barcelos & eu
DESCRIPTION
Temas Lusos & Luso-Americanos J. C. MacedoTRANSCRIPT
Índice
Apresentação Maria Augusta de Castro e Souza
Villa de Barcellos Do Cávado Ao Rio Negro
Portugal, o Galo e Eu.
João Macedo Correia Do Barro Sou E Faço
O Salazarismo e a Farra do Galo
Poesia Em Barcelos
J. C. Macedo a pluralidade singular que faz a
militância sócio-cultural
A pessoa que se diz na sua plenitude social e cultural é aquela que carrega o
acto civilizacional na consciência objectiva, não obstante a abstração da mítica
nacionalista; mas, esta (ou seja: o nacionalismo) não impede a liberdade feita
na batalha pela cidadania.
Habituado desde muito moço a olhar o mundo, seja a observar o
regionalismo multi-cultural da feira de Barcelos, ou a própria percepção nos
filmes de Cantinflas e de Charlot, no cine-teatro Gil Vicente, ou ainda as
partidas de bola no Campo Adelino Ribeiro Novo, seja em redacções
escolares, além de muita poesia nos sacos de papel e bilhetes de autocarro, no
que mais tarde Johanne Liffey arquivou como “cadernos de barcelos”, o
jornalista, cineclubista e poeta João Carlos Macedo, ou mais simplesmente J.
C. Macedo, e mesmo João Barcellos [nome que adoptou para assinar escritos
clandestinos mimeografados e distribuídos pela Turma de Jovens Intelectuais
Anarquistas], e que também aparece nas capas de vários livros, é essa pessoa
que assume conscientemente a liberdade de batalhar por uma civilização mais
humana, mais crítica e construtiva.
Depois das actividades políticas (e digo históricas) na fundação da Turma de
Jovens Intelectuais Anarquistas (tjia), em 1972, quando conheci o poeta de
Barcelos que trabalhava e morava em Guimarães, conheci também a pessoa
que entregava a sua juventude à causa da liberdade, e nessa época a sua
produção jornalística era lida como se tivesse sido “escrita por alguém de idade
avançada e cheia de experiência”, como ouvi várias vezes. Não. Era um jovem
de 18 anos que, desde moço, aprendia a ler o mundo a cada dia que passava.
E com uma angústia: mesmo a poucos quilômetros de distância, sentia-se
muito longe da sua terra mátria, do barro do avô paterno e dos actos culturais
dos tios, e também da jornada rural-urbana do avô materno. A imagem da
cidade de Barcelos moldava-lhe cada instante, dos primeiros amores aos
poemas feitos com a profundidade regionalista que o mestre transforma em
mensagem mundana. “No dia em que eu deixar de respirar, dentro ou fora de
Portugal, queimem a carcaça imunda e soltem as cinzas puras da minh´alma
poética em Barcelos”, escreveu ele um bilhete no auge das atividades da TJIA,
em 1973 – bilhete que repassei, no verão de 1974, para a sua paixão de então,
a professora e militante libertária irlandesa Hanne Liffey.
Fora de Portugal, muitos anos depois, iniciei a tarefa de organizar toda a
papelada, fotos e recortes de imprensa, produzida de 1972 a 1974, e sem
muito espanto para mim a maioria dos textos tinha a assinatura de Eolo, Alex e
Barcellos, sendo todos a mesma pessoa. Sabia que, desde 2005, Johanne,
filha de Hanne Liffey, buscava toda a documentação disponível do pai João:
“Preciso reunir a história que me trouxe a este mundo para me entender e viver
comigo mesma”, escreveu num e-mail, ao qual respondi “a porta da minha casa
está aberta, vem”. Tinha os grandes e belos olhos da mãe e exalava a
fragrância da poesia do pai em tudo o que fazia e dizia. Inconfundível. Nascera
poeta e batalhadora. Durante uma semana, Johanne ajudou-me a seccionar os
arquivos e organizá-los. E de repente, a jovem enfermeira-paraquedista e
fotógrafa, a estudar medicina, tinha nas mãos a sua própria história. Só poderia
ser filha de quem era. Fiquei fascinada com a humildade e com a cultura
daquela menina-mulher, encantada em seguir os passos do pai poeta e
libertário.
O mais impressionante documento que recebi dele, em Setembro de 1976,
era um panflo mimeografado (as matrizes de carbono e a primeira edição) a
analisar a novembrada militar do dia 25, sobre a qual ele teve notícia ao se
apresentar naquele dia no quartel-general de Coimbra; no verão de 76 ele foi
detido e mandado para um presídio militar em Caldas da Rainha a cumprir
pena disciplinar por desobediência à hierarquia e, com receio de perder a
papelada que mantinha na caserna, enviou-me o que pôde antes de deixar
aquela Coimbra onde fizera várias palestras, cursos de alfabetização e
publicara textos vários. Ali fizera várias amizades, a mais duradoira dá pelo
nome Céline Abdullah, uma moçambicana que se formou em bioquímica e é,
até hoje, sua admiradora e colaboradora.
Ainda em 1975, em Lisboa, teve acesso a documentos recentes que haviam
dado entrada na Torre do Tombo e pôde vasculhar vários temas reunidos em
Papeis do Brasil: noticiário muito variado, mas que o catapultou para a figura
de um Affonso Sardinha (o Velho), senhor de minas e escravos e político em
São Paulo. Mais de 30 anos depois ele pôde vasculhar no espaço próprio a
história desse Affonso Sardinha (o Velho) e a verdadeira história da
colonização luso-americana.
Amigo e colaborador do filósofo Manuel Reis, fundador do Centro de Estudos
do Humanismo Crítico, em Guimarães, montou duas colecções literárias de
grande interesse historiográfico e social para a lusofonia (utilizo este termo
porque não gosto de portugalidade): Debates Paralelos e Palavras Essenciais.
Tudo isso com apoio de Valentina Lyubtschenko, da Edicon. Paralelamente,
havia desenvolvido com a professora e artista plástica Tereza Oliveira, o Grupo
Granja, que veio a fundir-se no Grupo de Debates Noética, braço latino-
americano do CEHC. Não cheguei a conhecer o Mestre Reis, li e leio os seus
livros, e percebo nessa produção por que o J. C. Macedo diz-se “discípulo e
companheiro de um mestre que vive na e com a sabedoria”.
Nas primeiras semanas de 2013, quando o papa Bento XVI (leia-se padre
Ratzinger) diz publicamente da sua renúncia e espanta as pessoas menos
avisadas sobre a turbulência política e económica do Vaticano, e já eu tinha
lido o volume nono da colecção Palavras Essenciais, sobre O Átrio Dos
Gentios, recebi via internet um conjunto de textos e poemas enviados pela
Johanne: “Meu pai João aceitou a reunião que fiz e vai publicar o material em
homenagem a Barcelos. Devo a ti esta possibilidade e gostaria (ele concorda)
que escrevesses a apresentação”. Sempre um encanto e sempre objectiva.
Fico lisonjeada. Emociono-me.
Com exceção de um ensaio acerca da ligação da Villa Barcellos lusa à
Barcellos brasileira (na Amazónia), eu já conhecia os textos e os poemas. Por
isso, “não vou escrever sobre eles”, decidi. Pois, “escrever acerca de J. C.
Macedo é mais difícil e é mais um desafio”. Por mais que se conheça este
poeta e jornalista (“É um gajo minho-galaico cuja mente libertária facilmente se
encontra, mas é difícil penetrar-lhe a alma que se resguarda como lapa em
rochedo”, escreveu o editor e poeta catalão Ruy Hernández, em 1981), parece
que a cada instante ele revela-se outro, vive a experimentar a própria
existência.
Vivi com ele momentos de precário isolamento na angústia da possível prisão
política, tortura, e o diálogo que mantínhamos era de uma linguagem tão
intimamente fraternal que sabíamos o que queríamos só de olharmo-nos. Uma
experiência quase desumana, porque estávamos nús diante do mundo que
queríamos derrubar e modificar. Ao vasculhar aquela papelada, em 2003, e ao
ler um poeminha dele dedicado a Barcelos, é que me dei conta que aquele seu
apego histórico e maternal a Barcelos foi a grande baliza que o ajudou a
manter uma linha de raciocínio diante de tanta precariedade humana na
sociedade arregimentada como gado e tangida por meia dúzia de políticos e
religiosos corruptos.
