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REFLEXÕES SOBRE A BHAGAVAD GITA OSVALDO LUIZ MARMO

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Uma reflexão sobre a Bhagavad Gita, a Canção do Bem-aventurado, o melhor da tradição védica.A study about the Bhagavad Gita, The song of Divine, the best of vedic tradition.

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REFLEXÕES SOBRE A BHAGAVAD GITA

OSVALDO LUIZ MARMO

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Osvaldo Luiz Marmo

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Reflexão sobre a Bhagavad Gita

Introdução

Este texto é uma reflexão aos ensinamentos da Bhagavad Gita - A Canção do Se-

nhor -, a mais sagrada escritura da cultura espiritual da Índia e uma das mais importantes

mensagens do Divino ao ser humano. Ela nos leva a uma importante reflexão sobre temas

teológicos e filosóficos, mostrando toda a beleza da cosmogonia da Filosofia Vedanta. Este

texto não é uma tradução literal nem integral, é fruto da minha experiência em comentar a

obra nos vários cursos que dei sobre o tema durante desde 1980, e foi elaborado com obje-

tivo de resumir a Bhagavad Gita, mostrando sua essência para que o leitor se sinta tocado

pela mensagem divina, e se convide a fazer uma leitura completa da obra. O estudo contí-

nuo da Bhagavad Gita é um poderoso instrumento de despertar consciencial que nos leva a

um profundo autoconhecimento, condição essencial para a auto-realização no caminho da

Luz Serena.

A Bhagavad Gita é considerada uma escritura revelada, cuja composição é atribuída

ao grande mestre e sábio Shrí Krishna Dvaipayana Vyasa - que não confundir com o Se-

nhor Krishna -, que sem dúvida nenhuma foi um dos grandes mestres espirituais da Índia

em todos os tempos.

Composto por volta do século IV a.C., ela sintetiza o conhecimento das escrituras

antigas, principalmente dos Vedas e dos Puranas, expondo-os em uma linguagem coloquial

acessível às pessoas que não estão habituadas aos textos em linguagem filosófica.

Como obra literária a Bhagavad Gita é parte da grande epopéia Mahabharata, um

épico monumental da literatura indiana, com cerca de 200.000 versos, onde ela está inserida

no capítulo 7, intitulado Bhishmaparvan ou Livro de Bhishma. Em sua estrutura final a

Bhagavad Gita contém 700 versos distribuídos em 18 capítulos e pode ser lida separada-

mente do Mahabharata de onde foi extraída.

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O conteúdo literário do Mahabharata é uma grande metáfora onde questões éticas,

metafísicas e espirituais que fazem parte da teologia (brahmavidya) dos Vedas são apresen-

tadas no enredo do romance. O desenrolar da história nos leva a apreender a mensagem

divina pelos diálogos dos personagens, e no caso da Bhagavad Gita pela conversa entre

Krishna e Arjuna na planície de Kurukshetra. Assim, a epopéia que conta a história do clã

dos kauravas e dos pandavas torna-se um retrato vivo da vida e nos proporciona pausa para

reflexão e exame de nossos valores e objetivos frente às grandes verdades espirituais.

As histórias contidas no Mahabharata eram inicialmente levadas ao povo pelo canto

dos bardos e menestréis em suas idas e vindas de aldeia em aldeia, por séculos e séculos,

até que com o advento da escrita, por volta de dois séculos a.C., foram grafadas inicialmen-

te em sânscrito e posteriormente em outras línguas regionais, como o híndi e o tâmil.

O Mahabharata conta à história da origem de um feudo que teve seu início com a

disputa da terra por duas grandes famílias do norte da Índia, os já mencionados clãs dos

pandavas e dos kauravas. A origem desses dois clãs nos é contado no primeiro capítulo do

Mahabharata, denominado Livro das Origens e tem seu ponto central na cidade de Hastina-

pura, então regida pelo Rei Vicitravírya filho do antigo Rei Shatanu e da rainha Satyavatí.

O épico em sua essência relata a luta dos dois clãs pela posse do reino e a querela tem seu

ponto culminante em um grande conflito entre os clãs, que culminou em uma batalha fratri-

cida que teria ocorrido na planície de Hastinapura, a Planície dos Elefantes.

O Mahabharata original composto por Vyasa tinha cerca de 10 % de seu volume a-

tual e era denominado Jaya (Vitória). Com o tempo, o épico recebeu algumas interpolações

secundárias com a aposição de mais 24.000 novos versos, provavelmente compostos por

um discípulo de Vyasa, de nome Vaishampáyana, que elaborou detalhes da personalidade

dos personagens, e enriqueceu a história com diálogos cheios de sabedoria e motivos de

profunda reflexão filosófica sobre a vida e seus objetivos. As adições finais foram sendo

acrescentadas por vaishnavas seguidoras de Krishna, elevando o volume da obra para seus

atuais 200.000 versos, quando então o épico atingiu sua forma final no século II a.C., e pas-

sou a ser denominada Mahabharata.

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Existem duas versões críticas da obra que servem de referência para todas as demais

versões e traduções, conforme o indicado no “Bhandarkar Oriental Research Institute of

Poona”. A primeira é a versão escrita em língua sânscrita, e a segunda, escrita em tâmil.

Portanto, todas as traduções do Mahabharata e da Bhagavad Gita devem ter seus textos

aferidos por essas duas edições.

Finalmente, vale à pena considerar que a obra pode não ser um relato histórico ba-

seado em fatos reais, mas uma ficção elaborada com a finalidade de compor um cenário

apropriado à reflexão dos grandes temas espirituais e sociais da época, embora a arqueolo-

gia moderna tenha encontrado provas de vários dos eventos relacionados na epopéia, como

por exemplo, a recente descoberta da cidade de Dvaraka, onde o príncipe Krishna teria vi-

vido.

Por outro lado, o Mahabharata é um símbolo dos seis sistemas de filosofia clássicos

da Índia (Vedanta, Mimansa, Ioga1, Samkhya, Nyaya e Vaisheshika) e do conflito oriundo

de suas idéias.

A obra em sua plenitude traz reflexões em três níveis: a história no plano da vida

social mundana, no plano das relações éticas e no contexto da teologia e da metafísica da

Filosofia Vedanta. O aspecto mundano nos mostra o conflito fratricida com seu epicentro

na saga das duas famílias. O aspecto ético expõe o conflito entre o Dharma (Lei Sagrada) e

o adharma (a vida profana). Ou seja, entre o bem e o mal; a justiça e a injustiça; o Eu e o

não-Eu (ego), nas quais as partes em conflito representam a encarnação das potencias divi-

nas materializadas na forma de deuses (devas) e demônios (asuras) finalmente vencidos

com a vitória do dharma (e a dissolução do ego). Entretanto a visão dos poderes demonía-

cos é uma imagem em linguagem metafórica e deve ser entendida como parte da natureza

humana, que com suas memórias e condicionamentos filogenéticos e instintos evolutivos

atua como interface (mente ou psique) na manifestação da Consciência Divina que se en-

carna e a natureza ao seu redor (realidade).

1 A palavra Ioga (ou Yoga) é do gênero masculino em sânscrito, mas usaremos o gênero feminino como é o

correto em português.

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Os aspectos teológicos e metafísicos expõem a natureza da Consciência Divina e de

sua manifestação, quando aquele que é o „Ser Uno‟ torna-se muitos e o Cosmos surge como

uma manifestação fenomênica e ilusória emergente da cognição sensorial e mental. Neste

contexto a reflexão das idéias envolvidas flutua entre a transcendência e a imanência, e a

Divindade suprema apresenta-se ora sob uma forma teísta (um ser divino manifestado como

homem entre os homens) e ora sob uma forma panteísta (o ser divino imanente na vida),

embora transcendência, imanência, teísmo e panteísmo sejam- a meu ver -, falsas questões,

formuladas pela lógica relativa do ponto de vista humano e perdem significado quando e-

xaminadas sob a ótica relativa do ponto de vista do Ser Divino, onde somente o Absoluto é

real.

No contexto da Bhagavad Gita, o Senhor Krishna é apresentado como o sétimo ava-

tar de Vishnu, a personalidade divina encarnada, por seu próprio poder, para restabelecer o

Dharma e guiar a humanidade pelo caminho da descoberta espiritual do Eu verdadeiro ou

Eu - Real (Atman), que se constitui no Self de cada ser vivo da natureza. Por outro lado, o

aspecto transcendental da Batalha de Kurukshetra - também denominada Batalha do Dhar-

ma ou Dharmakshetra -, simboliza o grande conflito entre a mente instintiva por vezes de-

nominada mente inferior (manas, o lócus do não-Eu ou ego) e a mente espiritual ou mente

superior (buddhi, o lócus do verdadeiro Eu, o Self), a sutil estrutura que é repositória do

Dharma.

O entendimento deste grande mistério dual da natureza da personalidade manifesta-

da é a essência do conhecimento exposto no Vedanta, o melhor da cultura que nos foi lega-

da pelos povos da Índia antiga.

Finalmente, agradeço a Madhu (Maria Antônia Marmo), pelo auxílio na leitura do

texto e na sua redação final.

OSVALDO LUIZ MARMO

(Revisado em 2009)

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CANTO 1 – A INCOMPREENSÃO DE ARJUNA

A Batalha de Kurukshetra é uma metáfora da luta interior que o homem iluminado,

pela luz do Dharma, trava contra os instintos e condicionamentos de seu veículo animal - o

corpo físico -, os quais como conteúdos da mente manifestam a personalidade transitória e

efêmera (ego) que age como se fosse um individuo, em lugar de servir de veículo ao verda-

deiro Ser - Real, o Eu.

Nesse contexto os pandavas representam as forças do Dharma que fluem da mente

espiritual para o para a mente instintiva, impelindo o homem na busca de sua essência divi-

na. Os kauravas representam os instintos inferiores e os condicionamentos, que foram im-

portantes durante o processo evolutivo para garantir a sobrevivência da nossa espécie, des-

de a primeira célula viva no coacervado primordial, até o corpo mamífero e primata do

„homo sapiens‟ que usamos como veículo no estágio atual.

