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VOLUME I Organizador: Filipe Lage de Sousa 1ª edição RIO DE JANEIRO – OUTUBRO DE 2012

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  • VOLUME I

    Organizador: filipe Lage de Sousa

    1 edio rio De JAneiro outuBro De 2012

  • Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social BNDES

    PresidenteLuciano Coutinho

    ViCe-PresidenteJoo Carlos Ferraz

    Os artigos assinados so de exclusiva responsabilidade dos autores, no refletindo, necessariamente, a opinio do Bndes. permitida a reproduo parcial ou total dos artigos desta publicao, desde que citada a fonte.

    esta publicao no pode ser comercializada. As publicaes editadas pelo Bndes esto disponveis gratuitamente em formato impresso e digital. Mais informaes em www.bndes.gov.br/faleconosco.

    B661 Bndes 60 anos: perspectivas setoriais/Organizador: Filipe Lage de sousa. 1. ed. rio de Janeiro: Bndes, 2012. v. 1: il. 384 p.

    Vrios autores.

    isBn: 978-85-87545-44-2

    1. Banco nacional de desenvolvimento econmico e social. 2. economia - Brasil. 3. desenvolvimento econmico - Brasil. i. sousa, Filipe Lage de (org.).

    Cdd 332.28

    Av. repblica do Chile, 100rio de Janeiro rJ CeP 20031-917Central de Atendimento 0800 702 6337Atendimento a deficientes auditivos 0800 888 9873

  • Sumrio

    VOLUME 1

    PreFCiO ................................................................................................................ 5

    APresentAO ....................................................................................................... 9

    A eCOnOMiA BrAsiLeirA: COnquistAs dOs LtiMOs dez AnOs e PersPeCtiVAs PArA O FuturO ...........................................................................12Adriana Inhudes Gonalves da Cruz, Antonio Marcos Hoelz Ambrozio, Fernando Pimentel Puga, Filipe Lage de Sousa e Marcelo Machado Nascimento

    COMPLexO eLetrniCO: A eVOLuO reCente e Os desAFiOs PArA O setOr e PArA A AtuAO dO Bndes ................................42Ricardo Rivera de Sousa Lima

    O PAPeL dO Bndes nO desenVOLViMentO dO setOr AutOMOtiVO BrAsiLeirO ...98Daniel Chiari Barros e Luciana Silvestre Pedro

    A indstriA AerOnutiCA nO BrAsiL: eVOLuO reCente e PersPeCtiVAs .... 138Srgio Bittencourt Varella Gomes

    O setOr de Bens de CAPitAL nO BrAsiL e O PAPeL dO Bndes COMO indutOr dO desenVOLViMentO, nO PerOdO 2003-2011 ........................ 186Breno Emerenciano Albuquerque, Edson Moret, Luciana Surliuga, Marcelo Oliveira Santos, Marcos dos Santos e Marcos Fernandes Machado

    PersPeCtiVAs PArA O desenVOLViMentO industriAL e teCnOLgiCO nA CAdeiA de FOrneCedOres de Bens e serViOs reLACiOnAdOs AO setOr de P&g ...................................................................... 224Bruno Plattek de Arajo, Andr Pompeo do Amaral Mendes, Ricardo Cunha da Costa

    A retOMAdA dA indstriA nAVAL BrAsiLeirA ................................................. 274Priscila Branquinho das Dores, Elisa Salomo Lage e Lucas Duarte Processi

    sAde COMO desenVOLViMentO: PersPeCtiVAs PArA A AtuAO dO Bndes nO COMPLexO industriAL dA sAde ............................................... 300Vitor Pimentel, Renata Gomes, Andr Landim, Joo Pieroni e Pedro Palmeira Filho

    A indstriA de PAPeL e CeLuLOse .................................................................... 334Andr Carvalho Foster Vidal e Andr Barros da Hora

  • Bndes 60 AnOs PersPeCtiVAs setOriAis4

    VOLUME 2

    PreFCiO ................................................................................................................ 5

    APresentAO ....................................................................................................... 9

    A indstriA quMiCA e O setOr de FertiLizAntes ..............................................12Leticia Magalhes da Costa e Martim Francisco de Oliveira e Silva

    O FuturO dO setOr suCrOenergtiCO e O PAPeL dO Bndes ..............................62Artur Yabe Milanez e Diego Nyko

    APOiO dO Bndes AgrOindstriA: retrOsPeCtiVA e VisO de FuturO ............88Egmar Del Bel Filho, Jaldir Freire Lima, Luciana Xavier de Lemos Capanema e Victor Emanoel Gomes de Moraes

    indstriAs trAdiCiOnAis de Bens de COnsuMO nO BrAsiL: desAFiOs e OPOrtunidAdes .............................................................................. 122Job Rodrigues Teixeira Junior, Rangel Galinari, Paulo Fernandes Montano e Juliana Generoso da Silva

    CriAtiVidAde e desenVOLViMentO ................................................................... 160Marina Moreira da Gama

    O setOr eLtriCO BrAsiLeirO e O Bndes: reFLexes sOBre O FinAnCiAMentO AOs inVestiMentOs e PersPeCtiVAs ....... 190Alexandre Siciliano Esposito

    situAO AtuAL e PersPeCtiVAs dA inFrAestruturA de trAnsPOrtes e dA LOgstiCA nO BrAsiL ...................................................... 232Dalmo dos Santos Marchetti e Tiago Toledo Ferreira

    O sAneAMentO AMBientAL nO BrAsiL: CenriO AtuAL e PersPeCtiVAs .......... 272Guilherme da Rocha Albuquerque e Arian Bechara Ferreira

    trAnsPOrte urBAnO: O PAPeL dO Bndes nO APOiO sOLuO dOs PrinCiPAis gArgALOs de MOBiLidAde ....................................................... 310Rafael R. Herdy, Carlos H. R. Malburg e Rodolfo Torres dos Santos

  • Prefcio

    A construo do futuro

    Ao longo do sculo xx, a economia brasileira passou por mudanas significativas.

    O Brasil deixou de ser uma economia exportadora de produtos primrios para se

    transformar notadamente a partir da grande crise dos anos trinta e, depois, pelo

    impulso de quatro ciclos relevantes de avano industrial entre 1950 e 1980 em

    uma economia urbanizada, diversificada e complexa. J no longo perodo que se

    iniciou com a crise da dvida externa no incio dos anos oitenta, at o rpido pro-

    cesso de robustecimento da posio cambial brasileira (de 2004 a 2007), a economia

    experimentou alta instabilidade, forte incerteza e modestos avanos estruturais no

    que toca ao seu sistema industrial e de servios.

    A partir de 2005, a economia brasileira experimentou um firme ciclo de

    expanso, interrompido pela ecloso da grave crise bancria e financeira mundial

    de 2008-2009. desde 2010, o crescimento foi retomado, mas sob crescentes desa-

    fios derivados do acirramento global da concorrncia comercial e industrial. diag-

    nosticar esses desafios e propor novos caminhos constituem o objetivo principal

    desta publicao.

    Com efeito, ao comemorar sessenta anos de existncia este ano, o Bndes se

    orgulha de ter sido, ao longo de sua histria, um ator importante no processo de

    desenvolvimento econmico e social. e uma das virtudes da instituio foi sua capa-

    cidade de antever os desafios do pas e se reestruturar para atend-los.

    nos anos cinquenta, o Banco apoiou o desenvolvimento da infraestrutura. si-

    multaneamente, comeou a dar suporte financeiro para incentivar o surgimento

    das indstrias de base. nos anos setenta, impulsionou a formao de um amplo se-

    tor de bens de capital (seriados e sob encomenda), alm da expanso das indstrias

    de insumos bsicos (siderurgia, metalurgia de no ferrosos, qumica e petroqu-

    mica, celulose e papel), bem como a expanso das indstrias de bens de consumo

    durveis, sem deixar de apoiar o esforo continuado de investimentos em infraes-

    trutura, inclusive de telecomunicaes.

  • Bndes 60 AnOs PersPeCtiVAs setOriAis6

    nos oitenta, o Banco ganhou mais uma misso relevante: a de apoiar o desen-

    volvimento social, o que motivou financiamentos a infraestruturas de saneamento

    bsico e transportes de massa, alm da ateno ao crdito s pequenas empresas.

    no difcil perodo de alta inflao e alta vulnerabilidade cambial, nas dcadas de

    1980 e 1990, em que a Formao Bruta de Capital Fixo/Produto interno Bruto (FCBF/

    PiB) veio declinando, o Bndes teve sua atuao restringida pelas circunstncias ad-

    versas. no obstante, colaborou de forma competente e diferenciada com o proces-

    so de modernizao do setor pblico, tendo sido o agente operativo do programa

    nacional de desestatizao.

    desde 2004, com a retomada do crescimento, o Bndes voltou a apoiar firme-

    mente a expanso dos investimentos em infraestruturas, indstria e servios, cola-

    borando decisivamente para elevar o patamar da taxa agregada de investimento

    (FBCF/PiB), que subiu de cerca de 16% para perto de 20%. essa trajetria ascenden-

    te foi interrompida pela gravssima crise financeira global detonada pela falncia

    do Lehman Brothers em setembro de 2008.

    O acmulo de reservas efetuado no perodo 2004-2008 somado aos bons fun-

    damentos fiscais permitiu ao governo brasileiro exercitar, pela primeira vez em trs

    dcadas, uma firme poltica anticclica baseada em um conjunto de iniciativas de

    estmulo do mercado interno, visando sustentar o consumo e reanimar os inves-

    timentos. O Bndes atuou proativamente desde o incio da crise e, com as demais

    instituies financeiras federais, contribuiu de modo relevante para a rpida supe-

    rao do processo recessionista ao longo de 2009. Para isso, no apenas recebeu

    emprstimos de grande escala do tesouro nacional em 2009 e 2010, mas atuou de

    forma inovadora, sugerindo vrias iniciativas ao governo federal.

    essa capacidade de adaptar as suas formas de atuao pode ser explicada pelo

    conhecimento setorial da instituio sobre os diversos setores da economia brasileira.

    A partir de diagnsticos precisos e realistas, foi possvel adequar as polticas pblicas

    para resistir aos retrocessos, suprir as vicissitudes e aproveitar oportunidades viveis.

    Os desafios atuais requerem superao das dificuldades antepostas pelo cen-

    rio internacional. A perda de dinamismo de grandes mercados em pases desenvol-

    vidos, acompanhada pela ascenso de pases em desenvolvimento, tem resultado

  • PreFCiO 7

    em maior competio internacional no mercado de bens transacionveis. simulta-

    neamente, a continuidade das rpidas mudanas tecnolgicas demanda agilidade

    na elaborao de polticas de fomento.

