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BIOLOGIA FLORAL E SISTEMA REPRODUTIVO DE DUAS ESPÉCIES ORNITÓFILAS EM AMBIENTE DE CERRADO Carolina Ferreira Gomes¹ Instituto de Biologia, Universidade Federal de Uberlândia, Rua Ceará, s/n, Campus Umuarama, Uberlândia, MG, 38.400-902. E-mail: [email protected] Pietro Kiyoshi Maruyama³ Instituto de Biologia, Universidade Federal de Uberlândia, Rua Ceará, s/n, Campus Umuarama, Uberlândia, MG, 38.400-902. E-mail: [email protected] Paulo Eugênio Oliveira² Instituto de Biologia, Universidade Federal de Uberlândia, Rua Ceará, s/n, Campus Umuarama, Uberlândia, MG, 38.400-902. E-mail: [email protected] Resumo - Espécies ornitófilas geralmente apresentam corola tubular, cores fortes, ausência de odor, néctar abundante e antese diurna. O objetivo desse estudo foi caracterizar os aspectos reprodutivos de duas espécies ornitófilas em ambiente de Cerrado (Esterhazya splendida e Camptosema coriaceum). As flores de E. splendida apresentaram duração de dois dias, com abertura floral pela manhã. A produção de néctar foi constante ao longo da antese, com a presença de néctar mesmo após a abscisão das flores. A espécie apresentou padrão de distribuição aleatório e densidade de 124 ind./ha. Os frutos provenientes de polinização manual cruzada são maiores e apresentaram maior peso e número de sementes do que os outros tratamentos. Eupetomena macroura e Amazilia fimbriata foram vistos polinizando efetivamente as flores. As flores de Camptosema coriaceum apresentaram duração de três dias, com liberação de pólen e produção de néctar antes da abertura. Flores masculinas e hermafroditas ocorreram em um mesmo indivíduo caracterizando a ocorrência de Andromonoicia. A produção de néctar pela manhã foi de 11,97 ± 11,01μL com concentração de 18,25 ± 6,91%. A taxa de frutificação foi maior para o tratamento de autopolinização manual (7,5%). Palavras-chave: beija-flor, Camptosema coriaceum, Esterhazya splendida. 1. INTRODUÇÃO Os beija-flores são aves nectarívoras especializadas exclusivas das Américas (STILES, 1981), que desempenham papel importante na polinização de diversas espécies de angiospermas. (MENDONÇA & ANJOS 2003). A maior diversidade dessas aves ocorre nos trópicos, com cerca de 328 espécies; 78 destas ocorrendo no Brasil (SICK, 1997). Estima-se que um total de 29 espécies de beija-flores ocorram no Cerrado, os quais são também comuns a outros biomas, com exceção de apenas quatro espécies que são endêmicas da região Centro-Oeste (GRANTSAU, 1989). Os beija-flores compõem uma das maiores famílias de aves, a Troquilidae, que se subdivide em duas subfamílias: Phaetorninae (ou Phaetornitinae) e Trochilinae, diferenciadas entre si principalmente pelas estratégias de forrageamento e pelos habitats explorados. (WOLF & HAINSWORTH, 1971; STILES, 1981). A família Phaetorninae compreende os beija-flores de maior porte que geralmente possuem bico longo e curvado e realizam visitas às flores em rondas de alto ganho energético, através de linhas de captura, “trapliners” (BUZATO, 1995; KAY & SCHEMSKE, 2003). Já os beija-flores da família Trochilinae são menores, variando de tamanho médio a muito pequeno. _______________________________ 1-Acadêmico do curso de Ciências Biológicas 2- Orientador 3-Mestrando do Programa de Pós Graduação em Ecologia e Conservação de Recursos Naturais

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BIOLOGIA FLORAL E SISTEMA REPRODUTIVO DE DUAS ESPÉCIES ORNITÓFILAS EM AMBIENTE DE CERRADO

