desdobrável s. cruz de barcelos

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No ano seguinte, em 1505, um rico mercador barcelense terá trazido da Flandres a imagem que desde então se venera em Barcelos. Trata-se de uma bela escultura flamenga, executada em madeira de carvalho, ao gosto da moderna devoção e estilo dos inícios do século XVI. Com a fundação de uma Irmandade, muito provavelmente no século XVI, o culto ao Senhor Bom Jesus de Barcelos ganhou fama e rapidamente se espalhou por dezenas de localidades do Norte de Portugal, vindo a impor-se igualmente na comunidade portuguesa da antiga colónia do Brasil, nomeadamente em cidades como o Rio de Janeiro, Baía e Pernambuco. SENHOR BOM JESUS DA CRUZ DE BARCELOS RELIGIOSIDADE ARTE HISTÓRIA Nas origens da devoção ao Senhor Bom Jesus da Cruz de Barcelos está o milagre do aparecimento de uma cruz de terra escura junto ao Campo da Feira, ao sapateiro João Pires, na manhã de 20 de Dezembro de 1504. O reconhecimento do “Santo Milagre” ter-se-á celebrado no mesmo dia à tarde, com uma solene procissão e com a edificação de um cruzeiro de madeira. De imediato, porém, concordou-se na construção de uma ermida em pedra para abrigar a Santa Cruz. Uma cruz térrea sob o altar do Senhor da Cruz recorda o acontecimento de 1504. Imagem do Senhor Bom Jesus da Cruz, colocada no seu altar, na capela lateral, lado do Evangelho. 1504 2004

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No ano seguinte, em 1505, um rico mercador barcelense terá trazido da Flandres a imagem que desde então se venera em Barcelos. Trata-se de uma bela escultura flamenga, executada em madeira de carvalho, ao gosto da moderna devoção e estilo dos inícios do século XVI.

Com a fundação de uma Irmandade, muito provavelmente no século XVI, o culto ao Senhor Bom Jesus de Barcelos ganhou fama e rapidamente se espalhou por dezenas de localidades do Norte de Portugal, vindo a impor-se igualmente na comunidade portuguesa da antiga colónia do Brasil, nomeadamente em cidades como o Rio de Janeiro, Baía e Pernambuco.

SENHOR BOM JESUS DA CRUZ DE BARCELOS

RELIGIOSIDADE

ARTE

HISTÓRIA

Nas origens da devoção ao Senhor Bom Jesus da Cruz de Barcelos está o milagre do aparecimento de uma cruz de terra escura junto ao Campo da Feira, ao sapateiro João Pires, na manhã de 20 de Dezembro de 1504. O reconhecimento do “Santo Milagre” ter-se-á celebrado no mesmo dia à tarde, com uma solene procissão e com a edificação de um cruzeiro de madeira. De imediato, porém, concordou-se na construção de uma ermida em pedra para abrigar a Santa Cruz.

Uma cruz térrea sob o altar do Senhor da Cruz recorda o acontecimento de 1504.

Imagem do Senhor Bom Jesus da Cruz, colocada no seu altar, na capela lateral, lado do Evangelho.

1504 – 2004

Inscrição junto ao altar do Senhor da Cruz

Gravada na pedra, entre o altar do Senhor da Cruz e a capela-mor da atual igreja, esta inscrição recorda o milagroso acontecimento de 20 de Dezembro de 1504:

Em 20 de Dezembro de 1504, numa sexta-feira, pelas 9 horas do dia, apareceu neste lugar a primeira cruz, que, cercada com uma pequena capela, veio a servir de solo ou altar do Senhor com a cruz às costas, em honra do qual o mesmo século, para memória sempiterna, com esmolas e expensas públicas, erigiu este templo.

Até ao século XIX, pelo menos, o milagre ter-se-á repetido muitas vezes, sobretudo pela ocasião da Invenção da Santa Cruz, que se comemora a 3 de Maio e pela Exaltação da Santa Cruz, celebrada a 14 de Setembro. As famosas Festas das Cruzes, que se realizam de 1 a 3 de Maio, a par da inequívoca dimensão profana que também têm, persistem como uma poderosa demonstração de fé em torno do Senhor da Cruz de Barcelos.

O templo do Senhor Bom Jesus da Cruz

(imóvel de interesse público desde 6 de Dezembro de 1958)

A atual igreja resultou das esmolas de muitas centenas de devotos barcelenses, uma boa parte dos quais inscritos na Irmandade do Senhor Bom Jesus da Cruz. Mas o magnífico edifício que podemos contemplar resultou igualmente do empenho do juiz de fora, Dr. Matias de Melo e Lima e do arcebispo de Braga, D. João de Sousa, que procurou junto dos arquitetos Manuel Fernandes e João Antunes os projetos que correspondessem aos anseios da Irmandade. Dos 5 projetos apresentados foi escolhido um de João Antunes, importante arquiteto ao serviço do rei. As obras tiveram início em 1705, a cargo do mestre pedreiro Miguel Fernandes. Inaugurado em 1710, este edifício apresenta-se-nos como um belíssimo exemplar da arquitetura barroca.

Gravura do século XVIII, reproduzindo a imagem que se venera na igreja.

Aspeto do interior da igreja, com a sua cúpula a pousar nos 4 arcos da

área central.