    Apesar do ambiente desafiador, o Brasil possui amplas oportunidades de cresci-

    mento a serem exploradas. A demanda mundial por produtos em que somos com-

    provadamente competitivos tende a aumentar e, por consequncia, a atrair mais

    recursos para o pas. As descobertas de recursos minerais em alto-mar trazem opor-

    tunidades de desenvolvimento de uma gama de bens e servios ao longo da cadeia

    produtiva e que requerem contedo tecnolgico de fronteira.

    nossos agronegcios so extremamente competitivos e podem capturar opor-

    tunidades relevantes com o desenvolvimento avanado das cadeias supridoras de

    bens de capital, insumos e biotecnologias. Basta observar o potencial de muitas

    reas de nossa indstria de bens de capital e da indstria automotiva, os setores

    de caminhes e o de nibus, considerando as oportunidades de transio tecnol-

    gica em direo a novos padres de sustentabilidade ambiental, incluindo veculos

    hbridos e eltricos. A necessidade mundial de desenvolvimento mais sustentvel

    coloca o Brasil em posio de destaque por sua capacidade de aglutinar solues de

    baixo carbono, eficincia energtica e incluso social.

    Oportunidades relevantes de crescimento derivam da expanso das infraestru-

    turas. Os investimentos em mobilidade urbana e saneamento ganharam corpo a

    partir de 2007, com o Plano de Acelerao do Crescimento, e continuaro a crescer

    nos prximos anos com a entrada de novos projetos na terceira edio desse plano.

    Mais recentemente o lanamento pelo governo federal de um ciclo de concesses e

    parcerias pblico-privadas em infraestruturas logsticas (rodovias, ferrovias, portos,

    aeroportos) abre mais oportunidades de desenvolvimento de cadeias supridoras de

    equipamentos, insumos e servios alm do impacto positivo para a competitivida-

    de sistmica da economia.

    no se deve, porm, considerar apenas os desafios de avanar nas cadeias e se-

    tores onde o Brasil j tem constitudo vantagens competitivas reveladas ou onde os

    gargalos existentes criaram oportunidades rentveis. preciso pesquisar e fomen-

    tar as nossas chances de desenvolver indstrias e cadeias intensivas em conheci-

  • Bndes 60 AnOs PersPeCtiVAs setOriAis8

    mento cientfico e inovao. no h razo para no ambicionar capturar oportuni-

    dades empresariais nas tecnologias de informao e comunicao, como os setores

    de software, de telecomunicaes, de semicondutores, de automao dos servios

    e comrcio. entre as novas oportunidades, sobressaem a farmacutica de biossint-

    ticos e vrias famlias de equipamentos do complexo industrial da sade, alm de

    nosso complexo aeronutico, aeroespacial e de defesa. ressaltam-se, ainda, novas

    oportunidades nas reas de energias renovveis, biomassa, etanol de terceira gera-

    o, assim como as energias elica e solar. H possibilidades de desenvolvimento de

    cadeias produtivas mais fortes e inovadoras e podemos avanar no desenvolvimen-

    to de geraes avanadas de produtos e processos. no h por que amesquinhar a

    perspectiva brasileira e no pensar de forma ambiciosa em relao aos potenciais

    de desenvolvimento do pas.

    nesta edio especial comemorativa do aniversrio de sessenta anos da institui-

    o, o Bndes mostra sua capacidade de refletir sobre as necessidades e potenciali-

    dades brasileiras. esta edio traz um olhar sobre o desempenho dos setores com

    um breve histrico da ltima dcada, mas volta-se principalmente para as perspec-

    tivas nos prximos anos. Ao vislumbrar as necessidades e oportunidades futuras,

    este estudo propicia uma viso de como as polticas do Banco podem se adequar s

    demandas setoriais. desafios e oportunidades emergem, e o Bndes est atento e

    pronto a continuar apoiando o desenvolvimento brasileiro de maneira sustentvel

    em todos os sentidos.

    Luciano Coutinho

    Presidente do Bndes

  • APreSentAo

    desde o incio do sculo xxi, ocorreram marcantes transformaes econmicas que

    mudaram o eixo de desenvolvimento mundial: grave crise financeira nos euA; crise

    bancria e soberana na europa; China como principal motor do crescimento mundial;

    ritmo intenso de progresso tcnico gerando novos produtos a preos consistente-

    mente decrescentes; termos de troca favorveis s commodities; incluso econmica

    de uma nova classe mdia em pases em desenvolvimento. diante dessas transforma-

    es em curso, a tarefa de vislumbrar as perspectivas de longo prazo da economia

    brasileira, principalmente do ngulo setorial, tornou-se complexa e desafiadora.

    Ao completar sessenta anos de existncia, o Bndes organizou a presente publica-

    o com este intuito: registrar as possibilidades futuras de desenvolvimento de alguns

    setores da economia brasileira. As dificuldades encontradas para identificar as potencia-

    lidades de cada setor so considerveis, porm, esse exerccio pode trazer contribuies

    positivas para o pas e para o Bndes. identificar e compreender melhor as vicissitudes

    e oportunidades setoriais contribui para o debate sobre os rumos do desenvolvimento

    brasileiro, para a formulao de polticas pblicas e auxilia o Bndes a traar os rumos de

    sua atuao. Portanto, mais importante do que conseguir antever o futuro dos setores

    per se, permanecer sempre disposto a dialogar com os agentes interessados e com a

    sociedade sobre os desafios que a economia brasileira ter que enfrentar.

    dividida em dois volumes, esta publicao rene 18 artigos, sendo um intro-

    dutrio e 17 setoriais que procuram refletir sobre as potencialidades da economia

    brasileira a partir da performance dos ltimos dez anos e dos cenrios mais pro-

    vveis acerca dos mercados mundial e domstico. O artigo introdutrio utiliza os

    resultados da balana comercial, da expanso do mercado domstico, do investi-

    mento e da produtividade para analisar o comportamento da economia brasileira

    no perodo recente, bem como suas perspectivas.

    entre os artigos setoriais, os setores intensivos em tecnologia so particular-

    mente relevantes na discusso de crescimento econmico sustentvel. O primeiro

    artigo setorial do Volume i trata do Complexo eletrnico, analisado tanto pelos

    equipamentos e componentes eletrnicos (inclusive microeletrnica e displays),

  • Bndes 60 AnOs PersPeCtiVAs setOriAis10

    quanto pelo crescente e cada vez mais importante segmento de software e servios

    correlatos. O artigo seguinte aborda o Complexo Automobilstico e avalia no s a

    produo de veculos como tambm o setor de autopeas. A evoluo da indstria

    aeronutica apresentada posteriormente, enfatizando como o Brasil soube apro-

    veitar as oportunidades do setor para desenvolver empresas internacionalmente

    competitivas e examina os principais desafios para mant-las.

    A performance da indstria de bens de capital, o apoio do Bndes ao setor e

    suas perspectivas futuras so apreciadas no quarto artigo setorial deste volume.

    Alm da anlise geral de mquinas e equipamentos, alguns estudos tratam da es-

    pecificidade de alguns demandantes desses bens. As perspectivas da explorao do

    pr-sal no Brasil abrem oportunidades na cadeia de fornecedores de bens e servios

    relacionados explorao e produo offshore de petrleo e gs natural. O assun-

    to abordado no artigo seguinte, focando nos equipamentos e servios necessrios

    para extrao de hidrocarbonetos em alto-mar. Outro setor impulsionado pelas des-

    cobertas das reservas o de construo naval, analisado no sexto artigo setorial, no

    qual possvel perceber a existncia de grandes oportunidades para o Brasil voltar a

    desempenhar papel de relevo na produo mundial. O Complexo industrial da sa-

    de, formado pelas indstrias farmacutica e de equipamentos mdicos, avaliado no

    penltimo artigo do Volume i, em um contexto em que promover a inovao cons-

    titui meio para ampliar o acesso da populao brasileira a novos produtos de sade.

    Outros setores so caracterizados como fornecedores de insumos para outros. um

    exemplo o setor de papel e celulose, abordado em detalhe no ltimo artigo do Volume i.

    J no Volume ii, o primeiro artigo trata da indstria qumica, com foco em ferti-

    lizantes, setor que tem um considervel potencial de crescimento e de contribuio

    para a expanso agrcola no pas. O desenvolvimento de fornecedores nacionais

    do referido insumo dinamizaria ainda mais dois outros segmentos tratados nesta

    publicao: biocombustveis e agroindstria. Com relao ao setor de biocombust-

    veis, uma anlise do crescimento de sua importncia nos ltimos anos por conta da

    necessidade de desenvolver uma economia sustentvel apresentada no artigo se-

    guinte. A agroindstria avaliada no terceiro artigo como um processo integrado,

    contemplando desde a produo no campo at as etapas industriais que a sucedem.

  • APresentAO 11

    O quarto artigo do Volume ii aborda alguns setores tradicionais de bens de con-

    sumo, exemplificados por mveis, calados, txteis e confeces, bebidas e produ-

    tos de higiene pessoal, perfumaria e cosmticos. O quinto artigo analisa a evoluo

    da economia criativa assim como as perspectivas futuras.

    infraestrutura outro grande setor abordado na publicao. A evoluo estrutu-

    ral do setor eltrico brasileiro e o seu financiamento so discutidos no sexto artigo.

    O artigo seguinte mostra o desenvolvimento da logstica e sua evoluo nos prxi-

    mos anos em diversos modais, tais como: rodovirio, ferrovirio, porturio e aqua-

    virio. Com relao infraestrutura urbana, o stimo artigo aborda a questo de

    saneamento urbano e suas potencialidades. Por fim, o ltimo artigo do Volume ii

    apresenta outra questo relevante para os anseios da populao nas cidades: a capa-

    cidade de mobilidade urbana.

    A importncia dos setores abordados nesta publicao no se resume a sua repre-

    sentatividade no Produto interno Bruto (PiB) brasileiro, mas tambm na sua relevn-

    cia para o desenvolvimento da economia brasileira. Por sua abrangncia, uma boa

    performance desses setores auxiliar o Brasil a mudar de patamar, passando para pas

    de renda alta. essa mudana representa um grande salto de desenvolvimento por sua

    dificuldade e complexidade. A expectativa que o conhecimento aqui demonstrado

    possa contribuir para superar os desafios encontrados pela economia brasileira.

    Por ltimo, necessrio registrar e agradecer a contribuio de todos os autores

    dos artigos desta edio comemorativa e das equipes de todas as reas envolvidas

    nesse projeto: industrial (Ai), insumos Bsicos (AiB), infraestrutura (Aie), social (As),

    Operaes indiretas (AOi), Comrcio exterior (Aex) e Pesquisa econmica (APe).

    O empenho e a dedicao desses autores foram essenciais para garantir a quali-

    dade das reflexes encontradas na publicao. Cabe tambm um agradecimento

    aos colaboradores do departamento de divulgao do gabinete da Presidncia do

    Bndes envolvidos na edio do livro.