Carolina Ferreira Gomes¹ Instituto de Biologia, Universidade Federal de Uberlândia, Rua Ceará, s/n, Campus Umuarama, Uberlândia, MG, 38.400-902. E-mail: [email protected] Pietro Kiyoshi Maruyama³ Instituto de Biologia, Universidade Federal de Uberlândia, Rua Ceará, s/n, Campus Umuarama, Uberlândia, MG, 38.400-902. E-mail: [email protected] Paulo Eugênio Oliveira² Instituto de Biologia, Universidade Federal de Uberlândia, Rua Ceará, s/n, Campus Umuarama, Uberlândia, MG, 38.400-902. E-mail: [email protected] Resumo - Espécies ornitófilas geralmente apresentam corola tubular, cores fortes, ausência de odor, néctar abundante e antese diurna. O objetivo desse estudo foi caracterizar os aspectos reprodutivos de duas espécies ornitófilas em ambiente de Cerrado (Esterhazya splendida e Camptosema

coriaceum). As flores de E. splendida apresentaram duração de dois dias, com abertura floral pela manhã. A produção de néctar foi constante ao longo da antese, com a presença de néctar mesmo após a abscisão das flores. A espécie apresentou padrão de distribuição aleatório e densidade de 124 ind./ha. Os frutos provenientes de polinização manual cruzada são maiores e apresentaram maior peso e número de sementes do que os outros tratamentos. Eupetomena macroura e Amazilia

fimbriata foram vistos polinizando efetivamente as flores. As flores de Camptosema coriaceum apresentaram duração de três dias, com liberação de pólen e produção de néctar antes da abertura. Flores masculinas e hermafroditas ocorreram em um mesmo indivíduo caracterizando a ocorrência de Andromonoicia. A produção de néctar pela manhã foi de 11,97 ± 11,01µL com concentração de 18,25 ± 6,91%. A taxa de frutificação foi maior para o tratamento de autopolinização manual (7,5%). Palavras-chave: beija-flor, Camptosema coriaceum, Esterhazya splendida.

1. INTRODUÇÃO Os beija-flores são aves nectarívoras especializadas exclusivas das Américas (STILES,

1981), que desempenham papel importante na polinização de diversas espécies de angiospermas. (MENDONÇA & ANJOS 2003). A maior diversidade dessas aves ocorre nos trópicos, com cerca de 328 espécies; 78 destas ocorrendo no Brasil (SICK, 1997). Estima-se que um total de 29 espécies de beija-flores ocorram no Cerrado, os quais são também comuns a outros biomas, com exceção de apenas quatro espécies que são endêmicas da região Centro-Oeste (GRANTSAU, 1989).

Os beija-flores compõem uma das maiores famílias de aves, a Troquilidae, que se subdivide em duas subfamílias: Phaetorninae (ou Phaetornitinae) e Trochilinae, diferenciadas entre si principalmente pelas estratégias de forrageamento e pelos habitats explorados. (WOLF & HAINSWORTH, 1971; STILES, 1981). A família Phaetorninae compreende os beija-flores de maior porte que geralmente possuem bico longo e curvado e realizam visitas às flores em rondas de alto ganho energético, através de linhas de captura, “trapliners” (BUZATO, 1995; KAY & SCHEMSKE, 2003). Já os beija-flores da família Trochilinae são menores, variando de tamanho médio a muito pequeno. _______________________________ 1-Acadêmico do curso de Ciências Biológicas 2- Orientador 3-Mestrando do Programa de Pós Graduação em Ecologia e Conservação de Recursos Naturais

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Os beija-flores dessa família possuem bico reto de comprimento médio, e são geralmente territoriais ou pilhadores, ou ainda “trapliners” de curta distância. Aqueles que possuem bico pequeno, frequentemente visitam flores polinizadas por insetos, cujos volumes de néctar são muito baixos (FEINSINGER & COLWELL, 1978), mostrando assim que esses beija-flores não visitam necessariamente somente plantas que apresentem características ornitófilas (ARAUJO & SAZIMA, 2003).

A dieta de um beija-flor é constituída basicamente por néctar. Nas flores exploradas por beija-flores, o néctar é composto por sacarose e baixas quantidades de aminoácidos, lipídeos e polissacarídeos (BAKER & BAKER, 1980; STILES, 1981; ENDRESS, 1994). O néctar e os carboidratos fornecem imediatamente a energia necessária para o esvoaçar contínuo entre uma flor e outra (SICK, 1997). Para obter energia suficiente, essas aves devem forragear durante o dia todo (ROJAS & RIBON, 1997) para conseguir visitar o maior número possível de flores (SICK, 1997), pois a quantidade de néctar disponível em cada uma delas pode variar. (STILES, 1995). A dieta dos beija-flores pode ser ainda complementada por pequenos invertebrados que irão garantir o suprimento de aminoácidos e outros compostos (BAKER & BAKER, 1980; STILES, 1981).

