978) a Althusser, onde ao autor ingls procura devolver histria a liberdade que lhe havia sido negada pelo estruturalismo althusseriano, onde a viso dos sujeitos como "suportes de estruturas" parecia expulsar da anlise toda a "agncia" humana. Nesse sentido, Thompson entende como "a caracterstica mais profunda da dialtica marxista", "a histria como processo, como acontecer inacabado e indeterminado - mas no por isso destitudo de lgica racional ou de presses determinantes - nos quais as categorias so definidas em contextos prprios mas sofrem continuamente uma redefinio histrica, e cuja estrutura no pr-fornecida, mas protica, mudando constantemente de forma e articulao" (Thompson, 1978, p. 97). Esse movimento de mo dupla chamado de "dilogo" ou "dialtica" entre a histria e a teoria (cf. Thompson, 1978, p. 54) que, para o autor, s pode ser formulada nesse nvel de abstrao, reduzindo a lgica imanente ao que o autor chama de "lgica de processo" 4. O mrito do trabalho de Thompson, est justamente na explicitao de noes to importantes como as de agncia ou de experincia 5 que, no sendo assimilveis num nvel muito elevado de abstrao, como o de Marx no Capital, so no obstante imprescindveis para a anlise histrica e para a construo da necessria ponte entre o abstrato e o concreto. O autor insiste, de um lado, na questo da liberdade na histria e, de outro, na necessidade de se entender a lgica de processo como algo distinto lgica do capital exposta por Marx. certo que, se esta ltima se impe historicamente, isto no se d seno atravs de um processo de lutas, de avanos, de recuos, de resistncias, que chega at mesmo a delimitar as possibilidades efetivas e o tipo de avano capitalista num determinado momento histrico. Toda a dificuldade reside na articulao entre essas duas lgicas, articulao cuja necessidade Thompson, na verdade, nega 6. Assim, por exemplo, "se a concorrncia intercapitalista pe em prtica as leis internas do capital, foroso reconhecer a dominncia da concorrncia entre capitais sobre as relaes entre capital e trabalho no movimento do modo capitalista de produo. Ou seja, se as leis internas do capital somente se realizam atravs do permanente confronto entre os distintos capitais, a anlise desta realizao - que conforma o movimento real do modo de produo - deve ser remetida em primeira instncia concorrncia intercapitalista, e no s relaes entre capital e trabalho" (Mazzucchelli, 1985, p. 53). Mas, se estas observaes esto corretas, no so menos verdadeiras, por exemplo, as dificuldades apontadas por Hobsbawn (1984) para a introduo do taylorismo na Inglaterra, em funo da resistncia imposta pelos operrios artfices que haviam construdo, ao longo do sculo XIX, uma cultura de classe e uma organizao sindical que tornavam bastante efetiva aquela resistncia. Isso explica em boa medida, segundo o autor, as peculiaridades do capitalismo ingls. 7 Toda dificuldade reside na articulao entre a lgica interna do capital que, como relao social, j subsume o trabalho como seu elemento dominado (o que evidencia o acerto da afirmao de Mazzucchelli), e o da lgica do processo histrico, onde no apenas as determinaes provenientes da relao de capital, mas tambm as do Estado e todas aquelas decorrentes do fato de estar sendo considerado no um modo de produo puro, mas uma formao social especfica, devem ser levadas em considerao 8 . Habermas pretende resolver a tenso explicitada por Gouldner atravs da articulao entre "sistema" e "mundo da vida". A proposta da Teoria da Ao Comunicativa nada menos que constituir uma "nova teoria da sociedade", incorporando as mais variadas contribuies dos clssicos da sociologia e da psicologia, de Marx a Durkheim, passando por Weber, Parsons, Mead e Piaget, para ficarmos apenas nos mais importantes. No tenho a pretenso de discutir aqui o conjunto dessa contribuio. Ao contrrio, limitar-me-ei a uma anlise da TAC centrado no seu eixo "marxista", que parte de Lukcs e passa pelos clssicos da teoria crtica 9. A crtica de Habermas a Luckcs , na verdade, o ponto de partida de sua anlise da recepo de Weber na tradio marxista (e de sua leitura weberiana do marxismo), que desemboca na discusso que o autor faz da contribuio de Adorno e Horkheimer. O autor lembra que o processo de racionalizao segundo Weber e as teses associadas de "perda de sentido" e "perda de liberdade" so traduzidas por Luckcs como um processo de "coisificao" (Verdinglichung). Assim, a forma especfica da objetividade no capitalismo, que pode ser descoberta atravs do prottipo que a estrutura da relao mercantil, fixa a forma como os indivduos "concebem categoricamente a natureza objetiva, suas relaes interpessoais e sua prpria natureza subjetiva", de modo que as relaes sociais e as vivncias pessoais so assimiladas a coisas, "a objetos que podemos perceber e manipular". Luckcs desenvolve seu conceito de coisificao a partir da anlise de Marx da forma mercadoria, considerado, por outro lado, coisificao e racionalizao como dois aspectos de um mesmo processo, com o que "pode desenvolver dois argumentos que se apiam na anlise de Weber e que, no obstante, se dirigem contra suas consequncias": por um lado, o conceito de racionalidade formal reinterpretado "no sentido de que a forma mercadoria assume um carter universal, convertendo-se assim na forma de objetividade simpliciter da sociedade capitalista" e, por outro, o conceito de forma de objetividade reconduzido "ao contexto da teoria do conhecimento, de onde subrepticiamente havia sido tomado, para levar a cabo uma crtica da coisificao da perspectiva filosfica da crtica de Hegel a Kant", com o objetivo implcito de negar "a afirmao central de Weber de que a dissociao das esferas culturais de valor ... a unidade da razo que a metafsica havia suposto ... no pode ser reconstruda nem sequer dialeticamente" (Habermas, 1981, vol. I, p. 453 e seg.). nesse plano da crtica de Hegel a Kant que Luckcs pretende "uma demonstrao de tipo filosfico das barreiras imanentes racionalizao". claro que a recepo de Hegel por Luckcs feita pelo filtro da crtica de Marx, de modo que a reconciliao dos momentos dissociados da razo no se d no campo da filosofia, mas no da ao. Mas Luckcs comete, segundo Habermas, "o erro decisivo, que certamente lhe vem sugerido por Marx, de voltar a absorver na teoria a converso da filosofia em prtica e de represent-la como realizao revolucionria da filosofia", redundando numa "volta ao idealismo objetivo" (idem, p. 460 e seg.). Assim sendo, a verso lucksiana da coisificao seria "teoricamente questionvel pela sua conexo afirmativa com o idealismo objetivo de Hegel", alm de, por outro lado, ter sido desmentida historicamente, seja pelo fracasso da revoluo sovitica, que veio confirmar o prognstico de Weber de uma burocratizao acelerada, ao mesmo tempo em que o terror estalinista confirmava "a crtica de Rosa de Luxemburgo teoria da organizao de Lenin e aos fundamentos que esta tinha na filosofia objetivista da histria", seja pela capacidade de integrao demonstrada pelas sociedades capitalistas, capacidade essa presente tanto no fascismo como na cultura de massas. A crtica da razo instrumental