Se o exterior da igreja setecentista resultou numa monumentalidade contida, já o seu interior foi ricamente ornamentado. Vários painéis de azulejo azul e branco, executados em 1730 na oficina do lisboeta João Neto, alusivos à paixão de Cristo; três altares de talha dourada, saídos da técnica e da arte de Miguel Coelho e de Luís Pereira da Costa; oito pinturas de Manuel Luís Pereira, tudo acentuando o drama sagrado, dão ao interior da igreja um carácter profundamente barroco e festivo.

Retábulo do altar-mor, uma obra desenhada e entalhada pelo mestre Miguel Coelho, em 1722-1724. Para o seu douramento e pintura foi contratado em 1725 o mestre João Alves da Barca, da freguesia de Poiares. Em 1726 a obra estava concluída. Tanto este retábulo como os das capelas laterais que a seguir se apresentam, vieram substituir os que Miguel Coelho havia entalhado conforme um contrato de 1709. A atual tribuna, por dourar, é o resultado do restauro/substituição de 1910.

Planta da igreja e do adro (desenho da D.G.E.M.N.)

Embora a igreja fosse aberta ao culto em 1710, o adro com os seus 34 pilares encimados por esferas apenas se construiu em 1718-1719. Mas as obras continuaram por toda a década seguinte, prolongando-se nos anos 30, com o concurso de vários mestres e artistas de Barcelos, Braga, Porto e Lisboa.

A ladear a porta principal podem ver-se as inscrições alusivas à edificação da primitiva capela e ao início das obras da atual igreja.

A cúpula, coroa de forma soberba, o interior do templo e deixa entrar a luz

que desce pelo zimbório.

A sanefa do arco-cruzeiro foi

acrescentada cerca de 1800.

O zimbório e a balaustrada, pontuada por elegantes pirâmides, acentuam a monumentalidade do templo barroco.

Num casamento perfeito com o granito, a talha dourada, os painéis azulejares e a pintura acentuam o triunfo da arte barroca neste templo que é justamente considerado o ex-líbris da cidade.

Na década de 1720, Inácio da Silva Medela, devoto radicado no Brasil, instituiu um coro permanente de 9 capelães e 2 meninos. Este homem, natural da vila, integra a galeria de retratos de benfeitores, ao lado de juízes vitalícios da Real Irmandade do Senhor Bom Jesus da Cruz, nomeadamente os reis D. Fernando II e D. Luís I. Para servir a função do coro e abrilhantar os principais atos litúrgicos, o mestre organeiro Calisto de Barros Pereira, de Monção, construiu em 1730 o magnífico órgão de tubos (do tipo ibérico) que ainda hoje pode ser observado, e ouvido, sobretudo depois do profundo restauro de 1990-1993, da responsabilidade do mestre Manuel dos Santos Fonseca.

Painel de azulejos que reveste uma das paredes das alas laterais, uma obra de 1730, da oficina de João Neto, da cidade de Lisboa.

Retábulos dos altares do Senhor Bom Jesus da Cruz e de Nossa Senhora das Dores, executados em 1735 pelo entalhador portuense Luís Pereira da Costa, segundo desenho do arquiteto António Pereira.

Pintura da autoria de Manuel Luís Pereira, pintor de Barcelos que viveu

nos séculos XVIII-XIX.

Painéis de azulejo azul e branco recobrem a parte

superior da parede fundeira do coro.

Miguel Coelho construiu o cadeiral do coro em 1730 e a caixa do órgão em 1731.

O Senhor Bom Jesus da Cruz de Barcelos, tendo na sua génese o milagre do aparecimento de uma cruz junto ao Campo da Feira, em 20 de Dezembro de 1504, impulsionou um fenómeno histórico complexo, que atravessou toda a época moderna e projetou-se nos séculos XIX e XX.

O Senhor da Cruz e a sua Irmandade são pois detentores de um património histórico-cultural, artístico e simbólico de inegável valor, e por conseguinte credor da nossa estima, merecedor do aprofundamento do seu estudo e da sua divulgação.

Saibamos merecê-lo!

Aspeto geral da igreja do Senhor Bom Jesus da Cruz e o chafariz do antigo

convento de S. Salvador de Vilar de Frades.

Edição: Irmandade do Senhor Bom Jesus da Cruz

Autor: Joaquim Vinhas

Patrocínio: Câmara Municipal de Barcelos

Anjo lampadário, uma escultura de Miguel Coelho.

Na aplicação parcial de um parecer técnico-artístico encomendado ao arquiteto Ernesto Korrodi, o mestre-de-obras barcelense António Miranda realiza, em 1909-1910, a obra de repavimentação da nave.

Para o andor das procissões (dos Passos, da Semana Santa e da

Invenção da Santa Cruz), coloca-se a imagem de 1875 (feita em Roma por

Giuseppe Berardi), e não a de 1505 porque, acredita-se, o Senhor Bom

Jesus não quer sair do seu altar e, ao retirá-la, a imagem pode crescer…

Os tapetes de flores, que anualmente se constroem frente

aos altares do Senhor da Cruz e da Senhora das Dores,

constituem um motivo de atração dos milhares de devotos

que visitam o templo por ocasião da Festa das Cruzes, de

1 a 3 de Maio.