basile: o problema das cotas

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Brasília a. 43 n. 172 out./dez. 2006 99 Em sua obra “Faticidade e Validade”, Habermas afirma que o direito estabelece uma dupla relação com a política e a moral (Cf. HABERMAS, 1997). Com a política, por- que, ao mesmo tempo em que é implementa- do por meio de mecanismos políticos e se constitui em um instrumento da realização de suas finalidades, ele também representa um controle sobre a escolha dos fins e o exer- cício dos meios pela política. Com a moral, porque, se por um lado, resolve o problema da indeterminação inerente à moral 1 , decor- rente do fato de que é impossível uma deci- são moralmente responsável antes da ocor- rência de casos concretos, em face da com- plexidade que os conflitos de ação podem assumir, inapreensível na fixação prévia da norma de conduta que regula o caso. Por outro lado, o direito depende da moral, por adotar um tipo de argumentação tipicamente dialógica e um tipo de racionalidade que se origina nessa esfera. Por isso, Habermas pode afirmar a interdependência entre a moral, a política e o direito, sendo que o di- reito realiza a mediação entre aquelas duas esferas (Cf. HABERMAS, 1997b). Isso diz respeito, especialmente, aos direitos funda- mentais, que, como normas de conteúdo moral, dizem respeito universalmente a to- dos os homens, mas, como normas jurídi- cas, dizem respeito apenas aos cidadãos (historicamente existentes) de um Estado (Cf. HABERMAS, 1997a). Poderíamos definir O princípio jurídico da igualdade e a ação afirmativa étnico-racial no Estado Democrático de Direito O problema das cotas Marcelo Campos Galuppo Rafael Faria Basile Marcelo Campos Galuppo é Doutor em Direito pela UFMG. Professor dos cursos de graduação em Direito da PUC Minas, UNA e Estácio de Sá e dos cursos de pós-graduação em Direito da PUC Minas. Coordenador do Pro- grama de Pós-Graduação em Direito da PUC Minas. Rafael Faria Basile é Mestrando em Teoria do Direito pela PUC Minas. Bolsista do CNPq.

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Coitadismo e ações afirmativas

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Page 1: Basile: O Problema Das Cotas

Brasília a. 43 n. 172 out./dez. 2006 99

Em sua obra “Faticidade e Validade”,Habermas afirma que o direito estabeleceuma dupla relação com a política e a moral(Cf. HABERMAS, 1997). Com a política, por-que, ao mesmo tempo em que é implementa-do por meio de mecanismos políticos e seconstitui em um instrumento da realizaçãode suas finalidades, ele também representaum controle sobre a escolha dos fins e o exer-cício dos meios pela política. Com a moral,porque, se por um lado, resolve o problemada indeterminação inerente à moral1, decor-rente do fato de que é impossível uma deci-são moralmente responsável antes da ocor-rência de casos concretos, em face da com-plexidade que os conflitos de ação podemassumir, inapreensível na fixação prévia danorma de conduta que regula o caso. Poroutro lado, o direito depende da moral, poradotar um tipo de argumentação tipicamentedialógica e um tipo de racionalidade que seorigina nessa esfera. Por isso, Habermaspode afirmar a interdependência entre amoral, a política e o direito, sendo que o di-reito realiza a mediação entre aquelas duasesferas (Cf. HABERMAS, 1997b). Isso dizrespeito, especialmente, aos direitos funda-mentais, que, como normas de conteúdomoral, dizem respeito universalmente a to-dos os homens, mas, como normas jurídi-cas, dizem respeito apenas aos cidadãos(historicamente existentes) de um Estado (Cf.HABERMAS, 1997a). Poderíamos definir

O princípio jurídico da igualdade e a açãoafirmativa étnico-racial no EstadoDemocrático de DireitoO problema das cotas

Marcelo Campos GaluppoRafael Faria Basile

Marcelo Campos Galuppo é Doutor emDireito pela UFMG. Professor dos cursos degraduação em Direito da PUC Minas, UNA eEstácio de Sá e dos cursos de pós-graduação emDireito da PUC Minas. Coordenador do Pro-grama de Pós-Graduação em Direito da PUCMinas.

Rafael Faria Basile é Mestrando em Teoriado Direito pela PUC Minas. Bolsista do CNPq.

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tais direitos fundamentais como os direitosque os cidadãos precisam reciprocamentereconhecer uns aos outros, em dado momen-to histórico, se quiserem que o direito poreles produzido seja legítimo, ou seja, demo-crático (Cf. GALUPPO, 2003, p. 213-238).Não se trata, propriamente, de direitos queo Estado atribui aos cidadãos, mas de direi-tos que esses precisam reconhecer uns aosoutros, porque, no Estado Democrático deDireito, o direito não prevê um critério esta-tal definitivo para se determinar a legitimi-dade das normas jurídicas, devendo essasser constantemente avaliadas pela socieda-de civil, sua guardiã.