de Adorno e Horkheimer se prope justamente, segundo o autor, a superar essa limitao de Luckcs, fazendo a crtica da coisificao "sem assumir as consequncias de uma filosofia objetivista da histria" (idem, p. 465 e seg.). Sua soluo parte de uma generalizao da categoria de coisificao, cujas razes histricas vo alm da constituio da relao mercantil, para ancorar-se "nos prprios fundamentos antropolgicos da histria da espcie, na forma da existncia de uma espcie que tem que se reproduzir por meio de trabalho". Assim, a razo instrumental concebida em termos de relaes sujeito-objeto. Mas o domnio sobre a natureza inclui o domnio sobre o homem, de modo que a razo instrumental transforma a "dominao da natureza interna e externa" em "fim absoluto da vida", tornando-se "motor de uma auto afirmao selvagem" (idem, p. 482 e seg.). Mas, a razo instrumental uma razo subjetiva tambm no sentido de que expressa as relaes entre sujeito e objeto da perspectiva do sujeito cognoscente e agente, mas no da perspectiva do objeto percebido e manipulado. Da que no oferea nenhum meio de explicar o que significa a instrumentalizao das relaes sociais e intra-psquicas, vista da perspectiva da vida violentada e deformada ... A crtica da razo instrumental, ao permanecer prisioneira das condies da filosofia do sujeito ... carece de uma conceituao suficientemente dctil para referir-se integridade daquilo que diz destrudo pela razo instrumental" (idem, p. 496 e seg.). assim que, segundo Habermas, a teoria crtica se coloca ante o paradoxo de, por um lado, prosseguir a grande tradio filosfica e, por outro, decretar o seu fim. A conseqncia disso em Adorno a "renncia s pretenses prprias da teoria: dialtica negativa e teoria esttica no podem fazer outra coisa seno remeter-se impotentes uma outra". A concluso de Habermas de que o fracasso do programa da primeira teoria crtica se deve ao esgotamento do paradigma da filosofia da conscincia, cujos limites Adorno e Horkheimer transbordam. O objetivo explcito do autor retomar a crtica da coisificao, abandonando esse paradigma e substituindo-o por "uma teoria da comunicao [que] permite retornar a uma empresa que no seu momento ficou interrompida com a crtica da razo instrumental; essa mudana de paradigma permite uma reposio das tarefas da teoria crtica da sociedade" (idem, p. 493). Em Adorno e Horkheimer, a integridade dada pela faculdade mimtica que, na medida em que "apela espera conceituao das relaes sujeito-objeto definidas em termos cognitivo-instrumentais", deve ser considerada "como genuinamente contrria razo, como impulso". Segundo Habermas, o ncleo racional dessas operaes mimticas s pode ser esclarecido abandonando-se o paradigma da filosofia da conscincia em favor do paradigma da "filosofia da linguagem, do entendimento intersubjetivo ou comunicao", de modo a inserir o aspecto cognitivo-instrumental "no conceito mais amplo de racionalidade comunicativa" (idem, p. 497). A seguinte assertiva resume o ponto de partida de Habermas: "se partimos de que a espcie humana se mantm atravs das atividades socialmente coordenadas de seus membros e de que esta coordenao tem que se estabelecer por meio da comunicao tendente a um acordo, ento a reproduo da espcie exige tambm o cumprimento das condies de racionalidade imanentes ao comunicativa" (Habermas, 1981, vol. I, p. 506). A idia que o processo de racionalidade em que as imagens religioso-metafsica do mundo vo perdendo sua credibilidade (e que culmina com a modernidade) faz com que o conceito de autoconservao adquira uma orientao a um tempo universalista e individualista, tendo que satisfazer as condies de racionalidade da ao comunicativa, passando a depender assim das "operaes interpretativas dos sujeitos que coordenam sua ao atravs de pretenses de validade suscetveis de crtica". Assim, "a perspectiva utpica de reconciliao e de liberdade est baseada nas prprias condies de socializao comunicativa dos indivduos, est j inserida no mecanismo lingustico de reproduo da espcie" (idem, p. 506 e seg.). Mas, por outro lado, "a integrao dos membros da sociedade que se efetua atravs de processos de entendimento encontra seus limites no somente na violncia dos interesses em pugna mas tambm na presso que exercem os imperativos da autoconservao do sistema, os quais desenvolvem objetivamente seu poder penetrando atravs das orientaes de ao dos atores afetados. A problemtica da coisificao no resulta ento tanto de uma racionalidade dirigida a fins absolutizada a servio da autoconservao de uma razo instrumental convertida em selvagem, como de que a razo funcionalista da autoconservao sistmica, quando fica abandonada a seu prprio movimento, passa por cima da pretenso de razo radicada na sociabilidade comunicativa." (idem, p. 507 e seg.). Chegamos aqui ao ncleo da alternativa proposta por Habermas e ao aspecto mais interessante de sua contribuio. Como acabei de apontar, a soluo do autor para o impasse a que chegou a teoria crtica radica na substituio do paradigma da filosofia da conscincia pelo da ao comunicativa, de modo a tornar possvel uma articulao entre teoria da ao e teoria dos sistemas, articulao que teria como objetivo fornecer uma alternativa ao conceito teleolgico de ao da dialtica idealista. Com isso seria possvel fugir da armadilha hegeliana a que Lucks estaria preso, sem cair no beco sem sada do pessimismo frankfurtiano. Habermas pretende resolver o dilema atravs de uma articulao entre os dois conceitos opostos e complementares de "sistema" e de "mundo da vida" (Lebenswelt), partindo, com Durkheim, das mudanas nas bases da integrao social assentada em prticas rituais que constituem o ncleo da integrao social nas sociedades primitivas. Habermas fala de um processo de racionalizao social (de "linguistizao do sacro") em que a formao do consenso depende cada vez mais da ao comunicativa que passa, assim, a incorporar as funes sociais originalmente cumpridas pela prtica ritual e pelo simbolismo religioso. Nesse processo formam-se as estruturas de um mundo da vida liberto do mito, definido como "um acervo de padres de interpretao transmitidos culturalmente e organizados linguisticamente" (Habermas, 1981, vol. 2, p. 172), "um a priori social inscrito na intersubjetividade do entendimento lingstico" (idem, p. 186). Mas a Lebenswelt no se resume ao "saber de fundo transmitido culturalmente", seno que inclui tambm o "saber intuitivo", que permite aos indivduos fazer frente a situaes determinadas, e a "prticas socialmente arraigadas" (idem, p. 190). O mundo da vida seria, assim, formado por trs componentes estruturais, relacionados a trs processos de reproduo. McCarthy resume o ponto com preciso: "assim pois, aos diferentes componentes estruturais do mundo da vida (cultura, sociedade, personalidade) correspondem processos de reproduo (reproduo cultural, integrao social, socializao), aspectos que esto enraizados nos componentes estruturais dos atos de fala (proposicional, ilocucionrio, expressivo). Essas correspondncias estruturais permitem ao comunicativa cumprir suas diferentes funes e servir como meio adequado para a reproduo simblica do mundo da