Shrí Krishna é a voz da consciência espiritual que aparece quando o discípulo está

pronto e busca a Luz para iniciar a grande aventura de sua existência. Arjuna é o discípulo

que como um guerreiro preste a iniciar a grande aventura de sua vida, luta contra sua natu-

reza inferior para dominar sua mente instintiva e permitir o surgimento de um novo ser cuja

existência será a expressão pura da consciência divina. Entretanto, esta não é em verdade

uma luta entre o bem e o mal, mas sim um confronto que busca o equilíbrio entre poderes

divinos, uns necessários para a manifestação individualizada da consciência em suas várias

fases, e outros necessários para a manifestação plena do Divino em cada um de nós.

Então tem início a Batalha de Kurukshetra!

Os dois exércitos se antepõem frente a frente na Planície dos Elefantes. De um lado

os kauravas com seus príncipes e todos seus exércitos. De outro, os pandavas com os cinco

príncipes irmãos à frente de seus exércitos. Com os pandavas, Krishna, assume o papel de

um auriga e comanda a quadriga de combate de Arjuna.

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Então, Arjuna pede a Krishna que estacione o carro de guerra entre os dois exérci-

tos, para que ele possa contemplar aqueles a quem deve combater até a morte. Olhando o

exército inimigo composto de parentes e amigos que, apesar das divergências, foram partes

importantes de sua vida, Arjuna cai em desalento e reclama (canto 1, versos 21).

“Os meus membros desfalecem, minha boca torna-se seca, meu corpo treme e meus

pelos se eriçam” (canto 1, versos 30).

“Porque devo lutar e matar? Não quero matá-los!” (canto 1, verso 35)

“E vejo, ó Krishna presságios funestos, e nenhum bem ao matar meu povo neste

combate. (canto 1, versos 35). Por isso creio que não devemos lutar e matar os filhos

de Dhritarastra, pois eles são nossos parentes. Como poderíamos ser felizes, ó Krish-

na, matando nossa própria família?” (canto 1, versos 37).

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CANTO 2 – O CAMINHO PARA A REALIDADE ÚLTIMA

Neste canto, Shrí Krishna inicia um longo dialogo com Arjuna, através do qual ele

ensina tudo que um homem deve saber para se tornar o guerreiro da luz na luta contra as

trevas da ignorância.

“Porque o desalento? Porque essa tristeza e angustia, meu querido Arjuna? Tu choras

por aqueles que não deves chorar, mas mesmo assim dissestes palavras sábias. Entre-

tanto, saiba que os sábios não choram nem pelos mortos nem pelos vivos” (canto 2,

verso 11).

É necessário dissolver o ego e a personalidade para transferir a consciência, da men-

te inferior (manas) para a mente superior (buddhi), dando asas à consciência para permitir

que ela alce vôo para a grande aventura do humano, que é sua ida ao espaço consciencial do

Reino Divino. Porque então chorar ou lamentar pela perda das coisas do ego?

Sobre a imortalidade:

“Não se entristeça, pois Eu jamais deixei de existir, nem tu, nem aqueles príncipes

dos homens e também não haverá momento em que nós deixaremos de existir no fu-

turo” (canto 2, verso 12).

“Como a alma neste corpo passa através da infância para a juventude e desta para a

velhice, assim também passa para outro corpo permanecendo viva. Os sábios não se

confundem quanto a isso. (canto 2, verso 13). Entretanto, procure conhecer Aquele

que é O indestrutível. Aquele por quem tudo isso é penetrado embora nada O penetre

e ninguém é capaz de causar a destruição desse Ser que é imperecível. (canto 2, verso

17). Quem se acha matador ou passível de ser morto é destituído de discernimento e

sabedoria, O Ser verdadeiro não mata e tampouco pode ser morto.” (canto 2, verso

19).

Portanto, o Ser Verdadeiro é imortal e está além do espaço e do tempo, O Ser Ver-

dadeiro é eterno e inato e sendo parte emergente do Uno Absoluto não pode matar ou ser

morto.

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“Não nasce, nem morre. Por ser inato e eterno, não morre morrendo o corpo. (canto 2,

verso 20). Aquele que sabe que o Ser Real é imperecível, eterno e indissolúvel, não

deve pensar que pode matar ou ser a causa da morte de alguém. (canto 2, verso 21).

Tal como o homem abandona suas vestes velhas e veste outras novas, também o Ser

Real abandona seu velho corpo e adentra em um outro novo que foi preparado para

Ele. (canto 2, verso 22). Assim, uns O olham como uma maravilha, outros falam dele

como um Ser Divino, mas a rigor ninguém o conhece. (canto 2, verso 29). Ele é o Ser

Real ou a essência Divina no corpo de cada um de nós, por isso não deves lamentar

ou temer pelo destino de nenhum ser manifestado”. (canto 2, verso 30).

A ação pelo dever:

“Considerando que é teu dever lutar, não deves temer, pois não há coisa melhor para

um guerreiro que um combate justo. (canto 2, verso 31). Considerando igual o prazer

e a dor, o ganho e a perda, a vitória e a derrota, então parte para o combate; assim não

obterás o fruto das ações impuras” (canto 2, verso 38).

A ação desinteressada:

“Tens direito somente à ação, jamais aos frutos, pois não deve ser o fruto da ação o

que te impele a agir. Entretanto, jamais se apegue a não-ação, pois a inação não te le-

vará ao despertar da alma (canto 2, verso 47). Pratica as obras abandonando o apego.

Seja o mesmo no sucesso e no insucesso, este estado de indiferença é denominado

Ioga” (canto 2, verso 48).

O Domínio da natureza inferior:

“Quando abandonamos todos os desejos da mente ficamos satisfeitos conosco, pois

vivemos na paz interior. Assim, atingimos a consciência espiritual e firmamo-nos no

conhecimento. (canto 2, verso 55). Por isto, é um sábio aquele cuja mente não é agi-

tada pelos sofrimentos, pois não tendo desejos ou prazeres, ele está livre das paixões,

do medo e da cólera. (canto 2, verso 56). Portanto, suporta com sabedoria as dificul-

dades da vida, e não se entregue nem a alegria excessiva nem a tristeza. Assim, nada

lhe roubará a liberdade. (canto 2, verso 57). Mesmo aquele que se abstém, às vezes

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ainda sucumbe à ação repentina de um desejo tumultuoso. Mas quem conhece que o

Eu Real é a única realidade, torna-se o senhor de si mesmo, dos impulsos, instintos e

sentidos. (canto 2, verso 60). Tendo vencido o impulso dos sentidos pode descansar

em minha Divindade, e contemplar o Eu verdadeiro, pois o irreal e o ilusório deixa-

ram de existir para ele. (canto 2, verso 61). Entretanto, saiba que não podem chegar à

verdadeira ciência aqueles que não entraram nesta paz, pois sem ela não é possível

existir nem a sabedoria, nem a felicidade.” (canto 2, verso 61).

A paz interior:

“A paz interior (ou ananda) é o estado de união com o Ser Real, o estado de bem-

aventurança na consciência Divina. Quem a atingiu, não se deixa embaraçar nem

desviar pela ilusão. Assim, permanecendo nesta Paz infinita e duradoura, na hora da

morte irá diretamente ao Nirvana para comunhão com o Divino.” (canto 2, verso 72).

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CANTO 3 – O CAMINHO DA AÇÃO

Neste canto, tem início a exposição da grande lei da dinâmica da natureza, a Lei do

Karma, ou Caminho da Ação Pura.

A Lei do Karma é uma das maiores conquistas da psicologia védica, e se constitui

num modelo para a explicação do comportamento humano. De acordo com este modelo, a

mente de cada ser vivente é formada pelos resíduos de todas as ações efetuadas no passado,

vida após vida, pois quando o ser age, deixa em sua mente um resíduo sutil da natureza da

ação. Assim, cada resíduo tem a característica da ação e a dimensão da intenção que moti-

vou a ação. Sendo incorporados à mente do ser agente, s resíduos formam sua estrutura que,

sendo a interface cognitiva e ativa com o mundo objetivo, modula o comportamento do

homem de acordo com sua própria natureza interna. Assim o comportamento do homem

depende da estrutura da mente, que por sua vez é formada pelos resíduos da evolução social

e biológica, vida após vida, espécie após espécie. A palavra ação em língua sânscrita é car-

ma, por isto, definimos o comportamento humano dentro dessa lei. Mas, a Lei do Carma é

amoral, ou seja, o ser vivente não é julgado pelo que fez e ninguém o pune pelas ações efe-

tuadas, pois tudo se passa dentro e conforme o projeto divino para a evolução do veículo

(não-Eu) de manifestação do verdadeiro Eu. O que ele (não-Eu ou mente) fez, fica nele e

forma sua personalidade e sua maneira de ser. Se sua vida é boa ou não, se ele é equilibrado

ou não, feliz ou infeliz, deve tudo isto a maneira como vive no mundo, pois está colhendo o

que em si plantou.

A Lei do Carma é amoral porque o Divino fez tudo perfeito. O que nós vemos como

imoral na conduta de cada um, nada mais é que os instintos naturais, do corpo animal que

vestimos -, fazendo seu papel no processo da vida. É o não-Eu agindo como um animal

instintivo, porque o Eu – Real ainda não está no controle de seu corpo-mente.