    Filipe Lage de sousa

    Organizador

  • Adriana inhudes Gonalves da cruzAntonio marcos Hoelz Ambrozio

    fernando Pimentel Pugafilipe Lage de sousa

    marcelo machado nascimento*

    * respectivamente, coordenadora de servios do departamento de acompanhamento econmico e operaes da rea de Pesquisa e acompanhamento econmico (aPe/dae); gerente do departamento de Pesquisas e operaes (aPe/dePeQ); superintendente da aPe; economista do Bndes e editor do peridico BNdes setorial; e chefe de departamento da aPe/dae do Bndes.

  • ECONOMIA BRASILEIRA 13

    Resumo

    Neste estudo, analisamos as transformaes recentes e os desafios da economia

    brasileira. A emergncia da China como potncia econmica mundial implicou um

    choque de preos relativos, com barateamento de bens industriais e aumento dos

    preos de commodities, nos quais o Brasil tem vantagem comparativa, o que impac-

    tou de forma favorvel as contas externas. No front interno, o aumento do crdito

    e a gerao de empregos, aliados a polticas de incluso social, possibilitaram uma

    melhoria no padro de consumo de milhes de brasileiros, o que, em conjunto

    com uma expanso dos investimentos, impulsionou o dinamismo do mercado do-

    mstico. A robustez do mercado interno, fortalecido por medidas anticclicas fis-

    cais e creditcias, foi determinante para a resilincia da economia brasileira ante

    a crise financeira internacional de 2007-2008, e continuar a ter papel importante

    para impulsionar o crescimento do pas. Apesar de todos os avanos recentes, ser

    preciso enfrentar o desafio de aumentar a produtividade brasileira. Argumenta-

    mos ainda que o futuro apresenta obstculos, mas oferece tambm oportunidades,

    que permitiro um aumento tanto dos investimentos quanto da produtividade da

    economia brasileira.

    AbstRAct

    In this paper, we analyze the recent transformations in and challenges for the

    Brazilian economy. The emergence of China as a world economic power has

    changed terms of trade with a reduction of the prices of manufacturing goods

    and an increase in commodities prices, in which Brazil has comparative advantage.

    This change of terms of trade has positively impacted the Brazilian trade balance.

    In the domestic market, the expansion of credit and employment together with

    social inclusion policies managed to improve the consumption pattern of millions

    of Brazilians. The growth in investments has also boosted the domestic market. The

    robustness of the internal market, strengthened by fiscal and credit anti-cyclical

  • BNDES 60 ANOS PERSPECTIVAS SETORIAIS14

    policies, was a determining factor for the resilience of the Brazilian economy

    after the international financial crisis in 2007-2008. Moreover, the internal market

    might have a relevant role in the years to come. Despite all the recent progress, it

    will be necessary to improve Brazilian productivity. We argue that there are not

    only drawbacks in the future but also opportunities which may be able to boost

    investments in and the productivity of the Brazilian economy.

  • ECONOMIA BRASILEIRA 15

    Um dos grandes desafios econmicos para qualquer nao a conciliao de cres-

    cimento econmico, estabilidade e reduo das desigualdades. Quanto a esse

    aspecto, os ltimos anos representaram um perodo de grande sucesso para a

    economia brasileira. Por diversos motivos, que envolvem fatores externos, inter-

    nos e o desenho de polticas pblicas, a economia brasileira alcanou crescimento

    mdio anual prximo a 4% a.a. entre 2000 e 2011 (Grfico 1), valor superior ao

    observado nas duas dcadas anteriores, que foi cerca de 2% anuais. Entre 2004 e

    2011, quando a economia apresentou melhor performance, a inflao tambm se

    manteve sob controle, com taxa anual mdia de 5,4%.

    Durante esse perodo, tambm foi possvel perceber uma substancial melho-

    ria na renda e na qualidade de vida das famlias mais pobres, uma queda quase

    contnua da taxa de desemprego e forte expanso do crdito. Como resultado,

    houve o fortalecimento do mercado domstico, que desempenhou um papel cru-

    cial na resilincia da economia perante a crise internacional de 2007-2008.

    Grfico 1 Variao do Produto interno Bruto (PiB) a Preos constantes (em %)

    2,1

    5

    3,3

    8

    0,0

    4

    0,2

    5

    4,3

    1

    1,3

    1

    2,6

    6

    1,1

    5

    5,7

    1

    3,1

    6

    3,9

    6

    6,0

    9

    5,1

    7

    -0,3

    3

    7,5

    3

    2,7

    3

    -1

    0

    1

    2

    3

    4

    5

    6

    7

    8

    1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

    Fonte: Elaborao BNDES, com base em dados do IBGE.

  • BNDES 60 ANOS PERSPECTIVAS SETORIAIS16

    No front externo, a China se consolidou como potncia econmica. O desem-

    penho chins proporcionou uma crescente demanda por commodities e aumentou

    o comrcio de recursos minerais e energticos. Avanos na renda e padro de vida

    nos mercados emergentes elevaram o consumo de alimentos com elevado ndice

    proteico, produtos dos quais o Brasil produtor eficiente.

    Apesar da crise financeira internacional iniciada em 2007, a economia brasi-

    leira continuou obtendo desempenho acima da mdia. Os efeitos da crise sobre

    o Produto Interno Bruto (PIB) foram relativamente tnues, com queda de apenas

    0,3% em 2009. Em virtude da fora do mercado domstico e de polticas anticcli-

    cas, nas quais o Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social (BNDES)

    teve importante participao, a recuperao ocorreu de forma rpida e vigorosa,

    com crescimento de 7,5% em 2010.

    Apesar dos resultados positivos do perodo e do alvio de problemas sociais que

    historicamente afligiram o pas, existem desafios a serem enfrentados no futuro

    prximo. O aumento da competitividade da economia e a continuidade dos avan-

    os sociais dependem de avanos na infraestrutura e em pesquisa e desenvolvimen-

    to e da acelerao na qualificao da mo de obra.

    Tendo como pano de fundo as conquistas dos ltimos dez anos, decndio entre

    as comemoraes de cinquenta e sessenta anos do BNDES, bem como os desafios

    que se erguem para o futuro prximo, este texto examina o comportamento das

    principais variveis econmicas que ilustram o perodo e analisa as transformaes

    pelas quais os principais setores da economia passaram.

    Para cumprir esse objetivo, este artigo est dividido em outras cinco sees. A

    primeira seo trata do cenrio internacional e analisa como este afetou a balan-

    a comercial brasileira. O desempenho do mercado domstico nos ltimos anos

    analisado na seo seguinte. A terceira seo analisa os investimentos no Brasil

    nos ltimos anos e prev os prximos a serem realizados. Em seguida, expe-se o

    desafio da produtividade brasileira, com base em seu desempenho recente e em

    suas perspectivas. Na ltima seo, so delimitadas as consideraes finais.

  • ECONOMIA BRASILEIRA 17

    1. cenRio inteRnAcionAL e bALAnA comeRciAL bRAsiLeiRA

    A ltima dcada fi cou marcada por dois fenmenos internacionais que afetaram

    o desempenho da economia mundial e se traduziram em mudanas importantes

    para a economia brasileira: (a) a consolidao da China como potncia econmica

    e importante provedora de bens industriais para o mundo; e (b) a crise fi nanceira

    internacional e seu impacto sobre a distribuio de foras econmicas e polticas

    entre economias avanadas e emergentes.

    Depois de trs dcadas de crescimento prximo a 10% a.a., a China ganhou

    dimenso importante como potncia econmica, superando, em volume de pro-

    duo, pases como Alemanha e Japo. H at mesmo a perspectiva de se tornar a

    maior economia do planeta, possivelmente, antes de 2020, conforme previses do

    Fundo Monetrio Internacional (FMI).1 Apesar de o crescimento elevado ter se ini-

    ciado na dcada de 1970 e se mantido nas dcadas posteriores, foi nos anos 2000 e,

    sobretudo, a partir da adeso Organizao Mundial do Comrcio (OMC), ocorrida

    em novembro de 2001, que a economia chinesa consolidou seu papel como impor-

    tante provedora de bens manufaturados gerais, em escala global. O Grfi co 2 ilustra

    o aumento da participao da China nas exportaes mundiais de bens manufatu-

    rados. Em dez anos, essa participao praticamente triplicou, passando de 4,7% em

    2000 para 14,8% em 2010.

    A emergncia da China como parque industrial do planeta trouxe importan-

    tes repercusses sobre o dinamismo de pases emergentes e desenvolvidos e in-

    fl uenciou, at mesmo, a orientao da poltica econmica em escala mundial. A

    queda dos preos de produtos manufaturados, tornada possvel graas ao avano

    da indstria chinesa, contribuiu para a manuteno de infl ao e juros em pata-

    mares historicamente baixos. Essa condio de preos e poltica monetria, que

    fi cou conhecida como perodo da grande moderao (great moderation), pro-

    1 no obstante, a supremacia econmica chinesa no um fato novo na histria mundial. dahlman (2011) mostra que a economia chinesa era uma das maiores antes da revoluo industrial.

  • BNDES 60 ANOS PERSPECTIVAS SETORIAIS18

    longou a fase de crescimento econmico com estabilidade de preos nos pases

    avanados, iniciada no fim da dcada de 1980.

    Grfico 2 ParticiPao das exPortaes chinesas (%) no total das exPortaes mundiais

    de manufaturados

    1,9

    3,3

    4,7

    14,8

    0

    2

    4

    6

    8

    10

    12

    14

    16

    1980

    1981

    1982

    1983

    1984

    1985

    1986

    1987

    1988

    1989

    1990

    1991

    1992

    1993

    1994

    1995

    1996

    1997

    1998

    1999

    2000

    2001

    2002

    2003

    2004

    2005

    2006

    2007

    2008

    2009

    2010

    (%)

    Fonte: Organizao Mundial do Comrcio.

    O desempenho chins guarda relao direta com o aumento dos desequilbrios

    globais (global imbalances). A combinao de preos baixos com a elevada compe-

    titividade dos produtos chineses proporcionou o aumento dos dficits comerciais

    de pases desenvolvidos concomitante com o acmulo excessivo de poupana na

    China [Bernanke (2005)]. Os juros baixos, combinados a regras excessivamente per-

    meveis para os mercados financeiros, contriburam para inflar os preos de ativos,

    fomentando bolhas que se traduziram em maior fragilidade nos mercados.

    Entre 2007 e 2008, a instabilidade latente dos mercados converteu-se em fe-

    nmeno concreto: a pior crise financeira do ps-guerra e, provavelmente, a se-

    gunda mais grave ps-revoluo industrial. A crise comeou a se configurar com a

    percepo dos mercados de que havia excessos tanto relacionados aos preos de

    ativos, sobretudo no segmento de imveis, quanto s condies de alavancagem

    de bancos e famlias. A associao entre os desequilbrios globais e a crise financei-

  • ECONOMIA BRASILEIRA 19

    ra foi amplamente explorada pela literatura econmica. Exemplos importantes de

    estudos que abordaram essa interao so Obstfeld e Rogoff (2010) e Caballero,

    Farhi e Gourinchas (2008).