vida. Quando essas funes sofrem interferncias, produzem-se perturbaes no processo de reproduo e os correspondentes fenmenos de crise: perda de sentido, perda de legitimao, confuso de orientaes, alienao, psicopatologias, rupturas da tradio, perda de motivao" (McCarthy, 1987 , p. 466).10 Habermas pensa numa dinmica evolutiva em que as sucessivas coaes impostas pela necessidade de reproduo material da Lebenswelt vo progressivamente constituindo mecanismos automticos de coordenao que no dependem de uma ao comunicativa voltada ao entendimento e que se impem como imperativos sistmicos que se, por um lado, facilitam a articulao de respostas aos problemas impostos pela reproduo material no mundo da vida provocam, por outro, um desacoplamento progressivo entre as formas de interao social caractersticas deste e as formas de integrao sistmica. Este processo tem, segundo o autor, dois momentos decisivos: primeiro, a passagem das sociedades primitivas s sociedades tradicionais estatalmente organizadas, quando o poder de Estado "se diferencia das imagens religiosas do mundo que legitimam a dominao" e, segundo, o surgimento das sociedades modernas, onde "os subsistemas economia e administrao estatal, especializados, ... se diferenciam daqueles de ao que cumprem primariamente tarefas de reproduo cultural, de integrao social e de socializao" (Habermas, 1981, vol. 2, p. 238 e seg.). No curso da evoluo social h no apenas um progressivo distanciamento entre Lebenswelt e sistema e uma diferenciao estrutural no interior da primeira, mas tambm uma diferenciao e especializao no interior do sistema que se transforma, por sua vez, em uma segunda natureza, ou seja, que no apenas se desliga das estruturas sociais do mundo da vida, mas que chega a impor-se sobre este em funo dos imperativos indispensveis a uma coeso social cada vez menos ligada ao consenso normativo comunicativamente produzido. H nesse ponto uma inflexo da tendncia que permitiu a superao das imagens mticas do mundo fazendo com que o consenso de base religiosa fosse substitudo por processos lingusticos de formao do consenso. Com o capitalismo, h um processo contrrio de deslinguistizao, com a construo de meios de controle independizados do processo de formao do consenso atravs da ao comunicativa dirigida ao entendimento. Na verdade, no se trata propriamente de uma mudana de sentido, j que as duas tendncias so constitutivas do processo de racionalizao que a base da teoria habermassiana da evoluo social e de sua proposta de "reconstruo do materialismo histrico" (vide Habermas, 1976). O que ocorre com o capitalismo, a primeira das sociedades modernas, que a progressiva separao entre ao orientada ao xito (base da integrao sistmica) e a ao orientada ao entendimento (base da integrao social) se estabelece em termos de uma colonizao da Lebenswelt pelo sistema, pela predominncia dos meios de comunicao deslinguistizados que substituem a necessidade do entendimento atravs da ao comunicativa por uma forma de interao que no exige dos sujeitos mais do que um sim ou um no diante das pretenses de validade suscetveis de crtica, como exemplificam os sistemas eleitorais das democracias modernas. Mas a soluo final de Habermas redunda num funcionalismo de tipo parsoniano, cujo simplismo pode ser devidamente medido pela leitura do quadro apresentado na pgina 454 do segundo volume da "Teoria da Ao Comunicativa" (Habermas, 1981), onde toda a complexidade das relaes entre sistema e mundo da vida se v transformada em dois fluxos circulares em que a esfera da vida privada se liga ao sistema econmico por intermediao do dinheiro e a esfera da opinio pblica, ao sistema administrativo por meio do poder. Na verdade, toda a sua engenhosa soluo parte do reconhecimento de que uma outra, teoricamente mais consistente, como a de Marx, j no seria possvel. A superioridade da anlise marxiana, segundo Habermas, reside justamente na capacidade de Marx em articular, atravs de um mesmo princpio, as duas formas de integrao (social e sistmica) a que se refere quando prope a anlise da relao entre sistema e mundo da vida: "Com a anlise do duplo carter da mercadoria Marx obtm os pressupostos fundamentais da teoria do valor que lhe permitem descrever o processo de desenvolvimento das sociedades capitalistas, da perspectiva econmica do observador, como um processo de (autovalorizao ou) autorrealizao do capital submetido a crises cclicas; e simultaneamente, da perspectiva histrica dos afetados (ou do participante virtual) como uma interao entre classes sociais prenhe de conflitos" (Habermas, 1981, vol. 2, p. 472). Ou, mais adiante: "a fora de trabalho se consome, por um lado, em aes e em plexos de cooperao e, por outro, como redimento abstrato para um processo de trabalho formalmente organizado com vistas realizao do capital. Nesse sentido, a fora de trabalho que os produtores alienam constitui uma categoria em que os imperativos de integrao sistmica se encontram com os imperativos da integrao social: como ao pertence ao mundo da vida dos produtores, como rendimento, ao plexo funcional da empresa capitalista e do sistema econmico em seu conjunto" (idem, p. 473). Assim, a inerncia da fora de trabalho ao sujeito, que a diferencia de todas as outras mercadorias, implica em que "no trabalho assalariado esto indissoluvelmnete mescladas as categorias de ao e funo, de integrao social e de integrao sistmica". a partir da que, para o autor, Marx pode explicar o processo de abstrao real e de coisificao da fora de trabalho: "a esta fora de trabalho monetarizada, de que o empresrio se apropria como uma mercadoria estranha ao contexto da vida do produtor, Marx chama de trabalho abstrato... A anlise do duplo carter da mercadoria fora de trabalho esquadrinha passo a passo as operaes neutralizadoras pelas quais se constitui esse trabalho abstrato posto disposio de imperativos sistmicos que se tornam indiferentes ao mundo da vida" (Habermas, 1981, vol 2, p. 474). Para o autor, a superioridade de Marx em relao economia poltica clssica se deve justamente a essa capacidade de encarar, a um tempo, a integrao sistmica e a integrao social. O erro dos economistas clssicos teria sido justamente o de no perceber a contradio entre esses dois princpios, procurando mostrar os imperativos sistmicos como harmnicos com as "normas fundamentais de uma comunidade que garante a liberdade e a justia" 11 . Na verdade, a soluo de Marx tem uma vantagem decisiva em relao quela do prprio Habermas: a de chegar referida articulao que este ltimo pretende sem a necessidade de lanar mo de idealizaes do tipo "situao ideal de fala", "discurso racional", "comunicao sistematicamente distorcida", "formao de vontade isenta de coao" (que at o habermassiano McCarthy - 1987, p. 434 e seg. - crtica), conceitos que servem basicamente para a construo de um tipo ideal que permita isolar as contradies inerentes prpria Lebenswelt (contradies cuja existncia, diga-se, o autor em princpio no nega), com o objetivo de construir aquele regime de dicotomias (entendimento-sucesso, sociedade crtica-Estado) cuja raiz kantiana Sfez (1988), entre outros, denuncia e