Os beija-flores apresentam especializações para utilizarem recursos florais, como: corpo pequeno e bico fino, longo e/ou curvado de acordo com tamanho/formato da corola (STILES, 1981). Quando voa de flor em flor a procura do néctar, o beija-flor introduz o bico nas flores fazendo com que o pólen fique aderido em seu bico, na plumagem de seu corpo ou em sua cabeça. Assim, se esses grãos de pólen forem transportados para o estigma de outras flores da mesma espécie, poderá ocorrer a polinização (ANDRADE, 1997).

As flores que são polinizadas por beija-flores geralmente apresentam corola tubular, cores fortes e contrastantes, ausência de odor, néctar abundante, antese diurna e separação da câmara nectarífera dos estigmas e das anteras (FAEGRI & VAN DER PIJL, 1980; RAVEN et al., 2001). Essas adaptações florais facilitam a localização e o acesso ao néctar, bem como o transporte de pólen, aumentando a eficiência da polinização (CASTELLANOS et al., 2003; WILSON et al., 2004). Essas características florais que tem como finalidade atrair polinizadores são moldadas por aqueles que visitam as flores com mais freqüência e eficiência (STEBBINS, 1970).

Estudos sobre a interação dos beija-flores com as espécies vegetais verdadeiramente ornitófilas têm sido realizados com frequência não só no Brasil, mas em toda a América. Esses estudos proporcionam um esclarecimento de padrões ecológicos como também de aspectos evolucionários. Além disso, ajudam a esclarecer o papel dos organismos na manutenção das comunidades vegetais (ARAÚJO, 2005). O conhecimento da interdependência entre plantas e polinizadores ao nível de comunidade é crucial para um melhor entendimento do funcionamento de um ecossistema (WASER & OLLERTON 2006).

O Cerrado, segundo maior bioma brasileiro, possui grande diversidade fisionômica e florística, apresentando desde paisagens campestres, representadas pelos campos limpos, até paisagens florestais, os cerradões e matas. (COUTINHO 2002). Essas alterações na vegetação implicam em mudanças na distribuição das espécies, que por sua vez apresentam uma grande variedade de fenologias de floração, o que implica em diferenças na disponibilidade de recursos para polinizadores e dispersores (OLIVEIRA, 1994; OLIVEIRA & GIBBS, 2002).

As espécies de plantas do cerrado apresentam frequência de xenogamia igual ou até mais alta que espécies de florestas tropicais (OLIVEIRA, 1991), o que implica numa alta dependência de polinização cruzada e da atividade dos polinizadores (OLIVEIRA, 1998). Ao mesmo tempo, os recursos oferecidos pelas plantas devem são muito importantes para a sobrevivência dos beija-flores, que exploram este mosaico de fisionomias de vegetação utilizando de maneira oportunista recursos produzidos tanto por plantas adaptadas a polinização por abelhas ou outros vetores como plantas verdadeiramente ornitófilas (OLIVEIRA, 1998; OLIVEIRA & GIBBS, 2002).

Nas duas últimas décadas, devido à perda acelerada da biodiversidade do Cerrado, muito tem se questionado acerca da utilidade dos dados de estudos sobre biologia reprodutiva das espécies, uma vez que poderiam trazer políticas adequadas para a sua conservação (OLIVEIRA, 1994,1998; BARBOSA, 1997; BORGES, 2000). Estudos confirmam que no campo da biologia

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reprodutiva o bioma Cerrado é tão complexo e rico como as Florestas. Assim, deve ser considerado como uma das prioridades nas políticas de conservação, uma vez que a expansão e ocupação agrícola estão colocando em risco o funcionamento de redes de interação, que em alguns casos pode depender da biodiversidade de polinizadores (BARBOSA & SAZIMA, 2008). Assim, entender esta teia de interações entre plantas e polinizadores pode ajudar a definir estratégias de conservação para a biodiversidade da região.