    Durante a crise, e mesmo no perodo de recuperao, ficou clara uma diferena

    entre o potencial de resistncia de economias emergentes e a vulnerabilidade das

    economias desenvolvidas. O desempenho das economias emergentes antes e de-

    pois da crise financeira continuou elevando a demanda por commodities. Em razo

    das condies bastante restritas de resposta pelo lado da oferta, os preos desses

    produtos se mantiveram elevados (Grfico 3).

    Grfico 3 Preo de commodities (ndice 2005 = 100)

    0

    50

    100

    150

    200

    250

    300

    350

    400

    450

    500

    1970

    1971

    1972

    1973

    1974

    1975

    1976

    1977

    1978

    1979

    1980

    1981

    1982

    1983

    1984

    1985

    1986

    1987

    1988

    1989

    1990

    1991

    1992

    1993

    1994

    1995

    1996

    1997

    1998

    1999

    2000

    2001

    2002

    2003

    2004

    2005

    2006

    2007

    2008

    2009

    2010

    2011

    2012

    126,6

    455,9

    346,7

    Fonte: Banco Mundial.

    Essa evoluo do cenrio internacional teve relevante implicao sobre o

    comrcio exterior do Brasil. O crescimento da participao chinesa no comrcio

    mundial, por exemplo, se refletiu no aumento da importncia do pas como par-

    ceiro comercial e afetou de forma positiva, pelo menos quantitativamente, o sal-

    do da balana comercial brasileira nos ltimos anos. As exportaes brasileiras

    saltaram de um patamar de US$ 55 bilhes em 2000 para US$ 256 bilhes em

    2011, enquanto as importaes de US$ 56 bilhes para US$ 226 bilhes. Como

  • BNDES 60 ANOS PERSPECTIVAS SETORIAIS20

    consequncia, o saldo deficitrio de US$ 700 milhes em 2000 alcanou um supe-

    rvit de US$ 30 bilhes em 2011.2

    Embora essa nova ordem do comrcio internacional tenha favorecido a eco-

    nomia brasileira de maneira geral, houve um comportamento bastante hete-

    rogneo do resultado comercial entre diversos segmentos. O Grfico 4 mostra

    a evoluo do saldo comercial acumulado em 12 meses desde 2000 para cinco

    grupos de setores: agropecurio; setores intensivos em recursos naturais; seto-

    res intensivos em trabalho; setores intensivos em escala; e setores intensivos em

    engenharia e tecnologia.3

    Grfico 4 saldo comercial Por gruPos de setores (acumulado em 12 meses)

    -60

    -40

    -20

    0

    20

    40

    60

    80

    100

    Sald

    o c

    om

    erci

    al e

    m U

    S$ b

    ilh

    es

    Agropecurio Intensiva em recursos naturais Intensiva em trabalho Intensiva em escala

    Intensiva em engenharia e tecnologia

    jan. 2000 jan. 2001 jan. 2002 jan. 2003 jan. 2004 jan. 2005 jan. 2006 jan. 2007 jan. 2008 jan. 2009 jan. 2010 jan. 2011 jan. 2012

    Fonte: Elaborao BNDES, com base em dados da Secex/MDIC.

    2 o pice do supervit da balana comercial ocorreu em maio de 2007, quando este atingiu us$ 48 bilhes no acumulado de 12 meses.3 os setores intensivos em recursos naturais so: indstria extrativa, alimentos e bebidas, madeira, papel e celulose, coque e refino de petrleo e produtos minerais no metlicos. os intensivos em trabalho compreendem: txtil, vesturio e acessrios, couro e calados, produtos de metal e mveis e indstrias diversas. os setores produtos qumicos, borracha e plstico, metalurgia bsica e veculos automotores so os intensivos em escala. Por ltimo, os intensivos em engenharia e tecnologia so mquinas e equipamentos, mquinas para escritrio e informtica, mquinas e aparelhos eltricos, material eletrnico e de comunicaes, equipamentos mdico-hospitalares e outros equipamentos de transporte.

  • ECONOMIA BRASILEIRA 21

    A partir de uma situao inicial, em janeiro de 2000, em que os diversos grupos

    eram caracterizados por dficits ou supervits de pequena magnitude, evoluiu-se

    para uma situao na qual alguns grupos j superavitrios em 2000 passaram

    a exibir grandes supervits comerciais (agropecurio e intensivo em recursos natu-

    rais) enquanto outros j deficitrios em 2000 passaram a exibir grandes dficits

    (intensivo em escala e em engenharia e tecnologia). A exceo foi o grupo inten-

    sivo em trabalho, cujo saldo ficou quase estagnado no perodo, passando de um

    pequeno supervit a um pequeno dficit comercial. Cabe destacar que o aumento

    dessas diferenas ocorreu justamente a partir de 2007, quando o saldo da balana

    comercial brasileira tinha atingido seu pice. Ademais, o ritmo de crescimento, tan-

    to dos supervits quanto dos dficits, se intensificou a partir de 2010.

    O crescimento do saldo comercial nos grupos agropecurio e intensivos em

    recursos naturais foi influenciado pela exploso dos preos das commodities agr-

    colas e minerais. O boom exportador desses grupos, no entanto, no pode ser

    explicado apenas pelo aumento dos preos internacionais, uma vez que tambm

    houve expressivo aumento do quantum exportado.4

    J o grande aumento do dficit comercial dos grupos intensivos em escala e

    engenharia e tecnologia, a despeito do crescimento de suas exportaes, pode ser

    explicado pela intensificao das importaes, principalmente de produtos chine-

    ses. Esse alargamento das importaes, embora em alguns segmentos represente

    elevao da competio no mercado domstico, reflete em geral a forte expanso

    da demanda sustentada por significativo aumento do crdito e um mercado de

    trabalho aquecido que vem ocorrendo a um ritmo superior ao do crescimento

    da oferta nos ltimos anos. Assim, o alargamento das importaes vem sendo o

    instrumento usado para viabilizar o crescimento econmico sem gerar maiores

    presses inflacionrias. Iglesias e Rios apud Bacha e Bolle (2011) chamam a aten-

    o para o fato de que a menor participao no mercado internacional dos pro-

    dutos brasileiros deve estar relacionada com melhores oportunidades no mercado

    4 na seo 4, o box ilustra que o aumento da quantidade exportada pode ser parcialmente explicado pelo ganho de competitividade em alguns setores via crescimento da produtividade.

  • BNDES 60 ANOS PERSPECTIVAS SETORIAIS22

    domstico. A prxima seo mostrar como a elevao da renda e do emprego

    foram fundamentais para o desempenho favorvel do mercado domstico.

    2. economiA DomsticA: o DesenVoLVimento com incLuso sociAL

    No front interno, o destaque foi a ascenso de milhares de brasileiros a um novo

    padro de renda e consumo. Entre 2001 e 2009, a renda per capita das famlias

    do dcimo percentil inferior de renda alcanou crescimento anual mdio de 6,8%

    (Grfi co 5A). Considerando o crescimento demogrfi co em torno de 2% a.a. para

    essas famlias, as taxas de crescimento real seriam da ordem de 9% anuais. Esse

    aumento de renda dos extratos sociais mais pobres viabilizou a migrao de

    milhes de famlias das classes D e E para a classe C, engrossando a nova classe

    mdia brasileira, conforme defi nida por Nri (2008). Esse fenmeno est ilustra-

    do no Grfi co 5B.

    Grfico 5 indicadores de distriBuio de renda

    Grfico 5a crescimento da renda real Per cAPitA Por Percentil na distriBuio dos rendimentos (% a.a.)

    6,8

    6,1

    5,8

    5,3

    4,8

    4,5

    3,9

    3,2

    2,4

    1,5

    10

    20

    30

    40

    50

    60

    70

    80

    90

    100

  • ECONOMIA BRASILEIRA 23

    Grfico 5b distriBuio da PoPulao Por classes de renda (em milhes de haBitantes)

    Classes A e B

    MIL

    H

    ES D

    E H

    AB

    ITA

    NTE

    S

    Classe C Classes D e E

    1993 1995 2003 2011

    55% DA POPULAO

    0

    50

    100

    150

    200

    250

    92,9 83,3 96,2

    63,6

    45,6

    8,8

    55,4

    12,9

    65,9

    13,3

    105,5

    22,5

    Fontes: FGV e Ministrio da Fazenda.

    Entre os fatores que contriburam para a mudana na pirmide social brasi-

    leira esto as polticas governamentais de valorizao real do salrio mnimo e

    de transferncia de renda. A poltica de valorizao do salrio mnimo levou a

    sucessivos aumentos reais de renda entre 2002 e 2011. Os ganhos reais cresceram

    em mdia 5% a.a., acumulando variao de 63,3% no perodo, como mostra o

    Grfico 6. Adicionalmente, as polticas pblicas de transferncia de renda, capita-

    neadas pelo Bolsa Famlia, cuja cobertura chega a mais de 13 milhes de famlias

    em todo o territrio nacional,5 possibilitaram maior capacidade de consumo a

    indivduos at ento sem acesso completo a bens essenciais.

    Ainda entre as iniciativas do governo, possvel citar o estmulo ao micro-

    crdito, no apenas produtivo, mas tambm para consumo. A partir de 2003, foi

    iniciado um processo de bancarizao, com foco nas camadas mais baixas da po-

    pulao, que trouxe avanos significativos no acesso ao crdito [Barone e Sader

    (2008)]. Esse processo abrangeu a ampliao da rede bancria, at mesmo via cor-

    5 informao do ministrio do desenvolvimento social e combate fome, em . acesso em 28 set. 2012.

  • BNDES 60 ANOS PERSPECTIVAS SETORIAIS24

    respondentes bancrios em todo o Brasil, alm de mudanas jurdicas e institucio-

    nais, como a criao da modalidade de crdito consignado, que diminuiu o risco

    de inadimplementos nos emprstimos a trabalhadores e aposentados de menor

    renda. Somando-se o aumento da renda e do emprego e a reduo gradativa da

    taxa de juros, tais transformaes permitiram que o volume de crdito total da

    economia em relao ao PIB praticamente dobrasse entre 2002 e 2011, saltando

    de um percentual de 26% para 49% (Grfico 7).

    O crdito s pessoas fsicas subiu de 6% para 15,3% do PIB, como pode ser

    visto no Grfico 7. Dentre as modalidades de crdito voltadas pessoa fsica,

    destacam-se as operaes consignadas, com desconto em folha de pagamento,

    que, desde que foram autorizadas, em 2004, at 2011, cresceram a uma taxa m-

    dia anual de 39%. Esse incremento s no foi maior do que o avano dos finan-

    ciamentos imobilirios, de 48,4% na mdia anual. Turbinado pelo grande dficit

    habitacional existente no Brasil, o crdito imobilirio, que em 2002 representava

    1,7% do PIB, alcanou 4,8% em 2011 e segue crescendo a taxas elevadas.

