banto - reafricanizaÇÃo do candomblÉ da naÇÃo de angola

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  • 7/28/2019 BANTO - REAFRICANIZAO DO CANDOMBL DA NAO DE ANGOLA

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    RENATO UBIRAJARA DOS SANTOS BOTO

    PARA ALM DA NAGOCRACIA: A (RE)AFRICANIZAO DO CANDOMBL NAO ANGOLA-CONGO EM SO PAU

    Marlia 2007

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    UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTAFACULDADE DE FILOSOFIA E CINCIAS CMPUS DE MARLIA

    RENATO UBIRAJARA DOS SANTOS BOTO

    PARA ALM DA NAGOCRACIA: A (RE)AFRICANIZAO DO CANDOMBL NAO ANGOLA-CONGO EM SO PAU

    Dissertao apresentada ao Programa de PsGraduao em Cincias Sociais da Faculdade desofia e Cincias da Universidade Estadual Paulista - cmpus de Marlia, como requisitopara obteno do ttulo de Mestre.

    Orientadora: Profa. Dra. Claude Lpine

    Marlia 2007

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    Ficha catalogrfica elaborada pelo Servio Tcnico de Biblioteca e Documentao UNESPus de Marlia

    B748p

    Boto, Renato Ubirajara dos Santos. Para alm da nagocracia : a (re)africanizao do cadombl nao angola-congo em So Paulo / Renato Ubirajara dos Santos Boto Marlia, 27 f. ; 30 cm. Dissertao (Mestrado em Cincias Sociais) Faculdade de Filosofia e Cias, Universidade Estadual Paulista, 2007. Bibliografia: f. 119-123 Orientador: Prof Dr Claude Lpine

    1. Candombl. 2. (Re)africanizao. 3. Bantu. I. Autor. II. Ttulo. CDD 299

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    BANCA EXAMINADORA DATA: 27 DE NOVEMBRO DE 2007.

    _______________________________ Profa. Dra. Claude Lpine PPGCS/FFC/UNESP-MARLIA (Presidente da banca e orientadora)

    ________________________________ Profa. Dra. Josildeth Gomes Consorte PPGCS/PUC-SP

    __________________________________ Profa. Dra. Lcia Helena Oliveira Silva PPGHI/FCL/UNESP-ASSIS

    ____________________________________ Prof. Dr. Srgio Paulo Adolfo PPGLE/ UEL (1 suplente)

    _____________________________________ Prof. Dr. Lus Antonio Francisco de Souza PPGCS/FFC/UNESP-MARLIA (2 suplente)

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    DEDICATRIA

    Aos meus pais Elena e Geraldo firmes como o baob

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    AGRADECIMENTOS

    Este trabalho significa para minha pessoa o segundo passo mais importante dentrodesta instituio que a universidade. So muitas as pessoas s quais devo agradecer no deixarem que esta discusso tomasse o seu rumo inicial. Agradeo, primeiramente, professora, orientadora e debatedora Claude Lpine, por sua simplicidade e seriedade e, mais ainda, por ter acreditado nas minhas idias. Agradeo pelo que essa pessoa : uma grande mulher, uma yab. Ao amigo Aguinaldo por ter acompanhado todas as etapas deste trabalho, mesmo antes de surgir a primeira linha. Agradeo pelo tempo que passamos juntos. Agradeo aos membros do Inzo Ia Tumbansi Nzambi Ngana Kavungu,que me receberam muito tranqilamente. Agradeo especialmente a tata Katuvanjesi, makota Iara, mametu Luangi, Marcelo Kanjila e Maurcio Santos por me terem feito ver a riqueza da nao angola-congo. A todos e todas do Aba Nkassut Lemb Nzambi Keamaspecialmete a tata Nkassut, pela hospitalidade, pela disposio, por suas aulas de histria da frica e pelo esclarecimento de muitas questes. Daniela por ter suportado s telefonemas. Agradeo por tudo que fizeram por mim. Agradeo aos dois terreiros pela seriedade com que me receberam e por ter ajudado a fazer esta pesquisa, sei que nos encontraremos mais vezes. CNPq pelo auxlio financeiro que viabilizou minhaida aos congressos, ao campo e na compra de alguns livros. Ao Nupinho de Marliapelas discusses acirradas e pelo estmulo, pois sabemos como difcil estudar tudo o ue se refere ao negro no Brasil. Aos novos amigos Bris, Srgio Cardoso (que me salvou com as fotos) e Marcus Tulius (este ltimo me salvou na correo ortogrfica), ao veho amigo Edson, de So Paulo, sempre me colocando dvidas na cabea. Ao professor Andreas pelas provocaes, com suas timas crticas, e pela disposio em discutir as quest

    ns negros temos que encarar. professora e amiga Clia Tolentino (Der para os ntimpor todos estes anos, pelas oficinas de teatro, pelas conversas, pelo tratamento horizontal, isso muito importante. Aos meus sempre amigos Cssio, Dani Rosa, Virgnia e Anderson, Diadema, Mari e Meire, Dani e Wander, Carol e Jazo, que me acompanham desde a graduao. Ao pessoal da casa 11 (incluindo os cachorros e os gatos), aos vigias da faculdade, Aline e todo o pessoal da ps-graduao, ao pessoal da biblioeca, a todas as pessoas que esqueci de citar.