Inação

“Enganado está quem pensa que não agindo escapa dos resultados da ação, pois de fa-

to, quem nada faz não caminha em direção da perfeição. Por outro lado, a inatividade

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não existe, pois tudo no Cosmos está em movimento constante. (canto 3, verso 4). Se

alguém se assenta para reter o alento e dominar seus sentidos, mas sua mente está a-

pegada aos objetos dos sentidos, ilude-se e merece o nome de tolo.” (canto 3, verso 6)

Ação pura

“Porém é digno de ser chamado de sábio, aquele que sujeitou seus sentidos ao Divino

por amor ao altíssimo, e expressa seu reto pensar pela reta ação.” (canto 3, verso 7)

Ação impura

“Os homens que apegados aos objetos dos sentidos, agem para obter recompensa e

ganho, se aprisionam nos labirintos da mente condicionada. Pratica, pois suas ações

por sacrifício renunciando ao apego.” (canto 3, verso 9)

Ação como ritual -, a ação e os sentidos.

“O desejo impede o verdadeiro saber, ele é como um fogo devorador difícil de se ex-

tinguir. (canto 3, verso 39). Os sentidos e a mente são seu alimento, por meio deles o

desejo confunde o discernimento e obscurece a verdade. (canto 3, verso 40). Antes de

tudo, deves vencer o inimigo de teu coração. Domina teus sentidos e teus órgãos de

cognição, afugenta de ti os geradores do mal. (canto 3, verso 41). Os sentidos são

grandes e poderosos, porém maior é a mente e mais poderosa que esta é a razão. En-

tretanto, lembra-te que acima da razão está o Eu Real, a Luz da Divindade manifesta-

da no Cosmos. (canto 3, verso 42). Reconhecendo o Eu Real como o Poder Supremo,

domina por seu poder o não-Eu, subjugando assim os conteúdos da mente. Esta tarefa

é difícil, mas não impossível. Combate o desejo, domina-o pelo poder da Luz Divina

do Eu Real, não deixe que ele seja o teu senhor, mas faça dele teu escravo!” (canto 3,

verso 43)

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CANTO 4 – O CAMINHO DO CONHECIMENTO

Neste canto é apresentado o segundo dos três pilares da Bhagavad Gita, o Jñana Io-

ga ou Ioga da sabedoria, o caminho do conhecimento que dissipa a ignorância e leva o ser

humano a iluminação.

Avatara

“Como eu devo-te entender quando dizes que ensinaste a doutrina dos sábios a Vi-

vasvat que viveu há milhares de anos? (canto 4, verso 4). Muitos foram meus nasci-

mentos e também muitos foram os seus. Eu sou consciente deles todos, mas tu não o

és! (canto 4, verso 5). Escuta este mistério. Eu sou superior aos nascimentos, sou ina-

to e eterno, sou o senhor de todas as criaturas, pois tudo emana de Mim. Assim, Eu

nasço gerado pelo meu próprio poder. (canto 4, verso 6). Sempre que o mundo decli-

na em virtude e justiça, sempre que a espiritualidade é ignorada, Eu, o senhor, nasço

gerado pelo meu próprio poder, nascendo e vivendo como homem entre os homens.”

(canto 4, verso 7)

A rigor um avatar é uma encarnação divina. Mas, antes de refletirmos sobre o as-

sunto cabe uma pergunta; o que é uma encarnação divina? A resposta não é simples, porque

todos os seres da hierarquia cósmica são „reflexos‟ da Consciência Cósmica. Sabemos que

o “Reino de Deus” é composto por uma hierarquia de seres em uma variada gama de restr i-

ções conscienciais, que vêm do Absoluto, que é a Consciência Cósmica, até a mais restrita

forma consciencial manifestada e individualizada (possivelmente o reino mineral). Assim,

em cada nível da hierarquia existe uma manifestação do Divino. Isto é verdade para os três

reinos: o mineral, o vegetal e o hominal. Portanto, qualquer ser da hierarquia, que esteja

acima da média do nível humano é em princípio considerado um avatar para alguns, embo-

ra esta designação deva ser sempre entendida e reservada para um Ser de dimensão divina.

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Devoção

“Quem Me reconhece em minha encarnação, em minha essência, não precisa encar-

nar-se mais ao deixar seu corpo mortal. Esse ser vem morar comigo e gozar da bem-

aventurança. (canto 4, verso 9). Muitos já vieram assim a Mim, tendo se libertado do

medo, ódio, ira e paixão. Quem a Mim se dirige com firmeza e em Mim fixa sua

mente, é purificado pela minha chama sagrada de amor e sabedoria. Então, livre da

atração dos objetos terrenos, torna-se semelhante a Mim, penetrando na minha essên-

cia espiritual. (canto 4, verso 10). Eu acolho com amor a todos que Me procuram,

quaisquer que seja o caminho que sigam, porque todos os caminhos e todas as formas

religiosas a Mim conduzem embora possam ter denominações diferentes conforme as

culturas e etnias.” (canto 4, verso 11)

Ação e inação

“Poderás dizer que às vezes até os sábios não sabem definir o que é ação correta, ação

incorreta e inação. (canto 4, verso 16). Quem se adiantou de tal maneira que é capaz

de ver ação na inação e inação na ação, pertence aos sábios da raça e permanece em

harmonia enquanto pratica suas ações. (canto 4, verso 18). Suas obras são sempre li-

vres de vínculos com os resultados, e sua atividade cheia de sabedoria é livre de dese-

jos. Assim é o sábio desperto!” (canto 4, verso 19)

Ação consciente e autodisciplina

“O sábio não espera lucro no que faz, não receia perda e de nada depende. Assim ele

age com os sentidos sob o domínio da razão. Como tal Ele é o senhor de seu sentir e

pensar, o Eu verdadeiro no interior da alma. (canto 4, verso 21). Sempre contente

com tudo que o dia lhe oferece, não se deixa alterar pela ventura ou desventura. As-

sim, ele é livre de inveja e equânime tanto no sucesso como no insucesso, fazendo

sempre o melhor, sem apego a obra ou a seus resultados.” (canto 4, verso 22)

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Ação como ritual

“Muitos devotos invocam deuses inferiores, outros adoram o Princípio Divino no fo-

go do amor. Outros oferecem sacrifícios, renunciando ao que agrada ao ouvido, à vis-

ta e aos outros sentidos. Outros cantam hinos devocionais, depositando no altar do

coração os prazeres da vida, para alimentar o fogo místico da renúncia. Outros prati-

cam a respiração sagrada dominando a inspiração e a expiração pelo poder da vonta-

de. Outros praticam abstinências, jejuns e esforçam-se por sacrificar a vida material,

pela vida espiritual. (canto 4, versos 25, 26, 27, 29, 30). Há muitas formas de sacrifí-

cio, adoração e moderação no domínio de si mesmo. Porém, melhor que sacrifícios de

objetos e coisas é o sacrifício oferecido pelo saber, pois o conhecimento perfeito em

si mesmo é o coroamento de todas as ações. (canto 4, verso 32, 33). Os sábios que

possuem a sabedoria interior estão prontos para ajudar aqueles que procuram a Ver-

dade. Ainda que tenhas cometido muitos erros, o conhecimento da Verdade te condu-

zirá sem perigo pelo agitado mar da ilusão e da ignorância.” (canto 4, verso 34, 36).

Conhecimento purificador:

“Não há no mundo purificador maior que a chama da verdade espiritual. Quem a co-

nhece e a ela se dedica, dissolverá as amarras do ego e viverá na paz do verdadeiro

Eu, a essência divina presente em todo ser vivo. (canto 4, verso 38). Pois o conheci-

mento da verdade é dado para todos aqueles que vivem sob o poder da fé, dominando

o ego e as impressões causadas pelos objetos apreciados pelos sentidos. Tal ser con-

quistou uma grande sabedoria, e a paz oriunda dessa o levará ao Nirvana.” (canto 4,

verso 39).

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CANTO 5 – O CAMINHO DA RENÚNCIA AOS FRUTOS DA AÇÃO

Neste canto, Krishna inicia a exposição da Ioga da renúncia dos frutos da ação, con-

tinuando a explanação da Leia do Karma.

Renúncia e ação

“Meu querido discípulo, tanto a renúncia à ação quanto a prática da ação desinteres-

sada tem grande mérito, mas a ação é sempre preferível a inação, pois a inação não o

leva a liberação do ciclo de renascimentos. Entretanto, para não caíres em confusão,

entende bem estes conceitos: somente se abstém verdadeiramente da ação incorreta

aquele que olha as ações com indiferença, não se apegando a elas, nem a seus frutos,

e tampouco sentindo repulsa por elas. Saiba que quem vive acima dos pares de opos-

tos é um sábio.” (canto 5, versos 2 e 3)

Ioga.

“Quem é firme na prática da ação correta, dominando a si mesmo e subjugando seus

sentidos e seus desejos à vontade do Divino, sente-se uno com o Ser Supremo e não é

influenciado pelas obras que pratica. Ele conhece o princípio da vida universal e o

que dela advém, e sabe que não é ele, o princípio consciencial divino quem age. Ele

sabe que as ações são engendradas pelo seu veículo natural (mente-corpo), o corpo

que é quem vê, cheira, sente, come, caminha e respira. Em verdade é a mente e os

sentidos que fazem sua parte no mundo sensual e material. Portanto, deixemo-los a-

gir. Eu não sou escravo deles, porque sei que seu objetivo é a manutenção do proces-

so da vida material. Quem encara suas ações como obra dos sentidos e as executa sem

apego aos seus frutos, não é contaminado pelo agir, tal como a flor de lótus não é

contaminada pelas águas impuras que a rodeiam.” (canto 5, versos 7, 8, 9 e 10)

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O Agente da ação:

“Em paz, harmonia e bem-aventurança vive o ser que em si mesmo encontra a fonte

da felicidade, por se sentir unido à Divindade e desapegado dos objetos do mundo ex-

terior. Portanto, quem em si mesmo encontrou o céu e a Luz da iluminação é um san-

to, porque fez sua vida confluir com a Divindade Suprema, que lhe abriu as portas do

Nirvana. Assim, aproximam-se da paz divina todos aqueles que seguem este exem-

plo, vivendo na simplicidade sob a luz da fé. Eles souberam controlar suas ações e

dominar sua natureza material (não-eu). Quem assim age, Me conhece tal como eu

sou, pois eu sou o Senhor do Cosmos e o amante de todos os seres, aquele que ampa-

ra e protege todos os que têm domínio de si mesmo e devotam a Mim suas ações.”

