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Aspectos Jurídicos da Abordagem Policial – Módulo 1 SENASP/MJ - Última atualização em 10/10/2009 Página 1 Bem-vindo ao curso Aspectos Jurídicos da Abordagem Policial Créditos Maj PMDF Julian Rocha Pontes Cap PMDF Juvenildo dos Santos Carneiro 2º Ten PMESP Fem. Inaê Pereira Ramires

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Aspectos Jurídicos da Abordagem Policial – Módulo 1

SENASP/MJ - Última atualização em 10/10/2009 Página 1

Bem-vindo ao curso

Aspectos Jurídicos da Abordagem Policial

Créditos

Maj PMDF Julian Rocha Pontes

Cap PMDF Juvenildo dos Santos Carneiro

2º Ten PMESP Fem. Inaê Pereira Ramires

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Aspectos Jurídicos da Abordagem Policial – Módulo 1

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Apresentação

O curso “Aspectos Jurídicos da Abordagem Policial” é composto por três módulos. A

divisão dos assuntos foi elaborada para facilitar o aprendizado, os conhecimentos

serão apresentados gradativamente, mantendo correlação lógica entre suas aulas e

módulos. A todo o instante a proposta é buscar ligação entre os assuntos e as

experiências vivenciadas no cotidiano policial, possibilitando o desenvolvimento dos

objetivos gerais e específicos traçados.

Para que você tenha uma ideia do caminho a ser percorrido, observe os objetivos

estabelecidos para o curso, contudo, vale ressaltar que os mesmos foram traçados

com a percepção voltada para a sua aprendizagem.

Ao final do curso, você será capaz de:

● Identificar os direitos e garantias fundamentais do cidadão no ordenamento pátrio

e legislação internacional;

● Apontar os requisitos legais indispensáveis à realização da abordagem pessoal e

domiciliar;

● Identificar os principais delitos penais correlacionados ao tema;

● Reconhecer quais são os entendimentos jurisprudenciais dos principais tribunais

superiores do país;

● Aplicar corretamente os direitos e garantias fundamentais na abordagem policial;

● Apontar os principais ilícitos penais cometidos, em tese, pelo cidadão infrator

durante a abordagem policial;

● Reconhecer as consequências jurídicas da realização da abordagem pessoal ou

domiciliar alheia à legalidade, proporcionalidade e necessidade; e

● Reconhecer o valor e a importância dos direitos e garantias fundamentais da pessoa

humana, na atividade de Segurança Pública.

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Para alcançar os objetivos, você estudará os seguintes módulos:

Módulo 1 – Os principais aspectos das normas constitucionais e da legislação

internacional relacionadas à atuação policial no contexto do Estado Democrático de

Direito.

Módulo 2 – Aspectos jurídicos relacionados à abordagem policial.

Módulo 3 – Aspectos jurídicos que balizam a ação policial diante dos crimes de

constrangimento ilegal, corrupção passiva, resistência, desobediência, desacato e

corrupção ativa.

Antes de iniciar os estudos dos módulos, reflita sobre algumas questões pertinentes à

ação do profissional da área de Segurança Pública, lendo a contextualização.

Contextualizando

Antes de iniciar o estudo dos módulos, leia o texto a seguir e reflita sobre a questão que ele

apresenta.

O Estado Democrático de Direito idealizado e desejado pelo constituinte originário caminha a

passos firmes rumo à sua solidificação no Brasil. Não há quem não defenda a Lei Fundamental

de 1988. Nesse contexto, o Estado deixou de ser um fim em si mesmo e, gradativamente,

focou seus esforços na satisfação dos legítimos interesses da sociedade.

O cidadão passou a ter consciência de seu papel e importância no contexto social. Abandonou

as praxes passivas e, em postura ativa, exige, a todo instante, a concretização e preservação

de seus direitos e garantias, sejam individuais, coletivos ou difusos. Dessa situação,

imposições arbitrárias, apoiadas exclusivamente na vontade da autoridade, não são mais

aceitas como outrora. Toda e qualquer restrição a direitos deve encontrar fundamento na

legalidade, proporcionalidade, necessidade e adequação, caso contrário será combatida pelos

seus destinatários.

Essa nova relação construída entre o cidadão e o Estado exige do agente público (Conceito

adotado em seu sentido amplo) o desenvolvimento de seu labor (trabalho) com probidade,

impessoalidade, moralidade, eficiência, dentre outros. Tamanha a importância dessas

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qualidades que foram elevadas à condição de princípios, conforme se obtém da simples

leitura do caput do artigo 37, da Constituição Federal, permearem todos os aspectos

inerentes à Administração Pública.

Muito ainda há que se fazer para que o cidadão tenha serviços públicos condizentes com a sua

dignidade, porém, são explícitas as melhoras já alcançadas. Nesse contexto, importa salientar

que a exigência de concurso público para a investidura em cargo ou emprego público, as

diversas formas de controle da administração, o regramento da responsabilidade civil do

Estado, por exemplo, consolidam a democratização e a transparência vivenciadas

atualmente.

No entanto, em todo esse desenvolvimento experimentado, o certo é que a vida em

sociedade ainda clama pela presença do Estado. A sociedade para manter sua sobrevivência

impõe normas de condutas a serem seguidas. Ao ser humano não é permitida a livre e

incondicionada satisfação de seus interesses. Caso contrário, retornaríamos à barbárie, a um

estado de natureza, situação em que só os mais fortes encontrariam voz. E mais, por vezes, a

harmonia social é quebrada por conflitos de interesses. Diante disso, dependendo da natureza

do bem jurídico, o Estado deixa à vontade da parte sua solução ou intervém de modo brando.

Mas, quando os valores de maior relevo para a sociedade são violados, o Estado age de forma

mais enérgica, impondo punições mais graves, inclusive com a privação da liberdade aos seus

transgressores. A aplicação da sanção penal se for o caso, só atinge o cidadão infrator após

regular processo que, além de fornecer elementos de convicção ao julgador, destina-se a

fornecer ao denunciado a oportunidade de exercitar sua ampla defesa. Nesse âmbito estão

inseridos os órgãos componentes da Segurança Pública relacionados, juntamente com suas

atribuições, no artigo 144, da Constituição Federal.

Apesar da preservação da ordem pública e proteção das pessoas e do patrimônio ser

responsabilidade de todos, antes de tudo, é dever do Estado. Dentro desse aspecto, tem-se a

perseguição penal promovida pela polícia judiciária, tão importante quanto é o trabalho

desempenhado pela chamada polícia ostensiva na prevenção e repressão imediata do delito.

Para o desempenho de suas atividades, as polícias fazem uso do dever-poder de polícia, que

em resumida análise, é a limitação do exercício de direitos individuais em benefício do

interesse público.

Extrai-se como importante instrumento do dever-poder de polícia, a busca pessoal, ou seja, a

abordagem como prática comum no cotidiano policial. Em outras palavras, o policial ao

cumprir sua atribuição no sentido de prevenir ou reprimir delitos, exerce atividades que

interferem na rotina e nos direitos básicos das pessoas, seja para identificá-las, seja para

encontrar e apreender armas de fogo ou substâncias entorpecentes, dentre outras. Mas, vale

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ressaltar que existe uma limitação, mesmo que temporária, no gozo de alguns direitos

individuais. Essas ações encontram amparo no ordenamento jurídico pátrio, pois visam

proteção do interesse público, representado pela manutenção da ordem e da paz, e dos

próprios indivíduos.

IMPORTANTE!

A atividade policial, com nítida natureza de ato administrativo, encontra limites que buscam

tutelar (proteger) a dignidade humana, bem como a legitimidade da atuação estatal.

O profissional de Segurança Pública deverá agir dentro das balizas definidas em lei, alinhado

com o propósito firme de ser um agente defensor da dignidade da pessoa humana. O bom

policial é justamente aquele que defende a sociedade por meio da proteção de seus

indivíduos, e isso implica, obrigatoriamente, em enxergar o cidadão, mesmo que infrator,

como detentor de direitos e garantias fundamentais, inerentes à sua condição de pessoa

humana.

Você é um profissional da área de Segurança Pública, portanto, seu promotor.

Em sua corporação, seja militar ou civil, as pessoas, independentemente de suas

características, são tratadas e vistas como cidadãos? O infrator da lei, apesar da natureza do

delito perpetrado, é respeitado em sua dignidade?

Saiba que não é objetivo desse curso fornecer respostas exatas às indagações e, sim, em

conjunto com você, criar condições para que você possa construir conhecimentos condignos

com o Estado Democrático de Direito experimentado em nosso país.

Bom curso!

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Módulo 1 - As normas constitucionais, a legislação internacional

e atuação policial

Neste módulo, você estudará o enfoque do ordenamento constitucional e da

legislação internacional ligada aos direitos humanos. Por certo, é na Constituição de

1988 que se encontram os fundamentos da República Federativa do Brasil, com

ênfase para a dignidade da pessoa humana, bem como os direitos e garantias

fundamentais. Além disso, você também discutirá os princípios da proporcionalidade

e razoabilidade, importantes balizas para o desenvolvimento das atividades da

Administração Pública, que de acordo com o § 6º, do artigo 37, da Constituição

Federal, responderá pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a

terceiros. Em consequência, a responsabilidade civil do Estado será tocada. Por fim,

analisará as atribuições dos diversos órgãos componentes do sistema de Segurança

Pública do país.

Ao final do módulo, você será capaz de:

● Identificar as normas constitucionais, além dos princípios e regras internacionais

relacionados aos direitos e garantias fundamentais;

● Descrever a importância dos direitos humanos e da cidadania dentro do contexto

atual, com ênfase nos movimentos sociais;

● Defender a necessidade da atuação estatal na efetivação do bem comum;

● Apontar as justificativas e as características dos direitos fundamentais e da

dignidade da pessoa humana;

● Delinear os elementos e características que configuram a dignidade da pessoa

humana na solução de problemas;

● Nomear as restrições e supressões legais aos direitos humanos fundamentais;

● Aplicar, no caso concreto, as habilidades e conhecimentos técnicos sem descuidar

das limitações jurídicas;

● Reconhecer o princípio da proporcionalidade como balizador da atividade policial;

e

● Reconhecer as limitações constitucionais da atuação policial e as consequências

dos desvios desses limites na extensão da responsabilidade.

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O conteúdo deste módulo está dividido em 4 aulas:

Aula 1 – Principais conceitos

Aula 2 – Direitos e garantias fundamentais

Aula 3 – Limitações constitucionais em face à atuação policial

Aula 4 – Os órgãos de Segurança Pública: limites e atribuições

Aula 1 – Principais conceitos

O processo de conscientização de direitos e deveres fez com que os membros da

sociedade, considerando a evolução social, econômica e cultural, vivenciada no

mundo e, em especial no Brasil, exigissem a mudança de paradigmas (modelos) na

atuação do Estado, de seus poderes e de seus órgãos. Assim, os agentes públicos

devem estar aptos a absorverem essa realidade.

Esse contexto é nitidamente sentido na área de Segurança Pública, que inspira a

proposta do curso, de conduzir você, policial, a essa realidade, para que sua

atuação seja apta a produzir os efeitos esperados pelo cidadão, uma prestação de

serviço público adequada, eficiente e em consonância com direitos e garantias

fundamentais, propulsores da dignidade da pessoa humana, dos direitos humanos.

Nessa aula, você estudará:

● A concepção básica do que vem a ser uma Constituição, sua importância para a

estrutura, organização e competências do Estado; e

● Os princípios e regras internacionais que norteiam a atuação policial no exercício

da preservação da ordem pública e da incolumidade (proteção) das pessoas e do

patrimônio, como vetores da defesa do Estado e das instituições democráticas.

Reflita sobre estas questões antes de começar.

Como agente policial, você tem noção das finalidades, objetivos e fundamentos

do Estado brasileiro?

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Você sabe quem cria e como é criado o Estado?

E quais seriam as influências que ele pode sofrer nas relações internacionais

envolvendo as questões de direitos humanos?

Constituição Federal como norma de organização e estruturação do Estado e

disciplinadora de suas finalidades.

A Constituição Federal de 1988 constitui a Lei Fundamental que traça a estrutura

organizacional básica dos poderes e o funcionamento do Estado brasileiro, com o

objetivo único de atender as necessidades da coletividade, do povo. Também nela

se definem os direitos e garantias fundamentais, individuais e coletivos, como forma

de limitar o exercício dos poderes pelo Estado, com o intuito de evitar abusos e

arbitrariedades.

A Lei Fundamental é fruto do anseio de um povo organizado, que, em dado

momento, se reúne em um grupo de pessoas, com vínculo de origem étnica ou

cultural comum, para firmar a vontade das forças determinantes da sociedade,

estabelecendo os fundamentos de sua convivência e de seu destino.

Nessa órbita, o povo é o titular do poder constituinte originário, que diretamente

ou por meio de seus representantes (deputados e senadores), de forma soberana,

inicial, ilimitada e incondicionada, elabora a Constituição.

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Poder constituinte

O poder constituinte originário (PCO) é aquele capaz de criar uma nova ordem constitucional,

sendo inicial, ilimitado e incondicionado.

O titular do PCO é o povo (art. 1º, parágrafo único, CF/88).

O exercício do PCO é efetivado pelos representantes do povo, chamados de constituintes

(deputados e senadores).

É inicial porque inaugura uma nova ordem jurídica, rompendo por completo com a ordem

antecedente.

É ilimitado porque não está sujeito a regras anteriores (Obs.: Os jusnaturalistas que

defendem a existência de um “direito natural” acima daquele estabelecido pelo homem

sustentam que o poder constituinte originário deve observância ao direito natural. Essa tese

não é adotada no Brasil).

É incondicionado porque não está submetido a regras procedimentais para elaboração da

nova ordem jurídica.

Enfim, o objetivo fundamental do poder constituinte originário é criar um novo Estado, uma

nova ordem jurídica, não importando que a nova Constituição ocorra de movimento

revolucionário ou de assembleia popular.

É importante dizer para você que a Constituição cria e estrutura o Estado como uma

instituição organizada política, social e juridicamente, com a responsabilidade de

constituir e estabelecer as bases do controle social e o desenvolvimento de um país,

de uma nação.

Isso tudo se resume, como já dito, no objetivo único de promover o bem comum,

proporcionando a toda a sociedade: saúde, emprego, moradia, educação,

previdência, segurança, etc.

Para compreender melhor essa questão é necessário entender a lição de Jean-

Jacques Rousseau (1762), cuida-se de um verdadeiro contrato social celebrado entre

a sociedade e o Estado, onde cada indivíduo cede uma parcela de sua liberdade em

benefício do todo, conferindo ao ente público os poderes necessários para que ele

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regule as relações sociais, defendendo e protegendo cada pessoa, e seu respectivo

patrimônio, de eventuais agressões e ameaças.

Por isso que se paga tributos ao Estado (impostos, taxas, contribuições, etc), e se

permite, por meio das leis, que seus agentes interfiram nos direitos e liberdades de

cada cidadão.

Avançando na ideia inicial, através da CF/88, o Brasil adotou como forma de governo

a República – organização política que visa a coisa pública, o interesse comum –,

como forma de Estado o federalismo – organização descentralizada, tanto

administrativa quanto politicamente, proporcionando a repartição de competências

entre o governo central e os estados-membros, que deliberam sobre os rumos da

nação – e constitui-se em um Estado democrático de direito, que é destinado,

através da proteção jurídica e material, a garantir o respeito das liberdades civis,

dos direitos humanos e garantias fundamentais. Para tanto sua estrutura tem por

fundamento a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores

sociais do trabalho, a livre-iniciativa e o pluralismo político.

Em decorrência, percebe-se que os mandatários políticos (presidente,

parlamentares, prefeitos, etc), os integrantes dos poderes (Executivo – Que

administra e aplica as leis; Legislativo – Que edita as leis; e, Judiciário – Que julga os

conflitos e a inobservância das leis e da Constituição) e dos órgãos do Estado (ex.:

Segurança Pública) estão sujeitos às regras de direito, às leis, cumprindo-lhes, então,

proteger e respeitar as liberdades civis, o respeito pelos direitos humanos e

liberdades fundamentais.

Também não se deve esquecer os objetivos traçados para o Estado, quais sejam:

● De construir uma sociedade livre, justa e solidária;

● Garantir o desenvolvimento nacional;

● Erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e

regionais; e

● Promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e

quaisquer outras formas de discriminação.

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Tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos

Dentro da concepção apresentada até aqui, cabe dizer que o Estado brasileiro é

regido nas suas relações internacionais pelos princípios da prevalência dos direitos

humanos, defesa da paz, solução pacífica dos conflitos, repúdio ao terrorismo e ao

racismo, cooperação entre os povos para o progresso da humanidade, dentre outros.

Assim, os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros

decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou contidos em tratados

internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte (§2º, art. 5º, da

CF/88). Sendo possível, ainda, os tratados e convenções internacionais sobre direitos

humanos, aprovados no Congresso Nacional, assumirem o status de emendas

constitucionais, i.e., acima das demais leis (§3º, art. 5º, da CF/88).

A questão dos direitos humanos, como se vê, assume relevância em nossa ordem

constitucional, pois que diz respeito a certas posições essenciais ao homem ao longo

de sua evolução histórica. Por assim dizer, suas bases assumem uma vocação

universalista, supranacional, razão pela qual são objeto de tratados ou convenções e

em outros documentos de direito internacional.

Nessa medida, sem ingressar nas discussões que são travadas entre autores, bem

como em nossos tribunais, no contexto atual, por conta das disposições

constitucionais já citadas, quando o Brasil celebra algum tratado internacional que

verse sobre direitos humanos, estes podem ingressar em nosso ordenamento jurídico

com status de normas constitucionais, merecendo especial tratamento pelo Poder

Público.

Você deve estar se perguntando: e se um tratado não alcançar o êxito de ser

aprovado como norma constitucional, à luz do art. 5º, §3º, qual será o seu status?

Cabe ressaltar que não será trabalhada a discussão travada na doutrina, mas sim na

tese firmada no Supremo Tribunal Federal – STF, no sentido de que os tratados sobre

direitos humanos que não forem aprovados de acordo com o §3º, do art. 5º, possuem

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status de norma infraconstitucional (abaixo da Constituição), porém, supralegal, ou

seja, acima da legislação interna.

Para compreender melhor essa questão, leia o HC 90172 / SP

http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=90172&c

lasse=HC&origem=AP&recurso=0&tipoJulgamento=M) Relator Ministro Gilmar Mendes

e o RE 466.343-1/SP

(http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=466343

&classe=RE&origem=AP&recurso=0&tipoJulgamento=M), Relator Ministro Cezar

Peluso, datado de 03/12/2008.

Nesse sentido, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu

Protocolo Facultativo (assinados em Nova York, no dia 30/03/2007), foram os

primeiros a serem aprovados pelo Congresso Nacional em observância ao §3º do art.

5º da CF/88, consoante o Decreto Legislativo nº 186, de 09/07/08. Mas, somente em

25/08/2009, por meio do Decreto Federal nº 6.949, passaram a compor a ordem

jurídica pátria com status de norma constitucional (disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Decreto/D6949.htm>).

De outro lado, existem alguns pactos que integram a ordem jurídica do Brasil, cujo

conteúdo versa sobre direitos humanos, constituindo verdadeiros limites da atuação

estatal, em especial para os órgãos policiais e jurisdicionais.

Com efeito, é possível citar dois pactos que estabelecem direitos individuais para

aqueles que se submetem à ação estatal, em face da sua atribuição de preservação

da ordem pública.

- O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (1966), adotado pela

Resolução nº 2.200-A, da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 16/12/1966, foi

aprovado pelo Decreto Legislativo nº 226, de 12/12/1991, ratificado pelo Brasil em

24/01/1992. Entrou em vigor no Brasil em 24/04/1992 através do Decreto nº 592, de

06/07/1992.

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- Por sua vez, o Decreto nº 678/1992 promulgou a Convenção Americana sobre

Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), em 22/11/1969.

Em suma, tais pactos estabelecem regras e princípios em favor da pessoa que é

submetida “à apuração de qualquer acusação de caráter penal formulada contra

ela ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil”, tais como:

● Presunção de inocência;

● Direito a um julgamento justo por autoridade competente e imparcial;

● Direito à privacidade;

● Direito a não ser submetido à tortura, nem a penas ou tratamentos cruéis,

desumanos ou degradantes;

● Direito a não produzir prova contra si mesmo e o de permanecer calado;

● Direito à comunicação prévia e pormenorizada da acusação formulada contra si;

● Direito de defender-se e de constituir defensor; e

● Qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser

conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei

a exercer funções judiciais e terá o direito de ser julgada em prazo razoável ou de

ser posta em liberdade, dentre outras.

Aula 2 – Direitos e garantias fundamentais

Nesta aula, você estudará os direitos e garantais fundamentais da dignidade da

pessoa humana, como verdadeiros parâmetros de limitação dos agentes do Estado

na consecução de suas atribuições. É imprescindível que você leia o artigo 5º, da

Constituição Federal.

Reflita sobre as questões abaixo antes de começar esta aula.

Os excessos na atuação policial, frequentemente, são objetos de severas críticas

que, invariavelmente, vinculam-nos à falta de preparação. De outro lado,

empregando o provérbio “a polícia é uma presença que incomoda, mas,

principalmente, uma ausência sentida”, sabe-se que o uso da força, a abordagem, a

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efetivação de uma prisão, constituem procedimentos necessários para se alcançar os

objetivos dos órgãos da Segurança Pública.

Pensando na sua realidade e experiência profissional, qual sua ideia a respeito?

Você acredita que seja possível minimizar e até eliminar as críticas sobre a

legitimidade de uma intervenção policial?

Direitos e garantias fundamentais

Você estudou na aula passada que a Constituição Federal estabelece as normas de

organização e estruturação do Estado, de seus poderes (Executivo, Legislativo e

Judiciário) e de seus órgãos, para que possa atingir a finalidade pública e atender os

interesses da coletividade. Também foi dito que a Carta Magna traça os direitos e

garantias fundamentais com o intuito de limitar a atuação estatal, evitando as

arbitrariedades, próprias de quem ocupa o poder.

A partir de agora serão delineadas as bases do tema – direitos e garantias

fundamentais –, para que se possa entender a razão pela qual tanto se fala em

limitação de poderes e o porquê de sua existência.

O Estado, através dos representantes do povo, quando age no sentido de decidir os

rumos da nação, recebe poderes como verdadeiros instrumentos para atingir suas

finalidades. Como ensina Alexandre de Moraes (2007), tais poderes delegados pelo

povo não são absolutos, encontrando limitações nos direitos e garantias

fundamentais.

A concepção sobre o tema está vinculada à ideia básica de que o detentor do poder,

invariavelmente, pode exorbitar suas finalidades, agindo com arbitrariedade.Vale

lembrar que os poderes são os de editar leis (Legislativo), aplicá-las em favor e

sobre os cidadãos, disciplinando as relações em sociedade (Executivo) e resolver

as controvérsias decorrentes de conflitos nas relações sociais e a inobservância do

direito (Judiciário). É bom dizer, empregando os ensinamentos do professor Paulo

Gonet Branco (2008), que os direitos fundamentais constituem um núcleo, um

conjunto de regras e princípios que visam proteger a dignidade da pessoa

humana.

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Essa concepção é fruto de uma evolução histórica desde a origem do homem, ser

eminentemente gregário que se reúne em grupos a fim de aumentar sua força e

possibilidades para perpetuar sua existência, para que possa assegurar sua

sobrevivência.

Esse conjunto de regras e princípios que tutelam a dignidade da pessoa humana

possui algumas características que devem ser observadas. Segundo Paulo Gonet

(2008), por maior que seja a dificuldade de se fixar as características desse instituto,

é possível elencar as principais. Veja estas características a seguir.

