bergson intuição e metodo intuitivo - art

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151 ! RESUMO: Propomo-nos a mostrar que a intuição tal como aparece no pen- samento de Bergson é tanto uma faculdade de conhecimento que se opõe à inteligência quanto um método filosófico constituído por procedimentos ra- cionais, os quais a propiciam e enriquecem. Nesse sentido, ambos os aspec- tos da intuição estão intimamente ligados, sendo cada um imprescindível à compreensão do outro. ! PALAVRAS-CHAVE: Intuição; método; inteligência; instinto; conceito; ima- gem. Introdução Deleuze (1966) estabelece nos primeiros parágrafos de seu livro so- bre Bergson, Le bergsonisme, o pressuposto fundamental de sua exposi- ção, isto é, a tese de que a “intuição é o método do bergsonismo”. Mais ainda, Deleuze considera que este método “rigoroso”, que “tem suas regras estritas” tornando, assim, a filosofia uma “disciplina absoluta- mente precisa”, é um dos métodos “mais elaborados da filosofia”. Para Deleuze, este é um aspecto fundamental da obra de Bergson, pois é o “fio metódico da intuição“ que permite compreender a relação entre as BERGSON: INTUIÇÃO E MÉTODO INTUITIVO Jonas Gonçalves COELHO 1 1 Departamento de Ciências Humanas – Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação – Unesp – 17033-360 – Bauru – SP – Brasil. Trans/Form/Ação, São Paulo, 21/22: 151-164, 1998/1999

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    ! RESUMO: Propomo-nos a mostrar que a intuio tal como aparece no pen-samento de Bergson tanto uma faculdade de conhecimento que se ope inteligncia quanto um mtodo filosfico constitudo por procedimentos ra-cionais, os quais a propiciam e enriquecem. Nesse sentido, ambos os aspec-tos da intuio esto intimamente ligados, sendo cada um imprescindvel compreenso do outro.

    ! PALAVRAS-CHAVE: Intuio; mtodo; inteligncia; instinto; conceito; ima-gem.

    Introduo

    Deleuze (1966) estabelece nos primeiros pargrafos de seu livro so-bre Bergson, Le bergsonisme, o pressuposto fundamental de sua exposi-o, isto , a tese de que a intuio o mtodo do bergsonismo. Maisainda, Deleuze considera que este mtodo rigoroso, que tem suasregras estritas tornando, assim, a filosofia uma disciplina absoluta-mente precisa, um dos mtodos mais elaborados da filosofia. ParaDeleuze, este um aspecto fundamental da obra de Bergson, pois ofio metdico da intuio que permite compreender a relao entre as

    BERGSON: INTUIO E MTODO INTUITIVO

    Jonas Gonalves COELHO1

    1 Departamento de Cincias Humanas Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicao Unesp 17033-360 Bauru SP Brasil.

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    trs noes que marcam as grandes etapas da filosofia bergsoniana:durao, memria e lan vital. Deleuze no deixa dvidas sobre o senti-do de sua tese, ao estabelecer tambm aquilo que a intuio bergsonianano : no nem um sentimento, nem uma inspirao, nem uma sim-patia confusa. Desse modo, em sua interpretao do pensamento deBergson, Deleuze privilegia claramente o racional em detrimento doirracional, sugerindo a incompatibilidade entre esses dois aspectos.

    Ao colocar em primeiro plano a intuio em seu aspecto metdico eoferecer uma esclarecedora caracterizao do mtodo intuitivo bergsoniano,Deleuze parece ignorar ou, pelo menos, desconsiderar o fato de Bergson,com freqncia, referir-se intuio como uma faculdade e definir o co-nhecimento intuitivo como simpatia. Deleuze (1966, p.2) no explica porque Bergson d ao seu mtodo filosfico o nome de intuio e como possvel que a noo bergsoniana de durao, intuitiva por excelncia,tenha, segundo o prprio Bergson, precedido em muito a teoria da intui-o: poderia Bergson ter aplicado o mtodo intuitivo antes de estabelec-lo? Esse ltimo aspecto reconhecido pelo prprio Deleuze ao afirmar quebizarramente ... a durao permaneceria somente intuitiva, no sentidoordinrio da palavra, se no houvesse a intuio como mtodo, no sentidopropriamente bergsoniano. Deleuze refere-se novamente aqui a dois sen-tidos para a intuio, o ordinrio o do senso comum e o propriamen-te bergsoniano o metdico , privilegiando o segundo, ou seja, dando,tambm novamente, a entender agora menos claramente que a intui-o em seu primeiro sentido, ou seja, como sentimento, inspirao esimpatia, no admitida por Bergson.