Vivi outras experiências na Irlanda, no Afeganistão e no País Basco, mas
aqueles dois intensos e perigosos anos, no meio da cinza policialesca e
ideológica do salazarismo mantido pelo caetanismo, foram uma aula de
sobrevivência e de solidariedade só possível pela dedicação e a poesia
libertária do barcelense J. C. Macedo.
Eis o que posso (e devo) escrever como testemunho da camaradagem
política e intelectual do poeta e jornalista J. C. Macedo.
Maria Augusta de Castro e Souza (macs)
Profª de História. Berlin-De.
Carnaval de 2013.
Introdução
O meados do Séc. XVIII, quer em Portugal quer no Brasil, é uma novela
diplomática cujos contornos se encontram em actos de maçons nos “[...]
bastidores políticos da Europa que os ingleses querem para si, mas a cobiçar
ainda, como os holandeses, o vasto território colonial português na Floresta
Amazônica” [Liffey, 1972-73], e actos de maçons explicitados em vasta
correspondência portuguesa, inglesa, castelhana e francesa coeva. Sobre esta
correspondência ainda existe muita carta para pesquisar, e isso é notório,
como “[...] é notório o desinteresse académico neste tipo objectivo social e
pedagógico” [Macedo, 1973], porque não existe interesse em dizer da História
como ele é e foi... como, por exemplo, a participação activa e humilhante do
Conde bragantino de Barcelos no assassinato do infante-regente Pedro, e da
própria Casa de Bragança no do seu neto e rei João II, e como já no início dos
Anos 60 um missionário dizia, “ainda veremos Águias e Gaivotas a fazerem um
novo Portugal, aquele que foi enterrado em Alfarrobeira” [1]. Quando, em
encontros clandestinos no litoral da Costa Verde minhota, fiz a “Breve palestra
entre anarquistas, a partir da História de Barcelos e do barcelense Manoel
José, que encontrou ouro no Arraial do Rio das Mortes, nas Minas Gerais” [2],
tive a sorte de ter conhecido uma artista plástica brasileira que me falou “da
luso-brasilidade dos bandeirantes e dos colonos-mineradores que já viam, lá na
frente do imenso continente amazónico, o esboço da raça brasileira” [Costa,
1972], e foi quando eu soube que “a Amazônia teve como primeira capital uma
Villa chamada Barcellos”. A partir daí, o meu interesse pela História, que já era
grande por causa do conflito das casas de Avis e Bragança, passou ter um foco
chamado “Barcelos: o maior Concelho português e o maior Município brasileiro,
e o segundo do mundo”. E beijando as duas Barcelos dois rios, o Cávado e o
Rio Negro, separados pelo Oceano Atlântico.
1
Da Idéia De Res Publica Da Casa de Coimbra
Ao Desassossego Feudal Da Casa De Bragança
Entre os caminhos ibéricos da galega Santiago de Compostela, a região
banhada pelo Rio Cávado passa a ser denominada Barcellos [de Barc + Ellus,
q.s. Barca Pequena] por ser um dos portos fluviais de chegada e partida dos
peregrinos católicos de entre o Minho e a Galiza. Os registos arqueológicos
apontam para uma ocupação romana, e a planta urbana da villa apresenta-se
assim mesmo, mas deve-se considerar que a passagem de tribos celtas
[principalmente visigodos] e muçulmanas, antes e depois dos romanos,
significa que já existia uma primitiva vila nas margens do rio. Estratégica, a vila
deve ter servido de pouso e de abastecimento para todo o tipo de viajantes no
velho território galego, e já com trabalhos cerâmicos, o que é comum às
povoações ribeirinhas ibéricas. E é esta região que o rei Afonso Henriques
chama de “minha villa”, em documentos datados de meados do Séc. XII, pois
que antes havia sido conquistada pelos reis de Leão, quando da reconquista
católica da Península Ibérica. Já no Séc. XIII, a vila chama-se Santa Maria de
Barcellos, e em 1298 o rei Dinis dá-lhe as regalias administrativas de Condado,
e tem como primeiro conde, o fidalgo João Afonso Telo de Menezes. Neste
condado, vamos encontrar um 8º Conde de Barcellos, Afonso [o filho bastardo
do rei João], também o 1º Duque de Bragança, e que vem a iniciar na vila as
obras do Palácio dos Duques de Bragança, destruído no terramoto de 1755.
Pela transferência da Casa bragantina, de Chaves para Barcellos, é que se
percebe como as gentes da vila têm de lutar ao lado dos seus senhores feudais
contra as políticas de abertura política da Casa coimbrã – parte da Casa de
Aviz, e onde, no Séc. XV, tem início aquele olhar marítimo na percepção
mundana e política do infante-regente Pedro, Conde de Coimbra. Precisamente
aquele olhar que o leva a pôr nas Ordenações Afonsinas um conceito de Res
Publica que faz tremer os feudais bragantinos e os bispos católicos – e estes,
que acusam a óptica progressista pela ponta da espada, fazem um acto de
esmagamento político e social e convocam uma cruzada lusa contra esse
primeiro grande estadista português. Resultado: o Portugal progressista é
derrotado e deixado para as aves de rapina no campo de Alfarrobeira. Aliados
dos feudais bragantinos e dos bispos católicos, a Ordem templária de Cristo,
dirigida pelo infante Henrique [irmão de Pedro], e todas as casa feudais.
Portugal só retornará ao espírito republicano e às navegações no período do
rei João II... neto de Pedro!
2
João II: O Espírito Republicano
Que Põe Portugal No Mundo E Onde Barcellos
Embarca No Novo Olhar
Com o espírito republicano do avô, João II põe os portugueses a par de si
mesmos e da aventura que dos portos litorâneos do centro e do norte, e numa
afirmação galego-portuguesa de suma importância para os anos vindouros;
traçado o Plano da Índia a partir do Mapa de Fra Mauro, que Pedro havia
mandado traçar, Portugal faz do Mar a sua obra maior – obra na qual está
muita gente de Barcellos, e de toda a região do Minho. Esquecer o desastre
político de Alfarrobeira é um motivo forte para as gentes de Barcellos, que são
“bragantinas por circunstâncias alheias”, e a villa-condado & porto fluvial ganha
a chance de ser e estar Portugal.
Deste novo olhar, ainda no Séc. XV, que na verdade é um retorno àquele
processo fluvial da barc ellus do Séc. XII, na sua primitiva condição de villa
anfitriã do mundo, é que Barcellos traja as cores do bravo rosto português...
quer em Portugal quer no Brasil.
3
Villa de Barcellos: Do Cávado Ao Rio Negro
A travessia quinhentista e seiscentista dos mares leva portugueses e galegos
aos rincões do Novo Mundo, e entre eles a gente de Barcellos.
Por todas as capitanias hereditárias do Brasil espalham-se barcelenses, mas
é nos portos, marítimos e fluviais, que as gentes de Barcellos encontram a sua
alma mundana, até por que respiram – como diriam os professores Alfredo
Pinheiro Marques e Jaime Cortesão – de porto em porto a construção desse
Outro Portugal ultramarino [Barcellos, 1990]; mas há quem vá ao sertam, quer
pelo velho Piabiyu guarani, quer pelo Vale do Tietê, para galgar, de um lado, os
paranás até à Amazônia, e do outro, as Gerais.
Entre outros, nas Gerais, eis que um Manoel José encontra ouro no Tejuco, e
é um barcelense que, entre 1704 e 1707, faz fortuna e por aqui fica..., ou seja,
aquele Outro Portugal começa a ter um nome: Brasil.
O nome Barcellos, grafado com ll ou com l, expande-se de tal maneira pelo
continente, entre colonizadores, nativos e escravos, que se torna comum a
muitas famílias brasileiras.
Se nas regiões paulistas o sertam é o destino da maioria dos barcelenses, no
Rio de Janeiro o cenário não é diferente, mas aí até o Conde Barcellos tem
terras próprias, como “o Morro da Rocinha, mais tarde ocupado por todo o tipo
de retirantes e transformado em favela, um quilombo moderno [3]. Já na
Amazônia e no Pará, o nome Barcellos surge através de colonos, sim, mas as
regiões que recebem o mesmo nome da villa-condado do Cávado é porque um
serviço oficial de nomeações o exige, pois que desde os Anos 40 do Séc. XVIII
é exigido dar nome de vilas e cidades portuguesas às povoações a fundar nos
novos territórios do Império, e por isso, surgem Alcântara, Oeiras, Olivença,
Coimbra, Queluz, Bragança, Belém, Altamira, Santarém, etc e etc..., e, na
região amazônica do Rio Negro é dado o nome de Villa de Barcellos à velha
aldeia Mariúra, dos nativos Manaus.