que lhe permitir reduzir todas as contradies ao binmio durkheiminiano integrao social-integrao sistmica. Com isso, o autor no faz seno trocar a utopia socialista de Marx 12 como veremos adiante, pela utopia de uma ao comunicativa isenta de coaes externas 13, o que lhe permite substituir, na anlise da coisificao, a teoria da conscincia de Lukcs pela problemtica anlise das patologias da comunicao 14. Esse anti-clmax da Teoria da Ao Comunicativa est ligado intrinsecamente idia de que a felicidade da teoria marxiana, na articulao entre os elementos de determinao e de liberdade histrica, dever-se-ia especificidade da mercadoria fora de trabalho, situada exatamente no ponto de interseco entre sistema e mundo da vida. Mas essa especificidade do objeto de Marx no se repetiria em outros casos de modo que, podemos deduzir, o mtodo marxiano no seria generalizvel. Ora, a Indstria Cultural, como tive a oportunidade de mostrar (Bolao, 1997c) pode ser tomada justamente como elemento de mediao entre mundo da vida e sistema, se observarmos que ela prpria capital que subsume, no sentido marxiano, um tipo especial de trabalho, o trabalho cultural, necessrio para a realizao da sua funo mediadora entre as necessidades de reproduo ideolgica e de acumulao do capital, de um lado e, de outro, de reproduo simblica da prpria Lebenswelt, de modo que o processo de "colonizao" envolve negociao, dominao, dependncia, hegemonia. Assim sendo, a tenso determinismo-voluntarismo pode ser resolvida em termos puramente marxianos, ao localizarmos precisamente o trabalho cultural como aquele elemento que, como no caso de trabalho em Marx, sem deixar de fazer parte do mundo da vida, transforma-se naquela mercadoria especial (fora-de-trabalho), produtora da mais-valia que garante a reproduo ampliada do sistema. No caso da mercadoria fora de trabalho, analisada por Marx, sabemos o significado disso: a classe trabalhadora, ao mesmo tempo em que participa do processo de produo e reproduo do capital, pela sua prpria posio na estrutura produtiva, torna-se uma fora revolucionria, podendo transformar a cooperao capitalista em cooperao a seu prprio favor e do conjunto das camadas subalternas, interessadas na superao do capitalismo e na construo de uma sociedade mais justa. No que se refere ao trabalho cultural, h trs questes que devem ser consideradas: em primeiro lugar, como toda a economia poltica da comunicao mostra, a subsuno do trabalho cultural no capital difcil, o que lhe confere um grau de liberdade, diferenciado evidentemente por categoria, mas em todo caso maior do que aquele atribudo ao trabalho manual a partir da Revoluo Industrial, ainda que a tendncia atual v justamente no sentido do apagamento dessa diferena. Em segundo lugar, o trabalho cultural um trabalho de mediao simblica e precisamente esse fato que d relevncia questo com a qual nos ocupamos aqui. Finalmente, em dois artigos recentes (Bolao 1995 e 1997 b) procurei ampliar o alcance dessa discusso, no sentido de considerar o conjunto do trabalho intelectual, apontando, como a caracterstica central da terceira revoluo industrial, os processos convergentes de subsuno do trabalho intelectual e de intelectualizao geral dos processos de trabalho, que explicam, a meu ver, amplamente a essncia da atual reestruturao do capitalismo. A generalizao do conceito de trabalho intelectual e de suas especificidades na atual etapa de transformaes por que passa o sistema capitalista em nvel global (Bolao, 1995) pode ser til para a compreenso da problemtica da ideologia na sua totalidade e, de modo muito especial, no debate sobre a introduo das novas tecnologias da comunicao e da informao nos diferentes processos sociais (na produo, na circulao, na organizao das empresas capitalistas e do Estado, nas relaes inter-empresas, nas relaes inter-pessoais), inclusive no processo educativo, terreno onde avana hoje de forma assustadora a ideologia neoliberal e suas aparentadas. esse processo que fornece os elementos concretos para a implantao da ideologia da "sociedade da informao". Podemos retomar agora rapidamente a questo da educao posta bem acima e utilizar a chave interpretativa l avanada para entender o cerne da questo que nos interessa. Com isso poderemos explicar o verdadeiro sentido daquilo que Lvy (1994) chama de "inteligncia coletiva". A expanso das redes telemticas em nvel mundial est de fato constituindo um ciberespao no qual a esfera pblica global se articula, abrindo possibilidades de ao criadora que, no entanto, so bloqueadas pelo prprio sistema, construdo como uma teia extremamente hierarquizada e assimtrica 15 que esteriliza em grande medida o seu potencial crtico. Na realidade, ocorre algo semelhante ao que foi dito acima sobre o sistema de ensino: a criao de uma estrutura complexa de poder e hegemonia, destinada a enquadrar o trabalho de cada um dos participantes, de modo a reproduzir constantemente as hierarquias e as estruturas de dominao. O sentido ltimo desse movimento, que no se limita ao que ocorre com a internet mas engloba todo o amplo processo de informatizao geral das sociedades capitalistas nesta virada de sculo, incluindo e articulando as lgicas de reestruturao do Estado e do capital e seus amplo impactos sobre o mundo da vida, a reconstruo das bases da expanso capitalista atravs da explorao do trabalho intelectual, burocrtico, de coordenao. O desenvolvimento capitalista no sculo XXI, se no for bloqueado por fatores que no cabe aqui analisar, ocorrer sobre a base da explorao das energias mentais de uma classe trabalhadora renovada pela prpria crise em que estamos metidos (Bolao, 1995). Este o outro lado da moeda, o elemento de incluso da atual reestruturao do sistema que Kurz (1991) no consegue perceber, no conseguindo, em consequncia, equacionar, nem sequer minimamente, a problemtica do "elemento subjetivo", permanecendo seu enfoque totalmente restrito ao plo determinista da oposio entre os dois marxismos acima citada. Se a revoluo tecnolgica, marca permanente do desenvolvimento capitalista, traz sempre inegveis possibilidades liberadoras, como observou Marx com clareza em "O Capital", no menos verdade que essas mesmas possibilidades so negadas na prtica pela prpria forma fetichista que a introduo do progresso tcnico adquire nas condies histricas em que prevalece a produo capitalista. Cabe aos interessados organizar-se politicamente para influenciar a trajetria das mudanas a seu favor, lutando, por exemplo, pela reduo da jornada de trabalho e, com isto, a socializao dos ganhos de produtividade ou para a socializao do acesso s redes telemticas, a favor da maior autonomia possvel da sociedade civil na sua utilizao. Nesse sentido, o papel do trabalho intelectual absolutamente crucial pois, ainda sendo ele trabalho humano em geral, a sua especificidade dificulta uma subordinao total e completa aos ditames da produo mercantil, muito embora o movimento concreto esteja apontando hoje justamente nessa direo. Mas a sua especificidade no outra coisa seno o seu carter de elemento necessrio ao processo de mediao que, dirigido fundamentalmente para a legitimao das