Este estudo teve como objetivo caracterizar os aspectos reprodutivos de duas espécies ornitófilas em ambiente de Cerrado (Esterhazya splendida e Camptosema coriaceum). 2- MATERIAL E MÉTODOS 2.1 - A área de estudo O estudo fora realizado na Reserva Particular do Clube de Caça e Pesca Itororó de Uberlândia (CCPIU). A reserva constitui-se de uma vereda de cerca de 127 ha e vegetação natural circundante, que formam um fragmento de Cerrado de cerca de 400 ha. Está localizada a 8km do perímetro urbano no município de Uberlândia-MG, e apresenta diferentes fisionomias vegetais do Cerrado como Campo Sujo e Cerrado sentido restrito (stricto sensu), sendo essa a vegetação dominante, além de Vereda e duas manchas de mata (APPOLINARIO & Schiavini, 2002; Schiavini com. pess.). O clima da região de acordo com a escala Köpen,é do tipo Aw megatérmico. Apresenta duas estações bem definidas: uma mais fria e seca (maio a setembro), e outra quente e chuvosa (outubro a abril), com a metade das chuvas caindo durante os meses de novembro, dezembro e janeiro que são os meses mais úmidos (Rosa et al., 1991). 2.2 - Espécies ornitófilas Camptosema coriaceum (Nees & C. Mart.) Benth. Pertence à família Leguminosae-Fabideae, apresenta hábito herbáceo, com geralmente poucas flores por indivíduo. As flores são vermelhas, pequenas, sem odor e com produção de néctar. O ovário súpero se localiza dentro do anel formado pela fusão dos filetes. Apesar de as pétalas não serem fundidas entre si, as suas disposições criam uma estrutura floral semelhante a uma corola tubular. As suas dez anteras apresentam posicionamentos variados, o que poderia aumentar a área de deposição de pólen no corpo do polinizador, nesse caso especificamente no bico das aves. As suas características florais permitem defini-la, claramente, como uma espécie ornitófila (FAEGRI & VAN DER PIJL, 1980; PYKE & WASER, 1981; CASTELLANOS ET AL., 2004). Dados preliminares indicam que provavelmente a espécie seja autocompatível (P. Maruyama com. pess.).

Esterhazya splendida Mikan é uma espécie da família Scrophulariaceae, cujas espécies são subarbustos, que podem alcançar 2,5m de altura. Possui inflorescência do tipo cacho. As flores são tubulosas, zigomorfas, hermafroditas, nectaríferas, inodoras e vistosas em tons de vermelho e laranja, exibindo áreas intensamente pigmentadas de vermelho. As anteras de Esterhazya splendida são bem características; apresentam filamentos brancos, revolutos, desidratados e totalmente entrelaçados (ORMOND ET AL., 1998; ORMOND ET AL., 1998). Sua biologia floral e reprodutiva já foram descritas em ambiente de Restinga, entretanto os dados para o Cerrado ainda são inéditos

2.3 - Morfologia floral Foram estudados os aspectos morfológicos das flores de ambas as espécies, coletando-se 100 flores, que foram fixadas em álcool 70% e então tiveram alguns parâmetros morfométricos mensurados. 2.4 - Fenologia e oferta de recursos

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A fenologia de floração foi estudada apenas para Esterhazya splendida, estabelecendo-se e percorrendo 10 transectos paralelos de 50 x 5m (distantes 15m para evitar que se encontrem), de forma aleatória, a um intervalo de 15 dias (Figura 1). Os dados de floração foram coletados para a espécie a 2,5m de cada lado dos transectos, sendo contado o número de flores (por censo total ou por estimativas). Esses dados serviram pra estimar o recurso oferecido aos beija-flores para a espécie (OLIVEIRA, 1998). A produção potencial de néctar foi estimada através da medição de néctar em flores ensacadas (com a utilização de capilares para a quantidade e refratômetro para a medição da concentração de açúcar. 2.5 - Biologia floral e sistemas de reprodução

Na floração das espécies, foram realizados tratamentos de polinizações controladas para determinar o sistema de reprodução (BAWA, 1974). Para tal, foram feitos três tratamentos: autopolinização manual, realizada após a abertura das flores, sendo o pólen depositado manualmente no próprio estigma da flor; autopolinização espontânea, na qual os botões em pré-antese foram apenas ensacados, sem nenhum tratamento posterior; polinizações cruzadas, utilizando pólen de flores de outros indivíduos distantes.

