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Beira do Rio – Inicialmente, os grupos formados pela internet eram apenas virtuais. É impressão ou com o tempo a internet passou a ser um ponto de encontro e essas redes foram migrando para o real? Kalynka Cruz – O ser humano já nasce em um grupo. Cresce e busca aproximação por afinidade. Toda a sua vida gira em torno de redes: amigos, trabalho, lazer. Na verdade, primeiro foi a galinha, não o ovo, ou seja, os grupos presenciais migraram para o digital! O homem foi moldando o ciberespa- ço para caber nele. Na web 1.0, ele tinha um nível baixíssimo de interação, então foi buscar maneiras de se agrupar por interesse e interagir a partir dos fóruns, blogs e redes sociais. Para isso, ele criou a web 2.0. Depois da “ocupação” do ciberespaço, surge a necessidade de se conhecer presencialmen- te. Então, acontece uma coisa interessante: aqueles que buscaram representações no ciberespaço cor- reram atrás da representação no real. Um exemplo prático é a migração dos amantes do mangá para as redes e depois a saída deles para os encontros presenciais. Ou seja, o grupo já existia, tinha os mesmos hábitos, reunia-se e encontrava-se com outros grupos menores. Depois do ciberespaço, eles conseguiram se fortalecer por intermédio da identificação de um número maior de pessoas interessadas pelo mesmo assunto e, atualmente, Arquivo sonoro amazônico está disponível na UFPA Instalado no Instituto de Ciências Biológicas, o Arquivo de Sons da Amazônia propõe o desenvolvimento de pesquisas envolvendo Bioacústica a partir de técnicas não invasivas. Pág. 10 Ver-o-Peso Violência "Ainda é preciso garantir o acesso às novas tecnologias", afirma a professora Kalynka Cruz. Pág. 12 Jane Felipe Beltrão passeia por Belém e relembra as mercearias das décadas de 50 e 60. Pág. 2 Reitor Carlos Maneschy fala sobre a reestruturação do curso de Medicina da UFPA. Pág. 2 Opinião Entrevista Coluna da Reitoria Rosyane Rodrigues O efeito da popularização da internet no final da década de 1990 pode ser considerado uma re- volução de costumes. Estava inaugurada uma nova maneira das pessoas se relacionarem. A web 2.0, os softwares de interatividade e a convergência tecno- lógica vieram para consolidar essas mudanças. MSN, Orkut, Facebook, Twitter, Myspace e blog são algumas das ferramentas que nos permitem compartilhar informações, acompanhar aconteci- mentos públicos e privados, reunir pessoas com os mesmos interesses. Isso é o mínimo, pois, no ciberespaço, quase tudo é possível. Apesar de as ferramentas estarem disponíveis, nem todos estão prontos para usá-las. Em entrevista ao Jornal Beira do Rio, a pro- fessora Kalynka Cruz falou sobre essa onda tecno- lógica e as relações sociais, sobre o impacto que a geração de nativos virtuais irá causar no mercado de trabalho e sobre o modo como a universidade deve adaptar-se para conseguir dialogar com os novos alunos, que, de acordo com a pesquisadora, são “mais velozes e menos pacientes!”. 12 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Janeiro, 2011 Ornitologia Livro traz artigos sobre o Mercado Organizados pela professora Wilma Leitão, artigos discutem gênero, relações raciais e patrimônio histórico. Pág. 3 Números que as autoridades desconhecem Medo e impunidade afastam vítimas das delegacias, gerando alto índice de crimes não registrados oficialmente. Pág. 10 Desa f ios do con f orto ambiental O Laboratório de Análise e Desenvolvimento do Es- paço Construído (Ladec), sob a coordenação do professor Irving Montanar, e o Laboratório de Conforto Ambiental, coor- denado pela professora Heliana Aguilar, estão desenvolvendo pesquisas com o objetivo de ga- rantir o conforto ambiental e a efi- ciência energética às edificações locais. Para isso, é preciso que os projetos arquitetônicos levem em consideração o máximo apro- veitamento da ventilação e da luz natural. Princípios da arquitetura bioclimática foram aplicados na Casa Eficiente, construída em Tucuruí em parceria com a Ele- trobras/Eletronorte. A residência está totalmente adaptada ao clima da região amazônica. Págs. 6 e 7 De acordo com o especialista, o maior desafio dos projetos imobiliários em Belém é garantir o acesso ao vento Canto do bem-te-vi está registrado e disponível para pesquisa Feira está no imaginário paraense ISSN 1982-5994 JORNAL DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ • ANO XXV • N. 90 • JANEIRO, 2011 "Um admirável mundo novo" Até a próxima década, todos teremos migrado para o ciberespaço Entrevista 25 Anos eles têm maior projeção presencialmente. Beira do Rio – A cada momento, surge uma nova ferramenta e, com ela, novas demandas. Ficamos cada vez mais tempo conectados. Até que ponto isso contribui para o estresse e a ansiedade típi- cos desse novo tempo? Kalynka Cruz – Sempre me preocupa uma per- gunta que nos induza a pensar as novas tecnologias como danosas ao ser humano. Há sempre benefícios e malefícios, mas se é para falarmos de alguns malefícios, sim, é verdade que existem aspectos negativos a serem considerados sobre o assunto. Existe uma obrigação social de conexão. Aqueles que não estão conectados, de certa forma, estão à margem de uma sociedade. Por exemplo, onde mar- cávamos nossos encontros, eu, você? No cinema, no shopping... hoje, os jovens marcam encontros no ciberespaço (nos fóruns, nas redes). Então, se não se conectam, ficam – de certa forma – fora de seu grupo social, desatualizados das conversas. E isso não acontece apenas com os jovens, quantas vezes somos abordados por amigos, familiares que nos interpelam com perguntas do tipo: “por que você não respondeu ao meu scrap?” ou “nunca mais vi você no Orkut”. Então, o estresse que algumas pessoas vivenciam está, na maioria das vezes, re- lacionado à cobrança externa. Até porque, com as novas tecnologias, fica mais transparente a opção de relacionar-se ou não com outra pessoa. Beira do Rio – Conhecer esses instrumentos (MSN, Orkut, Facebook, Twitter, Myspace, blog) ainda é uma opção ou não há mais como ficar de fora? Kalynka Cruz – Você recebe uma cobrança de manter-se conectado, de dar notícias e satisfações às pessoas com quem se relaciona. Como você vai fazer isso é que é a questão. Por isso eu posso optar por usar o telefone ou acessar as redes sociais com- plementarmente. Então, na verdade, é uma questão de conforto, de facilidade. Portanto a resposta à pergunta é sim, ainda é uma opção! No entanto, acredito que, na próxima década, isso não será mais opcional, e sim natural. O que vemos hoje, com as convergências tecnológicas, é o presencial hibridizar-se com o virtual. Beira do Rio – A sua pesquisa classificou os usuários do mundo virtual em três categorias: ocasional, excessivo e extremo. O que caracteriza cada um deles? Kalynka Cruz – Essa categorização é apenas um direcionamento sobre perfis, tendências que cada um de nós tem ao lidar com a tecnologia. O usuário ocasional é aquele que chamamos de imi- grante digital, o que não tem muita afinidade com a tecnologia e acessa o ciberespaço por motivos específicos, direcionados, como enviar um e-mail. O excessivo, apesar da palavra parecer pejorativa, é, na verdade, aquele nativo que convive com a tecnologia e essa convivência com o digital excede as obrigações. Para ele, aquele ambiente é natural, então, ele usa e-mail, acessa redes sociais, vê ví- deos, baixa conteúdo, entre outras atividades. Já o extremo é aquele que perdeu o controle, que tem uma relação de dependência com a tecnologia. É claro que, dentro dessas tipologias amplas, temos graus que nos levam mais perto de um perfil do que de outro. Beira do Rio – A geração que cresceu com a popularização da internet e fez do ciberespaço o seu playground começa a entrar no mercado de trabalho. Qual será o impacto disso e que conflitos podem surgir daí? Kalynka Cruz – Os benefícios me parecem sempre mais evidentes que os conflitos. O mercado está recebendo profissionais multitask, cognitivamente diferentes. Mas eles não são alienígenas, tampouco super-heróis. Eu diria que eles são os embaixadores das novas tecnologias e têm um savoir faire que lhes permitirá ser mais pró-ativos, criativos e, se- guindo um dos princípios dessa nova geração, mais colaborativos. Ou seja, com eles, quem já está no mercado pode fazer essa transição de forma mais tranquila. Eu sou muito otimista quanto a este novo profissional. Beira do Rio – Você orientou um TCC que ana- lisa a utilização de uma história em quadrinhos multimídia como ferramenta de ensino. Diante dessa revolução tecnológica, as ferramentas de ensino precisam ser repensadas? Kalynka Cruz – Se o mundo se transformou, como eu posso usar os mesmos métodos em sala de aula? É preciso, ainda, formar educadores que possam lidar com estes nativos digitais, que são mais velozes e menos pacientes! Mas, antes desse “admirável mundo novo”, inversamente propor- cional à sociedade organizada de Aldous Huxley, é preciso garantir o acesso. As tecnologias estão aí, mas nem todos sabem como utilizá-las. Nesse sentido, projetos como UFPA 2.0 (UFPA), Telinha na Escola (Ong Casa da Árvore e Vivo) e Navega Pará (Governo do Estado) são ações importantes tanto para garantir o acesso físico ao ciberespaço, quanto para assegura a qualidade intelectual. FOTOS ALEXANDRE MORAES ACERVO DO PESQUISADOR ALEXANDRE MORAES ALEXANDRE MORAES

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Beira do Rio edição 90

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Page 1: Beira 90

Beira do Rio – Inicialmente, os grupos formados pela internet eram apenas virtuais. É impressão ou com o tempo a internet passou a ser um ponto de encontro e essas redes foram migrando para o real?Kalynka Cruz – O ser humano já nasce em um grupo. Cresce e busca aproximação por afinidade. Toda a sua vida gira em torno de redes: amigos, trabalho, lazer. Na verdade, primeiro foi a galinha, não o ovo, ou seja, os grupos presenciais migraram para o digital! O homem foi moldando o ciberespa-ço para caber nele. Na web 1.0, ele tinha um nível baixíssimo de interação, então foi buscar maneiras de se agrupar por interesse e interagir a partir dos fóruns, blogs e redes sociais. Para isso, ele criou a web 2.0. Depois da “ocupação” do ciberespaço, surge a necessidade de se conhecer presencialmen-te. Então, acontece uma coisa interessante: aqueles que buscaram representações no ciberespaço cor-reram atrás da representação no real. Um exemplo prático é a migração dos amantes do mangá para as redes e depois a saída deles para os encontros presenciais. Ou seja, o grupo já existia, tinha os mesmos hábitos, reunia-se e encontrava-se com outros grupos menores. Depois do ciberespaço, eles conseguiram se fortalecer por intermédio da identificação de um número maior de pessoas interessadas pelo mesmo assunto e, atualmente,

Arquivo sonoro amazônico está disponível na UFPA

Instalado no Instituto de Ciências Biológicas, o Arquivo de Sons da Amazônia propõe o desenvolvimento

de pesquisas envolvendo Bioacústica a partir de técnicas não invasivas. Pág. 10

Ver-o-Peso

Violência

"Ainda é preciso garantir o acesso às novas tecnologias", afirma a professora Kalynka Cruz. Pág. 12

Jane Felipe Beltrão passeia por Belém e relembra as mercearias das décadas de 50 e 60.Pág. 2

Reitor Carlos Maneschy fala sobre a reestruturação do curso de Medicina da UFPA. Pág. 2

Opinião Entrevista Coluna da Reitoria

Rosyane Rodrigues

O efeito da popularização da internet no final da década de 1990 pode ser considerado uma re-volução de costumes. Estava inaugurada uma nova maneira das pessoas se relacionarem. A web 2.0, os softwares de interatividade e a convergência tecno-lógica vieram para consolidar essas mudanças.