Características do conjunto de regras e princípios que tutelam a dignidade da

pessoa humana

● Universais: Atingem a todos os seres humanos, independentemente de idade, sexo,

cor, escolaridade, posição socioeconômica.

● Absolutos: Estão situados no patamar máximo da hierarquia jurídica, gozando de

prioridade absoluta sobre qualquer interesse estatal ou coletivo.

● Inalienáveis: Não podem ser submetidos à transmissão, venda ou negociação.-

● Indisponíveis: Mesmo que o indivíduo renuncie o seu gozo, o Estado deve atuar no

sentido de respeitá-lo e de protegê-lo.

● Consagrados na ordem jurídica: Servem de traço distintivo em face dos direitos

humanos, fruto de uma evolução histórica, de lutas, de valores e princípios de índole

essenciais para o homem, ligados à sua existência, com bases jusnaturalistas, que

antecedem às leis escritas. Os direitos fundamentais constituem-se na inserção dos

direitos humanos na ordem jurídica concreta, que o Estado os reconhece como sendo

essenciais e fundamentais, motivo pelo qual os vincula no sentido de dar especial

proteção.

● Limitativos dos poderes constituídos: Serão trabalhados mais adiante.

● De aplicabilidade imediata: Não precisa de uma regulamentação

infraconstitucional, ou seja, uma vez inserido na norma constitucional, o Estado

deverá respeitá-lo.

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Diferença entre direitos e garantias fundamentais

De uma forma bem geral, os direitos representam por si bens, isto é, algo que está

inserido no patrimônio ou tem como objeto imediato um bem específico da

pessoa (vida, honra, liberdade, integridade física, etc.). Ao passo que as garantias

representam um instrumento posto à disposição dos indivíduos para assegurar os

direitos e limitar os poderes do Estado. Nessa medida, vários são os dispositivos

contidos no art. 5º, da Constituição, que comportam esse conceito.

Constituição - Art. 5º

III - Ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante;

LVIII - O civilmente identificado não será submetido à identificação criminal, salvo

nas hipóteses previstas em lei (vide Lei nº 10.054/2000);

LXI - Ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e

fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão

militar ou crime propriamente militar, definidos em lei;

LXII - A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados

imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada;

LXIII - O preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer

calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado;

LXIV - O preso tem direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu

interrogatório policial;

LXV - A prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária;

LXVI - Ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a

liberdade provisória, com ou sem fiança;

LXVIII - Conceder-se-á "habeas-corpus" sempre que alguém sofrer ou se achar

ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por

ilegalidade ou abuso de poder;

LXIX - Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo,

não amparado por "habeas-corpus" ou "habeas-data", quando o responsável pela

ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no

exercício de atribuições do Poder Público;

LXX - O mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por:

a) Partido político com representação no Congresso Nacional;

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b) Organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e

em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros

ou associados;

LXXI - Conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma

regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e

das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania;

LXXII - Conceder-se-á "habeas-data":

a) Para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante,

constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de

caráter público;

b) Para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso,

judicial ou administrativo;

LXXIII - Qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise anular

ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à

moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural,

ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da

sucumbência;

LXXIV - O Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que

comprovarem insuficiência de recursos;

LXXV - O Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar

preso além do tempo fixado na sentença;

LXXVII - São gratuitas as ações de "habeas-corpus" e "habeas-data", e, na forma da

lei, os atos necessários ao exercício da cidadania;

LXXVIII - A todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável

duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

O artigo 5º, da Constituição, em um primeiro momento, dá a entender que os

destinatários da proteção jurídica e material são apenas os brasileiros e os

estrangeiros residentes no país. Porém, é bom que fique claro que os estrangeiros em

trânsito no território nacional também são beneficiados com a tutela estatal,

conforme descrito nos artigos 1º, 3º e 4º da Constituição, onde fala da dignidade da

pessoa humana, construção de uma sociedade livre justa e solidária, promoção do

bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras

formas de discriminação e a prevalência dos direitos humanos.

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Vinculação dos poderes públicos

A inserção de regras e princípios na Constituição tem sua razão de ser centrada na

magnitude (dimensão) dos valores mais caros da existência humana, que, por isso,

devem estar resguardados em um documento jurídico supremo e com força

vinculante máxima, tornando-se imune aos temperamentos ocasionais de quem ocupa

o centro de poder, bem como das instabilidades políticas, religiosas, econômicas e

sociais.

Com efeito, a previsão dos direitos fundamentais na Constituição vincula a atuação

do Estado, de seus poderes, de seus órgãos. Circunstância que impede a

interpretação de que constituem simples autolimitações dos poderes, passíveis de

serem alterados ou suprimidos ao talante desses, sob o mero argumento de vigorar o

interesse do Poder Público na consecução de seus fins.

Em razão disso é que esses valores recebem proteção especial do Estado, conhecida

também como “cláusulas pétreas”, isto é, não podem ser objeto de deliberação

sobre proposta de emenda à Constituição no sentido de lhes abolir (CF/88, art.

60, §4º).

Portanto, deve ficar claro que a informação contida avisa aos poderes constituídos,

bem como a seus órgãos, que seus atos devem conformidade aos direitos e garantias

fundamentais e se sujeitam à invalidação se os desprezarem, bem como à

responsabilização de seus agentes nas esferas administrativa, civil e criminal.

Constituição Federal 1988. Art. 60

§4º- Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

I - A forma federativa de Estado;

II - O voto direto, secreto, universal e periódico;

III - A separação dos poderes; e

IV - Os direitos e garantias individuais.

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Pode-se concluir que os órgãos públicos que constituem a Administração (dentre eles,

os da Segurança Pública) estão vinculados às normas de direitos e garantias

fundamentais, pelo que seus agentes devem agir, interpretar e aplicar as leis

segundo ao que se dita. Em outras palavras, a atividade da Administração Pública

não pode deixar de respeitar os limites que lhe acenam os direitos fundamentais.

Em especial, destacam-se as atividades discricionárias da administração, cuja

margem de liberdade abre um leque de possibilidades para atuação do agente

público, de acordo com a oportunidade e conveniência, como ocorre na abordagem

policial, pautada essencialmente na fundada suspeita.

Relatividade dos direitos e garantias fundamentais

Com a contextualização mencionada, uma pergunta não escapa.

Os direitos e garantias fundamentais assumem feição absoluta? São intangíveis ou

intocáveis a todo o momento?

A resposta evidente é que não. Isso porque, pelo Brasil ser um Estado de Direito,

todos os membros da sociedade se submetem à lei, não podendo, dessa feita, se

valer de direitos e garantias fundamentais para a prática de ilícitos, bem como se

esquivar de uma eventual responsabilidade pecuniária, civil ou penal. Do

contrário, os princípios estatuídos nas normas constitucionais estariam relevados à

extinção material, uma verdadeira ruína, de anos de evolução da história humana.

Pense na hipótese em que todas as pessoas viessem a praticar condutas sem limites,

como conduzir veículo aonde bem quisesse ou invadir a residência de qualquer

cidadão sem sua autorização. Uma reação em cadeia, sem precedentes, geraria a

extinção do próprio ser humano.

Entretanto, sabe-se que não é assim que funciona e, até hoje, o ser humano existe

porque o direito impõe limites na pratica de condutas, nas relações sociais, enfim,

no exercício de direitos. A isso Alexandre de Moraes (2007) chama de princípio da

relatividade ou convivência das liberdades públicas, traduzindo, em suma, a ideia

de que os direitos e garantias fundamentais consagrados na Constituição de 1988 não

são ilimitados, encontrando restrições nos demais direitos estatuídos nessa Lei Maior.

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Faça uma leitura do artigo 78, do Código Tributário Nacional – CTN, que, por mais

que seja subordinado aos tributos (impostos, taxas, contribuições, etc.) definindo

poder de polícia, traduz com clareza a possibilidade de se limitar direitos em

benefício da coletividade e, com isso, assegurar a estabilidade das relações em

sociedade. Veja:

Art. 78 Considera-se poder de polícia atividade da Administração Pública que,

limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou

abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à

higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício

de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder

Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos

individuais ou coletivos. (Redação dada pelo Ato Complementar nº 31, de

28.12.1966 http://www.fiscosoft.com.br/indexsearch.php?PID=129072).

Essa noção é extraída da concepção comum de que o Estado deve cumprir suas

atribuições e de que o direito de cada pessoa acaba quando começa o de outra.

Assim, o Estado, por seus órgãos, pode intervir na liberdade das pessoas, desde

que seja para beneficiar a coletividade, para cumprir a sua finalidade.

Dignidade da pessoa humana

Não é preocupação aqui traçar a definição exata dessa expressão, no âmbito

científico, já que tal tarefa é controvertida inclusive na doutrina, onde muitos

autores travam discussões sobre o tema, expressando posicionamentos distintos uns

dos outros. Fica à sua vontade a leitura de textos de autores que se dedicaram a essa

aspiração. Mas, não se pode fugir da necessidade de ter uma noção geral e comum.

Ela cuida de um princípio base do sistema jurídico pátrio, contido na Constituição de

1988, onde todos os ramos do direito, o Estado e seus órgãos devem respeitar.

Em suma, sua ideia central consiste na possibilidade de se assegurar um mínimo

existencial à pessoa humana, sob o aspecto moral e material.

Então, quando se considera que o princípio da dignidade da pessoa humana foi

atendido?

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Quando os valores morais e éticos, a liberdade, a intimidade forem respeitados,

bem como quando for garantida a assistência material mínima (moradia,

alimentação, educação, saúde, segurança, lazer) necessária à satisfação das

necessidades humanas. Essa é a ideia por trás dos dispositivos contidos no artigo

5º, da CF/88.

Aula 3 – Limitações constitucionais em face à atuação policial

Limitações constitucionais na atuação policial

Até o presente momento, você estudou a razão de existir do Estado, qual seja, a de

atingir o bem comum, constituído, estruturado e organizado pela Constituição

Federal, a qual ainda estabelece os direitos e as garantias fundamentais.

Também estudou que o Estado, para alcançar o interesse de todos é composto por

poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário) e estruturado em órgãos, destacando-se

os da Segurança Pública.

É lícito dizer, na concepção específica do curso, que os direitos e garantias

fundamentais funcionam como verdadeiros limitadores da atuação policial, ou seja, é

com base nesse contexto jurídico que o membro de um órgão policial deve executar

as medidas cabíveis para a manutenção e restabelecimento da ordem pública, por

meio de técnicas e tecnologias policiais alinhadas com os direitos e garantias

fundamentais, cujo núcleo é vertido para a proteção da dignidade da pessoa humana.

Ainda que o cidadão seja o sujeito ativo de um crime hediondo, mesmo que o

aparato de segurança deva alcançar seus níveis máximos face às necessidades

concretas ao restabelecimento do status quo ante, a Constituição, através das

limitações impostas pelos direitos e garantias individuais, com suas características

indisponíveis, universais, absolutos, inalienáveis, assegura àquele, que é destinatário

dessa atuação estatal, um tratamento tal que o mínimo existencial deva ser

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respeitado, protegendo a vida, a integridade física, moral, psicológica, etc. (vide os

dispositivos do artigo 5º ligados ao tema).

Direito de ir, vir e permanecer

Um dos direitos fundamentais mais afetados com a intervenção estatal, em especial

através da atuação dos órgãos de Segurança Pública durante uma busca pessoal, no

exercício do poder de polícia, é o direito de ir, vir e permanecer. Isso porque a

CF/88 em seu artigo 5º foi clara ao dizer que é garantindo aos brasileiros e aos

estrangeiros residentes no país, a inviolabilidade do direito à liberdade, ou seja,

esse direito fundamental decorre naturalmente do direito à liberdade da pessoa

humana no sentido de se locomover livremente por toda parte do território

nacional.

Você tem ideia da magnitude, da importância e do relevo que contorna esse

direito fundamental?

A resposta parece simples, mas na prática não o é. Perceba que com a liberdade a

pessoa pode desenvolver-se em várias dimensões (física, espiritual, educacional,

religiosa, política, etc.). E um dos aspectos dessa liberdade é o direito de locomoção

(direito de ir, vir e permanecer), que permite ao cidadão a possibilidade de

movimentar-se por todos os espaços públicos e privados na busca de integrar-se com

sua sociedade, com sua família, com o Poder Público, seja para emprego, educação,

saúde ou lazer. Vale lembrar que isso tudo faz parte da dignidade da pessoa, ponto

de partida de estudo, que contida na Constituição, ao Estado compete proteger e

estimular o seu pleno exercício, porque para isso foi concebido.

Princípio da proporcionalidade: ponderação de valores

A limitação do direito à liberdade para satisfazer uma necessidade pública, é, na

verdade, de forma ampla, uma projeção da proteção conferida ao cidadão no seu

relacionamento no meio social, com o fim legítimo de resguardar o bem comum,

através da fiel observância do que dita a lei, que representa a vontade popular,

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SENASP/MJ - Última atualização em 10/10/2009 Página 23

titular do poder constituinte originário. Com isso, percebe-se que é enorme a

responsabilidade dos agentes públicos na consecução de suas atribuições.

Então, como fazer para adequar a atuação policial sem se descuidar dos direitos e

garantias fundamentais?

Qual é o momento ideal para limitar a liberdade do indivíduo e observar a sua

dignidade?

A resposta não é tranquila. O policial tem que estar bem preparado tecnicamente

para aplicar seus conhecimentos em uma busca pessoal (abordagem), que abrange

níveis que vão desde a emissão de comandos verbais até a efetivação da busca,

com o contato físico e imobilização, se for o caso.

Essa dinâmica não pode ser levada a efeito de qualquer forma, sobre qualquer

pessoa, em qualquer momento, a qualquer pretexto. O ordenamento jurídico traça

os parâmetros, que, ao lado das técnicas de busca pessoal, de abordagem, devem

fazer parte da conduta do agente.

A leitura e compreensão do texto constitucional, das leis e legislação que conduzem

os direitos e garantias fundamentais, são essenciais, assim como a verificação do

posicionamento dos juristas e do poder judiciário sobre os atos estatais e as

restrições impostas aos direitos individuais. Aliando a técnica policial com os

parâmetros jurídicos, o resultado será uma atuação legítima, adequada, necessária e

razoável.

Observe que está sendo discutida a ponderação de valores que, através do princípio

da proporcionalidade, constitui instrumento capaz de solucionar os problemas mais

cruciais ou triviais do dia-a-dia enfrentados pelos agentes estatais.

Lembra o professor Thiago André Pierobom de Ávila (2007) que essa concepção é

própria da estrutura das normas de direitos fundamentais, esculpida no Estado

constitucional contemporâneo. Com essas palavras ele apresenta os ensinamentos de

Robert Alexy, para quem o direito, que existe para disciplinar as relações sociais, se

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SENASP/MJ - Última atualização em 10/10/2009 Página 24

expressa por meio de normas e essas, por sua vez, abrangem as regras e os

princípios.

As regras proíbem ou permitem algo em termos categóricos, são cumpridas na

lógica do tudo ou nada.

Os princípios constituem espécies normativas que traduzem valores da sociedade

inseridos na ordem jurídica (vida, honra, intimidade, liberdade, dignidade, moral,

etc.), que devem ser aplicados na medida do possível, de acordo com as

possibilidades fáticas e jurídicas. Em consequência, são considerados como

mandados de otimização. Lembrem que são esses valores que o Estado deve proteger

e respeitar. Mas, na consecução de suas atribuições esses valores podem ser

relativizados, como já foi dito anteriormente.

É nesse momento que entra a questão da ponderação. A questão é crucial. Tanto que

o professor Paulo Gonet (2008) indaga: O que acontece quando duas posições

protegidas como direitos fundamentais diferentes brigam por prevalecer numa

mesma situação? Pode uma prostituta invocar o direito de ir e vir para justificar

pedido de salvo conduto que lhe assegure fazer o trottoir?

Tendo por base a questão anterior, o agente do Estado, diante de eventual conflito

de direitos fundamentais, deve promover um juízo de valor, principalmente frente a

uma fundada suspeita, uma ponderação de valores que se assenta sobre o princípio

da proporcionalidade, que abrange três critérios: o da adequação, necessidade e

proporcionalidade em sentido estrito.

A adequação exige que as medidas interventivas, adotadas pelo agente do Estado,

sejam aptas a atingir os objetivos pretendidos. A necessidade, também conhecida

por exigibilidade, diz respeito à escolha, dentre os vários meios existentes, do menos

gravoso para o indivíduo sujeito à atuação estatal. A proporcionalidade em sentido

estrito (também mencionada por alguns como razoabilidade) constitui um juízo

definitivo da medida sobre o resultado a ser alcançado, ponderando-se a intervenção

e os objetivos perseguidos, sobre o fundamento do equilíbrio entre um e outro.

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SENASP/MJ - Última atualização em 10/10/2009 Página 25

Imagine...

É irradiado pela central de operações a existência de um veículo automotor, com três

indivíduos em seu interior, portando entorpecentes e arma de fogo. Em dado

momento, uma viatura se depara com um veículo com as exatas características

transmitidas pela central. Diante disso, os agentes devem começar a promover juízos

de valor, ponderações para que possam atuar.

É necessário abordar?

Qual a técnica a ser utilizada na abordagem?

O número de policiais garante a segurança da guarnição, da população e dos

próprios indivíduos a serem submetidos à atuação estatal?

Dentre os meios disponíveis para a busca, qual é o menos gravoso?

A atuação técnica mostra-se suficiente e equilibrada para neutralizar qualquer

tipo de reação e atingir os objetivos?

As respostas a essas indagações, em observância aos requisitos da necessidade,

adequação e razoabilidade, representam a legítima atuação dos agentes policiais,

assegurando a todos os cidadãos um agir estatal eficiente no âmbito da Segurança

Pública, mostrando-se adequado com a dignidade da pessoa humana, com o devido

respeito aos direitos e garantias fundamentais.

Aula 4 – Os órgãos de Segurança Pública: limites e atribuições

Nesta aula, você vai encontrar uma abordagem que traz as consequências pelas quais

o Estado e seus agentes se submetem a uma responsabilização quando os limites de

seus atos são extrapolados. Ao final, fechando este módulo, você terá a oportunidade

de conhecer as principais atribuições dos órgãos de Segurança Pública.

Antes de começar, reflita sobre as questões abaixo.

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Pela terceira teoria de Isaac Newton “para cada ação há sempre uma reação, oposta

e de mesma intensidade”. Diante dessa teoria, você teria condições de estabelecer

uma relação entre ela e a extrapolação de limites pelo Estado, quando atua através

de seus agentes públicos?Em outro contexto, considerando sua experiência

profissional, você consegue enxergar os contornos da atividade exercida em sua

instituição?

Responsabilidade civil do Estado decorrente da atuação policial

Na atuação estatal eventualmente o agente público se desvia de suas atribuições,

podendo gerar danos aos indivíduos, à população e à sociedade.

Quando não são observados os direitos e as garantias fundamentais, quando o juízo

de ponderação de valores (adequação, necessidade e razoabilidade) não se cumpre,

gerando danos morais e/ou materiais às pessoas, o Estado, por seu agente, pratica

ato ilícito.

No sistema jurídico, a prática de atos ilícitos enseja o dever de indenizar. Nesse

sentido, veja o que estabelece o Código Civil.

Código Civil

Art. 186 Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar

direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 187 Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede

manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos

bons costumes.

Art. 927 Aquele que, por ato ilícito (artigos 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a

repará-lo.

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SENASP/MJ - Última atualização em 10/10/2009 Página 27

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos

especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano

implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Vale dizer que, em face do Estado, existem regras peculiares. Em outras palavras, o que se

pretende dizer é que a responsabilidade civil do Estado é objetiva. De acordo com o

estabelecido na Constituição Federal:

Art. 37 A Administração Pública direta e indireta de qualquer dos poderes da União, dos

estados, do Distrito Federal e dos municípios obedecerá aos princípios de legalidade,

impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada

pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc/emc19.htm#art3

§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços

públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros,

assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

No mesmo sentido, é o que define o Código Civil:

Art. 43 As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos

dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo

contra os causadores do dano, se houver, por parte desses, culpa ou dolo.

E o que significa responsabilidade objetiva?

É aquela na qual não se observa a existência de dolo (vontade) ou culpa

(inobservância do dever de cuidado objetivo, nas modalidades imperícia,

imprudência e negligência). O critério para sua observância decorre da análise da

existência de conduta, do dano e da lógica de causalidade entre esse e aquela.

A lógica dessa consequência é a de que se o dano foi causado pelo Estado, o qual foi

concebido para atuar em benefício e em nome da sociedade, com efeito, a

responsabilidade recairá sobre essa. Portanto, é a sociedade que suportará os custos

pelos prejuízos, os quais serão distribuídos de forma equitativa, igualitária e indireta

a cada membro.

Responsabilidade do agente público na prática de atos ilícitos

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SENASP/MJ - Última atualização em 10/10/2009 Página 28

Das ideias discorridas na página anterior, uma indagação surge: Não seria injusto

para a sociedade suportar os prejuízos decorrentes de uma responsabilidade civil,

quando foi o agente público quem deu causa de forma intencional ou sem a

observância dos cuidados mínimos exigidos?

Sim, seria. Por isso que o artigo 37, §6º, da CF/88, garante o direito de regresso

sobre o servidor público, ou seja, se ele praticou ato ilícito de forma dolosa ou

culposa, resultando na responsabilidade civil do Poder Público, e esse venha a arcar

com os prejuízos, o Estado poderá buscar as medidas cabíveis para repassar esse

encargo àquele que deu causa, assegurando, assim, a justiça.

Cabe salientar que o direito de regresso não comporta prazo prescricional (perda da

possibilidade de se cobrar o prejuízo em face do decurso do tempo), conforme

entendimento do Superior Tribunal de Justiça – STJ esposado no RESp. nº 328.391-DF,

julgado em 08.10.2002 e publicado no DJ de 02/12/2002.

É possível, ainda, que a responsabilidade civil estatal seja excluída quando os danos

originados decorrerem de caso fortuito, força maior e culpa exclusiva da vítima.

Por fim, é possível ainda que o servidor público, além de responder diante de uma

ação regressiva, de natureza cível, venha a ser submetido a um processo

administrativo ou criminal, por ter excedido em suas atribuições, sem que isso

configure o bis in idem.

Atribuições dos organismos de Segurança Pública

Dentro da execução do contrato social, citado no início de nossos estudos, onde cada

indivíduo cede uma parcela de sua liberdade para que o Poder Público defenda e

proteja de toda a força comum a pessoa e os seus bens, há a Segurança Pública.

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SENASP/MJ - Última atualização em 10/10/2009 Página 29

Nas palavras do professor Álvaro Lazzarini (2003), a Segurança Pública constitui-se

como um aspecto da ordem pública, ao lado da tranquilidade e salubridade públicas.

Ela é causa da ordem pública, que se traduz em um estado antidelitual, livre,

portanto, da violação de bens jurídicos protegidos pela ordem jurídica (vida, saúde,

integridade física, honra, patrimônio), ou seja, há ordem pública, e,

consequentemente, Segurança Pública, quando, por exemplo, no dia-a-dia o cidadão

tem a possibilidade de transitar nas vias públicas, a qualquer hora, e não ser

molestado por atos de roubo ou furto, ou mesmo, quando em viagem de férias, sua

residência não é alvo de vagabundos.

Enfim, na lição de Diogo Figueiredo Moreira Neto, lembrado por Álvaro Lazzarini

(2003), a Segurança Pública se perfaz em um conjunto de processos políticos e

jurídicos, destinados a garantir a ordem pública, sendo essa objeto daquela.