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    Aos professores Valria, Edemir e Jos Carlos Miguel por servirem de espelho a muitos negros desta faculdade, pelas discusses e indignao quanto situao do negro no B. Elionora, Ellen, Mel, lida, Meiri, Luciane, Nathrcia, Dailme, Sandra Soul, Carotantas outras mulheres negras desse Brasil que me fizeram ver que ser negro muito mais que um discurso. Aos professores Lus Antonio e Srgio Domingues Krah pelas s crticas na qualificao e pela seriedade com que leram meu texto. No poderia deixarde agradecer s professora Josildeth Gomes Consorte da PUC-SP e Lcia Helena Oliveira Silva da Unesp-Assis por aceitarem o convite para participar deste debate/banca com contribuies valiosas. Especialmente aos meus pais, irmos e irms, tias, primossobrinhos. Eu agradeo a todos pelo que vocs so.

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    RESUMO

    Desde quando chegaram s terras americanas, os africanos foram tratados como mercadorias. Contudo, resistiram todo esse tempo, tendo como suporte consolador a religio, que mesmo despedaada, foi uma das poucas instituies (seno a nica) que sobre represso do homem branco. Para o negro ela teve a funo de aglutinar as outras inscias da cultura de origem africana no Novo Mundo. Vrias etnias africanas contriburam para a formao do Candombl. Entre os bantu vieram os angola, os congo, os moambiqe, etc. Entre os sudaneses vieram os ketu, os egb, os nag, para citar os mais conhecidos. Ao longo de toda a sua histria o Candombl tem passado por diversas transformaes. Sendo de tradio oral, portanto sujeito a diversas interpretaes, comeou-seuma preocupao maior com a questo da manuteno dos conhecimentos sagrados que estavae perdendo. Este movimento de resgate dos conhecimentos recebe o nome de (re)africanizao e procura, entre outras aes, romper com o Catolicismo, com as religies amias e se aproximar dos cultos africanos. O objetivo desta pesquisa proceder a uma investigao acerca da (re)africanizao dos Candombls de tradio bantu particulanao angola-congo , em So Paulo, tendo em vista que existem poucos estudos sobre esa nao e tambm porque os povos de origem bantu foram os que mais contriburam para a ormao do que hoje se conhece como cultura afro-brasileira.

    Palavras-chave: identidade, religio, candombl, (re)africanizao, bantu.

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    ABSTRACT

    Since they arrived in american lands, the africans have been treated like merchandise. Nevertheless, they resisted throughout this time, having the religion asa console support, that, even broken, was one of the few institutions that survived to the white mens repression. To the blacks, it had a agglutinate purpose toanother instances of the africans culture in New World. Several africans ethnicitycontributed to the Candombls development. Into bantu people came the angolas, congos, moambiques, etc. Into sudanians group came ketus, egbas, nags, to mention themost famous groups. Throughout its history, Candombl has been passing for many changes. Belonging to an oral tradition, so subject to many interpretations, it became to have a larger concern with the maintenance deal of the sacred knowledgethat was being lost. This process of knowledges rescue receives the (re)africanization name and try, among other efforts, to break up with Catolicism, with amerindians religions and come close to the africans cultist. The objective of this study is to proceed an investigation about Candombls (re)africanization of bantu tradition particularly about angola-congo nation in So Paulo, keep in mind that there are few studies about this nation and also because this bantu group was one ofthe most contributed to the formation of what today is known as african-brazilian culture.

    Key-words: identity, religion, candombl, (re)africanization, bantu.

