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DOCUMENTO DE PROGRAMA 1. O método científico marxista Toda nossa base metodológica, teórica e programática deriva de uma compreensão científica, material das coisas, da sociedade, da natureza. Portanto, as relações humanas, a história da humanidade e da natureza em sua totalidade, podem ser explicadas materialmente, comprovadas cientificamente 1 . O marxismo 1 A produção de ideias, de representações e da consciência está em primeiro lugar direta e intimamente ligada à atividade material e “ao comércio material dos homens; é a linguagem da vida real. As representações, o pensamento, o comércio intelectual dos homens surge aqui como emanação direta do seu comportamento material. O mesmo acontece com a produção intelectual quando esta se apresenta na linguagem das leis, política, moral, religião, metafísica, etc., de um povo. São os homens que produzem as suas representações, as suas ideias, etc., mas os homens reais, atuantes e tais como foram condicionados por um determinado desenvolvimento das suas forças produtivas e do modo de relações que lhe corresponde, incluindo até as formas mais amplas que estas possam tomar. A consciência nunca pode ser mais do que o Ser consciente e o Ser dos homens é o seu processo da vida real. E se em toda a ideologia dos homens e as suas relações surgem invertidas, tal como acontece numa câmera escura, isto é, apenas o resultado do seu processo de vida histórico, do mesmo modo que a imagem invertida dos objetos que se forma na retina, é uma consequência do seu processo de vida diretamente físico.” (MARX E ENGELS, 1977, p. 6-7). Portanto, continuam os autores: contrariamente à filosofia alemã, que desce do céu para a terra, aqui parte-se da terra para atingir o céu. Isto significa que não se parte daquilo que os homens dizem, imaginam e pensam nem daquilo que são nas palavras, no pensamento, na imaginação e na representação de outrem para chegar aos homens em carne e osso; parte-se dos homens, da sua atividade real. É a partir do seu processo de vida real que se representa o desenvolvimento dos reflexos e das repercussões ideológicas deste processo vital . Mesmo as fantasmagorias correspondem, no cérebro humano, a sublimações necessariamente resultantes do processo da sua vida material que pode ser observado empiricamente e que repousa com bases materiais. Assim, a moral, a religião, a metafísica e qualquer outra ideologia, tal como as formas de consciência que lhes correspondem, perdem imediatamente toda a aparência de autonomia. Não têm história, não têm desenvolvimento; serão antes os homens que, desenvolvendo as suas produções materiais e as suas relações materiais, transformam, com esta realidade que lhes é própria, o seu pensamento e os produtos desse pensamento. Não é a consciência que determina a vida, mas sim a vida que determina a consciência. Na primeira forma de considerar este assunto, parte-se da consciência como sendo o indivíduo vivo, e na segunda, que corresponde à vida real, parte-se dos próprios indivíduos reais e vivos e considera-se a consciência unicamente

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DOCUMENTO DE PROGRAMA1. O método científico marxista

Toda nossa base metodológica, teórica e programática deriva de uma compreensão científica, material das coisas, da sociedade, da natureza. Portanto, as relações humanas, a história da humanidade e da natureza em sua totalidade, podem ser explicadas materialmente, comprovadas cientificamente1. O marxismo não é uma filosofia, uma opinião, uma maneira de ver as coisas. Isso correspondeu ao socialismo utópico, por exemplo, baseado em ideais de justiça e igualdade, tentando “imaginar” um sistema social perfeito e harmônico. Como ideia, o socialismo utópico se resumia a um sonho, uma miragem, um bonito projeto que nada tinha a ver com a realidade. O marxismo o superou objetivamente, e promoveu uma verdadeira revolução no modo de interpretar a realidade, a vida.

Com o advento do moderno capitalismo, principalmente a partir da 2ª revolução industrial, no início do século XIX, muda a realidade material dos países. Onde havia campo, passam a existir estradas de ferro e trens a vapor. Onde tinha produção de subsistência ou um comércio precário, surgem grandes indústrias. Junto às profundas transformações no terreno da infraestrutura, também a estrutura de classes e a superestrutura das instituições e

1 A produção de ideias, de representações e da consciência está em primeiro lugar direta e intimamente ligada à atividade material e “ao comércio material dos homens; é a linguagem da vida real. As representações, o pensamento, o comércio intelectual dos homens surge aqui como emanação direta do seu comportamento material. O mesmo acontece com a produção intelectual quando esta se apresenta na linguagem das leis, política, moral, religião, metafísica, etc., de um povo. São os homens que produzem as suas representações, as suas ideias, etc., mas os homens reais, atuantes e tais como foram condicionados por um determinado desenvolvimento das suas forças produtivas e do modo de relações que lhe corresponde, incluindo até as formas mais amplas que estas possam tomar. A consciência nunca pode ser mais do que o Ser consciente e o Ser dos homens é o seu processo da vida real. E se em toda a ideologia dos homens e as suas relações surgem invertidas, tal como acontece numa câmera escura, isto é, apenas o resultado do seu processo de vida histórico, do mesmo modo que a imagem invertida dos objetos que se forma na retina, é uma consequência do seu processo de vida diretamente físico.” (MARX E ENGELS, 1977, p. 6-7). Portanto, continuam os autores: contrariamente à filosofia alemã, que desce do céu para a terra, aqui parte-se da terra para atingir o céu. Isto significa que não se parte daquilo que os homens dizem, imaginam e pensam nem daquilo que são nas palavras, no pensamento, na imaginação e na representação de outrem para chegar aos homens em carne e osso; parte-se dos homens, da sua atividade real. É a partir do seu processo de vida real que se representa o desenvolvimento dos reflexos e das repercussões ideológicas deste processo vital . Mesmo as fantasmagorias correspondem, no cérebro humano, a sublimações necessariamente resultantes do processo da sua vida material que pode ser observado empiricamente e que repousa com bases materiais. Assim, a moral, a religião, a metafísica e qualquer outra ideologia, tal como as formas de consciência que lhes correspondem, perdem imediatamente toda a aparência de autonomia. Não têm história, não têm desenvolvimento; serão antes os homens que, desenvolvendo as suas produções materiais e as suas relações materiais, transformam, com esta realidade que lhes é própria, o seu pensamento e os produtos desse pensamento. Não é a consciência que determina a vida, mas sim a vida que determina a consciência. Na primeira forma de considerar este assunto, parte-se da consciência como sendo o indivíduo vivo, e na segunda, que corresponde à vida real, parte-se dos próprios indivíduos reais e vivos e considera-se a consciência unicamente como sua consciência (MARX E ENGELS, 1977, p. 6-7). (Grifos nossos).

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ideias mudava drasticamente.

Assim, as oficinas foram substituídas por fábricas; as relações protocapitalistas pequeno burguesas deram lugar à produção coletiva e à apropriação individual, com a superexploração e extração de mais-valia; a economia se mundializou; surgiu com força uma classe nova, a mais numerosa, chamada de proletariado e que só possuía sua força de trabalho como meio de sobrevivência. Na superestrutura concreta (as instituições), surgem o parlamentarismo, a democracia burguesa, os sindicatos. Na superestrutura abstrata (as ideias), desenvolvem-se as ciências: a matemática moderna, a física moderna, noções de química, avanços na medicina, etc.

No terreno da ciência social, humana, também muitas explicações antes no terreno do sobrenatural, do metafísico, do religioso ou do pensamento passam a ser entendidas de modo científico. Surgem revoluções em que já há conflitos entre a burguesia e o proletariado (primavera dos povos em 1848); surgem lutas do proletariado contra a burguesia (que foi Revolucionária contra a aristocracia até 1848,e a partir daí se tornou contrarrevolucionária pelo temor ao proletariado). Surge a experiência inédita de uma revolução proletária contra a burguesia, comunista, em 1870, com a Comuna de Paris.

Por um lado, há o surgimento de fenômenos que até então não existiam, e do desenvolvimento das forças produtivas. Por outro, a sucessão de episódios com “ingredientes” semelhantes, vai clarificando processos repetidos e conclusivos sobre fenômenos. Isso tudo permite que se entendam leis sociais que compõe a relação entre as classes e os modos de produção. Estas “leis” sempre existiram, como a química sempre existiu. O marxismo vem, como ciência, exatamente como a química vem: para constatar a realidade, descrevê-la e tirar conclusões de seus processos.

Finalmente, pelo grau de riqueza atingido pelas forças produtivas, a humanidade dava um passo qualitativo na direção de sua libertação da ignorância natural e idealista, podendo ver a História ser explicada de modo científico. Assim, o marxismo é um conhecimento e um sistema metodológico, o qual se sabe ou se ignora, mas não é uma ideia, com a qual se concorda ou discorda.

O marxismo é materialista, pois descreve a matéria e a observa, concluindo quais suas reações. No entanto, este materialismo é dialético, pois a própria matéria está em permanente transformação e movimento. Então, os processos sociais colocam diante de nós certezas e leis, mas, ao mesmo tempo, contradições e soluções de ruptura e alternativas ao que seria o desenrolar natural dos processos. Ao contrário da química, em que parte da estrutura é permanente, inalterada, a ciência social (descrita pelo marxismo), é permanentemente alterada e disputada, à medida que está submetida à constante evolução e conflito de classe contra classe.

Nosso programa revolucionário atende à combinação de um método de análise científica (materialista), da identificação de “leis” inerentes ao comportamento das classes e de suas instituições e ideologias, além de um projeto político próprio da classe operária. A combinação disso tudo dá o que se conhecem como as 3 fontes básicas do marxismo e do programa dos revolucionários: a filosofia alemã, a economia política inglesa e o socialismo francês. Seu produto é o programa sintetizado no Manifesto Comunista, de 1848, escrito por Marx e Engels – e mais tarde defendido e acrescido pelo próprio Marx, em sua Crítica ao Programa de Gotha, de 1875, quando combate as ideias reformadoras presentes naquele programa2. Então Marx sai em defesa política e teórica

2 Um documento político e teórico apresentado por Marx, por ocasião do Congresso do Partido Operário Social-Democrata Alemão – POSD de 22 a 27 de maio 1875 em Gotha – que ficou conhecido por Crítica ao Programa de Gotha – considerado

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do programa histórico revolucionário, selecionando vários trechos do Programa de Gotha apresentado para a reunificação dos partidos operários e considerados por ele problemáticos, como a questão das observações sobre: as relações entre o trabalho, a natureza e a produção da riqueza; os meios de produção, a classe capitalista, a classe operária, a causa da miséria e da escravidão; a emancipação da classe trabalhadora, o trabalho como patrimônio comum da sociedade, trabalho social e a “repartição equitativa do fruto do trabalho”; a classe operária, a pequena-burguesia e “massa reacionária”; salário, lucro e a “lei de bronze” dos lassallianos; o nacionalismo e o internacionalismo operário, entre outros pontos centrais e polêmicos desse documento.

Marx em Crítica ao Programa de Gotha refuta as visões superficiais, muitas vezes oportunistas, outras sectárias e atrasadas em relação ao programa histórico, e é incrível como suas críticas de 1875 continuam tão atuais para combater os reformismos das mais diversas matizes do século XXI!

Reivindicamos ainda, como documentos importantíssimos e que se somam a estes os oriundos dos primeiros congressos

por F. Engels como “talvez o mais importante de todos - sobre o tema que ia ser posto em discussão” naquele congresso, quando estava em pauta a união do Partido Operário Social-Democrata Alemão, com a Associação Geral dos Operários Alemães, que estavam se fundindo para formar um novo partido chamado Sozialdemokratische Partei Deutschlands (Partido Socialista Operário Alemão). Eram recomendações indicadas por Karl Marx aos seus camaradas do POSD. Quando estavam em disputa um processo teórico, programático e político que levaria à unificação de duas correntes: de um lado os lassallistas (seguidores de Lassalle, liderados por Hasenclever, Halsselmann e Tölcke) e de outro os eisenachianos ou marxistas (dirigidos por Bebel, Liebknecht e Bracke com as críticas de Marx e Engels). Nesse congresso estavam em disputas as principais táticas, estratégias e princípios políticos, econômicos e sociais que deveriam seguir o novo partido e o programa social que defenderia. Marx fez várias observações críticas e precisões teóricas no campo da política proletária e da Economia Política. O Programa de Gotha era claramente reformador, rebaixado e retrógrado em relação aos documentos historicamente acumulados pelo POSD. A proposta social e política das críticas de Karl Marx ao Programa de Gotha eram combater os equívocos políticos danosos, no sentido de melhor armar teórica e programaticamente o proletariado alemão e contribuir também com as teses da Primeira Internacional, que havia saído recentemente de uma longa disputa com o anarquismo de Proudhon e Bakunin. Portanto, era um documento científico que respondia às necessidades históricas e políticas da luta de classes da transição à sociedade socialista, depois comunista. Era a tentativa de Marx de promover um resgate da tradição revolucionária, operária e socialista que estava se esvaindo em termos dos avanços teórico-programáticos anteriores, um programa que vinha desde o Manifesto Comunista, que dava base para uma proposta - um conjunto de estratégias que visavam organizar o partido do proletariado e a sociedade comunista que se gostaria de construir. Esse programa que Marx e Engels defendiam tinha suas origens em A Ideologia Alemã (escrito em 1846), perpassava novamente em Miséria da Filosofia, de 1847, quando Marx responde à P. J. Proudhon - que antes havia escrito A filosofia da miséria, criticando as formulações marxianas em termos da economia política e do programa revolucionário, que depois foram sintetizados no Manifesto Comunista (1848). As ideias teóricas em torno deste programa avançam e se consolidam em Contribuição para a Crítica da Economia Política, escrita por Marx em 1859 e finalmente na obra máxima O Capital, que surge em 1867. Portanto era um programa de consistente base teórica, que se consolidara de crítica e proposição alternativa ao sistema do capital. Em tempo: as críticas de Marx vieram ao grande público somente em 1891 no jornal do partido Social-Democrata Alemão, quando publicado por F. Engels (Marx havia falecido em 1883 e Engels morreria anos depois em 1895). Esse programa entrou para a História.

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da III Internacional leninista e desenvolvido, em 1938, por Trotsky, com as formulações presentes no Programa de Transição. Todos estes documentos seguem sendo nossos mais importantes e básicos construtores e luminares faróis do Programa Revolucionário. Donde derivam nossas formulações fundamentais, dialeticamente atualizadas para as condições materiais presentes e as necessidades históricas e atuais do proletariado.

2. As conclusões da Época Imperialista

O Manifesto Comunista e O Capital esclarecem sobre o funcionamento do capitalismo, seu esgotamento futuro como modo de produção e a agudização da luta de classes, com o surgimento, pela 1ª vez na História, da classe revolucionária coincidindo com a classe mais numerosa e produtiva. A conclusão destes fatos e da dinâmica histórica entre as classes nos coloca diante de conclusões científicas: o capitalismo não é mais capaz de desenvolver as forças produtivas, e, por conta disso, ou será destruído em direção a um modo de produção superior, ou será destruído junto com as próprias forças produtivas que hoje represa, com o mundo retrocedendo a um patamar muito mais primitivo. É socialismo ou barbárie.

Também reconhecemos que apenas pode-se chegar ao socialismo por uma revolução e a classe trabalhadora precisa lutar e se organizar de modo independente para proceder esta revolução (a célebre frase de que a emancipação dos trabalhadores será obra apenas dos trabalhadores).

No entanto, Marx prognosticou o esgotamento do capitalismo, mas não viveu para ver este momento. Ele morreu em 1883, época em que o capitalismo ainda se desenvolvia, e junto com ele as forças produtivas. Nesta época, ainda predominavam as reformas e lutas por bandeiras classistas de disputa por salários, de tipo econômicas; além das bandeiras ditas “democráticas” que tinham ficado para trás e não haviam sido completadas pela burguesia.

A época imperialista, em que estamos desde o começo do século XX, é marcada pela realidade das forças produtivas entrando em crise, e sendo parte de uma realidade em que têm que parar de crescer para não destruir o próprio capitalismo e os burgueses. Esta época é marcada pelo fim da possibilidade de concessões duradouras dos capitalistas aos proletários, mesmo quem haja muitas lutas, e algumas concessões tenham ocorrido no período do chamado “Estado do Bem Estar Social”, ou do “Programa Keynesiano”, particularmente na Europa, arrancados depois de grandes lutas por parte do proletariado e diante do pânico da burguesia frente às revoluções - que ao longo do século vinte sacudiu o mundo. Mesmo estas concessões localizadas, no entanto, não contradizem a análise geral, pois foram obtidas às custas da superexploração brutal do proletariado em nível mundial.

Entretanto, as últimas três décadas de neoliberalismo foram suficientes para destruir quase a totalidade dos ganhos arrancados pelos trabalhadores, mesmo onde eles permaneciam altos, ou onde haviam sido aumentados circunstancialmente. E continuam se aprofundando as perdas sociais, econômicas e políticas do proletariado diante da radicalização da crise e ataques brutais do imperialismo. Assim, cada reivindicação dos trabalhadores, para ser atendida nesta época de forma permanente, passa a depender da tomada do poder. Sem isso, cada vez mais os trabalhadores vão se restringindo a lutar para não perder, ainda mais com a crise, e, quando ocorre alguma conquista, ela é provisória e muito rapidamente revertida pela burguesia.

Diante disso, é que reafirmamos a Revolução Permanente, cujo conceito já estava presente em Marx e foi desenvolvido por Trótsky, a qual se opõe ao etapismo, cuja tese é a de que o socialismo e a luta por ele só estariam

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colocados após uma ilusória e impraticável consolidação do capitalismo e conclusão de todas suas tarefas no mundo todo.