relaes sociais capitalistas, abre possibilidades de resistncia e de ao libertadora. Nem a utopia tecnolgica de Lvy, nem o determinismo apocalptico de Kurz podem dar conta desta contradio. Ao contrrio, uma perspectiva terica como a aqui proposta, que restitui a centralidade do conceito de trabalho, ao mesmo tempo em que incorpora, no cerne mesmo da definio da categoria fundamental, a problemtica da mediao cultural, apontando para a possibilidade de integrao entre os referenciais da crtica da economia poltica e de uma antropologia marxista, com vistas compreenso do fenmeno atual de constituio de uma cultura global capitalista, com a invaso de todas as esferas de vida pela lgica do capital, essa perspectiva terica a nica capaz de dar conta do problema em toda a sua extenso. No possvel neste texto analisar o trabalho de Kurz. O quadro de referncia para uma avaliao crtica da sua contribuio, de qualquer forma, est explicitado de forma bastante clara, assim espero, acima. No que segue, vou procurar discutir o livro citado de Lvy, cujo objeto est mais prximo daquele que nos ocupa neste momento. Antes, devo dizer, como j deve ter ficado muito claro para o leitor, que a soluo aqui adotada para o problema das relaes entre determinaes estruturais e liberdade histrica muito mais prxima da do paradigma da coisificao de Lukcs do que daquela das patologias da comunicao de Habermas. No em Lukcs, entretanto, que me inspiro em minha proposta de recuperao do referencial de Marx para a compreenso da atual reestruturao capitalista e da centralidade que nela adquirem as tecnologias da informao e da comunicao. Prefiro, neste ponto, citar Rui Fausto mais uma vez. Falando sobre o destino da antropologia em Marx, Fausto aponta que as noes de "homem" e de "essncia humana", na sua obra de juventude, "alm de funcionar como fundamento terico da crtica da economia (a rigor, fundamento de um fundamento, a noo de trabalho alienado)" representam "uma espcie de fundamento prtico da poltica" (Fausto, 1983, p. 227). No caso especfico dos Manuscritos Econmico-Filosficos, h "dois fundamentos prticos, ou um fundamento prtico que se manifesta em dois nveis de conscincia, o do Sujeito (o filosfico crtico) e do objeto (isto , o dos sujeitos histricos)" (idem, p. 228) 16 . Isto muda na obra da maturidade de Marx: " dupla transcendentalidade prtica na obra da juventude corresponde, na obra madura, uma dualidade no mais transcendental, a que distingue a conscincia real do proletariado da conscincia revolucionria do Sujeito (terico-dirigente revolucionrio, ou partido)" (idem, p. 228 e seg.). Agora j no h "ao revolucionria sem interveno do sujeito", como nos Manuscritos, e "a idia de uma sociedade humanizada, a qual se abria para um discurso plenamente tematizvel embora descrevesse uma situao ps-histrica (essa dupla caracterstica correspondia sua funo de fundamento) passa a ser um horizonte. a anteviso necessariamente marginal da "humanidade humana" (...). A essa transformao do fundamento subjetivo em horizonte ­ lugar por excelncia da "antropologia" na obra madura ­ corresponde a emergncia de dois discursos, ausentes at aqui, o discurso histrico e o discurso estratgico". (idem, p. 229). Rui Fausto explica da seguinte forma as relaes entre os discursos histrico e poltico e a teoria dO Capital : 17 "Para o discurso histrico-poltico definimos dois pontos que so as suas referncias extremas: um solo histrico que tem como um de seus nveis a conscincia atual do proletariado; um horizonte representado pelo objetivo ltimo, o socialismo. Esses dois pontos que, na obra poltica se dispem ­ diramos ­ horizontalmente, vo-se refletir verticalmente em O Capital. O primeiro desses pontos se reflete, fora do espao propriamente lgico, nos textos em que Marx descreve a experincia do proletariado (...) Mas se o primeiro limite do discurso poltico se reflete fora do espao lgico, o segundo, o horizonte do socialismo, se reflete no horizonte de significao (verticalmente, como o solo primeiro, mas no fundante de significaes). De fato, a leitura que Marx faz do capitalismo uma reconstituio de suas leis sobre o fundo de um universo de referncia que o transcende " 18 (Fausto, 1983, p. 232). Nessa perspectiva, a utopia de uma "antropologia do ciberespao" pode ser , em princpio, aceita como "horizonte de significao" para a anlise terica da chamada "sociedade da informao", com o que podemos recuperar os aspectos mais interessantes da contribuio de Lvy, deslocando-os do contexto utpico liberal em que foram formuladas e retomando o socialismo como "universo de referncia". Para Lvy, expanso das redes telemticas e ao desenvolvimento de uma indstria multimdia unificada, esto ligados "aspectos civilizatrios"(novas estruturas de comunicao, regulao e cooperao, novas linguagens e tcnicas intelectuais) que apontam para a passagem "de uma humanidade a outra". As "novas tcnicas de comunicao por mundos virtuais" teriam a uma dimenso importante como a dos avanos da conquista espacial que, ao perseguir explicitamente o estabelecimento de colnias humanas em outros planetas, indica uma mudana radical do habitat e do meio para a espcie, ou daqueles da biotecnologia e da medicina, que "nos incitam a uma reinveno da nossa relao com o corpo, com a reproduo, com a doena e com a morte", levando a uma "seleo artificial do humano transformado em instrumento pela gentica", ou do desenvolvimento das "nanotecnologias capazes de produzir materiais inteligentes em massa, capazes de modificar completamente nossa relao com a necessidade natural e com o trabalho". No caso da constituio do ciberespao, cuja forma e contedo estariam ainda "especialmente indeterminados", so os problemas do lao social que esto sendo postos em novas bases, ao mesmo tempo em que "os progressos das prteses cognitivas com base digital transformam nossas capacidades intelectuais to nitidamente quanto o fariam mutaes de nosso patrimnio gentico" (Lvy, 1994, p. 33 e seg.) 19 . Concluso: "a hominizao, o processo de surgimento do gnero humano, no terminou mas acelera-se de maneira brutal" (idem, p. 15). No captulo 5, essa, digamos, provocativamente, "ontologia do ser social" chega ao pice quando, a partir de uma releitura da teologia farabiana que, entre os sculos X e XII teria "teorizado pela primeira vez o intelectual coletivo", o autor se prope explicitamente a desenhar "o programa de catedrais invertidas, esculpidas segundo o esprito humano", apresentando a perspectiva de uma "teologia transformada em antropologia", de modo que "o que foi teolgico torna-se tecnolgico" (idem, p. 83). "Ao lado de ndices bastante inquietantes que voltam nossso olhar aos aspectos mais sombrios da Terra, do Territrio e do Universo Mercantil, a passagem do terceiro milnio contm os germes, a figura virtual de um espao do saber autnomo (...) Esse quarto espao antropolgico, caso venha a se desenvolver, acolher formas de auto-organizao e de sociabilidade voltadas para a produo de subjetividades. Intelectuais coletivos caminharo nmades em busca de qualidades, modalidades de ser inditas. No ser o paraso na Terra, uma vez que os outros espaos, com