    Entendemos que h boas razes para discordar dessa segunda afir-mao e postular que a intuio em Bergson no apenas um mtodoracional e preciso da filosofia mas tambm uma faculdade irracional deconhecimento. Parece-nos que esses dois aspectos no so excludentes,mais ainda, que o primeiro incompreensvel sem o segundo. Nessesentido, as regras metdicas bergsonianas, as quais so na verdade umconjunto de procedimentos intelectuais, tm a funo ou de propiciar aintuio para si e para os outros ou de legitim-la, j que a intuio nodepende do mtodo, ou seja, ela pode ocorrer espontaneamente. Preten-demos, assim, mostrar que o mtodo intuitivo de Bergson consiste noexerccio exaustivo da inteligncia a qual, voltando-se contra si prpria,deixa de ser um impedimento intuio, propiciando a distrao ne-cessria ao seu surgimento.

    Procuraremos justificar essa interpretao, apontando, inicialmente,que h diversas referncias de Bergson intuio, em vrios perodos de

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    sua obra, nas quais se v claramente que o filsofo no est referindo-seao mtodo intuitivo mas sim a uma faculdade ou a um modo de conheci-mento que se ope inteligncia. A seguir, veremos como justamenteessa oposio que explica a intuio como um mtodo, na verdade, ummtodo racional.

    Intuio ou inteligncia

    So inmeras as vezes em que Bergson se refere intuio tantocomo uma faculdade quanto como um modo de conhecimento distintodo intelectual, em que no caberia a interpretao metodolgica.

    Em um texto de 1922, Dure et simultanit, o qual foi includo pos-teriormente em Mlanges2 (1972), Bergson diz que algumas teses deEinstein sobre a velocidade dos tempos mltiplos e sobre a relao entrea simultaneidade, as sucesses e o ponto de vista dizem aquilo que ocientista leu, por uma intuio genial, nas equaes de Lorentz (ME,p.59). Muitos anos antes, em um discurso pronunciado em 1895, Le bonsens et les tudes classiques, Bergson chama de gnio intuiosuperior ... necessariamente rara a qual est presente nas cincias enas artes e que consiste num sutil pressentimento do verdadeiro e dofalso, que tem podido descobrir entre as coisas, bem antes da provarigorosa ou da experincia decisiva, das incompatibilidades secretas oudas afinidades insuspeitadas (ME, p.361).

    Em uma conferncia proferida em 1911, Lintuition philosophique, aqual faz parte do livro La pense et le mouvant (1993), Bergson, referin-do-se relao entre a intuio e a filosofia, afirma que o trabalho dosfilsofos tem consistido em uma exaustiva tentativa de exprimir umaintuio: Toda a complexidade de sua doutrina, que se estenderia aoinfinito, apenas a incomensurabilidade entre sua intuio simples e osmeios de que dispunha para exprimi-la (PM, p.119). Ainda nessa mesmaconferncia, Bergson surpreende-nos ao falar de um poder intuitivo denegao, o qual se manifesta na filosofia pela rejeio definitiva de cer-tas teses. Este o primeiro movimento do filsofo, o qual poderia atvariar posteriormente em suas afirmaes, mas sem variar jamais noque nega, e at mesmo essa variao pode ser explicada por esse poderde negao imanente intuio. Nesse sentido, Bergson diz que a in-

    2 Os textos de Bergson que se apresentam de forma abreviada so Mlanges (ME), La pense et lemouvant (PM) e Lvolution cratrice (EC).

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    tuio se comporta em matria especulativa, tanto em seu incio quantoem suas manifestaes mais ntidas, como uma proibio, ela probe,opondo-se at mesmo razo cientfica:

    Diante de idias aceitas habitualmente, diante de teses que pareciam evi-dentes, de afirmaes que at ento haviam passado por cientficas, ela soprana orelha do filsofo a palavra: impossvel. Impossvel, mesmo quando os fatos eas razes parecem convidar a crer que isso possvel, real e certo. Impossvel,porque uma certa experincia, talvez confusa mas decisiva, te diz por minha vozque ela incompatvel com os fatos que se alegam e com as razes que se do,e que, por isso, estes fatos devem ter sido mal observados, estes raciocniosdevem ser falsos. (PM, p.120)