[Barcelos / Amazonas – Brasil]
Francisco Xavier de Mendonça Furtado, irmão do Marquês de Pombal, solicita
a criação da Capitania de São José do Rio Negro que logo é chefiada por
Manuel da Gama Lobo d´Almada, e é este fidalgo, nascido na África, que cria
sobre a aldeia nativa Mariúra a capital, em 6 de maio de 1758: Villa de
Barcellos.
Importante porto fluvial, pela sua posição estratégica no Rio Negro,
Mariúra/Barcellos passa a ser uma capital conhecida e reconhecida por todos
os colonos e aventureiros, mas, principalmente, é o ponto de onde saem as
linhas mestras da administração imperial que transformam, humana e
economicamente, a região amazônica.
A Finalizar
Este muito breve ensaio esconde muitas pesquisas que, obviamente, não
cabem num artigo de jornalista cultural. Mas é, quiçá, uma janela aberta para
outros olhares...
Notas
[1] J. C. Macedo pertenceu ao “Grupo Façanhudos”, organizado por um missionário e que tinha
as dependências [umas vezes a Sacristia, outras a Torre dos Sinos] da Matriz como sede; o
grupo, infanto-juvenil, participava de brincadeiras, jogos lúdico-pedagógicos, acampamentos, e
muita conversa sobre História e Sociedade.
[2] Manoel José, natural de Barcellos, chegou a Minas Gerais para ganhar fortuna, e ele
encontrou ouro na encosta sul da Serra do Lenheiro, no Tejuco, nos primeiros anos do
Setecentos; o Tejuco deu origem ao Arraial Novo do Rio das Mortes e, mais tarde, a São João
d´El-Rey.
[3] O romancista e pesquisador João Barcellos diz que “na Rocinha, o ponto principal é o Bairro
Barcelos, o que mostra uma preocupação com a origem histórica colonial do morro”.
Alfarrobeira: Região de Vila Franca de Xira, perto de Lisboa. Batalha que colocou as casas de
Avis e de Bragança em confronto directo. A batalha aconteceu em 20 de Maio de 1449.
Barcelos / Pt: cortada pelo Rio Cávado, é uma região com 378,9 km2 e tem 89 freguesias [o
maior de Portugal]. Tem parque industrial, uma boa produção rural e na área artesanal
[cerâmica] destaca-se o famoso Galo de Barcelos.
Barcelos / Br: na margem direita do Rio Negro é o maior município do Estado do Amazonas,
com uma área territorial de 89.572 km², está localizado a 396 km em linha reta de Manaus e
496 km por via fluvial. Grande produtora de peixes ornamentais.
Em Portugal: CONCELHO = Município. FREGUESIA = Bairro. DISTRITO = Capital
administrativa de uma Província, que engloba os Concelhos.
Paranás: canais fluviais.
Páramo: deserto.
Piabiyu: do Guarani m´byano, q.s. Caminho do Peru.
Rio Cavado: Norte de Portugal, com nascente na Serra do Larouco, a c. De 1250 m de altitude; passa por Braga, Barcelos, e depois de um percurso de 118 kms tem foz no Oceano Atlântico junto a Esposende. A capacidade total dos recursos hídricos da Bacia do Cavado é de cerca de 1180 hm3, quase 30% do total existente em Portugal. Rio Negro: nasce na região pré-andina da Colômbia e corre ao encontro do Solimões, logo abaixo de Manaus, para formar o Amazonas. Em seu curso, percorre 1700 quilômetros. Da nascente à foz, a viagem dura um mês e meio. Na longa jornada, a água carrega folhas e outras matérias orgânicas que a tingem de âmbar.
Bibliografia
A CRIAÇÃO DA AMÉRICA FEUDAL. Ensaio. João Barcellos & Tereza de Oliveira. Rio de
Janeiro / Br., 1996.
A MALDIÇÃO DA MEMÓRIA DO INFANTE DOM PEDRO E AS ORIGENS DOS
DESCOBRIMENTOS PORTUGUESES. Estudos. Alfredo Pinheiro Marques. Centro de Estudos
do Mar, Buarcos/Pt, 1994.
CAUSAS DA INDEPENDÊNCIA DE PORTUGAL E DA FORMAÇÃO PORTUGUESA DO
BRASIL. In “Os Factores Democráticos Na Formação De Portugal”. Jaime Cortesão. Lisboa/Pt,
1978.
DE QUANTOS BRASIS É FEITO O OLHAR OCEÂNICO PORTUGUÊS?. “Breve palestra entre
anarquistas, a partir da História de Barcelos e do barcelense Manoel José, que encontrou ouro
no Arraial do Rio das Mortes, nas Minas Gerais”. J. C. Macedo, Apúlia e Esposende / Pt, 1973.
ÉLITISME ET ABONDANCE: BRESIL. Essai. Tereza de Oliveira. Paris/Fr., 1967.
IMAGENS DE VILAS E CIDADES DO BRASIL COLONIAL. Registro Histórico. Nestor G. Reis.
Edusp, São Paulo / Br., 2001.
MITO-HISTÓRIA & ÉPICA. Vários Autores. CEMAR, CEHC, GG, c/ Ed Edicon, São Paulo / Br.,
2004.
MORGADO DE MATHEUS / Um Fidalgo Português Na Casa Bandeirante. Ensaio. João
Barcellos, 1ª Ediç, 1993; 2ª Ediç, 2004 [Prêmio Clio de História], Ed Edicon / Br.
O OUTRO PORTUGAL / Questões Históricas. Crônica. João Barcellos. Jornal Jeroglífo,
Buenos Aires, Argentina, 1990.
OS PORTUGUESES CRIARAM NO BRASIL UM OUTRO PORTUGAL. Artigo. Izabel
Rodrigues da Costa, artista plástica brasileira, do Rio de Janeiro. A artista, em viagem pelo
norte de Portugal, conheceu o poeta J. C Macedo em Guimarães, e escreveu um pequeno
artigo que ele utilizou em diversos encontros minho-galaicos, mas também em encontros de
anarquistas sobre “A reciprocidade ideológica dos fascismos estabelecidos em Portugal e no
Brasil”. As informações da artista foram de muita valia para o poeta quando ele foi conhecer o
Brasil e a Argentina, em 1987.
THE U.K. AND THE MANSORY IN BRAZIL. Pamphlet. Hanne Liffey, Dublin/Ie – 1972; Braga/Pt
– 1973.
J. C. Macedo / militar
Que sei de mim?
Ai, este Portugal que m´anima
e faz-me ser pede acção,
pede a alquimia da revolução
e eu não sou galo de quebrar na esquina
da vida: minh´alma é estopim!
Eis que a liberdade m´anima.
A poesia molda a revolta em mim!
[Coimbra, 1975.]
As palavras comunicam sensações e comunicam ideias, mas o actos realizam
sonhos e perspectivam possibilidades. Entre a óptima ideia e o sonho eis que a
acção civilizatória.
Entre o metálico barulho dos tanques de guerra e do silvo dos aviões que
anunciam o estado de sítio, em mais uma quartelada, a casa portuguesa
parece desconhecer os próprios alicerces sócio-culturais para ser palco do
drama internacional cuja cortina é fronteira entre o capitalismo da livre iniciativa
e o capitalismo estatal, como se em ambos os sectores do palco assinalado as
diversas ideologias não pecassem pelo mesmo erro que é cercear a liberdade
das pessoas no seu ir e vir...!
“– Ó, ó Barcelos, parece que querem quebrar Portugal, mas o teu galo
continua a cantar!”, escutei no meio de uma tarde cinza.
Hoje é 25 de Novembro, e estamos a pouco mais de um ano do movimento
militar de 25 de Abril de 1974 que substituiu um poder por outro de igual
dimensão ideológica, mas disfarçada com a roupagem de democracia que os
liberais (civis e militares) vomitam a cada discurso. E, pois então, a polícia
política (a PIDE) foi encarcerada, embora a grande maioria dos agentes
sanguinários esteja à solta por falta de informações sobre os mesmos, e os
guardas republicanos (a GNR) aparecem agora como garantia da república.