suas coeres continuaro a existir". (Lvy, 1994, p. 122 e seg.) 20 . Assim, as tecnologias da inteligncia "no se limitam a ocupar um setor entre outros da mutao antropolgica contempornea: elas so potencialmente sua zona crtica, seu lugar poltico" (idem, p. 15). Ao criar um novo "espao antropolgico", o "espao do saber", abrem a possibilidade de auto-realizao do gnero humano pois, "por intermdio dos mundos virtuais, podemos no s trocar informaes, mas verdadeiramente pensar juntos, pr em comum nossas memrias e projetos para produzir um crebro cooperativo" (idem, p. 96). Deriva-se da um conceito de democracia radical, contra as "hierarquias burocrticas (...), as monarquias miditicas (...) e as redes internacionais da economia (...). Uma democracia distribuda por toda parte ativa, molecular" que permitiria humanidade"reapoderar-se de seu futuro. No entregando seu destino nas mos de algum mecanismo supostamente inteligente, mas produzindo sistematicamente as ferramentas que lhe permitiro constituir-se em coletivos inteligentes capazes de se orientar entre as mars tempestuosas da mutao"(idem, p. 15). Trata-se de um conceito de democracia imanente, 21 oposta a autoridades transcendentes: Deus, a Igreja, o partido, a escola, a TV, o chefe, os antigos, os especialistas 22 . interessante notar que a mesma radicalidade no se aplica, em absoluto, ao capital: "a grande mquina ciberntica do capital, sua extraordinria potncia de contrao, de expanso, sua flexibilidade, sua capacidade de se insinuar por toda parte, de reproduzir continuamente uma relao mercantil, sua virulncia epidmica parecem invencveis, inesgotveis. O capitalismo irreversvel. daqui por diante a economia, e a instituiu como dimenso impossvel de ser eliminada da existncia humana. Sempre haver o Espao das Mercadorias, como sempre haver a Terra e o Territrio." (Lvy, 1994, p. 120) No deixa de ser interessante a idia, que o autor desenvolve no captulo segundo, em contraposio justamente de "sociedade da informao", de uma economia que "girar ­ como j o faz ­ em torno do que jamais se automatizar completamente, em torno do irredutvel: a produo do lao social, o relacional"(idem, p. 41). No apenas uma "economia do conhecimento", mas algo mais geral, uma "economia do humano", em que "as necessidades econmicas se associam exigncia tica", constituindo-se uma "verdadeira indstria de restruturao de laos sociais, de reinsero dos excludos, de reconstituio de identidades para indivduos e comunidades desestruturados" (idem, p. 42). O autor percebe que no est falando de uma economia mercantil 23. Mas o desejo de compatibilizar a sua "utopia" de "renovao do lao social por intermdio do conhecimento" (idem, p. 26) e de constituio da inteligncia coletiva com a economia mercantil leva-o ao seguinte: "Mas nem a economia do conhecimento, nem a economia ampliada das qualidades humanas devem se desenvolver como economias dirigidas(...) No-mercantil no significa forosamente estatal, monopolista, hostil iniciativa privada ou alrgico a toda forma de avaliao. O problema da engenharia do lao social inventar e manter os modos de regulao de um liberalismo generalizado" (p. 43, grifo nosso). 24 Ora, mas o que , de fato afinal, o ciberespao onde se constri a inteligncia coletiva seno uma criao do capital, esse poder transcendente (que se ala acima da Lebenswelt, diria Habermas), para atender a seus desgnios de potncia e de dominao? No estamos falando de outra coisa seno daquela esfera pblica global em construo a que me referi acima e que contm e reproduz as assimetrias e hierarquias prprias do capitalismo, que repe em nvel global as condies de criticidade e excluso tpicos da esfera pblica burguesa clssica, relegando a maioria da populao mundial submisso lgica da massificao e do Estado Nacional. O que seria, afinal, o intelectual coletivo que participa hoje desse ciberespao seno todos ns, proletrios intelectualizados e trabalhadores intelectuais em fase de acelerada proletarizao e subsuno num capital interessado hoje fundamentalmente na extrao das nossas energias mentais para garantir a sua reproduo ampliada enquanto valor que se valoriza sugando trabalho vivo no pago? No momento atual, o intelectual coletivo no aquele ser que se auto-constri, mas o trabalhador coletivo criado pelo (e criador do) capital, no interesse do qual se d a cooperao. Para que essa cooperao venha a dar-se em favor do prprio coletivo, para que a esfera pblica global se autonomize e expanda ao ponto de constituir uma humanidade como a que pretende Lvy, preciso superar as barreiras impostas pelo prprio capital efetivao do potencial liberador que o de desenvolvimento capitalista cria. Para tanto, preciso ultrapassar a utopia liberal radical do autor e repor o horizonte significativo do socialismo. Com a constituio, hoje, do trabalhador intelectual coletivo, o Sujeito marxiano, transcendente, pode finalmente dissolve-se no sujeito histrico. Lvy, mais do que qualquer outro dos "tericos" do ciberespao, detecta essa tendncia e a expressa, ainda que de forma parcial e limitada. Isto posto, podemos concluir com o belo trecho a seguir, cuja fora emana do inegvel poder de seduo que tm as utopias. "Hoje, o novo proletariado no trabalha mais com signos ou coisas, mas com massas humanas brutas. Acompanha os povos em trnsito em meio s tempestades da grande mutao. Ele humaniza os corpos, os espritos, os comportamentos coletivos. Do corao da batalha, forja s cegas , sem jeito, as armas da autonomia. Eis os novos paus para toda obra da sociedade, os annimos que produzem as condies da riqueza longe das luzes do espetculo, aqueles cujo trabalho , ao mesmo tempo, o mais duro, o mais necessrio e o mais mal pago: a legio dos educadores, diretores de colgio, professores, formadores em geral. Vem encorpar esse contingente a multido de assistentes, trabalhadores sociais, policiais... e carcereiros que no aguentam mais! E no esqueamos a massa de auxiliares: os associativos, os no-governamentais, os caritativos, aqueles prontos a ajudar em todas as infelicidades, todo o povo mido que segue atrs dos fracassados e recolhe as vtimas da desterritorializao. Esses novos proletrios carregam sobre seus ombros o relacional de massa, o lao social intensivo. Esses justos se encarregam de inserir toda uma populao deixada por sua prpria conta. E, graas mobilidade e acelerao dos fluxos, todos vivem beira da excluso, arriscando-se a saltar para fora. O novo proletariado s se emancipar pela unio, saindo de suas categorias, prescindindo das alianas com aquele cujo trabalho se assemelha ao seu (mais uma vez, quase todos), evidenciando a operao que efetua na sombra, fazendo com que a produo da inteligncia volte a ser objeto central de preocupao explcita de todos, investindo na pesquisa sobre a engenharia do lao social a fim de instrumentar, na medida do possvel, aqueles que moldam o humano com as mos nuas e fora do afeto. Quando o novo proletariado se tornar consciente de si mesmo decidir suprimir-se enquanto classe, instituir a socializao geral da educao, da formao e da produo de qualidades humanas" (Lvy, 1994, p. 44 e seg.). Notas: 1. Cujo resultado mais elaborado encontra-se na ltima verso (Bolao, 1997 c) da tese de doutoramento apresentada em 1993 ao Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas. 2. A atual aproximao entre essas duas lgicas, permitida pela mudana estrutural que o conjunto do sistema capitalista vem sofrendo em nvel global, e pelo predomnio da ideologia neoliberal nesse processo, outro elemento complicador que precisa ser considerado. 