    Dentre as inmeras vezes em que Bergson se refere intuio comouma faculdade e um modo de conhecimento que se ope ao da inteli-gncia ou, conforme os termos de Lvolution cratrice, (1991), as duasfaculdades que a teoria do conhecimento deve tomar em considera-o (EC, p.159), destacamos as que se relacionam a Kant. Bergson rati-fica a caracterizao que Kant faz da inteligncia no que diz respeito aoseu modo de operao, seu campo legtimo de aplicao e aos seuslimites, mas diverge ao postular a existncia de uma outra faculdade,capaz de uma outra espcie de conhecimento (PM, p.86). ConformeBergson afirma em Lintuition philosophique, o prprio Kant provava, porargumentos decisivos, que nenhum esforo dialtico jamais nos intro-duzir no alm (PM, p.141), que, pela dialtica, a metafsica imposs-vel. Kant reconhecia, tambm, segundo os termos de uma outra confe-rncia de Bergson de 1911, La perception du changement e esta seriauma das idias mais importantes e mais profundas da Crtica da razopura que se a metafsica possvel por uma viso (PM, p.154), ouseja, por meio de uma intuio superior, a intuio intelectual, en-fim, a percepo da realidade metafsica (PM, p.154). Assim, para Kant,uma metafsica eficaz seria necessariamente uma metafsica intuitiva(PM, p.141), embora acrescente que a metafsica impossvel justamentepela inexistncia da faculdade que propicia esse conhecimento supra-inte-lectual, a intuio. Esse , para Bergson, o erro de Kant: toda a filosofiaque eu exponho, desde meu primeiro Essai, afirma contra Kant a possibi-lidade de uma intuio supra-sensvel ... supra-intelectual... (ME, p.1322).

    O papel que Bergson atribui intuio na arte tambm no pode sercaracterizado como metdico. Para o filsofo, as diversas artes constituem-se como uma viso mais direta da realidade (PM, p.152), um exemploprivilegiado de expresso de uma intuio apreendida pelos artistas os

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    quais so homens cuja funo justamente ver e nos fazer ver o que nsno percebemos naturalmente (PM, p.149), mostrando que possvel umaextenso das faculdades de perceber (PM, p.150). Os artistas soreveladores, medida que so capazes de mostrar, fora de ns e em ns,coisas que no impressionavam explicitamente os nossos sentidos e nossaconscincia (PM, p.149), percebendo na natureza aspectos que ns noobservvamos. O artista isola e fixa aquilo que ele viu na realidade e quens, agora, no poderemos nos impedir de aperceber. E se ns os admi-ramos porque j havamos percebido alguma coisa do que eles nosmostram, ou seja, ns havamos percebido sem perceber (PM, p.149).

    Contra a afirmao de Deleuze, segundo a qual a intuio em Bergsonno nem um sentimento, nem uma inspirao, nem uma simpatiaconfusa, no podemos deixar de observar que Bergson propefreqentemente o termo simpatia tanto para definir quanto para justi-ficar o uso da palavra intuio a qual: consiste num colocar-se simpati-camente no interior da realidade (ME, p.1197); a simpatia pela qualnos transportamos para o interior de um objeto para coincidir com o queele tem de nico e, conseqentemente, de inexprimvel (PM, p.181); um modo de conhecimento que pretende se liberar de todo pressupostode relao e de comparao para simpatizar com a realidade (EC, p.177).Ao usar uma palavra que remete tendncia, instinto, sentimento, paracaracterizar a intuio, Bergson remete-nos a um significado irracio-nal, como aparece mais claramente em uma referncia possibilidadede um conhecimento no intelectual de outras conscincias: A simpatiae a antipatia irrefletidas, to freqentemente profticas, so um testemu-nho da interpenetrao possvel das conscincias humanas (PM, p.28).

    Nesse sentido, bastante sugestivo o fato de Bergson definir o ins-tinto que tambm ope inteligncia a inteligncia e o instinto impli-cam duas espcies de conhecimento radicalmente diferentes (EC, p.129) em termos de simpatia. Para o filsofo, a noo de simpatia quemelhor define o instinto: Instinto simpatia (EC, p.177). nos fenme-nos de simpatia e antipatia irrefletidos que podemos apreender, embo-ra de maneira muito mais vaga e demasiado penetrada de inteligncia,algo do que ocorre na conscincia de um inseto que age por instinto(EC, p.177). Bergson chega mesmo a usar a palavra intuio como sinni-mo de instinto, associado simpatia, ao dizer que o inseto apreende pordentro ... por uma intuio (vivida mais que representada) que se asseme-lha sem dvida ao que chamamos de simpatia adivinhadora (EC, p.157).

