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    TEMPO EM SCHAEFFER E FERNEYHOUGH:

    DO OBJETO ISOLADO AO OBJETO EM CONTEXTO

    por Daniel L. BARREIRO e Edson S. ZAMPRONHA

    I ntroduo

    Quando se fala em tempo musical, usualmente ele associado idia de andamento e

    suas variaes atravs de rallentandi, accelerandi e rubati. Essa associao estende-se muitas

    vezes tambm s questes mais propriamente rtmicas, abrangendo a combinao das duraes

    dentro de uma pulsao que pode ser peridica ou no.

    No entanto, podemos pensar numa outra concepo de tempo musical que, embora se

    utilize dos parmetros acima mencionados, no se reduz a eles. Esse outro tempo musical pode

    ser aqui chamado provisoriamente de tempo da escuta. Com essa expresso no queremos nos

    referir ao tempo que uma determinada pea dura, em minutos e segundos. Estamos nos referindo

    ao tempo enquanto dado de sensao, ou seja, s sensaes de compresses e dilataes

    temporais que emergem da escuta de uma determinada pea musical. Em alguns autores (ver

    Emery, 1998) esse assunto tratado atravs de comparaes desse tempo para com o tempo dos

    relgios. Esse no o caso no presente trabalho. Partindo do princpio de que o tempo resultado

    da relao entre ouvinte e obra, estamos em busca de quais aspectos musicais esto

    predominantemente em jogo para motivar a emergncia desse tempo enquanto dado de sensao.

    Apresentaremos aqui uma breve incurso nessa questo abordando como o conceito de tempo

    tratado por Pierre Schaeffer e Brian Ferneyhough, Schaeffer considerando o tempo no objeto

    isolado e Ferneyhough considerando o tempo no objeto em contexto. Esse trabalho conta com o

    apoio da FAPESP.

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    Schaeff er: tempo do objeto isolado

    O esforo de Schaeffer em compreender melhor a passagem do fsico ao perceptivo, ou

    a elaborao psicolgica do tempo fsico (1966, p.244) concentra-se em uma experincia na

    qual abordou a escuta das duraes de sons isolados.

    A experincia por ele realizada restringiu-se a sons compostos, constitudos de vrios

    parciais dos quais uma das freqncias preponderante, o que faz com que o som possa ser

    qualificado em termos de altura. Foram utilizados sete sons assimtricos, com diferentes tipos de

    ataque ou de manuteno seguidos de ressonncia.

    No primeiro estgio da experincia, os sons foram apresentados no sentido original. Aos

    ouvintes foi pedido que comparassem as duas fases de cada som (ataque ou manuteno, por um

    lado, e ressonncia, por outro) em termos de durao, apreciando a importncia temporal de uma

    fase em relao outra. A falta de correspondncia entre a durao percebida e a durao fsica

    dos sons (medida em segundos) resultou na formulao daquilo que Schaeffer chamou de

    anamorfoses temporaisutilizando-se, no sentido figurado, de um termo originalmente referente

    deformao sofrida por uma imagem quando refletida em um espelho curvo.

    Segundo Schaeffer, isso ocorre porque tanto a fase do ataque quanto da manuteno

    concentram tanto a causa que provoca o som quanto importantes caracteres de sua evoluo. A

    ateno tende a se fixar a e a tornar-se mais difusa na ressonncia, pois o ouvido presume que os

    caracteres que se desenvolvem nessa segunda fase j estavam presentes na primeira. O esforo

    que a ateno concentra sobre essa primeira fase aumenta a sensao de durao. Aparentemente,

    a memria guarda dela um vestgio maior, enquanto que na ressonncia o esforo menor e o

    vestgio na memria torna-se menos significativo. A ateno do ouvido aparece concentrada nos

    instantes nos quais a explicao enrgica e, em geral, as variaes caractersticas do objeto esto

    agrupadas (p.253).