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    Mini glossrioAnkixi (kikongo) = divindades do panteo bantu Bab (yorub) = pai Bakisi (kimbundu) =quarto onde ficam os iniciandos Il (yorub) = casa Inzo ou Nzo (kimbundu) = casa Iy (yorub) = me Jinkisi (kimbundu) = plural de nkisi Kambondu ou Kambundu (kimbundu)= assistente masculino Kambonda (kimbundu) = assistente feminino Ketu (yorub) =etnia sudanesa que fala a lngua yorub Kimbanda (kimbundu) = sacerdote Kisaba (kimbundu) = folha Mametu (kimbundu) = me Makota (kimbundu) = aquela que substitui o pai/me-de-santo na ausncia deste Mukixi (kikongo) = plural de ankixi Mutue (kimbundu) = cabea Munanzenza (kimbundu) = aquele que se inicia no culto Muzenza (kimbundu) = aquela que se inicia no culto Nngua (kimbundu) = senhora Nganga (kimbundu) =adivinho Ngoma (kimbundu) = tambor Ngombu (kimbundu) = sistema oracular dos povos bantu do norte de Angola Nkisi (kimbundu) = divindades do panteo bantu Nzambi/ Nzambi-Mpungu (kimbundu) = Deus Og (yorub) = assistente masculino Olodumar / Olorun (yorub) = Deus Or (yorub) = cabea Orix (yorub) = divindade do panteo yorub Rimbundu ou kikongo) = cozinha Soba (kimbundu ou kikongo) = rei Thi (kikongo) = adivinho Tata (Kimbundo) = pai

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    Vodun (fon) = divindades do panteo jje Vumbi ou Nvumbi = morto Xicarangomo (kimbundu ou kikongo) = aquele que toca o tambor Ya (yorub) = aquele / aquela que se inicia no culto

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    SUMRIO

    Introduo................................................................................................................................14 Captulo 1: O candombl emSo Paulo................................................................................21 1.1 - Razes bantu em So Paulo?..........................................................................................21 1.2 - Elementos bantu na umbanda paulista?.......................................................................25 1.3 - Origens do candombl em So Paulo............................................................................28 Captulo 2: Angola versus ketu: aproximaes,diferenas e a construo da Ideologia Nag ................................................................................................................................33 Introduo................................................................................................................................33 2.1 - Disporaafricana?.....................................................................................................33 2.2 - As diferenas entre as naes.........................................................................................35 2.3 -A hierarquia no candombl de tradio angola-congo...............................................38 2.4 - Os jinkisi divindades do candombl angola-congo...................................................39 2.5 Outros rituais.................................................................................................................45 2.6 - Abandono do candombl angola ou a construo da Ideologia nag..............46 Captulo 3: Da africanizao (re)africanizao...........................................................52 3.1 Africanizao: algumas sobrevivncias relig

    osas......................................................52 3.2 - A (re)africanizao no continente americano..............................................................54 Captulo 4: A construo da (re)africanizao no Brasil................................................62 4.1 Introduo..........................................................................................................................62 4.2 O modelo da nao ketu...................................................................................................67 4.3 O modelo da nao angola-congoou Tradicionalismo bantu..................................72

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    Captulo 5: Identidades, tradies, sincretismos e o sub-campo religioso afro bantu.........................................................................................................................................81 5.1 Construindo uma identidade............................................................................................81 5.2 Tradio e sincretismo na construo da identidade afro-bantu................................87 5.3 O campo religioso brasileiro e o sub-campo (re)africanizado bantu...........................96 Captulo 6: Entre os jinkisie os caboclos: descrio dos terreiros e das festas.................99 6.1 Introduo........................................................................................................................99 6.2 Inzo Ia Tumbansi Tua Nzambi NganaKavungu.........................................................100 6.2.1 A sadade muzenza e a festa de Kavungu.................................................................102 6.3 Aba Nkassut Lemb Nzambi Keamazi..................................................................106 6.3.1 A festa dos caboclos......................................................................................................109 6.4 O que foi possvel (re)africanizar..................................................................................112 Consideraes finais..............................................................................................................116 Referncias.............................................................................................................................119 Apndices...............................................................................................................................124 Anexos....................................................................................................................................125

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    IntroducoAs religies, como parte da cultura de um povo, tambm sofrem transformaes. Algumas sperdem, outras so readaptadas para no se perderem, como o cristianismo que vem sofrendo grandes alteraes, sobretudo em suas bases, com novos valores sendo implantados; o islamismo, to discutido em nosso tempo, tambm vem sendo questionado por seus seguidores e pela opinio pblica, buscando se inserir nos novos tempos. O candombl tambm sofreu, e vem sofrendo, transformaes e busca se adaptar modernidade ou pernidade, e a (re)africanizao1 um desses pequenos movimentos que ocorrem no interior desta religio. O movimento de (re)africanizao caracteriza-se pela busca pelos pis e mes-de-santo de fragmentos religiosos perdidos durante a travessia do Atlntico e atravs dos tempos. A histria do negro escravizado no Brasil e de suas religiesainda pouco divulgada para a maioria da populao e, geralmente, est restrita aos muos da academia. Entretanto, os dados que j foram levantados atravs de pesquisas permitem concluir que desde cedo movimentos de religies de origem africana, que s vieram luz no perodo ps-abolio, desenvolveram-se durante quatro sculos de escravida o africano, a escravido rompe a ligao com a terra-me, a ausncia da terra ancestrdegrada o ser, corri a energia vital, provoca o banzo e at a morte. O africano, escravizado e retirado de sua terra, virou um ser sem fora. Se ele conseguiu sobreviver, certamente, foi porque pde, de alguma forma, manter contato com seus deusese seus antepassados. A religio reagrupou os africanos em terras americanas e constituiu (ainda constitui?) centros de organizao da resistncia cultural, onde puderam recriar algumas estruturas sociais africanas e inventar outras. Em teoria, esse