Com base na relação co-original entredireito, moral e política, e na importânciado direito para a democracia, podemos es-tabelecer parâmetros que definam os direi-tos fundamentais como condição de possi-bilidade de implantação de uma sociedaderealmente democrática e do exercício de to-dos os demais direitos. Tais direitos funda-mentais visam possibilitar que cada falantepossa participar, da forma mais ilimitada,tanto formal quanto materialmente, dos dis-cursos jurídicos que fundamentam as nor-mas inferiores, mas também as própriasnormas de direitos fundamentais, o que re-vela seu caráter reflexivo. Habermas dá onome de Sistemas de Direitos a esse conjuntode direitos fundamentais, conjunto transiti-vo2 e reflexivo3 de princípios jurídicos quegarantem a legitimidade de um ordenamen-to jurídico estatal contemporâneo, estabele-cendo as condições de institucionalizaçãojurídica dos processos comunicacionais, eque engloba os seguintes direitos fundamen-tais (HABERMAS, 1997a, p. 59):

“a)Direito à maior medida possí-vel de iguais liberdades individuaisde ação.

b)Direitos fundamentais que resul-tem da elaboração politicamente au-tônoma do status de membro em umaassociação voluntária sob o direito.

c)Direitos fundamentais que resul-tam imediatamente da possibilidade

de adjudicação de ações protetivas eda configuração politicamente autôno-ma e da proteção jurídica individual.

d)Direitos fundamentais a iguaisoportunidades de participação emprocessos de formação da opinião eda vontade públicas, nas quais cida-dãos exercitam sua autonomia políti-ca e através dos quais eles positivamum direito legítimo.

e)Direitos fundamentais a provi-são de condições de vida que sejamsocialmente, tecnologicamente e eco-logicamente asseguradas a serem re-conhecidos caso se suponha que oscidadãos devam ter iguais oportuni-dades de utilizar os direitos funda-mentais listados anteriormente4.”

Do ponto de vista pós-metafísico, esseSistema de Direitos só pode se consubstanci-ar no Estado se dotado de coerção e de insti-tucionalização política, razão por que sópode se materializar por meio do direitopositivo, tendo existência somente, portan-to, no interior de uma comunidade real decomunicação (Cf. GALUPPO, 2002). Conse-qüentemente, o Sistema de Direitos temexistência apenas “na forma em que foiconstitucionalmente interpretado e forma-do” (HABERMAS, 1997a, p. 207). Uma vezque o Sistema de Direitos é condição racio-nal e histórica de legitimidade do direito, e,inclusive, das normas constitucionais, masna medida em que tal sistema só pode serexpresso por meio do direito positivo, aConstituição precisa assegurar um núcleofundamental de direitos, se pretende ser le-gítima. Assim, do ponto de vista da TeoriaDiscursiva do Direito, uma sociedade e umEstado que se pretendam democráticos nãopodem sonegar direitos fundamentais comoaqueles referentes à vida, ao reconhecimen-to como pessoa, à formação livre da vonta-de política e à segurança contra coações fí-sicas ou morais ilegítimas.

Como a justificação das normas jurídi-cas se faz com base na força dos melhoresargumentos que resistam às críticas contrá-

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rias5, os discursos jurídicos devem ser reali-zados, na medida do possível, sem interfe-rência de violência ou ideologias, razão pelaqual não podem ser sonegados aqueles di-reitos que garantam as condições materiaise culturais para a inserção de cada falanteno discurso.

Ao garantir a todos os cidadãos meca-nismos de participação igual na produçãodo direito positivo, permitindo que os desti-natários se percebam, simultaneamente,como seus autores (Cf. GALUPPO, 2002), talsistema de direitos assegura a legitimaçãodo ordenamento jurídico. Esse é o sentidoessencial da autonomia que caracteriza aregulação jurídica moderna: o direito quecriamos é legítimo porque criado para regu-lar nossa própria vida.

Visando garantir instrumentos para ainclusão dos cidadãos nos discursos jurídi-cos, a idéia de um sistema de direitos comosubstrato da legitimidade do Estado Demo-crático de Direito, que é essencialmente umEstado pluralista (GALUPPO, 2001, p. 47-65), revela a importância da igualdade parao paradigma procedimental do Direito e dapolítica presente na ética do discurso e nateoria discursiva do direito. A liberdade davontade e, sobretudo, a igualdade formal ea igualdade material são pressupostos dalegitimidade das normas produzidas e apli-cadas pela comunidade real de comunica-ção, na medida em que condicionam a reali-zação da situação ideal de fala6. A demo-cracia seria, nesse sentido,

“uma comunidade real de comunica-ção em que se realiza, na maior medi-da possível, a situação ideal de fala,ou seja, aquela em que os envolvidospodem desenvolver completamentesua competência comunicativa, o quesó é possível, como já foi dito, se elesnão sofrerem limitações nem externa(violência) nem interna (ideologia)”(GALUPPO, 2002, p. 152).