    Grfico 6 salrio mnimo deflacionado Pelo iPca (ndice 2002 = 100) e Variao (%) anual

    9,8

    0,7

    9,2

    13

    ,1

    3,9

    3,1

    7,4

    3,6

    0,3

    163,3

    100

    110

    120

    130

    140

    150

    160

    170

    -2

    0

    2

    4

    6

    8

    10

    12

    14

    2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

    Variao (%) anual ndice 2002 = 100

    -1,3

    Fonte: Elaborao BNDES, com base em dados do Banco Central do Brasil.

  • ECONOMIA BRASILEIRA 25

    Grfico 7 relao crdito/PiB (%) Pessoa fsica (Pf) e Pessoa jurdica (Pj)

    6 5,8 78,8 10

    11,8 12,8 14,314,6 15,3

    26

    24

    ,6 25

    ,7 28

    ,3 30

    ,9

    35

    ,2

    40

    ,5

    43

    ,7 45

    ,2

    49

    0

    5

    10

    15

    20

    25

    30

    35

    40

    45

    50

    2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

    PJ PF

    20 18,8 18,719,5

    20,9

    23,4

    27,729,4 30,6

    33,7

    Fonte: Elaborao BNDES, com base em dados do Banco Central do Brasil.

    Nesse cenrio de rpido alargamento dos recursos para operaes de crdito,

    o endividamento das famlias, isto , a relao entre o saldo de suas dvidas e suas

    rendas, elevou-se de 21,5% em 2002 para 42,4% em 2011, como mostra o Grfico 8.

    No entanto, a melhoria nas condies de crdito, tanto em relao a juros quanto

    a prazo, freou o aumento no nvel de comprometimento da renda das famlias com

    dvidas. Em 2005, cerca de 18% da renda das famlias estava comprometida com o

    servio de suas dvidas, indo para 22%, em 2011. Como resultado, chegou-se a um

    percentual similar aos padres internacionais, o que deve levar a uma acomodao

    no crescimento do crdito s famlias.

    No tocante ao mercado de trabalho, depois de um longo perodo de convivncia

    com taxas de desemprego de dois dgitos, o Brasil assistiu a uma intensa mudana

    estrutural nos ltimos dez anos, que levou a taxa de desocupao de patamares pr-

    ximos a 12% em 2002 para algo em torno de 6% no fim da dcada, como mostra o

    Grfico 9. O dinamismo do mercado domstico desempenhou um papel crucial para

    o crescimento do emprego ao longo desse perodo, particularmente depois de 2004.6

    6 Para a importncia da demanda interna na gerao de emprego vis--vis fatores como mudana tecnolgica e penetrao de importaes, ver ambrozio e santanna (2012).

  • BNDES 60 ANOS PERSPECTIVAS SETORIAIS26

    Grfico 8 endiVidamento e comPrometimento da renda das famlias (em % da renda

    Pessoal disPonVel)

    11,912,4

    11,5 11,4 12,2 12,314,2

    5,7 6,2 6,1 7,17,4 7,2

    8,017,6

    18,617,6

    18,519,6 19,4

    22,221,5

    24,5

    29,1

    32,2

    35,4

    39,2

    42,4

    0

    5

    10

    15

    20

    25

    30

    35

    40

    45

    2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

    Amortizao Juros Comprometimento total Endividamento

    Fonte: Elaborao BNDES, com base em dados do Banco Central do Brasil.

    Grfico 9 taxa de desemPrego dessazonalizada (em %)

    11,7

    13

    11

    11

    9

    9

    7

    7

    5

    9,5

    8,0

    5,8

    4

    5

    6

    7

    8

    9

    10

    11

    12

    13

    14

    mar

    . 200

    2

    set.

    200

    2

    mar

    . 200

    3

    set.

    200

    3

    mar

    . 200

    4

    set.

    200

    4

    mar

    . 200

    5

    set.

    200

    5

    mar

    . 200

    6

    set.

    200

    6

    mar

    . 200

    7

    set.

    200

    7

    mar

    . 200

    8

    set.

    200

    8

    mar

    . 200

    9

    set.

    200

    9

    mar

    . 201

    0

    set.

    201

    0

    mar

    . 201

    1

    set.

    201

    1

    mar

    . 201

    2

    Fonte: Elaborao BNDES, com base em dados do IBGE.

  • ECONOMIA BRASILEIRA 27

    Todas essas transformaes observadas ao longo da dcada criaram uma con-

    juntura favorvel ao aumento da renda da populao, em especial de indivduos

    at ento localizados na base da pirmide social. E, principalmente, ampliaram a

    capacidade de demanda desses milhares de brasileiros, promovendo acesso mais

    igualitrio a bens e melhor qualidade de vida.

    A melhoria na distribuio de renda foi acompanhada por reduo das dispa-

    ridades entre as regies do pas. O Grfico 10 mostra que Norte e Nordeste se des-

    tacaram no crescimento do consumo do varejo, que inclui desde bens essenciais e

    artigos de vesturio at bens de consumo durvel, como eletrnicos. O incremento

    acumulado das vendas no comrcio varejista da Regio Norte atingiu 102,2% entre

    2002 e 2011, seguido pelo comrcio nordestino, com aumento de 99,1%. Tais varia-

    es superam em muito a mdia do pas, de 75,5%.

    Grfico 10 Volume de Vendas no Varejo Por regies ndice 2002 = 100 e Variao (%)

    acumulada no Perodo

    75,5%

    102,2%

    99,1%

    76,6%

    56,8%

    81,2%

    90

    110

    130

    150

    170

    190

    210

    2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

    Brasil Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste

    Fonte: Elaborao BNDES, com base em dados do IBGE.

    Em suma, o Brasil da ltima dcada cresceu com distribuio de renda e in-

    cremento na qualidade de vida dos cidados e criou um mercado domstico de

  • BNDES 60 ANOS PERSPECTIVAS SETORIAIS28

    consumo que foi fundamental no enfrentamento da crise fi nanceira internacional

    em 2007-2008. Alm do consumo, o investimento foi outro fator importante para

    o crescimento do PIB nos ltimos anos. A prxima seo mostra as transformaes

    ocorridas no investimento.

    3. os inVestimentos

    A criao de um importante mercado de consumo, analisada na seo anterior, foi

    um dos principais determinantes do crescimento econmico brasileiro, nos ltimos

    anos. Entretanto, o investimento tambm foi fator relevante. O Grfi co 11 mostra

    o desempenho do PIB e seus determinantes. Pode-se observar a importncia da de-

    manda domstica, tanto pelo consumo das famlias quanto por investimento, para

    o crescimento do PIB.

    Grfico 11 determinantes do crescimento do PiB comPosio do crescimento do PiB Pela

    tica da demanda (Variao anual e contriBuio em Pontos Percentuais)

    -0,8 -0,7

    1,3 0,51,5

    2,3 2,4

    -1,1

    4,0

    0,91,1

    -0,4

    2,12,5

    3,0

    3,5 3,2

    2,6

    4,1

    2,51,1

    0,3

    0,90,5

    0,5

    1,1 0,7

    0,7

    0,9

    0,41,5

    1,2

    0,9

    0,6

    -0,8 -1,0 -1,5-0,3 -2,7

    -0,7-0,2

    0,8

    0,5

    -1,0 -0,2

    0,30,3

    -2,2

    1,3

    -0,4

    2,7

    1,1

    5,7

    3,2

    4,0

    6,15,2

    -0,3

    7,5

    2,7

    2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

    FBCF Consumo das famlias Consumo do governo Exp. liq. Var. est.

    Fonte: Elaborao BNDES, com base em dados do IBGE.

    O perodo de maior expanso do investimento foi entre 2005 e 2008. Entre

    2006 e setembro de 2008, o Brasil viveu um importante ciclo de investimentos.

  • ECONOMIA BRASILEIRA 29

    Depois de mais de vinte anos de inverses preponderantemente voltadas atua-

    lizao do parque industrial existente (bronwfield), apareceram grandes projetos

    em ampliao da capacidade produtiva (greenfield), com a construo de novas

    unidades fabris e plantas industriais. Como resultado, houve forte elevao da taxa

    de investimento, de 15,9% do PIB em 2005 para 19,1% do PIB em 2008, como ilus-

    trado no Grfico 12.

    Grfico 12 taxa de inVestimento (inVestimento/PiB) em %

    15,7

    16,8 17,0

    16,4

    15,3

    16,1

    15,9

    16,4

    17,4

    19,1

    18,1

    19,5

    19,3

    12

    13

    14

    15

    16

    17

    18

    19

    20

    1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

    Fonte: Elaborao BNDES, com base em dados do IBGE.

    A expanso dos investimentos nos diferentes setores da economia se deve tan-

    to ao desempenho dos mercados domstico e internacional quanto a polticas p-

    blicas e reformas estruturais. Resumindo alguns dos principais determinantes da

    acelerao dos investimentos, tem-se:

    1. Agropecuria: a competitividade obtida pelo Brasil nesse setor e a disponibi-

    lidade de recursos puseram o pas em destaque no mercado internacional.

    Adicionalmente, houve um crescimento da demanda mundial para esses pro-

    dutos em virtude da emergncia dos pases em desenvolvimento. Como con-

    sequncia, houve um aumento do preo desses produtos bem acima da mdia

    histrica. Em virtude das condies domsticas e do ambiente internacional

  • BNDES 60 ANOS PERSPECTIVAS SETORIAIS30

    mais favorvel, houve um grande aumento do investimento nesse setor.

    2. Indstria: a expanso do mercado domstico proporcionou um deslocamento

    de empresas para o Brasil, o que acabou elevando os investimentos, principal-

    mente nos setores produtores de bens de consumo durveis.

    3. Infraestrutura: o governo lanou o Programa de Acelerao do Crescimento

    (PAC) em 2007. Esse programa oferecia um volume expressivo de investimentos

    em infraestrutura, incluindo energia eltrica.

    4. Construo residencial: reformas ocorridas no passado, como a alterao no

    instrumento de garantia em financiamento habitacional e segurana para os

    adquirentes de imveis na planta, e uma situao macroeconmica mais estvel

    viabilizaram uma intensa expanso do crdito habitacional e da construo.

    Mais recentemente, houve a contribuio do programa Minha Casa Minha Vida,

    o qual visa produo de imveis residenciais para famlias de baixa renda.