O aprofundamento desta teoria é a “Lei do Desenvolvimento Desigual e Combinado”, formulada por Trotsky, e que compreende que, simultaneamente, elementos desiguais, uns mais atrasados e outros mais avançados, convivem de forma combinada, o que faz com sejam partes distintas, mas combinadas, de um mesmo sistema mundial, onde a política para todos os locais é a luta pelo socialismo.

Por fim, esta luta política pela revolução exige um partido centralizado, como o modelo bolchevique proposto por Lênin, preparado para tomar o poder contra a violência burguesa, dirigindo as massas no sentido de destruir o Estado burguês e construir um Estado operário.

3. O Programa de Transição

As consequências políticas da saturação e crise histórica do capitalismo são a superprodução recorrente existente no mundo; as crises cíclicas que se sucedem, cada vez mais profundas; as disputas interburguesas, que conduzem às guerras, por um lado; e aos monopólios e superconcentração imperialista por outro. Essas foram as causas, no início do século XX, da disputa colonial da África; da 1ª Guerra Mundial; das revoluções operárias, vitoriosas ou derrotadas, na Rússia, Polônia, Hungria, Alemanha, etc.; e da crise de 1929, que levam Trótsky a elaborar o Programa de Transição, em 1938, para ser um guia de ação específico para a época imperialista e não mais genérico para o capitalismo como um todo.

Assim, o Programa de Transição, resumidamente, explica que, se o capitalismo não é mais capaz de desenvolver as forças produtivas, é preciso que ele seja superado por um modo de produção superior e que, antes disso, todas as lutas serão parciais, intermediárias, para concentrar forças e educar a classe trabalhadora para sua grande luta: a Revolução Socialista Mundial.

Como o desenvolvimento capitalista é desigual, há países que conseguiram “avançar” mais nas conquistas burguesas e puderam conceder mais aos trabalhadores. Outros, menos desenvolvidos, mantiveram formas mais arcaicas de produção e menos “margem” para concessões. A intensidade de lutas também produziu diferenças na situação dos operários entre os distintos países. De qualquer modo, esta desigualdade está combinada entre si. Quer dizer, o desenvolvimento de um país não pode ser entendido isolado dos demais. Assim, a parte atrasada é o complemento da avançada e as duas são parte de uma engrenagem única, mundial, capitalista. Qualquer avanço dentro deste sistema (seja nos países que foram mais à frente, seja nos mais atrás), depende que se destrave o freio das forças produtivas, que não podem crescer mais no capitalismo devido a suas contradições (anarquia da produção; apropriação individual; luta de classes).

O programa de Transição comprova, então, que a luta das mulheres, dos negros, dos homossexuais, dos camponeses pobres, dos trabalhadores empregados e desempregados, pela “democracia”, pela paz, por melhores condições de vida; tudo, portanto, depende de se tomar o poder. Como diz Lênin, “afora o poder, o resto é ilusão” e não há mais revoluções burguesas possíveis. O que evidencia hoje que toda revolução em seu conteúdo é socialista ou não é revolução. Toda luta e atuação cotidiana das massas ou é revolucionária e socialista ou é contrarrevolucionária e burguesa. O papel do partido revolucionário é organizar, educar o proletariado e lutar junto com as massas, para sua atuação consciente em prol da Revolução Socialista, de forma consequente.

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4. As bandeiras democráticas e parciais nos países semicoloniais

No Brasil, assim como em todos os outros países que fazem parte dos locais em que “foram deixadas para trás” muitas tarefas que historicamente corresponderam às conquistas das revoluções burguesas, as chamadas palavras de ordem democráticas (liberdade de associação, de greve, direitos civis, garantias jurídicas, fim de abusos policiais, etc.) ganham peso maior. Assim como as bandeiras econômicas ou parciais (direitos trabalhistas, benefícios sociais e previdenciários, serviços públicos, salários dignos).

Tanto um tipo como outro de avanços buscados historicamente pelos trabalhadores foram em parte, ou puderam ser, atendidos por concessões por dentro do próprio capitalismo, à medida que os trabalhadores os conquistaram à força de suas lutas. Mas nos países semicoloniais a concessão da maioria destas tarefas que, no início do capitalismo, não eram incompatíveis com sua existência, não foi realizada, e não mais poderão ser, à medida que agora o capitalismo, como um sistema mundial, esgotou sua capacidade de crescimento global. Sendo as últimas regiões que se incorporam a China, a Índia e o Leste Europeu, como recém integradas de forma mais complexa ao sistema mundial de mercado, urbanização e consumo. Agora, simplesmente chegou-se ao limite, e não há mais para onde o sistema se expandir.

O capitalismo não desenvolveu todo seu “potencial” em nosso país, e, assim, o papel reservado ao Brasil, como a toda América Latina, é o de ser uma semicolônia. Quer dizer, há uma soberania e independência aparentes, formais, mas um domínio e submissão políticos, econômicos e militares.

Mesmo questões simbólicas da suposta independência burguesa nacional, como a existência de moedas próprias, vão sendo ameaçadas. Neste sentido, uma coisa é países abrirem mão da moeda para surgir uma nova moeda comum, como o Euro; mas outra coisa é o que acontece em Porto Rico e no Equador, onde o dólar passou a ser a moeda oficial. Na Costa Rica, por sua vez, não existe mais exército, que foi dissolvido. A Colômbia tem um exército chefiado e financiado pelo exército dos EUA, assim como bases militares diretas em seu território. No campo político, são votadas reformas, leis e ataques que organismos como o FMI, Banco Mundial e o próprio governo dos EUA mandam. No Brasil, em 2002, os 4 candidatos com alguma chance de serem eleitos à presidência assinaram uma “carta compromisso” com os EUA/FMI. Assegurando a submissão aos planos econômicos, políticos e sociais impostos pelo imperialismo.

No terreno econômico, militar, político e institucional, os países semicoloniais perdem mais e mais sua independência. Estes sintomas nos demonstram que a própria democracia burguesa, inserida na atual época do capitalismo imperialista decadente, é ameaçada de perder parte de suas “conquistas” e caminha em direção a uma forma que se poderia chamar de “democracia colonial”, com instituições “democráticas” (pois formalmente não são regimes de ditaduras), mas completamente de fachada, ainda muito mais do que já existe hoje: ausência de moeda própria, fim da soberania sobre fronteiras, submissão das constituições nacionais a tribunais continentais e mundiais, etc.

A ALCA chegou a explicitar este plano sob uma proposta concreta e, mesmo com a derrota de sua aplicação, ainda permanece como plano estratégico, agora aplicada aos poucos. Medidas como a Lei de Responsabilidade Fiscal (que restringe o direito do Congresso Nacional decidir livremente o orçamento do país), junto de metas impostas internacionalmente como superávit fiscal, além de imposições de todo o tipo de organismo imperialista, como a OMC, ou regulamentações bancárias, como agora novamente ocorrerão, via Acordo de Basileia 3, impõem um

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governo a serviço da burguesia imperialista, antes mesmo que se eleja o presidente formal que o país terá. Não importa quem é o eleito, pois o governo já é determinado por instituições e um programa prévio.

A extensão de guerras de ocupação dos EUA no Iraque e Afeganistão, agora repetidas no Mali pela França, e a ocupação permanente da Palestina, além do Haiti, mostram o lado mais visível da violência capitalista impondo seus interesses à força no mundo inteiro. Mas, dispensando tanques e mísseis para este mesmo resultado, inúmeros outros países vem tendo sua soberania nacional suprimida, o que se acelera diante da crise econômica internacional.

Na Europa, até mesmo países com condições econômicas privilegiadas, que não chegam a ser a ponta do imperialismo europeu, compartilhado por Alemanha, Inglaterra e França, mas que tampouco são semicolônias, têm sua independência duramente diminuída. Submetrópoles como os agora superendividados Portugal, Espanha, Irlanda, Itália e Grécia, mas também os países com economias "saudáveis" como a Áustria e Holanda; estão todos à beira de não terem mais nada de soberania nacional. A UE acaba de aprovar um novo funcionamento para si, que acaba com as decisões por consenso, o que significa que um país pode ter que aplicar um orçamento e ter decisões nacionais decididas por outros países. O funcionamento dos bancos, o orçamento público, a política monetária, a taxação sobre o comércio exterior... já são temas em que os governos nacionais europeus praticamente não têm mais nenhuma ingerência.

Junto disso, há uma realidade de ataques brutais contra a classe trabalhadora, que não podem ser cessados ou diminuídos, e, por conseguinte, sobrevém a instabilidade tanto das submetrópoles como das semicolônias. Como tentativa efêmera de "ganhar tempo", sem que se possa resolver nada com esta medida, devem predominar, cada vez mais, governos e regimes frente populistas, kerenskistas (de Kerenski, governo da Rússia, derrubado em 1917, que se caracterizou pela instabilidade extrema, marcado pelo duplo poder operário dos soviets convivendo ao lado das instituições burguesas fragilizadas), bonapartistas (de Napoleão, expressando regimes baseados nas Forças Armadas e/ou medidas de coerção, ainda que formalmente “democráticos”) ou ditatoriais típicos.

A correlação de forças entre as classes, com o proletariado resistindo e sentido-se forte, tem impedido esta última situação, ditatorial, ainda que ela possa recrudescer. As demais alternativas de regime por dentro do Estado burguês, porém, se multiplicam, como tentativas desesperadas e improvisadas de tentar conter as massas, muitas vezes misturando aspectos de um regime e de outro. A democracia burguesa modelar, com instituições fortes e eleições formalmente livres, governada por partidos burgueses tradicionais, é cada vez mais difícil de existir, dado o grau violento da crise econômica e da luta de classes acirrada decorrente dela.

Independente do desdobramento institucional que exista em cada país, o fato é que bandeiras como a luta por uma independência real, contra a dívida externa e interna, contra a presença dos EUA na região, contra a Lei de Responsabilidade Fiscal, contra o superávit primário, contra as reformas neoliberais, contra os ataques democráticos (atitudes antissindicais, como o Decreto n° 7.777/2012, Anti-greve, etc.) assumem um papel essencial neste momento. Assim, as palavras de ordem democrática são parte das que mais possuem potencial de mobilização, e que mais podem fazer o “gancho” à necessidade da revolução socialista.

Junto delas, ganham muito destaque também as tarefas econômicas, também chamadas de mínimas ou parciais, devido à avalanche de retirada de direitos e ao desemprego, que assume contornos dramáticos entre os trabalhadores. Conquistas como a redução da jornada de trabalho retrocedem em países como a França, por

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exemplo, onde havia sido reduzida a 35h semanais, o que hoje já foi suprimido parcialmente. Ao mesmo tempo, direitos como o 13° e 14° salários, além de seguros-desemprego longos e aposentadorias sólidas vão sendo abolidos na Europa toda, ao passo que o mundo todo impõe o confisco salarial generalizado, através da prática de simples redução salarial, ou indiretamente por meio da inflação e do endividamento progressivo dos trabalhadores, que passam a trabalhar para pagar suas prestações e juros das dívidas.

5. O Brasil como sub-metrópole

Devemos ser categóricos em reafirmar a condição do Brasil como país dominado e semicolonial. Não enxergar ou reafirmar isso, por um lado deixa uma brecha para o oportunismo (considerar que o Brasil pode ser uma potência), e, por outro, deixa uma brecha para o esquerdismo (desprezar as tarefas nacionais e a luta anti-imperialista, dando prioridade à denuncia do papel do Brasil em outros países.).

Contudo, da mesma maneira que é preciso ter claro que o Brasil é uma semicolônia, é preciso reconhecer que, entre a “qualidade” dos países semicoloniais, há uma “quantidade” diferente de dominação e do papel de “colônia” entre cada um deles. E o Brasil, nesta hierarquia, entre os países dominados cumpre um papel de plataforma industrial e de sub-metrópole regional. Por exemplo, existe um parque automotivo no Brasil que não existe em nenhum outro país latinoamericano, com exceção do México. O Brasil tem indústria pesada, de transformação, de bens de consumo duráveis e não duráveis, além de uma agricultura moderna e com grande tecnologia. Há domínio do petróleo e de parte inclusive do ciclo nuclear, com usinas energéticas em operação.

Parte disso tudo vem sendo desnacionalizado e sucateado. As Forças Armadas, por exemplo; a infraestrutura de portos, estradas e ferrovias; e os recursos naturais, estão em condições precárias, sem investimento sequer em conservação. Mesmo o parque industrial já teve parte de suas fábricas fechadas e há uma desindustrialização em curso. Todavia, ainda que este processo esteja em curso, como outro elemento do aprofundamento do caráter semicolonial do Brasil e de outros países pelo mundo, o Brasil ainda é uma espécie de "preposto" do imperialismo na região.

Apesar de desigual, a capacidade capitalista instalada no Brasil é superior às demais. O imperialismo utiliza esta situação de todos os modos. Politicamente, por exemplo, o Brasil é usado para intervir em processos que os EUA “terceirizam” ou onde não querem “sujar as mãos”. O 1º caso, de liberar os EUA, sobrecarregado na época com o Iraque, ocorreu com a ocupação do Haiti, “liderada” pelo Brasil, mas sob ordens do imperialismo. O 2º caso é o que explica a intervenção de Lula no Equador (para resgatar Lúcio Gutierres de helicóptero, após ser derrubado pelas massas), Venezuela (pós-golpe contra Chávez, organizando os “amigos da Venezuela”, com Espanha e EUA) e Bolívia (onde ajudou a conter uma revolução); todos processos que o PT e Lula fizeram o que Bush, e depois Obama, não conseguiria fazer.

Assim, entendendo o Brasil como uma semicolônia que cumpre um papel de testa de ferro dos EUA, somos obrigados a ter uma política de denúncia destes processos levados adiante pelo governo brasileiro, junto da burguesia nacional. Devemos combater a presença da Petrobrás na América Latina; exigir a expropriação da Gerdau e outras empresas e bancos que estão comprando fábricas e propriedades no Peru, Chile, Uruguai, Argentina; etc. Fazendeiros brasileiros são donos de grandes extensões de terra na Bolívia e Paraguai, e os conflitos agrários nestes países envolvem diretamente a presença opressora de burgueses brasileiros, que devemos defender que sejam expropriados.

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Assim, nossa luta é pela nacionalização e expropriação sem indenização de todo meio de produção de brasileiros nestes países; pela ruptura dos contratos de venda de gás boliviano e de energia da Itaipu binacional, que são responsáveis por parte da miséria de bolivianos e paraguaios explorados pela burguesia brasileira; pela retirada imediata das tropas do Haiti; e contra a ingerência brasileira na condução da vida política de todos os países da região.

6. A luta em todo mundo

Desde a fundação da I Internacional por Marx e Engels, nossa luta é, antes de tudo, internacionalista. Não é possível socialismo num só país e nem sequer liberdade e melhores condições de vida, de modo isolado. O capitalismo e a burguesia são internacionais, assim como o proletariado também é, e a luta pelo poder é mundial. Hoje, é necessário que cada luta e cada greve que ocorra em qualquer lugar do planeta seja tomada pela solidariedade dos trabalhadores de todo mundo. Assim como a mundialização fortaleceu provisoriamente o capitalismo, também aprofundou sua contradição, pois qualquer crise ou ruptura em um de seus “elos da corrente”, pode arrebentar todo o sistema. É o "efeito dominó" que o capitalismo vive ininterruptamente desde 2008, com a crise mundial alimentando a si mesma, de país a país.

Estamos ao lado de toda e qualquer nacionalidade oprimida, e defendemos o direito de sua autodeterminação nacional, étnica ou religiosa, de maneira incondicional, apoiando política e militarmente cada um destes processos que exista, o que não se confunde com apoiar nenhuma de suas direções. Preservamos nossa independência política e a necessidade de se combater todas as direções nacionalistas burguesas, étnicas ou religiosas que existam. Nosso apoio a seu direito de autodeterminar-se não significa apoiar o movimento em si. Podemos ser contra dividir um território, por exemplo, mas ainda assim vamos lutar para que sejam aqueles trabalhadores oprimidos os que vão decidir a respeito, como é o caso do País Basco ou da Catalunha, e já foi a reivindicação de um Estado negro nos EUA nos tempos de Trótsky.

Nas Malvinas, nossa luta esteve ao lado da Argentina (mesmo que fosse uma ditadura) contra a Inglaterra imperialista em 1982; do mesmo modo que esteve ao lado do Afeganistão (mesmo que dirigido pelos Talibãs) contra os EUA em 2001; e do Iraque (mesmo com Saddam) contra os EUA em 2003.

Ao mesmo tempo, quando são os trabalhadores a lutar contra seus déspotas ou governantes burgueses, mesmo que oportunistamente o imperialismo tente disputar e se intrometer nestas lutas, estamos incondicionalmente ao lado da classe trabalhadora e dos explorados, sendo parte de suas lutas e revoluções, como ocorreu na Líbia contra Kadaffi e está se dando na Síria contra Assad.

7. Pela ditadura do proletariado – a questão do poder

Na luta pelo fim da exploração de classe, os trabalhadores enfrentam diariamente a violência da dominação burguesa. Esta violência é disfarçada pelo voto, pelo parlamento, Justiça, etc. Mas é mal disfarçada pois as eleições são um terreno apenas dos assassinos de sem-terra, corruptos que deixam os pobres morrer em fila de hospitais e de burgueses que só edificaram sua riqueza sobre o suor de quem trabalha. A Justiça também é violenta ao condenar uma greve como ilegal, criminalizar movimentos sociais e prender ativistas enquanto deixa soltos seus exploradores.