MSN, Orkut, Facebook, Twitter, Myspace e blog são algumas das ferramentas que nos permitem compartilhar informações, acompanhar aconteci-mentos públicos e privados, reunir pessoas com os mesmos interesses. Isso é o mínimo, pois, no ciberespaço, quase tudo é possível. Apesar de as ferramentas estarem disponíveis, nem todos estão prontos para usá-las.

Em entrevista ao Jornal Beira do Rio, a pro-fessora Kalynka Cruz falou sobre essa onda tecno-lógica e as relações sociais, sobre o impacto que a geração de nativos virtuais irá causar no mercado de trabalho e sobre o modo como a universidade deve adaptar-se para conseguir dialogar com os novos alunos, que, de acordo com a pesquisadora, são “mais velozes e menos pacientes!”.

12 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Janeiro, 2011

Ornitologia

Livro traz artigos sobre o Mercado Organizados pela professora Wilma Leitão, artigos discutem gênero, relações raciais e patrimônio histórico. Pág. 3

Números que as autoridades desconhecem Medo e impunidade afastam vítimas das delegacias, gerando alto índice de crimes não registrados oficialmente. Pág. 10

Desafios do conforto ambiental

O Laboratório de Análise e Desenvolvimento do Es-paço Construído (Ladec),

sob a coordenação do professor Irving Montanar, e o Laboratório de Conforto Ambiental, coor-denado pela professora Heliana Aguilar, estão desenvolvendo pesquisas com o objetivo de ga-rantir o conforto ambiental e a efi-ciência energética às edificações locais. Para isso, é preciso que os projetos arquitetônicos levem em consideração o máximo apro-veitamento da ventilação e da luz natural. Princípios da arquitetura bioclimática foram aplicados na Casa Eficiente, construída em Tucuruí em parceria com a Ele-trobras/Eletronorte. A residência está totalmente adaptada ao clima da região amazônica. Págs. 6 e 7

De acordo com o especialista, o maior desafio dos projetos imobiliários em Belém é garantir o acesso ao vento

Canto do bem-te-vi está registrado e disponível para pesquisa

Feira está no imaginário paraense

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94

JORNAL DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ • ANO XXV • N. 90 • JANEIRO, 2011

"Um admirável mundo novo" Até a próxima década, todos teremos migrado para o ciberespaço

Entrevista

25 Anos

eles têm maior projeção presencialmente.

Beira do Rio – A cada momento, surge uma nova ferramenta e, com ela, novas demandas. Ficamos cada vez mais tempo conectados. Até que ponto isso contribui para o estresse e a ansiedade típi-cos desse novo tempo? Kalynka Cruz – Sempre me preocupa uma per-gunta que nos induza a pensar as novas tecnologias como danosas ao ser humano. Há sempre benefícios e malefícios, mas se é para falarmos de alguns malefícios, sim, é verdade que existem aspectos negativos a serem considerados sobre o assunto. Existe uma obrigação social de conexão. Aqueles que não estão conectados, de certa forma, estão à margem de uma sociedade. Por exemplo, onde mar-cávamos nossos encontros, eu, você? No cinema, no shopping... hoje, os jovens marcam encontros no ciberespaço (nos fóruns, nas redes). Então, se não se conectam, ficam – de certa forma – fora de seu grupo social, desatualizados das conversas. E isso não acontece apenas com os jovens, quantas vezes somos abordados por amigos, familiares que nos interpelam com perguntas do tipo: “por que você não respondeu ao meu scrap?” ou “nunca mais vi você no Orkut”. Então, o estresse que algumas pessoas vivenciam está, na maioria das vezes, re-lacionado à cobrança externa. Até porque, com as novas tecnologias, fica mais transparente a opção de relacionar-se ou não com outra pessoa.

Beira do Rio – Conhecer esses instrumentos (MSN, Orkut, Facebook, Twitter, Myspace, blog) ainda é uma opção ou não há mais como ficar de fora? Kalynka Cruz – Você recebe uma cobrança de manter-se conectado, de dar notícias e satisfações às pessoas com quem se relaciona. Como você vai fazer isso é que é a questão. Por isso eu posso optar por usar o telefone ou acessar as redes sociais com-plementarmente. Então, na verdade, é uma questão de conforto, de facilidade. Portanto a resposta à pergunta é sim, ainda é uma opção! No entanto, acredito que, na próxima década, isso não será mais opcional, e sim natural. O que vemos hoje, com as convergências tecnológicas, é o presencial hibridizar-se com o virtual.

Beira do Rio – A sua pesquisa classificou os usuários do mundo virtual em três categorias: ocasional, excessivo e extremo. O que caracteriza cada um deles?Kalynka Cruz – Essa categorização é apenas um direcionamento sobre perfis, tendências que

cada um de nós tem ao lidar com a tecnologia. O usuário ocasional é aquele que chamamos de imi-grante digital, o que não tem muita afinidade com a tecnologia e acessa o ciberespaço por motivos específicos, direcionados, como enviar um e-mail. O excessivo, apesar da palavra parecer pejorativa, é, na verdade, aquele nativo que convive com a tecnologia e essa convivência com o digital excede as obrigações. Para ele, aquele ambiente é natural, então, ele usa e-mail, acessa redes sociais, vê ví-deos, baixa conteúdo, entre outras atividades. Já o extremo é aquele que perdeu o controle, que tem uma relação de dependência com a tecnologia. É claro que, dentro dessas tipologias amplas, temos graus que nos levam mais perto de um perfil do que de outro.

Beira do Rio – A geração que cresceu com a popularização da internet e fez do ciberespaço o seu playground começa a entrar no mercado de trabalho. Qual será o impacto disso e que conflitos podem surgir daí? Kalynka Cruz – Os benefícios me parecem sempre mais evidentes que os conflitos. O mercado está recebendo profissionais multitask, cognitivamente diferentes. Mas eles não são alienígenas, tampouco super-heróis. Eu diria que eles são os embaixadores das novas tecnologias e têm um savoir faire que lhes permitirá ser mais pró-ativos, criativos e, se-guindo um dos princípios dessa nova geração, mais colaborativos. Ou seja, com eles, quem já está no mercado pode fazer essa transição de forma mais tranquila. Eu sou muito otimista quanto a este novo profissional.

Beira do Rio – Você orientou um TCC que ana-lisa a utilização de uma história em quadrinhos multimídia como ferramenta de ensino. Diante dessa revolução tecnológica, as ferramentas de ensino precisam ser repensadas?Kalynka Cruz – Se o mundo se transformou, como eu posso usar os mesmos métodos em sala de aula? É preciso, ainda, formar educadores que possam lidar com estes nativos digitais, que são mais velozes e menos pacientes! Mas, antes desse “admirável mundo novo”, inversamente propor-cional à sociedade organizada de Aldous Huxley, é preciso garantir o acesso. As tecnologias estão aí, mas nem todos sabem como utilizá-las. Nesse sentido, projetos como UFPA 2.0 (UFPA), Telinha na Escola (Ong Casa da Árvore e Vivo) e Navega Pará (Governo do Estado) são ações importantes tanto para garantir o acesso físico ao ciberespaço, quanto para assegura a qualidade intelectual.

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Page 2: Beira 90

Carlos Maneschy

Jane Felipe Beltrão

[email protected]

[email protected]

Coluna da REITORIA

OPINIÃO

BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Janeiro, 2011 – 11

Cursos de pós-graduação ganham reforçoUFPA aprova dois projetos no Programa Professor Visitante Sênior Como consequência do resultado do

Exame Nacional de Desempenho de Estudantes- ENADE, realizado

em 2007, e da análise por comissão de especialistas enviada pelo Ministério da Educação em 2008, nosso curso de Medicina vem passando por processo de monitoramento institucional visando requalificar suas condições de oferta.

Entre as medidas para melhoria do curso, em 23 de junho de 2009, foi assinado, entre a UFPA e o MEC, por meio da Secretaria de Ensino Superior-SESU, o Termo de Saneamento de Deficiências-TSD, que estabelecia con-dições para que várias ações corretivas fossem executadas.

As medidas postas em prática para correção das fragilidades aponta-das seguiram os eixos principais que estruturaram o relatório base do Termo de Saneamento, a saber: organização didático-pedagógica, corpo docente e instalações físicas.

Como atendimento das recomen-dações referentes às características peda-gógicas do curso de Medicina, ressalte-se o esforço institucional para criação de novo projeto pedagógico, já implantado para os alunos ingressantes no segundo semestre de 2010.

Esse projeto está sendo executado pela articulação de medidas definidas pela Comissão de Reestruturação Curri-cular e pelo Núcleo Docente Estruturante (criados por designação da Reitoria em

2009), que, por meio de oficinas com a comunidade acadêmica e com o apoio de consultores externos contratados pela UFPA, conceberam uma proposta didático-pedagógica em que os elemen-tos base da mudança concentram-se em um ensino médico com componentes teóricos e práticos bem integrados e equi-librados, com atenção especial nos eixos relativos às habilidades médicas, atenção integral à saúde, formação científica e reestruturação do internato.

Aqui, alguns aspectos merecem destaque: na abordagem de medidas à recomposição das condições do ensino de Medicina na UFPA, o TSD explicitou a necessidade de inserir todos os alunos no aprendizado de urgência e emergência durante o internato, a qual foi atendida no novo projeto pedagógico por meio do aumento da carga horária prática e da contratação de dois docentes para essa especialidade.

Seguindo recomendações que apontavam pela ampliação de parcerias institucionais com vistas à atuação prática dos alunos, novas cooperações com o Es-tado e os municípios foram estabelecidas, as quais permitirão expandir as atividades curriculares em unidades básicas de saúde, de atendimento à família e em urgência e emergência, nos três níveis de assistência.

Na linha da inserção de estudan-tes nos programas de atenção à saúde, ganham relevo as iniciativas para im-

plantação do Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde), em Belém e Ananindeua, assim como a sub-missão de propostas para os Programas Pró-Saúde e Tele-Saúde, com grandes expectativas de aprovação, de acordo com entendimentos com os agentes financiadores.