    A crise financeira, em 2009, comprometeu a continuidade do crescimento dos in-

    vestimentos, derrubando a taxa de investimento para 18,1%. Entretanto, em 2010,

    amparada pela atuao anticclica do BNDES e por programas de governo de investi-

    mento em infraestrutura e construo residencial, o investimento retornou com fora,

    alcanando o patamar de 19,5% nesse ano. A existncia de um expressivo ciclo de

    inverses em energia e infraestrutura contribuiu tambm para sustentar parcela ex-

    pressiva dos investimentos planejados da economia. A robustez desse ciclo pode ser ex-

    plicada pela existncia de grandes projetos com retornos de longo prazo, que depen-

    dem de decises menos afetadas pela crise. Em 2011, a taxa de investimento ficou em

    19,3%. Apesar da significativa deteriorao no cenrio internacional, esse percentual

    significativamente maior do que os 15,9% de taxa de investimento de 2005.

    Ao avaliar os investimentos futuros, nota-se que o cenrio ser promissor.

    Segundo o levantamento, realizado no incio de 2012 pelo BNDES, publicado no

    Perspectivas do Investimento, haver inverses de R$ 1,86 trilho em importantes

    setores da indstria e infraestrutura e na construo residencial. Para esses seto-

    res, foram reunidas informaes sobre os planos estratgicos das empresas. Como

    resultado, possvel comparar as perspectivas com os investimentos ocorridos em

    anos recentes (Tabela 1).

  • ECONOMIA BRASILEIRA 31

    Tabela 1 PersPectiVas de inVestimento

    caractersticas Setores investimentos ocorridos em

    2007-2010(r$ bilhes)

    investimentos previstos para

    2012-2015 (r$ bilhes)

    crescimento (%)

    maiS VolTadoS ao mercado eXTernoeXTraTiVa mineral, SiderurGia, papel e celuloSe, aeronuTica 122 113 (7,4)

    maiS VolTado ao mercado domSTico

    auTomoTiVo, Qumica, TXTil e confeceS, eleTroeleTrnica, compleXo induSTrial da Sade 100 130 30,0

    com maior induo Via polTicaS pblicaS infraeSTruTura

    enerGia elTrica, TelecomunicaeS, SaneamenTo, loGSTica 336 401 19,3

    com maior induo Via polTicaS pblicaS conSTruo reSidencial conSTruo reSidencial 596 860 44,3

    auTnomoS peTrleo e GS 238 354 48,7

    ToTal 1.392 1.858 33,5

    Fonte: BNDES.

    As perspectivas so de expanso nos setores mais voltados ao mercado doms-

    tico, cuja dinmica se mostra capaz de contrabalanar o cenrio de retrao dos in-

    vestimentos de setores mais voltados ao mercado internacional. A consolidao do

    mercado de consumo de massas, criado pela combinao de aumento da renda e

    reduo de desigualdades sociais, vem atraindo investimentos diretos para o Brasil,

    que revela perspectivas de crescimento acima da mdia mundial nos prximos anos.

    Os grupos seguintes compreendem setores em que o cenrio de crescimento

    guarda pouca relao tanto com a conjuntura internacional quanto com a doms-

    tica. Os projetos mapeados mostram expressiva capacidade das polticas pblicas

    de induo de maiores investimentos na economia. Cabe destacar a presena de

    grandes projetos com horizonte de longo prazo nessa lista de investimentos. Entre

    estes, h as inverses no setor de petrleo e gs por conta da explorao do pr-sal,

    hidreltricas na Regio Norte e ferrovias.

    Um efeito direto desses investimentos, tanto passados quanto futuros, o cres-

    cimento da produtividade, o qual ser abordado na prxima seo.

    4. o DesAfio DA PRoDutiViDADe

    Os desafi os para a prxima dcada so distintos daquele do incio da dcada passa-

    da. Em um ambiente de taxas de desocupao prximas natural em muitos seto-

  • BNDES 60 ANOS PERSPECTIVAS SETORIAIS32

    res, os aumentos reais de salrios se tornaram maiores. Nesse sentido, o desafio de

    elevar a competitividade da economia nacional ficou maior, tornando ainda mais

    premente a necessidade de elevar a produtividade brasileira.

    Um fato estilizado quando se observa o desempenho econmico de diferentes

    pases a relevncia do crescimento de produtividade como um fator fundamental

    para o desenvolvimento. Na atual conjuntura internacional, o menor dinamismo da

    economia mundial impe maior presso competitiva, elevando ainda mais o papel

    da produtividade.

    Com base nas informaes de valor adicionado (VA) e de nmero de empre-

    gados possvel obter a produtividade do trabalho, definida como o quociente

    entre essas duas variveis. Na primeira dcada do sculo XXI, a produtividade cres-

    ceu a uma taxa mdia de 0,88% a.a., conforme verificado na Tabela 2. Os grandes

    setores revelaram desempenho bastante distinto. Somente a agropecuria conse-

    guiu obter crescimento significativo da produtividade. Esse resultado foi explicado

    por um aumento da eficincia nesse setor, uma vez que houve um crescimento do

    VA agropecurio concomitante com uma manuteno dos postos de trabalho no

    setor. J a indstria e servios passaram por uma estagnao da produtividade no

    perodo analisado, no qual o primeiro apresenta uma ligeira queda e o segundo um

    aumento modesto.

    Tabela 2 nVel e crescimento da ProdutiVidade entre 2000 e 2009 (em r$ mil a Valores

    constantes de 2000)

    Setor Valor em 2000 Valor em 2009 Variao (% a.a.)

    aGropecuria 3.250 4.731 4,26

    indSTria 18.395 17.377 (0,63)

    SerVioS 14.819 15.461 0,47

    ToTal 12.937 13.992 0,88

    Fonte: Elaborao BNDES, com base em dados do Sistema de Contas Nacionais (IBGE).

    No entanto, h uma disperso considervel ao analisar a produtividade dos

    56 segmentos, ainda mais quando se compara com o crescimento da mo de

    obra empregada. O Grfico 13 mostra, no eixo vertical, o crescimento mdio

    anual da produtividade e, no eixo horizontal, o crescimento mdio anual do

  • ECONOMIA BRASILEIRA 33

    emprego. Um ponto positivo a inexistncia de qualquer setor com queda

    no emprego, ou seja, na pior das hipteses, o emprego ficou estagnado nesse

    perodo.7 Diante desse cenrio de crescimento de emprego na maioria dos seto-

    res, a queda de produtividade est relacionada ao desempenho do VA aqum

    do trabalho.

    Grfico 13 ProdutiVidade versus emPrego entre 2000 e 2009 Variao (% a.a.)

    -8%

    -6%

    -4%

    -2%

    0%

    2%

    4%

    6%

    8%

    -2,0% 0% 2% 4% 6% 8% 10% 12% 14%

    CR

    ESC

    IMEN

    TO D

    A P

    RO

    DU

    TIV

    IDA

    DE

    DO

    TR

    AB

    ALH

    O

    CRESCIMENTO DO EMPREGO

    Total

    Servios

    Agropecuria

    Indstria

    Fonte: Elaborao BNDES, com base em dados do Sistema de Contas Nacionais (IBGE).

    Os segmentos da agropecuria so os nicos que alcanaram ganhos de pro-

    dutividade com certa estagnao no nmero de empregados. O setor com maior

    crescimento de produtividade nesse perodo o de automveis (6,6% a.a.), com ra-

    zovel aumento de mo de obra (2,4% a.a.). Na outra ponta, os setores de petrleo

    e gs e mquinas para escritrio e informtica elevaram tanto o emprego (acima

    de 10% a.a.) que o VA no o conseguiu acompanhar, culminando em uma queda

    de produtividade.

    A produtividade mdia da economia pode aumentar de duas formas: ou aumento

    de produtividade dos setores em si, via maior eficincia tcnica, o que ser chamado

    7 considerou-se queda uma variao acima de 1% em valores absolutos, enquanto a variao entre 0% e 1% caracterizou estagnao.

  • BNDES 60 ANOS PERSPECTIVAS SETORIAIS34

    de efeito tecnolgico; ou deslocamento de trabalhadores para setores mais produtivos,

    o efeito composio. Utilizando a metodologia presente em Ambrozio e Sousa (2012),

    foram calculados esses efeitos para a primeira dcada do sculo XXI com uma desagre-

    gao maior da atividade econmica (56 setores). Como j mencionado, a produtividade

    do trabalho da economia brasileira cresceu a uma taxa de 0,88% a.a., o que significou

    um aumento de 8,2% no perodo. Ao avaliar qual foi a contribuio de cada forma de

    crescimento, a Tabela 3 mostra que ambos os efeitos foram igualmente importantes

    para explicar o crescimento da produtividade na economia brasileira entre 2000 e 2009.

    Tabela 3 decomPosio dos ganhos de ProdutiVidade Variao (% a.a.)

    anual 2000-2009

    efeiTo TecnolGico 0,44

    efeiTo compoSio 0,44

    ToTal 0,88

    Fonte: Elaborao BNDES, com base em dados do Sistema de Contas Nacionais (IBGE).

    Nessa decomposio, a agropecuria desempenhou um papel de destaque no

    que diz respeito a ambos os efeitos. No quesito efeito tecnolgico, esse setor foi,

    como visto, o que obteve o crescimento da produtividade mais significativo, com

    ganho de 4,3% anuais. O seu expressivo ganho de produtividade pode ser explica-

    do tanto por maior intensidade no uso dos insumos, entre os quais, o aumento na

    qualificao da mo de obra empregada e uma mecanizao crescente, bem como

    por aumento de eficincia, com destaque para os ganhos proporcionados pelos

    investimentos em pesquisa da Embrapa, conforme evidenciado em Bacchi, Bastos e

    Gasques apud Negri e Kubota (2008).

    Por outro lado, grande parte do efeito composio pode ser explicada pelo fato

    de o emprego na agropecuria ter ficado quase estagnado (variao de -0,5% a.a.),

    enquanto nos outros dois grandes setores o emprego se expandiu de modo significa-

    tivo (cerca de 3% a.a. em ambos). Como pode ser visto na Tabela 2, o nvel da produ-

    tividade na agropecuria significativamente menor que na indstria e servios, e o

    maior peso relativo desses dois setores tende a aumentar a produtividade mdia da

    economia. A reduo do desemprego outro fator que explica o aumento da produ-

    tividade nesse perodo, como observado em Ambrozio e Sousa (2012).

  • ECONOMIA BRASILEIRA 35

    o Saldo comercial a parTir da produTiVidade

    Como mostrado anteriormente, a balana comercial de alguns setores apresen-

    tou desempenhos desfavorveis, e h uma ligao importante desse assunto

    com a questo da produtividade. A teoria sugere que ganhos de produtividade

    tornam nossas exportaes mais competitivas ao permitir a gerao de maior

    valor agregado para uma dada quantidade de insumos, impactando positiva-

    mente a balana comercial. As evidncias empricas suportam essa associao

    direta entre aumento de produtividade e melhor desempenho exportador,

    como evidenciado em Arnold e Hussinger (2005) e Wagner (2007). Embora o de-

    sempenho exportador brasileiro nos ltimos anos tenha sido beneficiado pelas

    condies favorveis do comrcio internacional, tais como melhoria nos termos

    de troca e crescimento da economia mundial, os dados so consistentes com

    um cenrio onde o crescimento da produtividade afeta de forma favorvel o

    desempenho exportador, e consequentemente o saldo comercial. O Grfico 14

    mostra, no eixo horizontal, o ganho mdio anual de produtividade obtido por

    diversos setores brasileiros de 2000 a 2009 e, no eixo vertical, a variao do saldo

    da balana comercial anual entre 2000 e 2011.8 Como pode ser observado, h

    uma relao positiva entre ganhos de produtividade e performance no saldo.