No direito moderno, que pressupõe umapolítica cujas decisões são tomadas quanti-tativamente, e não qualitativamente, e que

pressupõe uma sociedade que não se estru-tura hierarquicamente, mas isomorficamen-te, a igualdade tem que ser concebida comoigualdade aritmética, pois qualquer outraforma de igualdade implicaria reconhecermaior ou menor importância às pessoas. Aigualdade aritmética, estendida pela univer-salização dos direitos a todos os homens, éum conceito inclusivo de igualdade, queexige que o maior número possível de pes-soas (idealmente, a humanidade, mas, pelomenos, os cidadãos) seja incluído pela pro-teção jurídica. Conseqüentemente, a igual-dade tem que ser concebida como um proce-dimento de inclusão formal e material nosdiscursos de justificação e aplicação dasnormas, e o Direito só pode ser tido comolegítimo se garantir essa igualdade nos dis-cursos que realiza (Cf. GALUPPO, 2002).

Uma das características da modernida-de é o fato de ela ser fundada no indivíduo,e não mais na comunidade natural. Isso in-dica que as sociedades modernas são plu-ralistas, no sentido de coexistirem, no seuinterior, diferentes projetos acerca do que éo bem e de como realizá-lo7.

Só em uma sociedade democrática o plu-ralismo pode ser exercitado de forma séria econsistente, e, assim, deixar de ser uma meracoexistência de concepções divergentes parase tornar a convivência de projetos realiza-dos da melhor forma possível, permitindo ainclusão de projetos de vida diversos dosmajoritários e, em alguma medida, até mes-mo alternativos.

Em uma sociedade pluralista democrá-tica, o Direito deve cumprir simultaneamen-te duas tarefas: deve realizar, na maior me-dida possível, o projeto de vida da maioria edeve também preservar, de alguma forma,os projetos de vida alternativos. Ademais, aauto-identidade que se atribui uma socie-dade pluralista só é inteiramente compre-endida se o direito que a interpreta reconhe-ce que essa sociedade tem de querer, mesmoque paradoxalmente, realizar simultanea-mente os projetos de vida distintos, aindaque tais projetos alternativos requeiram, em

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algumas situações, uma aplicação especialdo direito, justificada pela produção de me-canismos de inclusão, como no caso daspolíticas de ação afirmativa.

Uma vez que a igualdade é condição for-mal e material da realização daquilo queconfere legitimidade ao direito moderno, asaber, dos discursos de justificação e de apli-cação, ela é tida como pressuposto em geralda própria legitimidade do direito, ou seja,a igualdade é fundamento da legitimidadedo discurso jurídico.

Como a fundamentação das normas ju-rídicas é sempre transitiva e provisória, jáque pode ser superada pela fundamentaçãode outra norma posterior, o princípio jurídi-co da igualdade não pode ser entendidocomo um princípio substancial, com umconteúdo pré-estabelecido, porque isso nãolevaria a sério nem sua tarefa de incluir atodos nos discursos jurídicos, nem o fato deque ele é um princípio, uma norma cuja apli-cação exige uma avaliação de adequabili-dade à situação fática que pretende regular,e exige que todas as outras normas sejampostas de lado para sua aplicação (Cf.GALUPPO, 1999, p. 191-209)8. Um princí-pio substancial, nesse caso, seria o maiorobstáculo a uma igualdade materialmente eformalmente consistente.

Caracteriza a compreensão moderna dodireito o fato de que o conteúdo das normasjurídicas não pode ser dado pelos projetosde vida mesmos, ou pelos seus substratosideológicos, pois os discursos, inclusive osjurídicos, não podem pré-selecionar os con-teúdos relevantes, sendo essa seleção o re-sultado dos discursos, e não uma condiçãopara os mesmos. Tal conteúdo só pode serfixado procedimental e discursivamente nosprocessos políticos e jurídicos que autorizamsua criação legislativa e aplicação judicial.

No plano da aplicação, e se fundamen-tado por boas razões, o princípio da igual-dade pode exigir um tratamento diferentedos sujeitos políticos, já que a igualdadenão pode ser meramente formal, devendoser também material. Isso se dá porque, na

modernidade, a igualdade é um conceitoaritmeticamente inclusivo, ou seja, sempreque o maior número de cidadãos for incluí-do em discursos jurídicos, estaremos crian-do igualdade e não desigualdade.

Uma vez que isso depende da indicaçãode boas razões, só se pode avaliar se políti-cas públicas afirmativas contribuem ou nãopara a realização da igualdade caso a caso,não possuindo essa questão uma respostaabstrata, porque o que deve ser avaliado ése tais políticas criam ou não desigualda-des no caso concreto, ou seja, se permitemmaior ou menor inclusão social.