Nas diretrizes que apontam para uma maior organização didático-peda-gógica, inserem-se os esforços para a criação dos Núcleos de Epidemiologia Clínica e Medicina Baseada em Evidên-cias, bem como a formação de um grupo de avaliação do ensino e aprendizagem médica. A determinação institucional para que, com maior acuidade, sejam elaborados e acompanhados o plane-jamento acadêmico e o relatório de atividades docentes deve contribuir não apenas para ampliar a carga docente na preceptoria, mas também para ajustar a carga horária dos professores ao número de alunos no curso.

Quanto às recomendações refe-rentes ao corpo docente, deve-se ressaltar o estímulo à qualificação e capacitação dos professores, de que são exemplos as implantações de dois doutorados inte-rinstitucionais, de um curso de Especia-lização em Pediatria e da aprovação do primeiro curso de Mestrado em Medicina na Região Norte, a ser ofertado pela UFPA no primeiro semestre de 2011, nas áreas de Oncologia e Ciências Médicas. Registre-se que, para completar e reno-

var o quadro docente, 15 novos profes-sores foram contratados entre dezembro de 2009 e agosto de 2010.

No que tange à melhoria da in-fraestrutura do curso, foram executadas várias alterações, destacando-se como as mais relevantes a reforma no atual prédio da Faculdade de Medicina, a qual aumentou significativamente os espaços para laboratórios e salas de aulas; o rea-parelhamento dos espaços de ensino e a ampliação do Parque Computacional; a expansão da biblioteca e aquisição de novos livros e periódicos; o início da construção, dentro do Campus Univer-sitário, do novo prédio para abrigar as futuras instalações da Faculdade.

Frise-se que os recursos para to-das as intervenções estruturais foram pro-vidos por duas fontes: R$1.500.000,00 do Ministério da Educação, por meio de descentralização específica para essa ação, e em torno de R$2 milhões do orçamento próprio da UFPA.

Esse é, em síntese, o conjunto de providências tomadas para reposicionar o curso de Medicina no espaço de visi-bilidade e nível de qualidade que sempre alcançou. São mais de 90 anos de uma trajetória virtuosa, formando médicos com reconhecida competência dentro e fora das fronteiras do Estado, a qual será retomada em curto lapso de tempo com o compromisso e talento que marcam todos os que compõem a Faculdade de Medici-na da Universidade Federal do Pará.

A reestruturação do curso de Medicina da UFPA

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

2 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Janeiro, 2011

Rua Augusto Corrêa n.1 - Belém/[email protected] - www.ufpa.br

Tel. (91) 3201-7577

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Vesúvio, Chave de Ouro e Nova Olinda, para os mais jovens, os títulos pouco dizem à memória,

mas aqueles que possuem cabelos prateados, por certo, ouviram falar das mais conhecidas mercearias exis-tentes, nos anos 50 e 60, em Belém. Mercearias eram estabelecimentos que vendiam gêneros alimentícios (secos e molhados), a varejo e a granel, pois os gêneros não vinham embalados em pequenas quantidades, como hoje.

Era na mercearia que as famí-lias faziam compras, atendidas pelo dono do estabelecimento, em geral, migrante de origem portuguesa que por aqui se estabeleceu na virada do século XIX para o XX. Os estabeleci-mentos eram imponentes pela enver-gadura da construção. As mercearias, na gostosa Belém da primeira metade do século XX, possuíam amplas portas que se abriam em par, feitas em madeira de lei, tendo arcos em ferro como bandeiras que permitiam a ventilação do prédio. Ocupavam

espaços nobres nos cantos (assim se chamavam as esquinas) das principais ruas da cidade. Serviam ao comércio e à moradia dos proprietários que ocupavam os altos, as laterais ou os fundos do estabelecimento.

Para usufruir do patrimônio, ouse andarilhar pela cidade, percorra a avenida 15 de agosto, hoje Presi-dente Vargas. No canto da Manuel Barata, encontra-se o que “restou” do Vesúvio, que ocupava um terço do quarteirão mais importante da cidade nos anos 60. O estabelecimento era especial, lá se adquiriam os alimentos do quotidiano e as especialidades para dias de festa: ervas finas, especiarias, vinhos finos, frutas secas e amêndoas, bolos ingleses, panetones, biscoitos finos produzidos fora do Brasil, o bacalhau e o azeite português para oportunidades muito especiais.

Ir ao Vesúvio acompanhando os pais às compras era festa, pois as especialidades eram acondicionadas em barris e tinas de carvalho ou, ain-da, em amplos balcões envidraçados

percorridos atentamente pelos olhos das crianças que, deslumbradas, desejavam não apenas comer, mas também mergulhar nas guloseimas.

Sente-se nas escadarias do Pa-lácio do Rádio, em frente ao prédio, e olhe janela por janela do andar supe-rior. Pense...a cidade era silenciosa e ventilada. Hoje, tudo é diferente. Saia de mansinho caminhando em direção à Batista Campos, saia da Presidente Vargas, percorra a Serzedelo Corrêa, no canto da Conselheiro Furtado, vire à direita, ande mais um pouco, pare no canto da Padre Eutíquio e, próximo ao muro do terreno onde outrora era o Mercado de Batista Campos, descu-bra o que sobrou do prédio da Chave de Ouro, as janelas com balcões em ferro que abrem como portas, os quais e permitiam às moças debruçarem-se sobre o parapeito para ver a vida correr, como a moça feia do Chico Buarque, a qual, à toa na vida, via a banda passar.

Saia de lá pela Padre Eutíquio, em direção à Praça Batista Campos.

Atravesse o logradouro em diagonal, corte o coração das vielas em estilo francês e, ao chegar ao canto da Mun-durucus com a Serzedelo, imagine, respire e desenhe “no ar”, para o lado da praça, duas portas, e pela Serzede-lo, três ou quatro portas.

Os fregueses (cliente é deno-minação recente) que entravam pelo lado da praça iam ao bar. Os fregueses da mercearia entravam pela Serzedelo e lá encontravam o Seu Pereira, dono de sotaque da “terrinha” e de olhar terno às crianças. De cabelos e barbas brancas, lembrava Papai Noel. Lá, os fregueses acorriam para pegar o pão de todo dia ou os mantimentos de úl-tima hora para o reparo das refeições. Poucos pagavam em espécie, pois as compras eram anotadas na “caderne-ta” – cartão de crédito daqueles tem-pos –, que não voltam mais e deixam saudades, como tempo de paz.

Jane Felipe Beltrão, antropóloga, docente do IFCH da UFPA e pesqui-sadora do CNPq.

Chave de Ouro abre Nova Olinda e desata emoções em Vesúvio

kkkPesquisa

Reitor: Carlos Edilson Maneschy; Vice-Reitor: Horácio Schneider; Pró-Reitor de Administração: Edson Ortiz de Matos; Pró-Reitor de Planejamento: Erick Nelo Pedreira; Pró-Reitora de Ensino de Graduação: Marlene Rodrigues Medeiros Freitas; Pró-Reitor de Extensão: Fernando Arthur de Freitas Neves; Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação: Emmanuel Zagury Tourinho; Pró-Reitor de Desenvolvimen-to e Gestão de Pessoal: João Cauby de Almeida Júnior; Pró-Reitor de Relações Internacionais: Flávio Augusto Sidrim Nassar; Prefeito do Campus: Alemar Dias Rodrigues Júnior. Assessoria de Comunicação Institucional JORNAL BEIRA DO RIO Coordenação: Ana Danin; Edição: Rosyane Rodrigues; Reportagem: Dilermando Gadelha/Flávio Meireles/Ericka Pinto (1.266-DRT/PA)/Jéssica Souza(1.807-DRT/PA)/Paulo Henrique Gadelha/Rosyane Rodrigues (2.386-DRT/PE)/Vito Ramon Gemaque/Yuri Rebêlo; Fotografia: Alexandre Moraes/Karol Khaled; Secretaria: Silvana Vilhena/Carlos Junior/ Davi Bahia; Beira On-Line: Leandro Machado/Leandro Gomes; Revisão: Jú-lia Lopes/Cintia Magalhães; Arte e Diagramação: Rafaela André/Omar Fonseca; Impressão: Gráfica UFPA; Tiragem: 4 mil exemplares.

Outra proposta apresentada à Capes é a do professor Carlos Alber-to Dias, na área de Geofísica, o qual colabora com a Universidade para a implantação de um polo de pesquisa nas áreas de Engenharia de Petróleo e Engenharia Oceânica em Salinópo-lis. A criação do novo campus neste município está em fase de negociação com o Ministério da Educação.

Inicialmente, a ideia é ofertar cursos de graduação e pós-graduação em Engenharia de Exploração e Produção de Petróleo e Engenharia Costeira e Oceânica, bem como um curso profissionalizante na área de pesca. De acordo com o professor, a Reitoria da UFPA já obteve o sinal verde do Ministério da Educação para a construção do novo campus. “A expectativa é iniciar com 60 pro-fessores que vão formar um corpo docente de um Instituto de Ciência e Tecnologia do Mar e Petróleo”, afirma Carlos Alberto Dias. Para isso, serão realizados concursos para completar as 60 vagas iniciais.

Carlos Dias é paraense, mas fez carreira fora do Estado e se aposentou como professor pela Universidade Estadual do Norte Fluminense, campus de Macaé. Por ter a experiência acadêmica e conhecer o potencial da região, ele

Campus de Bragança está entre os beneficiados com recursos da Capes para fortalecimento de grupos de pesquisa

Salinas: município terá Instituto de Ciência e Tecnologia do Mar e do Petróleo

Ericka Pinto

Dois projetos aprovados pela Coordenação de Aperfeiço-amento de Pessoal de Nível

Superior (Capes) para o Programa Professor Visitante Sênior (PVNS) vão possibilitar à Universidade Fe-deral do Pará (UFPA) a expansão da graduação e pós-graduação no interior do Estado. O Programa tem como propósito apoiar o fortaleci-mento de grupos de pesquisa voltados para o desenvolvimento regional, principalmente nos novos campi das universidades federais, com atenção especial para as instituições no norte do Brasil.

Ambos os projetos da UFPA já estão em fase de execução e vão atender áreas estratégicas de pesquisa na região nordeste do Pará: as áreas de manguezal, em Bragança, e costeira, em Salinópolis.

Um dos trabalhos desenvol-vidos é o da docente Deis Elucy Siqueira, o qual vai contribuir para a expansão da atividade de pesquisa no Programa de Pós-Graduação em Biologia Ambiental, no Campus de Bragança. A particularidade da re-gião nordeste do Pará, que é a área contínua de mangue preservado e a maior concentração de Reservas Ex-trativistas Marinhas do Brasil, foi o que motivou a vinda, para a região, da pesquisadora e professora aposentada pela Universidade de Brasília.

Em agosto deste ano, a pro-fessora iniciou a disciplina Natureza, Sociedade e Cultura, da qual partici-

pam 24 alunos, o que indica, segundo ela, a existência de uma demanda reprimida em Bragança em torno da dimensão socioambiental. Além de ministrar a disciplina, Deis Siqueira vai orientar alunos de mestrado e doutorado do Instituto de Estudos Costeiros (IECOS/UFPA), constitu-ído pelas Faculdades da Engenharia de Pesca, de Ciências Biológicas e

do Programa de Pós-Graduação em Biologia Ambiental.