    Os resultados devem ser analisados com cautela, uma vez que uma cor-

    relao positiva entre duas variveis no necessariamente implica relao de

    causalidade. Tomando por exemplo o caso dos setores deficitrios, o acirra-

    mento da competio global pode ajudar a explicar tanto um aumento no

    dficit maior dificuldade em acessar mercados externos e concorrncia com

    importados no mercado domstico como a queda na produtividade retra-

    o das margens em virtude da maior competio internacional, com a desace-

    lerao da gerao de emprego nesses setores em um ritmo mais lento que a

    8 no grfico 14, so excludos os segmentos do setor de servios, que so non-tradables. a necessidade de compatibilizar a classificao da base de dados das contas nacionais com a base de dados da funcex implica aglutinao de alguns segmentos, e foi analisado um total de 24 segmentos da economia brasileira.

  • BNDES 60 ANOS PERSPECTIVAS SETORIAIS36

    desacelerao da produo, por causa dos custos de ajustar a mo de obra. De

    toda forma, os dados so consistentes com a histria que relaciona aumento

    de produtividade e melhor performance exportadora.

    Grfico 14 ganhos de ProdutiVidade versus Variao do saldo comercial (% a.a.)

    -25%

    -20%

    -15%

    -10%

    -5%

    0%

    5%

    10%

    15%

    -8 -6 -4 -2 0 2 4 6

    PRODUTIVIDADE (2000-2009)

    SALDO (2000-2011)

    Intensivo em recursos naturais Intensivo em engenharia e tecnologiaIntensivo em trabalho Intensivo em escalaAgropecuria

    Fonte: Elaborao BNDES, com base em dados do Sistema de Contas Nacionais (IBGE) e da Secex/MDIC.

    Quanto a perspectivas, a produtividade da economia brasileira tem espao

    para conseguir um desempenho superior ao encontrado at 2009. Para avaliar a

    produtividade futura, consideram-se como previso para os prximos dez anos as

    melhores performances dos grandes setores entre 2000 e 2009 sem a presena de

    outliers.9 Alm disso, mantm-se a tendncia de queda da participao da mo

    de obra da agropecuria para indstria e servios na mesma proporo da ltima

    dcada. Baseada nessas hipteses, a Tabela 4 mostra a previso do aumento da

    produtividade, um crescimento mdio de 1,78% a.a. Esse resultado quase o dobro

    9 agropecuria crescendo a uma taxa de 4,3% a.a. (2000-2009); indstria 0,6% a.a. (2005-2008); e servios, 1,5% a.a. (2005-2009).

  • ECONOMIA BRASILEIRA 37

    daquele obtido entre 2000 e 2009 (0,88% a.a.) e seria um componente importante

    para sustentar uma trajetria de crescimento econmico nos prximos anos.

    Tabela 4 PreViso de ProdutiVidade Variao (% a.a.)

    anual 2010-2019

    efeiTo TecnolGico 1,45

    efeiTo compoSio 0,32

    ToTal 1,78

    Fonte: Elaborao BNDES.

    Os dois efeitos, tecnolgico e composio, sero relevantes para estimular a pro-

    dutividade da economia brasileira. Do ponto de vista do efeito composio, h espao

    para elevao da produtividade com o deslocamento de mo de obra para setores mais

    produtivos. No entanto, ao contrrio da performance passada, a contribuio do efeito

    composio ser menor no s em termos absolutos, como tambm relativos. Portan-

    to, os ganhos mais signifi cativos devem advir do efeito tecnolgico. Cabe salientar que

    o crescimento da produtividade no longo prazo requer um aumento da efi cincia nos

    diversos setores da economia. preciso reduzir a distncia do nvel de produtividade

    da economia brasileira em comparao ao das economias mais avanadas.

    Se consideradas as previses de investimento na economia brasileira expostas

    na seo anterior, h boas perspectivas para que essa performance se concretize.

    Combinadas com os resultados anteriores, obtm-se uma perspectiva de elevao

    robusta na acumulao de capital fsico, aliada a um crescimento signifi cativo na

    produtividade do trabalho. A perspectiva de maiores ganhos de produtividade nos

    prximos anos permitir uma acelerao do crescimento com menor presso sobre

    a balana comercial. Dessa forma, estabelecem-se as bases de uma trajetria de

    crescimento sustentado para a economia brasileira ao longo desta dcada.

    5. consiDeRAes finAis

    A nova fase da crise fi nanceira internacional, com seus desdobramentos sobre os

    pases europeus, anuncia um perodo de baixo crescimento para as economias de-

    senvolvidas. Os pases em desenvolvimento, entre os quais o Brasil se inclui, senti-

  • BNDES 60 ANOS PERSPECTIVAS SETORIAIS38

    ro os efeitos de um desempenho menos exuberante da economia mundial, mas

    ainda mantero ritmo de crescimento relativamente mais elevado. De acordo com

    as projees divulgadas por FMI (2012) em seu ltimo World Economic Outlook,10 a

    economia mundial crescer 3,5% em 2012 e 4,1% em 2013. A taxa de incremento

    entre os pases avanados ser de 1,4% e 2% em 2012 e 2013, enquanto os emer-

    gentes crescero 5,7% e 6%, respectivamente.

    Em um contexto de baixo crescimento da economia mundial, o Brasil dever

    lidar com um menor dinamismo do comrcio internacional e com termos de troca

    menos vantajosos, por conta da diminuio da cotao das commodities. A alterna-

    tiva de direcionar os esforos para avanar via demanda domstica pode continuar

    sendo uma boa opo nos prximos anos desta dcada.

    Muitas famlias ascenderam classe mdia no Brasil entre os anos 2002 e 2012,

    sendo incorporadas ao mercado de consumo. A fora dessa massa de demanda foi

    fundamental para o enfrentamento da crise financeira de 2007-2008 e certamente

    permanecer como vetor importante de crescimento. No entanto, aumentar os in-

    vestimentos, sobretudo em infraestrutura, uma necessidade premente para corri-

    gir gargalos estruturais que afetam seriamente a competitividade e produtividade

    da economia nacional.

    Muitos outros desafios so impostos economia brasileira nessa nova dcada.

    De fato, houve uma mudana fundamental na pirmide social, com diminuio

    significativa dos nveis de misria e pobreza. Entretanto, ainda h muito a ser

    feito para tornar a economia do pas mais equnime e competitiva. Incrementar

    os nveis de educao e qualificao da mo de obra um exemplo, visto que o

    mercado de trabalho se tornou um gargalo relevante para a produo de alguns

    setores da economia. crucial, ainda, ampliar incentivos e investimentos em pes-

    quisa e inovao.

    Os investimentos previstos em alguns setores relevantes mostram que h boas

    perspectivas de crescimento da competitividade da economia brasileira. O aumento

    de produtividade da economia nacional se torna imperiosa, porm factvel diante

    10 at o fechamento desta edio, o ltimo World economic outlook divulgado pelo fmi era o de abril de 2012.

  • ECONOMIA BRASILEIRA 39

    das previses apontadas neste estudo. O futuro promissor, visto que ultrapassar o

    paradigma de pas de renda mdia para um de renda elevada passou a ser possvel

    diante das oportunidades de que o Brasil dispe.

    RefeRnciAs

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  • ricardo rivera de Sousa lima*

    * engenheiro e gerente setorial do Departamento das indstrias de tecnologias de informao e Comunicao da rea industrial do bnDes. o autor agradece a preciosa ajuda de alessandra sleman, luis otvio reiff, felipe lobo, marcos fernandes, marcos dos santos, Daniel Carvalho, Vicente Giurizatto e leandro lotero na gerao de dados da dispersa indstria de tiCs; e especialmente a francisco silveira e Henrique miguel da secretaria de poltica de informtica do ministrio da Cincia e tecnologia (mCti/sepin) o fornecimento de dados sobre a lei de informtica.

  • Complexo eletrniCo 43

    RESUMO

    A relevncia das indstrias baseadas na eletrnica ou, genericamente, das tecno-

    logias da informao e comunicao (tiCs) avana com a consolidao da revolu-

    o digital, tal como a preocupao dos governos com o domnio tecnolgico e di-

    fuso dessas tecnologias em suas naes. em compasso com esse quadro e com um

    dficit comercial crescente nesse setor, na dcada de 2000, o pas aperfeioou signi-

    ficativamente seu arcabouo legal, seus instrumentos de financiamento e de apoio

    difuso da eletrnica. Apesar dos efeitos dessas aes ainda estarem aqum do

    desejado mais do ponto de vista tecnolgico do que produtivo , os avanos so

    relevantes e diversas oportunidades se descortinam para o desenvolvimento das

    tiCs no Brasil. no contexto da celebrao dos sessenta anos do BnDeS, este artigo

    se prope a expor o histrico do desenvolvimento e do apoio do Banco s tiCs, com

    nfase no perodo 2001 a 2011, as principais tendncias e os desafios para que o

    Brasil se posicione como um pas protagonista na rea.

    ABSTRACT

    the relevance of industries based on electronics or, generically, part of

    information and communications technologies (iCts) has advanced due to the

    consolidation of the digital revolution, such as the interest of many governments

    in dominating technology and disseminating such technology throughout

    their nations. in keeping with this, and with the growing trade deficit in this

    sector, in the first decade of 2000, the country significantly improved its legal

    framework, as well as its financing instruments and mechanisms to provide

    support for electronic dissemination. Despite the fact that the results of such

    efforts still fall well short of the desired outcome more from a technological

    point of view rather than a production standpoint , the advances have been

    relevant and several opportunities have been revealed towards developing iCts in

    Brazil. Within the context of the BnDeS 60th anniversary celebrations, this article

  • BnDeS 60 AnoS perSpeCtiVAS SetoriAiS44

    is aimed at disclosing the historic development and support the Bank has offered

    iCts, focusing on not only the period between 2001 and 2011, but also the main

    trends and the challenges Brazil must face to position itself as an active player in

    the area.