(canto 5, versos 21, 24, 26 e 29)

Lei do Karma

“Vivendo em harmonia com a natureza, sem desejo e esperança de recompensa por

suas ações, o Ser alcança a paz. Entretanto, inquieto e descontente é todo aquele que

não vive em tal harmonia e age por desejo de recompensa. A essência divina do sá-

bio que renunciou os frutos das ações e inações habita o corpo que é o Templo da Es-

sência Divina, conservando-se em paz sem nenhum desejo de agir. Mas, Ela está

sempre pronta para fazer sua parte quando o dever a chama, pois sabe que ainda que

seu corpo - esta cidade de nove portas - se ocupe das ações, Ela, o Eu Real, permane-

ce como a testemunha das ações. O Eu Real é o Senhor do mundo e não produz nem

as ações, nem as relações de causa e efeito entre estas e seus frutos. Em tudo isto so-

mente age a natureza dos seres.” (canto 5, versos 12, 13 e 14)

Salvação pela ação:

“Meditando no Ser eterno que é o Eu Real, unindo-se a Ele, conhecendo-O e amando-

O, o devoto passa aos estados superiores da existência, aos planos conscienciais mais

altos, dos quais não mais se volta aos planos inferiores da existência. Então, não se

deixe fascinar quando te acontece algo agradável, nem percas o entusiasmo quando

tens um revés. Eleva tua consciência à esfera da Luz Divina, imerge-te na Divindade

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Osvaldo Luiz Marmo

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Suprema e participe desse imenso esplendor. Na paz eterna vive o Ser que em si

mesmo encontrou a fonte da felicidade, por ser um com o Divino e viver sem apego

pelo mundo exterior.”(canto 5, versos 17, 20, 21)

Autodisciplina:

“O verdadeiro sábio não deixando os objetos exteriores influenciarem sua alma abre

sua visão à luz eterna. Então, unindo seu inspirar com seu expirar vive em harmonia

Comigo, o Divino. Todos os seus sentidos obedecem à vontade espiritual, todo o seu

pensar tem raízes na Divindade. Nada para si deseja, nada receia. Não sente ódio,

tampouco ira. O Ego não mais comanda suas ações, Ele é um Ser realizado.” (canto 5,

versos 27 e 28)

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CANTO 6 – O CAMINHO DA MEDITAÇÃO

Neste canto Krishna define o que é a Ioga, o iogue e o caminho da libertação pelas

práticas devocionais.

Ioga:

“Saiba que a reta ação praticada com o conhecimento da verdade é a melhor renúncia,

o melhor ascetismo. Porque o ascetismo consiste em verdade só no desinteresse. Por-

tanto, se a ação não é acompanhada pelo conhecimento da renúncia dos resultados

não pode ser denominada reta ação. (canto 6, verso 2). Quando o homem está livre do

apego aos frutos das ações e à ação propriamente dita, bem como aos objetos dos sen-

tidos, então atingiu o mais alto grau da reta ação e tornou-se um perfeito iniciado, um

mestre na ação. (canto 6, verso 4). Cada um deve elevar-se espiritualmente pela força

de seu Divino Espírito, o Eu Real. Este Ser verdadeiro é o melhor amigo do sábio e

desperto, embora para o ignorante possa parecer seu pior inimigo porque tende a ani-

quilar seu sentimento de personalidade separada.” (canto 6, verso 5)

O Eu e o Ego

“Aquele que atingiu o saber e conhece o Eu Real como a consciência em si mesmo,

aquele que permanece tranqüilo no meio da agitação do mundo, por ser calmo, estar

sempre contente e sentir compaixão por todas as criaturas, não se alterando nem pelo

frio ou pelo calor, nem pelo sofrimento nem pelo prazer, nem pela honra ou pela de-

sonra, vendo tudo com equanimidade, seja barro ou ouro, sendo afável para com to-

dos, seja amigo ou não, parente ou não, santos ou “pecadores”. Este Ser está em Mim

e Eu estou nele (canto 6, verso 7, 9). Assim, quando um devoto tem pleno domínio de

si mesmo, e conserva a mente fixa no Eu Real, não tendo anseio por nenhum objeto

desejável, merece o nome de Yukta – aquele que é “cheio de graças”. (canto 6, verso

18). Em realidade Eu te digo que aquele que Me vê em tudo, e todo o Universo em

Mim, nunca Me abandonará e nunca será por Mim abandonado, pois para sempre es-

tará ligado a Mim pelos laços preciosos do amor. (canto 6, verso 30). Portanto, quem

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Osvaldo Luiz Marmo

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Me reconhece em todos os seres, amando-Me e comigo se unindo, participa da vida

eterna em Meu Ser, qualquer que seja o seu modo de vida exterior neste mundo. (can-

to 6, verso 31). Alguns dizem ser difícil dominar a mente porque ela é instável, ora

inclinando-se para um objeto, ora para outro. Entretanto, quem fortaleceu sua vontade

por meio de exercícios devocionais e disciplina tornar-se o senhor de seu coração e de

sua mente. (canto 6, verso 35). Saiba que embora a união (Ioga) Comigo seja dificí-

lima para quem tem a mente descontrolada, esta união é possível e acessível para

quem a tenha sob controle.” (canto 6, verso 36)

Pergunta Arjuna:

“Entretanto, explica-me ó mestre, qual é a sorte daquele que embora tenha fé, mas a-

inda não atingiu a perfeição e a união, porque não dominou sua mente e se afastou do

caminho da disciplina.” (canto 6, verso 37)

Sorrindo Krishna explicou:

“Ninguém perece nesta condição ou será prejudicado. Não se perde nunca quem vive

honestamente e em Mim confia. (canto 6, verso 40). Aqueles que com devoção e fé

realizaram boas obras, mas careceram da aquisição da verdadeira disciplina, vão habi-

tar o “céu dos justos” ao deixarem este corpo físico. Embora eles não tenham adquiri-

do a perfeição, seus méritos os conduzirão ao espaço consciencial daqueles que ainda

não atingiram a perfeição, para aguardarem o momento de um novo renascimento em

condições propícias. (canto 6, verso 41). Assim, em uma nova existência ele recupe-

rará sua “condição espiritual” e assim sentir-se-á preparado para dar continuidade a

seu despertar para a Perfeição. (canto 6, verso 43). Aquele que procura a Verdade,

confiando no Dharma ou “Lei Absoluta”, e faz sempre o melhor que pode, é conside-

rado maior que um erudito, asceta ou fanático que procura obter o despertar através

de ritos exteriores e mortificações, praticando suas obras com o desejo de recompen-

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Osvaldo Luiz Marmo

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sa. Sejas, pois um guerreiro cheio de fé, amor e bondade. (canto 6, verso 46). Pois de

todos os meus discípulos Eu prefiro aqueles que Me adoram com fé e a Mim dedicam

o interior de seus corações, pois em seus corações transborda Meu amor, minha pre-

sença e com ela vem a paz suprema.” (canto 6, verso 47)

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CANTO 7 – O CAMINHO DA REALIZAÇÃO

Neste canto, Senhor Krishna apresenta a verdade suprema, o conhecimento místico

que nos revela a Divindade e a relação Dela com o Universo.

“Poucos são aqueles que entre os milhares da raça têm suficiente discernimento para

chegarem à perfeição. E entre estes, poucos a procuram com sucesso. (canto 7, verso

3). Saiba que minha natureza manifesta oito formas elementares, conhecidas como;

terra, água, fogo, ar, vazio, mente, razão ou intelecto e consciência individual. (canto

7, verso 4). Mas, além dessas formas elementares manifesto também uma natureza

sutil ou espiritual, superior e mais nobre. É o princípio que vivifica e sustenta o Uni-

verso. (canto 7, verso 4). Os elementos são a matriz da criação. Eu sou a fonte de toda

a criação, de onde ela tem sua origem e para onde ela retorna. (canto 7, verso 6). A-

lém de Mim não há nada. Tudo depende de Mim e por Mim é sustentado, tal como as

pérolas de um colar são sustentadas pelo fio que as une. (canto 7, verso 7). Eu sou o

fluir da água, a luz do sol e da lua e a sílaba sagrada „OM’. Sou o perfume da terra, o

esplendor do fogo, a vida dos vivos, a união dos iogues e a santidade dos santos. Sou

a ciência eterna e imortal de todos os seres, a sabedoria dos sábios e a nobreza dos

nobres. Também Eu sou a força dos fortes que, livre de toda a paixão, exerce o puro

amor que lei nenhuma pode proibir. (canto 7, verso 8, 9, 10 e 11). Assim minha natu-

reza manifesta três qualidades: a harmonia, a atividade e a inatividade. Estas qualida-

des têm em Mim seu princípio e embora estejam em Mim, Eu não dependo delas.

(canto 7, verso 12). As qualidades dão origem à ilusão e os homens imersos nelas não

compreendem que Eu sou superior a elas, permanecendo imutável em meio às trans-

formações e mudanças do Universo mutável. (canto 7, verso 13). A ilusão é poderosa

e seu véu é de difícil penetração aos olhos humanos. Somente aqueles que a Mim se

devotam deixam-se iluminar pela luz que está por detrás do véu. Portanto, vença a i-

lusão, assim a Luz da Verdade o conduzirá a Mim.” (canto 7, verso 14)

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CANTO 8 - O CAMINHO PARA O ETERNO SER

Continuando sua exposição metafísica e teológica, Krishna expõe sua natureza es-

sencial e sua manifestação no mundo objetivo.

Diz-me ó Krishna: O que é o Absoluto?

“O Absoluto é o Todo, o Ser Supremo que é Indiviso e Eterno. Sua essência chama-

se a Alma das Almas. Eu mesmo sou este Ser, e de Mim emana a vida universal.