Portanto, o tratamento diferenciado dis-pensado a parcelas materialmente excluí-das dos meios do direito e da política não é,necessariamente, um atentado contra aigualdade. O tratamento diferenciado é com-patível com a igualdade se não for, também,fator de desigualdade racionalmente injus-tificável. E, mais que isso, o tratamento dife-renciado possibilitado por ações afirmati-vas é fator que pode contribuir para a pro-dução da igualdade material. Dessa forma,as ações afirmativas podem ser legitimamen-te compreendidas como um critério de pro-dução de igualdade toda vez que implica-rem maior inclusão de cidadãos nos proce-dimentos públicos de justificação e aplica-ção das normas jurídicas e de gozo dos bense políticas públicas.

Aqui emerge a questão da discrimina-ção racial. A questão de fundo, diferente-mente do exarado na apreciação pelo Su-premo Tribunal Federal no Habeas Corpus no

82424/RS9, não é se raça é um conceito an-tropológico, político, social ou biológico,sendo óbvio que guarda conexão com todosesses aspectos, mas se o conceito de raçadeve exercer algum papel no direito. Preten-do defender aqui que as mesmas razões fun-damentam a afirmação de que o conceito deraça, enquanto critério de exclusão, é obvia-mente inconciliável com as pretensões uni-versalizadoras requeridas pelo direito mo-derno e democrático, mas que pode ser legi-timamente utilizado pelo direito enquanto

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critério de inclusão de grupos faticamenteexcluídos10.

A implementação de ações afirmativaspelo sistema de cotas se deu em um primei-ro momento nas universidades públicas es-taduais do Estado do Rio de Janeiro e daBahia. A iniciativa, no Rio de Janeiro, de-correu da edição de legislação específicanesse sentido. A Lei 3.524/2000 estabele-ceu critérios de admissão de estudantes darede pública estadual de ensino em univer-sidades públicas estaduais, fixando cota de50% para aqueles que tenham cursado inte-gralmente os ensinos fundamental e médioem instituições da rede pública municipale/ou estadual. Por outro lado, a Lei 3.708/2001 reservou uma cota mínima de 40% paranegros e pardos no preenchimento das va-gas relativas aos cursos de graduação daUniversidade do Estado do Rio de Janeiro eda Universidade Estadual Norte-Fluminen-se, sendo que, nessa cota mínima, estavamtambém incluídos aqueles já beneficiadospela Lei 3.524/200011.

O Tribunal de Justiça do Estado do Riode Janeiro emitiu, em várias ocasiões, julga-dos sobre a constitucionalidade de taisações afirmativas. Ocorre que diferentes de-cisões foram proferidas, tanto pelo próprioTribunal quanto pelos juízes de primeirainstância, algumas com posicionamentospela constitucionalidade, que encontraramamparo em uma interpretação constitucio-nal de conformidade com as ações afirmati-vas, e outras com decisões pela inconstitu-cionalidade, fundamentadas em uma igual-dade apenas formal, condizente com a dou-trina do Estado Liberal.

O Tribunal de Justiça do Estado do Riode Janeiro foi, portanto, o primeiro tribunaldo Brasil a enfrentar a questão da constitu-cionalidade das ações afirmativas em favordos negros na educação. E diante de umposicionamento contrário às ações afirma-tivas, o Tribunal manifestou-se, em certaocasião, afirmando que o desenvolvimento

“de postura afirmativa de caráter ni-tidamente emergencial, na busca de

uma igualdade escolar entre brancose negros, esses parcela significativa deelementos abaixo da linha considera-da como de pobreza, não permite quese vislumbre qualquer eiva de incons-titucionalidade nas leis 3.524/00 e3.708/01, inclusive no campo do prin-cípio da proporcionalidade, já que tra-duzem tão-somente o cumprimento deobjetivos fundamentais da República”(BRASIL, 2005).

A igualdade como elemento de transfor-mação da realidade social foi a tônica emvários acórdãos sobre as ações afirmati-vas no Rio de Janeiro, conforme se podeperceber:

“O preceito constante do art. 5o, daCR/88, não difere dos contidos nosincisos I, III e IV, do art. 206, da mes-ma Carta. Pensar-se o inverso é pren-der-se a uma exegese cega, meramen-te formal, ou seja, a uma exegese deigualização, dita estática, negativa, nacontramão com a eficaz dinâmica,apontada pelo Constituinte de 1988,ao traçar os objetivos fundamentais daRepública Brasileira”

E continou a posicionar-se sobre as institui-ções brasileiras:

“A postura jurídica e política deaplicação, em nosso território, de tãodecantado princípio (da igualdade)em termos apenas formais, à sombrade ditames constitucionais estáticos,até a promulgação da Carta de 1988,permitiu, sem sobra de dúvida, a ma-nutenção e o agravamento, ao longodo tempo, de tratamentos discrimina-tórios, geradores de uma sociedadebrasileira cada vez mais injusta emrelação a uma minoria de seus inte-grantes, o que depõe significativamen-te contra uma nação dita democráticano contexto das demais nações que as-sim se classificam. (...) Em verdade, aIndependência, em 1822, e a Abolição(da escravidão), em 1888, como de co-nhecimento, não concretizaram, em

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termos sociais, a liberdade e os direi-tos individuais garantidos constitu-cionalmente (...). Os dados de que dis-pomos nos alertam para o fato de queos brancos pobres já contam com umavantagem de escolaridade frente aosnegros. Se abrirmos cotas para pobres,portanto, independentemente de suacor, na verdade estaremos contribu-indo para a reprodução ou até mesmoa intensificação da desigualdade den-tro desse segmento dos pobres brasi-leiros. No ponto diferencial em que obranco pobre está em melhores condi-ções, abrir-se-á ainda mais a vanta-gem dessa parcela da população, quepoderá utilizar esse novo capital cul-tural na busca de uma melhor posi-ção no mercado de trabalho. Se fizer-mos isso, estaremos no mínimo pos-tergando ou até mesmo piorando adesigualdade racial brasileira. Ouseja, faremos uma ação afirmativa declasse às expensas de continuar dis-criminando os negros, cientes de queo fazemos” (BRASIL, 2005).

Mas, em 2003, uma nova lei disciplinan-do o sistema de cotas para ingresso nas uni-versidades públicas estaduais entrou emvigor, a Lei Estadual 4.151, de 4 de setembrode 2003, revogando as duas leis anteriores.Essa lei veio aperfeiçoar o sistema até entãovigente, pois nela se respeitaram os princí-pios da autonomia das universidades e dauniversalidade do sistema de cotas, além deoutros. A Lei 4.151/2003 estabeleceu, em seuart. 5o, a cota mínima de 45% das vagas dis-tribuídas em 20% para estudantes oriundosda rede pública de ensino, 20% para os ne-gros e 5% para pessoas com deficiência, nostermos da legislação em vigor, e integrantesde minorias étnicas. É importante mencio-nar a preocupação do legislador para que oprograma alcance um resultado satisfató-rio, conforme podemos perceber no texto doart. 4o, que assim dispôs:

“Art. 4o – O Estado proverá os re-cursos financeiros necessários à im-

plementação imediata, pelas univer-sidades públicas estaduais, de progra-ma de apoio visando obter resultadossatisfatórios nas atividades acadêmi-cas de graduação dos estudantes be-neficiados por esta Lei, bem como suapermanência na instituição. Parágra-fo único – Aplicam-se as disposiçõesdeste artigo aos estudantes carentesque ingressaram nas universidadespúblicas estaduais beneficiados pelodisposto nas Leis nos 3.524, de 28 dedezembro de 2000, 3.708, de 9 de no-vembro de 2001 e 4.061, de 2 de janei-ro de 2003, ficando, desde já, o PoderExecutivo autorizado a abrir créditossuplementares para cobrir as despe-sas necessárias à manutenção do pro-grama, inclusive com recursos oriun-dos do Fundo Estadual de Combate àPobreza”.

Como percebeu corretamente o legislador, osistema de cotas nas universidades nãocumpriria seu objetivo se fosse apenas for-mal, ou seja, se apenas reservasse vagaspara aqueles que se enquadrassem nos re-quisitos das cotas, sem fornecer-lhes as con-dições materiais para alcançarem os mesmosníveis de desempenho dos demais alunos.

Acompanhando a evolução do tema epossibilitando o aumento da discussão emtorno das ações afirmativas, uma Ação Di-reta de Inconstitucionalidade, de número3.19712, foi impetrada perante o SupremoTribunal Federal discutindo a constitucio-nalidade da Lei 4.151/2003 do Estado doRio de Janeiro, acontecendo o mesmo comas Leis 3.524/2000 e 3.708/2001 no âmbitodo Estado do Rio de Janeiro, que foram apre-ciadas quanto à sua legalidade em sede decontrole difuso. Assim, atualmente, em sedede controle concentrado, pela via da AçãoDireta de Inconstitucionalidade, o disposi-tivo que fora combatido no Supremo foi aLei 4.151/2003, já que a Lei 3.708/2001 foirevogada e teve sua inconstitucionalidadedecretada pelo Tribunal de Justiça do Esta-do do Rio de Janeiro. 13

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Em que condições, então, o uso do con-ceito de raça pode ser juridicamente admiti-do? É exatamente porque o direito realiza amediação entre a moral e a política, mas nãose confunde com elas, que a questão admiteuma resposta jurídica. Se os discursos dejustificação das normas jurídicas, bem comoos discursos de sua aplicação, são discur-sos de uma comunidade real de fala, entãoprecisam levar em conta não apenas aquiloque os falantes devem formalmente se atri-buir, mas também as condições fáticas emque se encontram e que condicionam, atécerto ponto, os limites da percepção que ospróprios falantes-cidadãos têm de seus di-reitos. A equação entre aquilo que, do pontode vista estritamente racional, ou seja, doponto de vista da universalidade, os falan-tes devem se atribuir e aquilo que, do pontode vista fático, eles realmente, ou seja, histo-ricamente, atribuem-se tem como resultadoos campos em que a ação afirmativa podeocorrer.