“Tenho como proposta criar uma linha de pesquisa no IECOS, a qual possa seguir atuante mesmo depois de minha partida. Pretendo integrar colegas de outras áreas do conhecimento, para além daquelas já presentes no corpo do IECOS, sobre-tudo nas áreas de História e Educação,

para a construção de estudos e de pes-quisas inter e, se possível, transdisci-plinar, ancorados na região costeira do nordeste do Pará”, afirma.

Segundo a professora, será construído um banco de dados com informações sobre as pesquisas em ní-vel de graduação e de pós-graduação sobre Bragança e a região do nordeste paraense.

MEC dá sinal verde para criação de novo campus �retorna ao município para dar sua contribuição.

Expansão - O Programa Professor Visitante Nacional Sênior (PVNS) foi criado pela Capes em 2009 e concede bolsas a professores aposentados que possuem perfil de produtividade e experiência acadêmica expressiva e permanecem ativos no trabalho de pesquisa. "O Programa tem esse po-tencial de ajudar as instituições a pla-nejarem a expansão da pós-graduação nos campi novos, de um modo mais acelerado. Os bolsistas do Programa têm uma capacidade diferenciada de aglutinar pessoas e de motivá-las para projetos articulados de pesquisa. Também contribuem para a captação dos recursos necessários à instalação da infraestrutura de pesquisa nos campi", disse o pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação (PROPESP/UFPA), Emmanuel Tourinho.

O edital do Programa PVNS está aberto, com atendimento por fluxo contínuo. A bolsa para professor visitante é de R$ 8.900 (oito mil e no-vecentos reais), com duração de dois anos, prorrogável por mais dois. Os professores contemplados com a bolsa atuam na área de ensino e pesquisa da pós-graduação, mas também podem desenvolver atividades na graduação.

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10 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Janeiro, 2011 BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Janeiro, 2011 – 3

Livro estuda relações sociais no mercadoGênero, relações raciais, patrimônio histórico são temas de artigos

UFPA cria Arquivo dos Sons da AmazôniaAcervo será transformado em base para pesquisa em Bioacústica

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Saiba mais

O Complexo Paisagístico e Ur-banístico do Ver-o-Peso foi tombado, em 1977, pelo Instituto do Patrimô-nio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), por conter um conjunto de igrejas, palácios, casas e outras edificações de influência europeia, os quais formavam a identidade ar-quitetônica de Belém. Na gestão de Edmilson Rodrigues (1996-2004), houve forte campanha política para transformar o Mercado em patrimô-nio histórico da humanidade, inclu-sive com a reforma do espaço, feita entre 1997 e 2004.

O modo como se faz o registro de patrimônios históricos no Brasil e os benefícios que essas ações po-deriam trazer para a população que utiliza o Ver-o-Peso como espaço de trabalho, moradia e compra são assuntos discutidos no artigo Patri-mônio cultural: o discurso oficial e o que se diz no Ver-o-Peso, escrito pela professora Maria Dorotéia de Lima.

De acordo com a professora, Dorotéia Lima, os trabalhadores do Ver-o-Peso veem o tombamento e o registro do Mercado como patrimô-nio histórico ligado à conservação das edificações, que não podem ter sua estrutura modificada. Ainda para alguns mercadores, essas práticas são avaliadas de forma negativa, já que, segundo eles, os prédios tombados se deterioram por falta de manutenção, mas poderiam dar lugar, por exemplo, a casas para pessoas desabrigadas, caso fossem demolidos.

A discussão sobre patrimô-nio histórico esbarra em uma nova concepção, que é a do patrimônio imaterial, aquele constituído pelo conhecimento de populações tra-dicionais, manifestações culturais e outros bens que não podem ser mensurados fisicamente. "Hoje, não se fala mais em tombamento, porque ele pressupõe que as coisas ficarão para todo o sempre de um jeito. Hoje, se fala em medidas de salvaguarda. As referências culturais do Ver-o-Peso são, também, as práticas não edificadas, os modos de fazer, as ex-pressões, as celebrações, os lugares. Você tem, ali no Mercado, uma série de bens, de conhecimentos que não há como tombar. É essa a ideia que a professora Dorotéia discute em seu artigo", explica a professora Wilma Leitão.

O livro também aborda outros temas, como a divisão do trabalho por gêneros masculino e feminino, as relações raciais no mercado, a propriedade intelectual e preservação dos conhecimentos tradicionais, as comemorações religiosas, a violência cultural e as representações do Ver-o--Peso em sambas-enredo das Escolas de Samba do Pará e do Brasil.

Serviço: O livro Ver-o-Peso: Estudos antropológicos no mercado de Belém está à venda na livraria do NAEA.

Mercado foi inaugurado em 1687 como posto de pesagem de cargas

Complexo também reúne patrimônio imaterial

Dilermando Gadelha

O Mercado Ver-o-Peso foi cons-truído na cidade de Belém, em 1687. Primeiramente, foi

utilizado como um posto de pesagem de cargas embarcadas e desembarca-das por navios no porto que ficava na área, para a arrecadação de impostos entregues à coroa portuguesa. O es-paço também era utilizado como um ponto de venda de produtos da fauna e flora amazônicas, além de artesanato e, mais contemporaneamente, produ-tos industrializados.

O Ver-o-Peso também é um espaço onde acontecem diversas re-lações econômicas e socioantropoló-gicas, analisadas no livro Ver-o-Peso: Estudos antropológicos no mercado de Belém, organizado pela professora Wilma Marques Leitão, do Laborató-rio de Antropologia da Faculdade de Ciências Sociais da UFPA. A publi-cação reúne um ensaio fotográfico e dez artigos escritos por professores de Ciências Sociais e estudantes de gra-duação e pós-graduação que tiveram o Mercado como objeto de pesquisa para seus trabalhos de conclusão de curso e dissertações de mestrado.

Alguns dos artigos reprodu-zidos no livro compõem um projeto da Faculdade de Ciências Sociais, o qual estuda os mercados populares de Belém. "O Projeto, coordenado pela professora Carmem Izabel Rodrigues, é inscrito no Diretório de Grupos de Pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e

Solidariedade marca relação entre trabalhadores �"Pescadores, balanceiros, ven-

dedores de café: os trabalhadores da pedra do peixe" é um dos artigos do livro, escrito por um estudante de graduação em Ciências Sociais. Márcio Corrêa enfoca, em seu tra-balho, a organização do comércio de peixe no Ver-o-Peso, o que acontece, principalmente, na "pedra do peixe", calçada lateral direita do porto pes-queiro, onde atracam os barcos para desembarque de mercadoria.

A comercialização do pescado nessa área envolve, pelo menos, nove categorias de trabalhadores, entre pes-cadores, geleiros, geladores, balan-ceiros, viradores, peixeiros, carrega-dores, feirantes, e mais os caminhões frigoríficos que compram os peixes, até os vendedores de embalagens de papelão. O primeiro passo da cadeia de comercialização é a chegada dos barcos de pescadores ao porto. O de-sembarque da mercadoria é feito pelo geleiro, encarregado pela venda, com a ajuda de tripulantes e geladores, que são pescadores especializados na conservação dos peixes dentro das embarcações.

Os peixes são transportados do barco até à pedra em caixas de plástico chamadas "basquetas". Por uma tábua, o pescado é entregue aos viradores, subordinados ao balanceiro e respon-sáveis por guardar seus equipamentos

Tombamento e �patrimônio

Tecnológico (CNPq) e já realizou eventos, como o Seminário Regional de Mercados Populares, que contou com a participação de pesquisadores de diversas instituições, inclusive da Itália, os quais vieram à UFPA apre-sentar resultados de suas pesquisas", explica a professora Wilma Leitão.

O livro foi lançado em 2010, na 27ª Reunião da Associação Brasileira de Antropologia, que aconteceu na UFPA. Esteve presente na Feira Pan-Amazônica do Livro, na Bienal de São Paulo e no II Encontro Norte da Sociedade Brasileira de Sociologia. Também está prevista uma cerimônia de lançamento no Complexo do Ver--o-Peso.

Para a professora, o Mercado é um importante campo de pesquisa não só pela facilidade de acesso, mas também por fazer parte do imaginário paraense. "Estamos cercados pelo Ver--o-Peso por todos os lados. Muitas propagandas divulgadas em Belém, por exemplo, mostram o Mercado como cenário. Os noticiários locais têm, ao fundo, imagens do Mercado de Peixe. É interessante notar que as pes-soas vão ao Ver-o-Peso fazer compras, mas, quando voltam como pesquisa-dores, a reação não é a mesma: 'Nossa! eu sempre vinha aqui, mas nunca tinha prestado atenção nisso', despertando, então, nos estudantes, a análise socio-lógica", explica a professora.

e montar a balança para a pesagem da mercadoria. A próxima etapa fica por conta dos carregadores, que levam, na cabeça, caixas de peixe já compradas pelos peixeiros (vendedores do Mer-cado de Ferro), feirantes de outros mercados e caminhões frigoríficos de restaurantes e supermercados.

O balanceiro é o personagem responsável por intermediar a venda da mercadoria. Ele negocia com os possíveis compradores, faz a cobran-ça e o pagamento dos pescadores. Segundo Márcio Corrêa, os balancei-ros, muitas vezes, são acusados como controladores da produção e respon-sáveis pelo aumento do preço do pes-

cado no Ver-o-Peso e por entraves no processo de venda. Entretanto, para a professora Wilma Leitão, a relação entre pescadores e balanceiros é de complementaridade e solidariedade, não só de competição.

Segundo a professora, em um depoimento coletado no Mercado de Ferro, um dos peixeiros chama os balanceiros de ‘nossos parceiros’. "A produção pesqueira tem dois momen-tos diferentes, o momento da pesca e o da venda, e não é a mesma pessoa que se ocupa deles. Para o pescador, está muito claro que ele pesca, mas outra pessoa vende. No caso do Ver-o-Peso, é o balanceiro".

o estudo da Bioacús t i ca animal sempre se mostrou útil e importante para o homem, desde a antiguidade, quando caçadores es tudavam e imitavam sons de animais com a boca para atrair presas. exatamente por essa necessidade de estudo, os homens sempre procuraram formas de fixar esses sons produzidos. Muitas dessas

imitações se tornaram onomatopeias e, em seguida, palavras, sendo um componente pr imord ia l para as primeiras línguas faladas. no sécu lo 17, a lguns esc r i tores tentaram transcrever o canto das aves através de notações musicais, mas o método não evoluiu. somente com os avanços tecnológicos decorrentes

da Primeira guerra Mundial foram criados recursos sufic ientes para gravar e reproduzir os sons animais, dando início ao campo de pesquisa denom i nado B i oacú s t i ca . Ho j e, ornitólogos, entomólogos, herpetólogos e primatólogos utilizam a Bioacústica para tentar facilitar o reconhecimento das espécies estudadas.