Karma, a lei de causalidade, é o princípio de minha emanação que faz com que os se-

res vivos nasçam se movam e ajam. (canto 8, verso 3). Alguns Me chamam de o prin-

cípio universal da vida. Mas esse princípio somente é minha vontade manifestada nas

leis naturais do universo. Como tal Eu venho a Ser e torno-Me manifestado. (canto 8,

verso 4). Minha manifestação produz a hierarquia do Cosmos. Então, Eu surjo como

um Ser imaterial e espiritual cuja atividade produz a geração de todos os seres e for-

mas. Assim eu faço o supremo que é meu aparecimento em corpo. Mas esse mistério

somente é acessível para aqueles que possuem a sabedoria superior. (canto 8, verso

4). Entretanto, saiba que vivendo em Mim e para Mim, se na hora da morte pensar em

Mim ao deixar o corpo material penetrará em minha essência. (canto 8, verso 5). Diri-

ja, pois, a Mim todos os seus pensamentos e luta. Se a tua mente e teu coração em

Mim fixares, certamente chegarás a Mim. (canto 8, verso 7). Portanto, quem abando-

nando todos os desejos deixar sua mente concentrada somente em Mim, praticando o

reto pensar e a reta ação, a Mim certamente virá. (canto 8, verso 8). Portanto, com a

mente elevada, cheia de fé e amor, pense em Mim, que sou o Absoluto e eterno Todo

Poderoso. Saiba que Eu sou simultaneamente infinitamente pequeno e infinitamente

grande, Sou o imaterial Senhor e sustentador de tudo. Aquele que com a visão imate-

rial percebe a majestade de minha face, que é eternamente velada ao olho material, vê

uma luz mais brilhante que o sol de meio dia. Esse ser participa da vida verdadeira e

na morte se torna imortal, porque tendo rompido com todos os vínculos sensoriais,

entrou em minha vida, minha paz e minha essência. (canto 8, versos 9 e 10). Em pou-

cas palavras te ensino o caminho da imortalidade, que te levará direto a Mim, o Espí-

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rito Eterno. Esse é o caminho escolhido por todos aqueles que se dedicam à vida san-

ta de estudo das verdades divinas e da meditação. Feche bem as portas dos sentidos

corporais, Domine o teu coração, concentre tua mente sobre teu Eu interior e repita

meu nome (OM) no silêncio de teu coração, a cada inalação e exalação (canto 8, ver-

sos 11 e 12). Aquele que pensa em Mim incessantemente e fixamente, nunca se ape-

gando a seus pensamentos ou a qualquer outro objeto, com facilidade Me achará.

(canto 8, verso 14). Saiba que no início de cada nova era emergem de Mim todas as

coisas. Da invisibilidade o imaterial torna-se visível, dando sentido à materialidade.

No fim de cada era tudo se dissolve em minha essência e Comigo se identifica. (canto

8, verso 18). Pois acima e por detrás da natureza invisível e visível existe minha cha-

ma imortal e eterna, Eu que sou o Absoluto. (canto 8, verso 20). Entretanto, saiba que

conhecerão a Mim todos aqueles que desencarnam quando neles arde à chama do

amor divino, pois assim unidos ao espírito supremo, comigo se unirão. Porém aqueles

que partem no meio da fumaça dos erros voltam à esfera da mortalidade, renascendo

e renascendo, até o momento do despertar para a verdade e a sabedoria. (canto 8, ver-

sos 24 e 25). Estes são os dois caminhos eternos do mundo. Um é iluminado e nos le-

va à Luz. Outro é escuro e nos ata à vida no reino da ilusão. Pelo primeiro chega-se à

esfera consciencial de onde não se volta mais, pelo segundo vai-se até certa altura e

depois se volta para trás. (canto 8, verso 26). O sábio que se dedica todo a Mim sabe

tudo isto e não tem medo. “Aperfeiçoa-te então para adquirir o saber perfeito que te

levará a iluminação.” (canto 8, verso 27)

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CANTO 9 – O CAMINHO PARA A SABEDORIA E O SOBERANO O

MISTÉRIO

Neste canto, Shri Krishna revela o mistério da sua presença na natureza, como a es-

sência que ordena todas as coisas e dá vida a todos os seres.

“Todo esse Universo, tanto em suas partes, como em seu todo é uma emanação minha

e Eu o penetro com minha natureza invisível, Eu que sou o não - manifesto. Entretan-

to, não pense que todas as coisas seja Eu mesmo. Eu sou o sustentador de tudo e a tu-

do penetro, mas não sou limitado ou contido por nada. Todas as coisas de Mim pro-

vêm, mas Eu não tenho origem nelas. Em mim estão todas as coisas, mas Eu Não sou

circunscrito por elas. (canto 9, versos 4 e 5). Por meio de Minha natureza emano a hi-

erarquia de seres e coisas que constituem o Universo, dando-lhes nova existência.

Minha vontade os vivifica, pois a natureza por si é impotente para fazê-lo. Assim, o-

bedecendo minha vontade a natureza cria e destrói produzindo os seres animados e

inanimados. É assim que o Universo se move, se transforma. (canto 9, versos 8 e 10).

Os que carecem da verdadeira luz não Me reconhecem quando apareço em forma

humana. Não tendo a compreensão espiritual correta e a sensibilidade, não podem

sentir a presença Divina quando manifestada como homem entre os homens. (canto 9,

verso 11). Mas aqueles que já despertaram e desenvolveram o conhecimento superior

reconhecem em Mim a Divindade Suprema. Assim sendo eles Me adoram com ânimo

sincero, vontade firme, fé inabalável e coração puro, sabendo que Eu sou o caminho e

a Verdade que a Mim os conduzirá. (canto 9, versos 13 e 14). Eu sou o Pai e a Mãe

do Universo, a origem e o sustentador de tudo. O princípio e o fim, a criação e a des-

truição, o espaço e o tempo, o semeador, a semente e os frutos. Eu sou o oficiante do

ritual, o ritual e o Ser venerado pelo ritual. Sou a prece e a invocação, a origem da vi-

bração do calor e da luz do Sol, Eu mando e retenho a chuva, Sou a morte e a imorta-

lidade, não obstante sou Um e sempre o mesmo. (canto 9, versos 16, 17, 18 e 19).

Mas, quem a Mim verdadeiramente adora e em Mim procura refúgio, Eu sou a Feli-

cidade Suprema e a bem-aventurança eterna. (canto 9, verso 22). Saiba que cada um

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chega ao objeto de sua devoção. Os que adoram os antepassados com eles se unirão,

os que adoram os seres inferiores à suas esferas conscienciais irão, mas quem adora a

Mim, vivenciará a felicidade eterna. Saiba que Eu recebo todas as oferendas que a

Mim sejam feitas com amor. Seja uma folha, uma fruta ou uma gota de orvalho, Eu

não olho o valor da oferenda, mas somente o coração de quem a faz. Por isso qual-

quer coisa que faças pense sempre em Mim e o faça por Mim. Oferecendo a Mim to-

das as suas ações estarás acima dos resultados do carma (canto 9, versos 25, 26, 27 e

28).

“Pois quem a Mim se dirige, acha em Mim o refúgio e anda pelo soberano caminho

da Luz”.

“Se um „pecador‟ a Mim se dirige dedicando o amor de sua alma, ele é digno de lou-

vor, porque procura a verdade.” (canto 9, versos 30 e 32)

“Então, conheça-Me, adore-Me, fixe tua mente em Mim e une tua vontade com a Mi-

nha. Então, fruto dessa união tu encontrarás a iluminação e a mais perfeita felicida-

de.” (canto 9, verso 34)

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CANTO 10 – AS MANIFESTAÇÕES DIVINAS

Neste canto de intensa devoção, Shri Krishna se apresenta como a Divindade mani-

festada no Universo objetivo em seus dois aspectos; o primeiro como a consciência dinâmi-

ca em cada ser vivo e o segundo como a consciência estática, não-manifestada, que por

detrás da manifestação suporta os universos em suas inúmeras formas de existência.

Brahman, o Absoluto:

“Ouça, ó meu herói! A doutrina mais importante que te quero expor, porque minha

palavra te alegre e porque quero teu bem. Nenhum ser conhece minha origem, nem os

anjos, nem os deuses, nem os grandes espíritos (bodhisattvas), nem os sábios. Não

Me conhecem porque Eu sou a origem de todos eles. Quem tem a vidência Me reco-

nhece como o Ser infinito e eterno, pois Eu sou o Senhor Supremo de todos os Uni-

versos. Mas, somente quem tem essa percepção da verdade é livre dos erros. Saiba

que embora todas as características e qualidades humanas são emanadas e inspiradas

por Mim [compreensão, inteligência, sabedoria, paciência, clemência, tranqüilidade,

prazer e dor, coragem e medo, inocência, equanimidade, abstinência, contentamento,

afabilidade, caridade, severidade, modéstia], Eu não sou afetado por elas.” (canto 10,

versos 2, 3, 4, 5)

Brahman, a essência:

“Quem verdadeiramente conhece Meu poder e Minha glória, é dotado de fé e devo-

ção infalíveis. (canto 10, verso 7), Eu sou a fonte de todos os universos, sejam mate-

riais ou imateriais. O Todo emana de Mim. Quem compreende essa Verdade ocupa-se

em Me servir com amor e devoção. (canto 10, verso 8). Aqueles que Me conhecem,

pensam em Mim continuamente e fazem suas vidas confluir em minha direção. As-

sim eles são felizes e Eu os inspiro para que eles se ajudem uns aos outros. Através da

Minha Luz suas mentes se purificam e eles vêm a Mim (canto 10, verso 9). Portanto,

a todos que Me oferecem o coração Eu sou o saber, a intuição e o discernimento para

chegarem até Mim. (canto 10, verso 10). Residindo no centro de seus corações, faço-

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os sentir a Minha presença misericordiosa e meu amor. Assim, minha Luz afasta as

trevas da ignorância que os impede de estarem em Mim.” (canto 10, verso 11)

O Verbo divino:

“Ouça, descrever-te-ei as minhas características principais, mas somente uma peque-

na parte delas, pois Meu Ser é infinito e infinita é minha opulência. Eu sou o Ser pre-

sente na consciência de todas as criaturas, como o Eu Real de cada um. Assim, sou o

princípio, meio e fim de tudo (canto 10, versos 19 e 20). Entre os sábios sou a sabe-

doria, entre as palavras e nomes sou a sílaba OM, entre os sacrifícios sou a elevação

do espírito e entre as montanhas sou o Himalaia. (canto 10, verso 25). Em resumo,

meu príncipe, Eu sou a semente da vida em todas as criaturas. Não há ser algum, a-

nimado ou inanimado que possa existir sem Minha presença.” (canto 10, verso 39)

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CANTO 11 – A VISÃO DA FORMA UNIVERSAL

Neste canto, Senhor Krishna se apresenta como a realidade, a verdade e a essência

imutável no coração do Universo mutável. Esse aspecto Divino é de difícil visualização

pela mente humana, mas possível para aqueles que receberam a graça Divina.