É nesse momento que o conceito de raçapode ter um uso positivo e legítimo pelo di-reito. Se a igualdade racial formal não cor-responde às situações fáticas, ela deve as-sumir plenamente seu caráter normativo.Isso significa que a regulação jurídica deverealizar a igualdade ainda que, de fato, ascondições substantivas de tal igualdadenão sejam dadas.

Para não se cair em subjetivismo, o quedeve ser levado em conta pelo legislador epelo aplicador é se a ação afirmativa pro-duz igualdade, entendida como maior in-clusão, ou desigualdade, entendida comomaior exclusão. O sistema de cotas nas uni-versidades, por exemplo, não exclui formal-mente o acesso de outros participantes aoensino superior. Mas como as vagas uni-versitárias não podem ser exponencialmen-te multiplicadas de modo a garantir um aces-so faticamente irrestrito a todos, é precisoque, materialmente, a distribuição das va-gas obedeça a um critério que permita, mi-nimamente, a inclusão de outras raças, comoa negra, ainda que não impeça, maximamen-

te, a participação da raça politicamentedominante.

Isso significa que o conceito de raça podeser utilizado pelo direito moderno toda vezque garantir que diferenças não-relevantesdo ponto de vista racional, ou seja, moral,não impliquem diferenças fáticas, ou seja,históricas do ponto de vista político.

Evidentemente, o tratamento diferenteconcedido por meio das ações afirmativas,e, em especial, das cotas, só pode ser admiti-do enquanto estiverem muito distanciados,do ponto de vista moral ou político, daquiloque devemos nos atribuir reciprocamente,se quisermos ter nossas vidas reguladas porum direito legítimo.

Isso significa que a distinção entre igual-dade formal e material não tem lugar em umaconcepção correta da legitimidade do direi-to e reproduz antes ideologias do que con-cepções racionalmente sustentáveis. De fato,a igualdade só pode ser formal se for tam-bém, simultaneamente, material.

Nesse sentido, tratar diferentemente osnegros, criando, por meio dos direitos fun-damentais, condições de inclusão social,significa tratá-los de modo juridicamenteadequado, o que é necessário para assegu-rar a legitimidade, pois, conforme afirma-mos, a legitimação do direito só pode se darse houver uma igual possibilidade de parti-cipação real nos discursos de formação daopinião e da vontade, o que exige, muitasvezes, um tratamento diferenciado daque-les que são faticamente excluídos, implemen-tando-se uma igualdade produtora e produ-zida pelo Estado Democrático de Direito.

Notas1 Para Habermas (1997a), ao contrário de Kant,

a moral não pode fornecer, previamente aos proble-mas concretos, um rol de normas de ação, ou seja,ela goza de uma indeterminação cognitiva. Se amoral caracteriza pela indeterminação cognitiva, odireito, ao contrário, pode indicar previamente asnormas jurídicas que se apresentam como soluçãopara os conflitos de ação previamente a esses mes-mos conflitos, pois nele essa “indeterminação cog-

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nitiva é absorvida pela faticidade da produção dodireito” (Habermas, 1997a, p. 143).

2 Para Habermas (1997a; 1997b), o sistema dedireitos se consubstancia por meio de um direitopositivo, em que o Sistema de Direitos tem existên-cia apenas pela formação e interpretação constitu-cional do mesmo em determinado momento, res-tando, pois, a transitoriedade do Sistema de Direi-tos em virtude do fato de que o mesmo se revelapela Constituição histórica.

3 Reflexivo, pois o Sistema de Direitos preservaum mínimo de racionalidade para legitimação dosdiscursos jurídicos: um ordenamento só é legítimose garantir mecanismos de igual participação naprodução do próprio direito, de forma que os des-tinatários se percebam, simultaneamente, como seuspróprios autores (GALUPPO, 2002).

4 Esses dois últimos ganham destaque, comomostrarei adiante, na atenuação dos efeitos negati-vos da discriminação racial e de outras práticasexcludentes das minorias.

5 Por melhor argumento devemos entender aque-le que melhor resiste às críticas levantadas pelosoutros envolvidos no discurso, o que significa que adeterminação de qual seja o melhor argumento sópode ser apresentada no próprio discurso, prag-maticamente, e não de maneira absoluta e prévia àcomunicação estabelecida na comunidade real decomunicação (GALUPPO, 2002).