Para avaliar a eficiência de polinização natural, foi feito um controle onde flores foram marcadas aleatoriamente e acompanhadas durante a floração. Testes de apomixia foram realizados a partir da emasculação de botões que ainda não apresentavam liberação de pólen.

Os frutos provenientes dos tratamentos de polinização em Esterhazya splendida foram coletados para a realização das medidas morfométricas, da pesagem e da contagem do número de sementes. As diferenças foram avaliadas utilizando-se o teste de Kruskall-Wallis. O sucesso dos tratamentos foi avaliado pela formação de frutos e pelo número de sementes formadas. 2.6- Identificação de visitantes

Foram realizadas algumas sessões de observações focais (DAFNI, 1992), que foram possíveis apenas em Esterhazya splendida, uma vez que o foco principal dos estudos de Camptosema coriaceum fora os tratamentos de polinização.

5. RESULTADOS E DISCUSSÃO Camptosema coriaceum (Nees & C. Mart.) Benth. – As flores quando bem desenvolvidas

apresentaram um “display” floral formado pela elevação de uma das pétalas (figura 2), potencializando assim a atração do polinizador.

Figura 2: Display floral A espécie apresentou adromonoicia, que é caracterizada pela presença de flores funcionalmente masculinas e flores hermafroditas em um mesmo indivíduo da espécie. A única diferença entre esses dois tipos de flores é a altura do gineceu, que é bem menor no caso das flores masculinas, ficando oculto no anel formado pela fusão dos filetes. Estudos mostram que a andromonoicia é comum na família Leguminosae, sendo relatada para outras espécies (e.g. HERNÁNDES-CONRIQUE et al. 2007).

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Para as medições morfométricas, foram coletadas 100 flores no campo, sendo 5 por

indivíduo (Tabela 1). A porcentagem de flores masculinas e hermafroditas das flores utilizadas na morfometria foi de 46% e 54% respectivamente.

Tabela 1: Morfometria das flores de Camptosema coriaceum (*Distância do estigma à antera

Comprimento da corola Antera maior Antera menor

29,832±4,487 24,710±2,726 20,686±3,042

Abertura Longitudinal Abertura horizontal Estigma – flor hermafrodita

3,760±0,759 3,706±0,520 24,652±2,722

Estigma – flor masculina Separação*

6,720±0,820 5,010±3,038

Para as medições de néctar foram utilizadas 45 flores, sendo 19 flores masculinas e 26

hermafroditas. Apenas 6 flores não apresentavam liberação de pólen e 4 não apresentavam néctar. A quantidade média de néctar pela manhã em flores ensacadas foi de 11,97 ± 11,01 µL com concentração de açúcares de 18,25 ± 6,91%(n=41).

No total, foram utilizados 41 indivíduos para tratamentos de polinizações controladas com 40 repetições para cada tratamento (polinização natural, polinização cruzada manual e autopolinização manual). Para autopolinização espontânea e apomixia, foram utilizadas 24 flores para cada tratamento. A porcentagem de formação de fruto da espécie mostrou-se baixa, sendo 7,50% para autopolinização, 2,50% para tratamentos de polinização cruzada e 5,00% para polinização natural. Os tratamentos de autopolinização espontânea e apomixia não formaram frutos. As sementes de Camptosema coriaceum foram coletadas e colocadas para germinar, e apresentaram diferenças quanto ao desenvolvimento da plântula, sendo maior naquelas provenientes de polinização cruzada (Figura 3).

Figura 3: a) polinização cruzada; b) polinização natural; c) autopolinização manual

A formação de frutos por autopolinização manual mostra que a planta apresenta

autocompatibilidade. Mesmo formando um maior número de frutos e sementes, a taxa de germinação foi menor para o tratamento de autopolinização, o que indica que a autocompatibilidade deve ser limitada.