“Teus ensinamentos, ó Senhor, destruíram minha ilusão e minha ignorância. Vós me

revelastes os mistérios do espírito e a grande verdade a respeito da criação e dissolu-

ção de todas as coisas. Agora conheço Tua grandeza infinita, perfeição e universal

imanência. (canto 11, verso 1 e 2). Tu és em verdade o Senhor do Universo, como me

expusestes e me convenceste. Mas, se é possível, mostra-me a Tua majestosa forma.

Se julgardes que sou capaz de vê-la, faz-me ver Tua Real Face e Forma! “(canto 11,

verso 3 e 4)

Então, A Divindade Suprema respondeu:

“Veja, pois, ó filho da terra e contempla-Me, que sou um só, em inúmeras e variadas

formas. Imerge o teu olhar no reino dos deuses, anjos e arcanjos, espíritos planetários

e muitos outros seres misteriosos que estão além da compreensão humana. (canto 11,

versos 5 e 6). Veja e observe o Universo com todos os seres e coisas resumidos em

meu corpo. Nele encontrarás tudo o que desejas ver. Mas, não será com teus olhos

materiais que podereis Me contemplar. Então te abro a visão espiritual. Olha, pois e

veja agora a minha Natureza Mística.” (canto 11, versos 7 e 8)

Tendo o Senhor dos Mundos assim dito, revelou-se ao filho da terra em seu aspecto

de Senhor Absoluto, a consciência do cosmos. Neste aspecto Arjuna viu muitos seres em

um só Ser. Inúmeras formas, faces, olhos e bocas. Variadas aparências e formas de consci-

ência com todo o esplendor dos adornos celestes e com todo o poder divino que irradia luz

e encantamento (canto 11, versos 9 e 10). Luminoso, radiante, maravilhoso, cheio de graça

era seu semblante. Se mil sóis ao mesmo tempo brilhassem no firmamento, toda essa lumi-

nosidade seria empalidecida na presença gloriosa da Luz Divina.

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Assim, Arjuna viu o Universo e os Deuses revelados no corpo do Absoluto, que de

fato é a hierarquia cósmica (canto 11, versos 11,12 e 13). Arrebatado e com os cabelos eri-

çados, ele mirou e admirou a Visão Maravilhosa e, inclinando sua cabeça com reverência e

admiração, disse (canto 11, verso 14): em teu corpo vejo todos os Deuses e Deusas. Inúme-

ros são teus braços e olhos. Vejo que em Teu Ser infinito não há princípio, meio e fim al-

gum. Sobre Tua cabeça trazes a coroa e em Tua mão o cetro. Teu Ser irradia Luz Infinita.

Com Tua Luz enche os espaços, Teu amor aquece os mundos todos. Com hinos te celebram

todos os seres anjos, arcanjos, querubins e serafins. Reunindo-se em falanges numerosas,

eles admiram ó Senhor Tua forma (canto 11, versos, 15, 16, 17, 22, e 23). Porém, vendo a

estupenda face Tua, os seres se apavoram ao ver-Te em milhares de cores resplandecentes,

destruindo, dissolvendo e reconstruindo seres e mundos. Tal como uma imensa boca expe-

lindo fogo e luz, Tu a tudo engole e regurgita (canto 11, verso 24 e 25). Ó Senhor do uni-

verso, Pai e Mãe de tudo! Ó fonte do saber, Supremo mestre! Humildemente me prostro aos

Teus pés, implorando ó meu senhor Tua clemência. Seja afável como o pai é ao filho, um

amante ao outro. Contemplando as Tuas grandes maravilhas me extasio e sinto invadir-me

o temor. Assim, desejo de outra forma contemplar-Te. Desejo ver-Te como antes te vi, na

forma humana (canto 11, verso 44, 45, e 2). Pronunciadas estas palavras apareceu o Senhor

a Arjuna em sua forma usual, como Krishna. “A visão que de Mim tivestes, não se chega

pela leitura de livros, nem por martírios, distribuição de esmolas ou sacrifícios. Só por de-

voção e amor pode-se chegar ao conhecimento de Meu Ser, conhecer e penetrar em minha

essência. Quem tudo faz em meu nome e me conhece como objetivo de sua vida e de seus

esforços, quem Me adora, livre de apegos e sem odiar a ninguém, esse a Mim chegará, com

certeza absoluta (canto 11, verso 52, 53 e 54).

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CANTO 12 – O CAMINHO DO AMOR DIVINO

Neste canto o Senhor Krishna apresenta o terceiro caminho espiritual para liberação

do ser humano do julgo da ilusão;

Bhakti, a via da devoção.

“Considero meus melhores devotos aqueles que buscam a comunhão eterna Comigo,

e que com a mente fixa em Mim, meditam com o maior fervor (canto 12, verso 2).

Aqueles que Me adoram como o Ser Absoluto, Eterno, Infinito, Imanifesto, Onipre-

sente, Onipotente, Onisciente, Imaterial e Inefável, o Um e o Todo. E, dominando

seus sentidos conservam sempre o ânimo igual, respeitando todos os seres e se rego-

zijando com o que é bom e belo, onde quer que esteja, esses também chegarão a

Mim.” (canto 12, versos 3 e 4)

“Aqueles que Me reconhecem como o Ser Absoluto e Imanifesto, estão bem mais

próximos de Mim que aqueles que me adoram como o Deus manifestado e possuidor

de forma. (canto 12, verso 5). Aqueles que em Mim renunciam os frutos de suas a-

ções e meditam em Mim como seu ideal mais elevado, considerando tal meditação

como um fim e não um meio, esses têm a mente fixa em Mim e, Eu estou com eles e

eles Comigo. (canto 12, verso 6). Descansa, pois tua mente em Mim e satura toda tua

mente de Meu Ser. Assim fazendo, ao deixar este corpo morarás eternamente em

Mim. (canto 12, verso 8). Em verdade Te digo que amo aqueles que são sempre cons-

tantes, afáveis, piedosos, mansos de coração, firmes de vontade e não têm cuidados

mundanos, não temem o mundo, não são tímidos e são livres de cólera, turbulência,

impaciência e medo, não se entregando nem à tristeza nem a alegria excessiva. Amo

aqueles que não têm preconceitos; são justos, imparciais, inconfidentes, livres de toda

a ânsia e nunca se desesperam não se apaixonando nem odiando a nenhum ser vivo,

não invejando e não se apegando às ações. Amo aquele que considera tanto o amigo

como o inimigo, os honrados como os desprezados”. (canto 12, versos 14, 15, 16, 17,

18)

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CANTO 13 – O CAMINHO DA DISCRIMINAÇÃO ENTRE MATÉRIA

E ESPÍRITO

Neste canto Krishna expõe a relação entre o ilusório e o real, o transitório e o eter-

no, o Ser Real e a estrutura de manifestação ilusória.

“Aquilo que tu chamas corpo e que serve de veículo para tua personalidade e teu ego,

alguns mestres denominam “campo”. E, quem conhece a natureza desse campo é de-

nominado o “conhecedor do campo”. Arjuna olhou para seu mestre, Krishna e disse:

“Dê-me, mestre, esclarecimento sobre a natureza material e imaterial e também sobre

a natureza do conhecimento e do que é conhecido” (canto 13, verso 2).

“Saiba que Eu sou o conhecedor do campo. O discernimento entre o campo (não-Eu)

e o conhecedor do campo (Eu) é a verdadeira sabedoria”. (canto 13, verso 3).”

“Com o nome de campo ou natureza material, designam-se: os elementos materiais, a

personalidade, o ego, o intelecto, a força vital, os sentidos e a mente, bem como suas

percepções e emoções, como odor, som e visão, etc., bem como o amor, o ódio, o

prazer e a dor, etc.”

“Essas são qualidades do campo e da natureza material. Ouça agora o que vem de

Mim e por Mim é inspirado para teu encantamento e auto-realização: modéstia, since-

ridade, inocência, paciência, retidão, constância e autocontrole sobre os instintos e

condicionamentos. A sabedoria também consiste tanto na ausência de sensualidade,

orgulho e vaidade, como o conhecimento dos processos de nascimento, doença, ve-

lhice e morte (canto 13, verso 6, 7, 8, 9).”

“Sob Minha inspiração tu aprendes-te a verdadeira tranqüilidade e o correto processo

de ligação Comigo, que te leva ao isolamento do mundo profano e à abstinência das

coisas mundanas. (canto 13, verso 11). Agora te falarei sobre o processo de conheci-

mento. Somente o amor a Mim, o Ser Divino, leva ao verdadeiro conhecimento e à

verdade suprema. Isto é jñana, o conhecimento. O contrário é ajñana, a ignorância.