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Na realidade, o que temos é uma democracia para a burguesia e uma ditadura dela contra o proletariado. Numa sociedade de classes, não há como conciliar os interesses da classe dominante e da explorada, e o regime político e jurídico refletem esta situação, protegendo os interesses e propriedades sempre da classe dominante. Dessa forma, não é possível liberdade para todos, nem Justiça ou governo para todos, e não há reforma por dentro do capitalismo que possa alterar isso.

A única forma de haver governos, Justiça e democracia entre os proletários, é por meio da supressão do Governo, da Justiça e da Democracia Burguesa, e através da Ditadura do Proletariado contra a burguesia. Isto significa que, complementarmente, haverá democracia operária, pluripartidarismo operário, livre imprensa operária; e repressão e confisco dos “direitos”, imprensa e partidos burgueses contrarrevolucionários. Esta etapa em que os explorados já terão tomado o poder, mas em que as classes ainda não terão desaparecido, precisa se caracterizar pela colocação do Estado a serviço dos interesses e tarefas históricas dos trabalhadores, até que a exploração seja definitivamente extinta, junto das classes sociais e do próprio Estado.

A ditadura do proletariado se dará com a tomada do poder de forma violenta pelos organismos de poder proletários, dirigidos pelo partido revolucionário centralizado, e será parte da luta por internacionalizar a revolução e implantar o socialismo, que não existirá enquanto não forem tomados os países imperialistas, pelo menos. O próprio socialismo ainda não será o fim da luta, pois é a etapa inferior do comunismo, onde se poderá extinguir o Estado, as classes, os partidos e a própria democracia (governo do povo, da maioria), sendo substituída pela auto-organização de todos, de cada um de acordo com sua possibilidade e a cada um de acordo com sua necessidade.

8. O duplo poder

A destruição do Estado burguês, e não sua reforma (que é utópica), é a única forma de se dar lugar ao Estado Operário. No entanto, não vai surgir um Estado Operário apenas quando a revolução já for vitoriosa. Como Marx afirmou: “não há nenhum problema colocado pela História sem que ela já não tenha colocado, simultaneamente, também sua solução”. Ou seja, quando a derrubada do poder da burguesia se aproxima, há o surgimento de um poder operário, latente, não oficial em geral, mas que, na prática codirige aquele país. Uma codireção que não tem nada de colaboração, pelo contrário! É uma direção oposta, com o velho e o novo se confrontando, numa disputa em que só um governo poderá permanecer.

As classes em luta assumem tamanho enfrentamento, que seus programas assumem já a forma de “Estados” diferentes e opostos, lutando pela hegemonia da sociedade. Esta situação é extremamente instável e provisória. Em pouco tempo, ou o duplo poder operário assume o poder geral, derrubando a burguesia, ou então será derrotado, seja por meio da destruição ou da cooptação.

A forma correspondente a este conteúdo de duplo poder não é sabida por antecipação. Na Rússia, quem assumiu este papel foram os soviets. No Vietnã de 1968, foi a guerrilha de massas. No Chile, em 1973, os cordões industriais expressavam o duplo poder. Na Revolução dos Cravos de Portugal, em 1975, foram círculos do exército. No Egito, recentemente, foi a Praça Tahir em assembleia permanente. Na Líbia, foram as milícias populares.

Portanto, não é possível determinar com certeza por onde vai passar o duplo poder, pois o aspecto organizativo é o mais indeterminado numa revolução, pois varia muito de acordo com as condições específicas. Qualquer tentativa de "impor" ou criar um organismo para atender a este movimento futuro é idealista e inócuo. O que é inevitável é

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que sejam construídos organismos deste tipo, para extravasar e organizar a energia revolucionária; assim como não se sabe por onde a água vai correr quando transborda, mas, inevitavelmente, ela correrá.

O marxismo, exatamente porque é uma ciência, e não uma crença, não acha ou deixa de achar por onde virá o duplo poder. O que podemos fazer é, através do materialismo dialético, perceber indícios e “pistas” de como se expressará o duplo poder, tentando prever cientificamente as possíveis tendências desta organização e podendo melhor nos localizar para dirigir estes organismos, já que, para uma revolução vitoriosa, é indispensável a combinação, ao mesmo tempo, do duplo poder (expressão da crise revolucionária) e da direção de um partido revolucionário centralizado.

9. O sujeito social da revolução

Entre todos aqueles que ganharão com a revolução ou que podem aderir à ela, existem muitos setores, também de classes distintas.

Entre a classe pequeno-burguesa, há setores da pequena burguesia rural (agricultores pobres) e urbana (camelôs, pequenos comerciantes estabelecidos, autônomos, muitos profissionais liberais), que, na sua grande maioria, só tendem a ganhar com a revolução.

Há, também, o lúmpen proletariado, aquele setor dos trabalhadores que deixou as relações de produção (e não apenas o trabalho, pois quem só deixou o trabalho segue sendo um proletário como qualquer outro, apenas desempregado), formado por mendigos, assaltantes, prostitutas; quer dizer, aqueles que estão à margem da produção, em situações de enorme degradação, vivendo das migalhas extraídas da exploração dos outros trabalhadores, seja obtendo seus recursos destes trabalhadores, seja da burguesia. Os lúmpens também só têm a ganhar com a revolução.

No entanto, o que distingue a pequena burguesia como classe não revolucionária e o lumpesinato como setor da classe proletária também não revolucionário, é que, embora eles devam ganhar com a revolução, eles não têm nem a força de parar a economia, nem a organização coletiva como classe produtora que tem o proletariado. Este, enquanto classe, representa a nova forma de relação social surgida com o capitalismo, baseado na produção coletiva, em larga escala, e de modo assalariado; representando a fonte da riqueza do capitalismo e, ao mesmo tempo, sua ruína. São os assalariados, conhecidos como proletariado, os que "não têm nada a perder, a não ser suas correntes" e que têm a economia capitalista, literalmente, em suas mãos, podendo e necessitando ser a classe dirigente da revolução.

O proletariado, e só ele, representa os trabalhadores que só têm a sua força de trabalho para obter sua sobrevivência. É da venda desta “mercadoria” ao burguês, que é sua capacidade de trabalhar, que se estabelece toda a engenhosidade do capitalismo. Toda a roda de desenvolvimento e a conservação da estrutura capitalista sustenta-se em sub-remunerar as horas em que o trabalhador vai dedicar para gerar a riqueza do patrão (acumulado pelo trabalho não pago, ou mais-valia relativa e absoluta – explicada por Marx).

A classe proletária, ao contrário das grandes contradições internas dos pequenos burgueses (onde há os miseráveis e os muito ricos; em que cada um produz individualmente ou em pequena escala, tendo vidas muito distintas entre si), é relativamente homogênea. O capitalismo se obriga a produzir coletivamente para eliminar parte de seu

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desperdício e racionalizar a produção, ganhando em escala. Esta produção coletiva uniformiza a rotina e vida dos trabalhadores. Assim, em diferentes empresas e países, os métodos, a disciplina, os horários e os salários são cada vez mais os mesmos. A mundialização do capital faz com que sejam também cada vez mais os mesmos patrões em todo mundo.

O trabalho coletivo, a relação assalariada, a “alienação do trabalho” (não se tem mais o controle e a propriedade do próprio trabalho) e a padronização de gostos, culturas e hábitos, faz do proletariado a classe mais numerosa, homogênea e estruturada em postos chaves para tomar o poder. Como disse Marx, além de se beneficiar com a revolução, os proletários não têm nada a perder no capitalismo (o que um pequeno burguês sempre temerá, por mais que tenha pouco mais que nada). Os proletários, além de suas condições material e inerentemente revolucionárias, em termos gerais também não têm nenhuma perspectiva real de “crescer” ou de “subir na vida”, pois são empregados, e só vão melhorar de vida se aumentarem seus salários. Quer dizer, se lutarem contra os patrões, contra o governo, etc., o instinto e as condições materiais do proletário o levam ao conflito de classes. Diferente do camponês ou do pequeno proprietário urbano, que costuma relacionar seu progresso a ações individuais ou à dependência do Estado, estando a mercê de perder tudo a qualquer momento.

Esta diferença do proletário faz com que seja somente esta classe que tem condições de conscientemente assumir a revolução socialista de modo a ser um ponto inicial da revolução internacional, assim como de se organizar em um partido revolucionário centralizado. Os pequenos burgueses explorados ou que rompam com sua classe, por exemplo, são bem-vindos à revolução e a seu partido, mas o programa do partido, sua disciplina e organização correspondem às necessidades e formas próprias do proletariado. É a ditadura desta classe que vai surgir após a revolução, dirigida por ela, ainda que em aliança com todos os demais setores explorados, o que é muito importante, e é ela quem dará a dinâmica e determinará a nova sociedade.

No entanto, também dentro da classe proletária, existe uma diferença básica: há aqueles que estão ligados diretamente à produção e outros que não. Somente os proletários que estão ligados à produção têm extraída de si a mais-valia, sendo chamados de operários. A mais-valia é o trabalho realizado não pago, que pode ser medido pelo preço da mercadoria produzida descontada do custo da produção e da remuneração dos proletários. Nestas condições, estão os proletários rurais (bóias frias, peões e demais assalariados que produzem no campo), os trabalhadores de um frigorífico, os sapateiros de uma fábrica calçadistas, os operários têxteis, os metalúrgicos, os trabalhadores da construção civil, os petroleiros, os mineiros, etc. Não se trata, quando se considera o setor mais dinâmico da classe proletária, portanto, de considerar se são pobres ou nem tão pobres; da cidade ou do campo; em borá esses elementos, secundariamente, também sejam importantes. Se trata de definir o papel diretamente produtivo destes trabalhadores. Estes trabalhadores produzem mercadorias ou as transformam. São a base do funcionamento do capitalismo, seu coração.

Há também outros trabalhadores ligados à produção, indiretamente, na verdade na distribuição e troca das mercadorias, como os caminhoneiros assalariados, os frentistas, os caixas de supermercado e os bancários. E há os demais proletários que não estão ligados à produção, mas que são proletários também, por serem assalariados: professores, funcionários públicos, secretárias, etc., sendo todos igualmente proletários, mas nem todos operários, e com distintos graus de capacidade de produzir crise sobre o capitalismo através de suas mobilizações.

Esta classificação é uma aproximação da realidade, que sempre é mais complexa, não correspondendo, portanto, a

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todas as minúcias da luta de classes. Mas, como um esquema, é útil pois trata de diferenciar os proletários pelo papel que cumprem na produção, que não é o mesmo.

Fica claro que há uma enorme diferença salarial entre as categorias cujo papel na produção é semelhante. Um petroleiro, por exemplo, ganha R$ 4000 por mês e mais de R$ 20 mil de PLR (Participação nos Lucros e Resultados) enquanto um bóia fria ou peão ganha um salário mínimo no máximo, mesmo que ambos sejam proletários e que tenham papeis diretamente ligados à produção capitalista. Um frentista e um bancário também ganham salários bem diferentes, apesar de sua relação complementar à produção, como são o setor de trocas e combustíveis.

Mas o critério para os revolucionários não é, prioritariamente, monetário ou salarial. O predominante entre as classes e dentro das classes (para determinar o setor mais estratégico dentro do proletariado, por exemplo) é a função que cada um cumpre na produção.

Quando Marx e Engels, escreveram o Manifesto Comunista (1848), não havia muita diferença entre o que eles alternavam chamar de operários e proletários. Praticamente só os operários eram assalariados (proletários), logo, os termos operário e proletário eram quase como sinônimos, embora sempre tivessem uma diferença de natureza entre si.

Depois, o capitalismo tratou de proletarizar quase todos os trabalhadores e a pequena burguesia se reduziu abruptamente. Profissionais que viviam por conta própria passaram a ser empregados. Da mesma forma, cresceu gigantescamente o número de funcionários públicos. Isso fez com que surgissem muitos assalariados (proletários) que não correspondem a todos os “pré-requisitos” de Marx para identificar um operário. Surge, então, a necessidade de diferenciá-los: os produtores (proletários operários) e os não produtores (proletários, mas não operários).

Nós dizemos que os operários são o centro do proletariado e são eles os que podem parar o capitalismo. É deles que se extrai a mais-valia, a exploração mais aguda (relativamente) e é deles que surgem as formas embrionárias de outro tipo de Estado, que reproduz parte de sua organização e disposição social.

Esta definição conceitual é muito importante para o partido revolucionário, e não está condicionada à questão numérica populacional, embora, também demograficamente, o proletariado hoje seja altamente predominante e siga crescendo incessantemente. Da mesma maneira, o fato de que seja o operariado o sujeito social da revolução não determina que sejam eles nossa prioridade de atuação durante todos os momentos.

Esta é uma afirmação de um conceito marxista, estratégico, mas que não necessariamente implicará numa prioridade tática permanente. As táticas a serem usadas em cada período são flexíveis e podem ser variadas, desde que estejam a serviço desta estratégia, e devemos discutir isso nos documentos periódicos de planos a serem votados em nossas conferências e congressos.

10. A aliança com os explorados

Na luta revolucionária, é fundamental ganhar para o lado do socialismo todos aqueles que podem decidir a sorte da revolução. Se é verdade que os operários têm a “chave do cofre”, e são os que mais têm condições de paralisar o capitalismo, também é verdade que é impossível que haja revolução sem aliança com os demais setores explorados. Obrigatoriamente, e é bom que frisemos isso, a revolução deverá contar com as massas trabalhadoras

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em geral a fim de tomar o poder e exercê-lo. Neste sentido, os setores urbanos não proletários explorados e os pequenos proprietários rurais são determinantes.

Com a crescente urbanização do mundo, nós observamos que existe um papel fundamental a ser cumprido por essa massa “popular” que existe nas cidades. Serão dezenas de milhões de trabalhadores que sairão às ruas na revolução, e, numericamente, a maioria deles não será operária, sendo proletários não diretamente envolvidos na produção, ou mesmo comerciantes, autônomos e profissionais que trabalham por conta própria.

Foi este sujeito social “popular”, misto entre desempregados, empregados informais, comerciantes, etc., por exemplo, que esteve à frente de processos como a Revolução Argentina de 2001. E não por acaso continuam a ser chave nas revoluções que sacodem o mundo árabe, assim como nas mobilizações de massa na Europa, pois estes setores hoje são os que mais sofrem com a miséria capitalista. Eles não cumprem o papel essencial no capitalismo, ligado à produção operária, mas são, por outro lado, os que menos têm instrumentos para se defender dos ataques capitalistas, sofrendo mais dura e rapidamente seus efeitos, e sendo parte indispensável na tomada do poder.

Lênin e Trotsky tiveram quase uma obsessão em ganhar o campesinato para o projeto da revolução. E quem eram estes camponeses? Eram os agricultores daquele tempo, ou seja, pequenos proprietários, alguns mais falidos que os outros, mas integrantes da pequena burguesia rural, donos de algum pedaço de terra. Hoje, ainda é importante o apoio dos agricultores pobres, mas o número destes vem sistematicamente diminuindo, como toda a população do campo. O setor pequeno burguês mais importante e numeroso, portanto, já são os pequenos comerciantes, prestadores de serviço nas cidades, perueiros, taxistas, moto-taxistas, camelôs, etc. Buscar alianças e nos aproximar destes setores é fundamental, ainda que nenhuma outra aliança deva ser dispensada, como a aliança com os camponeses, indígenas e quilombolas.

É necessário que assumamos todas as reivindicações de melhora do nível de vida destes trabalhadores, bem como seu reconhecimento e assistência garantidos pelo Estado. Para disputar esta população, nós precisamos demonstrar o quanto a revolução vai mudar as condições destes trabalhadores, e que só através dela é possível melhorar a vida. Além da relação nos locais de trabalho (que muitas vezes é difícil de estabelecer, pois são dispersos e incertos, como a própria rua), precisamos conviver com estes setores em seus locais de moradia, que é onde muitas vezes se dá a relação mais próxima, numerosa e política para que os revolucionários intervenham. Por isso, estrategicamente, estar presentes nos bairros é importante para o partido revolucionário.

Quanto a setores que compõem o lumpesinato, o partido revolucionário representa o único programa que atende a seus interesses. Um lúmpen também é vítima do capitalismo, de uma maneira brutal e extrema. Já está à margem da produção, ainda que esta situação, em alguns casos, possa mudar. De qualquer maneira, correspondem a um grande contingente de pobres e degradados pela decadência capitalista, que só podem, enquanto coletivo, voltar a ter, ou passar a ter pela 1a vez, uma vida adequada, se triunfar a revolução socialista.

Nós não defendemos regulamentar os lúmpens, organizando sua miséria. Mas tampouco podemos desprezar o contato e a disputa destes setores. Por isso, devemos defender planos concretos quanto à sua condição, como direito à moradia, obras de saneamento, assistência médica e plano de empregos. Não é com esmolas e assistencialismo que se amenizará seu sofrimento, mas com a (re)inserção destes indivíduos à massa de trabalhadores, podendo lutar e refletir a classe produtora, e é esta a política que devemos desenvolver.

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11. A luta contra as Frentes Populares

No capitalismo, nossos inimigos principais são sempre os burgueses, a classe inimiga que devemos derrubar para tomar o poder. No entanto, nem sempre a burguesia nos enfrenta diretamente e da mesma forma. Em alguns momentos, portanto, nossos inimigos imediatos principais não serão os burgueses tradicionais e seus deputados, mas sim, por exemplo, os nazistas, uma burocracia militarizada e terrorista a serviço de destruir o movimento operário, pois serão estes que estarão expressando o projeto político da burguesia.