    reagrupamento proporcionado pela religio pode ser pensado:[...] como sobrevivncias culturais, como algo que persiste porque resistiu na dura batalha histrica de quatro sculos entre diferentes tradies culturais competindo etre si, cada uma na busca de seu lugar ao sol, cada qual procurando se impor como retalho privilegiado nessa colcha nacional. (PEREIRA, 1984, pp. 177-178) (grifo do autor)

    Adotaremos tal termo utilizando o recurso dos parnteses, porque entendemos que ocandombl uma religio brasileira, logo, podemos dizer que os sacerdotes e sacerdotisas esto buscando africanizar seus terreiros, ao invs de reafricanizar. Outros autores adotam grafias diferentes. Prandi (1991) e Braga (1988) utilizam o termo sem o uso dos parnteses, Melo (2004) adota o recurso das aspas, e Lpine (2005, 2007)adota o termo africanizao.

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    Essa religio, resultado do contato entre diferentes religies e culturas africanas,convencionou-se chamar no Brasil de candombl, por isso, pode-se dizer que o candombl uma inveno brasileira que contm uma africanidade. Essa religio bem comoigies de matriz africana no continente americano como a santeria e o vodu s despertou o interesse dos estudiosos no perodo ps-abolio, quando o Brasil se interrogava obre seu futuro, e quando, diante das ideologias evolucionistas e racistas que predominavam na poca (sculo XIX), a populao negra do pas era vista como um empecilho progresso da nao. Nina Rodrigues deu incio etnografia do candombl e privilegioum seus estudos, o modelo jje-nag (tambm conhecido como ketu), rito que lhe pareciamais evoludo que o rito bantu e o jje. Para Lopes (1988, p. 01):Essa discriminao dos Bantos atinge o negro de um modo geral. Porque com toda a certeza a maioria dos africanos trazidos para o Brasil na condio de escravos veio dovasto territrio abaixo da grande floresta tropical (frica Central, Oriental, Austral), que o habitat dos povos bantfones.

    Conforme afirmao do autor, esse estigma sobre a cultura e o povo bantu reflete-seno ethos brasileiro at hoje. Essas idias foram geradas a partir do sculo XIX por vros escritores que pensavam o Brasil, no apenas do plano religioso, mas tambm, e principalmente, do mbito poltico, social, jurdico e cultural. Entre eles citamos: Silvio Romero, Afrnio Peixoto, Oliveira Vianna, Joo do Rio, Braz do Amaral, Manuel Diegues Jr., Caio Prado Jr., Gilberto Freyre, Srgio Buarque de Holanda. A maioria dos autores que estudaram e ainda estudam as religies afro-brasileiras tem seguido

    os passos de Nina Rodrigues e enfocado, sobretudo, como objeto emprico, os candombls da nao ketu. Assim, quando se fala nesse culto, pensa-se logo no modelo estruturado nas casas mais famosas da Bahia, como a Casa Branca do Engenho Velho, o Gantois, o Op fonja e o Alaketo, que cultuam os orixs divindades yorubanas muitas delaconsideradas reis, rainhas ou heris divinizados e cantam na lngua yorub. Por contdesse privilgio dispensado ao rito ketu, o rito angola-congo (e outras naes) que cultua os jinkisi2 que para algumas pessoas o correspondente aos orixs e para outras so os espritos dos nossos antepassados , e canta numa mistura das lnguas kimbunde kikongo, tem sido considerado como um rito menor e ainda pouco estudado. Muitos estudiosos e pais/mes-de-santo parecem defender essa idia:2

    Plural de Nkisi, divindades do panteo mitolgico bantu.