Sons emitidos por espécie de bem-te-vi (Miyozetetes) irão compor o acervo do Arquivo de Sons da região

Yuri Rebêlo

No reino animal, a comunica-ção entre as espécies pode acontecer de várias formas:

alguns utilizam a comunicação quí-mica (formigas), visual (mamíferos, algumas aves), até mesmo elétrica (peixes). Há aqueles que se fazem entender pelo som obtido por vibra-ção das cordas vocais. O estudo dos sons emitidos é chamado Bioacústica e, a partir de agora, a Universidade Federal do Pará (UFPA) conta com uma estrutura não só para estudar, como também para guardá-los. É o Arquivo dos Sons da Amazônia (ASA), coordenado pela professora Maria Luísa da Silva, do Instituto de Ciências Biológicas.

O ASA começou a ser ideali-zado em 2005, quando a professora criou o Laboratório de Ornitologia e Bioacústica da UFPA e estabe-leceu um convênio de cooperação científico-tecnológica com o Arqui-vo Sonoro Neotropical (ASN) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), com a colaboração do seu criador, o professor Jacques Vielliard, falecido recentemente. A partir desse convênio, a pesquisadora começou a coordenar a digitalização do ASN, o quinto maior acervo de sons de animais do mundo. "Esta co-laboração foi criada para concretizar a criação de um arquivo sonoro ama-zônico e a implementação de novas linhas de pesquisa relacionadas ao estudo da biodiversidade, baseadas em metodologias não invasivas", explica Maria Luísa da Silva .

Essa digitalização foi feita de forma que cada registro sonoro, ao

ser digitalizado, forme um arquivo de sons de alta fidelidade, acompanhado de seus dados técnicos e biológicos, tornando-se, assim, um documento científico. A partir da digitalização desses sons, surgiu a necessidade de organizar e manter um arquivo, uma fonte de referências que permita não só identificar esses sons, mas tam-

bém desenvolver linhas de pesquisa diferentes a partir deles.

O processo está sendo feito com recursos provenientes tanto da UFPA como da Unicamp. As univer-sidades compraram um computador com as configurações necessárias e estão pagando uma bolsa para que um aluno de doutorado faça esse tra-

balho. O acervo estará disponível no Instituto de Ciências Biológicas da UFPA. A esperança é que ele forme uma base para estudos e projetos de pesquisa em Bioacústica, podendo, inclusive, proporcionar diversas pesquisas multidisciplinares entre as áreas de Biologia, Comunicação, Educação e Artes.

Tecnologia digital veio facilitar o processo de gravação �O Arquivo dos Sons da Ama-

zônia permitirá identificar e moni-torar espécies, estimar a biodiver-sidade de determinado local, além de facilitar o estudo de animais com hábitos noturnos. Na UFPA, as pes-quisas envolvendo Bioacústica são desenvolvidas quase exclusivamente pela própria Maria Luisa da Silva. Com a criação do Arquivo Sonoro, espera-se que outros professores da Universidade e de outras instituições passem a utilizar a ferramenta.

"É uma ferramenta não in-vasiva, permite o reconhecimento específico e, muitas vezes, a descri-

ção de comportamentos elaborados sem que seja necessário coletar ou sacrificar o animal. Assim, ter um laboratório avançado de Bioacústica e um arquivo sonoro dos sons da região é essencial para a inserção da UFPA neste ramo científico que vem crescendo nos últimos anos", explica a professora.

Um componente importante para o arquivamento desses sons são as técnicas utilizadas para gravação e análise. Para isso, a escolha do mi-crofone é um componente especial, uma vez que influi nas frequencias captadas, na sensibilidade e na

fidelidade dos registros. Algumas espécies emitem, além de sons de frequência alta, alguns sons muito rápidos, o que exige um microfone de alta sensibilidade. Assim, existem diversas técnicas para que esses sons sejam captados, respeitando o perfil dos animais.

A gravação dos sons foi faci-litada com a tecnologia disponível atualmente. No passado, os grava-dores de fita a rolo eram grandes, pesados e difíceis de manipular. Hoje, os gravadores digitais são mais práticos e oferecem uma boa qualidade no registro. No entanto,

existe um problema com o gravador digital: somente o formato wave ofe-rece registro na qualidade adequada, o que requer maiores suportes para memória, encarecendo o custo da gravação. Os outros formatos usam compressão do sinal, eliminando, de forma irrecuperável, uma parte do conteúdo. Por isso, o arquivamento desses sons não é tão simples quanto possa parecer.

Segundo a professora, a inten-ção é que o ASA não se limite aos arquivos sonoros neotropicais, mas expanda o seu conteúdo com outras pesquisas realizadas na região.

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4 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Janeiro, 2011

Ninguém sabe, ninguém viuSete de cada 10 delitos cometidos não resultam em ocorrência policial

BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Janeiro, 2011 – 9

Circuito bregueiro conquista a cidade Ritmo paraense tem cada vez mais adeptos no centro e na periferia

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O retrato da violência• Roubo é o crime mais cometido;• Sexta-feira é o dia mais violento;• A noite é o período mais perigoso;• Bandidos agem em duplas, a pé ou de bicicleta; • Criminoso é conhecido ou morador das proximidades;• Rondas policiais não aliviam a sensação de insegurança;

Pesquisa realizada no período de 20 a 25 de agosto de 2010, em 71 bairros da cidade.

Uma constatação importante da pesquisa é o grande descrédito da população para com a polícia refe-rente à solução de problemas. Esse descrédito se traduz em um percentual de 70% de pessoas que não pediram auxílio policial. Dos que pediram, 35,52% recorreram ao número 190 e 27,10%, à polícia militar. O percen-tual de pessoas que pediram auxílio policial se aproxima dos 31,61% que realizaram ocorrência policial.

Existem diferenças entre pedir auxílio policial e fazer a notificação. A polícia pode prestar socorro e não fazer o registro, dependendo da von-tade da vítima, já que o registro ficará gravado para sempre. Um exemplo é a agressão à mulher após a Lei Maria da Penha. Muitas vezes, a vítima chama a polícia para socorrê-la, mas não assina o registro para que o marido não seja preso.

A maior parte das notificações é feita nos bairros que possuem delegacias. Assim, eles também concentram registros de localidades próximas, como Icoaraci, que acolhe denúncias do Tapanã, de Outeiro, da Pratinha e das ilhas.

De acordo com o professor Ed-son Ramos, o descrédito das pessoas está presente em suas falas. Respostas como "não vou porque a última vez que eu fui, até hoje, não tive resposta do crime denunciado" ou "eu não vou porque, no futuro, vai sobrar para mim" são frequentes. E o medo tem fundamento, visto que 17,03% dos entrevistados conhecem o criminoso e 63,93% afirmam que, muitas vezes, ele é morador das proximidades.

A sensação de insegurança está por toda a cidade. Desde os bairros menos estruturados até os mais urba-nizados. O problema administrativo de maior relevância para a população é a falta de ronda policial. Nos bairros mais populares, as rondas não são realizadas por problemas estruturais, como falta de asfalto e espaço para a passagem da viatura. Nos bairros mais nobres, apesar do acesso facilitado, as viaturas não chegam aos locais mais perigosos.

Vito Ramon Gemaque

Pesquisa da Universidade Federal do Pará (UFPA) revela que o índice de crimes não registrados

em Belém chegou a 68,39%, entre agosto de 2009 e julho de 2010. Isso significa dizer que, a cada 10 crimes, sete não foram registrados. De acordo com os entrevistados, a principal razão para não formalizar a ocorrência poli-cial é achar que nada seria resolvido. Essa resposta atingiu o percentual de 67,20%.

Essas informações foram obtidas graças ao estudo A forma-ção da desinformação: As subno-tificações de violências em Belém, desenvolvido pela equipe do Grupo de Estudos e Pesquisas Estatísticas e Computacionais (Gepec) e pelo Laboratório de Sistemas de Geore-

ferenciamento (Lasig).A pesquisa utilizou um ques-

tionário elaborado pelo Lasig, com trinta perguntas que avaliaram diversos fatores relacionados à violência. As respostas, analisadas estatisticamente pelo Gepec, servirão de base para outras pesquisas em diferentes áreas. O obje-tivo era elaborar um quadro mais geral sobre a violência em Belém a partir das subnotificações de crimes na cidade, ou seja, a quantidade de ocorrências que não são registradas oficialmente.

Para Edson Ramos, professor de Estatística da UFPA e coordenador da pesquisa, conhecer as subnotifica-ções é importante para a gestão públi-ca, pois, atualmente, a administração de segurança é pensada de acordo com o número de crimes registrados. "O Poder Público precisa saber que a realidade é duas ou três vezes maior

do que os números oficiais. Isso vai dar subsídio suficiente para que os gestores de segurança pública tomem decisões que transformem Belém em uma cidade mais segura", avalia o professor.

A pesquisa entrevistou 1.268 pessoas, entre os dias 20 e 25 de agosto de 2010, em todos os 71 bairros de Belém. Esse já é o terceiro trabalho do Gepec sobre a violência na cidade, os outros estudos foram realizados nos anos de 2006 e 2007.

"Esta foi a pesquisa sobre vio-lência, em Belém, com menor margem de erro até o momento. Geralmente, as pesquisas têm um erro amostral de 5%, nós consideramos uma margem de erro de 2,8%. Então, esse número é mais do que suficiente para subsidiar qualquer decisão relacionada à violência na cidade", destaca o coordenador.

Pesquisadores estiveram em 71 bairros da Região Metropolitana de Belém e ouviram 1.268 pessoas

6ª feira é apontada como o dia mais perigoso �Alguns resultados surpreen-

dem e derrubam as ideias sobre criminalidade, os quais fazem parte do senso comum. A primeira surpre-sa é que 70,55% dos entrevistados afirmam que nunca foram vítimas de nenhum tipo de crime. Dos 29,45% que declararam terem sido vítimas, a maioria (91,85%) foi roubada. "O crime de roubo sempre apresenta o maior índice na Região Metropolita-na de Belém", confirma o professor Edson Ramos.

Mais de 51% dos entrevistados foram testemunhas de algum delito. Aqueles que somente presenciaram os crimes chegam a 85,14% para roubo e 7,10% para homicídio. A sexta-feira é apontada como o dia mais violento e o período da noite como o mais peri-goso. "Sexta-feira é o dia com maior número de crimes e também quando as pessoas os presenciam mais. De-pois, com o final de semana (sábado e domingo), considerando um pouco da

madrugada de segunda-feira", afirma o professor.

Em 2010, o mês de agosto foi o mais violento, com o percentual de 15,79% de delitos para vítimas e 33,39% entre os que presenciaram os crimes. Os entrevistados tendem a se lembrar dos eventos mais recen-tes, fazendo com que os meses mais próximos apresentem um índice mais elevado.

Em se tratando de locais onde ocorreram os crimes, a rua foi o mais citado, tanto por quem sofreu (73,66%), quanto por quem presen-ciou (76,85%). E o bairro Guamá foi o mais relatado na pesquisa, segun-do vítimas (8,29%) e testemunhas (7,69%). A explicação pode estar na falta de infraestrutura do bairro localizado na periferia de Belém. O local possui grande população, problemas de saneamento e poucas áreas de lazer.

Porém, houve mudanças. O

bairro Terra Firme, por exemplo, era considerado um dos mais violentos e hoje está em 4º lugar. Segundo o professor, a criminalidade migrou da Terra Firme para os bairros vizinhos, como Marco e Guamá.