3. Segundo Gouldner, a tenso entre voluntarismo e determinismo no constitui uma situao especial apremiante do marxismo. De fato, s a expresso dentro deste de uma situao mais geral prpria da teoria social, da sociologia acadmica, no menos do que do marxismo." (Gouldner, 1980, p. 49). O autor cita em seguida a seguinte passagem de Peter Berger e Stanley Pullberg: "as teorias sociolgicas podem ser agrupadas em dois polos. O primeiro nos apresenta uma concepo da sociedade como uma rede de significados humanos e encarnaes de atividades humanas. O segundo ... nos apresentou uma sociedade concebida como uma facticidade coisificada, que vigia seus membros individuais com controles coercitivos e os molda em seus processos socializadores ... a primeira concepo apresenta o homem como ser social e a sociedade como sendo feita por ele, enquanto que a segunda coloca a sociedade como uma entidade que est sobre e contra o homem, e mostrou a este como sendo feito por ela" (idem). Na seqncia, Gouldner aponta que essa tenso est presente no apenas na teoria social, mas tambm na filosofia moderna (onde cita a oposio entre existencialismo e estruturalismo) e na teologia crist, remetendo o dilema para a Grcia antiga, para concluir que "a tenso entre voluntarismo e determinismo faz parte da estrutura profunda do pensamento ocidental. O marxismo no inventou essa tenso nem a resolveu" (idem, p. 51). 4. "O conceito de histria como processo suscita imediatamente as questes da inteligibilidade e inteno. Cada evento histrico nico. Mas muitos acontecimentos, amplamente separados no tempo e espao, revelam, quando se estabelece relao entre eles, regularidades de processo .... O materialismo histrico, desde a poca de Vico, vem buscando uma expresso que denote as uniformidades de costumes, etc., as regularidades de formaes sociais e as anlises no como necessidades sujeitas a leis, nem como coincidncias fortuitas, mas como presses modeladoras e diretivas, articulaes indicativas das prticas humanas. J sugeri que a discusso avanar se abandonarmos a noo de direito e a substituirmos pela de "lgica de processo... A resultante histrica no pode ser proveitosamente concebida como o produto involuntrios da soma de uma infinidade de volies individuais mutuamente contraditrias ... Pois essas vontades individuais, por mais particulares que sejam as suas condies de vida, foram condicionadas em termos de classes; e se a resultante histrica ento vista como a conseqncia de uma coliso de interesses e foras de classe contraditrios, podemos ver ento como a agncia humana d origem a um resultado involuntrio - o movimento econmico afirma-se finalmente como necessrio - e como podemos dizer, ao mesmo tempo, que fazemos a nossa prpria histria, e que a histria se faz a si mesma," (Thompson, 1974, p. 978 a 101). 5. O conceito de experincia crucial: ele "faz a mediao entre ser social e conscincia social, no como uma simples dialtica, ou ponto de interao, mas como a experincia de presses, limites, e possibilidades do ser social sobre a conscincia social ... visto que o povo nunca se constituiu de fato em classes, os meios pelos quais um modo de produo determina a formao de classes (em qualquer grau) no pode ser facilmente entendido sem referncia a algo como uma experincia comum ... A determinao da conscincia social pelo ser social transparece no curso da experincia e concomitantemente a inclinao, ou propenso, a agir como classe" (Kaye, 1984, p. 206 e seg.). 6. Na sua crtica ao cartesianismo althusseriano, o autor caba negando o prprio mtodo de Marx nO Capital, visto como uma "gigantesca incoerncia", produto de "miscigenao terica" entre o materialismo histrico e a economia poltica, de modo que o que Marx teria feito no Capital e sobretudo nos Grundrisse seria uma anti-economia poltica, marcada por "formulaes idealistas (at mesmo autorealizadoras, teleolgicas) derivadas do procedimento abstracionista" (Thompson, 1978, p. 77). 7. O prprio Mazzucchelli aponta o problema com correo: "a anlise deve, de incio, se centrar na introduo da maquinaria a partir da relao do capital com o trabalho vivo, e s a partir dela. Mas, concretamente, a introduo da maquinaria determinada pela concorrncia intercapitalista, em particular pela lei de reduo dos custos de produo com vistas obteno do lucro extraordinrio, e no - diretamente - pela relao do capital com o trabalho vivo. Trata-se, evidentemente, de dois planos tericos distintos que devem, entretanto, manter uma relao de unidade." (idem, p. 47). 8. Apenas para explicitar um nico complicador, se no nvel da anlise das funes, o elemento determinante da dinmica, do ponto de vista da relao material tpica do capitalismo, , como explicitou Mazzucchelli, a concorrncia capitalista, uma vez que, na relao capital-trabalho, o segundo polo subsumido pelo primeiro, o mesmo no ocorre quando consideramos a forma Estado das relaes sociais capitalistas. Neste caso, antes de mais nada a luta de classes que imprime a dinmica dos sistema. Essa complexidade inerente anlise do processo histrico prova, por outro lado, a necessidade da ampliao do referencial do materialismo histrico para alm da considerao da relao material especfica do capitalismo. Sobre a relao forma/funo e a teoria marxista do Estado, inclusive a teoria da derivao, vide os dois captulos introdutrios (s partes I e II respectivamente) de Bolao (1993), eliminados da verso de 1997. 9. Para a discusso da proposta terica de Habermas no seu trabalho de 1981, vide Bernstein (1988), Thompson e Held (1982) e Habermas (1984). Para uma viso do conjunto da obra do autor, vide McCarthy (1987). 10.Verso em castelhano que amplia a verso original em ingls de 1978, incluindo um eplogo sobre a "Teoria da Ao Comunicativa". 