Neste caso, como pregou Trótsky para a Alemanha da década de 1930, podemos vir a compor (cada caso é um caso) Frentes Únicas operárias contra o nazismo, em unidade com a social democracia, que, em circunstâncias "normais" é nossa inimiga de morte, e, para sermos precisos, não o deixa de sê-lo nem mesmo quando somos levados a ter que compor uma Frente Única com ela. Neste caso, até mesmo com os burgueses reacionários tradicionais, que não tenham acordo com a saída nazista, podemos - e devemos - ter ações unitárias, que neste caso não se darão por meio de uma Frente Única, mas por Unidades de Ação. De qualquer modo, isto pode corresponder à melhor tática, ou não, para um determinado momento e correlação de forças. Ignorar que isso é tático e possível pode nos levar a um erro sectário.

Porém, tão grave quanto descartar estas táticas que podem ser necessárias, desde que a serviço de nossa estratégia e conservando todos os princípios, é criar um esquema e cristalizar este cenário, aplicando-o mecanicamente como uma fórmula pronta. Isso faz com que caiamos ou no oportunismo ou no ridículo.

O exemplo de cair no oportunismo é o stalinismo e, depois, a degeneração do trotsquismo, chamada de mandelismo. Para estas correntes, a Frente Única antifascista, por exemplo, ou anti-imperialista, passa a ser não mais uma tática e sim uma estratégia permanente, que é aplicada em qualquer lugar e momento, mesmo que os inimigos centrais, naquelas circunstâncias e analisando-se provisoriamente, não sejam nem o fascismo nem o imperialismo, ou que não haja aliados nenhum a somar aos esforços proletários. Aplicar de modo estratégico e imutável a eterna política de Frente antifascista ou anti-imperialista acaba por, também de forma permanente, estar aliado e nunca combater a social-democracia, ou as burguesias nacionais semicoloniais.

O outro exemplo, de cair no ridículo com uma fórmula pronta, é o exemplo dos anarquistas punks, que fazem do eixo de suas “ações” a denúncia dos nazistas, mesmo que eles nem existam ou que sejam menos de 10 pessoas naquele lugar.

Estes exemplos mostram que não há um mesmo inimigo imediato sempre. O que existe é a burguesia como inimiga histórica, mas, como discutimos, a burguesia e seu projeto assumem diferentes formas. Uma das mais ardilosas e nocivas é a da Frente Popular.

Por isso, em 1º lugar, o que é uma Frente Popular? A Frente Popular (FP) é uma frente de colaboração de classes, isto é, é formada pela tentativa de conciliar os interesses de setores da classe operária e da classe burguesa.

Como é a constituição das FPs? Em geral, são dirigidas por organizações operárias reformistas e contam com alguns setores burgueses também, expressando fisicamente a colaboração de classes. Trotsky fala que pode ser até a sombra da burguesia coligada, ou setores bem fracos dela (“marginais”, porque não são centrais). Mas Trotsky em

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“Aonde Vai a França” também afirma que pode nem haver burguês nenhum, pois o critério é que seja uma fusão de interesses operários (reformistas) e burgueses. Isso significa que pode haver uma Frente burguesa, como todas as FPs são, ainda que sem nenhum burguês fisicamente dentro dela.

Que conteúdo de classe tem uma FP? As Frentes Populares são SEMPRE BURGUESAS. Isto ocorre porque não há nada, no mundo inteiro, que não tenha um conteúdo de classe. Podemos falar em Estado Popular, governo democrático, partido de esquerda, etc., estes são todos termos imprecisos e não científicos, que outras correntes utilizam - e que também podemos usar, conforme o caso, para dialogar com a massa - mas que não substituem a necessidade de caracterizar o conteúdo de classe de todas estas superestruturas.

Seguindo o exemplo dado no parágrafo anterior, ou este Estado é burguês (por mais “popular” que seja), ou é operário (por mais burocrático e degenerado que seja). Assim, o nazismo parece outra coisa, mas é um Estado burguês, apenas como um regime extremado, o regime nazista. Um governo “popular” também pode parecer outra coisa, mas também é parte de um Estado burguês, pois é a propriedade burguesa e os interesses de classe da burguesia que ele defende. Por outro lado, por mais capacho que fosse o stalinismo, assim como assassino, ele era parte de um Estado operário, ainda que burocratizado.

Porque não existe Estado no meio termo entre as classes. Como tampouco existe um governo democrático-popular, bolivariano, do povo, etc., como classificação científica. Ou o governo é dentro de um Estado operário e é operário, ou é um governo burguês, dentro do Estado burguês, ainda que com suas mil nuances possíveis.

O mesmo com as Frentes. Elas podem ganhar o nome de Frente “Popular” ou Frente “de Esquerda”, ou Frente “Vermelha”. Esses são os “nomes fantasia”, como os que os remédios têm. Mas estas frentes ou são operárias, ou seja, classistas (mesmo que não revolucionárias) ou são burguesas. Portanto, como Trótsky cansou de dizer, as Frentes Populares, mesmo compostas e dirigidas por organizações operárias, são FRENTES BURGUESAS.

De onde surgem as FPs? As FPs não acontecem em qualquer momento da História. Em geral, a burguesia aposta em governos diretamente seus, sem maiores negociações com os dirigentes operários, mesmo que sejam reformistas. Contudo, em situações de crise social, a burguesia se vê ameaçada e percebe que a melhor maneira de preservar seus negócios e avançar em sua dominação é pôr, nos governos, setores com a confiança das massas. Confiança que um burguês tradicional não teria.

Quando a burguesia está fragilizada a ponto de ter que se apoiar em lideranças operárias, a FP se torna o principal agente da burguesia e nosso principal inimigo. Tróstsky trata deste tipo de frente como o “último recurso da burguesia, junto com o fascismo”, e geralmente é o reflexo de uma situação revolucionária. Neste momento que construímos uma nova organização revolucionária no Brasil, as FPs estão presentes de uma forma inédita, nunca tendo existido em tantos locais ao mesmo tempo e por tanto tempo, numa clara demonstração da gravidade e falta de saídas da crise capitalista.

Por que as FPs são consideradas frentes burguesas ou governos burgueses anormais? As FPs são burguesas e, portanto, de conteúdo são, sim, iguais aos outros governos burgueses. No entanto, sua diferença é na FORMA COMO É PERCEBIDA PELAS CLASSES. A classe operária acredita que o governo é seu, e suas organizações de classe costumam apoiar majoritariamente estes governos, sendo que, em muitas vezes, compõem o governo. Enquanto isso, a burguesia, por um lado, aposta no governo, que, afinal de contas, a defende; mas, por outro lado, não

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reconhece aquele governo como sua melhor opção duradoura, e trata de recuperar sua situação anterior, substituindo a FP por um governo diretamente dela quando possível.

É por conta desta diferença no grau de consciência, que os revolucionários têm táticas distintas de como combater uma FP em relação a um governo burguês “normal”. Porém, a estratégia é a mesma (derrubar o governo) e a política geral e estratégica também (jamais apoiar ou compor o governo, sendo oposição sempre). É na tática, como forma de dialogar com um grau de consciência e percepções proletárias distorcidas e distintas, que há diferenças de nossa política.

Qual nossa postura diante das FPs? Nós nunca apoiamos nem o governo de FP nem qualquer uma de suas medidas. Mesmo as medidas aparentemente "progressivas" destes governos, e seria esperado que elas existissem, dado que as FPs se elegem para conter as massas, são a outra face de uma política contrarrevolucionária.

Temos que entender que, se uma FP foi eleita, é porque existe uma crise do regime e uma divisão e instabilidade na classe dominante. Também deve haver um ascenso operário ( a não ser que seja uma FP “preventiva” como foi Lula no Brasil, para evitar o ascenso preventivamente). De qualquer modo, é mais ou menos óbvio que vai haver, ou pode haver, alguma “concessão”, ainda que muito mínima, aos trabalhadores. O que não muda substancial e estruturalmente nada na vida social e econômica do proletariado, como as “cotas”, reconhecimento de diversidades étnico-sociais, algumas poucas demarcações de terras indígenas e quilombolas, programas como “Bolsa Família”, “Brasil sem Miséria”, dentre outros programas assistencialistas. É a lógica de “dar os anéis para não perder os dedos”. Inclusive são recomendações do próprio Banco Mundial.

Contudo, quando o governo burguês cede alguma coisa, a classe não está ganhando efetivamente nada (pois arrancou o que está “ganhando”), e está sendo impedida de ganhar tudo! Por conta disso, nós não apoiamos sequer as medidas tidas como “progressivas”, pois elas não são apenas insuficientes, mas sim contrarrevolucionárias, porque vem para sabotar a revolução. Diante destes aparentes progressos, o que fazemos é exigir mais e mais, tanto no interesse imediato da classe trabalhadora, como para desmascarar os limites da FP, que inevitavelmente terminará por reprimir os anseios proletários e defender a ordem, a propriedade privada e as taxas de lucros burguesas.

Trótsky fala, em “A Revolução Desfigurada”, que um processo não pode ser observado somente em seu resultado (lógica superficial e formal), mas sim em seu processo e GENÉTICA (lógica dialética). Olhar a genética de um processo é saber de onde ele veio; que genes estão impressos naquele processo... Ele dá como exemplo o fim do Estado operário degenerado da URSS, que, pela força dos trabalhadores, deveria ser progressivo, mas, pelas mãos da burguesia, seria um desastre.

Assim, as bandeiras que o movimento levanta e que são assumidas pelo governo de FP, mesmo quando atendidas, não devem ser apoiadas, e devem ser substituídas por exigências ainda maiores, pois a FP pretende apenas derrotar e desmoralizar o movimento, cumprindo parte do que é reivindicado, para salvar todo o resto. Além de que, sem a derrota da FP e de todo o Estado burguês, qualquer "concessão" terá vida curta e será retirada na 1a oportunidade.

Por isso, nós nunca construímos ou defendemos a existência de uma FP. Nós, como revolucionários, temos o papel de jogar os trabalhadores contra as FPs, desmascarar seu papel traidor e organizar os trabalhadores para derrubá-

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las, como a qualquer outro governo, e destruir o Estado e as instituições burguesas que elas defendem. Mesmo sem ter chegado ao poder, enquanto ainda é uma coligação eleitoral ou um projeto político de FP, nosso papel é preparar sua derrota, tentando provar aos trabalhadores sua função reacionária e antioperária, pró-burguesa. Esta é nossa estratégia e nossa política deve estar subordinada a isso.

Porém, ao mesmo tempo em que nunca vamos defender nenhuma proposta de construir uma FP, e nem por um segundo podemos deixar de preparar e fazer política para destruí-las, muitas vezes, independentemente de nós, elas vão existir. E, a partir da existência de algo, os materialistas o observam antes de agir. Isto é o ABC da ciência marxista.

Neste caso de se formar uma FP, contra todos nossos esforços, nós temos diante de nós um objeto que queremos destruir. Esta é nossa estratégia. Porém, não saímos atacando a esmo, porque é preciso elaborar táticas para isso. Diante do Estado burguês, por exemplo, nossa resposta não é “morte ao Estado burguês”, “boicote ao Estado burguês”, ou “Estado burguês: jamais participar”. Nós, pelo contrário, sabemos que devemos destruir o Estado burguês, e nunca vamos defender sua formação, conservação ou atribuir virtudes a ele. Mas podemos, para melhorar destruí-lo (estratégia), utilizar alguma de suas instituições (tática), como reivindicar nossa legalidade, por exemplo. Isso acontece da mesma forma quanto ao parlamento: nós não acreditamos em eleições sob o capitalismo, mas achamos que é possível, para melhor dinamitar as próprias eleições e o regime inteiro, participar com nossos candidatos das eleições – denunciando o regime e o sistema.

É assim com o conjunto das superestruturas. E também é assim com uma Frente Popular, se esta é uma realidade, e entendemos que participar dela é a melhor ou única maneira de destruí-la. É evidente que a possibilidade disso, para os revolucionários, é remota, pois em geral há outras alternativas para adotarmos. Mas é importante termos claro que o princípio é nunca fomentar, defender ou mesmo compor uma FP como governo. Nunca e em nenhuma hipótese podemos romper com estes princípios, pois aí, do que se trata, é de administrar o capitalismo e a exploração contra os trabalhadores, por meio de seu aparato mais violento.

Mas, como exceção extrema, quando se trata de uma FP potencial, como candidatura, e não havendo outra hipótese, não se pode descartar completamente o entrismo nela, por exemplo, sendo uma ruptura de princípios aplicar esta tática em detrimento de saídas diretamente operárias possíveis ou não denunciá-la em todas as oportunidades, mas não sendo nenhuma impossibilidade entrar nela, sem melhor opção, como exceção absoluta, desde que para destrui-la, e tendo feito tudo para evitá-la antes de formada. Para explicar: isso, no máximo, para o caso de um candidatura de FP – potencial, portanto. Quanto a um governo, no entanto, sob nenhuma hipótese isto é possível.

Outro exemplo: nós somos obrigados a participar do Estado burguês, porque não há outro. Ou utilizamos elementos disponibilizados por dentro dele para acabar com ele, ou ficamos de mãos amarradas como os anarquistas fazem. Mas conspiramos o tempo todo contra este Estado e nunca o defendemos. Da mesma maneira com as eleições: nós podemos ou não participar delas. Mas, na grande maioria do tempo, é correto que participemos, pois há ilusões dos trabalhadores neste processo e é um caminho importante para combater estas ilusões a utilização deste espaço. Assim, denunciamos a própria eleição como uma farsa, apresentando um programa revolucionário e que demonstre a incapacidade de que seu conteúdo seja atendido por dentro do capitalismo.

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Por outro lado, em relação às FPs como coligação eleitoral, esta comparação é inadequada, pois, em geral, não há nada que nos obrigue a participar delas. Nós temos outras opções: lançar candidatos ou expressar nossa posição de outra maneira. É isso que faz com que seja inadmissível compor um governo ou ações de um governo de FP, mas é possível, ainda que praticamente impossível, compor uma coligação eleitoral de FP.

Ainda que praticamente descartada, esta possibilidade remota é circunstancial e baseada em uma análise prática, que exige que discutamos sempre todas as hipóteses. A vida prática, porém, têm nos colocado sempre a possibilidade, e necessidade, de opções classistas, e seria uma capitulação grosseira compor uma FP eleitoral. Não há necessariamente argumentos de princípio aqui, e, assim como podemos fazer em relação ao Estado ou ao parlamento, podemos integrar uma coligação eleitoral de tipo FP, excepcionalmente, desde que para melhor destruí-la, coligando ou fazendo entrismo. Aliás, podemos, através do entrismo, inclusive estar NO PRÓPRIO partido frente populista, como foi o caso do entrismo no PT por mais de uma década.

O que, então, é princípio para nós? O que para nós é princípio é combater as FPs como o câncer que são nas fileiras operárias; como a traição e submissão dos interesses dos trabalhadores a um programa burguês que é o que, na prática, toda FP representa. O princípio é nosso programa e não a tática, o que inclui nunca, sob nenhuma hipótese, compor ou apoiar um governo, seja qual for, nos marcos do capitalismo, bem como denunciar e trabalhar continuamente pela destruição das FPs, de qualquer tipo que sejam.

A traição de classes do PSTU em 2006 ao apoiar Heloísa Helena a presidente, por exemplo, foi que ele não foi obrigado a nada: não estava sem legenda, fazendo entrismo tático em algum partido ou qualquer outra hipótese que pudesse justificar estar na FP.

O PSTU optou, conscientemente, em aderir à FP. Pior que isso: ele mesmo ajudou a construir esta frente burguesa. Pior ainda, o PSTU mentiu aos trabalhadores e militantes que aquilo não era uma FP. Pior de novo: a FP que construiu nem era de massas, mas de um setor pequeno dela e da “vanguarda”, e cuja política do PSTU foi para esta “vanguarda”. Pior de tudo: não manteve sequer sua independência política e algum enfrentamento ao PSOL, simplesmente se rendendo e sendo um apêndice do programa burguês de Heloísa Helena.

Nas eleições municipais de 2012, após viver 6 anos de sucessivas e cada vez mais graves traições e quebras de princípio, o PSTU e o PSOL foram ainda mais explícitos: compuseram FPs abertamente junto com o PCdoB, partido burguês e governista. Foi assim nas eleições de Belém-PA, onde o candidato destes partidos reformistas ainda teve o apoio de Lula, Dilma e do PT no 2o turno, além de parte do DEM. Em Macapá, o PSOL também esteve junto com o DEM!

12. Acordos, unidades de ação e Frentes Únicas

Acordos são qualquer espécie de compromisso assumido pelo partido diante de qualquer assunto. Ele não precisa ter nenhuma pré-condição, não precisa envolver qualquer mobilização e pode ser feito inclusive com a burguesia. Por exemplo, quando assinamos um acordo salarial, após uma greve ou não, estamos assumindo um compromisso com a patronal em troca de um compromisso dela. Não houve qualquer luta comum nossa (se houve luta foi antes, contra o patrão) e da patronal, nem tem a ver com qualquer interesse comum; é apenas um acordo, em torno de um ponto e sem mobilização comum nenhuma, que atende a um interesse do trabalhador (ter o salário corrig ido, e direitos mantidos ou ampliados) e a um outro interesse do patrão (preservar sua mão de obra, que, mesmo com

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alguma correção salarial, siga lhe produzindo lucros fabulosos).