Outra descoberta importante foi que os criminosos, na maioria das vezes, agiram em dupla. Foi o que disseram 49,43% das vítimas e 45,46% dos que presenciaram os crimes. Segundo 45% das vítimas, a maioria dos criminosos estava a pé. A pesquisa aponta a bicicleta como o segundo meio de locomoção mais utilizado pelos bandidos.

Uma grande parcela das víti-mas disse que os criminosos usavam arma de fogo (66,16%). Esse tipo de armamento também foi o mais usado segundo os que presenciaram o delito (69,63%) . Além disso, 19,73% das vítimas e 32,60% das testemunhas responderam que houve uso de vio-lência no momento do crime.

Medo ainda �impede registro

Além de um momento de lazer, as festas de brega são um ambiente de sociabilidade, nas quais os fre-quentadores criam vínculos sociais e padrões de comportamento entre si. Em sua tese, o professor Maurício Costa identifica três categorias de pessoas que vão a shows de brega: o frequentador esporádico, o que vai com pouca frequência e não tem ligação com aparelhagens; o assíduo, aquele que tem conexões com uma casa, aparelhagem ou artista em espe-cial e o especialista, ligado a clubes de fãs, galeras ou equipes.

"Em geral, os frequentadores de shows de brega são jovens que acompanham as aparelhagens não só em Belém, mas também no interior, portanto o seu universo de lazer está muito ancorado nos laços sociais que eles constroem com pessoas que fre-quentam o mesmo ambiente. Esse é um tipo de sociabilidade mediada pela festa. As pessoas vão não só para ou-vir música e dançar, mas também para ver a multidão, que é um espetáculo à parte", diz Maurício Costa.

O livro do professor Maurício Costa é resultado de uma tese de dou-torado defendida em 2004, no Progra-ma de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade de São Paulo (USP). A primeira edição foi lançada em 2007, de forma independente; e a segunda, revista e ampliada pela Editora da Universidade do Estado do Pará (Eduepa), com recursos da Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado do Pará (Fapespa).

Dilermando Gadelha

A palavra "brega" geralmente está ligada ao mau gosto, àquilo que é esteticamente

feio ou de valor inferior. Em al-gumas regiões do Brasil, como o centro-sul, brega também é uma música romântica, "piegas", re-presentada por grandes nomes da música popular brasileira, como Reginaldo Rossi e seu clássico "Garçom, aqui nessa mesa de bar..."

No Estado do Pará, o termo ganhou novos significados. O brega está associado a um ritmo caracte-rizado pela fusão entre o romântico e o dançante, com influências do bolero, merengue, twist, Iê-iê-iê e sons caribenhos muito escutados nas rádios da capital paraense na década de 50, como explica Antônio Maurício Costa, professor da Facul-dade de História da UFPA e autor do livro Festa na Cidade: O Circuito Bregueiro de Belém do Pará.

"O brega é um herdeiro do bolero, muito apreciado nas festas da periferia de Belém, na segunda metade do século XX. As várias influências musicais vindas dos Estados Unidos, Caribe e América Latina acabaram colaborando para que se produzisse uma originali-dade criativa na música de compo-sitores da terra, dando origem ao brega paraense, sem ligação direta com o brega feito no Centro-Sul do País", Maurício Costa.

O estilo surgiu em meados dos anos 60 e passou a ocupar um espaço maior nos veículos de comunicação a partir da década seguinte, graças a duas gravadoras de som. A Rauland e a Grava Som foram as responsáveis por produ-zir os primeiros discos no estilo, rotulando-os de música brega e levando ao estrelato nomes como

Música retrata cotidiano da população urbana �O brega é um estilo que nas-

ceu nas periferias de Belém, entre-tanto as festas são frequentadas não só pela população de menor poder aquisitivo, como também por pes-soas das classes média e alta. Para o professor Maurício Costa, isso acontece devido a alguns fatores, como a distribuição espacial entre o que é periferia e o que é centro. "Em geral, as pessoas associam a diferença entre centro e periferia não como uma diferença espacial, mas, basicamente, como regiões com mais presença de estrutura urbana ou menor. Muitas vezes, no mesmo bairro, existem as duas coisas. Esse arranjo também torna complexa a espacialização das festas do circuito bregueiro, por-que elas estão muito acessíveis e frequentá-las não significa assumir o estereótipo de bregueiro."

A diversidade de músicas e ritmos tocados nas festas de brega

também ajuda na democratização do estilo. Segundo o professor, as festas de aparelhagem, ou mesmo as de cantores, apresentam reper-tórios para todos os gostos, até versões de músicas internacional-mente famosas. "O brega comporta todas as diferenças. Ir às festas de brega significa não só fazer parte dessa cultura, mas também participar de uma possibilidade de lazer na cidade, a qual pode ser feita por quem mora no centro ou na periferia", acrescenta Maurício Costa.

Segundo pesquisador, as festas de brega foram decisivas para a popularização do estilo, "hoje, as festas são as opções de lazer mais visíveis em Belém". Seja em bairros da periferia ou do centro da cidade, as casas de show abrem quase todos os dias da se-mana, abrigando as aparelhagens, estrelas da música, e a população

que vai assistir aos shows. O conjunto de práticas cul-

turais e também empresariais que acontecem nos espaços das diver-sas casas de show, distribuídas por toda Belém, constituem o que o professor chama de "Circuito Bregueiro". Ele envolve não ape-nas os apreciadores do brega e as aparelhagens ou artistas, mas tam-bém os donos de casas de show e as pessoas que vão trabalhar, formal ou informalmente, nos eventos.

Esse circuito é um "modelo festivo" recorrente e, juntamente com a música, retrata o cotidiano da população urbana de Belém, cria termos para depois serem inse-ridos no vocabulário comum, além de modos de dançar e de vestir que reforçam a identidade regional. "O circuito bregueiro, na verdade, é um conjunto, cuja marca principal é a presença do brega paraense", explica o professor.

Festas �fortalecem laços

Saiba mais sobre as aparelhagens

As aparelhagens têm um papel importante nas festas de brega, pois além de serem responsáveis pelo som, são, também, "o elo fundamental entre lazer e empreendimento nas festas", afirma o professor Maurício Costa. As primeiras aparelhagens surgiram na década de 40 e eram chamadas de sonoros, pois tocavam as músicas em shows de clubes da periferia de Belém. no início, os sonoros tocavam todos os estilos de música. A identificação com o brega só surgiu na década de 80, em festas de galpão, nas quais o ritmo ficou popular. As festas eram chamadas de bregões.Para o professor Maurício costa, a aparelhagem vai além do centro de controle - conhecido como nave - e das caixas de alto-falantes de três metros. Aparelhagens, geralmente, são empresas familiares que envolvem vários tipos de serviços, como a supervisão e o fechamento de contratos, o qual é feito pelo chefe da família, dono do equipamento. existem, também, os DJs, muitas vezes filhos ou genros do dono.quando a aparelhagem é de grande porte, são envolvidos motoristas e carregadores para locomover do equipamento.

Ted Max e Mauro Cota. Nessa épo-ca, o ritmo era caracterizado pela batida dançante e pelo romantismo da letra.

A partir da década de 80, o ritmo passa por uma reformulação: as guitarras se tornam importantes para o Brega Pop, principalmente com o chacundum, uma batida especial criada por Chimbinha,

guitarrista da banda Calypso. Os anos 2000 trazem a terceira fase do estilo, que, com mais autonomia do rótulo "brega", passa a ter três vertentes: o technobrega, carac-terizado pela adição de batidas eletrônicas; o calypso, criado pela banda do Chimbinha e Joelma; e o bregamelody, mais próximo das raízes românticas.

Os irmãos Edilson e Edielson comandam a aparelhagem Mega Príncipe

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8 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Janeiro, 2011 BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Janeiro, 2011 – 5

Fast food invade Nazaré e UmarizalEmpresas mudam a paisagem e prejudicam a sociabilidade nos bairros

Doutorado História, Ciências Ambientais, Ciência e Tecnologia de Alimen-tos e Biotecnologia são os novos cursos de doutorado da UFPA. Os cursos foram aprovados na última reunião de 2010 do Conselho Técnico-Científico da Educação Superior, da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Também foram aprovados os cursos de Mestrado em Filosofia e Proces-sos Construtivos e Saneamento Urbano. O primeiro, na modali-dade acadêmica; e o segundo, na modalidade profissional.

VestibularA Universidade Federal do Pará deverá divulgar o listão dos apro-vados no Vestibular até o dia 15/01. O cronograma depende da divulgação do resultado do ENEM pelo Ministério da Educação. Foram mais de 54 mil candidatos inscritos concorrendo a 6.134 va-gas, distribuídas em 146 cursos em Belém e nos campi do interior.

Teatro e Dança IEstão abertas, até o dia 28/01, as inscrições para os cursos técnicos profissionalizantes da Escola de Teatro e Dança da UFPA. São 30 vagas para Técnico em Ator, 30 vagas para Técnico em Dança, 30 vagas para Técnico em Cenografia e 20 vagas para Técnico Experi-mental em Figurino.

Teatro e Dança IIMais informações pelos telefones (91) 3212-5050 e 3241-0850 ou pelo site www.ica.ufpa.br. O re-colhimento da taxa de inscrição, no valor de R$ 30,00, será feito em favor da Escola de Teatro e Dança, pela GRU Simples.

MedicinaO Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Consepe) da UFPA aprovou oficialmente o novo pro-jeto político pedagógico da Facul-dade de Medicina. O novo projeto leva em consideração quatro eixos norteadores: “Atenção Integral à Saúde do indivíduo, da família e da comunidade”; “Habilidades Mé-dicas”; “Formação Científica” e “Eixo Teórico-Prático Integrado”. O próximo passo é dar continuida-de aos programas de capacitação de docentes e à aquisição de novos equipamentos e instalações.

BelémPara matar as saudades e contar histórias, ao longo do ano, o Jornal Beira do Rio vai publicar textos que revelem uma Belém de outrora. Publicados na página 11, os textos da professora Jane Felipe Beltrão, do IFCH, serão ilustrados por ensaios dos fotó-grafos que atuam na Assessoria de Comunicação.

Diálogo com a comunidade Projeto promove debate sobre direitos humanos

Direito EM DIAGlobalização

Minicurso "Intervenção Penal e Direitos Humanos" encerrou a primeira edição do Projeto

Habib's ocupa lugar onde já funcionou bar e lanchonete que eram locais de encontro entre vizinhos

Dessa maneira, o Projeto gerou "uma via de mão dupla": os participantes obtêm novas informa-ções sobre as temáticas pesquisadas na pós-graduação e os mestrandos e doutorandos aprendem mais sobre a prática dos direitos humanos.

Segundo Flávia Marçal, o Projeto teve a preocupação de aproximar não só a teoria da rea-lidade, como também a Academia da sociedade. De acordo com a coordenadora, essa aproximação é uma forma de suscitar a produção de novas pesquisas e o desenvolvi-mento de novos projetos ligados à prática dos direitos humanos a partir da intervenção da sociedade.