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    Talvez pelas influncias que recebeu dos ritos jeje-nags, dos quais adotou o panteode orixs iorubanos, ainda que os chame por outros nomes que fazem parte de sua lngua ritual de origem banto e hoje to intraduzvel quanto as lnguas rituais do queto,do ef, dos nags pernambucano e gacho, resultantes de arcaicos dialetos iorubanos. Alm da adoo do orculo nag, de preceitos iniciticos, e da organizao ritual e hiera queto. (PRANDI, 1991, p. 19).

    Devido a esse prestgio conquistado pelo candombl de origem yorub, e pela sua hegemonia como modelo de culto para outras naes (como pensam a maioria dos estudiosos),no de estranhar que a luta e o processo de (re)africanizao das religies afrobrasiras tenham sido iniciadas por adeptos desta nao. O termo (re)africanizao, em sua acpo atual, no Brasil, foi pensado por cientistas sociais (Brown, 1994; Prandi, 1991; Silva, 1995 e outros), para designar um conjunto de medidas que se caracterizam pela inteno de resgatar os mitos, os rituais e outros elementos que vinham e vm perdendo o significado no interior do candombl. Outra caracterstica deste movimento a crtica ao sincretismo religioso, com as religies indgenas, com a umbanda, sobreudo, com o catolicismo. Mas a (re)africanizao no algo recente. Segundo Braga (1988p. 81):[...] o incio do processo de reafricanizao comea com o retorno frica, no sculo , de africanos emancipados que alimentaram por toda a vida o ideal de voltarem movidos por um sentimento profundo de fidelidade terra de origem, de onde tinhamsido trazidos, na condio de escravos [...]

    Atualmente, no Brasil, a (re)africanizao parece florescer com intensidade na regiosudeste mais precisamente Rio de Janeiro e So Paulo onde o candombl instala-se nais como uma religio apenas de negros, mas agora voltada para todos, independentede etnia e classe. Ao vir para o sudeste e abrir-se para a classe mdia escolarizada e com nvel superior, o candombl encontra as condies propcias para poder atraver o Atlntico em busca dos conhecimentos perdidos. Contudo, mesmo com a disseminao dessa religio em todo o pas, a hegemonia nag ou nagocracia3 persiste. Por isso, cmos com Braga (1988, p. 85), quando ele

    3 Emprestamos essa expresso de Prandi (1991, p. 101), que a utiliza para demonstrar a popularidade alcanada pelo candombl nao ketu tambm chamado de nag no Braada de 1970, quando do jubileu de ouro de iniciao de me Menininha do Gantois, cons

    rada a mais famosa yalorix do Brasil em todos os tempos.

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    diz que [...] essa reafricanizao deveria ser chamada, com mais propriedade, de nigerianizao e em menor escala de beninizao [...]. E completa dizendo:A reafricanizao ou pelo menos a tentativa de reafricanizao dos cultos afro-brasileios, pelas razes histricas e at mesmo polticas, foi profundamente prejudicial ao conecimento de outros povos africanos, tais como os Bantos, que legaram ao Brasil muito da sua concepo de vida, de hbitos e costumes, hoje plasmados na totalidade doethos brasileiro. A reafricanizao pouco serviu aos interesses dos candombls Angola,Congo e Congo-angola, e tantos outros grupos religiosos. Ao contrrio, ficaram dealguma forma estigmatizados, quase rfos de uma matriz qual pudessem eventualmenterecorrer. como se a cultura religiosa africana se limitasse exclusivamente religio dos Orixs. Em sntese, a reaproximao com a frica tem sido pouco expressiva em o conhecimento dos pases de lngua portuguesa, ironia da histria, os menos estudadose muito pouco visitados por pesquisadores e gente-de-santo. (BRAGA, 1988, p. 88)

    Sabe-se que no Brasil o contato entre religies diferentes originou um processo deinterpenetrao de valores, crenas e prticas religiosas com todas as suas transforma fato tambm, que j h algumas dcadas (1970/1980) adeptos da nao ketu vm promove)africanizao em seus terreiros4. A questo com o qual nos defrontamos agora alm dacassez e do descaso frente aos estudos sobre a tradio e as culturas bantu no Brasil o de saber como se d a (re)africanizao no interior do candombl nao angola-co ainda no pensado pelos estudiosos das religies afro-brasileiras. Como os angolei