    Essas duas formas de conhecimento correspondem s duas linhasevolutivas divergentes e bem-sucedidas, o instinto e a inteligncia, os

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    quais estiveram provavelmente juntos na origem, dando lugar um ao ou-tro no decorrer da evoluo da vida, mas sem desaparecer naquela linhaevolutiva onde no prevaleceu. sob esse ngulo que Bergson (1992, p.265)afirma em Les deux sources de la morale et de la religion que em tornodo instinto animal, persistiu uma franja de inteligncia enquanto a in-teligncia humana foi aureolada pela intuio. Esse instinto que sobre-vive no homem como intuio caracterizado como uma vaga nebulosi-dade em torno do ncleo luminoso da inteligncia: A conscincia nohomem sobretudo inteligncia ... a intuio acha-se completamentesacrificada inteligncia (EC, p.267). Assim, a intuio o instinto acres-cido de conscincia e de reflexo atributos da inteligncia , ampliadoe aprimorado, graas presena da inteligncia: o instinto que se tor-nou desinteressado, consciente de si mesmo, capaz de refletir sobre seuobjeto e de o ampliar indefinidamente (EC, p.178). a inteligncia quefornece intuio o arranco que a eleva acima do objeto especfico deinteresse prtico, que a fazia permanecer sob a forma de instinto(EC, p.179). Desse modo, a intuio que est presente no homem deforma vaga e sobretudo descontnua acaba por constituir-se como olampejo que lana luz sobre o que obscurecido pela inteligncia: uma lmpada quase extinta, que s se reacende vez por outra, por al-guns instantes apenas (EC, p.268).

    Ao apresentar algumas dentre as inmeras referncias que Bergsonfaz intuio como uma faculdade que se ope inteligncia, como ummodo de conhecimento que no pode ser caracterizado como metdico,no perdemos de vista o fato de que a intuio para Bergson tambmum mtodo preciso da filosofia. Entendemos que esses dois aspectosesto intimamente relacionados e que o segundo no pode ser compreen-dido sem o primeiro.

    Intuio e inteligncia

    No ensaio Introduction la mtaphysique, referindo-se problem-tica do conhecimento, Bergson destaca um aspecto que considera co-mum aos filsofos: eles distinguem duas maneiras profundamente dife-rentes de conhecer uma coisa (PM, p.177) e isso independentemente deas considerarem legtimas ou possveis. Uma dessas formas de conheci-mento consiste em manter-se no relativo, ou seja, em permanecer forado objeto, rodeando-o, assumindo um ponto de vista sobre ele e seutilizando de smbolos para exprimi-lo; enfim, o conhecimento relativo

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    aquele que altera a natureza de seu objeto (ME, p.774). J o outro modode conhecimento, o conhecimento absoluto ou o conhecimento do ab-soluto, caracteriza-se por entrar no objeto, apreend-lo, capt-lo por den-tro, nele mesmo, em si (PM, p.178), ou seja, no se parte do sujeito, ex-cluindo-se, assim, o ponto de vista e a mediao de smbolos.

    O prprio Bergson mantm essa distino que encontra na tradiofilosfica, considerando que h efetivamente dois modos de conheci-mento. Para o filsofo, o conhecimento relativo, esttico, por conceitos,que envolve uma separao entre aquele que conhece e o que conhe-cido (ME, p.773), o intelectual, o qual, embora se justifique pragmati-camente, teoricamente limitado, sendo o gerador de problemas filos-ficos aparentemente insolveis. O conhecimento que toca o absoluto,que tem a virtude de resolver os problemas gerados pelo anterior, ointuitivo. Este consiste num modo de apreenso imediata, na identifica-o, na coincidncia com o particular, com o que no , portanto, traduzvelem conceitos, constituindo-se como uma viso direta da realidade: cons-cincia imediata, viso que no se distingue do objeto visto, conheci-mento que contato e mesmo coincidncia (PM, p.27).

    Embora o absoluto possa ser apreendido intuitivamente, possa serpensado sem a mediao do conceito e do espao a ele relacionado, issos ocorre excepcionalmente, pois, conforme Bergson nos diz j na pri-meira frase do Essai sur les donnes immediates de la conscience (1988),como seres inteligentes que somos, pensamos quase sempre no espa-o (p.vii). Esse pensamento espacializado expresso e forjado pela lin-guagem que, por meio de seus smbolos, os conceitos, se constitui comoo instrumento mais imediato da inteligncia. Pelo fato de as palavrasserem o meio imprescindvel de expresso do pensamento Exprimimo-nos necessariamente por palavras (p.vii) , h uma incomensurabilidadeentre a intuio e os meios disponveis para exprimi-la: Essa intuio,se no nos comunicar jamais completamente, porque a linguagem quese nos fala, to especiais e to apropriados que se suponha seus signos,no pode exprimir seno as semelhanas, e de uma diferena que setrata (ME, p.611).