O número de participantes do

evento correspondeu às expectativas da coordenação do Projeto. Em qua-se todos os cursos, foi necessária a abertura de novas vagas, já que as 50 previamente oferecidas não aten-diam o público interessado. "Houve alunos de Psicologia e Comunica-ção, representantes de movimentos sociais, indígenas, enfim, um grupo heterogêneo que representava exa-tamente a nossa ideia de diálogo", destaca Flávia Marçal.

O Projeto tem a duração de 12 meses. Além dos seis meses de realização dos minicursos, foram necessários quatro meses para or-ganizar a estrutura metodológica e mais dois meses para avaliar e cata-logar os resultados do Projeto. Essa

análise, quando terminam os cursos, é necessária para que o Projeto ga-nhe uma segunda edição. "Por ter sido uma experiência que superou nossas expectativas, é possível que ela seja realizada nos próximos anos", anseia Flávia Marçal.

Há, também, a intenção de desenvolver o Projeto na Univer-sidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA), onde "certamente renderá novas experiências e resultados significativos", acredita a coordena-dora, professora do curso de Direito daquela universidade. Como não é comum encontrar projetos de exten-são no âmbito das pós-graduações, o Projeto pode ser considerado pioneiro.

Flávio Meireles

Diálogo. Os dicionários in-dicam que se trata de uma fala em que há a interação

entre dois ou mais indivíduos; uma conversa. Sendo assim, é comum em universidades haver essa troca de ideias e opiniões como método para discutir assuntos que permeiam a sociedade. É dialogando que se pre-tende chegar ao consenso. Dialogar, nesse sentido, transforma-se em uma tentativa de pôr em pauta assuntos de interesse público.

Pensando nisso, um grupo de alunos do Programa de Pós-Gra-duação de Direito da Universidade Federal do Pará (UFPA) idealizou um projeto que pudesse aproximar universidade e comunidade e também

divulgar os estudos realizados por alunos e professores pertencentes ao Programa. A partir disso, criou-se o Projeto de Extensão "Diálogos Acadêmicos", que realizou cinco mi-nicursos durante o segundo semestre do ano passado.

Com temas que vão desde a luta pela efetividade de políticas pú-blicas até o desafio de se criar uma política sustentável na Amazônia, o Projeto "Diálogos Acadêmicos" foi viabilizado com o apoio das Pró-Rei-torias de Pesquisa e Pós-Graduação (Propesp), de Ensino de Graduação (Proeg) e de Extensão (Proex) da UFPA.

Ainda assim, o Projeto enfren-tou percalços para ser implantado. "Apesar de haver uma difusão sobre o tripé em que se fundamenta a Uni-

versidade - o ensino, a pesquisa e a extensão -, ainda estamos aprendendo com as práticas existentes a fazer essa extensão", declara Flávia Marçal, coordenadora do Projeto. De acordo com a professora, foram necessários aproximadamente seis meses para tirar o Projeto do papel.

Por concentrar suas temáticas na área dos direitos humanos, os minicursos procuraram desenvolver uma reflexão teórica e um acom-panhamento das políticas públicas voltadas aos grupos sociais mais vulneráveis da sociedade. "Quando programamos os minicursos, nosso objetivo foi difundir novas práticas e conhecimentos sobre temas relevan-tes para a população, independente do grau de formação ou da origem insti-tucional", ressalta Flávia Marçal.

Plateia heterogênea garante riqueza de opiniões �

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As mudanças nas paisagens dos bairros de Nazaré e Umarizal desencadeiam outra discussão: a noção de não-lugar. "O não-lugar é diametralmente contra, oposto ao lugar. O que é o lugar? Não é o per-tencimento, o histórico? O não-lugar seria onde você não se identifica, onde não há pertencimento. Mas que o não-lugar, termo criado pelo antropólogo francês Marc Augé, está em processo de confirmação, pois ainda há muitas controvérsias e polêmicas referentes a ele", afirma

o geógrafo. Como o conceito ainda se

encontra em aberto, o pesquisador apenas considera que os fast food podem gerar uma sensação de não-lugar para alguns sujeitos. E isso está presente nas respostas de muitos moradores que disseram não se iden-tificar com os espaços representados pelos fast food.

A pesquisa aponta para o cres-cimento no consumo de alimentos rápidos em Belém, tanto nos fast food quanto nos carros de lanche

de rua, principalmente por jovens e adultos. Porém o que determina onde as pessoas vão comer é o seu poder aquisitivo. "As pessoas com mais recursos preferem ir ao McDonald’s, Bob’s ou Habibs’s, pois elas se sentem mais confortáveis e seguras nesses lugares. Aquelas com menor poder aquisitivo raramente vão a um desses fast food. A saída, então, são os carrinhos de lanche nas ruas", afirma Mauro Emilio Silva.

Apesar de considerar que os fast food instalados em Belém des-

caracterizaram os bairros Nazaré e Umarizal, no que diz respeito aos conceitos de paisagem e lugar, e que, talvez, estejam até (re)produzindo o não-lugar, Mauro Emilio Silva sa-lienta que a capital paraense, por ser uma metrópole, naturalmente rece-beria essas empresas. É uma questão a ser explicada pelas lógicas de mer-cado. "É algo inexorável a presença dessas corporações aqui, mesmo que elas provoquem a transmutação das paisagens, dos lugares e das relações interpessoais", finaliza.

Paulo Henrique Gadelha

Local versus global. Esse é um dos grandes motes discutidos pela Geografia atualmente. A

questão suscita a discussão sobre os valores culturais e históricos de uma localidade diante das lógicas mercan-tis vigentes e disseminadas pelo capi-talismo, por meio da globalização.

Essa discussão está contem-plada na Dissertação Paisagem e lugar produzidos pela globalização: uma análise dos bairros de Nazaré e Umarizal em Belém-PA, a qual dis-corre a respeito das implicações da instalação de seis empresas de fast food (McDonald’s, Bob's, Habib's, Subway, Pizza Hut e China In Box) nos bairros de Nazaré e Umarizal, no centro de Belém, a partir de 1998. O trabalho, em fase de conclusão, será defendido pelo geógrafo Mauro Emílio Costa Silva no Programa de Pós-Graduação em Geografia (PP-GEO) da Universidade Federal do Pará (UFPA), sob orientação da pro-fessora Janete Marília Gentil Coimbra de Oliveira.

A pesquisa tem como objeti-vo analisar a forma como as novas paisagens produzidas pelas empresas nacionais (Bob's, Habib's e China In Box) e transnacionais (McDonald´s, Subway e Pizza Hut), ligadas ao se-tor alimentício, foram sentidas pelos moradores do Umarizal e de Nazaré e também pelos trabalhadores do cir-cuito informal da economia do mesmo setor, no caso, os lanches rápidos

vendidos nos dois bairros e em outros pontos da cidade.

Essa problemática norteadora encontra respaldo em dois conceitos debatidos pela Geografia: a paisagem e o lugar. O geógrafo Mauro Emilio Silva faz a distinção entre essas duas categorias. "Paisagem é um recorte do

espaço, onde estão as suas cores, os seus objetos, não havendo uma delimi-tação. É até onde a nossa capacidade visual alcança. Ela tanto pode revelar o contexto histórico de uma cidade, como também indicar apenas algo instantâneo, um momento. Enquanto lugar é o espaço do pertencimento, do

apego, com o qual as pessoas se iden-tificam, pelo qual nutrem sentimentos e de que sentem saudade quando estão longe. É algo subjetivo. Um pouco diferente da paisagem, que é mais objetiva, já que os elementos que a compõem geram a mesma interpreta-ção", esclarece o pesquisador.

Trabalhadores informais não reclamam de prejuízos �Dessa forma, o trabalho ana-

lisa, também, como as empresas de fast food alteraram o significado desses conceitos no Umarizal e em Nazaré. Para isso, o pesquisador elaborou questionários direciona-dos às pessoas que residem nos dois bairros e aos trabalhadores que ven-dem lanches nas ruas da cidade.

Para os moradores, as novas paisagens contribuíram substan-cialmente para a diminuição da sociabilidade no bairro. Segundo Mauro Emilio Silva, alguns mora-dores de Nazaré, sobretudo os mais antigos, relatam que, até a década de 1980, as famílias se encontravam

com mais frequência, até festas nas ruas eram comuns. Porém, no iní-cio da década de 1990, o bairro foi se metamorfoseando, tornando-se mais comercial do que residencial, fazendo com que as relações inter-pessoais ficassem rarefeitas. "Esse fenômeno foi intensificado com a chegada das fast food, a partir de 1998", ressalta o pesquisador.

Um dos entrevistados diz que, na Avenida Generalíssimo Deodoro, em Nazaré, onde hoje é o Habib’s, funcionava um barzinho e uma lanchonete em que as pessoas das redondezas se encontravam para conversar. Hoje, o morador

diz que vai ao local com a família apenas para comer e depois vai embora.

Para os trabalhadores do cir-cuito informal nos dois bairros, a instalação das grandes corporações não trouxe prejuízos. Um dos exem-plos é o proprietário de um carro de lanches localizado na Avenida 14 de Março, em Nazaré, o qual trabalha no local há 45 anos. Ele conta que a concorrência com o McDonald’s não afetou os seus rendimentos, pois cada empreendimento tem o seu público.

Um dos referenciais teóri-cos utilizados pelo pesquisador é

o geógrafo francês Paul Claval, que classifica as paisagens em culturais e humanizadas. "As paisagens culturais são aquelas que contam a história de um povo, como: o Mercado do Ver-o-Peso, o Museu Emílio Goeldi, o Bosque Rodrigues Alves e o Monumento da Cabanagem. Enquanto as paisagens humanizadas são as empreendidas pelo homem sem o intuito de re-presentar um povo ou contar uma história. Os fast food são exemplos desse tipo de paisagem, já que es-sas empresas nada têm a ver com a cultura da cidade", explica Mauro Emilio Silva.

Processo de instalação nas metrópoles é inevitável �

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6 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Janeiro, 2011 BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Janeiro, 2011 – 7

Modelos arquitetônicos não consideram exigências do clima da AmazôniaLaboratórios do Instituto de Tecnologia da UFPA buscam soluções que tragam eficiência energética e conforto ambiental às edificações locais

Arquitetura

Soluções para o clima tropicalveja, a seguir, dicas de ações edificantes para manter o conforto ambiental em moradias de cidades de clima tropical úmido:

• Consultar um arquiteto e urbanista habilitado a documentar, por meio de planilhas de cálculo e gráficos, a metodologia mais adequada ao conforto térmico e luminoso do ambiente em questão, de acordo com o tipo de uso e a localização da construção;

• Consultar e aplicar a norma nBr15220- desempenho térmico de

Edificações - Parte 3 - Zonemaneto Bioclimático Brasileiro e diretrizes construt ivas para habitações unifamiliares de interesse social;

• Usar cores claras para as fachadas das casas e edifícios;

• Abrir janelas que adotem 40% da área do piso da edificação, garantindo a permanência, por mais tempo, da luz natural no ambiente e adotar sombreadores (brise soleil), uma espécie de borda protetora projetada como um toldo, para evitar o aquecimento interno do

ambiente pela entrada dos raios solares;

• Ao edificar, optar por lajes-teto concretadas com isopor, quando possível, para evitar o acúmulo de carga térmica na estrutura da edificação;

• Associar áreas de "circulação livre" junto aos recuos, "avarandando" espaços para circulação do vento através do uso de pilotis (pilares), ou ainda grades em vez de muros, assegurando, assim, a circulação do vento junto ao solo.