6 A comunidade ideal de comunicação se dis-tingue da situação ideal de fala na medida em queaquela não existe no tempo e no espaço, não haven-do nela violência ou ideologia, participando todosos envolvidos diretamente da formação do consen-so, o que faz a participação nesses discursos serilimitada. Como o próprio Habermas alerta(HABERMAS, 1997b).

7 A fundação da modernidade no indivíduoaponta para o pluralismo na medida em que, nassociedades modernas, verifica-se a coexistência deuma pluralidade de projetos de vida que se im-põem pelo sistema jurídico-político vigente. A sa-ber, o direito de uma sociedade moderna cumpreuma duplicidade de objetivos: por estar ligado àdimensão da faticidade, deve realizar, na maiormedida possível, o projeto de vida da maioria; e,por estar ligado à dimensão da validade, deve pre-servar, de alguma forma, os projetos de vida alter-nativos, que podem, inclusive, vir a se tornar proje-tos da maioria (GALUPPO, 2002).

8 Da mesma maneira Günther (1993) pressu-põe que também os discursos de aplicação são li-mitados pela faticidade do direito e pela contin-gência da comunicação humana. Por isso, ele podeelaborar um critério de coerência consistente comesse pressuposto.

9 (BRASIL, 2004) EMENT VOL-02144-03 PP-00524: EMENTA: HABEAS-CORPUS. PUBLICA-

ÇÃO DE LIVROS: ANTI-SEMITISMO. RACISMO.CRIME IMPRESCRITÍVEL. CONCEITUAÇÃO.ABRANGÊNCIA CONSTITUCIONAL. LIBERDA-DE DE EXPRESSÃO. LIMITES. ORDEM DENE-GADA. 1. Escrever, editar, divulgar e comerciarlivros “fazendo apologia de idéias preconceituosase discriminatórias” contra a comunidade judaica(Lei 7716/89, artigo 20, na redação dada pela Lei8081/90) constitui crime de racismo sujeito às cláu-sulas de inafiançabilidade e imprescritibilidade (CF,artigo 5o, XLII). 2. Aplicação do princípio da pres-critibilidade geral dos crimes: se os judeus não sãouma raça, segue-se que contra eles não pode haverdiscriminação capaz de ensejar a exceção constitu-cional de imprescritibilidade. Inconsistência da pre-missa. 3. Raça humana. Subdivisão. Inexistência.Com a definição e o mapeamento do genoma hu-mano, cientificamente não existem distinções entreos homens, seja pela segmentação da pele, formatodos olhos, altura, pêlos ou por quaisquer outrascaracterísticas físicas, visto que todos se qualifi-cam como espécie humana. Não há diferenças bio-lógicas entre os seres humanos. Na essência sãotodos iguais. 4. Raça e racismo. A divisão dos sereshumanos em raças resulta de um processo de con-teúdo meramente político-social. Desse pressupostoorigina-se o racismo que, por sua vez, gera a discri-minação e o preconceito segregacionista. 5. Funda-mento do núcleo do pensamento do nacional-soci-alismo de que os judeus e os arianos formam raçasdistintas. Os primeiros seriam raça inferior, nefastae infecta, características suficientes para justificara segregação e o extermínio: inconciabilidade comos padrões éticos e morais definidos na Carta Polí-tica do Brasil e do mundo contemporâneo, sob osquais se ergue e se harmoniza o estado democráti-co. Estigmas que por si só evidenciam crime deracismo. Concepção atentatória dos princípios nosquais se erige e se organiza a sociedade humana,baseada na respeitabilidade e dignidade do serhumano e de sua pacífica convivência no meio soci-al. Condutas e evocações aéticas e imorais que im-plicam repulsiva ação estatal por se revestirem dedensa intolerabilidade, de sorte a afrontar o orde-namento infraconstitucional e constitucional doPaís. 6. Adesão do Brasil a tratados e acordosmultilaterais, que energicamente repudiam quais-quer discriminações raciais, aí compreendidas asdistinções entre os homens por restrições ou prefe-rências oriundas de raça, cor, credo, descendênciaou origem nacional ou étnica, inspiradas na preten-sa superioridade de um povo sobre outro, de quesão exemplos a xenofobia, “negrofobia”, “islama-fobia” e o anti-semitismo. 7. A Constituição Fede-ral de 1988 impôs aos agentes de delitos dessa na-tureza, pela gravidade e repulsividade da ofen-sa, a cláusula de imprescritibilidade, para que fi-que, ad perpetuam rei memoriam, verberado o repú-