Outro exemplo, este histórico, foi o Tratado de paz de Brest-Litovski, assinado entre os alemães e os bolcheviques, para acabar com a participação da Rússia na 1ª guerra. Este tratado foi de um Estado operário com um Estado burguês, imperialista e agressor. No acordo, a Rússia teve que ceder território e teve perdas financeiras profundas, mas foi a única opção dos bolcheviques, para enfrentar a situação de caos e desgraça em que a Rússia se enfrentava após a tomada do poder em 1917. Quer dizer, podemos fazer acordos com qualquer um: seja burguês, nazista, etc., inclusive nos marcos de uma derrota, desde que isso seja em torno a um ponto e que corresponda ao interesse da classe trabalhadora naquele momento, tático, nunca estratégico.

Por sua vez, Unidade de Ação é, como diz o nome, quando há uma reivindicação comum, em torno da qual se realiza uma ação comum. A unidade de ação não envolve qualquer compromisso organizativo ou programático. Ela é pontual e pode ser feita, também, com qualquer um, desde que mantenhamos nossa total independência, e não implica em nenhum tipo de diplomacia quanto a nossas críticas, pois, qualquer que seja a organização que esteja em unidade da ação conosco, é exatamente nas lutas que mais devemos expor nossas diferenças e combater suas posições.

São exemplo de unidade de ação: a luta contra a venda da Vale do Rio Doce, o Fora Collor, a luta contra a máfia de um sindicato, a luta contra a Lei de Greve proposta por Lula, um protesto contra a presença do governo ou de tropas imperialistas em qualquer lugar do mundo, pelas Diretas Já, etc. Em nenhum destes casos, se a mobilização corresponde às necessidades e anseios da massa, e há base, nós deixaremos de estar nas mobilizações, mesmo se estão dirigidas pela burocracia ou inclusive pela burguesia.

As unidades de ação se dão em torno a um eixo, que é a única coisa comum a seus participantes. Nós não assumimos compromisso de nenhuma parte com quem quer que seja, e nos enfrentamos com todos os que circunstancialmente estivermos juntos. Em nenhum momento deixam de ser nossos inimigos estratégicos, e, mesmo e mais ainda por estarmos juntos, os denunciamos implacavelmente.

As Frentes Únicas são a outra forma de relacionar-se a outros setores e se dão somente entre organizações operárias. Jamais podem ocorrer com a burguesia (de nenhum tipo) ou com o governo ou setores dele (pois sempre são burgueses). Isto é assim não por algum dogma, mas porque, concretamente, é impossível haver, ao mesmo tempo, um programa operário e burguês. E uma Frente Única (FÚ) exige, necessariamente, um programa (ainda que mínimo) comum, o que só pode ocorrer numa perspectiva classista.

Outra característica da FÚ é que ela estabelece uma relação orgânica. Quer dizer, ela tem um certo funcionamento, que pode ser através de reuniões regulares, avançar para um nome comum ou até para sedes comuns, etc. A FÚ contra a ALCA, a criação da CUT na década de 80, a CSP-Conlutas hoje, a FNOB em bancários, a FNTC em Correios, um Comitê contra o aumento da passagem, o comitê de luta e apoio ativo às revoluções árabes; tudo são FÚs operárias. Aliás FÚ operária é uma redundância, pois, para nós, só pode existir FÚ entre organizações operárias. Podemos até ter uma FÚ dentro de outra FÚ, como é o caso do Bloco Classista, Anticapitalista e de Base, que construímos dentro da CSP-Conlutas, com o Espaço Socialista, em oposição à direção majoritária da central.

Mesmo com os “pré-requisitos” para uma FÚ atingidos, não necessariamente nós vamos querer compor uma FÚ. Trotsky fala, em “Aonde vai a França” e Moreno em “A Traição da OCI”, que a FÚ é uma tática, e portanto, pode

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nos convir ou não adotá-la. Em geral, a FÚ é uma tática defensiva e devemos recorrer a ela somente em casos de ataques profundos à classe trabalhadora. Secundariamente, também há aspectos numéricos a serem levados em consideração. Por exemplo, se nós somos grande maioria, provavelmente não tenhamos nenhuma necessidade de propor qualquer FÚ, com a unidade sendo proposta por meio de outras táticas. Da mesma forma, se somos muito menores, não nos serve a FÚ pois “desapareceríamos”.

Portanto, ao contrário do que fazem os etapistas (stalinistas, mandelistas e outros), nós não apostamos nas FÚs como tática privilegiada. As usamos conforme a necessidade, taticamente. Denunciamos este desvio oportunista que transforma esta tática eventual em estratégia permanente, numa lógica de sempre estar ligado a outro grupo, seja por que reivindicação for. E, quando compomos ou chamamos uma FÚ, valem as mesmas regras que para a Unidade de Ação, ou seja, ainda mais críticas e enfrentamento permanente aos aliados táticos.

Há, por fim, a Frente Única Revolucionária (FUR), que além de ter que ser entre organizações operárias, se impõe que seja entre organizações revolucionárias. Ao contrário da FÚ, portanto, a FUR não pode ser feita com a burocracia, os reformistas, os anarquistas ou qualquer outro tipo de organização, que sejam operários e com os quais poderíamos ir até uma Frente Única.

A FUR pode ter, em termos gerais, dois caminhos e objetivos: a) ser uma frente provisória entre revolucionários, de transição para a fusão das organizações e construção de uma organização revolucionária unificada; b) uma frente mais ou menos duradoura, em que não há o objetivo de fundir e diluir as organizações que a compõe (ou em que até há este objetivo, mas não se verificam condições práticas ou políticas para isto no momento), mas que existe para dar mais força à atuação comum destas organizações independentes.

Estes dois casos ocorrem atualmente em exatidão. No 1o caso, está a FUR composta por MR, ARS, PRS e CERLUS por um novo partido, tendo uma duração provisória de poucos meses e a serviço de preparar embrionariamente a dissolução das 4 organizações e a construção de uma nova, única e superior. No 2o caso, é a relação que mantemos com a CS argentina, com quem temos acordos em praticamente tudo, compartilhamos o mesmo programa e visão histórica, estrutural, programática e estratégica, mas com quem optamos por permanecer mais um período sob uma FUR em que as duas organizações preservam sua total independência organizativa.

13. Política para a massa

O programa revolucionário sempre é feito levando-se em conta a política para a massa. Isso porque são as massas que farão a revolução, e é em torno de como melhor mobilizá-las que se decidirá a sorte do capitalismo. Ademais, além das classes e das organizações, não há nada de duradouro na sociedade. O capitalismo, como os outros modos de produção, é um produto da articulação de uma determinada estrutura (classes sociais), superestrutura (ideia e partidos, por exemplo) e infraestrutura (meios de produção e troca). Neste “esquema”, a vanguarda não existe em lugar nenhum.

Ela não é, obviamente, infraestrutura. Tampouco é estrutura, pois não é uma nova classe, já que não corresponde a uma nova função na produção e consequente novas formas de relação social. Mas muito menos é superestrutura, porque a vanguarda não é uma organização, ou qualquer forma de “consciência organizada”.

Portanto, a vanguarda é um fenômeno. Ela surge da estrutura de classes (do operariado, da pequena burguesia,

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etc.) e de suas lutas. E, como setor mais destacado de uma classe, ou de mais de uma classe, ela pode ser ganha para alguma superestrutura (organização) que já exista, ou indivíduos dela podem criar uma nova organização. Assim, ela toda, ou parte dela, pode passar da estrutura (classe de onde veio) à superestrutura. No entanto, esta vanguarda não é vanguarda sempre. Ela está vanguarda, à medida que esteja à frente de uma luta, sendo dinâmica e variável, por consequência.

Concordando-se com isso, como é possível fazer política para a vanguarda? Na realidade, isto seria uma enorme capitulação, além de irracional, já que o que hoje é vanguarda amanhã já não é mais, e sequer há um programa comum entre cada vanguarda que surge. Por isso, nós fazemos política para a massa.

Outra coisa é que, diante da constatação da existência de uma vanguarda, nós devemos dar uma atenção especial para ela. Devemos fazer atividades específicas para estes ativistas, como palestras e cursos de captação. Na medida do possível, devemos ter materiais dirigidos especificamente para eles, onde aprofundemos alguns temas e possamos nos dedicar à propaganda que, em geral, é o recurso por excelência para a vanguarda, ou aqueles que se destacam do restante da massa. A vanguarda é absolutamente essencial para nós, e precisamos disputá-la com iniciativas próprias a ela, inclusive.

No entanto, quando se diz que a política é para a massa, é porque, realmente, é para a massa! Quer dizer, nestas palestras, nos materiais de propaganda e nas iniciativas que tivermos para a vanguarda, a política para a qual tentaremos ganhá-la é a política que temos para toda a massa, apenas melhor explicada, com pormenores e ações próprias para quem num dado momento construir a vanguarda. A mesma política que defendemos para todos os trabalhadores sobre a Líbia, por exemplo, vamos explicar detalhadamente, com as conclusões estratégicas e conceitos teóricos, apenas ao nível da vanguarda. Mas a política ainda será a mesma que para os demais trabalhadores, e vai ter sido elaborada a partir da necessidade e consciência destes trabalhadores.

Esta é uma diferença que temos com os grupos oportunistas sindicais e com os guerrilheiristas, por exemplo. Ambos, cada um por um viés, têm uma OUTRA POLÍTICA para a vanguarda, diferente do que defendem junto à massa. Ou então é pior: têm uma política só, baseada nas necessidades ou desejos da vanguarda e que, depois, tentam ganhar a massa para esta política da vanguarda. Qualquer um destes métodos destrói com o conceito de luta de classes e introduz elementos de revisionismo e pulverização de classes estranhos ao marxismo. Acaba se comprometendo com políticas burocráticas, da aristocracia operária, “vanguardistas”, foquistas (teoria do foco, de Che Guevara) e putchistas (de "putch" ou golpe, tese de Blanqui, revolucionário ultimatista francês).

14. A arte das palavras de ordem

A elaboração das palavras de ordem exige precisão milimétrica para colocar um programa geral de acordo com uma situação específica. Este trabalho não existe para os sectários nem para os oportunistas. Os sectários simplesmente pegam o programa e repetem suas frases que mais se assemelham àquela situação. Os oportunistas não pegam programa nenhum e só dizem o que vai “cair bem” na massa. Os revolucionários têm o dever de, com base no programa, “traduzir” seu conteúdo da maneira mais correta, direta e simples para o trabalhador.

Fazer isto exige muita teoria (para que a “tradução” não ganhe outro significado) e muita “sensibilidade” política também. Muitas palavras de ordem só adquiriram sua forma definitiva e “mais correta” para um momento, depois de terem sido testadas na realidade e corrigidas, sobre tentativas primitivas. Além da elaboração militante, a

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reação das massas é essencial para adequarmos nossas palavras de ordem. Não para que as massas concordem com elas, o que nem sempre será possível, mas para que elas possam ser entendidas ao menos.

Nossas palavras de ordem devem estar de acordo com nosso programa, antes de tudo. Nunca podemos chamar palavras de ordem que estejam contra nosso programa. Mas, eventualmente, vamos assumir bandeiras que não são operárias, mas cumprem um papel importante para a classe trabalhadora, como por exemplo: terra para todos (nosso programa defende a coletivização das terras); abrigos para os mendigos não morrerem de frio (nós lutamos para não haver mais mendigos); etc.

Os bolcheviques, por exemplo, para ganhar os socialistas revolucionários de esquerda para a revolução, adotaram o programa dos SR para a terra, em 1917. Isso porque este programa não era o “ideal”, mas era progressivo naquela situação.

Além de serem condizentes com nosso programa, as palavras de ordem devem partir da necessidade material (como o próprio programa) e adaptá-lo, sem rebaixá-lo, ao nível de compreensão das massas. Por fim, o objetivo das palavras de ordem é sempre avançar na educação e mobilização das massas.

Assim, nem todas as palavras de ordem têm que levar à mobilização imediata. Mas também é inadmissível que atuemos, na circunstância que for, e não tenhamos ao menos uma palavra de ordem para a ação, em todos os momentos. As palavras de ordem são a forma mais perfeita de agitação sobre as massas. Agitação que consiste em “poucas palavras a muitas pessoas”, exatamente a forma das palavras de ordem. Por um lado, então, existe uma diferença entre palavras de ordem para ação e para educar a massa; mas, por outro, se a finalidade é diferente, o método para as elaborarmos é o mesmo.

Podemos dizer que há palavras de ordem de propaganda. Mesmo que não seja a propaganda típica, de “muitas palavras para poucas pessoas”, a palavra de ordem cumpre um papel de educação estratégica também, e sempre devemos conter este tipo de palavras em nossa intervenção, até para ligar o mínimo ao máximo. Em geral é de propaganda aquela palavra de ordem que não é compreendida automaticamente, precisando ser explicada ao trabalhador.

Há também as palavras de ordem de agitação, mas que não estão colocadas para a ação. São bandeiras que se explicam sozinhas e que são facilmente entendidas pela massa. Esta pode concordar ou não com a palavra de ordem, e, mesmo que concorde, pode não estar disposta a se mobilizar por ela, mas é uma bandeira que a massa entende, que está em seu grau de consciência.

Por último, existem as palavras de ordem de agitação para ação. Estas são aquelas que são entendidas diretamente, correspondem ao grau de consciência e, mais que isso, despertam ou se combinam com a mobilização dos trabalhadores.

Ao contrário dos reformistas, que acreditam que as melhores palavras de ordem são as que mais mobilizam; e dos sectários, que acham que as melhores são as mais “de esquerda”, as mais “radicais”; nós, revolucionários, achamos que as melhores palavras de ordem são aquelas que, seja para propaganda, agitação ou agitação para ação, partem da necessidade dos trabalhadores e dialogam com seu grau de consciência, fazendo, da melhor forma possível, que a consciência do trabalhador avance e que se construam melhores condições para as mobilizações, em direção à revolução.

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15. Contra o revisionismo e o doutrinarismo

Em nossa preocupação constante em não nos desviarmos do método científico marxista, é evidente que não devemos andar em linha reta. O marxismo não é uma “bíblia” que tenha explicações exatas e imutáveis. Ele é um método, uma ciência para que tiremos a melhor política caso a caso. Assim, mesmo que só “acertássemos”, nossa política ia oscilar um pouco, entre momentos de maior ofensiva e outros de recuo. Nesta tentativa de acertar, porém, frequentemente erramos. Esses erros têm diferentes formas, mas, em geral, podem ser agrupadas em 2 tipos: os erros oportunistas e os erros sectários.

O 1º, a grosso modo, é aquele em que “esquecemos” parte de nosso programa, rebaixamos a denúncia adequada para aquele momento, não combatemos como, naquele momento, deveríamos fazer ao centrismo, ao reformismo, além dos demais inimigos de classe e da classe. O 2º erro, também a grosso modo, é quando não dialogamos com a consciência da massa ao fazer uma denúncia ou outra política para aquele momento, por exemplo uma política reformista que ainda conte com a ilusão das massas. Igualmente sectário é nos recusarmos a participar de alguma tribuna de onde poderíamos expressar nosso programa, e que, naquele momento, fosse adequada.

Em todos os casos, falamos de um momento específico, pois não há algo que, em si, seja oportunista ou sectário. Exatamente porque nosso programa é revolucionário e socialista, mas também de transição e as palavras de ordem devem corresponder a cada grau de mobilização e de consciência específico.

Contudo, uma coisa são os erros oportunistas ou sectários que podemos ter. Outra coisa bem diferente é a concepção oportunista ou sectária, que, à medida que é uma convicção, vai levar a que se erre sempre! Quando estes erros passam a ser encarados como acertos, inevitavelmente, cai-se no revisionismo, que significa revisar e colocar no lixo a teoria revolucionária ou parte dela. Aí, não são mais erros, e sim graves desvios.

O revisionista não deixa de ser marxista, porque questiona alguma afirmação factual (algo que ocorreu) feita por Marx, nem alguma previsão dele (que eram feitas cientificamente, mas que podiam não ser confirmadas ou não ocorrer, ou terem sido comprometidas por um fato, evento ou fenômeno novo que tenha surgido ). O revisionista, ao contrário, é aquele que, para explicar seus desvios e conservá-los, adultera e renega a teoria no que ela tem de base, em seus fundamentos científicos. Deforma inclusive o método, corrompendo política, teórica e metodologicamente o marxismo. Este, por definição, científico, materialista, histórico e dialético, nunca tratado com dogmatismo, mecanicismo, misticismo, etc. O marxismo, se orienta pela práxis revolucionante, a realidade concreta, onde a teoria, as categorias e as leis do materialismo histórico são indissociáveis da vida real, e nisso, ao evoluir e desenvolver, pode e deve servir de referência científica, teórica e política para o proletariado.

Nós nos reivindicamos ortodoxos na defesa dos trabalhadores e de seu programa revolucionário. E, para sermos sérios nesta defesa, precisamos fazer isto baseados na única teoria científica que explica e dá condições de alterar a vida dos trabalhadores: o marxismo. Exatamente por sermos ortodoxos no método de análise, é que podemos ser flexíveis na elaboração da política, ao traduzir o programa em palavras de ordem. Esta, inclusive, é a base do marxismo: a dialética. Onde o mais importante, antes de tudo é encontrar estas relações, as transições, as ligações internas e necessárias ao entendimento direto das massas, de todos os elementos teóricos, políticos, que as compõem, de todas as partes do pensamento, das ações que se desdobram na realidade em movimento, desenvolvimento permanente.