Estudos mostram que a autocompatibilidade é conhecida por reduzir as chances de certas recombinações genéticas, mas ao mesmo tempo podem ser vantajosas por manterem um genótipo parental com alta adaptação local. (McMULLEN 1987, RAMÍREZ & BRITO 1990, RICHARDS 1996, JAIMES & RAMÍREZ 1999). Além disso, este sistema de reprodução diminui os custos da planta com a reprodução, pois requerem uma menor produção de flores em relação à auto-incompatibilidade (BAWA, 1974; RICHARDS, 1996)

a) b) c)

Esterhazya splendida Mikan (Scrophulariaceae) – As flores apresentaram duração de dois dias com a antese entre 7:00 e 9:00. Foram coletadas 100 flores no campo (10 indivíduos, 10 flores cada), para a realização das medidas morfométricas (Tabela 2). Tabela 2: Morfometria de Esterhazya splendida

Comprimento da corola Abertura máxima da

corola Abertura mínima da

corola

28,168±2,460 8,766±1,167 7,152±1,094

Largura mínima Altura do Filete Altura do estilete

4,509±0,496 33,717±3,907 33,180±3,733

No total, foram utilizados 22 indivíduos para tratamentos de polinizações controladas

resultando em 70 tratamentos de polinização natural, 70 de polinização cruzada manual e 70 de autopolinização manual. Para os tratamentos de autopolinização espontânea e apomixia, foram utilizadas 60 e 50 flores respectivamente.

A taxa de formação de frutos foi de 84,3% para polinização manual cruzada, 70% para autopolinização manual, 75% para autopolinização espontânea, 87,1% para polinização natural e 66% para o tratamento de apomixia. Os frutos resultantes dos testes de apomixia eram bem menores em comparação com os outros tratamentos (Figura 5) e nenhum deles apresentou sementes desenvolvidas.

Figura 5:Frutos de a) apomixia; b) autopolinização espontânea; c) polinização natural O peso e o tamanho (comprimento e largura) dos frutos formados variou entre os

tratamentos de polinização, prevalecendo os frutos provenientes de polinização cruzada. Quanto ao número de sementes formado por frutos, também foi verificado diferenças entre os tratamentos havendo uma maior produção de sementes a partir dos tratamentos de polinização manual cruzada (Tabela 3). Tabela 3: Tamanho (comprimento e largura), peso e número de sementes por tratamento Tratamento Comprimento Largura Peso Nº de sementes

Polinização cruzada

9,090 ± 3,419 6,101 ± 1,986 0,116 ± 0,059 166,66 ± 144,4

Polinização natural

7,341 ± 2,567 5,376 ± 1,598 0,074 ± 0,047 86,84 ± 95,509

Autopolinização manual

3,769 ± 0,795 3,066 ± 0,405 0,041 ± 0,026 15,429 ± 21,524

Autopolinização espontânea

3,906 ± 0,888 3,113 ± 0,663 0,026 ± 0,026 17,625 ± 18,920

A) B) C)

Assim, Esterhazya splendida é uma espécie autocompatível devido à formação de frutos por autopolinização. Mas, os resultados dos experimentos mostram também que a planta quando submetida à polinização cruzada, a taxa de frutificação é maior assim como o número de sementes produzidas.

A espécie parece apresentar algum tipo de autoincompatibilidade que acaba por garantir o sucesso do sistema xenógamo (MEDAN 1993). A produção de néctar parece ser constante, estando presente mesmo após a queda da corola, o que atraía muitas formigas. Essa constante produção de néctar durante todo período de antese, pode favorecer o retorno do polinizador à mesma planta (MARTINS & GRIBEL). A média total de concentração de néctar apresentado durante os dois horários do dia observados foi de 22% = 239,8 g/L.

A quantidade de energia por flor foi calculada multiplicando-se a média da concentração de açúcar pela média do volume; e apresentou o valor de 7,815cal. Estendendo esse valor para a área do transecto que apresentou 710 flores, obtivemos o valor de 22,19 kcal/ha. De acordo com Carpenter (1983), são necessários de 6 a 10 kcal para suprir as necessidades energéticas de áreas de um beija-flor; dessa forma, a espécie assume grande importância no ambiente já que fornece uma grande quantidade de recurso para os polinizadores.