    Em seguida, Schaeffer realizou a experincia com verses duas vezes mais lenta desses

    sons e tambm com verses contendo somente seus incios, isolados das suas ressonncias. Num

    estgio ainda posterior, cada um dos sete sons foi apresentado em sentido retrgrado. Ao

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    contrrio do que ocorre com o som no sentido original, Schaeffer verificou que nos sons em

    retrgrado a ateno era despertada gradativamente. Apesar de se apresentarem percepo

    como inslitos e ilgicos, os sons retrogradados mostraram a vantagem de propiciar uma escuta

    mais abstrata, j que a causa produtora do som no era evidente. Alm disso, segundo Schaeffer,

    neles a densidade de informao melhor distribuda. Assim, o ouvido pode perceber com maior

    acuidade aquilo que o ataque ou a manuteno ocultavam: o contedo harmnico. Quanto

    percepo do tempo Schaeffer relata respostas variadas e contraditrias dos ouvintes. Para

    alguns o suspense despertado pela apresentao em retrgrado resultava na sensao de um

    tempo longo, enquanto que, para outros, gerava uma sensao de preenchimento e conseqente

    encurtamento. Para Schaeffer o importante constatar que o trajetoda escuta no se efetua com

    a mesma velocidade nem da mesma maneira no som direto e no som inverso [retrgrado]

    (p.252). Alm disso, a apresentao dos sons em retrgrado faz com que a distino entre as duas

    fases do som (manuteno ou ataque, por um lado, e ressonncia, por outro) no seja evidente.

    Assim, a passagem da ressonncia para a manuteno ou ataque mostra-se mais contnua e o

    objeto sonoro revela-se mais coeso. Schaeffer pde verificar, ento, que esse fenmeno ocorre

    tambm quando da apresentao seguida dos sete sons retrogradados. Assim, em lugar de uma

    sucesso de sete objetos descontnuos separados por silncios, escutamos agora uma seqncia

    de sete objetos musicais ligados uns aos outros (p.252).

    Na msica tradicional, em razo da semelhana dos sons utilizados, o surgimento de um

    tempo mtrico se impe. Mas, se (...) reunirmos ou compararmos objetos diferentemente

    carregados de informao, o tempo mtrico se dilui (...) em proveito de uma percepo das

    duraes em evidente relao com o contedo dos objetos (p.246).

    Sua concluso mais geral, e que mais interessa no momento, que a durao musical

    funo direta da densidade de informao" (p.248). A expresso densidade de informao a

    empregada num sentido analgico, que sugere simplesmente uma quantidade relativa mais ou

    menos elevada de eventos energticos diferenciados (e diferenciveis) em uma dada fase de um

    dado objeto musical(p.249).

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    A anlise de Schaeffer est calcada na teoria da informao (Shannon e Weaver, 1949).

    O vnculo direto que estabelece entre durao musical e densidade de informao ilustrativo

    nesse sentido. Mais importante por ora, no entanto, notar que suas pesquisas baseiam-se

    prioritariamente na escuta de objetos sonoros isolados, no abordando o tempo musical no

    contexto de uma obra, ou mesmo na interao entre objetos sonoros distintos.

    Na sua pesquisa o isolamento dos objetos sonoros est em acordo, vale notar, com a sua

    prpria proposta de elaborar um solfejo. A teoria da informao propicia uma abordagem

    atomista, mas que no da conta de estruturas mais globais, no conseguindo, assim, corresponder

    complexidade da realidade perceptiva. O enfrentamento com um contexto musical mais

    complexo parece necessitar de outra abordagem. Nesse sentido, algumas idias de Brian

    Ferneyhough indicam um caminho para se abordar o tempo musical focando-se no no objeto

    sonoro isolado, mas na relao entre objetos.

    Ferneyhough: tempo do objeto em contexto

    Mencionando a obra Mnemosyne (para flauta baixo e tape), Ferneyhough aborda no

    artigo The tactility of time (1993a) sua preocupao composicional em trabalhar musicalmente

    a sensao concreta do tempo. Uma de suas estratgias diz respeito prpria natureza dos

    objetos musicais. Na esteira de consideraes similares s de Schaeffer, afirma que percebemos

    eventos discretos (...) como movendo com um maior ou menor grau de dinamismo relativo

    quantidade de informao contida (p.22-23). Se o potencial de informao do evento muito

    alto, h a necessidade de um mbito temporal maior para que sua recepo e absoro sejam

    efetivas. Se o mbito temporal deliberadamente comprimido, uma sensao de presso, de

    muito pouco tempo emerge como um fator principal condicionando a recepo algo que

    conduz o ouvinte a categorizar o fluxo musical como rpido (p.23). E complementa: quando

    os ouvintes da minha msica dizem que ela muito rpida no querem dizer que a densidade

    momentnea de eventos excessiva, mas que h uma espcie de zona de atraso localizada na

    esteira do evento em si (p.23).