16. A luta contra o oportunismo

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Dentro dos que se imaginam marxistas ortodoxos, e que não pretendem revisar o marxismo, ainda assim há muitos antimarxistas: os de direita (oportunistas) e os de esquerda (sectários). Os oportunistas costumam ter como sintoma a permanente busca da unidade a qualquer custo, mesmo que isso signifique comprometer nosso programa ou que fortaleça apenas os reformistas. Para o reformista, a unidade em si já é boa, e portanto é uma estratégia permanente.

Sua explicação é sempre que “a contradição é deles”. Para os oportunistas, também é necessário sempre adaptar nosso programa (e não apenas as palavras de ordem) ao que pensam os trabalhadores. Para eles, devemos dizer o que as massas querem ouvir, ou, numa versão ainda mais radical do oportunismo, dizer o que a vanguarda quer ouvir. A explicação para se submeter ao atraso da massa que deveríamos educar é que “devemos estar com as massas” ou “estar com a vanguarda”, segundo o oportunista exaltado.

O oportunismo leva em conta prioritariamente o ânimo e desejo da massa, menosprezando o essencial, que são as condições materiais, históricas e imediatas, e o que elas têm de mais importante: as necessidades. Isso o leva a capitular aos atrasos e se diluir, tanto com a “média” do que pensam os trabalhadores como com as outras correntes, que ele considera aliadas. No final, ao invés de ganhar alguém, acaba sendo ganho para aplicar a linha da massa, da vanguarda, dos reformistas ou de qualquer um com quem esteja unido. Esta sim é a sua contradição!

17. A luta contra o sectarismo

Os sectários caracterizam-se pelo oposto dos oportunistas. Tiram (corretamente) sua política das necessidades dos trabalhadores. Porém, cometem 2 erros gravíssimos, que os retiram do campo revolucionário.

Um destes erros é que confundem as necessidades históricas com a imediata. Ao contrário dos revolucionários, que compreendem ambas e as levam em consideração, o sectário muitas vezes só compreende a necessidade histórica do trabalhador, só raciocinando de acordo com a estratégia e se recusando a ter qualquer tática intermediária. O outro erro é que não apenas secundarizam (o que seria certo), como ignoram o grau de consciência dos trabalhadores. Então, independentemente do ânimo das massas, eles dizem a verdade do mesmo modo. Se há ilusões em tal partido, ou se ele está desmoralizado; se há confiança em uma direção ou se ela é rechaçada; para o sectário só importa o conteúdo: se é pelego, se denuncia, sempre no mesmo tom, não importa a situação, o local nem a correlação de forças!

Tomemos como exemplo uma greve em que a luta por salários já tenha sido vitoriosa, e na qual não haja mais nenhuma condição de continuá-la; ou mesmo uma greve que tenha sido derrotada, mas que não tenha sobrado alternativa senão recuar, o mais organizadamente possível. Para o sectário, ao levar em conta a necessidade histórica dos trabalhadores, ele vai propor que a greve continue, independente de seu esgotamento, até a tomada do poder, quem sabe. Isso desconsidera o grau de organização dos trabalhadores e seu grau de consciência.

O sectário tem por gosto “agitar verdades” que o deixam muito orgulhoso, mas que não servem para nada. Lênin nos ensina que é preciso agitar as massas a partir de suas necessidades e de educá-las pacientemente para a revolução. O sectário, muitas vezes um pequeno burguês, não tem esta paciência. Para dar sentido a sua vida sem grandeza, estes indivíduos de uma classe sem projeto artificializam e exageram qualquer processo, para que adquira o que eles querem que ocorra, o que é o justo, o que é a necessidade dos trabalhadores.

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Porém, no exemplo da greve, o que não percebem é que também existe uma necessidade material imediata, que é o aumento de salários conquistado, ou a manutenção do emprego no 2º caso, e que são necessidades vitais do trabalhador naquele momento. Uma política aventureira, além de não levar em conta a consciência, não leva em conta nem a matéria, pois ignora a realidade e despreza a conquista econômica, por exemplo.

Assim, oportunismo e sectarismo são faces opostas, mas da mesma moeda, como disse Trotsky. Os revolucionários, como de resto toda esquerda, são vítimas em muito maior número de vezes do oportunismo. Isso acontece porque as pressões que sofremos são da massa, dos demais partidos, da acomodação social, da família, etc.; e tudo, em geral, é pela direita, pró-oportunismo. As pressões esquerdistas poucas vezes vêm destas fontes. Em geral são reações extremadas e antimarxistas aos males do capitalismo.

Assim, ambas são igualmente nocivas, mas, em função de sua recorrência, é evidente que nosso maior perigo, no capitalismo, quase sempre é o oportunismo. É o caso da situação atual, em que quase 100% das organizações ex-revolucionárias ou ao menos combativas ou simpatizantes da revolução passaram à contrarrevolução e ao oportunismo, num grande vendaval oportunista.

18. Por um programa feminista revolucionário

Dentro do capitalismo, a burguesia trata de dividir os trabalhadores e utiliza-se de diferenças alheias à produção para dividir, contrapor e melhorar explorar os trabalhadores. É assim no caso das nacionalidades, das etnias, das orientações sexuais e dos gêneros.

Em relação às mulheres, por exemplo, todas elas, independentemente da classe, são vítimas de preconceito, o machismo. No entanto, esta falsa consciência que é introduzida inclusive entre os trabalhadores, expressa uma ideologia cujo objetivo é econômico. Sua razão de ser é poder explorar de maneira ainda mais intensa a mão de obra feminina que acaba remunerada com os menores salários e direitos. Esta é a distinção: todas as mulheres são oprimidas para que as trabalhadoras sejam superexploradas.

A luta das mulheres, desde o Manifesto Comunista, tem sido sempre descrita como inseparável da luta pelo socialismo. Só é possível emancipar totalmente a mulher e libertá-la da opressão enquanto gênero que todas sofrem, quando acabar com a exploração que, enquanto classe, sofrem apenas as mulheres da massa trabalhadora.

De qualquer modo, dentro do capitalismo, é essencial lutar pelas reformas e, mais ainda em se tratando de quem trabalha a mesma quantidade de horas e recebe cerca de 70% por igual serviço feito por homens. É importantíssimo, na luta contra o capitalismo, preservar direitos como a aposentadoria com 5 anos a menos, a licença maternidade, etc. Mas, além de não perder, é preciso conquistar, e defendemos a ampliação da licença maternidade para 6 meses de forma automática e obrigatória, às custas das empresas, além da garantia de estabilidade no emprego à mulher grávida e à que retorna depois da licença.

É também necessário denunciar e lutar contra a violência doméstica, sexual e policial que sofrem as mulheres, bem como contra o assédio sexual e qualquer forma de constrangimento, humilhação ou desmoralização das mulheres.

Defendemos:

- a prisão inafiançável para os agressores de mulheres;

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- a construção de abrigos e casas de acolhimento que permitam à mulher romper com a violência e infelicidade domésticas;

- cotas para as mulheres na política, nos sindicatos e áreas em que haja barreiras a seu ingresso, com secretarias da mulher em todas as esferas;

- ampliação da licença maternidade para 6 meses, período mínimo de amamentação, automática, obrigatória e com estabilidade no emprego, antes e depois;

- creches públicas e gratuitas nos locais de trabalho e estudo;

- salário-família correspondente às necessidades integrais de uma criança;

- direito pleno ao aborto, com a legalização imediata, e garantia de gratuidade, qualidade e prestação do serviço de forma pública e sem burocracia;

- informação e acesso a todo tipo de método contraceptivo, gratuitamente e sem constrangimento;

- proibição de propagandas que mercantilizem a imagem da mulher.

19. Etnia e classe

Cientificamente, tanto em ciências naturais, como sociais, o conceito de “raça” está superado. Portanto, como marxistas, históricos e dialéticos, mesmo que socialmente ainda esteja em grande parte disseminada a ideologia das “raças”, não vamos assim tratar, sabendo, desde já que o conceito de etnia negra, indígena, asiática, etc., serão os usuais entre nós. Entretanto, a categoria “racismo”, obviamente derivada de “raça”, contém todo um conteúdo histórico, social e político que deve ser resgatada, compreendida e radicalmente tratado por nossa organização na linha de combate sem trégua, quando esta passa de “categoria” para evidente e repugnante ataque e opressão sofrida pelas populações negras, e/ou de qualquer outra etnia.

Particularmente aqui tratamos mais da parcela da população negra que sofre opressão e exploração. Da mesma maneira que com as mulheres, os negros e negras sofrem uma opressão enquanto população marginalizada e uma exploração brutal como parte da classe trabalhadora. Assim como, outras etnias ao redor do mundo também são submetidas à destruição. Entretanto, dada a dominância da população brasileira ser de afrodescendentes, aqui trataremos com maior frequência de suas particularidades.

Em termos sociais e econômicos, por exemplo, o salário de um homem negro é ainda menor que o de uma mulher branca, para mesmo serviço. E a mulher negra recebe menor salário que o homem negro, aí se associado o racismo e o machismo. Isso demonstra que o capitalismo é ainda mais agressivo diante da exploração dos afrodescendentes e das mulheres, no que se refere à remuneração e a condições de vida cotidiana e social geral.

A violência policial é recorrente, a população negra é a dominante, esmagadoramente, nos presídios, casas de custódias, favelas, etc. Há discriminação social velada ou aberta que se mostra de forma cruel, como a discriminação na hora de conseguir emprego, e/ou em caso de algum tipo de possível crime, etc., quase sempre recaindo a suspeita em pessoas de cútis escura, raras vezes se suspeita de alguém de “boa aparência”, “branca”.

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Nós defendemos a luta dos negros e negras, como parte fundamental da luta pelo socialismo e para destruir o capitalismo que, conforme Malcom X, não existe sem o racismo. Como bandeira de transição ao socialismo e de denúncia dos limites do capitalismo, defendemos as cotas para negros nas universidades e todo o serviço público, como parte da luta por reparações e como meio de somar forças na luta contra o sistema capitalista e racista como um todo. Da mesma maneira, é preciso garantir vagas aos negros nas empresas privadas, proporcional à presença de negros na comunidade.

Também defendemos:

- o ensino de conteúdos relacionados à África nas escolas;

- reconhecimento do dia 20 de Novembro (morte de Zumbi dos Palmares, líder do quilombo de Palmares) como data oficial e feriado;

- confisco dos bens dos racistas. Que o racismo seja crime inafiançável e realmente leve à prisão;

- reintegração imediata das áreas remascentes de quilombo a seus descendentes; titulação a todos os quilombos já, com isenção de impostos, recursos para a produção rural, moradia e infraestrutura.

Todo o nosso programa está a serviço da defesa incondicional das demais etnias, indígenas, asiáticas, etc., e particularmente dos povos de fortes traços indígenas e caboclos, presentes na América Latina, como os que predominam na região amazônica, que também sofrem grandes discriminações sociais, econômicas e culturais. E sofrem violência material e simbólica, descasos em termos de políticas públicas, e todos os dias são humilhados e agredidos pela truculência de governos, milícias criminosas, militares e paramilitares.

20. Combate à homofobia

Lutamos em defesa de todos os homossexuais, bissexuais, travestis e transexuais, tanto contra a opressão que todos sofrem, como, mais ainda contra a exploração de classe que sofrem os trabalhadores LGBTTs.

No capitalismo, ser gay significa, em muitos casos, ser demitido sumariamente. Quando isso não acontece, o salário é pior que o dos heteros e a discriminação é constante. Nós defendemos que todos os direitos que os heterossexuais possuem sejam estendidos aos LGBTTs.

Isso se refere tanto às bandeiras democráticas, tidas como comportamentais e que não parecem afetar o capitalismo diretamente, como a defesa do direito ao casamento entre homossexuais, a possibilidade de adoção de filhos, além da inclusão em heranças, planos de saúde, cadastros em bancos, lojas, etc.; quanto às bandeiras diretamente econômicas, como a demissão imotivada e o rebaixamento de salários, que devem ser abolidos, através da luta de todos os trabalhadores, heterossexuais e LGBTTs.

Os revolucionários devem ser a linha de frente para exigir a abolição de qualquer tipo de diferenciação e opressão aos homossexuais.

Esta luta deve se dar em unidade de ação com todos os setores oprimidos (como em qualquer caso), desde que sob eixos progressivos e preservando nossa independência política e classismo. Isso significa lutar contra e denunciar permanentemente os setores burgueses e oportunistas, que tentam fazer da luta LGBTT um negócio ou um

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carnaval.

A burguesia, seja ela “alternativa” (dona de casas de show, boates...) ou “tradicional” (empresas de cosmético, gravadoras, lojas de roupas), tenta domesticar o movimento, assim como ocorreu com o movimento negro, ao canalizar a luta LGBTT para aspectos relacionados apenas ao "direito ao consumo", produtos específicos e questões de autoestima, com propósitos meramente comerciais.

Isso fica bem claro durante as paradas do orgulho gay, em que são as empresas que patrocinam a “festa” e, dessa forma, despolitizam o conteúdo das manifestações.

O movimento LGBTT está dirigido, em sua maioria, por grupos pró-burgueses, governistas ou por ONGs que faturam em cima do movimento. É preciso que reafirmemos que a luta LGBTT só será vitoriosa se assumir um caráter classista e revolucionário.

Defendemos:

- prisão para os homofóbicos;

- expropriação das empresas que demitem por homofobia;

- autodefesa conjunta com organismos da classe e revide contra as agressões feitas por skinheads e grupos religiosos;

- fechamento de qualquer estabelecimento que impeça ou constranja a presença de casais homossexuais;

- contra qualquer pergunta ou tratamento diferenciado a homossexuais no momento de doar sangue;

- denúncia implacável do Exército e da Igreja, como bastiões reacionários e fascistóides, que impedem homossexuais e limitam as mulheres.

21. A violência revolucionária

Em nenhuma mudança estrutural da sociedade deixou de haver violência da classe dominante contra a classe que a ameaçava. Mesmo na unidade “pacífica” que houve, em certos locais, entra a burguesia ascendente e a aristocracia decadente, como na transformação do capitalismo alemão, isso só se produziu após inúmeros banhos de sangue entre estas classes.

Hoje em dia, a luta de classes assumiu o patamar mais agudo que já existiu na História, tanto por não haver mais nenhuma outra classe fundamental na sociedade, como por o capitalismo ser mundial como nenhum outro modo de produção já foi, e por que, pela primeira vez, a classe que pode tomar o poder é a classe produtora, podendo pôr fim à exploração.

Assim, no capitalismo, até para garantir salário é preciso enfrentar a violência burguesa das polícias civil e militar, além das Forças Armadas, polícias secretas, paramilitares, seguranças privados, etc. A criminalização dos movimentos sociais avança, junto da necessidade de conter a agitação crescente das massas. Imagine-se o que não espera o trabalhador diante de uma revolução.

Só para citarmos exemplos recentes, a derrubada de De la Rua (Argentina-2001) ocorreu depois das mortes de mais

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de 30 ativistas. Na Bolívia, antes da queda de Goni (Gonzalo Sanchéz de Lozada-2003), morreram mais de 80. No Brasil, são centenas de lutadores assassinados todos os anos, no campo e na cidade.

Na primavera árabe, iniciada em 2011, a escalada de violência e repressão andou paralelamente à luta política crescente. Na Tunísia, num processo inicial e mais controlado, houve poucas mortes; no Egito, já foram centenas de mortos antes da derrubada de Mubarak; na Líbia, o exército utilizou tanques, aviões e bombas contra os revolucionários, matando milhares. E, ainda sem ter sido resolvida até a elaboração deste programa de fundação da organização revolucionária proveniente do Congresso da FUR, na Revolução Síria, o governo/exército já matou mais de 70 mil pessoas, entre combatentes e, na sua maioria, civis desarmados, mulheres e crianças.

Por isso, é parte indispensável de nosso programa preparar a autodefesa em qualquer circunstância. Em uma passeata, é preciso um plano de segurança diante das ameaças da polícia, de “bate-paus” do governo e dos traidores dos movimentos sindical, estudantil e popular; numa greve ou ocupação de moradia, é preciso ainda mais: se preparar para enfrentar o batalhão de choque ou o exército, ou, em caso de recuo, recuar ordenadamente. Em alguns destes enfrentamentos, ou em um caso maior, será preciso armar parte dos que estão lutando, seja para se defender, seja para impedir de ser atacados, seja para atacar quando necessário.

As recentes revoluções no Oriente Médio e no Norte da África comprovam a necessidade de organizar a luta armada dos trabalhadores como extensão da luta política contra o capitalismo, seus governo e Estado. Tal como o Programa de Transição já descrevia, as massas insurretas, mesmo sem nenhum contato com a teoria marxista, espontaneamente construíram destacamentos de autodefesa, depois milícias operárias e, por fim, até mesmo um exército popular, sempre à medida que a necessidade foi exigindo. Não havendo uma direção revolucionária, entretanto, o custo desta aprendizagem a partir do zero foi altíssimo, com dezenas de milhares de mortos, e derrotas onde poderia ter havido vitórias.

O partido deve atuar para evitar ou atenuar este aprendizado forçado e custoso, educando as massas, assim como nos demais aspectos políticos, a se defender e lutar, seguindo as experiências históricas e o que a teoria revolucionária já pôde acumular. Para além do espontaneísmo, cujos limites são tão visíveis na política como na luta militar, o partido deve ser o guia e a direção no aspecto da legítima defesa proletária, sempre procurando exercer a defesa da massa e de suas ações e organismos em conjunto com a própria massa (autodefesa), pois o contrário seria aventureirismo e vanguardismo.