    Para Bergson, o mtodo intelectual opera sempre dos conceitos paraa realidade, ampliando a sua generalidade sempre que se aplica a umnovo objeto. Esses conceitos rgidos e pr-fabricados (PM, p.213) fun-cionam como gavetas ou roupas feitas, que escolhemos para colocar onovo objeto: Ser esta, essa ou aquela coisa? E esta, essa ou aque-la coisa, para ns, sempre o j concebido, o j conhecido (EC, p.48).Esses conceitos de origem intelectual so imediatamente claros para

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    quem pode esforar-se o suficiente, claros medida que se nos apre-sentam, simplesmente numa nova ordem, idias elementares que j pos-sumos (PM, p.31). nesse sentido que a inteligncia, no encontrandono novo mais do que no antigo, sente-se em terra conhecida; ela est vontade, ela compreende (PM, p.31).

    Mas essa compreenso, propiciada pela inteligncia e seus concei-tos, no advm da apreenso efetiva do absoluto que s pode ser dadapela intuio, um modo de conhecimento incomum, no natural nacondio humana, e que pode ocorrer tanto espontaneamente, como nocaso da intuio artstica, quanto ser preparado por um percurso analti-co. E so justamente as consideraes de Bergson a respeito da intuioartstica que nos fornecem a chave para a compreenso da funo domtodo intuitivo.

    Bergson considera que a ampliao do campo perceptivo do artistaest relacionada ao fato de ele ser um distrado, um desapegado emrelao s exigncias do viver e do agir, pois, afinal, as necessidades daao tendem a limitar o campo da viso (PM, p.151). medida que seussentidos e conscincia so menos aderentes vida, eles so capazesde olhar uma coisa e a verem por ela, e no mais por eles, ou seja:Eles no percebem mais simplesmente em vista do agir; eles percebempor perceber por nada, por prazer (PM, p.152). As diversas artes cons-tituem-se como uma viso mais direta da realidade, e porque oartista pensa menos em utilizar sua percepo que ele percebe um maiornmero de coisas (PM, p.152). Desse modo, o artista um privilegiadopor possuir uma inclinao espontnea distrao, a qual lhe permite essaapreenso direta da realidade. esse mesmo resultado, uma percepomais completa da realidade, que pode ser alcanado por um esforometdico que consista num certo deslocamento de nossa ateno. Oque significa que o mtodo intuitivo consiste em esse um outro as-pecto seu desviar esta ateno do lado praticamente interessante douniverso e de a retornar para o que, praticamente, no serve para nada(PM, p.153). partindo desse princpio que Bergson nos diz que a existn-cia no homem de uma faculdade esttica ao lado da percepo normaldemonstra que um esforo desse gnero no impossvel (EC, p.178).Isso no quer dizer que a atividade artstica envolva um esforo que possaser caracterizado como metdico, ou seja, como aplicao de regraspropiciadoras de um certo tipo de conhecimento, mas sim que a atividadedo filsofo deve consistir numa pesquisa orientada no mesmo sentido quea arte (PM, p.159), isto , deve ser orientada para produzir a distraonecessria intuio. Consideremos mais detalhadamente esse aspecto.

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    Referindo-se claramente ao mtodo filosfico que prope, Bergsondiz que a intuio no nem uma contemplao passiva do esprito porele mesmo nem um sonho de onde ele sai dando suas vises para ascoisas vistas, mas que pode ser to precisa quanto os mais precisosdentre os procedimentos cientficos, to incontestvel quanto os maisincontestveis dentre eles (ME, p.611). s vezes, parece no haver emBergson a coincidncia entre o mtodo filosfico e a intuio, como quandoo filsofo afirma que o mtodo compreende dois momentos e implicadois passos sucessivos do esprito: primeiro, um estudo cientfico doentorno da questo e s aps viria a operao propriamente filosfica,ou seja, a intuio, que Bergson define como um esforo muito difcil emuito penoso pelo qual se rompe com as idias preconcebidas e os hbi-tos intelectuais totalmente feitos, para se recolocar simpaticamente nointerior da realidade (ME, p.1197). Mas, considerando mais atentamen-te, podemos observar que o primeiro passo metodolgico, o estudo cien-tfico, tem freqentemente o objetivo de mostrar o carter metafsico dasinterpretaes cientficas, podendo, assim, ser visto como um aspecto doesforo de rompimento com os preconceitos e hbitos intelectuaisimpeditivos da apreenso direta do real. Como nos diz Bergson em outromomento, a intuio consiste em retomar contato com uma realidadeconcreta sobre a qual as anlises cientficas nos tm fornecido tantosensinamentos abstratos: para isso se auxiliar de incio dessas prpriasanlises (ME, p.611) Ou ainda,

    a intuio poder fazer-nos captar o que os dados da inteligncia tm no casode insuficiente e deixar-nos entrever o meio de os completar. Por um lado, defato, ela utilizar o mecanismo mesmo da inteligncia para mostrar como osesquemas intelectuais no encontram mais aqui sua exata aplicao, e, poroutro, por seu trabalho prprio, ela nos ir sugerir pelo menos o sentimento vagodo que preciso pr em lugar dos esquemas intelectuais. (EC, p.178)