O tema guarda tanta relevância que tem reservado um capítulo (III) no título V, da

CF/88, que cuida “Da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas”. Nessa

medida, traz o artigo 144 a previsão de que o Poder Público, dentro de suas

atribuições, tem a incumbência de assegurar a preservação da ordem pública, a

incolumidade das pessoas e do patrimônio. Essa atividade une na Segurança Pública,

que é implementada através de órgãos:

Art. 144 A Segurança Pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos,

é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do

patrimônio, através dos seguintes órgãos:

I - Polícia federal;

II - Polícia rodoviária federal;

III - Polícia ferroviária federal;

IV - Polícias civis; e

V - Polícias militares e corpos de bombeiros militares.

As atividades desenvolvidas por esses órgãos possuem atributos peculiares, ligados a

instrumentos aptos a preservar a ordem pública, tais como os poderes-deveres

discricionários, de polícia, autoexecutoriedade, dentre outros. Portanto, conclui-se

que essas atividades exteriorizam-se como uma típica manifestação administrativa da

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Aspectos Jurídicos da Abordagem Policial – Módulo 1

SENASP/MJ - Última atualização em 10/10/2009 Página 30

Administração Pública. Na concretização das atividades em apreço, impõe salientar

que cada órgão possui sua atribuição bem definida.

A atividade de polícia judiciária é exercida pelas polícias federal e civil e se

conclui no sentido de apurar as infrações penais (crimes/delitos e contravenções) e

de cumprir as determinações das autoridades judiciárias (juiz de 1º grau,

desembargador de Tribunal de Justiça, ministros do STJ e STF), como por exemplo,

no mandado de prisão, na busca e apreensão de bens, na realização de perícias etc.

Seus atos, em regra, são documentados em inquéritos policiais que, encaminhados

para a Justiça, tem por finalidade subsidiar o exercício de ação penal por seus

titulares (Na ação penal pública, o Ministério Público, através da denúncia; na ação

penal privada, o ofendido/vítima ou representante legal, através da queixa-crime),

ao apontar indícios de autoria e materialidade. Portanto, a polícia judiciária exerce

suas atribuições após a ocorrência do fato-crime.

De outro lado, existe a denominada polícia administrativa que tem por objeto a

prevenção do ilícito penal e não penal (ex.; polícia de trânsito de veículos

terrestres, polícia das construções, polícia aduaneira, polícia fiscal, polícia do meio

ambiente, polícia sanitária, etc.). As atividades desenvolvidas aqui são atribuídas às

polícias federal, rodoviária federal, ferroviária federal e polícias militares.

A linha demarcatória da polícia administrativa e da polícia judiciária é a

ocorrência ou não do ilícito penal.

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Dentro desse âmbito, segundo Álvaro Lazzarini (2003) e Maria Silvya Zanela Di Pietro

(2007), destaca-se a polícia de Segurança Pública, que, na lição de José Cretella

Júnior (Apud, Álvaro Lazzarini, 2003), tem a atribuição de prevenir a criminalidade

em relação à vida, à incolumidade pessoal, à propriedade e à tranquilidade pública e

social, ou seja, é orientada para a proteção dos bens supremos da ordem pública,

da paz e da tranquilidade social. Essa atividade é exclusiva das policiais militares,

que também exercem a polícia judiciária militar, na esfera dos crimes militares

(artigo 144, §§1º e 2º, CF/88).

Conclusão

Neste primeiro módulo, você estudou os principais aspectos das normas

constitucionais e da legislação internacional ligados aos direitos humanos, voltados

para a atuação policial.

Neste módulo são apresentados exercícios de fixação para auxiliar a compreensão

do conteúdo.

O objetivo destes exercícios é complementar as informações apresentadas nas

páginas anteriores.

1. Cite 4 (quatro) dos principais direitos e garantias fundamentais inseridos no

Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (1966) e na Convenção

Americana de Direitos Humanos.

2. De que modo os direitos e garantias fundamentais exercem influência em uma

atuação policial?

3. Na atuação policial, como a dignidade da pessoa humana deve ser respeitada?

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4. No que consiste as limitações constitucionais da atuação policial?

5. Qual é a distinção existente entre responsabilidade objetiva e subjetiva? Em

qual delas o agente policial poderá estar sujeito?

6. Você, como agente policial, se depara com um evento em que exige sua

atuação. Caso seja necessário promover uma busca pessoal, descreva, de acordo

com os ensinamentos discorridos aqui, os critérios para a formulação de um juízo

de ponderação, para que sua ação seja legítima e atinja sua finalidade.

7. Imagine que determinado indivíduo, proveniente de outro país, esteja no Brasil

com a finalidade de praticar ecoturismo. Um agente policial, ao ser acionado para

atender a ocorrência envolvendo essa pessoa, na qualidade de suposto autor de

infração penal, entende que os direitos e garantias fundamentais inseridos no

artigo 5º, da Constituição, apenas se destinam aos brasileiros e aos estrangeiros

residentes no país. Diante disso, avalie se o pensamento do referido policial está

de acordo com os dispositivos contidos na CF/88.

Este é o final do módulo 1 - As normas constitucionais, a legislação internacional e

atuação policial

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Módulo 2 – Aspectos Jurídicos relacionados à abordagem policial

Neste módulo, você estudará a abordagem policial propriamente dita. A ação de

abordar representa um típico ato administrativo, sendo de suma importância o

estudo de seus requisitos. Além do mais, a abordagem é uma manifestação do

dever-poder de polícia, ocasião em que o policial promoverá restrição de

determinados direitos individuais em atenção ao interesse público de manutenção da

ordem.

Como você estudará, a citada limitação, de ordem discricionária, para ser conforme

o ordenamento jurídico, deve ser justificada, não bastando a simples opção do

agente. O dever-poder de polícia, o dever-poder discricionário e a fundada suspeita

terão seu espaço garantido no estudo do módulo. Ao final, para fechar o módulo,

você estudará as buscas pessoal e domiciliar.

O conteúdo deste módulo está dividido em 4 aulas:

Aula 1 – Ato administrativo: atributos e elementos

Aula 2 – Poder-dever de polícia e poder-dever discricionário

Aula 3 – Fundada suspeita: conceituação, fundamento legal e necessidade de

elementos objetivos

Aula 4 – Busca pessoal e busca domiciliar

Aula 1 – Ato administrativo

Tendo em vista que todo profissional da área de Segurança Pública corresponde a um

agente público, logo, pratica atos administrativos e é responsável pelas suas

consequências, nada mais adequado do que estudá-los e entender a sua importância

e significado, pois, dessa forma, você poderá pautar suas condutas de acordo com o

que foi preceituado no ordenamento jurídico.

O que você entende por ato administrativo?

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É possível definir ato administrativo como o ato praticado como manifestação da

vontade do Estado, que cumpre os preceitos legais, sejam de ordem

constitucional como infraconstitucional, visando produzir efeitos jurídicos

concretos para atingir o interesse público.

Antes de prosseguir, leia os conceitos sobre ato administrativo mais utilizados no

mundo jurídico.

Diversos conceitos de ato administrativo

O doutor Celso Antônio Bandeira de Mello (2007, p. 368) conceitua da seguinte forma:

“Declaração do Estado (ou de quem lhe faça às vezes – como, por exemplo, um concessionário

de serviço público), no exercício de prerrogativas públicas, manifestada mediante

providências jurídicas complementares da lei a título de lhe dar cumprimento, e sujeitas a

controle de legitimidade por órgão jurisdicional”.

Já para o renomado Helly Lopes Meirelles (2001, p. 141), “ato administrativo é toda

manifestação unilateral de vontade da Administração Pública que, agindo nessa qualidade,

tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar, extinguir e declarar

direitos ou impor obrigações aos administrados ou a si própria”.

Por fim, Carvalho Filho (2007, p. 92) considera ato administrativo como a “exteriorização da

vontade da Administração Pública ou de seus delegatários que, sob regime de direito público,

tenha por fim adquirir, resguardar, modificar, transferir, extinguir e declarar situações

jurídicas, com o fim de atender ao interesse público.”

O que deve ficar claro para você é que o profissional da área de Segurança Pública

é um agente público, representante do Estado, e como tal deve pautar suas ações

no interesse público, tendo o dever de praticar todos os seus atos dentro da

legalidade. Daí a necessidade de estudar diversas matérias, dentre elas, o ato

administrativo.

Agora que você já sabe o que significa o ato administrativo e a correspondente

importância para a sua atividade profissional, estude um pouco mais, lendo os seus

atributos e elementos.

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Atributos do ato administrativo

Você deve estar se perguntando:

Por qual motivo devo conhecer os atributos do ato administrativo?

O atributo nada mais é do que uma qualidade do ato, ou seja, algo que o

particulariza, que o distingue. Ao conhecer essas características você será capaz de

fazer a distinção entre um ato de particulares e um ato do Poder Público.

Os atributos prestigiam a ação do Poder Público sobre o particular.

Ex: Se um particular lhe der uma ordem, você a cumprirá se quiser; por outro lado,

uma ordem originária do Poder Público deve ser observada, sob pena de gerar

responsabilidade, nos termos do ordenamento jurídico. Veja que uma das formas

dessa ordem ser emanada é por você, agente da Administração Pública!

Os atributos do ato administrativo correspondem às suas características,

circunstância que o destaca como sendo proveniente do Poder Público. São elas:

Presunção de legitimidade;

Imperatividade; e

Autoexecutoriedade.

Para uma melhor compreensão, estude, separadamente, cada uma das

características.

Presunção de legitimidade

Por esse atributo presume-se que, em princípio, a ação do Poder Público está em

conformidade com a lei, ou seja, que o ato administrativo foi praticado e/ou

elaborado de acordo com a legislação em vigor.

Princípio

Dizem em princípio, pois pode haver prova em contrário, já que aquele que se sentir

prejudicado poderá, posteriormente, se insurgir contra o ato praticado.

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Nesse caso, a administração pública não precisará provar que seu ato é legal, caberá

àquele que se sentir prejudicado demonstrar sua ilegalidade. Ocorre dessa forma

justamente porque se aceita que ao ser editado ou praticado está em conformidade

com o ordenamento jurídico.

A consequência desse atributo é a pronta execução do ato administrativo, que será

imediatamente aplicado, pois é considerado válido (legal) desde o seu nascimento.

Sendo assim, a administração pública faz com que o particular, de pronto, aceite sua

ação.

Antes de continuar, reflita se todos os atos administrativos gozam de presunção de

legitimidade, tendo aplicação imediata aos administrados. Em caso positivo, o que

pode fazer um administrado, caso se sinta prejudicado?

Imperatividade

Imperativo refere-se a algo imposto. O ato administrativo já nasce imperativo. Essa

característica está diretamente relacionada com o seu cumprimento ou execução.

Esse atributo permite que a administração pública imponha diretamente seus atos,

independentemente da anuência ou concordância dos administrados atingidos.

Em decorrência desse atributo, o ato administrativo é coercitivo e gera obrigações ao

seu destinatário, a esse cabe apenas cumprir o que lhe for determinado, não há

possibilidade de negociação, já que aqui se prestigia o interesse público em

detrimento do interesse do particular.

A administração pública ao editar um ato não precisa ter o consentimento de seus

destinatários, ocorrendo apenas, a imposição de seu cumprimento.

É importante que você saiba que essa característica não está presente em todos os

atos administrativos, mas tão-somente nos que impõem obrigações, pois existem atos

que são solicitados pelo próprio administrado, tais como as certidões e os atestados,

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nos quais não há que se falar em imperatividade, porque não impositivos. É por isso

que não cabe ao cidadão escolher se pode ser abordado ou não.

Autoexecutoriedade

Você já aprendeu que os atos administrativos presumem-se legais, até prova em

sentido contrário, e que são aplicados imediatamente, sem necessidade de aprovação

do destinatário.

Agora, você aprenderá que o ato administrativo possui também o atributo da

autoexecutoriedade, o qual possibilita que o Poder Público faça cumprir as suas

decisões sem a necessidade de autorização prévia do Poder Judiciário. Significa que

o ato basta por si só, não há necessidade de qualquer manifestação do Poder

Judiciário para impor o seu cumprimento.

É importante que você reflita que muito embora não precise de autorização do Poder

Judiciário, a parte que se sentir prejudicada poderá buscar amparo nele, frente ao

disposto no inciso XXV, artigo 5º, da Constituição Federal, como já estudado no

atributo da presunção de legitimidade.

A autoexecutoriedade é de suma importância para a sua atividade de profissional da

área de Segurança Pública, uma vez que é dele que vem a possibilidade do uso da

força, pois a administração pública pode fazer cumprir as suas determinações, sem

precisar recorrer ao Judiciário e, caso necessite, o fará de forma coercitiva.

Elementos do ato administrativo

Você já estudou que os atributos são as qualidades do ato, agora estudará que o ato

administrativo possui elementos indispensáveis, também chamados requisitos, para

a sua existência.

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Os elementos ou requisitos são as partes que integram a estrutura do ato. São

eles:

Sujeito;

Objeto;

Forma;

Finalidade; e

Motivo.

Como foi feito com os atributos, estude cada um dos elementos separadamente.

Sujeito

É quem produz o ato administrativo, trata-se daquele a quem a lei atribui

competência para praticá-lo. Esse elemento também é conhecido como

competência, referindo-se ao conjunto de atribuições outorgadas por lei.

A lei é que dá ao agente da Administração Pública a capacidade de praticar o ato

administrativo.

Tal requisito deve ser analisado sob dois aspectos:

Primeiro é necessário verificar se a pessoa jurídica de direito público e seus

respectivos órgãos têm atribuição para a prática do ato. No caso do profissional da

área de Segurança Pública, tal atribuição está elencada nos parágrafos do artigo 144

da Constituição da República. Nele, você encontrará as atribuições específicas da sua

instituição.

Num segundo momento, deverá observar se tal competência é distribuída entre os

seus servidores.

A Constituição de 1988 estabeleceu a competência do seu órgão, tornando-o

responsável por determinada parcela da Segurança Pública. Dentro dessa

responsabilidade, a lei criou os cargos da sua instituição atribuindo-lhes competência

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para realizar diversos atos administrativos, dentre eles a abordagem, que é o objeto

do nosso estudo.

É imprescindível que o agente público que realiza a abordagem policial esteja no

exercício do cargo ou função, já que a lei destinou competência a esses e não às

pessoas. Outro aspecto importantíssimo da competência é que ela é vinculada à lei,

possuindo limites estabelecidos no ordenamento jurídico. Ao realizar a abordagem,

você deverá sempre respeitar esses limites, sob pena de incorrer em abuso de poder,

conduta que poderá caracterizar um dos crimes previsto na Lei de Abuso de

Autoridade, que será estudada no módulo 3.

Objeto

Também conhecido como conteúdo, o objeto é o resultado prático do ato. Por

exemplo, no ato administrativo em que o agente de trânsito (sujeito) aplica uma

multa, o objeto do ato consiste na imposição de penalidade administrativa pelo

descumprimento de um mandamento legal.

O objeto do ato administrativo deve ser:

● Lícito

O objeto está previsto e é autorizado em lei. A abordagem policial está prevista no

Código de Processo Penal Brasileiro, que será visto na aula 4.

● Determinado

Deve ser certo quanto ao destinatário, aos efeitos, ao tempo e ao lugar. A partir

desse entendimento, você, como aplicador da lei, não poderá realizar uma

abordagem indistintamente. Ao limitar o direito individual, deverá precisar a(s)

pessoa(s), o momento e o lugar em que a ação será levada a efeito, bem como o

tempo necessário para realizá-la com segurança.

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Forma

A lei determinará de que forma o ato administrativo poderá ser exteriorizado. É o

modo pelo qual a administração pública expressa a sua vontade, podendo ser:

● Escrito

Por meio de regulamentos, decretos, leis, dentre outros. Por exemplo, o mandado de

busca e apreensão, o qual deverá ser essencialmente escrito e emanado pela

autoridade judiciária competente, conforme preconizado no Código de Processo

Penal.

● Verbal

A abordagem é um excelente exemplo de ato verbal. Isso não significa que poderá

passar à margem da lei, pois é ela que estabelece as regras que deverão ser

respeitadas pelo profissional de Segurança Pública no desempenho de seu mister.

● Gestos

Os sinais que o agente de trânsito realiza com as mãos e braços.

● Sonoros

O emprego de apitos pelos agentes de trânsito, por exemplo.

Finalidade

Esse elemento refere-se ao resultado específico que cada ato deve produzir, qual

bem de ordem pública visa atingir. Em outras palavras, todo e qualquer ato

administrativo tem que buscar uma razão de interesse público, visando sempre o

bem comum. Além disso, o ato deve basear-se na finalidade descrita na norma,

expressão máxima do interesse comum, que atribui competência ao agente para a

sua prática.

O objetivo da abordagem é a preservação ou restauração da ordem pública, ao

realizá-la o policial sempre visará a Segurança Pública e não a satisfação de anseios

pessoais.

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policial que abordar aleatoriamente, sem finalidade específica, incorre em desvio de

finalidade, mais uma vez, sujeito a Lei de Abuso de Autoridade, além disso, o ato

poderá ser declarado nulo, em tese, por não possuir todos os seus elementos.

Desvio de finalidade ou desvio de poder corresponde ao vício que atinge o ato

administrativo sempre que for praticado fora da finalidade previamente estabelecida

em lei.

Motivo

É a causa, é o porquê do ato, é o fato de origem que irá exigir ou autorizar a

administração pública a praticar o ato administrativo.

O motivo é diferente da finalidade porque antecede ao ato, corresponde aos fatos

que levam o agente a executá-lo, enquanto a finalidade é o objetivo que a

administração visa com sua edição.

Aula 2 – Poder-dever de polícia e poder-dever discricionário

Na aula anterior, você aprendeu sobre o ato administrativo: seus atributos e

elementos. Nesta aula, você estudará os dois poderes da administração: poder-dever

discricionário e poder-dever de polícia.

É importante você saber, conforme José dos Santos Carvalho Filho (2007, p. 37) que:

“O poder administrativo representa uma prerrogativa especial de direito público

outorgada aos agentes do Estado. Cada um desses terá a seu encargo a execução de

certas funções. Ora, se tais funções foram por lei cometidas aos agentes, devem eles

exercê-las, pois que seu exercício é voltado para beneficiar a coletividade. Ao fazê-

lo, dentro dos limites que a lei traçou, pode dizer-se que usaram normalmente os

seus poderes.”

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Uso do poder, portanto, é a utilização normal, pelos agentes públicos, das

prerrogativas que a lei lhes confere.

Reflita! É um poder ou um dever-poder?

De acordo com Maria Sylvia Zanella Di Pietro, “embora o vocábulo poder dê a

impressão de que se trata de faculdade da administração, na realidade trata-se de

um poder-dever, já que reconhecido ao Poder Público para que exerça em benefício

da coletividade; os poderes são, pois, irrenunciáveis”.

Poder- dever discricionário

Termo extremamente usual na atividade policial e nas escolas de formação. Não é

por acaso que você o ouve a todo instante, ele está diretamente ligado à atividade

de Segurança Pública.

O poder discricionário caracteriza um poder de escolha, que não é aleatória, tem

alguns limites estabelecidos em lei. Esse poder possibilita que a administração

pública pratique seus atos administrativos com liberdade na escolha de sua

conveniência, oportunidade e conteúdo.

De acordo com Celso Antônio Bandeira de Melo (2007, p. 414), a discricionariedade é

a liberdade dentro da lei, nos limites da norma legal, e pode ser definida como: “A

margem de liberdade conferida pela lei ao administrador a fim de que este

cumpra o dever de integrar com sua vontade ou juízo a norma jurídica, diante do

caso concreto, segundo critérios subjetivos próprios, a fim de dar satisfação aos

objetivos consagrados no sistema legal”.

Essa liberdade se origina no fato de que só o administrador possui condições de

analisar se a prática do ato é conveniente e oportuna, visto que é ele quem está em

contato com a realidade da sua atividade.

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Relembrando...

Você se recorda do ato administrativo? Você estudou na aula passada, dentre outros

assuntos, seus atributos e elementos, indispensáveis à sua existência.

Nesse ponto, é possível dizer que o poder discricionário não alcança todos os

elementos do ato administrativo, ele está consolidado apenas no motivo e no

objeto, pois os demais (sujeito, a forma e a finalidade) são sempre vinculados à

lei. A administração pública só poderá exercer a escolha nos casos em que a lei não

vincular o objeto e o motivo.

Ex: Um exemplo de exercício do poder-dever discricionário é a nomeação para cargo

em comissão, hipótese em que o administrador público, através de um ato

administrativo, possui liberdade de escolha para nomear aquele que for de sua total

confiança.

Pensamento semelhante ocorre na abordagem policial. Você, profissional da área de

Segurança Pública, terá a liberdade de escolha, dentro dos requisitos da fundada

suspeita (tema da próxima aula) quanto aos motivos para submeter um cidadão à

abordagem policial.

Discricionariedade X Arbitrariedade

Embora ambos tragam a ideia de liberdade de escolha, são inconfundíveis.

A discricionariedade é o exercício da escolha dentro dos limites da lei. Enquanto

a arbitrariedade corresponde ao abuso da discricionariedade, já que extrapola ou

é contrária aos limites legais.

É importante que você reflita acerca da grande responsabilidade que possui, pois,

diferentemente, dos demais agentes públicos, o policial, no desempenho de seu

labor, limita a liberdade das pessoas, sendo assim, se o seu ato for arbitrário,

possivelmente, acarretará grandes abusos.

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Poder de polícia

poder-dever de polícia corresponde ao poder que a administração tem de limitar

o exercício de direitos individuais em benefício da coletividade.

Esse poder constitui um meio posto à disposição da administração pública, para

conter, caso necessário, os abusos praticados pelos particulares no gozo de suas

liberdades. Em outras palavras, é através do poder de polícia que a liberdade e a

propriedade dos indivíduos são passiveis de restrição, com o intuito de beneficiar a

coletividade.

Através do poder de polícia a lei confere a você, agente público, mecanismos para

restringir os abusos do direito individual. A abordagem policial nada mais é do que

um desses instrumentos.

Por sua relevância, o poder de polícia não escapou do labor legislativo, sendo

definido no artigo 78, do Código Tributário Nacional.

Código Tributário Nacional

Art. 78 Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou

disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato,

em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à

disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de

concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à

propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.

Parágrafo único. Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado

pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e,

tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder.

Por que o poder de polícia está conceituado no Código Tributário Nacional?

Não é o poder de polícia algo inerente às atribuições policiais?

Na Administração Pública, seja federal, estadual ou municipal há diversos órgãos não

elencados no artigo 144, da CF/88, que exercem o poder de polícia. Por exemplo, a

Vigilância Sanitária, a qual incumbe inspecionar determinados estabelecimentos

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SENASP/MJ - Última atualização em 23/10/2009 Página 13

comerciais concedendo-lhes habilitação para funcionamento. Essa inspeção é

manifestação inequívoca do poder de polícia, situando onde há uma fiscalização do

Poder Público visando ao interesse de todos, já que o novo estabelecimento deve

obedecer às condições de higiene para funcionar.

Observe que será tratado sempre do “poder de polícia”

(http://www.stj.gov.br/SCON/pesquisar.jsp?b=ACOR&livre=rhc%201833) e não do

“poder da polícia”, já que esse não é exclusividade dos órgãos da Segurança

Pública.