No entanto, se a reação de defesa da massa deve contar com a participação do partido, mas depende fundamentalmente da própria massa, diante da agressão a qualquer companheiro do partido, por razões políticas, é o partido quem é agredido, e todo o partido deve reagir. Isso é um princípio e independe das massas. A forma em que isso se dará variará de acordo com a correlação de forças e avaliação do caso em específico.

Quanto à instrução e treinamento militar à população, nós entendemos que é um direito de cada trabalhador e jovem da classe trabalhadora ter acesso a esses conhecimentos. Nós somos contra a elitização das Forças Armadas e sua transformação de exército de massa em exército de elite, constituído por filhos da pequena burguesia e burguesia. Nós defendemos a massificação do treinamento militar e instruções de teoria militar a toda população trabalhadora, inclusive às mulheres.

Assim como a educação regular é obrigatória a toda criança a partir dos 7 anos, também somos a favor do Serviço

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Militar obrigatório, pelo menos por 1 ano. A desobrigação deste serviço não ajuda aos trabalhadores, mas sim à burguesia, que não tem interesse em instruir filhos de operários. Somos contra o Estatuto do Desarmamento e contra qualquer restrição à compra e porte de arma pelos trabalhadores. Somos pelo direito democrático à compra de armas pelos trabalhadores.

Somos contra o monopólio da violência na mão do Estado e dos traficantes. Defendemos o direito à autodefesa dos trabalhadores, em seus bairros, locais de trabalho e casas, de maneira armada se assim for desejado.

22. A religião e a ideologia burguesa

A religião, como qualquer outra crença, deve ser uma opção particular e que diz respeito à individualidade de cada um. Marx, ao descrever seu papel sobre os trabalhadores, explicava que era usada para “anestesiar” as dores da vida dos trabalhadores. A burguesia e as classes dominantes anteriores sempre se utilizaram do lado místico, fantasmagórico e idealista, para convencer os trabalhadores a aceitar sua miséria material e real. Então, para toda pobreza, haveria a recompensa de um “reino dos céus”. Para toda humilhação e ataque ao nível de vida, haveria depois um “juízo final”. E tudo, no final, seria “obra de Deus”.

Ao tentar iludir os trabalhadores com esta propaganda ideológica, as Igrejas querem apenas preservar o sistema como está e manter seus privilégios. Assim, se aproveitam da desinformação e ignorância da maioria da população para lucrar e alienar os trabalhadores. Da mesma forma que o álcool e as drogas, a religião vira um consolo artificial para uma vida ruim, de dor e desespero que vive o povo pobre, levando os indivíduos a apelar ao sobrenatural para esquecer a vida material. Foi a partir dessa constatação, que Marx elaborou sua famosa frase de que “a religião é o ópio do povo”. Pois afasta da realidade os trabalhadores, os aliena e “acalma”, a medida que são induzidos a achar que “os reinos dos céus é dos pobres” e que a “Justiça Divina” lhes será redentora ao final.

Do ponto de vista social, defendemos um Estado laico, sem qualquer tipo de interferência religiosa. Defendemos a retirada de qualquer menção a Deus ou outro aspecto metafísico da legislação ou dos códigos sociais. Também somos pelo fim imediato de qualquer isenção ou subvenção financeira a religiosos ou entidades religiosas, e pelo confisco de todas as riquezas das Igrejas obtidas de maneira ilegal (como “abuso da fé pública”). As Igrejas têm o direito a existir e professar sua ideologia, assim como a população deve ter a plena liberdade de culto. Porém, nã o com dinheiro público, privilégios ou subsídio estatal.

Também defendemos:

- prisão e confisco de bens de todos os pastores e padres envolvidos em irregularidades e pedofilia;

- fim de qualquer aula de religião em escolas e universidades públicas ou que recebam qualquer verba pública, sejam bolsas, isenção fiscal ou repasses diretos ou indiretos;

- fim de qualquer influência ou “consultoria” das Igrejas em relação a assuntos de interesse público;

- pela mais ampla informação científica acerca da criação do universo, da Terra, do ser humano e da evolução das espécies. Pela massificação da ciência e acesso à cultura, contra o misticismo alienante;

- apoio às pesquisas com células tronco e a todos os ramos da genética, sempre de acordo com os interesses dos trabalhadores.

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Do ponto de vista particular, defendemos a mais total liberdade de fé e exercício de religiosidade, desde que todos as pessoas tenham que ser também trabalhadores, produzindo para a sociedade, e professando suas crenças e ideologias fora do período de trabalho.

- contra todo tipo de preconceito ou discriminação religiosa.

23. O ópio e o povo: a questão das drogas.

Marx, para criticar a religião e seu efeito nocivo sobre os trabalhadores, não por acaso comparou-a ao ópio. Isso significa que os marxistas não são defensores das drogas e, pelo contrário, devemos lutar contra a sociedade que leva à necessidade de consumir drogas como "válvula de escape" da vida infeliz que se leva.

O ópio é uma droga hoje “fora de moda” no Brasil e países centrais do capitalismo, mas ainda forte na Ásia, principalmente. Na época de Marx representava a principal e mais consumida droga que alienava os trabalhadores. Feito a partir da papoula, tem semelhante origem à heroína. Em termos de científicos, portanto essa seria sua “herdeira” e substituta na frase de Marx. No entanto, em termos de resultado social e de classes, é a maconha quem ocupa este lugar. A maconha é hoje a droga mais consumida do mundo e, assim como o ópio e heroína, possui efeito calmante e anestésico.

Estas drogas não existem no mundo sem relação com a luta de classes. Todas têm sua produção, preparo e distribuição como parte do processo econômico e de acordo com os interesses sociais da classe dominante. Quanto a isso, no capitalismo nada é “natural”, nem sequer um pé de feijão, e, de modo desigual e combinado, até as drogas que já existiam antes do capitalismo passam a ter outra função e se tornaram outras coisas, dentro do sistema atual.

À medida que são mercadorias, todas as matérias-primas, naturais ou sintéticas, adquirem um papel social na produção. Por isso, as explicações que tentam dividir as drogas em naturais ou não servem aos idealistas, mas não aos materialistas. A cocaína, por exemplo, provém da folha de coca, cultivada centenas de anos antes do capitalismo e consumida por indígenas. Porém, ao contrário de sua utilização original em rituais indígenas, que correspondiam a outro modo de produção, a folha da coca, no modo de produção capitalista, é comercializada para virar pó e ser ingerida como estimulante, alucinógeno e forte alterador do estado psíquico. Da mesma maneira, a maconha, que ainda tem efeito de entorpecer, no sentido literal, de estado de torpor, depressivo.

Assim, cada droga tem seu efeito, mas todas elas são usadas pela burguesia para manter os trabalhadores acomodados ou distraídos, sem força ou interesse de lutar por sua libertação. Se a religião é o ópio do povo e um obstáculo forte no caminho da revolução, o ópio em si e as demais drogas são um obstáculo ainda pior.

Nós defendemos que cada pessoa possa fazer uso da droga que bem entender, pois o Estado não deve tutelar os hábitos dos indivíduos, desde que eles trabalhem sua jornada de trabalho adequadamente e produzam para a sociedade. Mas, mesmo que defendamos o direito ao uso de drogas pela população em seus momentos de folga, entendemos que a “felicidade em pílulas” dos antidepressivos, a fuga da realidade dos alucinógenos ou drogas estimulantes e que produzem euforia (LSD, cocaína, crack, ecstasy), além da maconha e outras drogas calmantes, é uma ilusão da sociedade de classes.

Entendemos que, à medida que rompamos com a doença do sistema capitalista, com suas repressões sexuais e

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comportamentais, que haja emprego e realização pessoal no que cada um faz, a sociedade socialista deve ser livre das drogas, pois não haverá necessidade de buscar felicidade na alienação da realidade.

Na confusão de conceitos que existe a respeito das drogas, muitas pessoas entendem que esta posição deve ser igual para as demais “drogas”, chamadas de legais, como álcool e cigarro. É evidente que todas “fazem mal” e, ao mesmo tempo, devem ser legais apesar disso. Mas entender que todas estas mercadorias são iguais é um grande erro! Porque este conceito de “todas são drogas” é construído socialmente pela burguesia e não tem nada de científico. Como são dezenas de propriedades, princípios ativos e formas diferentes de consumo, o agrupamento possível das tais “drogas” seria infinito. Então, para nós, revolucionários, a classificação que mais nos interessa, de classe, deve fazer com que o critério seja o de grau de dano à luta revolucionária, medido em termos de, se é um estado passageiro ou não, e se envolve alienação e distorção da consciência.

Usando-se este critério, o cigarro e demais produtos do tabaco fazem mal para a saúde, podem viciar, mas, no que interessa, não afetam a percepção da consciência dos trabalhadores. O álcool afeta a consciência de maneira bem clara, sem dúvida alienando o trabalhador. E as chamadas “drogas ilegais” agem no Sistema Nervoso Central, provocando danos irreversíveis.

É por isso que devemos, na medida do possível, tentar ganhar os trabalhadores para romperem com todos seus vícios e dedicarem toda sua saúde, nitidez de pensamento, recursos e tempo, para lutar para transformar sua realidade. Mas, dentro dos vícios, é evidente que há muitas graduações e as drogas, principalmente as mais “potentes” como o crack e a cocaína são verdadeiras máquinas de destruir trabalhadores.

Quanto à questão econômica, ao contrário do que pensa parte do “senso comum”, os traficantes não representam um “Estado paralelo”, como se eles estivesse à margem do capitalismo e das instituições burguesas. Na verdade, o tráfico de drogas é apenas mais um ramo de negócios dentro do capitalismo, regido pelas mesmas leis econômicas e controlado pela mesma classe social, a burguesia.

Da mesma maneira, o tráfico tem seus representantes no Judiciário, no parlamento e nos governos. A diferença é que a venda de drogas é um negócio que não paga imposto, tem uma lucratividade gigantesca, não é submetida a nenhum controle sanitário ou de qualidade, nem tampouco há direitos trabalhistas para a mão de obra que explora. O crime envolvido nesse meio, em particular os incontáveis assassinatos, ocorre exatamente pela disputa de um negócio tão bom para a burguesia, que briga entre si para ver quem vai controlá-lo e ganhar a sua parte.

Para a maioria da burguesia, é uma grande vantagem manter a ilegalidade das drogas exatamente por isso, ao não pagar impostos e não precisar passar por nenhum controle público, de saúde, de higiene e trabalhista.

Nós, dentro do capitalismo, defendemos a legalização de todas as drogas e a libertação imediata de todos os condenados por consumo e/ou os traficantes da sub-escala da pirâmide social do tráfico, os chamados “aviões”, quase sempre jovens da classe proletária, negros, desempregados, que já sofre tremendamente com todos as mazelas que a burguesia já lhes impõem.

Aos grandes chefes e burgueses do tráfico, defendemos que cumpram penas à medida que tenham cometido crimes associados ao tráfico, como a extorsão, a violência contra os trabalhadores, assassinatos, etc; e não apenas por sua condição de “empresários das drogas”, pois, como empresários, sua pena deve ser a expropriação, igual a dos demais burgueses; como criminosos das drogas, aí assim, devem ser punidos como os demais assassinos,

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estupradores, agressores de mulheres e políticos corruptos que hoje estão soltos.

Junto com a legalização das drogas, deveria haver a estatização de seu plantio, produção, refino e comercialização. Sem essa medida, os traficantes apenas seriam legalizados e manteriam toda sua estrutura de violência, corrupção e exploração. É somente com a propriedade estatal e controle dos trabalhadores que se poderia planejar a redução do consumo, a administração com acompanhamento médico e condições mínimas de higiene, inclusive. Curiosamente, esta ideia que sempre esteve restrita a parte das organizações marxistas, hoje ganha peso na sociedade, com a legalização ganhando espaço no mundo todo, e com o Uruguai podendo adotar a estatização da produção e comercialização, com todas as contradições e limites para esta medida, ao ser tomada por um governo burguês.

A legalização e estatização das drogas teria o efeito imediato de derrubar os índices de assassinato e criminalidade que existem hoje. Haveria também todo um setor capitalista expropriado sem indenização, arrebentando com os negócios de muitos outros, pois é o dinheiro do tráfico que irriga os cofres dos bancos, da especulação financeira, das imobiliárias e construtoras, das lojas de artigos de luxo, armamento, segurança, etc.

24. As ciências, esportes e artes

No estudo da sociedade e de sua divisão em estrutura (classes sociais); superestrutura (ideias, preconceitos, sindicatos, instituições) e infraestrutura (meios de produção, troca e comunicação), não existe classificação para as ciências, esportes e artes. Estas áreas humanas estão fora do esquema da sucessão de modos de produção, mas é evidente que acabam incorporadas neles.

Estão “de fora” no sentido que não determinam a saturação das forças produtivas (não são infraestruturas), nem fazem parte da concepção ideológica ou concreta de alguma classe (também não são superestruturas), muito menos são uma classe social (estrutura). São simplesmente atividades humanas, como andar, pular, imaginar, dormir, cantar, fazer sexo, constatar fenômenos, elaborar teses, concluir, etc.

Todas estas ações acabam, no entanto, sendo incorporadas e assumindo a forma e limites correspondentes ao modo de produção vigente, em nosso caso capitalista. Então, em nossa sociedade, os esportes, as artes e as ciências adquirem um conteúdo capitalista e um objetivo capitalista. As pesquisas científicas são feitas no que vai gerar lucro para as empresas; os filmes, novelas e livros são majoritariamente feitos para justificar e ocultar os males do capitalismo, reproduzindo sua ideologia ou alienando ainda mais o proletariado; os esportes são usados para ocupar e distrair o povo.

Mas, apesar de parecer a mesma coisa que o papel da religião, por exemplo, isso é uma percepção aparente. Os esportes, as artes e as ciências, portanto, não tem nada de “ópio do povo”. Porque, ao contrário da religião, ou qualquer outra ideologia, que são o que o marxismo chama de “falsas consciências”, à medida que não expressam a verdadeira realidade e consciência de classe; as artes, a ciência e os esportes são reais e muito úteis, como expressão não de uma classe ou sistema, mas do próprio ser humano, de seu corpo e de sua mente. Outra coisa é o que e como são apropriados pela burguesia e usados para seus objetivos de dominação e alienação.

Esta diferença, aparentemente sutil, é enorme no conteúdo. A começar que não vemos qualquer problema na prática esportiva ou cultural e, ao contrário de opção individual, para as horas de folga, como as crenças que cada

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um pode manter, estas áreas são fundamentais para o pleno desenvolvimento do indivíduo e da sociedade.

O Estado operário, produto da revolução socialista, deve estimular, massificar e dar todas as condições para desenvolver ao máximo todas as potencialidade científicas, artísticas e esportivas de seus trabalhadores. E, no capitalismo, exigimos o investimento em museus, teatros, cinemas, quadras poliesportivas e equipamentos para todas estas práticas, assim como que exista o ensino de música, artes em geral e esportes nas escolas.

25. A comunicação

Assim como todos os outros ramos econômicos e setores sociais do capitalismo, a comunicação – personificada centralmente nos rádios, jornais, TV, Internet, etc. – se sustenta da propaganda de mercadorias vendidas pelas grandes empresas nacionais e multinacionais. Dessa forma, as emissoras e redes de comunicação estão completamente ligadas à burguesia e, portanto, a seu serviço, produção e reprodução.

Hoje, a mídia burguesa cumpre um papel importantíssimo na sustentação do Estado burguês e de seu regime, lançando falsas ideologias e falsos valores em tempo integral. A mídia de massas da burguesia serve não só para propagandear as mercadorias feitas pelos trabalhadores nas fábricas, mas também para fazer propaganda política permanente de seus interesses e, nesse sentido, deseducar politicamente os trabalhadores, mantendo-os “sob controle”. As notícias veiculadas pelos principais meios de comunicação servem para atacar e desmoralizar as greves e as lutas sociais e, justamente por isso, nossa atuação com um jornal e uma mídia independente e própria – dos trabalhadores –, que busque explicar o que de fato ocorre na realidade, se faz de vital importância.

Ao contrário dos céticos, que veem na mídia um obstáculo invencível na busca pela transformação da sociedade; ou daqueles que capitulam diante dela, em nome de uma liberdade de imprensa irrestrita, universal e pró-burguesa, nós compreendemos que a “fome”, a “miséria”, o “arrocho salarial” e a precarização do modo de vida dos trabalhadores constituem elementos explosivos que mídia nenhuma consegue deter, por mais que tente

Por mais que a mídia repita que a situação é a que a burguesia quer que as massas pensem, a vida material dos trabalhadores rompe com a versão fantasiosa da mídia, sempre que a luta de classe se radicaliza. Entretanto, o fato da mídia não ter o poder absoluto de deter as massas não significa que possamos fazer pouco caso do papel nefasto que ela cumpre: contrarrevolucionário, conservador e alienante na maior parte de sua programação.

Assim, na medida em que avançamos a luta dos trabalhadores com a política e a estratégia mais corretas – sem capitulações ou enganações aos trabalhadores –, isto é, que apontamos em direção à Revolução Socialista, a expropriação dos meios de comunicação será uma das tarefas mais imediatas. Essa medida é parte indissolúvel do programa socialista revolucionário.

A estatização das televisões, rádios e jornais, e sua colocação a serviço realmente dos trabalhadores, não será obra de um presidente através de um decreto qualquer, mas sim da mobilização permanente dos operários e trabalhadores em geral. Ao expropriar as fábricas, terras e laboratórios, os trabalhadores devem combater sem piedade a mídia burguesa que sustentou durante anos a sociedade de exploração, opressão e miséria, expropriando-as sem indenização aos seus donos. Somente a partir disso daremos a possibilidade aos trabalhadores, em seu conjunto, por intermédio dos seus organismos de luta, de decidirem a programação e o caráter de TODAS as emissoras de TV, rádios, etc.

