barreiras inovação na indústria petroquímica brasileiras

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Barreiras à Inovação na Empresa Petroquímica Licenciada José Adeodato de Souza Neto Apresentação O presente texto tem o propósito de compartilhar algumas reflexões sobre barreiras à inovação tecnológica nas empresas petroquímicas liceniadas, na esperança de obter críticas e comentários que melhorem meus conhecimentos na área. A motivação surgiu a partir de um caso bem sucedido do ponto de vista científico ou tecnológico, que não teve continuidade e, aparentemente, não gerou as vantagens competitivas esperadas. Como engenheiro químico e pesquisador, sempre fiquei indignado com o desinteresse pelo desenvolvimento de tecnologia própria, manifestado pelas empresas químicas que conhecia. Hoje, tenho uma compreensão diferente e acho que há explicação lógica e racional. Como produtora de commodity, custos de produção e logística são fatores fundamentais para competir e aumentar as margens. A redução dos custos de produção pode ser conseguida por duas vias: aumento da escala e mudança de tecnologia. A empresa teve êxito no desenvolvimento de um catalisador de processo que permanece em uso, até hoje. Não se pode deixar de reconhecer a façanha técnica, na medida em que várias dificuldades foram vencidas, inclusive a gestão de contrato de pesquisa com um grupo universitário e, provavelmente, superar questionamentos da parte do licenciador da tecnologia. Com certeza, para quem lida com o tema de tecnologia nas empresas, não há novidade na discussão que se segue, porém acredito não ser o caso dos agentes de governo, responsáveis pelas políticas públicas e de pesquisadores, cujo foco são os desafios técnicos. Infelizmente, este tipo de atividade foi suspenso na empresa e, aparentemente, as vantagens decorrentes da tecnologia própria não motivaram os dirigentes e acionistas. Hoje, o catalisador continua sendo licenciado para terceiros e gera receita. Para bem compreender o problema é preciso olhar o acordo de licença de tecnologia.

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Page 1: Barreiras inovação na indústria petroquímica brasileiras

Barreiras à Inovação na Empresa Petroquímica Licenciada

José Adeodato de Souza Neto

Apresentação

O presente texto tem o propósito de compartilhar algumas reflexões sobre barreiras à inovação tecnológica nas empresas petroquímicas liceniadas, na esperança de obter críticas e comentários que melhorem meus conhecimentos na área. A motivação surgiu a partir de um caso bem sucedido do ponto de vista científico ou tecnológico, que não teve continuidade e, aparentemente, não gerou as vantagens competitivas esperadas.

Como engenheiro químico e pesquisador, sempre fiquei indignado com o desinteresse pelo desenvolvimento de tecnologia própria, manifestado pelas empresas químicas que conhecia. Hoje, tenho uma compreensão diferente e acho que há explicação lógica e racional.

Como produtora de commodity, custos de produção e logística são fatores fundamentais para competir e aumentar as margens. A redução dos custos de produção pode ser conseguida por duas vias: aumento da escala e mudança de tecnologia. A empresa teve êxito no desenvolvimento de um catalisador de processo que permanece em uso, até hoje.

Não se pode deixar de reconhecer a façanha técnica, na medida em que várias dificuldades foram vencidas, inclusive a gestão de contrato de pesquisa com um grupo universitário e, provavelmente, superar questionamentos da parte do licenciador da tecnologia.

Com certeza, para quem lida com o tema de tecnologia nas empresas, não há novidade na discussão que se segue, porém acredito não ser o caso dos agentes de governo, responsáveis pelas políticas públicas e de pesquisadores, cujo foco são os desafios técnicos.

Infelizmente, este tipo de atividade foi suspenso na empresa e, aparentemente, as vantagens decorrentes da tecnologia própria não motivaram os dirigentes e acionistas. Hoje, o catalisador continua sendo licenciado para terceiros e gera receita.

Para bem compreender o problema é preciso olhar o acordo de licença de tecnologia.

A licença de tecnologia

Embora não esteja familiarizado com o acordo de licença de tecnologia específico da empresa, conheço outros acordos, que têm estrutura semelhante e cláusulas importantes muito parecidas.