Atributos do poder de polícia

Como já estudado no ato administrativo, atributos são qualidades e aqui

correspondem à:

- Discricionariedade

Trata-se da liberdade de escolha dentro dos limites legais, da oportunidade e

conveniência para exercer o poder de polícia. A administração pública também

possui a liberdade de empregar os meios que julgar mais condizentes para atingir a

sua finalidade, a qual será sempre relacionada à proteção de algum interesse

público. Observe que o ato de polícia é, em princípio, discricionário, mas passará a

ser vinculado se a norma legal que o rege estabelecer o modo e a forma de sua

realização. Nesse caso, a autoridade só poderá praticá-lo validamente atendendo a

todas as exigências da lei ou regulamento pertinente.

- Autoexecutoriedade

A administração decide e executa diretamente suas decisões, por seus próprios

meios, sem precisar de autorização de outro poder, seja o Judiciário, seja o

Legislativo, para agir.

Como você já estudou, no atributo do ato administrativo, caso o particular se sinta

prejudicado pode reclamar perante o Poder Judiciário, com fundamento primeiro no

inciso XXXV, artigo 5º, da Constituição Federal.

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- Coercibilidade

As medidas administrativas possuem caráter impositivo, sendo de observância

obrigatória para o particular. A administração pode até usar da força, desde que

pautada na proporcionalidade, necessidade e legalidade, para impor as suas ações e

vencer qualquer resistência do administrado.

Você, policial, sabe que para realizar a abordagem, dentro dos limites legais, não há

a necessidade de autorização judicial, pois o seu ato possui autoexecutoriedade. O

mesmo ocorrerá diante da recusa do abordado em obedecer a seu comando, quando

você poderá empregar a força necessária para fazer valer sua determinação, que é

legítima expressão da vontade estatal. Esse ato de coerção, do mesmo modo,

independe da autorização judicial.

Ex: Fechamento de um estabelecimento por não atendimento das condições de

higiene. O particular não pode chegar e determinar que seja fechado, contudo, a

Administração não deve somente fechar, como também pode utilizar a força policial

para cumprir o seu ato, caso o administrado se oponha.

Extensão e limitações ao poder de polícia

A extensão do poder de polícia é muito ampla, abrange diversas áreas de atuação da

administração pública, que vão desde a proteção à moral e aos bons costumes,

passando pela preservação da saúde pública, pelo controle de publicações, pela

segurança das construções e dos transportes, até os aspectos afetos à segurança

nacional.

Já os limites de tal poder são estabelecidos pela compatibilização dos direitos

fundamentais da pessoa, já estudados por você no módulo 1, com o interesse da

coletividade. Há uma linha, insuscetível de ser ignorada, que reflete a junção entre o

poder restritivo da administração e a intangibilidade dos direitos assegurados aos

indivíduos. Atuar aquém dessa linha demarcatória é renunciar ilegitimamente a

poderes públicos; agir além dela representa arbítrio e abuso de poder.

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Segundo a atualizada lição de Hely Lopes (2001, p. 126), “os limites do poder de

polícia administrativa são sempre demarcados pelo interesse social em

conciliação com os direitos fundamentais do indivíduo assegurados na

Constituição da República”. Os Estados Democráticos, por se inspirarem nos ideais

da liberdade, clamam pelo equilíbrio entre a fruição dos direitos de cada um e os

interesses da coletividade, em prol do bem comum.

As limitações pautam-se na necessidade, proporcionalidade e eficácia.

Necessidade

O poder de polícia só deve ser empregado quando for necessário para evitar possíveis

ameaças de perturbações ao interesse público, se outro meio menos gravoso existir

para a preservação da ordem, deverá ser utilizado com prioridade.

Proporcionalidade

Precisa existir uma relação de equilíbrio entre a limitação ao direito individual e o

prejuízo a ser evitado.

Eficácia

O ato deve ser apropriado para impedir o dano ao interesse público, empregando

meios legais e humanos, a fim de evitar medidas extremas. Mesmo com o intuito de

realizar o bem comum, não é permitido ao agente público utilizar de meios ilícitos

para atingir seu intento, pois os fins não justificam os meios.

Lembre-se de que seus atos atingem diretamente a liberdade individual, em

decorrência, exerça seu labor sempre pautado na legalidade, sob pena de causar a

invalidação do ato administrativo praticado e, mais grave ainda, afrontar

diretamente os direitos e garantias individuais estabelecidos na CF/88.

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Aula 3 – Fundada suspeita: conceituação, fundamento legal e necessidade

de elementos objetivos

Nesta aula, você estudará sobre a fundada suspeita, levando em conta seu conceito,

fundamento legal e a necessidade de elementos objetivos para a sua caracterização.

Prepare-se! Você estudará um aspecto essencial à sua atividade policial.

Fundada suspeita

Você, como profissional da área de Segurança Pública, sabe o quanto as suas atitudes

são questionadas.

As reclamações são potencializadas quando se trata da abordagem, já que

NINGUÉM GOSTA DE SER ABORDADO.

Não é difícil entender o motivo que leva as pessoas, quase que na sua totalidade, a

reclamar de qualquer intervenção policial, pois, de uma forma ou de outra, limita-

se, com essa ação, o seu direito. Dificilmente você ouvirá alguém dizer: “muito

obrigado senhor policial por me abordar!”.

É pouco provável que o cidadão saia contente após sofrer uma ação policial, como

colocado, seus interesses são de alguma forma atingidos. Contudo, quando percebe

que está sendo submetido a uma medida restritiva de direitos aplicada por um

profissional especializado, detentor do conhecimento pleno de suas atitudes, que

atua em prol do bem comum, passa a compreender e colaborar com o labor policial.

O maior intuito dessa aula é criar condições para habilitá-lo a realizar a abordagem

policial de acordo com o ordenamento jurídico pátrio com o fito de suas ações,

mesmo após análise do judiciário, serem consideradas legítimas e coerentes na sua

totalidade.

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Conceito

Você já deve ter escutado o termo fundada suspeita em sua vida profissional,

possivelmente, desde os cursos de formação. Diferentemente do poder de polícia,

ele ainda não foi conceituado em nenhum diploma legal.

Embora apareça transcrito em uma lei, citada em linhas futuras, e no Código de

Processo Penal, a doutrina pouco escreve a respeito do tema. Mesmo assim é

largamente utilizado por diversos profissionais, dos policiais aos juristas, por

exemplo, o julgado do Supremo Tribunal Federal, abaixo destacado, onde a fundada

suspeita consta do relatório:

"O uso legítimo de algemas não é arbitrário, sendo de natureza excepcional, a ser

adotado nos casos e com as finalidades de impedir, prevenir ou dificultar a fuga ou

reação indevida do preso, desde que haja fundada suspeita ou justificado receio de

que tanto venha a ocorrer, e para evitar agressão do preso contra os próprios

policiais, contra terceiros ou contra si mesmo. O emprego dessa medida tem como

balizamento jurídico necessário os princípios da proporcionalidade e da

razoabilidade." (HC 89.429), Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 22-08-06, DJ

de 02-02-07). No mesmo sentido: HC 91.952, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em

07-08-08, Informativo 514.

A suspeita é a atitude do cidadão, é a forma como ele age que leva, você, policial,

a suspeitar de uma possível situação ilegal, merecedora de verificação.

Jamais pode se dizer que “a pessoa é suspeita”, o cidadão por si só não carrega

essa característica. Sem dúvidas, a adjetivação de suspeita deve recair sobre

condutas.

Reflita...

Seria possível estabelecer uma espécie de tabela com os detalhes físicos de quem

é suspeito e de quem não o é?

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Óbvio que a preconização desses parâmetros seria repleta de ilegalidades,

afrontando a moralidade e todos os demais pilares democráticos que a sociedade

atual alcançou. Mais que isso, a atuação do profissional de Segurança Pública

baseada em estereótipos não gera a manutenção da ordem e da paz social, ao

contrário, só produz injustiça e sensação de insegurança.

Lembre-se

Não existem pessoas suspeitas e sim, pessoas em atitudes suspeitas!

A suspeição não guarda relação com sexo, raça, nível social, dentre outros.

O cidadão por si só não é suspeito, o que leva a efetiva abordagem policial são as

suas atitudes, que por algum motivo destoam da realidade daquele momento.

Do que você estudou aqui, é possível obter que a fundada suspeita baseia-se no

entendimento do agente público, que ao visualizar determinado fato, pressupõe

que nele há fortes indícios de ilegalidade.

Observa-se que o pressuposto de indícios é apoiado essencialmente em critérios

subjetivos, pois é intrínseco ao policial. Você verá que não basta o subjetivismo para

respaldar sua abordagem, mostrando-se também necessária certa dose de critérios

objetivos, ou seja, elementos capazes de caracterizar a conduta do cidadão como

suspeita.

A subjetividade integrante da fundada suspeita origina-se na própria lei, porque o

legislador permitiu uma larga margem para a apreciação do policial, sendo expressão

de toda a sua experiência e conhecimento profissional, espelhado em seu conteúdo

técnico-policial.

Lembra o que estudou a respeito da discricionariedade?

A administração executa o ato de acordo com a oportunidade e conveniência. O

mesmo ocorre na abordagem, situação em que o policial procede sustentado na

discricionariedade e nos demais elementos de convicção, escolhendo, para tanto, o

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melhor local e momento de fazê-lo, visando sempre o bem comum, o interesse da

coletividade.

Fundamento legal

O termo fundada suspeita está transcrito em dois diplomas legais, a saber:

● Decreto-lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal

Brasileiro; e,

● Lei nº 10.054, de 07 de dezembro de 2000 – Lei da Identificação Criminal.

No Código de Processo Penal Brasileiro a sublinhada expressão aparece por duas

vezes, a primeira no artigo 240 e a outra no artigo 244. Ambos os dispositivos

pertencem ao capítulo XI, que trata da busca e apreensão.

Código de Processo Penal Brasileiro

Art. 240 A busca será domiciliar ou pessoal.

§ 1o Proceder-se-á à busca domiciliar, quando fundadas razões a autorizarem, para:

a) Prender criminosos;

b) Apreender coisas achadas ou obtidas por meios criminosos;

c) Apreender instrumentos de falsificação ou de contrafação e objetos falsificados ou

contrafeitos;

d) Apreender armas e munições, instrumentos utilizados na prática de crime ou

destinados a fim delituoso;

e) Descobrir objetos necessários à prova de infração ou à defesa do réu;

f) Apreender cartas, abertas ou não, destinadas ao acusado ou em seu poder, quando

haja suspeita de que o conhecimento do seu conteúdo possa ser útil à elucidação do fato;

g) Apreender pessoas vítimas de crimes; e

h) Colher qualquer elemento de convicção.

§ 2o Proceder-se-á à busca pessoal quando houver fundada suspeita de que alguém

oculte consigo arma proibida ou objetos mencionados nas letras b a f e letra h do parágrafo

anterior.

Código de Processo Penal Brasileiro

Art. 244 A busca pessoal independerá de mandado, no caso de prisão ou quando houver

fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis

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que constituam corpo de delito, ou quando a medida for determinada no curso de busca

domiciliar.

Observe que a fundada suspeita só foi referida pelo legislador quando da busca

pessoal, vez que a busca domiciliar apoia-se em requisitos que serão tema da

próxima aula.

A Lei de Identificação Criminal – Lei nº 10.054/00

(http://www.mp.ba.gov.br/atuacao/caocrim/legislacao/leis/lei_10054_2000.pdf) – a

fundada suspeita é reproduzida uma única vez, pontualmente no inciso II, do artigo

3º. Observe que essa lei não abrange todas as pessoas, só estão sujeitos aos seus

termos:

● Os presos em flagrante delito;

● Os indiciados em inquérito policial;

● Aqueles que praticaram infração de menor potencial ofensivo, definidas, em

homenagem ao princípio da reserva legal, no artigo 61, da Lei nº 9.099/95 e no artigo

2º, da Lei nº 10.259/(01); e

● Aqueles contra os quais tenha sido expedido mandado de prisão judicial.

Em resumo, aquele que se encontrar em uma das situações acima descritas,

mesmo possuindo documento original que comprove sua identificação civil,

poderá ser submetido à identificação criminal, desde que haja a fundada suspeita

de que tal documento tenha sofrido algum tipo de adulteração ou falsificação.

Reflexão

Embora essa lei não trate especificamente da abordagem policial, ela nos leva a uma

questão interessante: Como você deve agir nos casos em que ao abordar um cidadão

ele se nega a fornecer a sua respectiva identificação?

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Apesar da abordagem ser uma atividade de rotina, não são raras as ocasiões em que

o policial possui dúvidas de como agir quando o cidadão desacata a ordem de se

identificar.

Partindo do princípio que a abordagem não foi arbitrária, possuindo os elementos

caracterizadores da fundada suspeita, o policial deverá agir em conformidade com o

ordenamento jurídico, evitando atentar contra a integridade física e moral do

cidadão abordado.

Nesse exemplo, basta você, policial, conhecer o ordenamento jurídico para constatar

que a não-identificação, quando legalmente solicitada, configura delito, conforme

mostra o Decreto-lei nº 3.688.

O artigo 68, da Lei das Contravenções Penais, é referente à administração pública,

por isso, o bem jurídico tutelado é o seu normal funcionamento. A norma busca

fornecer condições para que as funções administrativas possam ser levadas a efeito e

exercidas com normalidade.

DECRETO-LEI Nº 3.688, DE 3 DE OUTUBRO DE 1941.

http://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/DEL%203.688-1941?OpenDocument

Lei das Contravenções Penais

O Presidente da República, usando das atribuições que lhe confere o artigo 180 da Constituição,

DECRETA:

LEI DAS CONTRAVENÇÕES PENAIS

Art. 68 Recusar à autoridade, quando por esta, justificadamente solicitados ou exigidos, dados ou indicações concernentes à própria identidade, estado, profissão, domicílio e residência:

Pena – Multa de duzentos mil réis a dois contos de réis.

Parágrafo único. Incorre na pena de prisão simples, de um a seis meses, e multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis, se o fato não constitui infração penal mais grave, quem, nas mesmas circunstâncias, faz declarações inverídicas a respeito de sua identidade pessoal, estado, profissão, domicílio e residência.

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Recusar à autoridade

O verbo recusar indica que houve uma solicitação ou determinação anterior que não

foi obedecida e sim, rejeitada.

A autoridade descrita no tipo pode ser qualquer servidor público, desde que esteja

imbuído do poder-dever de polícia inerente àquela função, ou seja, tem que estar no

exercício do cargo, emprego ou função.

No caput do artigo pune-se a conduta do sujeito que se recusa a fornecer seus dados

quando solicitado ou exigido. Por sua vez, o parágrafo único tipifica a ação daquele

que faz afirmações inverídicas sobre seu estado natural.

Cultura jurídica

Você sabe apontar a diferença entre o artigo 307, do Código Penal, e o artigo 68,

da LCP?

No artigo 307 a pessoa, ao recusar o fornecimento de dados identificadores, busca

vantagem para si. Por exemplo, seria o caso daquele que por constar como

“procurado” da Justiça fornece ao policial documento de seu irmão, passando-se por

ele, para não ser preso.

Já na contravenção a recusa não traz benefício algum para o sujeito passivo.

A lei não obriga a pessoa portar documento que a identifique. Entretanto, a pessoa é

obrigada a fornecer os dados que possibilitem a sua identificação.

Cabe salientar que, de acordo com o § 1º, do artigo 159, do Código de Trânsito

Brasileiro – CTB, se o abordado estiver na direção de veículo automotor deverá estar

portando, obrigatoriamente, a Carteira Nacional de Habilitação ou a Permissão para

Dirigir.

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LEI Nº 9.503, DE 23 DE SETEMBRO DE 1997.

http://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/lei%209.503-

1997?OpenDocument

Institui o Código de Trânsito Brasileiro.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte lei:

Art. 159 A Carteira Nacional de Habilitação, expedida em modelo único e de acordo com as

especificações do CONTRAN, atendidos os pré-requisitos estabelecidos neste Código, conterá

fotografia, identificação e CPF do condutor, terá fé pública e equivalerá a documento de

identidade em todo o território nacional.

§ 1º É obrigatório o porte da Permissão para Dirigir ou da Carteira Nacional de

Habilitação quando o condutor estiver à direção do veículo.

Ao realizar uma abordagem legítima, você sabe que diante da recusa do cidadão em

identificar-se haverá, no mínimo, uma contravenção penal.

Necessidade de elementos objetivos

O último tema dessa aula refere-se ao fato de que o policial não pode ficar restrito

apenas à sua subjetividade ao abordar alguém.

A atitude da pessoa pode ser considerada suspeita por uma série de características,

sendo que todas elas, obrigatoriamente, deverão ser incomuns diante da realidade do

lugar, momento, situação climática, dentre outros. Significa que a abordagem

legítima requer a existência de elementos concretos e sensíveis, anteriores a

execução do ato, os quais demandarão a real necessidade de limitação dos direitos e

garantias fundamentais.

Sabe-se que o rol de elementos objetivos é infindável, variando muito de acordo com

o lugar, costumes, cultura, só para exemplificar. Entretanto é imprescindível que

exista, pois é parte integrante da motivação do ato, logo, é requisito essencial para a

sua validade.

Os tribunais pátrios têm acenado nesse sentido, veja alguns exemplos:

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Supremo Tribunal Federal

A fundada suspeita, prevista no artigo 244, do CPP, não pode fundar-se em

parâmetros unicamente subjetivos, exigindo elementos concretos que indiquem a

necessidade da revista, em face do constrangimento que causa. Ausência, no caso,

de elementos dessa natureza, que não se pode ter por configurados na alegação de

que trajava, o paciente, um ‘blusão’ suscetível de esconder uma arma, sob risco de

referendo a condutas arbitrárias ofensivas a direitos e garantias individuais e

caracterizadoras de abuso de poder." (Supremo Tribunal Federal, HC nº 81.305-4/GO,

1ª Turma, rel. Min. Ilmar Galvão, J. 13.11.01, v.u., DJU 22.02.02, p. 35).

Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

TRÁFICO DE ENTORPECENTES. Modalidade trazer consigo. Preliminar de cerceamento

de defesa em razão do indeferimento do pedido de exame de dependência

toxicológica e ilegalidade da busca pessoal. IMPOSSIBILIDADE. Análise do magistrado

quanto à necessidade de tal exame, não podendo ser indeferido por mera alegação

de uso. A mera aferição de que o apelante usava o entorpecente não tem o condão

de desvincular o tipo penal em que se encontra incurso se, ante todo o conjunto

probatório, não encaminhar para a desclassificação. BUSCA PESSOAL que fundada na

suspeita de estar cometendo ilícito. Local dos fatos conhecido como venda de

drogas. Agente que ao ver a viatura policial apresenta atitude suspeita sendo

abordado e em seu poder é encontrado o entorpecente. Quantidade de droga

apreendida incompatível com o uso, depoimento dos policiais no sentido de que

confessou que a droga era destinada para a venda e não comprovação de seu álibi

configuram a tipicidade da conduta. (TJ-SP – AP – 6ª C. – Rel. Ruy Alberto Leme

Cavalheiro – J. 14.06.06). Constrangimento ilegal. Policial militar que, devidamente

fardado e em horário de folga, recebe informação sobre a presença, dentro de

estabelecimento comercial, de um indivíduo suspeito e procede a busca pessoal.

Absolvição. Necessidade: - deve ser absolvido da prática do delito previsto no artigo

146, "caput", do CP, nos termos do artigo 386, III, do CPP, o agente que, sendo

policial militar, devidamente fardado e em horário de folga, recebe informação sobre

a presença, dentro de estabelecimento comercial, de um indivíduo suspeito e

procede, devido à fundada suspeita e nos moldes do artigo 240, § 2º, do CPP, a busca

pessoal, uma vez que esta é autorizada por lei, sendo certo, ainda, que o fato do

policial estar fardado e portando arma não implica, por si só, em violência ou grave

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ameaça. (TACRIM-SP – AP – 8ª C. – Rel. RENÉ NUNES – J. 29.11.01). O excesso

desnecessário na busca e apreensão, a pretexto de se colher material para a

formação do corpo de delito, constitui ilegalidade. Lesa o direito líquido e certo do

impetrante, autorizando a concessão do mandado de segurança (TACRIM-SP – MS – 6ª

C. – Rel. Fernandes Rama – J. 29.12.81 – RT 565/341). "A busca é autorizada nos casos

previstos no artigo 240 e ss. do CPP, como exceção às garantias normais de liberdade

individual. Mas, como exceção, para que não degenere a medida, sem dúvida

violenta, em abusivo constrangimento, a lei estabelece normas para a sua execução,

normas que devem ser executadas com muito critério e circunspecção pela

autoridade" (TJSP – AP – Rel. Dalmo Nogueira – RT 439/360).

Aula 4 – Busca pessoal e busca domiciliar

Nesta aula será estudada a busca pessoal e a domiciliar. É importante que saiba que

há um curso na Rede Nacional de EAD que trata desse assunto de forma mais

aprofundada. Aqui o foco será nos principais aspectos do ordenamento jurídico sobre

o tema.

É imprescindível que você leia o Capítulo XI, do Código de Processo Penal – CPP.

Busca pessoal

A busca pessoal é aquela realizada na própria pessoa. Abrange as vestes e os

demais objetos que com ela estiverem, como bolsa, carteira, mala, veículo,

dentre outros.

Pode ser feita através de forma:

● Ocular: O policial solicita que o cidadão mostre-lhe o conteúdo de uma mala, por

exemplo.

● Manual: Existe contato físico entre o policial e o cidadão ou entre aquele e os

pertences do abordado.

● Mecânica: Através de aparelhos específicos, por exemplo, os detectores de metais

e raio-x, como os utilizados em aeroportos.

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Tendo em vista que restringe a liberdade individual (direito de ir, vir e ficar), a busca

pessoal tem limites, que ao serem extrapolados podem caracterizar violação à

intimidade, constrangimento ilegal, abuso de poder, dentre outros. Nesse sentido,

veja a seguir a manifestação de um órgão do Poder Judiciário sobre o tema:

1. A busca pessoal é autoexecutável, ou seja, independe de mandado judicial,

desde que haja a fundada suspeita, já estudada na aula anterior.

2. Diferentemente da busca domiciliar (regida pela CF/88, artigo 5º, inciso XI e

CPP, artigo 245 e seguintes), a busca pessoal pode ser realizada a qualquer

dia e horário.

Busca pessoal em mulheres

O CPP, em seu artigo 249, estabeleceu que:

“A busca em mulher será feita por outra mulher, se não importar retardamento ou

prejuízo da diligência.”

Observe:

Primeiramente, o artigo não restringe que uma mulher faça a busca pessoal em um

homem. Mas, por questão de bom senso, se numa equipe policial tiver um homem,

não há porque a policial realizar a busca em pessoa do sexo masculino. Por outro

lado, a própria norma não proíbe que o policial faça a busca em mulher, entretanto a

restringe. Significa, em outras palavras, que nos casos excepcionais, em que não

houver policial feminina, o policial poderá executá-la. Mas reflita, se assim o fizer,

estará agindo na exceção da lei, em decorrência, além de fundamentar o ato de

abordar, deverá se preocupar para que o constrangimento causado seja o menor

possível.

Ex: Há forte suspeita que a abordada possua uma arma sob suas vestes e não há

policial feminino para verificar, o que fazer? Nesse caso, perfeitamente cabível que o

policial proceda na abordagem, na legítima intenção de garantir a ordem e a

Segurança Pública.

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Busca veicular

Para verificar se é permitida ou não a busca veicular, analise antes o conceito de

casa/domicílio, já que o que ocasiona dúvidas é se o carro seria ou não extensão do

mesmo, portanto também inviolável.