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dio e a abjeção da sociedade nacional à sua prática.8. Racismo. Abrangência. Compatibilização dosconceitos etimológicos, etnológicos, sociológicos,antropológicos ou biológicos, de modo a construira definição jurídico-constitucional do termo. Inter-pretação teleológica e sistêmica da ConstituiçãoFederal, conjugando fatores e circunstâncias histó-ricas, políticas e sociais que regeram sua formaçãoe aplicação, a fim de obter-se o real sentido e alcan-ce da norma. 9. Direito comparado. A exemplo doBrasil, as legislações de países organizados sob aégide do estado moderno de direito democráticoigualmente adotam em seu ordenamento legal pu-nições para delitos que estimulem e propaguemsegregação racial. Manifestações da Suprema Cor-te Norte-Americana, da Câmara dos Lordes da In-glaterra e da Corte de Apelação da Califórnia nosEstados Unidos que consagraram entendimento queaplicam sanções àqueles que transgridem as regrasde boa convivência social com grupos humanos quesimbolizem a prática de racismo. 10. A edição epublicação de obras escritas veiculando idéias anti-semitas, que buscam resgatar e dar credibilidade àconcepção racial definida pelo regime nazista, ne-gadoras e subversoras de fatos históricos incontro-versos como o holocausto, consubstanciadas napretensa inferioridade e desqualificação do povojudeu, equivalem à incitação ao discrímen com acen-tuado conteúdo racista, reforçadas pelas conse-qüências históricas dos atos em que se baseiam.11. Explícita conduta do agente responsável peloagravo revelador de manifesto dolo, baseada naequivocada premissa de que os judeus não só sãouma raça, mas, mais do que isso, um segmentoracial atávica e geneticamente menor e pernicioso.12. Discriminação que, no caso, se evidencia comodeliberada e dirigida especificamente aos judeus,que configura ato ilícito de prática de racismo, comas conseqüências gravosas que o acompanham. 13.Liberdade de expressão. Garantia constitucionalque não se tem como absoluta. Limites morais ejurídicos. O direito à livre expressão não pode abri-gar, em sua abrangência, manifestações de conteú-do imoral que implicam ilicitude penal. 14. As li-berdades públicas não são incondicionais, por issodevem ser exercidas de maneira harmônica, obser-vados os limites definidos na própria ConstituiçãoFederal (CF, artigo 5o, § 2o, primeira parte). O pre-ceito fundamental de liberdade de expressão nãoconsagra o “direito à incitação ao racismo”, dadoque um direito individual não pode constituir-seem salvaguarda de condutas ilícitas, como sucedecom os delitos contra a honra. Prevalência dos prin-cípios da dignidade da pessoa humana e da igual-dade jurídica. 15. “Existe um nexo estreito entre aimprescritibilidade, este tempo jurídico que se es-coa sem encontrar termo, e a memória, apelo dopassado à disposição dos vivos, triunfo da lem-

brança sobre o esquecimento”. No estado de direitodemocrático, devem ser intransigentemente respei-tados os princípios que garantem a prevalência dosdireitos humanos. Jamais podem se apagar damemória dos povos que se pretendam justos osatos repulsivos do passado que permitiram e in-centivaram o ódio entre iguais por motivos raciaisde torpeza inominável. 16. A ausência de prescri-ção nos crimes de racismo justifica-se como alertagrave para as gerações de hoje e de amanhã, paraque se impeça a reinstauração de velhos e ultrapas-sados conceitos que a consciência jurídica e históri-ca não mais admitem. Ordem denegada.”

10 A diferenciação dos indivíduos de acordo coma raça produz diferenças sociais, que devem e po-dem ser corrigidas pelo direito, na medida em queo mesmo seja capaz de forçar ou permitir a criaçãode oportunidades quando elas não existem. Nessesentido, a coerção que o direito revela seria a formade exteriorizar não apenas um poder imperativo,mas o acesso às oportunidades para os menos fa-vorecidos.

11 No Estado da Bahia, o início da implementa-ção de ações afirmativas se deu com a aprovação,pelo Conselho Universitário da Uneb, de uma reso-lução em 18 de julho de 2002, que instituiu a cotade 40% das vagas reservadas para estudantes ne-gros oriundos de escolas da rede pública de ensino.

12 A Ação Direta de Inconstitucionalidade no

3197, de relatoria do Min. Sepúlveda Pertence, atéa conclusão deste artigo não foi julgada pelo Su-premo Tribunal Federal.

13 A argüição de inconstitucionalidade no 00015/2005, do Tribunal de Justiça do Estado do Rio deJaneiro, acima mencionada, manifestando-se pelainconstitucionalidade da Lei Estadual 3.708, de-clarou: “... Até onde, porém, a reserva de cotaspode ser estabelecida, sem que se firam outros di-reitos, também fundamentais? Aí vêm os princípi-os constitucionais da isonomia, da dignidade dapessoa humana, da legalidade, etc., além do prin-cípio da proporcionalidade, que resume toda e qual-quer posição que se baseie na seriedade das pro-postas constitucionais.”

Referências

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