[Retirada de um quadro de Salazar e prisão de um ´pide´]
Mas, será que o salazarismo (as políticas governamentais de António Salazar)
foi posto de lado? Foi mesmo?
Ao escutar “querem quebrar Portugal, mas o teu galo continua a cantar”, olhei
ao meu redor e vi-me cercado de uma malta tão miliciana quanto eu. Tinha-me
apresentado no quartel-general da região centro (Coimbra) e o oficial de
plantão atirou aquela frase numa galhofa que não escondeu a sua consciência
política. “– Sim, tenente, parece-me que é mais do mesmo, pois, Portugal não
vai deixar de ser o que é e o (meu) galo vai continuar a cantar para dizer de um
povo que defende tradições próprias...”, respondi. No silêncio que se fez pensei
que do q-g iria de imediato para um presídio militar. “– Tens razão, ó Barcelos,
e tu que és foto-cine e atirador especial, e então, mexes com sensações, sabes
muito bem que se não cortaram a cabeça do salazarismo tudo será como
dantes no quartel d´Abrantes...”, disse o oficial.
Escrevo isto três depois da quartelada novembrista (o eanismo spinolista
contra o otelismo cubano, ou, o capitalismo liberal versus marxismo-leninismo)
para lembrar que as possibilidades de tirar Portugal das garras católico-
capitalistas passam não por uma troca de chefes militares, mas por um golpe
d´Estado que decrete uma democracia de facto e de direito, pois, o fascismo
vai continuar a chupar o sangue da manada, como diz a canção do Zeca
Afonso.
Sabemos que o general Spínola foi importante, e que Eanes e Otelo já se
haviam movimentado para uma quartelada a partir do q-g spinolista, ainda na
Guiné, entretanto, não se pode esquecer que Spínola foi e é um general do
Estado Novo salazarista, e mesmo assim os capitães d´Abril entregaram-lhe o
poder na quartelada abrilista de 1974...! Sim, porque de uma quartelada se
tratou, e nada mais. Falar de revolução dos cravos é falar de entreguismo
ideológico. Só isso e nada mais.
[Spínola na Junta de Salvação Nacional, 1974]
Tanto anarquistas quanto marxistas-leninistas sabem muito bem que o
marxismo de Mário Soares, por exemplo, é puro liberalismo capitalista, e este
soarismo está engajado no Movimento das Forças Armadas (o MFA) para
orientar ideologicamente o traçado político da nova república, porque já
fomentou acordos que entregaram Angola e Moçambique às políticas de
partido único só para o Estado português lavar as mãos de séculos de
colonialismo! Qual será o próximo passo do soarismo? A quartelada
novembrista já insinua que Portugal não será uma Cuba no oceano europeu, e
então, eis que o liberalismo capitalista vai dotar a nova república com os seus
conceitos políticos, e até o general Spínola não ficará na nova ilhota segura
pelos banqueiros e as multinacionais.
Quando os oleiros de Barcelos iniciaram a produção do (famoso) galo de
barro rinham em mente a representação de um figurado relativo a um galo que,
depenado e assado, ressuscitou na travessa para dar liberdade a um
condenado inocente. Tal figurado foi aproveitado pelo ideólogo salazarista
António Ferro que dele fez símbolo do Portugal popular para turista ver e
comprar. No entanto, Ferro soube esquecer politicamente a proposta de
liberdade que o galo de Barcellos representa, mas o povo continuou a olhar
aquela peça cerâmica como um sinal da liberdade que, perdida uma vez, pode
ser reconquistada pela ousadia da criatividade.
A interpretação do oficial de plantão no q-g de Coimbra, diante de um
cidadão de Barcelos, foi exemplar – e explico: o galo só quebra no forno
quando a moldagem não foi feita de maneira certa, e se quebra, o galo de não
canta para celebrar a reconquista da liberdade.
A liberdade não é uma doação nem uma aquisição, porque não é produto. A
liberdade é um acto de coragem em prol da urbanidade e da livre expressão de
cada pessoa; e cada pessoa, consciente disto, é parte do todo civilizatório, em
cada aldeia, em cada nação.
Não me obriguem a vir para a rua
Gritar
Que é já tempo d' embalar a trouxa
E zarpar
Zeca Afonso
– in Venham Mais Cinco (canção)
É verdade que os capitães d´Abril abriram caminhos novos para Portugal,
mas cabe aos povos de Portugal determinar como será esta Nação depois do
salazarismo a que eles mesmos deram suporte, principalmente através da
igreja católica. O galo não canta a liberdade para todas as pessoas, apenas
para aquelas que ousam o acto libertário!
J. C. Macedo / poeta e jornalista
Que este breve ensaio político
sirva para uma reflexão social
e cultural acerca do que somos
e do que queremos ser.
Novembro de 1975
Obs.: material recuperado e digitalizado pela fotógrafa e médica Johanne Liffey, que possui, em Londres
(UK), a maioria dos originais das peças escritas por J. C. Macedo, do período de 1968 a 1981.
JOÃO MACEDO CORREIA do barro sou e faço
Uma Crónica De
J. C. Macedo
O que se escuta é o som de um violino. Uma menina ´arranha´ as cordas,
mas já demonstra mais leveza após duas semanas junto do mestre. Às vezes,
a poucos metros, ele deixa a futura violinista para me dar ´dicas´ sobre
perspectiva nos traços entre uma árvore e um jarro que eu havia imaginado na
beira dum rio.
Estamos na sala de jantar (que é também do pequeno almoço, do almoço e
das conversas entre leitura de jornais e audição de peças fonográficas), e ele
ainda comunica com a empregada criando o som dum sino com a batida da
faca num copo de cristal. É o homem da casa e é o mestre a preencher no
quotidiano um espaço seccionado por tempos diversos de actuação.
No piso inferior, várias mulheres retocam a pintura nas louças e outros
objetos utilitários e decorativos a serem embarcados para lojistas ingleses. Dá
continuidade à saga de comércio internacional iniciada pelo pai Joaquim
Macedo, ceramista e comerciante (importador) de produtos brasileiros para
lojistas do Porto. Das aulas de desenho e música ao acabamento artístico dos
seus produtos cerâmicos, aqui está o meu avô Macedo. “O acabamento de um
produto mostra a sua qualidade”, diz para as mulheres. Está entusiasmado
com o esmero delas, pois, aprendera na tradição das Caldas da Rainha, que “o
esmero traduz a poética das linhas que no cérebro constroem desenhos e
recriam objetos”. E entre as Caldas da Rainha e Barcelos ele reconstrói a
humanidade no imaginário próprio – ora, é ele-mesmo massa d´argila a dizer
do mundo.
Através dele e do meu pai José, percebo a importância da dedicação a um
ideal, e dos meus tios, a certeza de que a vida se recria a cada instante, como
nos filmes de Chaplin que eles fazem rodar manualmente no minúsculo
projector de cinéfilo amador. Entre isto tudo, o olhar plenamente poético da
minha mãe completa a minha introdução na vida.
Do meu convívio (e escrevo-lhe quando estou longe, como fazia em relação
ao bisavô Joaquim) com o avô ceramista, músico e professor, tenho uma lição:
“Viver a alma que somos é fazer arte”. Demoro a achar a profundidade da sua
afirmação, mas eis que a percebo no meu primeiro amor e, nele, os meus
primeiros versos...
Um dia, lendo os folhetos turísticos sobre Barcelos, resolvo escrever eu
mesmo sobre a minha terra: um texto e uma colagem de fotos e desenhos. “Ah,
acho que vais ser jornalista!”, exclama o meu avô quando lhe ponho a ´arte´ na
frente. “É isso: do barro sou e faço!”, respondo. Ele olha para a ´madrinha´
Mimi, a sua segunda esposa, sorri, abre os braços e diz: “Ora, ora vejam: um
intelectual...!”. As mulheres, sentadas no corredor e no quintal (aqui, a minha
tia faz movimentos com o ´bambolé´) sorriem e uma quer pintar-me “de Eça”.
Deste convívio com o avô Macedo – que a todo o momento lembra-me os
instantes que passei com o bisavô Joaquim, na cerâmica e na casa de Areias
de S. Vicente, com quem aprendi a ler o jornal O Commércio e a fazer palavras
cruzadas, entre histórias do Brasil – é que nasce em mim o ideal do eu-que-é
para ser-o-que-é num amplexo político e sócio-cultural telúrico e cósmico.