Veja o que estabelece a Constituição Federal e o Código Penal Brasileiro – CP, que

também traz em seus dispositivos o vocábulo “casa”.

Constituição Federal

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,

garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade

do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos

seguintes:XI - A casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar

sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou

para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial.

Código Penal Brasileiro

Art. 150 Entrar ou permanecer, clandestina ou astuciosamente, ou contra a vontade

expressa ou tácita de quem de direito, em casa alheia ou em suas dependências:§ 4º

A expressão "casa" compreende:I - Qualquer compartimento habitado;II - Aposento

ocupado de habitação coletiva; eIII - Compartimento não aberto ao público, onde

alguém exerce profissão ou atividade.§ 5º - Não se compreendem na expressão

"casa":I - Hospedaria, estalagem ou qualquer outra habitação coletiva, enquanto

aberta, salvo a restrição do nº II do parágrafo anterior; eII - Taverna, casa de jogo e

outras do mesmo gênero.

A Constituição Federal trata do termo casa, estabelecendo que é o asilo

inviolável, resguardando algumas hipóteses.

O termo “casa” é muito abrangente e o legislador quis proteger todo e qualquer

compartimento privado não aberto ao público onde alguém exerce profissão ou

atividade. Ou seja, o local, para ser considerado casa, não pode ser acessível ao

público e tem que haver delimitação espacial.

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SENASP/MJ - Última atualização em 23/10/2009 Página 28

No caso de um hotel, os quartos são utilizados como moradia, logo, são acobertados

pela expressão casa, o mesmo não ocorrendo em relação aos corredores e ao saguão.

O domicílio aqui não é o fixo, que exige o ânimo de residência, acompanhando a

pessoa que está hospedada em qualquer lugar.

Mas a dúvida é: E o carro, está compreendido no termo casa? É inviolável?

Bom, existem hipóteses em que o veículo pode ser considerado a extensão do lar,

portanto, inviolável. Veja:

● Se o carro está na garagem da casa;

● Se é um veículo tipo trailer, enquanto parado;

● Se é uma embarcação; e

● Eventualmente a cabine de um caminhão, no qual, assim como nos dois casos

citados anteriormente, o proprietário também se estabeleça com ânimo de moradia.

É lícita a abordagem aos veículos, desde que haja a fundada suspeita de que no seu

interior possam existir objetos que constituam corpo de delito, mesmo que o

condutor não permita.

Essa discussão tem tanta relevância que o Supremo Tribunal Federal já se

pronunciou. Veja:

RHC 90.376/RJ - RIO DE JANEIRO RECURSO EM HABEAS CORPUS Relator(a): Min. CELSO DE MELLO Julgamento: 03/04/2007 Órgão Julgador: Segunda Turma do STF Ementa E M E N T A: PROVA PENAL - BANIMENTO CONSTITUCIONAL DAS PROVAS ILÍCITAS (CF, ART. 5º, LVI) - ILICITUDE (ORIGINÁRIA E POR DERIVAÇÃO) - INADMISSIBILDADE - BUSCA E APREENSÃO DE MATERIAIS E EQUIPAMENTOS REALIZADA, SEM MANDADO JUDICIAL, EM QUARTO DE HOTEL AINDA OCUPADO - IMPOSSIBLIDADE - QUALIFICAÇÃO JURÍDICA DESSE ESPAÇO PRIVADO (QUARTO DE HOTEL, DESDE QUE OCUPADO) COMO "CASA", PARA EFEITO DA TUTELA CONSTITUCIONAL DA INVIOLABILIDADE DOMICILIAR - GARANTIA QUE TRADUZ LIMITAÇÃO CONSTITUCIONAL AO PODER DO ESTADO EM TEMA DE PERSECUÇÃO PENAL, MESMO EM SUA FASE PRÉ-PROCESSUAL - CONCEITO DE "CASA" PARA EFEITO DA PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL (CF, ART. 5º, XI E CP, ART. 150, § 4º, II) - AMPLITUDE DESSA NOÇÃO CONCEITUAL, QUE TAMBÉM COMPREENDE OS APOSENTOS DE HABITAÇÃO COLETIVA (COMO, POR EXEMPLO, OS QUARTOS DE HOTEL, PENSÃO, MOTEL E HOSPEDARIA, DESDE QUE OCUPADOS): NECESSIDADE, EM TAL HIPÓTESE, DE MANDADO JUDICIAL (CF, ART. 5º, XI). IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO, PELO MINISTÉRIO PÚBLICO, DE PROVA OBTIDA COM TRANSGRESSÃO À GARANTIA DA INVIOLABILIDADE DOMICILIAR - PROVA ILÍCITA - INIDONEIDADE JURÍDICA - RECURSO ORDINÁRIO

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PROVIDO. BUSCA E APREENSÃO EM APOSENTOS OCUPADOS DE HABITAÇÃO COLETIVA (COMO QUARTOS DE HOTEL) - SUBSUNÇÃO DESSE ESPAÇO PRIVADO, DESDE QUE OCUPADO, AO CONCEITO DE "CASA" - CONSEQÜENTE NECESSIDADE, EM TAL HIPÓTESE, DE MANDADO JUDICIAL, RESSALVADAS AS EXCEÇÕES PREVISTAS NO PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL. - Para os fins da proteção jurídica a que se refere o art. 5º, XI, da Constituição da República, o conceito normativo de "casa" revela-se abrangente e, por estender-se a qualquer aposento de habitação coletiva, desde que ocupado (CP, art. 150, § 4º, II), compreende, observada essa específica limitação espacial, os quartos de hotel. Doutrina. Precedentes. - Sem que ocorra qualquer das situações excepcionais taxativamente previstas no texto constitucional (art. 5º, XI), nenhum agente público poderá, contra a vontade de quem de direito ("invito domino"), ingressar, durante o dia, sem mandado judicial, em aposento ocupado de habitação coletiva, sob pena de a prova resultante dessa diligência de busca e apreensão reputar-se inadmissível, porque impregnada de ilicitude originária. Doutrina. Precedentes (STF). ILICITUDE DA PROVA - INADMISSIBILIDADE DE SUA PRODUÇÃO EM JUÍZO (OU PERANTE QUALQUER INSTÂNCIA DE PODER) - INIDONEIDADE JURÍDICA DA PROVA RESULTANTE DA TRANSGRESSÃO ESTATAL AO REGIME CONSTITUCIONAL DOS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS. - A ação persecutória do Estado, qualquer que seja a instância de poder perante a qual se instaure, para revestir-se de legitimidade, não pode apoiar-se em elementos probatórios ilicitamente obtidos, sob pena de ofensa à garantia constitucional do "due process of law", que tem, no dogma da inadmissibilidade das provas ilícitas, uma de suas mais expressivas projeções concretizadoras no plano do nosso sistema de direito positivo. A Constituição da República, em norma revestida de conteúdo vedatório (CF, art. 5º, LVI), desautoriza, por incompatível com os postulados que regem uma sociedade fundada em bases democráticas (CF, art. 1º), qualquer prova cuja obtenção, pelo Poder Público, derive de transgressão a cláusulas de ordem constitucional, repelindo, por isso mesmo, quaisquer elementos probatórios que resultem de violação do direito material (ou, até mesmo, do direito processual), não prevalecendo, em conseqüência, no ordenamento normativo brasileiro, em matéria de atividade probatória, a fórmula autoritária do "male captum, bene retentum". Doutrina. Precedentes. A QUESTÃO DA DOUTRINA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA ("FRUITS OF THE POISONOUS TREE"): A QUESTÃO DA ILICITUDE POR DERIVAÇÃO. - Ninguém pode ser investigado, denunciado ou condenado com base, unicamente, em provas ilícitas, quer se trate de ilicitude originária, quer se cuide de ilicitude por derivação. Qualquer novo dado probatório, ainda que produzido, de modo válido, em momento subseqüente, não pode apoiar-se, não pode ter fundamento causal nem derivar de prova comprometida pela mácula da ilicitude originária. A exclusão da prova originariamente ilícita - ou daquela afetada pelo vício da ilicitude por derivação - representa um dos meios mais expressivos destinados a conferir efetividade à garantia do "due process of law" e a tornar mais intensa, pelo banimento da prova ilicitamente obtida, a tutela constitucional que preserva os direitos e prerrogativas que assistem a qualquer acusado em sede processual penal. Doutrina. Precedentes. A doutrina da ilicitude por derivação (teoria dos "frutos da árvore envenenada") repudia, por constitucionalmente inadmissíveis, os meios probatórios, que, não obstante produzidos, validamente, em momento ulterior, acham-se afetados, no entanto, pelo vício (gravíssimo) da ilicitude originária, que a eles se transmite, contaminando-os, por efeito de repercussão causal. Hipótese em que os novos dados probatórios somente foram conhecidos, pelo Poder Público, em razão de anterior transgressão praticada, originariamente, pelos agentes da persecução penal, que desrespeitaram a garantia constitucional da inviolabilidade domiciliar. Revelam-se inadmissíveis, desse modo, em decorrência da ilicitude por derivação, os elementos probatórios a que os órgãos da persecução penal somente tiveram acesso em razão da prova originariamente ilícita, obtida como resultado da transgressão, por agentes estatais, de direitos e garantias constitucionais e legais, cuja eficácia condicionante, no plano do ordenamento positivo brasileiro, traduz significativa limitação de ordem jurídica ao poder do Estado em face dos cidadãos. Se, no entanto, o órgão da persecução penal demonstrar que obteve, legitimamente, novos elementos de informação a partir de uma fonte autônoma de prova - que não guarde qualquer relação de dependência nem decorra da prova originariamente ilícita, com esta não mantendo vinculação causal -, tais dados probatórios

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revelar-se-ão plenamente admissíveis, porque não contaminados pela mácula da ilicitude originária.

Busca domiciliar

Com relação à busca pessoal, o ordenamento jurídico usa o termo fundada suspeita,

já para a busca domiciliar utiliza fundadas razões.

É compreensível que para a busca domiciliar seja preciso mais do que a mera

suspeita, pois a Constituição elevou a inviolabilidade do domicílio à condição de

garantia. Então, para sua restrição, é preciso algo concreto, como informação

prestada por uma pessoa, um depoimento ou uma denúncia seguida de uma

investigação.

Você já sabe o que compreende o termo casa. Também já sabe que é asilo inviolável.

Na próxima página você estudará as hipóteses que a própria norma constitucional

colocou como exceção.

Flagrante delito

Você, policial, tem certeza absoluta que no interior da residência, naquele exato

momento, há uma situação de flagrante delito.

● Extorsão mediante sequestro.

● Desastre e prestação de socorro: incêndio, inundação, suspeita de mal súbito do

morador.

● Determinação judicial: Nesse caso somente durante o dia.

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Muito embora não esteja transcrito no texto legal, a intenção do legislador

constituinte originário ao estabelecer exceções à inviolabilidade de domicílio é

salvaguardar os bens jurídicos mais caros para o cidadão, como a vida e a integridade

física. Portanto, somente quando houver possibilidade de ofensa a tais bens é que se

caracterizará a situação de emergência, essencial para a violação do domicílio de dia

ou de noite.

O mandado de busca

A Constituição de 1988 estabelece que para adentrar ao domicílio, salvo nas

situações de emergência, é necessária a autorização judicial. Já o artigo 241, do

CPP, diz:

Art. 241 Quando a própria autoridade policial ou judiciária não a realizar

pessoalmente, a busca domiciliar deverá ser precedida da expedição de mandado.

Esse artigo é incompatível com a nova ordem constitucional, não tendo sido

recepcionado (CF/88, artigo 5º, XI), pois prevê a possibilidade da autoridade policial

também expedir o mandado. Ainda sim, o mandado de busca pode ser dispensável,

caso o juiz queira participar da diligência. Não se exige que haja uma solicitação do

delegado ou do Ministério Público para a busca, o juiz pode determiná-la de ofício.

Correspondência (carta)

Durante a realização de determinada diligência, você, policial, tem a

discricionariedade (liberdade) para adotar os procedimentos que julgar necessários

para atingir seus objetivos, porém, quando se tratar de correspondência (carta),

ainda fechada, há ressalvas.

A maior parte dos doutrinadores entende que a alínea “f”, § 1º, artigo 240, do CPP,

que trata da apreensão de correspondência durante o cumprimento do mandado, não

foi recepcionada pela Constituição Federal, por se mostrar incompatível com a

redação do artigo 5º, inciso XII.

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Esse entendimento decorre do direito da inviolabilidade da correspondência,

entretanto, como ainda há dúvidas se esse direito é ou não absoluto, a sugestão é

que seja realizada a apreensão dos envelopes ainda lacrados, para que,

posteriormente, a autoridade policial solicite ao juiz autorização para a abertura e,

consequentemente, juntada nos autos. Entretanto, existe uma hipótese reconhecida

pelo Supremo Tribunal Federal no sentido de que seja possível relativizar o sigilo da

correspondência. Essa possibilidade ocorre sempre que as liberdades públicas

estiverem sendo utilizadas como instrumento de salvaguarda de práticas ilícitas (STF,

HC 70. 814 -5/SP, Carta Rogatória 7323-2).

E M E N T A: HABEAS CORPUS - ESTRUTURA FORMAL DA SENTENÇA E DO ACÓRDÃO -

OBSERVÂNCIA - ALEGAÇÃO DE INTERCEPTAÇÃO CRIMINOSA DE CARTA MISSIVA REMETIDA POR

SENTENCIADO - UTILIZAÇÃO DE CÓPIAS XEROGRÁFICAS NÃO AUTENTICADAS - PRETENDIDA

ANÁLISE DA PROVA - PEDIDO INDEFERIDO. - A estrutura formal da sentença deriva da fiel

observância das regras inscritas no artigo 381, do Código de Processo Penal. O ato sentencial

que contém a exposição sucinta da acusação e da defesa e que indica os motivos em que se

funda a decisão satisfaz, plenamente, as exigências impostas pela lei. - A eficácia probante

das cópias xerográficas resulta, em princípio, de sua formal autenticação por agente público

competente (CPP, artigo 232, parágrafo único). Peças reprográficas não autenticadas, desde

que possível a aferição de sua legitimidade por outro meio idôneo, podem ser validamente

utilizadas em juízo penal. - A administração penitenciária, com fundamento em razões de

Segurança Pública, de disciplina prisional ou de preservação da ordem jurídica, pode,

sempre excepcionalmente, e desde que respeitada a norma inscrita no artigo 41,

parágrafo único, da Lei nº 7.210/84, proceder a interceptação da correspondência

remetida pelos sentenciados, eis que a cláusula tutelar da inviolabilidade do sigilo

epistolar não pode constituir instrumento de salvaguarda de práticas ilícitas. - O reexame

da prova produzida no processo penal condenatório não tem lugar na ação sumaríssima de

habeas corpus. (sem grifos no original)

Execução da busca domiciliar

De acordo com a legislação, primeiramente o policial deverá ler para o morador o

conteúdo do mandado de busca, intimando-o a abrir a porta. Entretanto, muitas

vezes isso não é possível, por exemplo, quando há necessidade de arrombamento ou

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SENASP/MJ - Última atualização em 23/10/2009 Página 33

quando a diligência importa em risco aos agentes públicos. Nesses casos o policial

apresentará e lerá o mandado, logo que for possível.

A lei permite, no caso de desobediência, o arrombamento da porta. Caso, os

moradores estejam ausentes, caberá a você acionar um dos vizinhos para

acompanhar a revista no domicílio, note que ao concluí-la, também será de sua

responsabilidade fechar e lacrar o imóvel.

É interessante que você convide sempre duas testemunhas não policiais (maior de

idade e capaz) para que acompanhem a diligência, agindo assim estará dando maior

lisura ao seu ato.

Outro ponto que merece atenção, principalmente para evitar constrangimentos, é o

procedimento de solicitar que o morador e/ou testemunha acompanhe a diligência

em cada cômodo da residência, juntamente com os policiais.

Elaboração do relatório

Ao concluir as buscas, o policial que cumprir o mandado fará relatório contendo

todos os detalhes, registrando, inclusive, algo de ilícito que foi encontrado,

precisando em qual lugar do imóvel estava. O relatório tem que ser assinado pelo

agente, pelo morador e pelas testemunhas.

Recomenda-se que seja mencionando nesse relatório a preservação dos bens e da

residência submetida à busca, e se houver dano, precisar o motivo, bem como se foi

necessário a utilização de força ou qualquer outro meio relevante.

O relatório deverá ser encaminhado à autoridade que determinou o

procedimento.

Conclusão

Neste módulo, você estudou os desdobramentos específicos da atividade policial

como ato administrativo, com ênfase na construção de embasamento jurídico sobre a

fundada suspeita para os casos de busca pessoal, domiciliar e veicular.

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Neste módulo são apresentados exercícios de fixação para auxiliar a compreensão

do conteúdo.

O objetivo destes exercícios é complementar as informações apresentadas nas

páginas anteriores.

1. Não são elementos do ato administrativo:

( ) Forma e objeto.

( ) Imperatividade e lei.

( ) Sujeito e objeto.

( ) Motivo e forma.

2. A sinalização do agente de trânsito com as mãos e braços, refere-se ao

elemento do ato administrativo denominado de:

( ) Sujeito

( ) Objeto

( ) Finalidade

( ) Forma

3. Assinale a alternativa correta com referência ao poder-dever discricionário:

( ) É um poder de escolha com limitações legais.

( ) É um poder de escolha aleatório.

( ) O agente público não precisa avaliar a conveniência e a oportunidade do ato.

( ) O agente público pode escolher agir com base na lei ou na discricionariedade.

( ) A discricionariedade atinge o sujeito, a forma e a finalidade do ato.

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4. O poder de polícia está conceituado na seguinte norma legal:

( ) Constituição da República Federativa do Brasil.

( ) Código Tributário Nacional.

( ) Código Penal.

( ) Pacto de São José da Costa Rica.

( ) Código Civil.

5. O policial poderá entrar numa residência, sem mandado judicial, quando:

( ) Desconfiar que a casa é um depósito de produtos contrabandeados.

( ) Houver suspeita de que lá funciona uma casa de jogos de azar.

( ) Verificar a ocorrência de um crime de extorsão mediante sequestro.

( ) Recebeu denúncia que no seu interior há um aparelho de som, produto de furto.

( ) Desconfiar que é a casa de um traficante.

6. Sobre o cumprimento do mandado de busca domiciliar, é correto afirmar:

( ) O início de seu cumprimento deverá ocorrer enquanto ainda for dia.

( ) Pode ser expedido pelo próprio policial.

( ) O policial não precisa mostrá-lo ao morador.

( ) É cabível que o policial abra as correspondências ainda lacradas, para se inteirar

do seu conteúdo.

( ) O policial nunca poderá forçar a entrada por meio de arrombamento.

7. Descreva o que você deve fazer ao abordar uma pessoa que se recusa a

fornecer dados para identificação.

8. Descreva o que são os elementos objetivos e qual é a sua necessidade para o

policial.

Este é o final do módulo 2 - Aspectos Jurídicos relacionados à abordagem policial

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Gabarito

1. Imperatividade e lei.

2. Forma

3. É um poder de escolha com limitações legais.

4. Código Tributário Nacional.

5. Verificar a ocorrência de um crime de extorsão mediante sequestro.

6. O início de seu cumprimento deverá ocorrer enquanto ainda for dia.

7. A conduta consubstanciada no ato de recusa de fornecimento de dados para identificação constitui contravenção penal, consoante os termos do art. 68, do Decreto-Lei 3.688, de 3 de outubro de 1941, verbis:

Art. 68. Recusar à autoridade, quando por esta, justificadamente solicitados ou exigidos, dados ou indicações concernentes à própria identidade, estado, profissão, domicílio e residência: Pena – multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis.

Com efeito, no caso em comento, considerando os aspectos jurídicos da abordagem, em especial a questão da proporcionalidade (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito) seria importante alertar a pessoa sobre a citada infração penal e suas conseqüências, e, em caso de persistência na conduta, efetuar a prisão em flagrante, adotando-se as medidas previstas na Lei nº 9.099/1995, por se tratar de infração penal de menor potencial ofensivo, ou seja, lavratura de termo circunstanciado (art. 69).

8. Inicialmente cumpre dizer que a “fundada suspeita”, que também pode assumir a figura de “fundadas razões”, é expressão contida no art. 240 do Código de Processo Penal, senão vejamos:

Art. 240. A busca será domiciliar ou pessoal. § 1o Proceder-se-á à busca domiciliar, quando fundadas razões a autorizarem, para: (sem grifos no original) a) prender criminosos; c) apreender instrumentos de falsificação ou de contrafação e objetos falsificados ou contrafeitos; d) apreender armas e munições, instrumentos utilizados na prática de crime ou destinados a fim delituoso; e) descobrir objetos necessários à prova de infração ou à defesa do réu; f) apreender cartas, abertas ou não, destinadas ao acusado ou em seu poder, quando haja suspeita de que o conhecimento do seu conteúdo possa ser útil à elucidação do fato; g) apreender pessoas vítimas de crimes; h) colher qualquer elemento de convicção.

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§ 2o Proceder-se-á à busca pessoal quando houver fundada suspeita de que alguém oculte consigo arma proibida ou objetos mencionados nas letras b a f e letra h do parágrafo anterior. (sem grifos no original)

Partindo da previsão legal, os elementos objetivos da fundada suspeita consubstanciam-se em parâmetros mediante o conhecimento específico e concreto de dados ou informações ligados a um fato ou ato que se caracteriza ou pode se caracterizar como delituoso (ex.: número de pessoas, roupa, local, objetos etc). Tais elementos autorizam a atuação do agente policial, de acordo com a real e efetiva necessidade da medida a ser adotada (busca pessoal, busca domiciliar, busca veicular, prisão, apreensão de objetos etc). Vale dizer que são infindáveis os dados e informações que podem compor os elementos objetivos da fundada suspeita ou fundadas razões, variando de acordo com as circunstâncias do lugar, tempo, costumes, cultura etc. Entretanto é indispensável que exista, pois é parte integrante da motivação do ato a ser praticado pelo policial, logo, é requisito essencial para a legitimidade da medida empregada. Nesse ponto, também recai a ponderação de valores ou princípio da proporcionalidade (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito). Além disso, é de suma importância conhecer o que vem decidindo os tribunais pátrios sobre o tema, já que acaba sendo casuístico, ou seja, deve ser apreciado em cada caso (STF, HC nº 81.305-4/GO).

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Aspectos Jurídicos da Abordagem Policial – Módulo 3

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Módulo 3 – Parâmetros jurídicos da ação policial diante de

alguns tipos de crime

Neste módulo, você estudará três temas fundamentais da ação cotidiana dos

profissionais da área de Segurança Pública: A Súmula Vinculante nº 11 do Supremo

Tribunal Federal, o abuso da autoridade e os crimes de resistência,

desobediência, desacato e corrupção ativa.

A Súmula Vinculante nº 11 do Supremo Tribunal Federal

Considerações sobre a súmula são indispensáveis, uma vez que o tribunal ao editá-la regulou o

emprego das algemas, que como você sabe é um instrumento extremamente útil e importante

no cotidiano policial. Porém, a utilização arbitrária ou abusiva do sublinhado equipamento

poderá configurar crime, precisamente o de abuso de autoridade, descrito na Lei nº 4.898/65,

que por sua relevância merecerá uma aula própria.