    Depreende-se da que o mtodo intuitivo bergsoniano compreendedois aspectos fundamentais: o aspecto negativo, que consiste tanto nadenncia do carter ilusrio das produes da inteligncia quanto naidentificao da origem de certos problemas filosficos; e o aspecto po-sitivo, que diz respeito soluo do problema, a qual envolve a intuiopropriamente dita, a apreenso imediata do real. Deve-se considerar, ainda,que esses dois aspectos esto intimamente relacionados. Se por um ladoa crtica ao entendimento cria as condies propcias para o surgimentoda intuio, por outro, no se pode ignorar que as objees intelignciano podem ser dissociadas da resposta proporcionada pela intuio aos

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    problemas formulados pela prpria inteligncia, incluindo a a desqualifi-cao destes. Assim, embora a crtica s iluses da inteligncia no possaser operada sem a mediao do entendimento, ela depende da intuio,tanto em sua forma negativa, poder intuitivo de negao, quanto em suacontrapartida positiva. Decorre da que a intuio fugidia, que noincio uma luz vacilante e fraca que penetra na escurido da noite emque a inteligncia nos deixa s iluminando seu objeto de longe emlonge (EC, p.268), ganha com essa crtica, com esse exerccio do entendi-mento que tanto a sustenta quanto a enriquece.

    Entendemos que para Bergson a intuio tanto uma forma de co-nhecimento, que pode apenas esporadicamente e em circunstncias espe-ciais acontecer espontaneamente, quanto pode ser propiciada por meio decertos procedimentos analticos. No se trata de um empreendimento f-cil, pois envolve um esforo muito difcil e muito penoso pelo qual serompe com as idias preconcebidas e os hbitos intelectuais totalmentefeitos (ME, p.1197) para criar idias que comeam ordinariamente porserem obscuras, seja qual for nosso esforo de pensamento (PM, p.31).Isso porque, como a intuio s pode ser comunicada por meio da inteli-gncia esta dever para lograr transmitir-se, cavalgar sobre as idias(PM, p.42). Desse modo, para que uma idia radicalmente nova e absolu-tamente simples, que capta mais ou menos uma intuio (PM, p.31), tor-ne-se clara, necessrio um trabalho de longo prazo. Tal idia, que aprincpio nos aparece como incompreensvel e obscura, dissipar asobscuridades presentes nos diversos departamentos de nosso conheci-mento e, ao dissolver os problemas que julgamos insolveis, ela sebeneficiar do que tiver feito por esses problemas (PM, p.32). Assim, aaplicao da idia intuitiva no apenas a torna mais clara, mas tambm, medida que seja capaz de solucionar esses problemas, ela torna-se legti-ma: sua capacidade para resolver as oposies delas suprimindo os pro-blemas , a meu ver, a marca exterior pela qual a intuio verdadeira doimediato se reconhece (ME, p.771). Bergson pretende, ento, que umaidia intuitiva se torne mais inteligvel proporo que se a aplica, e elase mostra fecunda quando soluciona problemas insolveis.

    Cada um deles, intelectual, lhe comunicar um pouco de sua intelectua-lidade. Assim, intelectualizada, ela poder ser apontada novamente para os pro-blemas que a serviro, depois de se terem servido dela: dissipar, ainda mais, aobscuridade que os envolvia, e tornar-se- ela prpria mais clara ... Estas podemcomear por ser interiormente obscuras; mas a luz que projetam ao redor volta-lhes por reflexo, penetra-as cada vez mais profundamente; e elas possuem en-to o duplo poder de aclarar em torno delas e aclarar-se a si mesmas (PM, p.32).