    ros, nome pelo qual so conhecidos os adeptos deste rito, percebem a (re)africanizao, em que lugar (Angola?, Moambique?, Congo?, nos livros?, eventos?) eles vo buscaos conhecimentos, porque a fazem e at que ponto possvel empreend-la. Devido a conersas com tatas e mametus de nkisi (pais e mes-de-santo na lngua kimbundu), bem como com outros angoleiros e angoleiras; com autoridades, professores e devido s falas dos palestrantes muitos deles sacerdotes e sacerdotisas do rito angola , na ocasio do II ECOBANTO5 - Encontro Internacional de Cultura e Tradio Bantu, levantamos a hiptese de que se h uma (re)africanizao ocorrendo no interior da nao angola-cela passa por duas fases: a primeira a que chamamos de fase da fronteira, ou seja, um processo de esclarecimento das semelhanas e diferenas entre a nao angolacongo a nao ketu (considerada a mais tradicional e pura). A segunda fase caracteriza-seEm 2002 realizamos pesquisa (financiada pela Fapesp) sobre a questo do resgate decnticos, rezas e toques para o orix Yemanj, empreendido por dois terreiros da nao

    tu da capital paulista, que resultou na monografia intitulada: Os tambores e a voz da frica nos candombls da cidade de So Paulo. Culto a Yemanj nos terreiros: Il Aokon Ogun e Il Iyami Oxun Muyiwa.. 5 O II-ECOBANTO ocorreu na cidade de So Paulo, nMemorial da Amrica Latina, nos dias 03, 04 e 05 de setembro de 2004.4

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    pela busca e implantao de conhecimentos e preceitos de origem bantu, que se perderam ou foram abandonados, ou esto sendo inventados. Esta busca passa, por exemplo,pela tentativa de reeducar os adeptos do rito angolacongo no sentido de utilizar as lnguas bantu em seus rituais. Outro exemplo empreendido pelos angoleiros o resgate das divindades e a reconstruo das canes, das rezas e do sistema oracular banu. Nossa pesquisa procurou responder a algumas questes referentes a esse movimento, no que diz respeito ao candombl nao angola-congo, em dois terreiros do Estado deSo Paulo: Inzo Ia Tumbansi Tua Nzambi Ngana Kavungu, localizado na cidade de Itapecerica da Serra, grande So Paulo, e comandado por tata Katuvanjesi; e o Abass Nkassut Lemba Nzambi Keamazi, no distrito de Padre Nbrega, administrado pela cidadede Marlia, na regio centro-oeste do estado, e que tem como lder tata Nkassut. Mas aescolha destes terreiros, para centrarmos nossa pesquisa, no foi aleatria, pois, estes dois sacerdotes e suas casas se destacam como pioneiros (e servem de modelo) quando o assunto o resgate dos conhecimentos bantu. Deixamos claro que no somosos primeiros a fazer uma crtica hegemonia nag ou nagocracia. Ao nosso lado temres como Lopes (1988), um dos primeiros estudiosos do bantusmo no Brasil; Dantas(1988) que mostra num estudo comparativo como a inteligentsia brasileira fez a opo pelo yorub; e de longe, podemos citar Sansone (2002) quando, na sua discusso sobe etnicidade, relata como os historiadores europeus inventaram uma suposta supremacia yorub no sculo XIX. A discusso da (re)africanizao dos candombls no um fatopois ela insere-se no mbito de discusses polticas que vo desde a luta pelas aes ativas, o reconhecimento das comunidades quilombolas, a luta pela liberdade de c

    ulto frente s religies evanglicas, as reivindicaes dos vrios movimentos negros ade, que desgua na questo da etnicidade. Enfim, podemos dizer que estas discusses dsustentao para uma discusso maior, que sobre a busca de uma identidade negra ou arodescendente para a maioria da populao brasileira. No mbito religioso o resgate dos conhecimentos perdidos est tambm associado questo do mercado religioso e sua bpor fiis, uma vez que, o candombl vem perdendo adeptos para as igrejas pentecostais e neopentecostais, principalmente, nas periferias das grandes cidades. Na nossa pesquisa de campo adotamos a observao participante, e adiantamos que no anexaremos as entrevistas realizadas, uma vez que os sacerdotes entrevistados citam

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    nomes de pessoas e terreiros que no foram consultados, e que, eventualmente, poderiam vir a causar celeuma entre o povo-de-santo. Segundo Ferretti (1995, p. 28):O antroplogo no pode escrever tudo o que v e observa [...] Desvendar problemas pessoais um dos riscos que preciso ter o cuidado de contornar, para no trazer obstculs aos informantes, o que pode ocorrer com a publicao de trabalhos [...] mesmo trocando nomes dos envolvidos, as pessoas podero ser facilmente identificadas.