O conteúdo deste módulo está dividido em 3 aulas:

Aula 1 – Súmula Vinculada nº 11

Aula 2 – Abuso de autoridade (Lei nº 4898/65)

Aula 3 – Tipos penais relacionados à atividade policial: crimes de resistência,

desobediência, desacato e corrupção ativa

Ao final do módulo, você será capaz de:

● Justificar o emprego de algemas, quando necessário, em conformidade com os

pressupostos estabelecidos na legislação e pelo Supremo Tribunal Federal;

● Reconhecer que o tratamento a ser dispensado ao cidadão infrator deve respeitar,

por completo, seus direitos e garantias fundamentais;

● Atuar em sua atividade profissional, com lastro no ordenamento jurídico, de modo

a não configurar o abuso de autoridade; e

● Empregar com precisão o juízo de tipicidade acerca da resistência, desobediência,

desacato e corrupção ativa.

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Aspectos Jurídicos da Abordagem Policial – Módulo 3

SENASP/MJ - Última atualização em 10/09/2009 Página 2

Aula 1 – Súmula Vinculada nº 11

O Supremo Tribunal Federal – STF, na sessão plenária de 13 de agosto de 2008,

editou a Súmula Vinculante nº 11 com o seguinte teor:

Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga

ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de

terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de

responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de

nulidade de prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da

responsabilidade civil do Estado.

É de suma importância que você, profissional da área de Segurança Pública,

compreenda o entendimento da mais alta corte do Brasil acerca do tema. O uso da

algema não foi proibido ou tido como ilícito, contudo, deve ser visto como uma

conduta excepcional. O emprego abusivo desse equipamento poderá gerar

responsabilidade administrativa, penal ou civil.

Nesta aula, você estudará os dispositivos legais, tanto de ordem constitucional como

infraconstitucional, que tratam da utilização da algema, compreenderá os principais

julgados do STF sobre o assunto e as limitações impostas ao seu emprego.

Antes de continuar, leia e reflita sobre o pensamento da Excelentíssima Ministra

Carmem Lúcia, do STF, proferido por ocasião do julgamento do Habeas Corpus nº

89.429-1.

A prisão há de ser pública, mas não há de se constituir em espetáculo. Menos

ainda, espetáculo difamante ou degradante para o preso, seja ele quem for.

Menos ainda, se haverá de admitir que a mostra de algemas, como símbolo

público e emocional de humilhação de alguém, possa ser transformado em circo

de horrores numa sociedade que quer sangue, porque cansada de ver sangrar.

Não é com mais violência que se cura a violência. Não é com mais degradação que

se chegará à honorabilidade social.

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Aspectos Jurídicos da Abordagem Policial – Módulo 3

SENASP/MJ - Última atualização em 10/09/2009 Página 3

Por certo, a reflexão sugerida já diz muito sobre o tema da aula. Sem dúvidas a

mensagem sintetiza o cuidado que você, policial, deve ter ao algemar um cidadão.

Lembre-se de que você, representante do Estado, é um promotor dos direitos e

das garantias fundamentais. Toda pessoa, inclusive o preso, deve ser tratada na

plenitude de sua dignidade que, aliás, é um dos fundamentos da República

Federativa do Brasil, conforme o artigo 1º, da Constituição de 1988.

Principais julgados do STF

Para que possa compreender a Súmula Vinculante nº 11 do STF, você terá que

analisar os julgados que lhe serviram de precedentes. São neles que encontrará os

principais fundamentos utilizados pelos ministros, bem como, por se tratarem de

casos concretos, auxiliarão no seu entendimento, tornando-o mais fácil. Cabe

ressaltar que será feito somente um relato dos principais fatos.

Não se preocupe! Os argumentos, tanto de direito como de fato, utilizados nas

correspondentes decisões serão trabalhados em breve.

Habeas Corpus nº 89.429-1 Rondônia

Nesse habeas corpus, relatado pela Ministra Cármem Lúcia, uma pessoa do Estado de

Rondônia foi presa, pela Polícia Federal, em cumprimento ao mandado de prisão expedido

pela Ministra Relatora do Inquérito nº 529, instaurado no Superior Tribunal de justiça – STJ.

Em linhas gerais, o advogado do paciente solicita o deferimento de salvo-conduto com o

objetivo de garantir a seu cliente o direito de não ser algemado, em qualquer procedimento

relacionado ao processo penal, e nem ser exposto à exibição para as câmeras da imprensa.

Argumenta em sua peça, ao que nos interessa, que o preso não teria apresentado qualquer

dificuldade para o cumprimento da ordem de prisão contra ele expedida. Ao contrário,

adotou postura passiva em todo o instante. Diz ainda, que a exibição do impetrante algemado

para as câmeras é um modo de constrangimento ilegal, significando, em suma, a submissão do

detento à humilhação pública.

O pedido de liminar foi concedido. No julgamento do mérito, os ministros da Primeira Turma,

por unanimidade, deferiram o pedido formulado no habeas corpus, sendo elaborada a

seguinte ementa:

Habeas corpus. Penal. Uso de algemas no momento da prisão. Ausência de justificativa em

face da conduta passiva do paciente. Constrangimento ilegal. Precedentes.

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O uso legítimo de algemas não é arbitrário, sendo de natureza excepcional, a ser adotado nos

casos e com as finalidades de impedir, prevenir ou dificultar a fuga ou reação indevida do

preso, desde que haja fundada suspeita ou justificado receio de que tanto venha a ocorrer, e

para evitar agressão do preso contra os próprios policiais, contra terceiros ou contra si

mesmo.

O emprego dessa medida tem como balizamento jurídico necessário os princípios da

proporcionalidade e da razoabilidade. Precedentes.

Habeas corpus concedido.

Habeas Corpus nº 91.952-9 São Paulo.

Nesse caso, o paciente figurava na qualidade de denunciado por ter cometido o crime de

homicídio qualificado pelo motivo fútil, emprego de meio cruel e outro que impossibilitou a

defesa da vítima. Após o julgamento pelo Tribunal do Júri foi condenado à pena de 13 (treze)

anos e 6 (seis) meses de reclusão.

Inconformado com a decisão, interpôs recurso de apelação ao Tribunal de Justiça, que o

forneceu de modo parcial. Buscando o acolhimento integral de sua tese, ingressou com

habeas corpus perante o STJ, oportunidade em que pediu a nulidade do julgamento com

fulcro nos seguintes fundamentos:

Erro de votação do terceiro quesito;

Permanência do réu algemado durante todo o julgamento pelo Tribunal do Júri; e

O estabelecimento do regime integralmente fechado para o cumprimento da pena. A ordem

foi parcialmente deferida, sendo negada no toante a votação do terceiro quesito pelos

jurados e ao uso de algemas.

Diante da decisão, a defesa impetrou habeas corpus junto ao Supremo Tribunal Federal, na

ânsia de anular o veredicto popular, sob o raciocínio de ter o acusado permanecido algemado

durante a sessão de julgamento. Em apertada síntese, ressaltou, dentre outros aspectos, que

o princípio da isonomia entre a defesa e acusação, imprescindível ao devido processo legal,

não foi observado, existindo um desequilíbrio em favor da acusação, na medida em que o réu

permaneceu “sob ferros” na frente do júri. Chegou a essa conclusão ao mencionar que o

jurado é escolhido entre pessoas da comunidade que, na maioria das vezes, não possui

conhecimento jurídico, sofrendo influência em sua decisão ao se deparar com alguém

algemado, pois tal imagem passa a ideia de pessoa com alta periculosidade. A defesa aduziu

ainda, que o princípio da dignidade humana foi ofendido.

Por ocasião do julgamento, a juíza presidente do Tribunal do Júri, decidiu por manter o réu

algemado para a preservação e segurança do bom andamento dos trabalhos no Plenário.

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Justificou sua postura na circunstância de somente 2 (dois) policiais civis estarem fazendo a

proteção do local e de todos.

Após ampla fundamentação, os Ministros do STF, em sessão plenária, acordaram em deferir a

ordem de habeas corpus, por unanimidade, sendo escrita a ementa que se segue:

Algemas – Utilização. O uso de algemas surge excepcional somente restando justificado ante a

periculosidade do agente ou risco concreto de fuga.

Julgamento – Acusado algemado – Tribunal do Júri. Implica prejuízo à defesa e manutenção

do réu algemado na sessão de julgamento do Tribunal do Júri, resultando o fato na

insubsistência do veredicto condenatório.

Arcabouço jurídico sobre o emprego da força e o uso de algemas

Você sabia?

Que o Código de Processo Criminal do Império, datado de 29 de novembro de

1832, em seu artigo 180, já disciplinava o uso da força no momento da prisão?

Dizia que: “Se o réu não obedecer e procurar evadir-se, o executor tem direito

de empregar o grau da força necessária para efetuar a prisão, se obedecer,

porém, o uso da força é proibido”.

A Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984, conhecida como Lei de Execuções Penais –

LEP, estabelece em seu artigo 199 que “o emprego de algemas será disciplinado por

decreto federal”. Ocorre que até a presente data, o desejado decreto ainda não

ingressou no mundo jurídico. A respeito, o legislador deixou cristalino, na LEP, seu

sentimento acerca da excepcionalidade do uso do sublinhado instrumento,

pensamento oposto não reclamaria regulamentação. Como bem disse o Ministro

Marco Aurélio do STF, “se, quanto àquele que deve cumprir pena ante a culpa

formada, o uso de algemas surge no campo da exceção, o que se dirá em relação a

quem goza do benefício de não ter culpa presumida”.

Diante da omissão legislativa surgem determinadas perguntas:

Existe no Brasil regramento para a utilização das algemas?

Em razão da suposta ausência de regramento, pode o policial ou guarda municipal

empregá-las livremente em todas as situações?

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A resposta negativa se impõe somente a última indagação.

Apesar do ordenamento nacional não regular especificamente o uso de algemas, sua

utilização não é arbitrária, encontrando limites a partir da interpretação dos

princípios constitucionais e das normas vigentes no ordenamento infraconstitucional.

O argumento central, da qual os demais retiram sua validade para sustentar o dito, é

o princípio da dignidade da pessoa humana, apresentado no módulo 1, que como já

mencionado, por sua relevância, constitui fundamento do Brasil.

O artigo 5º, da Constituição Federal, ao estabelecer os direitos e as garantias

individuais fornece, implicitamente, as balizas para o emprego das algemas

O artigo 5º, da Constituição Federal

III, ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante;

X, são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra, e a imagem das pessoas, assegurado o

direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; e

XLIX, é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral, dentre outros, explicita

tal aptidão.

Pode-se garantir que a utilização do analisado objeto só será aceita como lícita

quando se reunir com os direitos do cidadão, mesmo que esse figure na qualidade de

suspeito, indiciado, denunciado e, até mesmo, condenado. A circunstância de alguém

vir a ser sentenciado em definitivo não lhe retira a dignidade. A repreensão estatal

não pode passar dos limites impostos pela pena. A pessoa privada de sua liberdade ou

que tem o gozo de seus direitos limitado, já se encontra em posição de fragilidade,

não sendo permitido ao agente do Estado potencializar esse sofrimento.

O Código de Processo Penal – CPP, em seu artigo 284, não trata diretamente das

algemas e sim, do uso da força, e indica as hipóteses em que aquelas poderão ser

aplicadas. O pensamento para tal assertiva é simples, basta lembrar que o uso da

força é gênero que contém entre suas espécies a utilização das algemas. Estatui o

dispositivo que: “Não será permitido o emprego de força, salvo a indispensável no

caso de resistência ou de tentativa de fuga”. O CPP, ao tratar da prisão em

flagrante, mantém a mesma linha de raciocínio, dispondo que se houver, ainda que

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por parte de terceiros, resistência à prisão em flagrante ou à determinada por

autoridade competente, o executor e a pessoas que o auxiliarem poderão usar dos

meios necessários para defender-se ou para vencer a resistência, do que tudo se

lavrará no auto subscrito por duas testemunhas (artigo 292).

A recente Lei nº 11.689, de 9 de junho de 2008, que alterou dispositivos do Código de

Processo Penal relativos ao Tribunal do Júri, estipulou de modo imperativo, no § 3º,

de seu artigo 474, que: “Não se permitirá o uso de algemas no acusado durante o

período em que permanecer no plenário do júri, salvo se absolutamente necessário à

ordem dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou à garantia da integridade física

dos presentes”.

Em termos de ordenamento jurídico nacional, para os fins do nosso estudo, basta

mencionar ainda que o Código Penal Militar – CPM no § 1º, de seu artigo 234 trata

pontualmente sobre o uso de algemas, tornando claro que esse emprego é exceção,

sendo admitido somente nos casos de perigo de fuga ou de agressão por parte do

preso.

A comunidade internacional, principalmente através da Organização das Nações

Unidas – ONU, demonstra constante preocupação com a proteção dos direitos e

garantias da pessoa humana. O Direito Internacional dos Direitos Humanos encontra

na Declaração Universal dos Direitos do Homem, adotada na Assembléia Geral da

ONU de 1948, sua primordial fonte. Dentre seus 30 (trinta) artigos, todos essenciais

para a compreensão do tema em questão, destaca-se o artigo 5º, a saber: “Ninguém

será submetido à tortura nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou

degradante”.

É importante registrar que outros instrumentos internacionais tocam a matéria,

como:

● A Convenção Americana dos Direitos Humanos, mais conhecida como Pacto de São

José da Costa Rica;

● Os Princípios Básicos sobre a Utilização da Força e de Armas de Fogo pelos

funcionários responsáveis pela aplicação da lei – PBUFAF; e

● Os Princípios para Proteção de Pessoas Detidas e Presas.

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Conheça mais sobre a Organização das Nações Unidas e a Declaração dos Direitos do

Homem no endereço: http://www.onu-brasil.org.br/

Você já deve ter percebido que o uso de algemas representa medida excepcional.

Essa certeza jurídica deve, daqui em diante, fazer parte de sua rotina laboral. Sua

utilização só será aceita em situações pontuais, que estudará a seguir.

É muito importante registrar, para que você agente de Segurança Pública não tenha

dúvidas, que o emprego de algemas não está proibido, o que se pretendeu foi

regular seu uso com a adoção de determinados critérios.

Sabe-se que em determinadas situações as algemas representam um meio

extremamente eficaz de se evitar condutas mais gravosas para o policial, terceiros e

o próprio cidadão infrator. Cada ocorrência policial é envolta por circunstâncias

peculiares. Não há como traçar padrões rígidos de comportamento. A dinâmica dos

fatos, os envolvidos, o local, enfim, tudo pode mudar. Só você e sua guarnição terão

os dados essenciais para resolver o caso concreto apresentado da melhor maneira

possível. Mas tenha sempre consigo que jamais esta discricionariedade pode ser

confundida com arbitrariedade. É seu dever agir conforme o direito, respeitando a

dignidade dos envolvidos, observando os ditames (o que ela dita) da lei,

independentemente das condutas praticadas.

A Constituição de 1988 estabeleceu com firmeza que não existem penas afora as

previamente prescritas em lei. Em complemento, somente ao Poder Judiciário, após

o devido processo legal, cabe a imposição de sanção ao infrator da norma. Nenhuma

outra forma de punição é admitida. Pensamento oposto certamente nos levaria ao

estado de exceção, duramente combatido. A violação dessa garantia constitucional

é reforçada quando acometida por agentes públicos, já que são os responsáveis

pela manifestação da vontade estatal.

É mister de todo representante do estado fornecer consistência aos seus

fundamentos, objetivos e normas, sendo-lhes reclamada postura compatível com

o cargo, emprego ou função pública ocupada.

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Nessa linha de raciocínio, quando um cidadão que não oferece resistência ou

periculosidade é algemado por simples vontade do agente público, não há como

negar que esse ato mostra uma forma ilícita de punição. Em outros termos, estar

diante de uma ação aflitiva imposta pelo Estado, por meio de um agente seu, a

determinada pessoa como retribuição a uma conduta, em certos casos nem conduta

há, praticada anteriormente, nega calar-se perante o policial.

A limitação do direito à liberdade de locomoção, por si só, já afeta a dignidade da

pessoa, colocando-a em posição de inferioridade perante a comunidade. O uso

desnecessário das algemas, nesse caso, só serve para exacerbar o quadro. É

inevitável notar que essa limitação, no caso concreto, pode encontrar fundamento

legal, contudo, o emprego indevido das algemas pode gerar responsabilidade

jurídica ao policial.

Em um Estado Democrático de Direito a prisão de um cidadão é uma situação

pública. Dessa forma, os encarceramentos ocultos não são tolerados, seja frente ao

ordenamento jurídico, seja frente à opinião pública. A publicidade serve para

demonstrar à sociedade o efetivo atuar na manutenção da ordem pública e repressão

dos delitos, gerando sensação de justiça e segurança, produzindo, em consequência,

para afiançar ao detento seus direitos e salvaguardar sua integridade física e moral.

Equivocado é o entendimento que a prisão, seja lá de quem for, pode transformar-se

em espetáculo. O preso não é troféu a ser exibido, ele possui direito inviolável a sua

honra, imagem e privacidade. A eficiência e a inevitável necessidade dos órgãos de

Segurança Pública não se correlacionam com a exposição aviltante de um cidadão.

Se por um lado a liberdade de comunicação e o acesso a informação são direitos

constitucionais; a proteção da personalidade, com o resguardo da honra e da

imagem, também encontra abrigo na Lei Maior. O aparente conflito deve ser mexido

através do princípio da proporcionalidade, confirmado com a distinção entre fornecer

a notícia e entrar na intimidade das pessoas. A prisão de alguém é um dado

objetivo que muito interessa à opinião pública. Transformar o acontecimento em

zombaria, condenando socialmente o detido antes de seu julgamento, é coisa

diversa e que não merece prosperar em nossa sociedade.

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Como disse o Ministro Carlos Brito, no julgamento do HC. 89.429, “o tratamento

humilhante, desonroso, infame, desfalca o ser humano não daquilo que ele tem,

mas daquilo que ele é”.

Lembre-se

A Constituição Federal estipula que “ninguém será submetido a tortura nem a

tratamento desumano ou degradante” (artigo 5º, III). Em consequência, é dever do

profissional da área de Segurança Pública empregar as algemas dentro dos

permissivos legais, mesmo sabendo, como estudado anteriormente, que o

ordenamento jurídico nacional não é explícito na regulação do assunto.

Alguns pontos devem ficar solidamente assentados para que você desenvolva seu

trabalho de forma adequada em relação aos parâmetros legais. Tenha sempre em

mente que a algema só será utilizada com a finalidade de:

Vencer a resistência;

Impedir, prevenir ou dificultar a fuga ou reação indevida do preso, desde que

haja fundada suspeita ou justificado receio de que tanto venha a ocorrer; e

Evitar agressão do preso contra os próprios policiais, contra terceiros ou contra si

mesmo.

Também deve ser enfatizado que as finalidades acima destacadas só justificam o ato

quando estão em sintonia com os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade,

ou seja, sendo sem razão e sem guardar proporção legítima em relação ao

comportamento adotado por quem sofre a medida, não será juridicamente

sustentada a providência. Por fim, torna-se necessário que a medida seja justificada

por escrito, em formulário próprio, antes ou depois do uso das algemas. A exposição

da motivação servirá justamente para legitimar sua ação e de sua guarnição. O

controle, interno ou externo, da atuação policial é medida saudável para o

fortalecimento da democracia. Lembre-se de que a motivação deve abranger além da

sua apreciação dos fatos (aspecto subjetivo), critérios objetivos relacionados com a

finalidade da medida.

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Para conhecer mais sobre o assunto sugere-se a leitura do inteiro teor do habeas

corpus nº 89.429-1 e do nº 91.952-9 para Rondônia e São Paulo, respectivamente.

http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=11.NUME.%

20E%20S.FLSV.&base=baseSumulasVinculantes

Concluindo

As algemas representam um valioso instrumento para o dia-a-dia dos policiais. Sua

utilização correta é capaz de salvaguardar a integridade física e moral dos mesmos,

de terceiros e, por que não dizer, do próprio contido. Sua licitude é atestada pela

mais alta corte do Brasil, o Supremo Tribunal Federal, responsável pala guarda da

Constituição e, por via direta, dos direitos e garantias do cidadão.

O que não se admite, no Estado Democrático, é que as algemas passem a ser símbolo

do poder arbitrário de um sobre o outro ser humano, que elas sejam forma de

humilhação pública, que elas se tornem instrumento de submissão juridicamente

indevida de alguém sobre o seu semelhante. Diante desses riscos, editou-se a Súmula

Vinculante nº 11, que antes de qualquer coisa, procurou reunir o emprego das

algemas com a dignidade da pessoa humana.

Para concluir esta aula bastam as palavras do Excelentíssimo Ministro César Peluso,

do STF, proferidas na sessão plenária realizada em 13 de agosto de 2008, por sua

sensibilidade em conjugar a difícil tarefa de ser policial ou guarda municipal com a

proteção dos direitos fundamentais do homem, em seus termos:

“ Senhor Presidente, sem alongar o debate, gostaria de fortalecer as ponderações

sempre muito prudentes do eminente Procurador-Geral e dizer que, realmente, o ato

de prender ou de conduzir um preso é sempre ato perigoso. Por isso, o que me

parece também necessário acentuar, na mesma linha de argumentação do eminente

Procurador-Geral, é que, provavelmente, e isso deveria ser uma diretriz, a

interpretação dos casos concretos deve ser feita sempre a favor do agente e da

autoridade do Estado. Isto é, só vamos reconhecer ilícito quando esse fique bem

claro, como caso em que se aplicam as algemas sem nenhum risco, com o só

propósito de expor o preso à execração pública, ou de lhe impor, longe do público,

constrangimento absolutamente desnecessário.”

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Aula 2 – Abuso de autoridade (Lei nº 4898/65)

Nesta aula, será estudado um assunto importante tanto para você, profissional da

área de Segurança Pública, como para a sociedade. Trata-se do abuso de

autoridade, descrito na Lei nº 4.898/65.

Hoje em dia é possível ter orgulho da democracia existente no Brasil. No entanto,

não esqueça, que nem sempre o Estado respeitou as mais básicas garantias do

homem. Tensões e conflitos, entre os direitos do cidadão e o poder estatal, fizeram

parte de séculos da história da humanidade e da história do Brasil. O equilíbrio,

muitas vezes, foi e é estabelecido com muito sangue, lutas e reivindicações. Em

consequência, quase todas as Constituições contemporâneas dedicam espaço para a

celebração dos direitos e garantias conquistados, e o homem passou a ocupar seu

lugar central na relação com o Estado, ou seja, conscientizou-se que esse existe em

sua razão e não o contrário.

A Lei nº 4.898/65 ganha ênfase justamente nesse panorama, representando mais um

instrumento jurídico contra violações arbitrárias e indevidas dos direitos do cidadão.

Sua importância salta aos olhos quando verifica-se que seus artigos incriminam,

precisamente, a conduta daqueles que por dever de ofício, os funcionários públicos,

deveriam ser os principais guardiões da dignidade da pessoa humana.

Apesar da relevância de todos os artigos da Lei de Abuso de Autoridade, o enfoque

desta aula está voltado para o direito de representação do ofendido, para o conceito

de autoridade fixado no artigo 5º e, finalmente, para algumas condutas

configuradoras do delito.

Antes de continuar o estudo da aula, assista ao vídeo http://www.youtube.com/watch?v=JT7ZQ4xH_zA e reflita sobre o tratamento dispensado, por agentes do Estado, às pessoas detidas. Em seguida reflita sobre as indagações abaixo: Você concorda com as condutas praticadas?

As ações praticadas ferem a dignidade da pessoa humana?

O Estado deve sancionar os autores, mesmo sabendo que são agentes públicos?