Nas observações focais, Eupetomena macroura e Amazilia fimbriata foram vistos polinizando efetivamente as flores; e abelhas do gênero Trigona (Figura 4), foram caracterizadas como pilhadoras de pólen e néctar. Eupetomena macroura apresentou comportamento territorialista, mantendo-se em galhos de plantas próximas e atacando qualquer beija-flor que aparecesse. Devido a seu comportamento territorial, Eupetomena macroura provavelmente realiza muito mais autopolinizações ou polinização entre flores de um mesmo indivíduo (SIQUEIRA FILHO & MACHADO 2001).

Durante as visitas, os beija-flores tocam nos filamentos e pressionam as anteras, ocasionando a liberação do pólen em forma de nuvem, fazendo com que os grãos de pólen se depositem na cabeça do polinizador (ORMOND et al. 1998). Neste caso a polinização é mais eficiente, pois a disposição das anteras faz com que o pólen fique aderido ao corpo do polinizador em um local de difícil acesso, impedindo que o pólen seja retirado pela ave no momento em que limpa e arruma as penas com o bico.

A área do transecto apresentou 31 indivíduos em 2500m². A espécie apresentou padrão de distribuição aleatório (χ2=101,26; p>0,05; GL=99) e uma densidade de 124 ind./ha.

AGRADECIMENTOS Agradecemos a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Araujo, A.C.; Sazima, M., 2003, “The assemblage of flowers visited by hummingbirds in the “capoes” of Southern Pantanal, Mato Grosso do Sul, Brazil”, Flora, Vol. 198, pp 427–435. Araújo, F.P. ,2005, “Estudo comparativo de duas espécies ornitófilas em borda de uma ilha de mata de galeria, Uberlândia-MG”, Dissertação de mestrado, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 63p. Andrade, M. A., 1997, “A utilidade e importância das aves”, In: A vida das Aves, Belo Horizonte, Fundação Acangaú, pp 99-103. Appolinario, V.; Schiavini, I.,2002, “Levantamento fitossociológico de espécies arbóreas de cerrado (stricto sensu) em Uberlândia - Minas Gerais”, Boletim do Herbário Ezechias Paulo Heringer, Vol.10, pp.57-75.

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FLORAL BIOLOGY AND REPRODUCTIVE SYSTEM OF TWO ORNITHOPHILOUS SPECIES IN CERRADO.

Carolina Ferreira Gomes¹ Instituto de Biologia, Universidade Federal de Uberlândia, Rua Ceará, s/n, Campus Umuarama, Uberlândia, MG, 38.400-902. E-mail: [email protected] Pietro Kiyoshi Maruyama³ Instituto de Biologia, Universidade Federal de Uberlândia, Rua Ceará, s/n, Campus Umuarama, Uberlândia, MG, 38.400-902. E-mail: [email protected] Paulo Eugênio Oliveira²

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Instituto de Biologia, Universidade Federal de Uberlândia, Rua Ceará, s/n, Campus Umuarama, Uberlândia, MG, 38.400-902. E-mail: [email protected] Abstract – Ornitophilous species usually present a tubular corolla, vivid colors, odorless flowers, abundant nectar and diurnal anthesis. This study aimed to characterize the reproductive aspects of two ornitophilous species at Cerrado (Esterhazya splendida e Camptosema coriaceum). Open flowers lasted up to 2 days in E. splendida with floral opening during the morning. The nectar production was constant during the anthesis continuing even after the abscission of flowers. The spatial distribution pattern of the specie was random and it presented a density of 124 plants/ha. The cross pollinated fruits were bigger and heavier with higher seed production than the other treatments. Eupetomena macroura and Amazilia fimbriata realized legitimate visits to the flowers. The flowers of Camptosema coriaceum lasted up to 3 days, releasing pollen and producing nectar before flower opening. Male and hermaphroditic flowers occurred at the same individual characterizing the Andromonoicy. During the morning flowers produced 11,97 ± 11,01µL of nectar with 18,25 ± 6,91% of sugar. Fruit set by hand self pollination treatment was the most effective (7,5%). Keywords: Camptosema coriaceum, Esterhazya splendida and hummingbird.