Na óptica da crítica que constrói, pelo seccionamento do olhar culturalmente
treinado e do cérebro que determina as acções, eis-me um Eu que reconhece
no convívio familiar a raiz ética e estética. É o que sou, é o que me move.
Como em cada pedaço d´argila que o meu avô Macedo transforma em algo
novo, o meu olhar fixa e sinaliza caminhos de vida.
Escrever sobre o meu avô Macedo é dizer da vida plenamente vivida, algo
que eu já havia apreendido do seu pai Joaquim, e, de outra maneira, do meu
avô Faria (do lado materno) no meio de burocracias cartoriais e projectos
agrícolas para a própria quinta (em Abade do Neiva). Estilos diferentes, vidas
vividas. Uma escola dentro da família em cuja lousa imaginária escrevi: “Eu sou
o que quero ser e ninguém me dirá o que fazer”. Dos meus avós, o Faria e o
Macedo, aprendi o valor da independência, até em relação à família. E com o
Macedo, outra variante: “Aprende a escutar e a ver, a vida boa depende de
leituras que iluminam a nossa mente”. Sempre e agora.
Quando observo o avô ceramista a mover a roda d´oleiro para dar forma a
um suporte de objeto, eu vejo a recriação humana; e até nas margens do claro-
escuro dos seus desenhos (“...foi nas Caldas da Rainha que aprendi a arte do
desenho”, diz) vislumbro o fantástico colorido que daí brota, tal a sensibilidade
poética da sua acção artística.
Caldas da Rainha
Março de 1975
Observação de Johanne Liffey: O então militar João Carlos Macedo, neto do ceramista João Macedo
Correia, dactilografou e mimeografou, na caserna, a crónica que depois circulou entre os camaradas. Na
nota de rodapé do rascunho, p.3, lê-se: “Depois de um apelo de camaradas militares caldenses para eu
explicar “O Objectivo Da Arte”, achei mais interessante, entre a observância do ´zé povinho, do caralho e
das louças das caldas´, escrever uma crónica sobre a minha própria estrutura sócio-cultural cuja escola
de liberdade artística está na minha família.” Outra anotação, na p.1, informa “enviado ao jornal”, mas é
uma referência não pesquisada e nem o autor sabe, hoje, se a crónica foi ou não publicada. Ao certo,
sabe-se que foram feitas “25 cópias em mimeógrafo” e está guardado o ´carbono´ original. // Colecção
Particular. Material digitalizado. London/UK, 2009.
Barcelos
e a
Cerâmica Ibérica
“[...] pois é, e nesta banda galaico-portuguesa,
da comida à louça vivemos uma cultura herdada
dos fenícios, árabes e celtas com refinamento
comercial romano.”
– João Carlos Macedo, 1968.
“A cerâmica que temos é material que aprendemos
a modelar e a queimar com os povos que
civilizaram a Península Ibérica [...]. Tanto a louça
como o galo, em Barcelos, são figuração de
um povo que revela a sua alma com arte pura.”
– João Macedo Correia, 1968.
Uma das atividades mais antigas da civilização que nos é berço é “a
Cerâmica que, após experimentada, foi repassada de região em região pela
migração dos povos, ora em busca de pastos ora em conquista de terras e
escravos” [João Macedo Correia, 1968].
O que entendemos por cerâmica é a atividade artística e industrial para a
produção de peças utilitárias ou figuração. Também podemos afirmar que
“cerâmica é material (sílica, feldspato, argila, etc.) que após modelado e sob
altas temperaturas [acima de 500ºC] resulta numa peça para ser pintada,
vidrada ou não” [idem].
A cerâmica incorpora tecnologias de aplicação e, por isso, divide-se a sua
produção em função do material – a saber: a) Grês. Peça refratária, de tom
cinza, que mistura argila, areia, quartzo e feldspato, sendo vidrada e nem
sempre pintada; b) Terracota. Argila cozida a baixa temperatura e raramente
pintada; c) Faiança. Uma pasta porosa queimada habitualmente a 540ºC. É
com esta pasta que se produz a louça, que pode ser revestida com esmalte no
qual se aplica a pintura; d) Porcelana. É uma massa dura composta por caulim
(um tipo de argila), feldspato, quartzo e alabastro. Todas estas substâncias
devem ser pulverizadas e misturadas com água para formar uma papa densa e
leitosa que, sob temperaturas entre 1.250 °C e 1.350 °C, vira uma massa
vítrea, dura, densa, branca, impermeável e translúcida que ressoa ao ser
tocada.
É interessante não esquecermos que “enquanto os povos antigos levantavam
pedras grandes (menires) e com elas formavam círculos de fé pagã
(cromeleques), já então trabalhavam principalmente a argila na produção de
artefactos cerâmicos, paralelamente às casas neolíticas (dólmens) em toda a
Península Ibérica” [Santos Simões, 1978]. Especializados na sobrevivência,
celtas e árabes difundiram no espaço ibérico técnicas e aplicações, de sorte
que quando o Reino português foi proclamado já os gregos e os romanos
também haviam introduzido as suas culturas; e Portugal, muito particularmente
na região do Minho, bebeu todas essas influências, e mais ainda pela
proximidade física com a Galiza, onde a olaria e a metalurgia do ferro tinham
conquistado grande popularidade na passagem de fenícios e gregos. É a era
das migrações da cultura indo-europeia que proporciona a industrialização dos
povos ibéricos em torno do aproveitamento das águas, da roda d´oleiro, o
cultivo de sementes, o vinho e o azeite. E se o ferro vai ao forno para virar
utensílio, o mesmo é feito com o barro... Obviamente, a fundação das cidades-
estados fenícias influencia o mundo de tribos que, subitamente, encara as
próprias realidades socioculturais, e então os povos agem politicamente para
assentarem as suas raízes. Todo o espaço ibérico sai da ignorância para o
ciclo iniciático da urbanidade. E pelos artesãos árabes, inclui-se aqui o azulejo,
enquanto a porcelana só surge ao olhar europeu durante as viagens marítimas
para o oriente, mais de um milênio depois.
Em cada peça cerâmica os povos dizem de si, mostram-se. Diga-se a
verdade histórica: a roda d´oleiro fez o mundo girar em si mesmo para achar o
lugar de cada povo.
E lembro...
“O meu avô está a estrear uma roda d´oleiro, hoje. Ele pega no barro que
ficou n´água nos últimos dias, tira um pedaço e põe na mesa que gira,
impulsionada pelo seu pé. Em poucos minutos as suas mãos moldam uma
massa da qual um novo objeto vai surgir. Não sei se um galo, se um gato, se
uma vasilha... Sei que toda a civilização que somos está resumida neste
refazer a vida que gira na roda d´oleiro” [João Carlos Macedo, 1968].
O meu avô, o ceramista João Macedo Correia, filho do também ceramista e
comerciante Joaquim Macedo, ensinou-me os primeiros movimentos para o
desenho em perspectiva, ensinou-me que “uma alma não se muda, mas pode
ser moldada na roda d´amor”, e também punha o jornal diário na minha frente
para me fazer ver (“com olhos de ler”, como dizia) o que o mundo tinha para
me oferecer. Desce criança o mundo esteve sempre no meu olhar e aprendi a
moldá-lo na roda da minh´alma, tal e qual a massa d´argila na qual aprendi a
exprimir uma ideia, um sentimento. Ali mesmo, em Barcelos...
A região denominada Barcelos, cujo topónimo, diz-se, vem de barca celi [q.s.
barca pequena, utilizada na travessia do Rio Cávado, que corta a cidade] e
também de barcellus [q.s. barquinho, este, utilizado na pesca da lampreia],
recebe diretamente da Galiza a influência indo-europeia, uma vez que é ponto
de passagem estratégico, quer militar quer comercial. Tanto que se diz, sem
comprovação historiográfica, que Barcelos é uma vila fundada por Amílcar (o
pai de Aníbal) em 230 antes do dito calendário da cristandade, por causa da
sua geografia; e, pela mesma razão estratégica, o nome Barcelos vem a ser
utilizado para fundar a primeira capital da Amazônia, no Brasil...
Ora, de Barcelos fala-se do galo de barro, feito com tal engenho que parece
falar!