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Inicialmente, deve-se investigar quais os bens jurídicos são tutelados pela Lei nº

4.898/65. A doutrina ensina que os tipos penais incriminadores de abuso de

autoridade preveem dupla objetividade jurídica, protegendo:

1 - O interesse concernente ao normal funcionamento da administração pública,

tomada em seu sentido amplo, no que se refere à garantia do exercício da função

pública sem abusos de autoridade (objetividade jurídica mediata); e

2 - A plena proteção dos direitos e garantias fundamentais consagrados na

Constituição de 1988 (objetividade jurídica imediata).

Dessa forma, fica fácil obter que os seus crimes possuem dupla subjetividade

passiva. De um lado temos o Estado, titular da administração pública, na qualidade

de sujeito passivo mediato, do outro o cidadão, titular dos direitos e garantias

atingidos, como sujeito passivo imediato.

Em sendo criança ou adolescente o sujeito passivo, o abuso de autoridade poderá

configurar alguns dos crimes previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei

nº 8.069, de 13 de julho de 1990).

Direito de representação

O artigo 1º da legislação estabelece que “o direito de representação e o processo

de responsabilidade administrativa, civil e penal contra as autoridades que, no

exercício de suas funções, cometerem abusos, são regulados pela presente lei”.

Conforme José Afonso da Silva (1998, p. 443), o direito de petição define-se “como

o direito que pertence a uma pessoa de invocar a atenção dos Poderes Públicos

sobre uma questão ou situação (...), seja para denunciar uma lesão concreta, seja

para solicitar a modificação do direito em vigor no sentido mais favorável à

liberdade”.

O direito de petição espelha a qualidade de democrático do Estado brasileiro, por

isso, foi elevado a dogma constitucional, estando previsto no inciso XXXIV de seu

artigo 5º, que assegura a todos, independentemente do pagamento de taxas, em

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defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso do poder, o acesso aos Poderes

Públicos.

O artigo 2º prescreve que a petição, forma de exercício do direito de representação,

deve trazer em seus termos, a exposição da conduta considerada abusiva, com a

máxima descrição possível de suas circunstâncias, inclusive com a indicação da

autoridade infratora. A peça, com o alvo de promover a responsabilidade

administrativa, civil e penal, deve ser dirigida:

À autoridade superior competente para a aplicação de sanção disciplinar; e

Ao órgão do Ministério Público, promotor privativo da ação penal pública, nos termos

do inciso I, artigo 129, da Constituição Federal.

Como já mencionado, a representação prevista nos artigos 1º e 2º da lei em análise,

constitui um direito de petição. Isto significa dizer, que a falta de representação do

ofendido não impede a iniciativa e nem o curso da ação penal, já que não possui a

natureza jurídica de condição de procedibilidade. Tal assertiva ficou patente com a

redação fornecida ao artigo 1º, da Lei nº 5.249, de 9 de fevereiro de 1967. Em outras

palavras, o crime de abuso de autoridade é de ação pública incondicionada.

Sujeito ativo

Para descobrir é necessário saber quem é considerada autoridade nos termos da Lei

nº 4.898.

A resposta está estampada em seu artigo 5º, que diz: “Considera-se autoridade,

para fins desta lei, quem exerce cargo, emprego ou função pública, de natureza

civil ou militar, ainda que transitoriamente e sem remuneração”.

Como salientam Moraes e Smanio (2005, p. 34): O conceito é amplo e acaba por

vincular a noção de autoridade não somente à condição de funcionário público,

mas também ao exercício de função pública, entendendo-se esta como qualquer

atividade que visa a fins próprios do Estado. Assim, é absolutamente

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imprescindível que a conduta delituosa tenha sido praticada no exercício de

função pública. Trata-se, portanto, de crime próprio.

Fique atento! Situações podem acontecer em que o agente, mesmo não estando

no exercício de suas funções, comete o crime de abuso. Isso se dará quando o

funcionário, apesar de não estar no desempenho de seu labor ao praticar o abuso,

use ou invoque a autoridade de que é investido.

Assim já decidiu o Supremo Tribunal Federal, in verbis:

Crime de abuso de autoridade – Comete-o o miliciano que, embora, sem farda e fora

do efetivo exercício de suas funções, age, evocando a autoridade que é investida.

Exegese do artigo 5º, da Lei nº 4.898/65. Competente, todavia, para o processo e

julgamento, é a Justiça comum estadual, eis que inexistente crime militar. Habeas

corpus indeferido”. (STF – 2ª T, HC nº 59.676-2-SP, rel. Min. Djaci Falcão, DJU de

07/05/1982)

Em homenagem ao princípio da reserva legal, é possível mencionar que todas as

figuras penais contidas na Lei nº 4.898 são dolosas, já que ausente a tipificação

culposa. Com destreza Damásio de Jesus, já em 1978, declarava ao público que o

crime de abuso de autoridade “reclama ânimo próprio, que é elemento subjetivo

do injusto: vontade de praticar as condutas sabendo o agente que está

exorbitando do poder”.

É indispensável que o dolo do possível autor do delito seja avaliado com cuidado,

somente merecendo a correspondente sanção penal àquele que agir com o

propósito de perseguição, vingança, capricho, maldade e não no interesse da

sociedade.

Você sabia?

Que uma pessoa não enquadrada no conceito de autoridade, exposto no artigo 5º da

legislação comentada, pode cometer crimes de abuso de autoridade. Para tanto,

somente poderá ser responsabilizada a título de participação, nos moldes do artigo

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29, do Código Penal, uma vez que a qualidade de autoridade é elementar dos tipos

penais.

Tipos penais

Agora que você já estudou alguns aspectos gerais da Lei nº 4.898, chegou a hora de

analisar seus tipos penais, estabelecidos em seus artigos 3º e 4º. Lembre-se de que

o interesse aqui alinha-se àqueles relacionados com a abordagem policial. Leia

atentamente os destacados dispositivos:

Art. 3º Constitui abuso de autoridade qualquer atentado:

● À liberdade de locomoção;

● À inviolabilidade de domicílio;

● Ao sigilo de correspondência;

● À liberdade de consciência e de crença;

● Ao livre exercício do culto religioso;

● À liberdade de associação;

● Aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício do voto;

● Ao direito de reunião;

● À incolumidade física do indivíduo; e

● Aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional.

Art. 4º Constitui também abuso de autoridade:

● Ordenar ou executar medida privativa da liberdade individual, sem as formalidades

legais ou com abuso de poder;

● Submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não

autorizado em lei;

● Deixar de comunicar, imediatamente, ao juiz competente a prisão ou detenção de

qualquer pessoa;

● Deixar o juiz de ordenar o relaxamento de prisão ou de detenção ilegal que lhe

seja comunicada;

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● Levar à prisão e nela deter quem quer que se proponha a prestar fiança, permitida

em lei;

● Cobrar o carcereiro ou agente da autoridade policial, carceragem, custas,

emolumentos ou quaisquer outras despesas, desde que a cobrança não tenha apoio

em lei, quer quanto à espécie, quer quanto ao seu valor;

● Recusar o carcereiro ou agente de autoridade policial recibo de importância

recebida a título de carceragem, custas, emolumentos ou de qualquer outra despesa;

● O ato lesivo da honra ou do patrimônio de pessoa natural ou jurídica, quando

praticado com abuso ou desvio de poder, ou sem competência legal; e

● Prolongar a execução de prisão temporária, de pena ou de medida de segurança,

deixando de expedir em tempo oportuno ou de cumprir imediatamente, ordem de

liberdade.

Atentado à liberdade de locomoção

O direito à liberdade de locomoção encontra seu fundamento primeiro no inciso XV,

artigo 5º, da Constituição Federal, que diz: “É livre a locomoção no território

nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar,

permanecer ou dele sair com seus bens”. A simples leitura do texto constitucional

permite estabelecer, contrário sensu, que em tempo de guerra limitações poderão

ser impostas ao direito de locomoção, tendo-se em mira questões ligadas à segurança

nacional.

José Afonso da Silva (1999, p. 240) ensina que a liberdade de locomoção é a

principal forma de expressão da liberdade da pessoa física, conceituada essa

liberdade como “a possibilidade jurídica que se reconhece a todas as pessoas de

serem senhoras de sua própria vontade e de locomoverem-se

desembaraçadamente dentro do território nacional”.

O direito à liberdade de locomoção engloba o acesso, ingresso e saída do território

nacional, bem como a permanência e deslocamento, direito de ir e vir, dentro dele.

O referido direito toca tanto os brasileiros como os estrangeiros, sejam ou não

residentes no Brasil.

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Diante de todo o dito, pergunta-se:

A abordagem policial, por limitar, mesmo que temporariamente, o direito de ir e

vir do cidadão, sempre constituirá abuso de autoridade?

Para responder satisfatoriamente a indagação, é necessário saber, primeiramente,

que não há que se falar em abuso de autoridade, por violação à letra “a” do artigo

3º, quando limitações à liberdade são impostas àqueles que ameaçam a ordem

pública, a incolumidade física das pessoas e do seu patrimônio.

A abordagem policial representa um autêntico desempenho das atribuições da polícia

preventiva, ocasião em que se verificam os documentos do cidadão, qual objeto está

trazendo consigo, dentre outros aspectos, representando, em síntese, grande fator

inibidor da ação delituosa. Entretanto, tais medidas não poderão ser tomadas de

modo arbitrário. As limitações do direito de liberdade devem ser adotadas dentro das

formalidades legais, alinhadas, sempre, com o princípio da proporcionalidade. Não há

dúvida que a atuação policial deve guardar adequação entre os meios empregados

com o fim pretendido, de modo a não exceder os limites que lhe são impostos pelo

ordenamento jurídico, a evitar restrições desnecessárias ou abusivas, com lesão a

direitos fundamentais.

Se a vítima do crime de abuso for criança ou adolescente, o delito será o definido no

artigo 230, da Lei nº 8.069 – Estatuto da Criança e do Adolescente, datada de

13.07.1990.

Atentado à inviolabilidade de domicílio

Você já estudou no módulo 2, as principais questões referentes à garantia

constitucional para preservar a inviolabilidade do domicílio. Esclarecido o que se

entende por casa, bem como a extensão do direito à sua inviolabilidade, cabe

analisar no que consiste o abuso de autoridade inerente à violação do domicílio.

Comete o crime de abuso de autoridade, por incidência na letra “b”, do artigo 3º, o

funcionário público que, no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las,

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entra ou permanece em casa alheia ou em suas dependências, sem o consentimento

de seu morador. Mesmo as autoridades policiais estão sujeitas a fiel observância

do princípio da inviolabilidade de domicílio.

O Supremo Tribunal Federal já decidiu que a garantia constitucional não pode ser

transformada em meio de impunidade de crimes (RTJ 74/88), tanto em relação aos

que se praticam no interior da casa, como nas hipóteses em que o cidadão infrator se

esconde, após o seu cometimento, não estando em situação de flagrante delito

imperfeito, em seu domicílio ou no de terceiros.

Buscando repelir o uso indevido do direito, o legislador constituinte originário gravou

em sua obra, de modo exaustivo, todas as situações em que o domicílio pode ser

violado sem o consentimento de seu morador, que são:

Durante o dia

Em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, ainda, por

determinação judicial.

Durante a noite

Em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro.

A autorização judicial só é apta a permitir a violação do domicílio durante o dia,

ou seja, se você policial entrar em uma casa, sem o devido assentimento de quem

a habite ou fora das hipóteses permissivas trazidas pela Constituição Federal,

durante a noite, cometerá um crime, mesmo tendo mandado judicial.

Questão interessante, que gera discussão na jurisprudência e doutrina, é saber se o §

2º, artigo 150, do Código Penal, que aumenta a pena do crime de violação de

domicilio, quando praticado por funcionário público, possui aplicação frente ao

comando da letra b, artigo 3º, da Lei nº 4.898/65, que tipifica qualquer invasão de

domicílio praticada (perpetrada) por todo aquele que exerce cargo, emprego ou

função pública.

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O aparente conflito de normas é perfeitamente solucionado com a aplicação do

Princípio da Especialidade. A regulamentação especial tem a finalidade,

precisamente, de excluir a lei geral e, por isso, deve precedê-la. O Código Penal ao

qualificar a violação de domicílio, quando cometida por funcionário público, é lei

geral em relação à Lei de Abuso de Autoridade que, por ser especial, deve

prevalecer.

Princípio da Especialidade

Segundo Cezar Bitencourt (2006, p. 248) “considera-se especial uma norma penal,

em relação a outra geral, quando reúne todos os elementos deste, acrescidos de mais

alguns, denominados especializantes.

Atentado à incolumidade física do indivíduo

O abuso de autoridade com base na letra i, artigo 3º, da Lei nº 4.898/65, consiste

em toda ofensa física concretizada pelo agente público, quando no exercício de

cargo, emprego ou função. Irrelevante, na espécie, que a conduta tenha deixado

vestígio, pois a violência exigida se caracteriza pelo emprego de força física, maus-

tratos ou vias de fato. Os tribunais brasileiros endossam esse entendimento, in

verbis:

Abuso de autoridade. Vias de fato. Delitos caracterizados. Procede com abuso de

autoridade o agente policial que, sob o pretexto de averiguar uma briga ocorrida

anteriormente, leva várias pessoas à delegacia de polícia e agride arbitrariamente

um menor, com tapas no rosto, na presença do pai. (TJSC – Jur. Catarinense

26/466)

Por certo, nem toda violência cometida por agente público deve ser levada à

condição de abuso de autoridade. Há situações em que o recurso da violência é

permitido e necessário, inserindo-se no estrito cumprimento de dever legal, como

exemplo, a violência utilizada por policiais para prender alguém em flagrante ou

em virtude de mandado judicial, quando houver resistência ou tentativa de fuga.

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O uso da força só será considerado, conforme o direito, se estiver pautado na

necessidade e proporcionalidade. Em outras palavras, o agente público deve agir

estritamente dentro dos limites legais, punindo-se todo o excesso cometido.

Por fim, no que é pertinente ao atentado à incolumidade física do indivíduo, aspecto

que ocupa espaço nas discussões jurídicas, é o que diz respeito ao agente que, além

do delito de abuso de autoridade, pratica lesões corporais na vítima.

Duas correntes se formaram: a primeira estabelece o concurso material entre a

lesão corporal e o abuso de autoridade, por sua vez, a segunda, anuncia que fica

a lesão corporal absorvida pelo abuso.

Alinhados com a jurisprudência majoritária é possível entender que a primeira

corrente deve prevalecer. Seu principal argumento funda-se que o crime de

autoridade tem por escopo resguardar os direitos constitucionais da cidadania de

eventuais abusos, cometidos por parte de qualquer pessoa, que exerça autoridade

pública, finalidade diversa do artigo 129, do Código Penal, que é a proteção da

integridade física.

Você sabia?

1 - Se a violência praticada pelo agente público for cometida com o fim de obter

informação, declaração ou confissão, ou, ainda, para provocar ação ou omissão de

natureza criminosa, o crime será o de tortura, conforme os termos da Lei nº

9.455/97.

2 - A Súmula 172, do Superior Tribunal de Justiça, reza que: “Compete à Justiça

comum processar e julgar militar por crime de autoridade, ainda que em serviço”.

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Aula 3 – Tipos penais relacionados à atividade policial

Neste curso, você estudou que a abordagem policial para ser conforme o

ordenamento jurídico requer conhecimentos, que vão desde noções de direito

constitucional – pelo estudo dos direitos e garantias fundamentais, dos princípios

regentes da administração pública, das atribuições dos diversos órgãos componentes

da Segurança Pública, dentre outros, passando pelo direito administrativo –, pois a

abordagem, como salientado, é um ato administrativo, até chegar ao âmbito penal.

Observam-se, por vezes, ações arbitrárias e violentas dos agentes de Segurança

Pública em ocorrências sem grande complexidade.

Por que tais atitudes ocorrem? Qual a razão que leva um policial ou guarda

municipal a atentar contra a integridade física de alguém em uma abordagem de

rotina?

Não se pretende aqui responder as indagações feitas. Isso ficará para sua reflexão.

Mas, as condutas autoritárias, em alguns episódios, refletem ausência de

conhecimento, principalmente, do Código Penal.

Em uma situação cotidiana se um cidadão adota postura ativa passando a proferir

impropérios contra o profissional da área de Segurança Pública, faltando com o

respeito, não cabe aos policiais defenderem sua honra pela violência, por pior que

seja a ofensa. É dever de todo agente do Estado agir de acordo com a legalidade.

Para tanto, o Código Penal destina um capítulo inteiro para as condutas praticadas

por particular contra a administração em geral. É primordial a ideia que não se

alcança a justiça pela injustiça.

Esta aula possui o objetivo central de criar condições para que tenha conhecimentos

sobre determinados tipos penais selecionados, não aleatoriamente, mas em razão da

possibilidade de seu acontecimento nas abordagens policiais.

Antes de prosseguir, veja alguns conceitos penais.

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Você já deve conhecê-los, pois essas noções, possivelmente foram trabalhadas em

sua formação. Mas vale a penas relembrar.

Você saberia definir o que é um crime?

O Código Penal não se preocupou em defini-lo. Para seu conhecimento, o Decreto nº

3.914/41, conhecido como Lei de Introdução ao Código Penal Brasileiro, traz a

seguinte definição:

Art 1º Considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de reclusão ou de

detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de

multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de

prisão simples ou de multa, ou ambas. Alternativa ou cumulativamente.

O conceito acima destacado é insuficiente para a compreensão do que vem a ser

um crime, pois se limitou a destacar as características que diferenciam as

infrações penais tidas como crime daquelas que constituem contravenção penal.

A doutrina, conforme Nucci (2007), apresenta três formas diferentes de se

conceituar o delito, sendo:

Material: É a concepção da sociedade sobre o que pode e deve ser proibido,

mediante aplicação de sanção penal. É, pois, a conduta que ofende um bem

juridicamente tutelado, ameaçado de pena;

Formal: É a concepção do direito acerca do delito. É a conduta proibida por lei, sob

ameaça de aplicação da pena, numa visão legislativa do fenômeno.

Analítica: Pela teoria tripartida o crime é um fato típico, antijurídico e culpável.

A teoria do delito desenvolve-se a partir do conceito analítico, porém, para você,

policial, basta o entendimento do que vem a ser o fato típico, já que lhe cabe

somente o juízo prévio de tipicidade. Bitencourt (2007) ensina que o tipo penal é o

conjunto dos elementos do fato punível descrito na lei penal, em termos simples,

é um modelo abstrato que descreve um comportamento proibido. O tipo exerce a

função limitadora e individualizadora das condutas humanas penalmente

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relevantes. É uma construção que surge do trabalho do legislador, que descreve

as ações, consideradas pela sociedade como graves, na norma penal.

Conhecendo as características e os elementos que compõem cada tipo penal, você

será capaz de realizar o juízo de tipicidade, que nada mais é do que uma operação

intelectual de conexão entre os infindáveis comportamentos desenvolvidos na vida

em sociedade e o modelo descrito na lei penal. Em outras palavras, é analisar se

determinada conduta apresenta os requisitos que a norma exige, para qualificá-la

como infração penal.

É importante você ter a consciência que o juízo de tipicidade realizado pelo policial

não vincula a autoridade policial e nem o Ministério Público, que poderão, a

depender dos fatos, entender que a conduta apresentada amolda-se a outro tipo ou

que, até mesmo, não configura ilícito penal.

Essa rápida revisão cuidará das principais classificações doutrinárias a que estão

submetidos os tipos penais. A divisão dos diversos delitos em categorias é

elemento facilitador de seu entendimento. A doutrina realiza as seguintes

classificações:

- Delito doloso, culposo e preterdoloso

- Crimes: Comum e próprio

- Crimes: De resultado e de atividade

- Crimes: Unissubjetivo ou plurissubjetivo

Veja nas próximas páginas as características de cada uma das categorias citadas.

Delito doloso, culposo e preterdoloso

Essa classificação diz respeito à natureza do elemento volitivo (vontade) presente na

infração penal. De acordo com o artigo 18, do Código Penal, o crime é doloso quando

o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo; culposo, quando deu

causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia. Já o preterdoloso ou

preterintecional é o crime cujo resultado total é mais grave do que o pretendido pelo

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agente. Há uma conjugação de dolo (no resultado antecedente) e culpa (no

subsequente). A lesão corporal seguida de morte, tipificada no § 3º, do artigo 129, é

um claro exemplo de crime preterdoloso.

Você sabia?

Que em homenagem à garantia da reserva legal, constante no inciso XXXIX, artigo 5º,

da Constituição Federal, confirmada pelo parágrafo único do artigo 18, do Código

Penal, ninguém pode ser punido por conduta culposa, a menos que a figura penal

preveja, expressamente, a punição do agente a esse título.

Crimes: Comum e próprio

O crime comum é aquele que pode ser cometido por qualquer pessoa, ou seja, não se

exige qualidade especial do sujeito ativo, por exemplo, homicídio, ameaça, furto. Já

os próprios só podem ser praticados por quem possua certa qualidade, como

exemplo, a condição de funcionário público para os crimes de peculato, concussão e

corrupção passiva.

Crimes: De resultado e de atividade

Os crimes de resultado, também denominados de material, são aqueles que

somente se concretizam com a ocorrência do resultado naturalístico, isto é, uma

efetiva modificação no mundo exterior. Caso não haja a produção do resultado,

que nesses delitos integram o próprio tipo penal, se estará diante da tentativa. Em

termos praticados, o delito do artigo 121 só é consumado com a modificação do

mundo exterior representada pela morte de alguém, se o agente iniciar a execução

na direção de matar alguém, porém, por circunstâncias alheias à sua vontade não

atingir o resultado morte, estará diante da tentativa.

Por sua vez, os ditos crimes de atividade se contentam com a ação humana

esgotando a descrição típica, podendo ocorrer ou não o resultado naturalístico, para

sua consumação. Conforme leciona Nucci (2007) é o caso da prevaricação (artigo

319). Contenta-se o tipo penal em prever punição para o agente que deixar de

praticar ato de ofício para satisfazer interesse pessoal, ainda que, efetivamente,

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nada ocorra no mundo naturalístico, ou seja, mesmo que a vítima não sofra prejuízo.

Parte dos doutrinadores divide os crimes de atividade em formais e de mera conduta.

Crimes: Unissubjetivo ou plurissubjetivo

O crime unissubjetivo é aquele que pode ser praticado por um único agente, mas

admite o concurso (ajuda) eventual de pessoas. Essa modalidade de delito constitui

a regra no ordenamento penal. O crime plurissubjetivo exige o concurso necessário

de no mínimo duas pessoas, por exemplo, a rixa.

Dos crimes em espécie

Resistência (artigo 329 )

O artigo 329, do Código Penal, traz ao mundo jurídico o delito de resistência,

sendo assim redigido:

Art. 329 Opor-se à execução de ato legal, mediante violência ou ameaça a

funcionário competente para executá-lo ou a quem lhe esteja prestando auxílio:

Pena - Detenção de dois meses a dois anos.

§ 1º - Se o ato, em razão da resistência, não se executa:

Pena - Reclusão, de um a três anos.

§ 2º - As penas deste artigo são aplicáveis sem prejuízo das correspondentes à

violência.

O delito estudado tem como objetividade jurídica a tutela do normal funcionamento

da administração pública. Regis Prado (2006) acrescenta que o tipo visa, ainda,

assegurar o exercício da autoridade estatal, o prestígio da função pública e a

segurança dos agentes públicos, bem como daqueles que lhe prestam auxílio, para a

consecução do ato legal. Trata-se de um crime comum, formal, de forma livre,

unissubjetivo e admite tentativa, embora seja de difícil configuração.

A conduta tida como injusto penal consiste em opor-se à execução de ato legal,

mediante violência ou ameaça a funcionário competente para executá-lo ou a

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quem lhe esteja prestando auxílio. Nesse caso, opor-se significa colocar obstáculo

ou fornecer combate. Na qualidade de sujeito passivo encontra-se o funcionário

público ou terceira pessoa que lhe esteja prestando auxílio.