    Assim, aps esta introduo, no primeiro captulo discutiremos as possveis sobrevivnculturais dos africanos bantu em So Paulo, e a polmica em torno de algumas dessas sobrevivncias que ajudaram na construo da umbanda. Outro ponto a ser discutido, ainda neste captulo, ser o surgimento do candombl em So Paulo e suas fases: rito angolarito ef, rito ketu e o rito ketu (e o angola-congo) (re)africanizado. No segundocaptulo comeamos por listar uma srie de etnias tanto sudanesas, como bantu trazs numa espcie de dispora, mas que ajudaram a formar o Brasil. Discutiremos tambm arincipais semelhanas e diferenas entre a nao ketu e a nao angola-congo, mostrandom que cada nao de candombl tem a sua particularidade. Ainda neste captulo apresentaos a hierarquia no candombl nao angola-congo, as divindades desta nao e alguns outrituais. Por ltimo tentamos mostrar os motivos que levaram os estudiosos a construir uma ideologia nag em detrimento da outras naes. No terceiro captulo discutircomo se deu a africanizao e a reafricanizao do continente americano apresentando alumas sobrevivncias religiosas como o vodu haitiano e a santeria cubana. Terminamos nossa discusso mostrando a disseminao do candombl, da santeria e do vodu pelo con

    inente. Por fim apontamos as novas vertentes religiosas (ou de inspirao religiosa)de matriz africana, como o ritual do kwanzaa e a diplo-santeria nos Estados Unidos. No quarto captulo apresentaremos nossa discusso acerca da construo do termo (r)africanizao no Brasil, adiantando que este no um fenmeno recente. Por isso, divios a sua histria em trs fases, da qual a fase da (re)africanizao religiosa a atuaAinda nesta parte discutiremos a (re)africanizao do ponto de vista dos estudiosos,bem como ela pensada e aplicada pelos sacerdotes da nao ketu. Verificaremos comoangoleiros e angoleiras esto pensando a (re)africanizao que alguns chamam de Tradiionalismo bantu , e chegando concluso de que no h apenas um sentido para o termo no interior de cada nao.

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    O quinto captulo versar sobre os conceitos de: identidade contrastiva, proposta por Oliveira (1976); de fronteira (Barth, 1998); de inveno da tradio (Hobsbawm & Ra1987); de sincretismo (Ferretti, 1995); a questo do campo religioso do candombl (Lpine, 2005; 2007), e especificamente da nao angola-congo (re)africanizada. Buscaremos articular estes conceitos com a opinio de nossos interlocutores, verificandocomo os sacerdotes entrevistados pensam estes termos e como fazem uso ou no delespara empreenderem a sua (re)africanizao. No sexto captulo procederemos descrio ajetria religiosa dos entrevistados, das casas as quais so lderes, e das festas queacompanhamos. No terreiro comandado por tata Katuvanjesi apresentaremos uma sadade muzenza e uma festa de Kavungu (nkisi da casa), ambas ocorridas no mesmo dia. No terreiro de tata Nkassut descreveremos como uma festa de caboclo (considerado o ancestral dos indgenas brasileiros) num terreiro de candombl. Por ltimo apresentamos nossas consideraes sobre a (re)africanizao empreendida pelos dois sacerdotes,em que apontamos para um maior empenho da academia sobre as tradies culturais e religiosas bantu no Brasil e um intercmbio mais intenso com a regio bantfone Angola,Congo, Moambique e outros por parte do governo federal.

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    Captulo 1: O candombl em So Paulo1.1 Razes bantu em So Paulo? Conforme Bastide (1973), nos sculos XVI e XVII ainda ram poucos os escravos africanos no estado de So Paulo, mas a partir do sculo XVIII, podemos afirmar com segurana que os primeiros africanos que chegaram aqui eramprovenientes do grande grupo lingstico bantu6, onde eram comprados diretamente deAngola na frica, e depois, do Rio de Janeiro e, posteriormente, da Bahia j no Brasil. Desde os difceis anos da minerao So Paulo passara a receber quantidades progresivas de negros escravizados, pois o alvar real de 20 de janeiro de 1701 permitira capitania a importao anual de 200 negros. Durante o ciclo da minerao, mas sobreo no sculo XIX, houve um crescimento deste negcio devido necessidade de se trazermo-de-obra para as lavouras de caf que naquele momento estava tornando-se a principal atividade da regio , principalmente no vale do Paraba. Mas a populao negra creria espantosamente em todo o estado a partir de 1850, no auge do desenvolvimentoda indstria cafeeira. Em relao aos africanos de origem bantu ainda no sculo XIX nacidade So Paulo h algumas referncias como nesta passagem de Marques (1966, p. 150).Benedito, o homem dos braos de atleta, um negro de peito largo e pernas fortes, anegrinha vivaz de Angola, ou a cabinda de ancas perfeitas e seios virgens, o molequinho, azougado, de Benguela, ou a rapariguinha impbere da Guin, todos, todos, com a incluso de uma futura me-preta de olhar distante e compleio robusta, findo o lilo passavam a viver sob a nova chibata.