Por trilhas ideológicas que nunca se sabe por quem mais vai trilhá-las, o Galo
de Barcelos transforma-se em figuração turística pelas mãos salazaristas do
ideólogo António Ferro, que se havia iniciado no campo intelectual pela mão do
poeta esotérico Fernando Pessoa, em sua Tipographia a Vapor, naquela
Lisboa de sombras. Ele [Ferro] idealiza uma cobertura turística para as políticas
do Estado Novo e aparece com o evento Aldeias de Portugal, e é neste período
que o Galo de Barcelos passa a ser símbolo de Portugal no mundo.
Como acontece?...
“[...] O primeiro galo tinha sido modelado pelo Emílio do Parral, irmão do
mudo do Parral, para o qual Francisco de Sousa, ainda muito novo, apenas
abriu na roda o pedestal e o corpo” [João Macedo Correia, 1960]. Na verdade,
Francisco de Sousa (o Ti Francisco do Monte) não se consola de ver os seus
galos quebrarem ainda no forno. A roda d´oleiro é a solução. Entretanto, a
produção do galo de barro alcança outras famílias, como a de João Domingos
Rocha, conhecida como dos Cotas e das Cotas. E é esta peça que encanta
António Ferro e o faz exibi-la como ´trofeu´ de um povo sob o ideário do Estado
Novo. Obviamente, a arte dos ceramistas barcelenses está além das
questiúnculas ideológicas, e, saiba-se, o Galo de Barcelos é uma peça
portuguesa com certeza!
Como situar a olaria em Barcelos?
A olaria passa a predominar em Barcelos já na “passagem dos povos celtas,
cujos castros evidenciam uma civilização dotada de artífices de metalurgia e
cerâmica” [Santos Simões, idem], o que continua com a passagem dos
romanos que descem pelas serranias do Gerês e assentam a Bracara Augusta
[Braga], e também pela Aquae Flaviae [Chaves] numa conquista que deixa
marcas urbanas para o futuro Reino de Portugal. Não por acaso, Barcelos vem
a ser o primeiro condado do novo reino ibérico.
Quando o galo de barro começa a ser produzido, já toda a região ibérica
possui uma indústria de olarias que abastece os mercados com objetos
domésticos e decorativos.
Entretanto, no Século XVI, surge uma história que agita a pacata Vila de
Barcelos...
Um crime ficou impune e esquecido, até que um peregrino galego, que se
dirigia a Sant´Iago, parou para passar a noite em Barcelos. Enquanto ceava,
reparou que alguém o observava fixamente, mas não fez caso e continuou a
sua refeição. O observador saiu do albergue, dirigiu-se a casa do juiz e acusou
o peregrino da autoria do crime. Preso, o galego não conseguia apresentar
provas da sua inocência, e foi levado para as masmorras, julgado e condenado
à forca. No dia do enforcamento, o peregrino pediu, como sua última vontade,
que o levassem à presença do juiz. O juiz, que se preparava para trinchar um
magnífico galo assado, recebeu o condenado, que mais uma vez se disse
inocente. Vendo que o juiz não se comovia, o galego invocou a ajuda de
Sant´Iago e perante todos afirmou que era tão certo estar inocente como o galo
assado cantar antes do dia acabar. Risada geral. Mas, supersticiosamente, não
tocaram no galo. À noite, observaram com espanto que o galo se cobria de
penas novas, levantava e batia asas para cantar com energia. Correram todos
para o lugar da forca e encheram-se de espanto ao ver o peregrino vivo, com
uma corda lassa à volta do pescoço, apesar de estar pendurado. Atemorizados
pelo facto insólito, libertaram o galego, que seguiu o seu caminho.
A figuração do galo na memória perpetua-se de tal maneira que não pode
ficar fora da arte popular.
Com uma pujança comercial razoável, as olarias de Barcelos carecem ainda
de um objeto-padrão que lhes dê uma publicidade nacional. Por isso, o
pensamento de Ti Francisco do Monte volta-se para a lenda do galo e percebe,
logo com o primeiro galo de barro, que Barcelos tem na cerâmica a sua
identidade cultural. Assim foi e assim é.
Adelino Macedo, também neto de João Macedo Correia, médico de formação,
mas com nata vocação para o artesanato, ao cursar Fotografia e Serigrafia, na
Cooperativa Árvore, observa que “a cerâmica é tão importante que já foi base
para a escrita suméria e agora é base para painéis decorativos de alto nível
cultural, assim como já sinaliza (e temos o Galo de Barcelos como exemplo)
uma identidade popular e até uma identidade religiosa (e lembro, como
exemplo, o ´cristo´ de Rosa Ramalho)” [1981]. Ou seja: a matéria-prima que é o
barro transforma-se na plataforma que carreia mensagens, ideias, culturas e
regista obras artísticas. No caso de Barcelos existe uma particularidade: a
olaria é parte da sobrevivência do povo, mas também é o meio que lhe permite
dizer “eu sou quem trabalha e por este barro me anuncio a Portugal e ao
Mundo”. É um facto que objectivamente sai do ponto localizado para se
dispersar e ser encontrado para outros diálogos além Portugal. E não apenas,
como antes, a Península Ibérica. E [a]noto: quando é apenas parte da cultura
minho-galaico, o artesanato de Barcelos circula, a partir do Século XVI, nas
mãos dos peregrinos que desembarcam no Cávado e seguem a pé para
Sant´Iago de Compostela, e no átrio da grande catedral as peças da figuração
barcelense alcançam o mundo nas mãos de outros peregrinos cristãos.
Entretanto é um negócio pequeno e nem chega a fazer frente à famosa feira
franca que se realiza toda a semana na vila dos oleiros. E são ceramistas com
visão de mundo, como Joaquim Macedo (sediado em Areias de S. Vicente) e o
seu filho João Macedo Correia (em Barcelos), entre outros industriais, que
iniciam transações internacionais a par do sucesso político do evento Aldeias
de Portugal.
A ibérica e galaica missão da olaria barcelense é o suporte cultural de um
Portugal profundamente regional que se revisita em cada peça de barro. A
cerâmica barcelense não é mais um foco do Portugal contido politicamente: é a
raiz de Barcelos a dizer-se Portugal em embarques culturais e que encontra
porto seguro em muitos outros países.
Bibliografia
A CULTURA QUE HERDAMOS – Joaquim Santos Simões. Palestra na Citânia de Briteiros no
âmbito dos Encontros Minho-Galaicos. Guimarães/Portugal, 1978. Anotações de J. C. Macedo,
que participou também da palestra proferida pelo mesmo professor no Museu Martins
Sarmento, em Guimarães, sob a égide do Cine-Clube de Guimarães.
A NOSSA CIVILIZAÇÃO ATRAVÉS DA CERÂMICA – João Carlos Macedo. Trabalho escolar
[premiado pelo Rotary Club] com base em entrevista concedida pelo ceramista João Macedo
Correia. Guimarães/Portugal, 1968.
AS LOUÇAS DE BARCELOS – João Macedo Correia. Museu Regional da Cerâmica. Portugal,
1965.
ACHEGAS PARA O ESTUDO DAS LOUÇAS DE BARCELOS – João Macedo Correia, in
Boletim informativo do Museu Regional da Cerâmica, pp. 45-55. Barcelos/Portugal, 1968-1969.
CERÂMICA & CULTURA – João Carlos Macedo, in artigos p/ jornais O Povo de Guimarães e
Barcelos Popular, 1981. Obs.: Adelino Macedo montou a base tecnológica, com o irmão Toni
Macedo, da empresa de decoração em azulejo, dirigida pela mãe Maria Helena, em
Guimarães.
O SALAZARISMO E A FARRA DO GALO – J. C. Macedo. Artigo in ´site´ noetica.com.br,
2011.
PORTUGAL, O GALO E EU – J. C. Macedo. [Ensaio sobre a essência de uma Nação profunda
em cada Alma portuguesa.] Opúsculo mimeografado no Q-G do Exército, três dias depois do
golpe de 25 de Novembro e distribuído a partir da ´República dos Cágados´ entre militares,
estudantes e professores. Coimbra/Portugal, 1975.
O SALAZARISMO
E A FARRA DO GALO
[a propósito da integração do Galo de Barcelos
na barbárie ideológica de António Ferro]
E assim, de repente, a Rosa Ramalho surge na telinha da televisão a assinar
o livro pela convalescência do ditador Salazar. Ela não tem nas mãos o seu
famoso ´cristo´ de barro, mas representa no momento a tradição ceramista de
Barcelos, a cidade banhada pelo rio Cávado, ao norte de Portugal. Ela, nos
Anos 60, é uma das filhas mais gloriosas das olarias de Areias de S. Vivente, e
o seu ´cristo´ muito disputado. Vejo-a às vezes na feira franca de Barcelos, às
quintas-feiras, entre as barracas de outros ceramistas.