Note bem, a terceira pessoa só será sujeito passivo da resistência se estiver

acompanhada pelo funcionário público competente para a execução do ato. Em

outras palavras, se estiver agindo sozinha, como exemplo, prendendo alguém em

flagrante delito, apesar de ser um exercício excepcional de função pública, por

expressa permissão do artigo 301, do Código de Processo Penal, e houver oposição a

essa prisão, não existirá a proteção penal inserida no artigo 329, do Código de

Processo Penal. Dependendo da violência praticada poderá ocorrer o crime de lesão

corporal. Por ser crime comum qualquer pessoa poderá figurar como sujeito ativo,

inclusive outro funcionário público. Sua conduta será equiparada a do particular, pois

sua qualidade funcional não poderá servir como um escudo para a sua

responsabilidade penal.

A violência e a ameaça são elementos objetivos da resistência merecedores de

atenção. A violência é a coerção física, sendo indispensável ser dirigida contra a

pessoa do funcionário ou do terceiro, e não contra coisas. Já a ameaça é a

intimidação, a ameaça de causar um mal injusto. O tipo penal em estudo, ao

contrário de outros, não exige que a ameaça seja grave. O fato do agente proferir

ofensas contra o funcionário não dá motivo para a configuração do delito.

Diante do mesmo caso, imagine as seguintes situações:

Você, policial, em uma abordagem, decide prender um cidadão encontrado com

uma arma de fogo não registrada.

Situação 1: Ao perceber que vai ser detido, o infrator insurge-se contra a ordem

legal, dando vários chutes na viatura, fato que dificulta seu serviço.

Situação 2: O cidadão infrator não chuta as viaturas, mas, por diversas vezes, diz em

alto e bom som, buscando ameaçá-lo, que vai até a corregedoria representar contra

sua atuação.

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Nas situações acima há crime de resistência?

Por certo, em nenhum dos exemplos colocados há o crime de resistência. Na

primeira situação a violência foi empregada não contra você, sua guarnição ou

terceiros, atingiu somente a viatura. O simples fato de atrapalhar seu serviço é

insuficiente para a tipificação do delito comentado. No exemplo, o infrator

responderá pelos danos causados ao patrimônio público, além dos delitos

correspondentes à posse irregular de arma de fogo. No segundo caso, a promessa de

representação não é um mal injusto, sendo direito de qualquer pessoa reclamar

contra suposta irregularidade funcional.

Por último, você analisará o elemento objetivo representado pela necessidade de ser

o ato legal e o funcionário competente para executá-lo. A Constituição de 1988, no

inciso II, de seu artigo 5º, traz como garantia fundamental a norma que “ninguém

será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

Interpretando o dispositivo constitucional em conjunto com o artigo 329, do CP,

chega-se a inevitável conclusão que ao cidadão é permitido contrariar a ordem ilegal,

no exercício regular de seu direito. Não se pode esquecer que a legalidade da ordem

deve abranger seu aspecto substancial (conteúdo) e formal.

Apesar de tudo que foi dito é importante registrar que a ilegalidade da ordem não se

confunde com a sua justiça, ou seja, ela pode ser injusta, mas legal, circunstância

que impõem sua observância. No que toca ao funcionário público, não basta essa

qualidade para a configuração do ilícito, é necessária a presença de sua competência

funcional. Já decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo, por exemplo, que não

caracteriza o delito de resistência a oposição a diligência efetuada por guardas

municipais, pois esses não possuem competências para abordar, revistar ou prender

alguém por porte ilegal de armas. (TJSP, RJTJSP 157/294)

Você sabia?

A resistência passiva – sujeito que ao receber uma ordem legal se deita no chão para

não acatá-la – não configura o crime de resistência, pois a violência e a ameaça estão

ausentes.

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O número de funcionários públicos contra os quais se opõe o agente não faz nascer

vários delitos de resistência em concurso formal, pois o objeto jurídico protegido é a

administração pública, e não o interesse individual de cada um.

Desobediência (artigo 330)

Art. 330 Desobedecer a ordem legal de funcionário público:

Pena - Detenção, de quinze dias a seis meses, e multa.

O delito em estudo, além de proteger a administração pública, resguarda o seu

prestígio e sua potestade. O núcleo do tipo, expresso pelo verbo desobedecer, tem

o sentido de não ceder, descumprir, desatender a autoridade de funcionário público.

Conforme o conteúdo da ordem, se indica um comportamento positivo ou negativo,

consuma-se o delito com a ação ou omissão do desobediente. Tratando-se de

omissão, é preciso verificar se foi concedido prazo para a execução, nessa situação,

consuma-se o crime no instante de expiração do lapso temporal fornecido. Na figura

de sujeito ativo poderá estar qualquer pessoa, inclusive outro funcionário público.

Como sujeito passivo temos o Estado e o funcionário público que emitiu a ordem. A

doutrina classifica esse delito como comum, formal, de forma livre, unissubjetivo e

admite a tentativa.

Já decidiu o Superior Tribunal de Justiça (HC nº 1.390, publicado no DJU de

19/10/1992) que o funcionário público só pratica a desobediência quando agir como

particular. Em outras palavras, caso a ordem desobedecida seja referente a suas

funções, o delito cometido será outro, possivelmente prevaricação (artigo 319 do

CP).

De modo similar a resistência, a ordem descrita no tipo de desobediência é

qualificada de legal, referindo-se tanto à sua forma como substância. É preciso

anotar que a ordem deve ser clara, não a configurando simples pedido ou solicitação,

bem como deve ser dirigida diretamente a seu destinatário, seja na presença de

quem emite o comando, por notificação ou outra forma inequívoca de ciência. Em

homenagem ao inciso II, artigo 5º, da Constituição Federal, só existirá a

desobediência se aquele que não acatou a ordem tiver o dever legal de obedecê-la.

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Analise e reflita sobre a seguinte situação:

Você, policial, está realizando uma blitz quando determina a um condutor de veículo

que faça o teste do bafômetro. O cidadão, aparentemente ébrio, nega-se

decisivamente.

Nesse caso, você pode dar voz de prisão com base no crime de desobediência?

Por certo a resposta negativa deve prevalecer. Diante da garantia da não

autoincriminação não há que se falar em desobediência quando o acusado, indiciado

ou réu deixa de contribuir com o Estado no exercício do ius puniendi.

Os tribunais pátrios acordaram o entendimento que a existência de penalidade

administrativa ou civil, cominada em legislação, para a ordem desobedecida, afasta a

incidência do delito de desobediência, salvo se a dita lei ressalvar expressamente a

cumulativa aplicação do artigo 330 e dos seus termos, afastando o bis in idem. Nesse

sentido decidiu o STF que:

Não há crime de desobediência (CP, artigo 330), no plano da tipicidade penal, se a

inexecução da ordem, emanada de servidor público, revelar-se passível de sanção

administrativa prevista em lei, que não ressalva a dupla penalidade. Com base nesse

entendimento, a Turma deferiu habeas corpus para anular condenação imposta ao

paciente, que se recusara a exibir, ao policial militar encarregado de vistoria de

trânsito, seus documentos e os do veículo automotor que dirigia. Considerou-se que a

conduta do cidadão já está sujeita à sanção prevista no artigo 238, do Código de

Trânsito Brasileiro. (HC 88.452/RS, 2ª T, rel. Ministro Eros Graus, 02/05/2006)

Notas sobre o tema:

1 – A competência para processo e julgamento desse delito é reservada aos Juizados

Especiais Criminais, consoante o artigo 61, da Lei nº 9099/1995.

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2 – O não cumprimento da ordem emanada de funcionário público acompanhado de

violência ou ameaça, configurará o delito de resistência, que, na hipótese, absorverá

a desobediência.

Desacato (artigo 331)

O artigo 331 do Estatuto Penal reza que:

Art. 331 Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela:

Pena - Detenção, de seis meses a dois anos, ou multa.

A conduta proibida pelo tipo do artigo 331 é representada pelo verbo desacatar, que

traz o sentido de ofender, menosprezar, humilhar e menoscabar. Na lição de Nelson

Hungria (1959), desacato é “a grosseira falta de acatamento, podendo consistir em

palavras injuriosa, difamatórias ou caluniosas, vias de fato, agressões físicas,

ameaças, gestos obscenos, etc.”, complementa por dizer, que é “qualquer palavra

ou ato que redunde em vexame, humilhação, desprestígio ou irreverência ao

funcionário”. Desde já, cabe ressaltar que a crítica ou censura contra a atuação

funcional de alguém não são abrangidas pelo núcleo do tipo, a não ser que proferidas

de modo ofensivo.

O importante a ser fixado, para a realização do juízo de tipicidade, é que o sujeito

ativo deve agir com a nítida intenção de desprestigiar a função pública, desacatando

seu funcionário. A consumação do delito se dá justamente com o ato ou a palavra, de

que o ofendido presencie ou tome conhecimento direto.

Como se sabe, o Brasil é um país de tamanho continental, em razão possui as mais

diversificadas formas de expressão cultural. Alinhados na lição de Nucci (2007) e

Damásio (1999), tem-se que as condições pessoais do ofensor devem ser analisadas.

Não se pode confundir falta de educação, grau intelectual muito pequeno, posição

social com o dolo do desacato. Isso não quer dizer que você, agente de Segurança

Pública, deva suportar toda e qualquer ofensa. O essencial é agir com prudência na

tipificação do artigo 331. Além disso, o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa. Ao se

considerar que o bem jurídico tutelado pela norma do artigo 331, do Código Penal, é

o prestígio da função pública, adota-se o posicionamento que o funcionário público

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pode ser sujeito ativo do desacato independentemente de ser superior ou inferior

hierárquico do desacatado. Mas, existe corrente defendendo a ideia que somente o

inferior hierárquico pode figurar nessa qualidade.

Por seu turno, o sujeito passivo é o Estado, pois a objetividade jurídica é a

administração pública, e o funcionário público ofendido. Nesse ponto, o tipo penal

foi explícito ao estabelecer que o crime ocorrerá tanto quando a ofensa for dirigida a

funcionário no exercício de sua função, ou seja, na prática de ato relativo ao seu

ofício, dentro ou fora de seu local de trabalho, quanto em razão dela. Quando o

funcionário público estiver no gozo de sua vida particular e vier a sofrer qualquer

tipo de ofensa, totalmente desvinculada de sua qualidade laboral, não há o crime em

estudo.

Como foi destacado anteriormente, o desacato pode ser concretizado por palavras,

gestos e até ofensas físicas. Esse crime absorverá a infração cometida em sua

execução, no caso mais leve, tendo como exemplo a ameaça, e vias de fato, lesão

corporal de natureza leve e difamação, pela aplicação do critério da consunção. Ao

contrário, em se tratando de delito mais grave, como a lesão corporal de natureza

grave, há concurso formal.

Ocorre o concurso formal quando o agente, mediante uma só conduta, pratica dois

ou mais crimes, idênticos ou não. Nessa espécie de concurso há unidade de ação e

pluralidade de crimes. Nesse caso, aplica-se a mais grave das penas cabíveis ou, se

iguais, somente uma delas, mas aumentada, em qualquer caso, de um sexto até

metade.

Notas sobre o tema:

1 – A competência para processo e julgamento desse delito é reservada aos Juizados

Especiais Criminais, consoante o artigo 61, da Lei nº 9.099/1995;

2 – O desacato difere da resistência ao passo que nessa a violência ou ameaça

direcionada ao funcionário visa a não realização de ato de ofício, já naquele,

eventual violência ou ameaça tem por finalidade desprestigiar a função pública;

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3 – Considera-se crime único o desacato praticado num só contexto fático, ainda que

dirigido contra vários servidores, pois o Estado é o sujeito passivo primário e os

funcionários, sujeitos passivos secundários (TACrSP, RT 748/650) ; e

4 – Se o funcionário público provocar o cidadão e esse retribuir as ofensas

inicialmente proferidas, sua conduta não se enquadrará no tipo de desacato, pois

ausente a intenção de desprestigiar a função pública. Há, sim, o intento de

responder o que julgou indevido.

Corrupção ativa (artigo 333)

Art. 333 Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para

determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício:

Pena – Reclusão, de 02 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.

Parágrafo único – A pena é aumentada de um terço, se, em razão da vantagem ou

promessa, o funcionário retarda ou omite ato de ofício, ou o pratica infringindo

dever funcional.

O estudo da corrupção ativa começará pela análise do núcleo do tipo, que é a

essência da conduta. No artigo 333, dois são os núcleos alternativos indicados pelo

legislador. O primeiro é oferecer, que tem o sentido de pôr à disposição, apresentar

para que seja aceito. Depois há a ação descrita pelo verbo prometer, cujo significado

é obrigar-se, comprometer-se, garantir alguma coisa.

No crime de corrupção ativa não basta a presença do dolo, consistente na

consciência e vontade de oferecer ou prometer vantagem a funcionário público, para

a constituição do delito. Esse deve ser conjugado com o especial fim de agir do

agente na direção de fazer o funcionário praticar, omitir ou retardar ato de ofício.

Em decorrência, quando a vantagem for entregue depois da prática do ato, sem a

anterior promessa, não se trata de corrupção ativa, podendo, dependendo do caso

concreto, configurar outro ilícito penal, por exemplo, improbidade administrativa

(Lei nº 8.429/92).

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Especial fim de agir

Pode figurar nos tipos penais, ao lado do dolo, uma série de características subjetivas que os

integram ou os fundamentam. A essas características chamamos de elemento subjetivo

especial do tipo, também denominado especial fim ou motivo de agir. O especial fim de agir,

embora amplie o aspecto subjetivo do tipo, não integra o dolo nem com ele se confunde, uma

vez que o dolo esgota-se com a consciência e a vontade de realizar a ação com a finalidade

de obter o resultado delituoso ou na elevação do risco de produzi-lo. O especial fim de agir

que integra determinadas definições de delitos condiciona ou fundamenta a ilicitude do fato,

constituindo, assim, elemento subjetivo do tipo de ilícito, de forma autônoma e

independente do dolo. (Bitencourt, 2006, p. 341)

O tipo objetivo traz como um de seus elementos a vantagem indevida, que constitui

todo benefício ou proveito contrário ao direito, ainda que, ofensivo apenas aos bons

costumes (Nucci, 2007). A doutrina pátria diverge acerca da natureza da vantagem,

concedendo duas correntes:

É apenas a vantagem patrimonial, como dinheiro ou outra utilidade material;

Compreende qualquer espécie de benefício ou satisfação de desejo. Deve se apoiar a

segunda linha de raciocínio que, aliás, representa o pensar majoritário. Por certo, há

situações em que o funcionário corrompe-se, por exemplo, retardando ato de ofício,

para ganhar elogio que o beneficiará profissionalmente. O direito não pode ficar

inerte diante desses fatos, mesmo na ausência de ganho patrimonial, pois a conduta

descrita atinge a administração pública, no seu interesse moral.

Por ser crime comum qualquer pessoa pode cometê-lo. O sujeito passivo é o Estado.

O bem jurídico protegido é o normal funcionamento e o prestígio da administração

pública. Por ser um crime formal, sua consumação ocorre mesmo que o funcionário

público não aceite o suborno, bastando que o oferecimento ou promessa de

vantagem chegue ao seu conhecimento, conforme decisões dos principais tribunais

nacionais.

Nota sobre o tema:

1 - O crime de corrupção ativa não é, necessariamente, bilateral. Ou seja, pode

haver corrupção ativa sem que ocorra também corrupção passiva (artigo 317).

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Penal. Crime de corrupção ativa. Policiais. Vítimas. Depoimentos dotados de

credibilidade. 1 - O crime de corrupção ativa consuma-se com a simples oferta ou

promessa de vantagem ilícita. É considerado crime formal, em que a consumação

independe da aceitação da vantagem que lhe é prometida. O simples oferecimento

de propina a funcionário público já caracteriza o crime. 2 - A exigência de prova

concreta do oferecimento da vantagem para os policiais é prescindível, já que os

policiais são agentes públicos e suas declarações devem ser consideradas, mormente

(principalmente) coerentes, firmes e consonantes. (TJDFT, Rel. Desembargador

Edson Smaniotto, 1º Turma Criminal, DJ 11/11/2008, p. 113)

Conclusão

Neste módulo, você estudou sobre o uso de algemas, sobre abuso de autoridade e fez

uma breve revisão de alguns delitos descritos no Código Penal. Os temas abordados

possuem o objetivo de orientar sua atuação quando confrontado em uma abordagem

policial. Atue dentro da legalidade, não aja, exclusivamente, com base na emoção.

Lembre-se de que o maior prejudicado, em uma atuação arbitrária, será o próprio

policial.

Os assuntos tratados neste curso, não se esgotam aqui. Pelo contrário, exigem

aprimoramento constante.

A sociedade acredita e precisa muito de você. Conheça cada vez mais seu ofício, pois

um erro do policial conduz a legalidade à ilegalidade, a vida à morte.

Neste módulo são apresentados exercícios de fixação para auxiliar a compreensão

do conteúdo.

O objetivo destes exercícios é complementar as informações apresentadas nas

páginas anteriores.

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1. Analise a afirmação abaixo, levando em consideração as limitações impostas

pelos direitos e garantias fundamentais, ao uso da algema. Considere também, na

sua resposta, as situações em que tal emprego é admitido pelo ordenamento

jurídico.

Afirmam as autoridades policiais que não é possível saber quando haverá resistência,

uma vez que o detido pode reagir, ainda que seja uma pessoa tranquila colhida pela

ordem. Nesse sentido, as algemas seriam instrumento de segurança, até mesmo, para

a própria pessoa do preso, além de o ser também para policiais e terceiros. De outra

parte, é inegável que as algemas tornaram-se símbolo da ação policial, e da

submissão do preso àquele que cumpre a ordem de prisão. E é com essa figuração

que pode se tornar uma fonte de abusos e de ação espetaculosa, que promove a

prisão como forma de humilhação do preso e não de garantia da segurança das

providências adotadas. (Ministra do STF Carmém Lúcia – Relatora do HC nº. 89.429-1)

2. Marque a opção correta:

( ) Não comete o crime de abuso de autoridade o policial que, fundado em

competente determinação judicial, viola domicílio à noite.

( ) O agente público só comete o crime de abuso de autoridade quando no real

exercício de função, cargo ou emprego público. Quando de folga, mesmo invocando

sua qualidade laboral, não há que se falar em abuso se pratica conduta tipificada na

Lei nº 4.898.

( ) O direito de representação, descrito no artigo 1º, da Lei nº 4.898, representa

autêntica condição de procedibilidade para a oferta da ação penal, mesmo sendo

esta pública incondicionada.

( ) O crime de abuso de autoridade é um crime próprio.

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3. Marque a opção correta:

( ) O delito de abuso de autoridade pode ser cometido na modalidade culposa.

( ) O direito à liberdade de locomoção não atinge, em sua plenitude, os estrangeiros

residentes no território nacional.

( ) Para os termos do abuso de autoridade descrito na letra “i”, artigo 3º, da Lei nº

4.898, é dispensável que a violência física tenha deixado vestígios.

( ) A Justiça Militar é a competente para processar e julgar, em todas as hipóteses, o

abuso praticado por policial militar quando em serviço.

4. Todas as alternativas abaixo estão corretas, exceto:

( ) O crime de corrupção ativa exige, para a sua configuração, a presença do

especial fim de agir do agente, consistente na vontade de fazer o funcionário público

praticar, omitir ou retardar ato de ofício.

( ) Para a configuração do desacato basta que o funcionário público tome

conhecimento indireto da conduta tendente a desprestigiar a função pública, em

outros termos, não é necessário estar presente no local da ação injuriosa.

( ) Se o funcionário público provocar o cidadão e este retribuir as ofensas

inicialmente proferias, sua conduta não se enquadrará no tipo de desacato, pois

ausente a intenção de desprestigiar a função pública.

( ) A simples oposição passiva a ato legal provindo de funcionário público não é apta

para a configuração do delito de resistência (artigo 329, do CP).

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5. Todas as alternativas abaixo estão corretas, exceto:

( ) A conduta do sujeito ativo, para a configuração da corrupção ativa,

necessariamente, deverá preceder a pratica, a omissão ou o retardamento do ato de

ofício pelo funcionário público.

( ) A violência apta a configurar o crime de resistência (artigo 329) é a grave.

( ) O crime de desobediência só ocorre quando não atendida ordem legal. Para

efeitos penais apregoa-se que a legalidade da ordem deve alcançar seu aspecto

formal e substancial.

( ) É entendimento majoritário, tanto na jurisprudência quanto na doutrina, que a

existência de penalidade administrativa ou civil, cominada em legislação, para a

ordem desobedecida, afasta a incidência do delito de desobediência, salvo se a dita

lei ressalvar expressamente a cumulativa aplicação do artigo 330.

6. Resolva a situação fática abaixo descrita:

No dia 5 de janeiro de 2009, o Tenente Pedro, oficial-de-dia do 1º Batalhão (Unidade

Policial Militar do Distrito Federal) foi acionado, via centro de operações, para

atender uma ocorrência na quadra 313 Sul (endereço de Brasília). Chegando ao local

deparou-se com um grupo de pessoas fechando a via de trânsito.

Após contato preliminar com o Sr. João, prefeito da quadra, verificou que aquela

manifestação buscava protestar contra a queda da bolsa de valores de São Paulo e a

alta do dólar. Diante dos fatos, o tenente decidiu contactar o seu comandante com o

objetivo de receber orientações.

O comandante da unidade ao cientificar-se da ilegalidade da manifestação (adote

essa circunstância como verdadeira) determinou que a rua fosse desobstruída. Com o

propósito de atingir tal intento, o tenente deu ordem legal, tanto em seu aspecto

formal como substancial, aos manifestantes, concedendo prazo suficiente para sua

execução. De imediato foi atendido, com exceção de 2 (duas) pessoas. Zé e Joana.

Pedro Zé ao esgotar o prazo simplesmente deitou no chão. A guarnição policial

militar, composta por 3 (três) milicianos, teve que o carregar para fora da pista.

Joana quando recebeu a ordem ficou inerte por curto período, pois com a

aproximação do oficial e de seu motorista opôs-se à execução do ato mediante

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violência. Após ser presa, Joana proferiu vários xingamentos contra a guarnição,

reduzindo-lhes a autoridade.

Diante do quadro acima desenhado, aponte o(s) possível(is) crime(s) cometido(s) por

Pedro Zé e Joana, bem como se existe a presença de mais de um delito (de mesma

natureza), em concurso formal, tendo-se em mira o número de policiais presentes na

ocorrência.

Este é o final do módulo 3 - Parâmetros jurídicos da ação policial diante de alguns

tipos de crime

Gabarito

2. O crime de abuso de autoridade é um crime próprio.

3. Para os termos do abuso de autoridade descrito na letra “i”, artigo 3º, da Lei nº

4.898, é dispensável que a violência física tenha deixado vestígios.

4. Para a configuração do desacato basta que o funcionário público tome

conhecimento indireto da conduta tendente a desprestigiar a função pública, em

outros termos, não é necessário estar presente no local da ação injuriosa.

5. A violência apta a configurar o crime de resistência (artigo 329) é a grave.

6. Pedro: Comete um único delito de desobediência (artigo 330, do CP).

Joana: Comete o crime de resistência que, em sintonia com a melhor jurisprudência,

absorve o delito de desobediência, em concurso com o desacato. Acerca do desacato

tem-se que, a despeito da pluralidade de policiais militares, o crime é único, pois o

sujeito passivo, nesse caso, é o Estado.