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    Mas como expressar essas idias tendo em vista que, segundo o pr-prio Bergson, a intuio no pode se encerrar numa representaoconceitual (PM, p.189)? Para o filsofo, o mtodo intuitivo consiste nainverso do percurso natural do trabalho de pensamento, para se colo-car imediatamente, por uma dilatao do esprito, na coisa que se estu-da, enfim, para ir da realidade aos conceitos (PM, p.206), pois, como nosdiz o prprio filsofo, a intuio, como todo pensamento, acaba por sealojar em conceitos (PM, p.31). Embora os conceitos sejam indispens-veis metafsica, ela deve abandonar os conceitos prontos que esto disposio, os quais manejamos habitualmente, e criar conceitos dife-rentes: a filosofia consiste o mais freqentemente no em optar entreconceitos, mas em cri-los (ME, p.503). Devemos, assim, afastar os con-ceitos j prontos, procurando, a partir da viso direta do real, criarconceitos novos, que deveremos formar para nos exprimir e que serotalhados na exata medida do objeto (PM, p.23). Trata-se, ento, decriar completamente, para um objeto novo, um novo conceito, talvez umnovo mtodo de pensar (EC, p.48). Esse novo conceito que devemostalhar para cada novo objeto deve ser apropriado somente para ele, detal modo que se pode dificilmente dizer que seja ainda um conceito,pois somente se aplica a uma nica coisa (PM, p.197). Bergson caracte-riza esses conceitos intuitivos como representaes flexveis, mveis,quase fluidas, sempre prontas a se moldarem sobre as formas fugidias daintuio (p.188), ou, ainda nesse mesmo sentido, diz que se trata de con-ceitos que se modelam e se remodelam sem cessar sobre os fatos, con-ceitos fluidos como a prpria realidade (ME, p.501).

    O que parece fluido, de fato, so os significados desses conceitosque no podem ser expressos pelos conceitos tradicionalmente utiliza-dos pela inteligncia. Da por que Bergson nos remete a um outro modomais fecundo de expresso do pensamento, do dado intuitivo: a imagem.Embora as imagens no sejam a intuio, elas derivam imediatamentedela, aproximam-se da intuio mais que os conceitos, podendo ajuntar-se a eles para fornecer a intuio. Em Lintuition philosophique, o filsofodefine a imagem como quase matria, pois se deixa ainda ver, e quaseesprito, pois no se deixa tocar (PM, p.130). Essas imagens, que deri-vam da intuio, so indispensveis para apreend-la. Elas so necess-rias para obter o signo decisivo, a indicao da atitude a tomar e doponto para onde olhar (p.130). Nesse sentido, Bergson considera que asimagens so superiores aos conceitos, como modo de apreenso e ex-presso do dado intuitivo.

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    Mas o que chegaremos a apreender e fixar uma certa imagem intermediriaentre a simplicidade da intuio concreta e a complexidade das abstraes que atraduzem, imagem fugidia e evanescente, que ronda, talvez desapercebida, oesprito do filsofo, que o segue como sua sombra por entre os meandros de seupensamento, e que, se no a prpria intuio, dela se aproxima muito mais doque a expresso conceitual necessariamente simblica, qual a intuio tem derecorrer para fornecer explicaes. Observemos bem esta sombra: melhor, paranos inserirmos nela, veremos de novo, na medida do possvel, aquilo que o adivi-nharemos, a atitude do corpo que a projeta. E se nos esforarmos para imitar estaatitude, ou melhor, para nela nos inserir, ns veremos, na medida do possvel,aquilo que o filsofo viu. (PM, p.119)

    Bergson, todavia, postula tambm que mesmo essas imagens quese podem apresentar ao esprito do filsofo quando ele quer expor seupensamento a outro (PM, p.186) no representam, no reproduzem oabsoluto; elas so incapazes de transmiti-lo queles que no so capa-zes de se dar a intuio a si mesmos. Aquele que teve a intuio pode,por meio das imagens, provocar um certo trabalho que tende a entravar,na maior parte dos homens, os hbitos de esprito teis vida (PM, p.185),colocar a conscincia na atitude que deve tomar para fazer o esfororequerido e chegar, ela prpria, intuio (PM, p.186). Embora nenhu-ma imagem substitua a intuio, muitas delas diversificadas, empresta-das ordem de coisas muito diferentes, podero, pela convergncia de suaao, dirigir a conscincia para o ponto preciso em que h uma intuio aser apreendida (PM, p.185). Elas podem realizar em conjunto aquilo queno podem individualmente, ou seja, sugerir indiretamente a intuio.