Assim, o verdadeiro objeto do conhecimento é o Absoluto (Parabrahman) o Ser Su-

premo, aquele que não tem princípio e não tem fim. Sou o Ser infinito que está acima

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do espaço e do tempo (canto 13, versos 12, 13). O Ser Real que é imanente no Cos-

mos e por isso está dentro, e ao mesmo tempo fora de todos os seres e coisas. Tu és

parte da minha manifestação, mas Eu sou o verdadeiro ser que vivifica o processo da

vida e anima o campo em sua manifestação, como ser-indivíduo vivente. Ouça minha

inspiração, busca a Mim e terás a luz, pois vendo a Alma Universal em tudo, farás

parte Dela, pois quem vê o imperecível no coração do perecível, esse em verdade vê.”

(canto 13, versos 24, 28, 29)

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CANTO 14 – O CONHECIMENTO DAS TRÊS QUALIDADES DA

MENTE

Este canto é consagrado à explicação sobre as qualidades ou gunas, bem como sua

ação sobre a conduta humana. Uma forma metafórica de entender a natureza da mente e sua

influência sobre o ser humano.

“Agora passo a te ensinar a verdadeira sabedoria suprema, a verdade que os sábios e

os santos possuíram para chegar às alturas da perfeição”.

“Assim, tendo compreendido a verdade os seres entram em meu Ser para nunca mais

renascer, nem mesmo quando um novo universo for manifestado. Esse universo de

matéria é minha matriz em que ponho a semente de que provêm todos os seres.”

“Qualquer que seja a matriz, esse Universo é sua matriz e Eu o Pai inoculador (canto

14, versos 1, 2, 3, 4). A matéria tem três qualidades ou gunas, os princípios denomi-

nados Sattva ou Harmonia, Rajas ou movimento e Tamas ou inércia. Sattva vincula

o ser manifestado ao amor, ao conhecimento e a harmonia. Quem está sob seu domí-

nio nasce pelos vínculos que o prendem ao saber e a beleza.”

“Rajas, a emoção é a natureza passional e o desejo que vincula o ser manifestado a

ocupar-se das ações e dos objetos, fazendo-o nascer pelo apego ao agir. Tamas a inér-

cia vincula o ser à apatia, à preguiça e à negligência (canto 14, versos 5, 6, 7, 8). Satt-

va prende à felicidade, Rajas à emoção e Tamas à indolência. Ao ver a sabedoria ma-

nifestada em alguém saiba que é Sattva que predomina. Avidez, obstinação, atividade

e desejo são as características da predominância de Rajas.”

“Estupidez, preguiça, vaidade, e falta de discernimento são as características da do-

minância de Tamas. (canto 14, versos 9, 11, 12, 13). O fruto de uma boa ação é puro

e harmônico, o fruto da emoção é a dor, e da inércia é a ignorância. Quando fores ca-

paz de perceber que as qualidades são o único agente, e reconhecer que Aquele que se

sobrepõe às qualidades é o Ser Real, então serás capaz de participar de minha essên-

cia e ser Um comigo. Portanto, quando a alma manifestada ultrapassar as três quali-

dades que se manifestam com a formação de um corpo, e quando se tornar consciente

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do que existe além delas, então se libertará dos vínculos das qualidades e dos víncu-

los com o nascimento e dos sofrimentos da vida.” (canto 14, versos 16, 19)

Pergunta Arjuna: E, como podemos reconhecer quem alcançou essa vitória?

“Alcançou a vitória e caminha para o despertar da Consciência Cósmica aquele que

sentindo o efeito das qualidades da matéria (instintos), não se repugna pelos frutos

advindos da ilusão e nem se lamenta pelos bons frutos não vivenciados. Assim, como

um neutro espectador não se comove pelas qualidades e imperturbável se retrai delas

com o pensamento; “as gunas fazem seu papel”. (canto 14, versos 22, 23,). Assim,

consagra-te exclusivamente a Mim pelo caminho da devoção. Logo, superando as

qualidades chegarás a Mim e a união comigo, pois Eu sou a causa principal de se tor-

nar alguém eterno, imortal e imperecível. Essas são as características de alguém que

se dedica a Mim com sincera e pura devoção.” (canto 14, versos 26, 27)

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CANTO 15 – O CONHECIMENTO DO ESPÍRITO SUPREMO

Neste canto Shri Krishna expõe o reconhecimento da Divindade em si mesmo.

Os Vedas descrevem o mundo físico ou manifestação ilusória, como uma grande ár-

vore, cujas raízes estão voltadas para cima e os galhos para baixo. Sua copa invertida cor-

responde ao descenso da manifestação divina e suas folhas, brotos e ramos, correspondem

aos hinos védicos que cantam o processo cosmogonico. Seus galhos vergam até a terra; sua

seiva representa as gunas, ou qualidades -, e seus rebentos equivalem aos objetos dos senti-

dos. Suas radículas pendentes até o solo significam as ações engendradas no mundo dos

homens, que os atam com laços cada vez mais apertados (canto 15, versos 1 e 2). Embora

não seja possível - para nós humanos -, conhecer a natureza, o fim e o sustentáculo dessa

ilusão, é possível erradicá-la com o potente machado do discernimento. Então será possível

buscar o ponto de estabilidade de onde não mais voltam os seres que o atingiram (canto 15,

versos 3 e 4). O caminho para essa meta é a libertação da ilusão, do egoísmo e dos apegos.

Então, ao abandonarmos os objetos sensórios desaparecem também os pares de opostos

conhecidos como prazer e dor.

“Fixe teu olhar espiritual na tua própria essência. Nela brilha a luz infinita que de

Mim emana, pois um fragmento de Mim Mesmo se constitui no espírito imortal que,

do reservatório da natureza, tira para si o germe da individualização, construindo para

si a mente e os canais sensoriais. Assim, durante o processo cósmico ao abandonar o

corpo, Eu levo comigo esses princípios da materialidade, tal como o vento faz com o

perfume das flores. Os tolos não Me vêem quando deixam o corpo, nem quando neles

estão, nem sabem como Meu germe divino se une as três qualidades da matéria (gu-

nas) (canto 15, versos 6, 7, 8 e 10). Saiba que a luz do sol e da lua, bem como a cha-

ma que a tudo abrasa, provém de Mim. Assim, Eu penetro a terra e sustento todas às

coisas com minha vibração de vida. Sou a seiva das plantas e dos vegetais. Tal como

a força vital que é o fogo da vida, Eu penetro no corpo que respira, e unindo a inala-

ção com a exalação dirijo todos os processos vitais. Residindo no coração e na mente

dos homens, de Mim provém à memória o entendimento e a privação de ambos. As-

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sim, Eu Sou o que se há de conhecer nas escrituras sagradas, pois Eu Sou o conhece-

dor das escrituras e o autor do Vedanta.”

“Há no mundo dois aspectos; o Uno e os muitos, a unidade e a pluralidade. A alma

das almas e as almas múltiplas que são os germes da individualização. Mas, Eu sou

superior a tudo, embora essa dualidade forme a Unidade sagrada e universal. Eu, o

Espírito Absoluto sou imanente na Alma Una e nas almas múltiplas, por isso Sou

também denominado o Altíssimo. Quem assim Me conhece, conhece a Verdade e a

tudo que existe.” (canto 15, versos 12, 13, 14, 15, 16, 17 e 18)

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CANTO 16 – O CONHECIMENTO DOS ATRIBUTOS DIVINOS E

DEMONÍACOS

Este canto mostra o homem de bem e o devoto do mal, bem como as raízes que os

conduzem, o primeiro à iluminação e o segundo ao renascimento.

“Vou te dar agora os sinais que são característicos dos homens que andam pelo cami-

nho da Luz, e que são relacionados com a sabedoria daquele que age com intrepidez,

pureza, perseverança e discernimento entre o verdadeiro e o falso. Esse homem que já

está na senda da iluminação é manso, equânime, e tem compaixão e boa vontade para

com todas as criaturas. Nele não há desejos ou outros condicionamentos da mente

instintiva, o que o diferencia daqueles em que a hipocrisia, o orgulho, a arrogância, a

presunção, a cólera, a rudeza, e a ignorância predominam. Saiba, ó príncipe, que o

bom caráter liberta da mortalidade e nos conduz a imortalidade no seio da Divindade

Suprema.” (canto 16, versos 1, 2, 3, 4 e 5)

“Os seres que não estão trilhando o caminho da Luz caracterizam-se por não pratica-

rem a reta ação, e não terem controle suficiente de si mesmos para se absterem de

praticar más ações. Nesses seres não existe a pureza, a veracidade, tampouco o dis-

cernimento entre o certo e o errado. Eles afirmam que no mundo não há verdade nem

justiça, negam a existência do Ser Divino e, como materialistas que são, afirmam que

o mundo é produto do acaso. Assim, entregam-se ao usufruto do prazer e egoistica-

mente não impõem restrições a suas ambições, entregando-se a volúpia, a ira e a ava-

reza, procurando acumular riquezas por meios ilegais, para satisfazerem seus desejos

materiais. (canto 16, versos 10, 11, 12). Alguns deles, por hipocrisia desejam aparen-

tar benevolência perante o mundo, e para tanto distribuem esmolas, praticam atos pi-

edosos e ritos da religião, atentando somente para a letra das escrituras e repelindo o

verdadeiro espírito da religião que é baseado em tudo que manifesta o verdadeiro a-

mor.” (canto 16, versos 17 e 18)

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“Portanto, faça das escrituras tua referência de vida para saberes como deves agir de

forma a trilhar o glorioso caminho que te leva em direção a Divindade Suprema.”

(canto 16, verso 24)

CANTO 17 – AS TRÊS FACES DA FÉ

Neste penúltimo capítulo é exposta a relação entre as qualidades da mente e a per-

sonalidade manifestada.

Pergunta Arjuna:

“Diz-me, ó Krishna, qual o estado do homem que mesmo tendo fé não segue as escri-

turas sagradas?”