O consumo de energia em um ambiente pode diminuir muito com medidas simples, como a utilização de protetores solares nas janelas, a construção da edificação em um ângulo que não receba diretamente o sol da tarde, entre outras alternativas, mas, "infelizmente", nas palavras da arquiteta Heliana Aguilar, "os mo-delos arquitetônicos locais apenas repetem modelos de outras cidades e outras regiões, sem adaptarem as edificações às exigências do clima da Amazônia". A Casa Eficiente, que está sendo construída pelo Gedae na cidade de Tucuruí (PA), em parceria

com a Eletrobras/Eletronorte, vem para mudar esse conceito.

Trata-se de uma amostra de uma residência eficiente adaptada ao clima da região amazônica, a qual consiste em uma casa de habitação unifamiliar, projetada para propor-cionar máxima eficiência, conforto e baixo consumo energético. A Casa inclui tecnologias, como geração de energia com um sistema fotovoltaico interligado à rede, estratégias passivas de condicionamento de ar, aproveita-mento da iluminação natural, venti-lação natural cruzada e aquecimento solar de água, além de estratégias para

o uso eficiente da água, como aprovei-tamento da água de chuva, tratamento das águas de esgoto e utilização de equipamentos que proporcionam baixo consumo de água.

Para garantir o conforto, a Casa Eficiente prevê o aproveitamento dos ventos dominantes para áreas de con-vívio social, a exemplo de varandas e salas de estar voltadas para o lado leste, para aproveitar os ventos e o sol da manhã. As áreas conhecidas como áreas molhadas encontram-se voltadas para o lado oeste, atuando como barreiras protetoras para evitar a passagem de calor para o interior da

casa. Propõem-se, também, grandes beirais para evitar a entrada de radia-ção solar direta e aberturas grandes e permeáveis ao vento.

A ideia é que a residência sirva, realmente, como modelo para as grandes construtoras de modo que ficará aberta à visitação, bem como o Parque das Energias, onde a Casa Efi-ciente estará inserida, o qual consiste em um espaço voltado para o ensino e capacitação sobre energias renováveis e eficiência energética a receber todo tipo de público, do infantil ao adulto. A previsão é que o Parque e a Casa estejam prontos no final de 2011.

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"Belém é uma cidade que se desenvolve de costas para a Amazônia. Seus

edifícios pouco se diferenciam dos executados nas demais latitudes des-te país. A cidade é um bom exemplo da urbanização feita pelo prefeito Antônio Lemos - que aplicou ao planejamento adaptações de uma proposta neoclássica para uma cida-de na região amazônica". A afirma-ção é do professor Irving Montanar, coordenador do Laboratório de Aná-lise e Desenvolvimento do Espaço Construído (Ladec), pertencente à Faculdade de Arquitetura do Instituto de Tecnologia da UFPA.

Avaliar o desempenho do espaço construído e desenvolver estratégias para garantir a eficiência energética e o conforto ambiental de edificações projetadas na Ama-zônia é o tema norteador das ações de fomento às linhas de pesquisa trabalhadas no Ladec. O Laboratório está em ação há cinco anos, investi-gando também possibilidades para o aproveitamento de ventilação e luz natural para edificações, visando reduzir o consumo de energia pelo uso de condicionadores de ar, cada vez mais procurados por quem mora na Cidade das Mangueiras.

Além do tão desejado con-forto, o ambiente ventilado faz bem para a saúde, uma vez que permite a diluição e a renovação constante do ar, reduz a concentração de resídu-os de ácaro e mofo em suspensão, diminuindo a incidência de crises

alérgicas respiratórias, irritação de olhos e narinas. De acordo com o pesquisador, o grande desafio da atualidade para as ações edificantes em Belém é garantir a acessibilidade ao vento.

Hoje, o fenômeno da vertica-lização é apontado como o respon-

sável pelo adensamento urbano e, portanto, pela redução da velocidade do vento nas cidades. A verticaliza-ção vem como instrumento para o aproveitamento máximo dos lotes urbanos, promovendo alta densidade de ocupação e propiciando a mora-dia mais próxima ao centro. "Cabe

frisar que a vilã da história não é a verticalização em si, mas a aplicação e o uso inadequado de critérios de adensamento", explica Irving Mon-tanar. A falta de cuidado específico na implantação de edificações, prin-cipalmente no térreo, pode inibir a boa circulação dos ventos.

Cremação e Umarizal são exemplos do adensamento urbano, com construções muito próximas umas das outras

Projetos devem buscar sombreamento e ventilação �"Quando edifícios são constru-

ídos muito próximos, prejudicam a ventilação não só no próprio edifício, como também em áreas adjacentes", afirma o pesquisador. Isso ocorre por-que a verticalização está sendo apli-cada sem uma área livre na proporção adequada para favorecer a ventilação. "Hoje, temos tecnologia e exemplos históricos para demonstrar o que não funciona e como proceder correta-

mente. Nossos legisladores e agentes imobiliários devem estar atentos para isso", diz Irving Montanar.

Segundo o coordenador do Ladec, para melhorar as condições de conforto ambiental em clima tro-pical úmido, dois princípios básicos são essenciais: sombrear e ventilar simultaneamente. "Seria o caso, por exemplo, de evitarmos bloquear a circulação do ar e utilizar pilares (pi-

lotis) nas áreas térreas dos edifícios em geral, deixando áreas livres para o convívio no solo. Da mesma forma, a construção de amplas áreas de janelas devidamente sombreadas auxiliaria, de modo efetivo, na sensação de calor, além de melhorar a iluminação natu-ral e a qualidade do ar", ressalta.

A aplicação das estratégias, no entanto, exige cautela e, acima de tudo, a demonstração do estudo e a

documentação de cálculo da viabili-dade da solução envolvida, uma vez que as janelas também podem abrir acesso ao barulho e à poluição típica das grandes cidades. "Nem sempre ventilar é uma boa solução", indica Irving Montanar. Boas soluções es-tão sendo apontadas pelas pesquisas do Ladec e ainda por trabalhos de conclusão de curso da Faculdade de Arquitetura da UFPA.

Estratégias naturais podem garantir conforto �São duas horas da tarde na ca-

pital paraense. O sol queima a pino. Em áreas ao ar livre, a temperatura pode chegar aos 38ºC e a sensação térmica é a de um verão que não tem fim. Seja bem-vindo à Amazônia! O clima tropical úmido, típico da Re-gião Norte, incomoda muita gente. Ventiladores e ar-condicionados são os campeões de vendas nas lojas de eletrodomésticos. Muitos acreditam que essa é a única solução para ame-nizar o calor em casa ou no trabalho. O efeito desses aparelhos é até agra-dável, ruim é quando se vai pagar a conta de energia no final do mês. O que fazer?

O Grupo de Estudos de Ener-gias Renováveis (Gedae) do Instituto de Tecnologia (ITEC) da Universida-de Federal do Pará, há 15 anos, vem investigando maneiras de garantir a eficiência energética em ambientes re-sidenciais ou comerciais da Amazônia e, assim, possibilitar conforto térmico em clima equatorial mesmo sem a utilização (ou utilização reduzida) de energia elétrica. Associado a isso, o Gedae também pensa no conforto luminoso e acústico dos ambientes, de modo a buscar soluções naturais para a iluminação e a ventilação em imóveis especialmente projetados para enfren-tar as temperaturas da região.

O conforto térmico está rela-cionado com a quantidade de calor que há ou não dentro de um espaço

A casa eficiente, construída em Tucuruí, foi totalmente adaptada ao clima da região e está aberta para visitação

e ocorre quando o ambiente não oferece nem calor, nem frio, mas uma temperatura amena. O conforto luminoso é quando você tem ilumi-nação suficiente em um ambiente para realizar as tarefas sem ter, ne-cessariamente, que utilizar energia elétrica. O conforto acústico é quando o ambiente não oferece ocorrência de sons que prejudiquem o desempenho

de tarefas ou o bem-estar. O conforto ambiental reúne esses três parâmetros tendo como referência uma mesma edificação.

O Laboratório de Conforto Ambiental, incorporado ao Gedae em 2005, é quem impulsiona as pesquisas na área. Segundo a professora Heliana Aguilar, coordenadora do Laborató-rio, Belém está bastante aquém dos

grandes centros urbanos do Brasil, como São Paulo e Rio de Janeiro, em termos de estratégias de eficiência energética. "O Gedae tem a proposta de mostrar para instituições (colégios, repartições públicas e privadas) e para a sociedade civil que pode ser fácil construir uma casa confortável em termos ambientais e eficiente em termos energéticos", sintetiza.

Prédio do Gedae aplica arquitetura bioclimática �Nesse sentido, o Laboratório

de Conforto Ambiental trabalha com três projetos específicos: o próprio laboratório do Gedae, construído com técnicas de arquitetura bioclimática, iluminação natural e alguns parâmetros de ventilação natural; outro é desenvol-vido em parceria com a Eletronorte, na cidade de Tucuruí, o qual é o protótipo de uma casa eficiente em padrões energéticos, localizada no Parque das Energias da Região Norte; e o terceiro, que é a participação do Laboratório na Rede de Eficiência Energética em Edi-ficações (R3E) criada pela Eletrobras,

pelo grupo Edifica e pelo Inmetro. "Em Belém, há imóveis em que

é impossível ficar por muito tempo sem utilizar ventilador ou ar-condicionado. Uma vez confortável, com estratégias que aproveitam a iluminação e a ventilação natural, as horas que serão necessárias para a utilização de energia serão menores", diz a arquiteta Heliana Aguilar.

E para quebrar a regra de que "em casa de ferreiro, o espeto é de pau", o Gedae é quem dá o exemplo. O prédio que abriga os laboratórios do Grupo começou a ser construído em

2008 e conta com isolante térmico de lã de vidro nas paredes leste e oeste, as quais são atingidas pela radiação solar direta; isolante térmico na cobertura sob a telha de barro, evitando, assim, a passagem de calor; grandes aberturas para o aproveitamento da iluminação e da ventilação naturais, conseguindo, dessa forma, uma redução de 90% do uso de iluminação artificial durante o expediente e evitando o uso de ar- -condicionado antes das 10h da manhã e no final da tarde.

Outras estratégias, como filei-ras de luminárias paralelas às janelas,

sensores de presença para iluminação, uso de água da chuva para vasos sa-nitários e tanques de limpeza, entre outras, também foram utilizadas. "Em relação a uma construção convencio-nal, foi possível reduzir o consumo de energia entre 25 e 30%", orgulha-se a pesquisadora. Além do Laboratório de Conforto Ambiental, o Gedae pos-sui, ainda, mais quatro laboratórios: Laboratório de Qualidade de Energia Elétrica; Laboratório de Eficiência Energética e Conservação da Energia; Laboratório de Energia Eólica e Labo-ratório de Energia Solar.

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