    Escolhendo imagens to disparatadas quanto possvel, impediremos queuma qualquer dentre elas venha usurpar o lugar da intuio que ela est encar-regada de evocar, pois, neste caso, ela seria imediatamente expulsa por suasrivais. Fazendo que todas exijam de nosso esprito, apesar de suas diferenas deaspecto, a mesma espcie de ateno e, de alguma forma, o mesmo grau detenso, acostumamos pouco a pouco a conscincia a uma disposio bem par-ticular e bem determinada, precisamente aquela que dever adotar para apare-cer a si mesma sem vu. (PM, p.185)

    Mas no podemos perder de vista que se, por um lado, a utilizaode imagens pode ser considerada como um dos procedimentos do mto-do intuitivo, o qual contribui para sugerir a intuio quele que no atem, por outro, quem as prope s as pode ter escolhido a partir de umaintuio existente que norteia essa escolha; afinal, no so quaisquerimagens que servem a esse objetivo. O que indica novamente que aintuio , sob esse aspecto, irredutvel ao mtodo intuitivo.

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    Concluso

    Procuramos mostrar anteriormente que a intuio em Bergson deveser considerada sob um duplo aspecto, como faculdade e modo de co-nhecimento no intelectual e como mtodo racional. Entendemos queno poderamos terminar nosso trabalho sem retomar uma questo quecolocamos logo no incio: a escolha do termo intuio para um mtodoque consiste em procedimentos intelectuais.

    Na segunda parte da introduo a La pense et le mouvant, Bergsonrefere-se escolha da palavra intuio, para definir seu mtodo filos-fico. Diz ter hesitado durante muito tempo diante desse termo, embora oconsidere o mais apropriado para designar o modo de conhecimentopor ele proposto. Sua hesitao, diz ainda o filsofo, deve-se confusoque o termo intuio propicia. Bergson no quer ser confundido comoutros filsofos Shelling, Schopenhauer, por exemplo que opuserammais ou menos a intuio inteligncia, que ao sentirem a insufi-cincia do pensamento conceitual para atingir o fundo do esprito ...falaram de uma faculdade supra-intelectual de intuio. Para Bergson,essa intuio est ligada inteligncia, apenas com diferena de subs-tituir seus conceitos por um conceito nico que os resume a todos e que, conseqentemente, sempre o mesmo, seja qual for o nome que lhedermos. Tratar-se-ia de formas de pantesmo que ao darem, antecipada-mente, num princpio que o conceito dos conceitos, todo o real e todo opossvel, capaz de explicar dedutivamente todas as coisas (PM, p.25).

    Contra essa intuio, que se confunde com a inteligncia, Bergsonprope um mtodo que consiste em recuperar a realidade em sua essn-cia, enfim, uma metafsica verdadeiramente intuitiva que seguisse to-das as ondulaes do real, que no abarca de uma s vez a totalidadedas coisas mas que d de cada uma delas uma explicao que se adap-taria exatamente, exclusivamente a ela (PM, p.25). Sob esse aspecto,compreende-se a afirmao bergsoniana segundo a qual se pode ir daintuio inteligncia e que da inteligncia no se passar jamais intuio (EC, p.268); afinal de contas, como tivemos a oportunidade demostrar, com os conceitos prontos da inteligncia, no podemos repre-sentar a intuio, e que a partir da intuio que os significados dosconceitos devero ser gradativamente constitudos.

    Mas isso no significa uma contradio com a afirmao anterior,segundo a qual o mtodo intuitivo bergsoniano consiste em procedimen-tos racionais, ou seja, que podemos passar da inteligncia intuio?No, se considerarmos que um dos aspectos do mtodo intuitivo se ca-

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    racteriza pela utilizao da inteligncia contra ela prpria, buscando umaapreenso mais direta possvel dos fatos, seu verdadeiro significado, de-nunciando as concluses que embora metafsicas se pretendem cientficas,criando, assim, o campo propcio para o surgimento da intuio propria-mente dita, cuja representao envolver novamente um grande esforopor parte da inteligncia. nesse sentido que devemos compreender asseguintes consideraes de Bergson:

    Intuio e intelecto no se opem um ao outro, salvo a onde a intuiorecusa tornar-se mais precisa pela entrada em contato com os fatos cientifica-mente estudados, e a onde o intelecto, em lugar de se limitar cincia propria-mente dita (isto , ao que pode ser inferido a partir dos fatos ou provado peloraciocnio), combina com isto uma metafsica inconsciente e inconsistente quese reclama em vo de pretenses cientficas. (ME, p.938)

    COELHO, J. G. Bergson: intuition and intuitive method. Trans/Form/Ao (SoPaulo), v.21-22, p.151-164, 1998-1999.

    ! ABSTRACT: Our purpose is to show that intuition, according to Bergsonsthought, is both a knowledge faculty that opposes intelligence and aphilosophical method constituted by rational procedures which provides andenriches it. In this way, both aspects of intuition are intimately connect andindispensable to the understanding of each other.

    ! KEYWORDS: Intuition; method; intelligence; instinct; concept; image.

    Referncias bibliogrficas

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