barão de holbach [=] prefácio ao 'sistema da natureza

7/26/2019 Barão de Holbach [=] Prefácio ao 'Sistema da Natureza'

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Barão de Holbach

Sistema da Natureza

PREFÁCIO



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O homem só é infeliz porque ele desco-nhece a natureza. Seu espírito está de tal modo

infectado por preconceitos que seria possívelacreditar que ele está condenado para sempreao erro: a venda da opinião, com a qual ele écoberto desde a infância, está tão fortemente

atada a ele que é com a máxima dificuldadeque é possível tirá-la. Um micróbio perigosomistura-se a todos os seus conhecimentos e ostorna necessariamente flutuantes, obscuros e

falsos. Ele quis, para sua infelicidade, transporos limites de sua esfera; ele tentou lançar-separa além do mundo visível e, incessantemente,quedas cruéis e reiteradas o advertiram inutil-

mente da loucura de sua empreitada. Ele quisser metafísico antes de ser físico. Ele desprezouas realidades para meditar sobre quimeras; elenegligenciou a experiência para se fartar com

sistemas e conjecturas. Ele não ousou cultivarsua razão, contra a qual tiveram o cuidado depreveni-lo desde cedo. Ele pretendeu conhecer



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seu destino nas regiões imaginárias de uma ou-tra vida, antes de pensar em se tornar feliz na

morada em que ele vivia. Em poucas palavras,o homem desdenhou o estudo da natureza paracorrer atrás de fantasmas que, semelhantes aesses fogos-fátuos que o viajante encontra du-

rante a noite, o assustaram, o ofuscaram e fize-ram com que ele deixasse o caminho simplesdo verdadeiro, sem o qual não é possível alcan-çar a felicidade.



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É, pois, importante procurar destruir ossortilégios que não servem senão para nos ex-

traviar. É tempo de ir buscar na natureza osremédios contra os males que o entusiasmo noscausou: a razão, guiada pela experiência, deveenfim atacar na sua fonte os preconceitos dos

quais o gênero humano foi por tanto tempo vítima. É tempo de que esta razão, injustamen-te degradada, abandone um tom pusilânimeque a tornaria cúmplice da mentira e do delí-

rio. A verdade é una; ela é necessária ao ho-mem, ela nunca pode lhe causar dano. Seu po-der invencível se fará sentir cedo ou tarde. Épreciso, portanto, descobri-la aos mortais. É

preciso mostrar-lhes seus encantos, a fim dedesviá-los do culto vergonhoso que eles pres-tam ao erro, que quase sempre usurpa suashomenagens sob a aparência da verdade. O bri-

lho da verdade só pode ferir os inimigos dogênero humano, cujo poder só subsiste porcausa da noite escura que eles espalham sobre



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os espíritos.Não é a esses homens perversos que a ver-

dade deve falar; sua voz não é ouvida senãopelos corações honestos, acostumados a pensar,bastante sensíveis para gemer pelas calamidadessem número que a tirania religiosa e política

fez a terra sofrer, bastante esclarecidos paraperceberem a cadeia imensa dos males que oerro infligiu, em todos os tempos, aos humanosconsternados. É ao erro que se deve os grilhões

opressivos que os tiranos e os sacerdotes forjamem toda parte para as nações; é ao erro que sedeve a escravidão na qual, em quase todos ospaíses, caíram os povos que a natureza destina-

ra a trabalhar livremente pela sua felicidade; éao erro que se deve esses terrores religiosos quefazem em toda parte os homens se consumiremno temor ou se degolarem por quimeras; é ao

erro que se devem esses ódios inveterados, es-sas perseguições bárbaras, esses massacres con-tínuos, essas tragédias revoltantes das quais,



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sob pretexto dos interesses do céu, a terra tan-tas vezes tornou-se o palco. Enfim, é aos erros

consagrados pela religião que se devem a igno-rância e a incerteza que o homem tem acercados seus deveres mais evidentes, dos seus direi-tos mais claros, das verdades mais demonstra-

das. Ele não passa, quase em toda parte, de umcativo degradado, desprovido de grandeza dealma, de razão e de virtude, a quem alguns car-cereiros desumanos jamais permitem ver a luz.

Tratemos, portanto, de afastar as nuvensque impedem o homem de caminhar com umpasso seguro no caminho da vida. Inspiremos aele a coragem e o respeito pela sua razão; que

ele aprenda a conhecer sua essência e seus legí-timos direitos; que ele consulte a experiência enão uma imaginação desvirtuada pela autori-dade. Que ele renuncie aos preconceitos de sua

infância; que ele fundamente a sua moral sobrea sua natureza, sobre as suas necessidades, so-bre as vantagens reais que a sociedade lhe pro-



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porciona. Que ele ouse amar a si próprio; queele trabalhe pela sua própria felicidade fazendo

a dos outros. Em poucas palavras, que ele sejaracional e virtuoso, para ser feliz aqui em baixoe que não se ocupe mais com divagações peri-gosas ou inúteis. Se ele necessita das quimeras,

que permita ao menos que os outros pintem assuas de modo diferente das dele. Que ele sepersuada, enfim, de que é muito importantepara os habitantes desse mundo serem justos,

benfazejos e pacíficos, e de que nada é maisindiferente do que a sua maneira de pensaracerca dos objetos inacessíveis à razão.

Assim, a finalidade dessa obra é reconduzir

o homem à natureza, tornar a razão preciosapara ele, fazer com que ele adore a virtude, dis-sipar as sombras que lhe escondem o únicocaminho apropriado para conduzi-lo segura-

mente à felicidade que ele deseja: tais são osobjetivos sinceros do autor. De boa-fé consigomesmo, ele não apresenta ao leitor senão as



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ideias que uma reflexão séria e longa lhe mos-trou como úteis ao repouso e ao bem-estar dos

homens e como favoráveis aos progressos doespírito humano: ele o convida, portanto, a dis-cutir os seus princípios. Longe de querer rom-per para ele os laços sagrados da moral, ele pre-

tende apertá-los, e colocar a virtude sobre osaltares que, até aqui, a impostura, o entusiasmoe o temor ergueram para alguns fantasmas pe-rigosos.

Prestes a descer ao túmulo, que os anosabriram-lhe há muito tempo, o autor afirma, damaneira mais solene, não ter proposto em seutrabalho senão o bem de seus semelhantes. Sua

única ambição é a de merecer os sufrágios dopequeno número dos partidários da verdade edas almas honestas que procuram-na sincera-mente. Ele não escreve para esses homens in-

sensíveis à voz da razão, que não julgam senãode acordo com os seus vis interesses ou seusfunestos preconceitos: suas frias cinzas não te-



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merão nem seus clamores nem seus ressenti-mentos, tão terríveis para todos aqueles que

ousam, em vida, anunciar a verdade.

Sistema da natureza

Tradução: Regina Schöpke e Mauro BaladiSão Paulo: Martins Fontes, 2011

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