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    Mas Ferneyhough salienta que quando temos vrios objetos musicais seguindo-se um

    aps o outro, percebemos o fluxo do tempo diferentemente se (por exemplo) esses objetos so

    obviamente interrelacionados, se eles so conectados por transformaes graduais em um ou mais

    parmetros, se existem consistncias codificveis em materiais de impacto que intervm, e

    assim por diante (p.24). Em Il tempo della figura (1993b) Ferneyhough lana mo das idias

    de linha de fora e de energia musical. Energia algo de que os objetos musicais esto investidos,

    de forma que so capazes de tornar visveis as foras que agem sobre eles. As linhas de fora, por

    outro lado, tomam como seu veculo o mpeto conectivo estabelecido no ato de mover-se de um

    evento musical discreto a outro (p.13). Vemos a presente a diferenciao entre aquilo que se

    apresenta como caracterstica do objeto musical isolado e aquilo que diz respeito interao entre

    objetos.

    Sem entrar em maiores detalhes quanto concepo musical de Mnemosyne,

    Ferneyhough realiza na obra um paralelismo entre camadas sonoras distintas. Os materiais no

    so gramaticamente compatveis e no se reduzem a um denominador comum particular. A parte

    da flauta baixo escrita em trs pentagramas e, como no possvel que se execute tudo o que

    est escrito, estabelece-se aquilo que Ferneyhough chama de uma polifonia interruptiva. Ou seja,

    os eventos ou as cadeias de eventos esto sempre sendo interrompidos pelo incio de novos

    eventos nos outros nveis (1993a, p.27). Alm da relao entre essas trs camadas na flauta, h

    tambm a relao da flauta com o tape. As ressonncias comuns entre esses nveis de

    organizao e as surpresas inesperadas geradas pelos seus entrecruzamentos, colises e

    subverses mtuas geram a emergncia da conscincia do fluxo temporal como um dado

    sensorialmente palpvel. A oscilao entre graus diversos de fluxo fundamental e a emergncia

    repentina de eventos imprevisveis serve como um veculo da tactilidadetemporal.

    Comentrio final

    O estudo da percepo do tempo no objeto isolado um ponto inicial e fundamental da

    pesquisa, mas no suficiente para dar conta da complexidade da percepo do tempo quando se

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    considera todo um tecido musical. A considerao do objeto em contexto j um passo

    importante nesse sentido. No entanto uma srie de questes surgem. Por exemplo, partir-se de

    objetos isolados para estudar objetos em contexto claramente uma hiptese atomista. Elementos

    menores so combinados e constituem os elementos maiores. Pode-se questionar se a percepo

    de fato funciona assim, se ela de fato possui tijolos perceptuais (objetos) sobre os quais constri

    relaes. Murail (1992), ao contrrio, lana a hiptese de que s haja o contnuo sonoro, o que

    leva a dizer que objeto uma construo perceptual em funo do contexto. Desse modo o

    contexto vem antes do objeto, e a hiptese atomista no se aplica. Aplicado ao tempo, isso

    significa dizer que o tempo no seria o resultado de uma quantidade de informao relativa

    inerente aos objetos e suas interaes, mas uma outra coisa tal como uma propriedade emergente.

    Nesse ponto essa pesquisa se abre para um universo ainda em construo, que busca descobrir

    quais aspectos so predominantes para motivar a emergncia do tempo enquanto dado de

    sensao, que pode vir a fornecer novos recursos para a composio musical.

    Refernci as B ibl iogrficas

    EMERY, Eric (1998). Temps et musique. Lausanne: LAge dHomme.

    FERNEYHOUGH, Brian (1993a). The tactility of time. In:Perspectives of New Music, v.31,

    n.1, pp.20-30.

    ________ (1993b). Il tempo della figura. In:Perspectives of New Music, v.31, n.1, pp.10-19.

    MURAIL, Tristan (1992). "A Revoluo dos Sons Complexos".Anlise Musical, v.5, p.55-72.

    SHANNON, Claude E. e Warren Weaver (1949) [1975]. The Mathematical Theory of

    Communication. 6 ed. Urbana: University of Illinois.

    SCHAEFFER, Pierre (1966). Trait des Objets Musicaux.[Nouvelle dition]. Paris: ditions du

    Seuil.

    ZAMPRONHA, Edson S. (1995). Msica: Uma Metfora do Tempo.ARTEunesp, v.11, p.109-

    121.

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    Guia para continuar

    FFProgramao da ANPPOM 1999

    FFInformao dos Participantes

    FFSada dos Anais da ANPPOM

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