As seguintes cláusulas são comuns:

1. “Quase propriedade industrial”.

Em geral, os processos petroquímicos licenciados não são patenteados e, portanto, não têm proteção legal. Isto implica no direito do licenciado ampliar, reproduzir ou modificar a unidade industrial sem restrições legais. Para fins de comparação, no caso de processos patenteados, a propriedade da tecnologia seria legalmente protegida contra usos ou cópia não autorizadas, pelo prazo de 20.

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Para uma empresa licenciada que pretende desenvolver sua própria tecnologia, os direitos do licenciador desempenham papel importante e podem significar impedimentos sérios para modificar e evoluir a tecnologia licenciada.

Há uma forma comum de contratação, na qual os direitos dos licenciadores não são explícitos, conhecida na literatura como “quase propriedade industrial” que, embora não seja um contrato de licença de patente, aumenta o poder do licenciador sobre o know-how, dificultando a liberdade de uso da tecnologia por parte do licenciado. O formato geral das cláusulas contratuais é:

a. O licenciado reconhece que o licenciador detém direitos de algumas patentes envolvidas no processo licenciado (não explicitadas);

b. O licenciador garante que não irá processar o licenciado pelo uso dessas patentes;

c. O licenciador garante que o processo licenciado não envolve direitos de propriedade industrial de terceiros e assume integral responsabilidade de eventuais reclamações propostas por terceiros.

Este tipo de contrato restringe a liberdade do licenciado de desfrutar integralmente do know-how adquirido, na medida em que ele reconhece tratar-se da propriedade do licenciador. Ele quer evitar o risco de infringir alguma patente não explicitada e tudo passa a funcionar como se fora licença de patente.

2. “Licenciamento recíproco” (Cross Licensing).

Sob esta denominação, há um conjunto de regras acordadas que estabelecem obrigações recíprocas de informar e permitir o uso gratuito de quaisquer pequenas melhorias (minor improvements) que as partes venham a desenvolver. A mesma obrigação é acordada para melhorias significativas (major improvments), com a diferença que, neste caso, o licenciamento compulsório seria remunerado, mediante recebimento de royalties. É comum que, para facilitar este intercâmbio de informações, periodicamente, sejam realizados encontros tecnológicos (Technology Meetings), onde todos os licenciados se comprometem a participar e permutar informações.

Discussão

A configuração contratual acima traz duas consequências importantes, para uma empresa petroquímica que opera com processos licenciados e que pretende inovar para competir:

a) Ela reconhece que a tecnologia licenciada é da propriedade do licenciador (mesmo que não haja patente envolvida);

b) Ela se obriga a informar e licenciar qualquer desenvolvimento tecnológico que venha realizar.

Mesmo que não sejam impeditivas, as condições contratuais acima reduzem vantagens decorrentes de um desenvolvimento de tecnologia própria, na medida em que o licenciado fica atrelado ao licenciador e é obrigado a abrir informações sobre o seu “Know-how” para terceiros e concorrentes.

Dito em outras palavras, os menores custos de produção resultantes da nova tecnologia serão disseminados para concorrentes, participantes da mesma licença, eliminando ou reduzindo a diferenciação de custos de produção. Se os concorrentes também têm custos de produção

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mais baixo, há sério risco dos clientes ou do mercado absorverem as vantagens de custo reduzido ou, no mínimo, os preços serem deprimidos.

É certo que a empresa não está impedida de desenvolver processo ou catalisador novos, independente do processo licenciado. Neste caso, não há impedimento contratual ou legal, porém as barreiras não técnicas continuam presentes. Refiro-me particularmente à necessidade de maiores investimentos, para desenvolver um processo ou catalisador inteiramente novo. Neste caso, a viabilidade do desenvolvimento exigiria uma vantagem de custos mais significativa ou uma escala de produção mais elevada, suficiente para amortizar o investimento.

Conclusão

Se você quer dar início a um desenvolvimento de tecnologia na sua empresa, é preciso ter em mente que as barreiras não técnicas podem ser muito mais significativas do que se imagina. Ou seja, inovar não é simplesmente resultado de uma nova tecnologia, há outros fatores a serem examinados.