É, diz-se, a maior feira aberta de Portugal. Mas, Barcelos é o município com
maior número de freguesias, o que também explica a grande festa semanal. E
o que Rosa Ramalho faz em Lisboa, perto do já quase amortalhado Salazar? A
idosa ceramista pode não ter consciência total do acto, mas a ´esperta´ turma
do António Ferro sabe muito bem que a presença dela ao lado do ditador, via
telinha da televisão, é uma chamada popular de alto interesse para a cultura
fascista imposta no país: quanto mais ´popular´ o instante televiso junto de
Salazar, mais comovente será a recepção do sinal pela população abandonada
à própria sorte, mas bem tangida pelos políticos e pelos padres católicos com
os seus cajados ideológicos.
[o ideólogo António Ferro observa Salazar em pose
para um artista]
Entre as várias manifestações promovidas institucionalmente pelo astuto
intelectual António Ferro, está o estabelecimento do Secretariado de
Propaganda Nacional [SPN] e a promoção das riquezas folclóricas
portugueses, do tipo “a aldeia mais portuguesa”, etc. Ele havia trabalhado com
o poeta Fernando Pessoa, na ´Orpheu´, e só alguém com inteligência e fadado
a fazer ´algo e mais´ poderia trabalhar editorialmente junto da alma pessoana.
E foi aí, nas decisões sobre a revista ´Orpheu´, que ele forjou a sua máxima
para o Governo de Salazar: trabalhar com e por uma ´Política de Espírito´. E
talvez por isso, e para homenagear Pessoa, ele tenha pressionado a entregar o
2º lugar no concurso literário do SPN ao poema ´Mensagem´, pois, sabia muito
bem das dificuldades financeiras daquele grande intelectual. [De outra maneira,
o trabalho pessoano nem seria considerado sob o princípio da ´Política de
Espírito´.] Entretanto, Ferro precisa instituir um prémio nacional para a sua
´aldeia mais portuguesa´. Segundo o ceramista João Macedo Correia, meu
avô, “[...] a história do Galo de Barcelos como peça a representar
turisticamente Portugal começa quando o Ferro vislumbra, no âmbito do
programa ´aldeias portuguesas´, não um prémio, mas a simbologia da tradição
popular, e fez do Galo de Barcelos, já então adaptado pelo artista Gonçalves
Torres, a grande imagem lusa no mundo. Li num jornal daqui que o nosso
artista aperaltou o nosso galinho que agora está em todo o mundo cheio de
estilo e muitas cores”. E assim, o homem da propaganda salazarista transforma
uma peça do artesanato cerâmico barcelense em peça que, por si só, diz da
grandeza artística popular e diz do regime político que chefia o povo, humilde e
manso, mas criativo. É neste enquadramento político e folclórico que se lê e
interpreta o momento da ceramista popular Rosa Ramalho a ´abrilhantar´ o
amortalhado Salazar. Mas, diga-se: é óbvio que a sua arte é maior que as
artimanhas do ideólogo salazarista, e tal como o seu ´cristo´, o ´galo de
barcelos´ é também o objeto-imagem de um povo com as suas crença e suas
leituras entre o pagão místico e o dogma institucional.
O que é o Galo de Barcelos? Lembro que nas férias pascais de 1968, depois
de uma fornada de peças que vendera para a Alemanha e a Inglaterra, o meu
avô João Macedo Correia, que vai experimentar uma roda de ceramista na sua
oficina, diz-me: “Vem, vou mostrar-te como o Emílio do Parral modelou o
primeiro dos nossos galos”. Enquanto enfrenta a roda e modela uma porção de
barro, continua: “Na verdade, João, quem abriu na roda o pedestal e o corpo do
galo, foi o Francisco de Sousa (lembras?, é o ´ti´ Francisco do monte...), e
talvez tivesse ele a tua idade, 14 ou 16 anos, não sei, mas sei que quem teve a
ideia do galo foi o Emílio, e é o ´dele´, o galo do parral, que vamos refazer
agora...”. Assim eu tomei conhecimento da história do galo de barro, pois que o
da lenda mística do galego, que se salva ao dizer que um galo assado vai
cantar depois do seu enforcamento, está na boca do povo cristão,
principalmente o que faz a peregrinação no Caminho de Santiago.
Um texto meu, publicado em 2006, relata: “[...] decidi conhecer outra história,
outra Villa Barcellos, no Rio Negro e capital da Amazônia. Uma família de
pescadores, idosa, especializada em peixes ornamentais. ´Aqui, meu senhor,
temos o galo de barro e o peixinho de aquário, e ambas as coisas têm a ver
com aquela Barcelos das gentes que fazem bonito com o barro´, ouço a idosa
falar do maior arquipélago da terra e da sua ligação com a ´terrinha´ lusa. ´Ai, o
galego teve sorte, foi abençoado por Deus e ainda deu motivo para as gentes
do barro fazerem o galo...´. Eis que a crônica deixa-nos mais um tema: O que o
Galo de Barro tem a ver com a Festa Religiosa?
Enquanto que para os políticos do Estado Novo português o objecto de barro
é o que posso denominar como farra do galo, e as implicações são apenas
ideológicas, porque o Galo de Barcelos é um objecto da tradição ceramista que
pode ser trabalhado turística e culturalmente no mundo de várias maneiras...
sem servir interesses governamentais, já no campo mítico da cristandade
católica, a acção de ceramistas barcelenses na projecção de um galo a
representar a lenda do galego é religiosa e é mercantil, pelo que na sua
representação da lenda o Galo de Barcelos passa a ser mais um objecto na
identificação do Caminho de Santiago e do Catolicismo. “O galinho de barro diz
da nossa fé na santa igreja em qualquer lugar que ele esteja” [Barcellos, op.
cit.]. E é verdade: em qualquer parte do mundo o Galo de Barcelos tem essa
representação, e é como que um altar informal para a crença da cristandade,
mas é também o objecto que diz [apesar do SPN de Salazar e de Ferro] da
criatividade do Povo português.
NOTAS
BARCELOS [Amazônia, Brasil] – Situado no Rio Negro, é o maior município-arquipélago do
Estado do Amazonas, com 89.572 Km2, a 496 Km de Manaus por via fluvial. Foi a primeira
capital do Amazonas. No âmbito da colonização do Programa Grão-Pará para a mudança de
Portugal para o Brasil, chefiado pelo Marquês de Pombal, no Séc. XVIII, as vilas da região
amazônica deveriam tomar o nome de localidades portuguesas, e a Missão de Nª Sª da
Conceição de Mariuá recebeu o nome de Barcelos.
BARCELOS [Minho, Portugal] – Cidade portuguesa no Distrito de Braga, região Norte e
subregião do Cávado, com cerca de 20.625 habitantes. As origens da localidade de Barcelos
são bem antigas, remontando a povoados pré-históricos e tendo sido habitada por diversos
povos como Cartagineses ou Romanos. Em 1140 recebia já foral do primeiro Rei Português, D.
Afonso Henriques, atestando desde logo a importância do local que desde sempre assumiu
uma posição estratégica na comunicação entre o litoral e interior, Portugal e Castela. É sede de
um município com 378,70 km² de área e 124 555 habitantes (2008), subdividido em 89
freguesias (é o concelho com maior número de freguesias em todo o país).
BARCELLOS, João – Pesquisador luso-brasileiro, autor de vários livros sobre a luso-
brasilidade, porta e conferencista.
CORREIA, João Macedo [1908-1987] – Professor de artes, músico e ceramista, autor de ‘As
louças de Barcelos´, entre outros opúsculos.
FERRO, António [1895-1956] – Jornalista e político, chefiou o Secretariado de Propaganda
Nacional [SPN], órgão de difusão do ideal fascista assumido pelo Governo de António de
Oliveira Salazar.
GALO DE BARCELOS – Peça de cerâmica, com origem no tradicional figurado de barro feito
em Barcelos, na Província do Minho, norte de Portugal. Especula-se que a primeira peça tenha
sido modelada por volta de 1925 até chegar ao formato apresentado em 1927, numa feira de
artesanato em Braga.