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A sociedade socialista não racionalizará somente a produção e a economia, mas a programação e a função dos meios de comunicação de massas. Cada TV, jornal ou rádio estará voltado para a desalienação do operário comum; servirá como educadora, auxiliará os debates políticos, dará transparência aos assuntos governamentais de forma a não deixar nenhum trabalhador “por fora”; incentivará a ciência e a cultura verdadeiras (e não “as enlatadas”).

No entanto, não é possível – como creem alguns “socialistas” – mudar os meios de comunicação social de forma real e palpável em prol dos trabalhadores sem antes mudar a realidade econômica e política do capitalismo, isto é, sem antes acabar com o próprio capitalismo e apontar em direção ao socialismo. Não é possível fazer isso sob o capitalismo, pois os trabalhadores são impedidos de exercerem sua própria liberdade de expressão. A ideologia de uma sociedade corresponde à ideologia de sua classe dominante, como disseram Marx e Engels em Ideologia Alemã, e é utopia querer "democratizar" a mídia sem uma revolução, ainda que devamos ter uma política cotidiana neste sentido, como temos para a questão da moradia, da saúde e do emprego, etc.

Só é possível ter uma verdadeira imprensa livre, educativa e informativa se for numa sociedade que não seja baseada no lucro e na exploração. Onde sejam os espectadores e trabalhadores, que decidam sua programação e não os anunciantes e proprietários. Por isso, defendemos a expropriação e confisco de todos os meios de comunicação de massas, sob controle dos operários, dos trabalhadores e técnicos de cada emissora, redação e estação.

Contudo, somos contra a utilização da discussão de combater a mídia burguesa como forma de mudar de mão canais e jornais, por meio de ações repressivas que visam, de fato, aos trabalhadores e sua liberdade de expressão.

Mesmo assim, no capitalismo, defendemos o direito dos trabalhadores a rádios e TVs comunitárias, no sentido de demonstrar que é possível uma mídia dos trabalhadores, mas fazemos isso sem gerar expectativa de que possam existir, permanentemente, estes dois tipos de mídia: comercial e comunitária. A médio e longo prazo, ou se estatizam e se colocam a serviço dos trabalhadores todos os meios de comunicação, ou as poucas iniciativas de resistência serão assimiladas pelo poder dos capitalistas e ficarão tão alienantes e contra os trabalhadores como as outras.

26. A educação

O direito à educação foi uma das cláusulas dos “direitos do homem” proclamada pela burguesia durante a Revolução Francesa. Foram quase dois séculos onde se tratou de forma superficial este “direito” e, mesmo assim, o Estado burguês foi obrigado a garanti-lo. O interesse era o de formar minimamente a mão de obra, que, nas cidades e diante de máquinas, não poderia mais se limitar ao conhecimento natural suficiente nas lidas do campo.

Atualmente, no capitalismo imperialista decadente, a educação segue o mesmo caminho, apenas remoldada à nova disposição produtiva, e é apenas mais uma mercadoria. Ou seja, a educação é voltada não para a reflexão, mas para formar mão de obra adequada para a burguesia, cuja economia, por ter se tornado mais complexa, exige uma formação também mais complexa de sua mão de obra.

O capitalismo estimula o ensino privado, a quem se entrega a responsabilidade e os custos pela expansão do ensino, com os empresários religiosos e também os "não confessionais" totalmente livres para cobrar e ensinar o que quiserem. Mas o capitalismo também não pode prescindir de algum grau de intervenção estatal na educação,

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de modo a dar suas tintas ideológicas oficiais, por meio de instituições, professores e "referências" convenientes a manter o atual estado das coisas inalterado.

O número de universidades particulares (“Uni-esquina” ou Universidade Shopping), cresceu de forma assustadora nos últimos anos nos grandes centros urbanos e mesmo nas cidades médias. O resultado é que a qualidade decaiu consideravelmente e os conteúdos foram rebaixados. Somado ao projeto global que o capitalismo pretende implantar para a educação, está a Reforma Universitária, já implantada por Lula e amplamente apoiada pela UNE, cujos reflexos são a transferência gigantesca de recursos públicos para bolsas em universidades particulares, que foram salvas da crise que viviam por um cliente que paga sempre suas despesas em dia: o orçamento público generoso.

O Prouni como compra de vagas nas péssimas universidades particulares, e o Reuni como instrumento de privatização interna nas universidades públicas (existência de fundações privadas para contratar serviços e mão de obra, etc.), são lados da mesma moeda de destruição do modelo de ensino público, gratuito e de qualidade, com o tripé do ensino, pesquisa e extensão.

Somos contrários à argumentação de que se pode mudar a sociedade através da educação, pura e simplesmente. Evidentemente que ela cumpre um papel indispensável em qualquer sociedade, mas a educação por si só (no abstrato) não pode mudar o estado de coisas que existe. Em primeiro lugar porque, como já foi dito, a educação é controlada pelo Estado burguês e seus agentes, o que lhe confere, na prática, um caráter deseducativo e defensor do sistema atual de exploração burguesa. Como disse Marx, “não é o Estado que deve dar lições aos trabalhadores, mas pelo contrário, são os trabalhadores que devem dar lições duríssimas ao Estado”. E pretender "reformar" a educação por dentro do capitalismo é tão reacionário quanto esperar reformar o Parlamento ou a Justiça burgueses.

Em segundo lugar, não se pode contar com a mudança da sociedade pela via de "mudar a educação", porque só através de uma Revolução Socialista que exproprie os principais meios de produção e comunicação conseguiremos garantir educação pública, gratuita e de qualidade a todos. Ou seja, esperar que se tenha muito mais educação dentro do capitalismo para, assim, destruir o capitalismo, é impossível, pois só fazendo o caminho inverso isso pode ser viável (uma revolução, para, aí sim, garantir mais educação, mais saúde, mais direitos, etc.).

Em uma sociedade livre da concorrência, das leis do mercado, da oferta e da procura, a educação será desenvolvida em toda sua plenitude e não só em benefício das empresas que têm dinheiro para patrociná-la, como é hoje em dia. Por isso mesmo, apostar todas as fichas na “mudança pela educação” é, em última instância, uma utopia.

Defendemos que a educação sirva para auxiliar nos avanços tecnológicos e científicos da sociedade, além de auxiliar na profissionalização dos estudantes, não com a ótica do lucro, mas com a ótica de suprir as necessidades materiais e de trabalho dos homens. Este é o pontapé inicial para uma educação verdadeiramente transformadora e conscientizadora.

Assim, somos a favor de todo aumento de verbas para a educação; de concurso para professores e funcionários; pela construção de novas escolas e sua modernização constante; por laboratórios de informática, artes e ciências; quadras de esporte; bibliotecas; garantia de transporte gratuito; merenda escolar e Restaurantes Estudantis e Universitários gratuitos; ou seja, uma estrutura completa.

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Defendemos a Universidade, formada pela sua comunidade de docentes, discentes e pessoal técnico-administrativo em educação, além da evidente participação livre e gratuita do povo pobre, tendo usufruto dos distintos saberes e universais, além de poder apresentar seus saberes tradicionais. Uma Universidade que tenha por finalidade precípua a educação superior profissional, técnica, científica e filosófica. Em combinação com a produção de conhecimento filosófico, científico, artístico e tecnológico, que deverão estar integrados ao ensino, pesquisa e extensão/comunicação, e devem estar voltados para atender as demandas reais das classes trabalhadoras.

No entanto, ao mesmo tempo em que defendemos a educação como meio de levar a cultura, a linguagem e o conhecimento à população, queremos que ela se amplie ainda mais, lutamos pela destruição da educação em seu formato e conteúdo atual, burguesa, elitista. E lutamos por construir, em uma sociedade socialista, uma educação socialista, que instrua, faça pensar e ensine profissões ao aluno, de forma politécnica, integral e segundo os interesses dos trabalhadores. No ensino politécnico que defendemos, os conteúdos devem combinar todo conhecimento e técnica que a humanidade já dominou com a formação profissional simultânea dos estudantes, além de prover cultura, práticas de esportes e informações sobre saúde, sexualidade e todo o resto.

São os trabalhadores que, por intermédio dos seus organismos de luta, devem decidir de forma geral o conteúdo e o programa educacional de cada escola, universidade e instituição educacional. Depois disso, cada comunidade escolar e acadêmica, levando em conta suas especificidades, democraticamente deve estabelecer a melhor forma de colocá-lo em prática. Os alunos, junto com os professores e funcionários, devem decidir sobre a melhor forma do aprendizado, ainda que o programa e os conteúdos sejam decididos pelos trabalhadores, professores e alunos, conjuntamente. Desta forma, a educação se livrará de todos os seus dogmas, conceitos metafísicos irreais, valores morais e sociais da burguesia.

Esta prática pedagógica é também política e revolucionária, assim como o atual sistema de ensino é político e reacionário. Somos a favor de lutar por “reformas” na educação, mas contra todo tipo de reformismo, como o que prega a maioria dos educadores “críticos” que pretendem ensinar a refletir, mas para “incluir” o “cidadão” na sociedade, numa versão romântica do que é, nada mais nada menos, que a defesa e reprodução do sistema capitalista atual. Para nós, os trabalhadores e seus filhos não precisam de mais inclusão ou cidadania, pois as duas já existem para ele, que é incluído e "cidadão", num Estado em que se pode ser parte da sociedade, e se é , mesmo assim sem ter direito a nada, com seu papel sendo exatamente o de não possuir nada, "incluídos" como os produtores da riqueza dos cidadãos burgueses.

Nós também combatemos os “pós-modernos” e “culturalistas”, que são a versão ideológica-cultural do neo-liberalismo, daqueles que tentam nos convencer que o conflito não é mais entre classes, mas entre interesses de indivíduos ou grupos difusos, culturais. São estes charlatães os primeiros a furar greve em seus locais de trabalho, votar na nova ou velha direita e se acovardar diante dos ataques dos governos. São estes farsantes que reinventam a teoria mais velha e antiga do idealismo utópico e reacionário, ao mesmo tempo, dos teóricos pré-marxistas ou mesmo da burguesia liberal mais descarada.

Nós defendemos, como medida de transição ao socialismo, o método de ensino materialista, em que o aluno seja o sujeito da aprendizagem, mas não o “aluno” abstratamente, mas o aluno trabalhador. Que a reflexão sobre a sociedade não seja para que ele se insira nela (pois isto de um jeito ou outro já existe e, mesmo incluídos, não há

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espaço para todos terem emprego e muito menos direitos no capitalismo, se é nisso que se pensa quando se fala em inclusão).

Que as aulas de revolucionários e que nossa concepção de ensino seja aquela que leve ao questionamento a partir da vida material e proponha intervir nesta vida material, transformando-a. Que sejam aulas que instiguem a reflexão, mas muito mais a ação. Que tirem a cortina sobre a luta de classes, e desvendem o funcionamento e a luta de classes no capitalismo, e que organizem os alunos, seus pais e a comunidade escolar para não ser passivos nesta luta de classes, mas sim ativos e revolucionários. Que cada sala de aula e escola sejam células de revolucionários, prontos para destruir o atual ensino e sociedade capitalistas.

A livre organização dos alunos, professores e funcionários em Grêmios estudantis, Diretórios Acadêmicos, DCE’s e Sindicatos deve ser a base da nova educação. Cada estudante ou educador deve gerir a instituição de ensino em que estuda ou trabalha em sintonia com as necessidades da Revolução Socialista e das demais instituições educacionais.

Defendemos uma ampla estatização de todo o sistema educacional privado (Universidades e colégios particulares) sem indenização, além de separar a religião da educação. Com isso avançaremos para o fim do vestibular e do ENEM, que condenam milhares de jovens à frustração e ao abandono dos estudos. Toda instituição de ensino ligada à Igreja deve ser expropriada sem um centavo de indenização sequer, pois a liberdade de culto não pode ser confundida com liberdade de deseducar a juventude, ainda mais com dinheiro público. As crenças têm seu lugar para serem expostas, mas a sala de aula é lugar para ciência.

Defendemos também o não pagamento da dívida externa e interna para que o dinheiro seja investido na educação pública e gratuita, no aumento salarial de professores e funcionários, em melhorias técnicas de computadores, TV’s, quadros, materiais, livros, bibliotecas e assim sucessivamente.

Somos pela universalização do acesso ao ensino, em todos seus níveis, de maneira completamente gratuita, estatal, laica e de qualidade. Defendemos incansavelmente a aliança entre os estudantes e os trabalhadores, pois a luta contra o capitalismo é uma só.

27. Um programa à juventude proletária

Um dos setores mais atacados ultimamente pelo capitalismo imperialista decadente é, indiscutivelmente, a juventude. A exploração dos estágios, dos “primeiros empregos” e da mão de obra juvenil constituem os principais ataques aos quais estão submetidos os jovens trabalhadores, que são obrigados a entrar no mercado de trabalho antes mesmo de concluir os estudos. Quando são admitidos em um novo emprego ou estágio recebem os piores salários, na maioria das vezes não podem faltar o trabalho por questões de saúde e não tem nenhum direito trabalhista assegurado. Isso tudo ao mesmo tempo em que os jovens trabalhadores negros são vítimas da violência policial nas periferias e bairros.

A sociedade capitalista é assim: quer calar a voz e a indignação da juventude que se encontra completamente sem perspectiva de vida nesse sistema. Os jovens têm suas personalidades modificadas e deturpadas pelas exigências da sociedade burguesa que os cala, reprime e explora. A pior falta de perspectiva aos jovens é o desemprego massivo que não para de crescer e os condena, na maioria das vezes, à marginalização e às drogas. O capitalismo

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não oferece nada aos jovens a não ser desemprego, opressão, exploração e miséria.

A crescente onda de mobilizações de jovens estudantes demonstra essa afirmação: as periferias e os universitários da França contra a precarização da legislação trabalhista; os “pingüins” (secundaristas) no Chile; as ocupações de reitoria no Brasil; a juventude grega na vanguarda das greves gerais que incendeiam o país há anos; os 50% de jovens desempregados na Espanha, que se envolvem mais e mais na luta contra a democracia burguesa e os governos, sejam do PSOE ou PP; no mundo árabe, o conjunto dos países tendo na juventude um elemento decisivo de vigor revolucionário, na luta contra os governos e os regimes políticos.

Todas essas lutas demonstram claramente a disposição da juventude em derrotar e derrubar um sistema que não tem nada a lhes oferecer.

Defendemos:

- a regulamentação dos estágios obrigatórios de cada curso universitário com pagamento em dinheiro e os direitos trabalhistas assegurados, idênticos ao de qualquer outro trabalhador;

- após 6 meses em um estágio, o jovem deve ser efetivado no emprego;

- não pagamento das dívidas externa e interna para a geração de novos empregos à juventude, além do fim de qualquer tentativa de implantar políticas de “primeiro emprego” que explorem os jovens sem nenhum direito trabalhista com a desculpa de “empregá-los”;

- empregos de verdade: abaixo a exploração dos jovens trabalhadores;

- redução da jornada de trabalho geral para 36h semanais e 30h semanais para a juventude, sem redução de salários;

- passe livre em todo meio de transporte para jovens até 21 anos e estudantes em qualquer idade. Pela meia-entrada em shows, cinemas, jogos esportivos, etc.;

- acesso público, gratuito e universal ao ensino superior para que cada jovem possa se desenvolver plenamente em qualquer profissão ou ciência que desejar seguir;

- universalização dos cursos técnicos em conjunto com o ensino regular;

- acompanhamento médico e acesso gratuito à saúde para todos os jovens, em especial às mulheres;

- informações, distribuição de anticoncepcionais e creches nas escolas e universidades para garantir o direito a engravidar, evitar a maternidade precoce ou abortar, sempre com saúde e a livre decisão da mulher.

OBSERVAÇÃO: Seguirão algumas outras contribuições às formulações do PROGRAMA - Parte II:

28. Questão Agrária

29. Questão Urbana

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30. A crise ambiental

31. Amazônia

32. Saúde

33. Habitação

34. Segurança Alimentar

35. Segurança Pública

36. Trabalho, emprego e salário.

37. Um partido leninista

Somente um partido revolucionário comprometido com o método científico marxista pode compreender este programa não como algo “sagrado” e estático, mas como a expressão de um método, que deve ser vivo e dinâmico. Este partido precisa ser revolucionário, na teoria, no método no programa. Mas, tão importante quanto isso, é que seja revolucionário na prática, na ação. Para isso, a estrutura deste partido deve ser de acordo com a tarefa de mobilizar os trabalhadores até a tomada do poder.

Esta estrutura, preparada para a revolução, é a de um partido completamente democrático, com controle da base, mas que, ao mesmo tempo, tenha uma forte disciplina e organização, atuando como um só, centralizadamente. Este partido deve agitar seu programa na massa de modo que possa ser compreendido e mobilizar os trabalhadores a partir de sua realidade mais sentida. Também deve discutir pacientemente, fazendo propaganda, de cada um dos temais mais aprofundados e polêmicos da nossa estratégia socialista.

Mas, na verdade, um partido deste tipo deve ser apenas parte de uma organização muito maior, internacional, da qual cada partido deve ser apenas uma seção nacional, também centralizada por nossa atuação internacional. É este nosso desafio e nossa busca permanente. O partido mundial de ação e de massas para dirigir a tomada do poder através da revolução socialista.

COORDENAÇAO NACIONAL DA FUR, CC DO M-, DIREÇÃO DA A—E DA P--