11. A contribuio de Marx pode ento ser assim vista: "na forma de uma crtica da economia poltica, Marx destruiu essa iluso prenhe de conseqncias prticas. Mostrou que as leis da produo capitalista de mercadorias tm a funo latente de manter uma estrutura de classes que desmente os ideais burgueses. O mundo da vida das camadas proprietrias do capitalismo, que se autointerpreta no direito natural racional e nos ideais da cultura burguesa em geral, se converte, em Marx, numa superestrutura scio-cultural. Com a imagem da base e da superestrutura Marx d tambm expresso exigncia metodolgica de trocar a perspectiva interna do mundo da vida por uma perspectiva externa a partir da qual possam ser apreendidos, a tergo, os imperativos sistmicos da economia autonomizada que operam sobre o mundo da vida burgus." (Habermas, 1981, p. 262). Assim, "a crtica marxista da sociedade burguesa parte das relaes de produo porque aceita a racionalizao do mundo da vida, mas trata de explicar as deformaes desse mundo da vida racionalizado a partir das condies de sua reproduo material." (ide, p. 210) interessante esclarecer que Aberramos adota a metfora da base e da superestrutura, entendendo a base como "o complexo institucional que ancora no mundo da vida o mecanismo sistmico que se faz em cada caso com o primado evolutivo e com isso circunscreve as possibilidades de aumento da complexibilidade em uma determinada formao social" (Habermas, 1981, vol. 1, p. 237) e interpretando a metfora., como Kautsky, "na perspectiva de uma teoria da evoluo social" (cf. Habermas, 1976). Assim, nas sociedades primitivas, " o sistema de parentesco que assume o papel de relaes de produo. A sociedade consta de base e super-estrutura num s compartimento: nem sequer a religio est to diferenciada das instituies de parentesco que possa ser caracterizada como super-estrutura. Nas sociedades tradicionais as relaes de produo esto encarnadas na ordem poltica, enquanto que as imagens religiosas do mundo desempenham funes ideolgicas. S com o capitalismo, onde o mercado cumpre tambm a funo de estabilizar relaes de classe, adotam as relaes de produo forma econmica" (idem, p. 238). 12. que tem, de fato, um papel na articulao da sua teoria (cf. Fausto, 1983, cap. 1 e apndice 1), como veremos mais adiante. 13. que tambm cumpre um papel de articulao da teoria (cf. Mc. Carthy, 1987, p. 333 a 337)

14. Na verdade o autor abandona o referencial marxista (e o nvel de abstrao que ele envolve) em favor de uma soluo calcada em Parsons, acabando por limitar-se a um modelo analtico funcionalista extremamente simplificador, incorporando inclusive, no quadro da p. 454 do segundo volume da TAC (que o autor utiliza para discutir, na seqncia das crticas que faz a Marx - p. 479 e seg. -, a problemtica da pacificao do conflito de classes no capitalismo tardio), o modelo de fluxo circular dos economistas neoclssicos, cujas limitaes so sobejamente conhecidas. Mesmo que, a partir da, o autor desenvolva uma srie de consideraes das mais sensatas sobre o Welfare State, em nenhum momento apresenta qualquer evidncia da superioridade do seu esquema analtico em relao teoria marxista e, mais, em nenhum momento trata de problemas que j no tenham sido abordados pelos tericos marxistas do Estado. 15. alm do fato bvio j apontado do seu carter restrito a uma parcela limitada da populao mundial. 16. Assim, "o filsofo pensa e tematiza um homem humano que, conforme o terceiro manuscrito, s seria produzido num futuro longnquo. A conscincia do filsofo est inclinada para este futuro e dessa perspectiva ­ que a do socialismo (humanismo) -, ele critica a prtica do futuro imediato, cujo princpio motor o comunismo. Pelo seu carter intencionalmente utpico, entretanto essa crtica no se prope aparentemente alterar o curso do processo histrico objetivo, mas apenas mostrar os seus limites"(Fausto, 1983, p. 228). 17. O autor exprime assim a diferena entre o discurso lgico e o discurso histrico no marxismo: "De fato, de um duplo ponto de vista, o princpio da teoria de O Capital no a memria mas a antimemria: objetivamente, pois, para compreender as leis do sistema capitalista necessrio separar a sua articulao lgica da sua gnese; subjetivamente, porque no h continuidade, nesse nvel, entre a prtica poltica e a prtica terica. Mas o mesmo no acontece com o discurso histrico e com o discurso ttico-estratgico; eles pressupem uma memria que, no obstante o hegelianismo da frmula, uma memria de si." (Fausto, 1983, p. 230). 18. "Esta justaposio das estruturas objetivas de um horizonte (no um fundamento) significativo que as ilumina, parece ser o segredo dos chamados textos antropolgicos de O Capital, nos quais o althusserismo enxerga apenas sobrevivncias de uma fase anterior. Eles representam, na verdade, a cifra da historicidade de O Capital, no interior do seu espao lgico, e estabelecem a articulao desse espao com o tempo histrico" (Fausto 1983, p. 232 e seg.). 19. No captulo 3, o autor realiza uma interessante discusso sobre as grandes evolues tecnolgicas, classificando as tecnologias em arcaicas, molares e moleculares e relacionando-as com os mecanismos de controle das espcies vivas, da matria, das mensagens e de regulao dos grupos humanos. Infelizmente, no cabe aqui entrar nessa discusso. 20. O "espao do saber" construdo pelos "intelectuais coletivos" visto como um dos quatro "espaos antropolgicos" que, surgidos "progressivamente ao longo da aventura humana, ganharam consistncia, autonomizaram-se at se tornarem irreversveis", contingentes, eternos, vivos, estruturantes, estendidos ao conjunto da humanidade que os engendrou atravs de sua "atividade imaginria e prtica" (Lvy 1994, p. 127 e segue). O primeiro desses espaos a Terra. O segundo, o territrio, nasce com a revoluo neoltica. O terceiro o espao das mercadorias, bem mais recente (no fica claro se ele se autonomiza na Grcia Antiga, no perodo da constituio do mercado mundial ou na Revoluo Industrial. discusso sobre esses espaos o autor dedicar toda a segunda parte do livro. Para nossos objetivos no h interesse em voltar a ela. 21. Que o autor explicitar sobretudo no captulo 4. 22. "Toda tomada de controle realizada por um pequeno grupo, do que provm de todos, toda fixao de uma expresso viva coletiva, toda evoluo para a transcendncia, aniquila imediatamente o carter anglico de um mundo virtual, que cai ento nas regies obscuras da dominao, do poder, da pertena e da excluso (idem, p. 93). 23. "Uma sociedade que admitisse explicitamente os princpios da economia das qualidades humanas reconheceria, encorajaria e retribuiria todas as atividades sociais que produzem e sustentam essas qualidades, mesmo as que no fazem parte diretamente da economia mercantil (Lvy, 1994, p. 43). 24. E, mais adiante, uma prola: "na economia do futuro , o capital ser o homem total"(Lvi, 1984, p. 43). Ou ainda: "o intelectual coletivo uma espcie de sociedade annima para a qual cada acionista traz como capital seus conhecimentos, suas navegaes, sua capacidade de aprender e ensinar" (idem, p. 94). O "sucesso no ambiente altamente competitivo que o nosso" tomado como premissa para a constituio dos "coletivos inteligentes... sujeitos cognitivos, abertos, capazes de iniciativa de imaginao e de reao rpidas" (idem, p. 19). Bibliografia citada BERNSTEIN, R. J., org. (1988), "Habermas y la modernidad", Ctedra, Madrid. BOLAO, C. R. S., (1993), "Capital, Estado, Indstria Cultural", UNICAMP, Campias, mmeo. _________________. (1995), "Economia Politica Globalizacion y Comunicacion", Nueva Sociedad, 140, Caracas. _________________. (1997 a), "La Genesis de la Esfera Publica Global", Nueva Sociedad, 147, Caracas. _________________. (1997b), "A Convergncia Informtica/ Telecomunicaes/Audiovisu- al", Revista Praga, 4, So Paulo. --_________________. (1997 c), "Indstria cultural, informao e capitalismo", mmeo, Aracaju. FAUSTO, R. (1983, 1988), "Marx: lgica e poltica", Brasiliense, So Paulo. GOULDNER, A. W. (1980), Los dos Marxismos, Alianza Universidad, Madrid, 1989. HABERMAS, J. 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