“A fé dos homens pode ser de três tipos, ó príncipe; pura, passional ou tenebrosa, pois

cada tipo de fé reflete o caráter do homem. Onde predomina a pureza (sattva), existe a

veneração dos seres espirituais puros, que os homens denominam deuses e santos.

Mas, as pessoas mais adiantadas veneram a Mim, que sou a Divindade Suprema e o

Ser Real. Eu que não tenho forma e outro nome além da sílaba OM. Naqueles que

predominam a atividade (rajas), a veneração é dirigida aos seres poderosos da nature-

za e aos heróis da mitologia. Nos homens em que predomina a influência da materia-

lidade (tamas) o culto é sempre dirigido aos espíritos inferiores, seres demoníacos e

espectrais do umbral (canto 17, versos 3, 4 e 5). Lembra-te que as escrituras sagradas

não recomendam sacrifícios e mortificações do corpo. Esta atitude reflete a hipocrisia

e a ignorância daqueles que desejam recompensas dos seres cultuados. Quem ator-

menta a vida do corpo, a Mim atormenta. (canto 17, versos 5 e 6). Por isso, melhor é

cuidar de teu corpo e de tua saúde, pois o corpo é o veículo de tua manifestação no

mundo fenomênico da materialidade. Para isso alimenta-te pela ingestão de substân-

cias que te trazem vitalidade, vigor e saúde, preservando-te da doença. Os homens

sáttvicos preferem os alimentos que não são demasiados amargos, salgados ou muito

condimentados. Já os homens rajásicos dão preferência aos alimentos que estimulam

o apetite por serem condimentados, embora possam causar todo o tipo de enfermida-

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des. Pior ainda são aqueles que têm natureza tamásica, por isso ingerem alimentos pu-

trefatos e corrompidos devido às preparações não saudáveis que visam somente o pa-

ladar (canto 17, versos 8, 9 e 10). Quanto à forma de adoração, saiba que o devoto

sáttvico no qual predomina a pureza, efetua seus ritos pelo dever, conforme as escri-

turas e sem nenhum desejo de recompensa. Já os homens rajásicos sempre esperam

uma recompensa pela oferenda do culto, seja por vaidade, ostentação ou motivação

pessoal. Pior ainda são os homens de natureza tamásica, que fazem suas oferendas

sem fé ou devoção, simplesmente para cumprirem o costume. (canto 17, versos 11, 12

e 13). Mesmo a caridade, ó príncipe, pode ser de três tipos: Ela é sáttvica quando ofe-

recida a alguém que necessita, somente por sentimento do dever. Este tipo de devoto

não espera nenhuma retribuição pelo seu ato, tampouco sente prazer em fazê-lo. Ele

faz por dever, sabendo ser necessário fazer. Por outro lado, aquele que dá esmolas por

esperança de recompensa futura, seja de Deus ou de quem recebe, é um hipócrita de

temperamento rajásico. O mesmo tipo de pessoa muitas vezes dá esmolas por sentir

prazer e felicidade no ato de doar. Embora o sentimento de prazer possa ser vivencia-

do, ele não deve ser o objetivo da doação ou caridade. Mas, pior ainda são aqueles

que somente dão esmolas pela repugnância que sentem pela pessoa favorecida ou por

desprezo ou ainda por vaidade pessoal e ostentação. Eles estão somente mostrando

sua natureza tamásica. (canto 17, versos 20, 21 e 22). Meu Nome também tem uma

natureza tríplice; OM Tat Sat (Eu sou a Verdade). Por isso aqueles que Me conhecem

pronunciam sempre a palavra OM antes de qualquer ato religioso e qualquer doação.

Assim, estão despertando em suas consciências Minha presença e fazendo a ação em

Meu Nome. A palavra Tat indica que estou presente em todos os seres, e pronuncian-

do esta palavra nos ritos e nos atos de caridade estão invocando a unicidade. “Sat sig-

nifica verdade, assim, quem pratica uma ação invocando o amor, pela pronuncia Sat,

está dando qualidade e pureza à ação.”

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CANTO 18 – O CAMINHO DO DESPERTAR ESPIRITUAL

Neste último canto Shri Krishna enfatiza o controle sobre as qualidades como meio

de libertação. A explanação do mestre alcança a luz e o esplendor que só o espírito de um

Avatar pode articular.

Pergunta Arjuna:

“Mestre, ensine-me o que é verdadeiramente a abstenção e o que é renúncia!”

Então, olhando seu devoto e reconhecendo sua ânsia em ter a compreensão para vi-

ver a verdade, Krishna pronuncia suas últimas palavras e ensinamentos.

“A cessação dos atos oriundos dos desejos é denominada abstenção e a ação desinte-

ressada que é executada sem apego aos seus possíveis frutos é denominada renúncia.

Não se deve cultuar a inação, mas sempre cultuar a ação pura, isenta de desejos e de

expectativa de recompensa.” (canto 18, versos 1 e 2)

“Assim, se um homem faz uma ação, sem apego, porque entende que a ação se faz

necessária, essa renúncia é de natureza sáttvica. Logo, quem age sem repugnância e

faz aquilo que não lhe traz nenhum proveito, agindo sem nenhum desejo, é alguém

que pode ser considerado um renunciante. As ações são inspiradas por fatores da na-

tureza humana, independentemente de serem ações puras ou impuras. Por isso ofus-

cada está a mente de quem crê que o Ser Real (o Eu) é o agente das ações. Pura é a

mente de quem conhece a diferença entre ação correta e incorreta, entre o receio e a

ousadia, a liberdade e a servidão. Passional é a mente de quem desconhece a diferen-

ça entre a justiça e a injustiça, o bem e o mal. Tenebrosa é a mente de quem faz o mal

dizendo ser o bem, troca a injustiça pela justiça (canto 18, versos 21, 22, 23 e 24).

Puro é o prazer oriundo do autoconhecimento. No início repugna, por parecer contrá-

rio à natureza humana, mas no fim deleita, por se mostrar a chave do despertar para a

Luz. Passional é o prazer nascido da união entre os sentidos e os objetos sensórios.

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No princípio deleita, mas no fim repugna, por se mostrar ser o grilhão da escravidão

do carma. Tenebroso ainda é o prazer que tanto no início como no fim perturba o â-

nimo, por ter sua origem na morbidez, na negligência e na preguiça (canto 18, versos

30, 31 e 32). Entende então que ninguém na Terra está livre da ação das três qualida-

des! Por isso, saiba que ninguém alcança a perfeição sem cumprir contente seu pró-

prio dever.” (canto 18, verso 40)

“Finalmente, banindo de sua natureza as tendências inferiores da mente, alcançarás a

paz que te levará ao Divino. Une-se, portanto a Mim e terás a Paz e a serenidade. As-

sim, nada te entristecerá nem nada te faltará; Ame por igual a todos os seres com a-

mor intenso, e assim saberá claramente quem Sou e o que Sou, pois esse mesmo amor

fará aflorar em ti a Minha presença. Por isso faça todas as suas ações refugiando-se

em Mim, e não somente o dever que te for dado. Assim, por minha graça alcançarás a

perfeição eterna e imutável. Por isso dedica todos os teus pensamentos a Mim e fazes

tudo por Mim. Assim sendo, estará sempre em Mim e por minha graça vencerás todos

os obstáculos. Pois se confiares apenas em ti e decidir não lutar, evitando o justo

combate, vã será tua determinação, pois tua natureza espiritual – inspirada pela minha

presença -, te levará ao combate. Por isso, ó príncipe! Quem não desejar agir movido

pela ilusão, agirá irremediavelmente, forçado pelos impulsos da Luz do dharma que

modela a conduta do verdadeiro devoto. Portanto, segue de coração Meu conselho e,

por minha graça alcançarás a paz suprema que é a fortaleza indestrutível do ser.”

“Assim, Eu te transmiti o conhecimento, que é o mistério dos mistérios. Medita cui-

dadosamente em minhas palavras e haja conforme tua vontade. Mas, agora a ti dou

meu último conselho referente ao mistério maior. Por seres meu amado, só te digo o

que te convém. Então, fixa tua mente em Mim; seja Meu devoto; serve-Me; prostra-te

diante de Mim; e desse modo a Mim chegarás. Esta é a verdade, eu te afirmo, pois tu

és meu muito amado filho. Desiste de todas as obrigações religiosas e toma-Me como

teu único refúgio; Assim, Te libertarei de todas as dificuldades. Por isso não te aflijas.

Entretanto, saiba que esse meu ensinamento não deve ser transmitido ao mundano,

tampouco ao ímpio, nem a quem não quer ouvir ou Me maldiz. Mas, bendito todo a-

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quele que o divulgar esse Meu segredo entre os meus devotos – aquelas pessoas de

coração puro que desejam somente a Mim -, pois esse chegará até Mim sem nenhuma

dúvida. Portanto, ao meditares nesse nosso Santo Colóquio, será levado pelo amor e o

saber até Mim, adorando-Me pela compreensão da verdade. Tal é minha vontade. E

saiba também que os homens que cheios de fé escutarem esses ensinamentos alcança-

rão, livre do mal, o resplandecente mundo dos justos. Assim, Me ouviste atentamente

ó príncipe! Vejo que se desvaneceu tua ilusão que era fruto da ignorância, ó herói.”

Arjuna diz:

Desvanecida está minha ilusão. Por Tua graça adquiri o conhecimento, ó meu amado

Senhor. Estou decidido a lutar, pois se dissiparam minhas dúvidas e agirei segundo

Tuas palavras.

Assim, Arjuna ouviu os magníficos ensinamentos de Krishna, e por mercê de Vyasa

conheceu os mistérios, revelados pela palavra da Divindade Suprema, o Senhor da Ioga.

Portanto, onde quer que esteja o Senhor Krishna e onde quer que esteja tu, ó busca-

dor da verdade, ali estará seguramente à grandeza, à prosperidade, a vitória, a felicidade e a

justiça eterna (canto 18, versos 56 - 78).