  • Complexo eletrniCo 45

    1. InTRODUO

    A primeira dcada deste milnio reforou o que diversos estudos j diagnostica-

    vam desde meados do sculo passado: o carter estratgico das tiCs nas sociedades

    modernas.1 A relevncia dessa indstria se d tanto pelo prisma do acesso a estas

    pela sociedade, quanto por seu domnio para aplicao em setores produtivos, per-

    mitindo aumentar a produtividade do trabalho, criar servios, aprimorar produtos,

    modifi car indstrias e processos e permitir avanos sociais e ambientais.

    o aumento da importncia do Complexo eletrnico (Ce) pela tica da deman-

    da refl ete-se, por exemplo, na preocupao de diversas instituies governamentais

    com a incluso digital e no aumento de gastos com tiCs, a taxas superiores ao cres-

    cimento da economia mundial.2 Grande parte das solues adotadas pelos governos

    para a crise econmica de 2008-2009 inclui medidas direcionadas para o setor de tiC

    que promovam a inovao, a difuso e a disseminao de seu uso [oCDe (2010)].

    por vezes menos explcitas ou estruturadas, as polticas de apoio ao desenvol-

    vimento produtivo do Ce so largamente implantadas por diferentes pases. essa

    atuao ocorre por diferentes meios, que podem ser: mecanismos de compras p-

    blicas como no caso emblemtico das encomendas tecnolgicas realizadas pelo

    Departamento de Defesa dos estados Unidos (eUA) ; instrumentos regulatrios

    em mercados regulados; macios investimentos em inovao, formao de mo de

    obra e educao em cincias exatas; ou at mesmo controle dos investimentos dire-

    tos estrangeiros na aquisio de empresas nacionais estratgicas, baseados em fun-

    damentos to amplos quanto segurana nacional ou segurana econmica.3

    no por menos. Segundo a oliver Wyman, consultoria especializada no setor

    Automotivo, os dispndios em eletrnica representaro 60% do total investido em

    p,D&i pela indstria automobilstica at 2015 [oliver Wyman (2007)]. As tiCs j so

    1 para citar como exemplo, j nas dcadas de 1980 e 1990, as tiCs contriburam entre 0,2 e 0,5 ponto percentual de crescimento econmico, dependendo do pas analisado. na segunda metade da dcada de 1990, essa contribuio esteve entre 0,3 e 0,9 ponto percentual por ano [Collechia e schreyer (2001)].2 segundo estudo Global innovation 1000 da consultoria bozz & Company (2008), apud bampi (2008-2009), em 2007 cerca de 29% dos investimentos em p&D das mil empresas do estudo seriam aplicados em computao e bens eletrnicos. 3 segundo silva (2010), as tiCs esto entre os setores sensveis e protegidos por extensa rede de agncias e considerados infraestrutura crtica.

  • BnDeS 60 AnoS perSpeCtiVAS SetoriAiS46

    responsveis por cerca de 5,5% dos empregos nos pases da oCDe [oCDe (2010)] se

    espalhando e se incrustando de maneira progressiva pela economia.

    em que pese o fato de a indstria brasileira de tiCs estar entre as dez maiores

    do mundo [oCDe (2008, Figura 2.14)], o pas segue experimentando dfi cits comer-

    ciais aceleradamente crescentes no Ce, com participao de apenas 1% das expor-

    taes mundiais, ocupando o 27 lugar nas exportaes mundiais de tiCs em 2008

    [Salles (2011)]. os motivos que travam o desenvolvimento do Ce sero discutidos ao

    longo do artigo, cujo objetivo expor a evoluo histrica recente do Ce no Brasil

    e o respectivo apoio do BnDeS, com especial nfase na ltima dcada,4 tendo como

    perspectiva o quadro atual do setor e os desafi os para seu desenvolvimento no pas.

    A seo a seguir descreve os principais vetores de mudana provocada pela evo-

    luo tecnolgica e de modelos de negcios das tiCs e, em sequncia, o panorama

    mundial no setor. na seo panorama brasileiro, so mostrados os instrumentos

    de poltica para o setor no pas. na seo seguinte, avaliada a evoluo do pano-

    rama setorial brasileiro. As duas ltimas sees apresentam as perspectivas do setor

    e as propostas para atuao do Banco.

    2. PAnORAMA InTERnACIOnAL

    Antes de iniciar a apresentao do panorama internacional, cumpre expor a classi-

    fi cao do universo tiCs adotada por este artigo. isso se justifi ca por nem sempre a

    defi nio dos alcances do Ce ser convergente, em consequncia da crescente difuso

    da eletrnica na economia. A Figura 1 exibe a defi nio proposta por este artigo, com

    uma tipologia orientada para a convergncia tecnolgica os segmentos eletrnica de

    consumo, equipamentos de telecomunicaes e informtica, que no decorrer do tem-

    po foram classifi cados pelo BnDeS como segmentos distintos, esto inseridos em Siste-

    mas e equipamentos eletrnicos como dispositivos de rede ou de acesso, ao lado dos

    segmentos de eletrnica embarcada e automao industrial. ressalta-se que, apesar

    4 para o entendimento mais aprofundado do desenvolvimento histrico do setor nos anos anteriores, recomenda-se a leitura do artigo comemorativo de cinquenta anos do bnDes sobre o complexo eletrnico, elaborado por nassif (2002).

  • Complexo eletrniCo 47

    de serem intensivamente baseados em tiCs, no so considerados no Ce os servios de

    telecomunicaes, radiodifuso e comercializao das tiCs. por outro lado, em razo

    da dificuldade de dissociar os nmeros de software dos de Servios de tecnologia da

    informao (ti), estes ltimos foram inseridos no Ce para efeitos deste trabalho.

    Figura 1 Definio Do Complexo eletrniCo

    Complexo eletrnico/TICs

    Servios TICs

    COMPONENTESELETRNICOS

    Displays OutrosMicroeletrnica

    Comercializao Telecomunicaes Radiodifuso Servios de TI

    SISTEMAS E EQUIPAMENTOSELETRNICOS

    Eletrnicaembarcada

    Dispositivos de rede

    Dispositivos de acesso

    Automao industrial

    SO

    FTWA

    RE

    Em

    barca

    do

    Pro

    du

    to

    Demanda TICs

    Manufatura (Bens de capital, Automotiva,

    Defesa etc.)

    Consumidor final Empresas Governo

    Fonte: BnDeS.

    Mudanas tecnolgicas e produtivas recentes

    Ao mesmo tempo em que o Ce viabiliza profundas mudanas na organizao pro-

    dutiva mundial proporcionando informao em tempo real, automatizando ca-

    deias, aumentando a produtividade do trabalho etc. , diversas tendncias tecno-

    lgicas e de processos afetam seu prprio dinamismo, trazendo desafios para as

    empresas nele inseridas e para formuladores de polticas pblicas preocupados com

    seu enraizamento local. A seguir, so comentadas algumas das principais tendn-

    cias que nasceram ou se reforaram na dcada de 2000.

    Terceirizao produtiva

    nos anos 1990, a globalizao se aprofundou, e a absoro dos conceitos de re-

    engenharia de processos com focalizao nos negcios centrais das organizaes

  • BnDeS 60 AnoS perSpeCtiVAS SetoriAiS48

    provocou a reorganizao das cadeias de fornecimento de diversos setores produ-

    tivos, originando desverticalizao em larga escala da produo mundial. Assim,

    o modelo de terceirizao de produo ganhou fora, tanto em hardware quanto

    em software e servios de ti.

    Desde ento, a produo de equipamentos, partes, peas e componentes foi pro-

    gressivamente desviada para as montadoras terceirizadas, as Contract equipment

    manufacturer (Cem). Direcionado pela dimenso custos, esse segmento se consoli-

    dou, alcanando faturamento muitas vezes superior ao dos prprios clientes. estes,

    por sua vez, passaram a focar na manufatura de produtos mais sofisticados, com

    maior flexibilidade nas linhas de produo o que passou a ser conhecido como

    modelo original equipment manufacturing (oem).

    Alguns fabricantes terceirizados, buscando agregar valor produo de

    commodities eletrnicas, passaram a oferecer o projeto de equipamentos ele-

    trnicos, tornando-se original Design manufacturing (oDms). este ltimo mo-

    delo atende massivamente aos fabricantes brasileiros detentores de marcas de

    renome, e conta com a Foxconn (Grupo Hon Hai) como seu maior expoente, com

    mais de 50% da produo mundial terceirizada de empresas como Apple, Sony,

    Dell, nokia etc.

    grFico 1 Composio Do preo Do ipaD 16 Gb

    Margem Apple

    25%

    Margens no Apple nos EUA 2%

    Distribuio e comercializao

    23%

    Margem Coreia

    7%

    Margem Taiwan

    2%Margem Japo

    2%Fontes desconhecidas

    4%

    Mo de obra direta10%

    Outros custos de insumos

    25%

    Fonte: linden, Kraemer e Dedrick (2011).

  • Complexo eletrniCo 49

    em 2009, o faturamento dos segmentos de electronic manufacturing Services

    (emS), que abrangem Cems e oDms, atingiu cerca de US$ 270 bilhes, aproxima-

    damente 25% de todo o faturamento global do Ce, com escalas elevadssimas de

    produo e margens reduzidas. o Grfico 1 ilustra o aprofundamento da terceiri-

    zao, em busca de localidades com eficincia logstica e baixo custo de produo.

    percebe-se, no exemplo do ipad, a concentrao das margens dos bens eletrnicos

    na marca (Apple) e dos componentes estratgicos (basicamente a soma de Coreia e

    Japo), em detrimento da fabricao (taiwan).

    igual fenmeno ocorreu com software e servios de ti, com macia transfern-

    cia de operaes para pases com menor custo de mo de obra (com destaque para

    a ndia). inicialmente em servios mais simples, como atividades de contact center, o

    modelo evoluiu, chegando a envolver a terceirizao de processos com maior valor

    agregado como contabilidade e folha de pagamentos , no que hoje conhecido

    como it enable Services Business process outsourcing (iteS-Bpo).

    Convergncia

    nos anos 2000, ganhou fora o fenmeno da convergncia em diversas dimen-

    ses. por meio da convergncia digital que permitiu a unificao de voz, dados

    e imagens em infraestrutura, protocolos e padres comuns , desencadeou-se

    um processo de convergncia de redes (por exemplo, telefonia fixa e mvel),

    de servios (que passam a poder ser prestados da mesma forma em diferentes

    redes) e de terminais.

    A internet e os smartphones talvez sejam os melhores exemplos desse fen-

    meno: vdeo, dados e voz pelo mesmo meio e dispositivo, modificando de forma

    aguda as fronteiras mercadolgicas, com transbordamentos em quase todos os se-

    tores da economia que podem ter seus respectivos produtos digitalizados toman-

    do como exemplos no exaustivos os setores fonografia, radiodifuso, editorial e

    publicidade. trata-se da convergncia de mercados, com novas e dinmicas bases

    de competitividade se formando a partir da participao das empresas em reas de

    negcio distintas de suas origens.

  • BnDeS 60 AnoS perSpeCtiVAS SetoriAiS50

    Computao em nuvem

    A reboque da convergncia e do avano tecnolgico da microeletrnica que ex-

    pandiu a capacidade e reduziu custos de armazenamento e processamento em

    servidores e dispositivos de acesso , cr