Da Lenda do Galo – A Villa de Barcellos andava alarmada por causa de um crime. Quem
foi? Como foi?, etc., até surgiu um galego que gerou suspeitas. Resolveram detê-lo, mesmo
com o homem a dizer não e não, porque não. “Estou em peregrinação para Santiago”, dizia. O
nome Barcellos vem de Barca Celli, porque muitas barcas atracavam no rio Cávado cheias de
peregrinos. Condenado à forca, o galego solicitou a presença do juiz que, na hora, jantava com
amigos. Ao ver um galo bem cozinhado na mesa, o galego atirou: “É tão certo estar eu
inocente que esse galo vai cantar quando me enforcarem”. Todos riram e o galego foi levado
para a forca. Ao apertarem a corda no pescoço dele, o galo assado levantou-se e cantou diante
do juiz assustado e perplexo. “Cancelem o enforcamento!”, ordenou o juiz. Teve sorte: o galego
só estava com a corda no pescoço porque um dos nós estava mal feito. Anos depois, o galego
voltou à Villa Barcellos onde esculpiu o Cruzeiro do Senhor do Galo.
MACEDO. J. C. [1954] – Jornalista e escritor. As anotações sob o título ´o galo do parral´ foram
transformadas numa redacção escolar, que deu ao autor o primeiro lugar num concurso
acadêmico em Guimarães, em 1968. No ano 1983, o material serviu para um documentário
cinematográfico [no modelo Super 8 mm sonoro] feito pelo autor, para ser apresentado no
Festival Internacional do Cinema Amador de Guimarães [FICAG], com o titulo ´A Farra do
Galo´.
ORPHEU, revista [1915] – Revista luso-brasileira que reuniu intelectuais ´modernistas´ como
Luiz de Montalvor, António Ferro, Ronald de Carvalho, Fernando Pessoa, Almada-Negreiros e
Mário de Sá-carneiro. A revista teve apenas duas edições no mesmo ano.
PESSOA, Fernando [1888-1935] – Tradutor, gráfico e poeta, autor de ´Mensagem´. Deu
emprego a António Ferro, na Revista Orpheu, mas como editor, porque era menor de idade. A
fantástica e esotérica produção literária pessoana só veio a ser conhecida depois da sua morte
com a descoberta do seu baú de escritos.
RAMALHO, Rosa [Rosa Barbosa Lopes, 1889-1990] – Uma ceramista da tradição mística do
norte português. O estudioso Mário Cláudio escreveu sobre ´Rosa´, em 1988, e o cineasta
Nuno Paulo Bouça dirigiu o curta-metragem ´À Volta De Rosa Ramalho´, em 1996.
SALAZAR, António de Oliveira [1889-1970] – Estabeleceu em Portugal uma ditadura fascista,
entre 1932 e 1968, no âmbito nacionalista do conceito Estado Novo, já conhecido na Itália e
exportado também para o Brasil e outros países.
TORRES, Gonçalves [1909-1987] – Caricaturista, paisagista e retratista, foi o maior pintor
barcelecense do Séc. XX.
galo de barro
das mãos que em magia
dão forma ao objeto
escorre um querer de liberdade
a massa vira que vira
a gente d´argila
não sabe nem mais a idade
não quer é ser mero objeto
mas da vida a pura alegria
a massa vira que vira
e um galo canta para a vida
barcelos em festa
pelas velhas ruas
soltam os zés-pereiras
gaitas-de-fole e tambores
entre gigantes de papel e tecido
as trupes ocupam a cidade
é a festa do povo
as almas são poesia e fogo
é a festa do povo
cantares que dizem da vida em jogo
luar em barcelos
do palácio nunca feito
ouço as águas do cávado
e vejo nelas calmas margens
e quero mais e subo na torre
dos sinos da matriz
e deixo-me banhar pelo luar
num cântico de paz
e em mim a luz faz
a imagem de um profundo amar
brota de mim qual chafariz
a ânsia d´encontrar nova fonte
para este rio d´eu que não sabe de margens
ouço as águas do cávado
mas não sou senhor sem amor eleito
o campo da bola
a alegria corre solta
o fiscal abre a porta do campo adelino ribeiro novo
a petizada só tem olhos para a bola
não há fado nem querer que imite o vira-vira
de uma bola
nas tardes do gil vicente eis que barcelos respira o novo
n´alegria de uma petizada que corre solta
as lampreias do cávado
boias de cortiça e redes estão no rio dos barca cellus
pescadores aguardam a bela e boa enguia
que as mulheres querem no bom farnel
para o domingo na praia d´apúlia ou na franqueira
dia de um novo olhar para os filhos ou de um anel
a celebrar a noiva que já se vê em nova eira
como se como na peregrinação d´amor faltasse farnel
ai que a vida é isca d´alegria e por ela também a enguia
faz juz à gula dos pescadores de barcelos
o moinho e a ponte
a grande mó
gira a moer os grãos
e nós junto do eixo da roda d´água
espiamos a ponte
a vez primeira é um olhar d´água
ais e beijos e mãos
sob o cântico da mó
somos o moinho a fabricar emoção
somos a ponte da nova geração
juventude façanhuda
é preciso mostrar ao que viemos
diz o missionário ora na sacristia ora na torre
dos sinos
a igreja matriz é a casa dos nacos de gente
eles querem aprender a ser
eles querem estar façanha
mais homem que santo o missionário diz
aos filhos
que cada sentimento mostra ao que viemos
o que vemos é o que lemos
no campo das cruzes ou na fonte de baixo
na ponte romana ou na canoa rio abaixo
vivemos o mundo que lemos
os jovens façanhudos
acampam nas areias d´apúlia e nos matos da franqueira
jogam bola e olham o mundo
querem ir muito além da sacristia e da torre
dos sinos
eles querem provar o ser
eles querem mostrar façanha
não interessa se são santinhos ou se fazem asneira
eles são os façanhudos
amores jovens
a pé ou na magrela
da tia professora até ao ferreiro
da estrada d´apúlia era eu
o rapaz que ia e vinha
da quinta d´abade do neiva
ó e os poemas que a menina
lia atrás da forja enquanto eu
buscava guarida no quintal do oleiro
a moldar outro cântico para ela
nos olhos da bela
a fragrância d´alfazema
era rasto que eu seguia
de quinta em quinta
a pé ou na magrela
linguagem da vida
do fole da gaita
vem a frase
a viola pontua em cada corda
a caixa cadencia
é barcelos
a acordar e já a malta moça namora
entre longos cabelos
que é hora d´inteligência
na busca d´amor com a liberdade
que nele aflora
batalha pela vida é a frase
soprada na gaita
nas sortes da guerra
já mostraram os corpos
os médicos da guerra olharam e disseram
“aptos!”
os jovens ora caem na folia
vinho verde e viola
concertina e pandeiro
tiraram a sorte e choram n´alegria
que os crueis senhores da guerra disseram
“aptos!”
ora a morte quer os moços
que chorem as namoradas
que chorem as esposas e as outras
a guerra é feita de saudade
e o amor é flor d´eternidade
entre tudo e coisas loucas
ficam na guerra vidas enamoradas
tiraram a sorte e choram n´alegria
jovens encantam a morte na mortalha
da folia
barcelos d´olhar novo
a braçada jovem
não domina as águas do cávado
sinto n´alma o querer
d´algo novo
as margens do rio
não m´agridem
sou livre
sou livre
para amar sem imagens que iludem
não vislumbro as margens do rio
sou barcelos d´olhar
cântico dum novo querer
que tem a força do cávado
livre e sempre jovem
feira das quintas
1
e depois das flores
na mesa do café do galo
o homem da feira traz a mim
o frescor d´água
e este gajo
faz-me beber todas as flores
2
tecidos e couros
gado e louças de barro cru
e vidrado
ó tantas cores
emoção em frutas e licores
ó feira d´ilusões e ouros
sempre barcelos
o que me traz a barcelos
tantos anos depois?
na esplanada do café olho barcelinhos
e do lado de cá o palácio em ruinas
a matriz e eu
sim e eu
o chamado da raiz é eco de velhas
minas
que em nós descobrimos
tantos anos depois
e é por ela que venho a barcelos
o que me traz a barcelos
tantos anos depois?
mesmo longe do barro e do vinho e dos bois
e dos amores idos eu sempre serei
barcelos
[Cadernos de Barcelos. Originais digitalizados por Johanne Liffey, que guarda a maioria dos
escritos de J. C. Macedo de 1968 a 1981.]