    Embora atentemos para o fato de que os comerciantes de escravos no se atinham qua

    nto procedncia de suas peas, parece interessante que esses mesmos mercadores6

    Sabemos que o genrico banto foi dado por W. H. Bleck em 1860 a um grupo de cercade 4 mil lnguas africanas que estudou (BALANDIER, 1968, p. 64). Analisando essaslnguas, Bleck chegou concluso que a palavra muNTU existia em quase todas elas significando a mesma coisa (gente, indivduo, pessoa) e que nelas os vocbulos se dividiam em classes, diferenciadas entre si por prefixos. Assim baNTU o plural de muNTU, porque nas lnguas bantas os nomes so sempre antecedidos de prefixos, que distinguem, por exemplo, o indivduo (Um, Um, Am, Mo, M, Ki, Tchi, N, K, Muxi, Mkua etc.), o grupo tnico a que ele pertence (Ba, Wa, Ua, Ova, A, Va, Ama, I, Ki, Tchi, Exi, baxi, Bena, Akua etc.) [...] (LOPES, 1988, p. 85 grifos nosso). Banto (bntu): grupo lingstico, compreendendo milhes de africanos, com inmeras lnguas e quase 300 d

    etos, que estende por quase 2/3 da frica Negra, desde o Camerum at o sul. Inclui-se Angola e Congo de onde nos veio a maioria dos escravos desse grupo e cujas lnguas, kimbundu e kikongo, entre outras, so as que mais termos deixaram em nossa lngua atual. (CACCIATORE, 1977, pp. 63-64). De nossa parte manteremos o termo BANTU(grafia africana), em toda a extenso do nosso texto, mesmo diante de palavras e/ou frases da lngua portuguesa que estejam no plural, preferindo no aportugues-las, como fazem alguns autores.

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    faziam referncias quanto origem e capacidades desses africanos. Em relao a este fao nos reportamos a um artigo de Maria Ins da Costa Oliveira em que a autora versasobre o assunto e diz:

    A tese hegemnica de que, quando chegavam aqui no Brasil os negros eram logo misturados a outras etnias para que perdessem a capacidade de organizao no parece satisfatria, seno como explicar que mesmo entre os bantu, j no sculo XIX cronistas consegiam identificar a olho nu vrias etnias: os angolas seriam os melhores escravos, dedicados, fiis e honrados. Os congos, prprios para o campo, eram tambm dceis, emborno to inteligentes ou corajosos. Mesmo os termos: congo, angola, cambinda, benguela so problemticos e foram utilizados de forma aleatria como se tais termos reportassem a seus locais de origem, assim como falamos dos portugueses, franceses, italianos (OLIVEIRA, 1997, p. 54)

    Ainda no sculo XIX, tambm na cidade de So Paulo era possvel perceber as vrias etnique vinham de frica para colonizar o Brasil. No entanto, parece que os negros bantupredominavam na cidade e at mesmo no estado, pelo menos at a primeira metade do sculo XIX. A pesquisadora Maria Odila Leite da Silva Dias (1984, p. 116), em seu estudo sobre a capital paulista, nesta mesma poca escreve: Em anncios de jornais e nos raros maos de populao, que discriminadas a origem dos escravos, preponderavam numericamente escravas de Angola, Moambique, do grupo bantu [...]. Entretanto no se pode deixar de aceitar que negros sudaneses atuavam tambm na cidade, embora em nmer

    o reduzido. Em relao religiosidade dessas pessoas, nesta poca, tm-se poucos dadosas alguns estudiosos do perodo, como a historiadora Emlia Viotti da Costa (1966),contam que viajantes confirmavam a permanncia de alguns ritos pagos. Novamente nos eportamos a Maria Odila para reforar nosso argumento. Citamos agora uma parte emque a estudiosa se refere especificamente ao cotidiano das escravas:[...] gozavam de prestgio e influncia entre os prprios escravos, tornandose lderes o seu convvio social e religioso: no seu quotidiano de trabalho e de lazer, alternavam-se cantos estratgicos de comrcio ambulante, com a intensidade de pontos mgiceligiosos dos seus cultos improvisados. Adquiriam fama como curandeiras e mes desanto. Maria DAruanda e Me Conga ficaram conhecidas na cidade. (DIAS, 1984, p. 119)

    Sem dvida, se fssemos investigar a existncia de religies de matriz africana, no est

    do de So Paulo no sculo XIX, descobriramos que as prticas religiosas dessas pessoaseram corriqueiras. Segundo Bastide (1973; p. 195):

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    As casas em que se reuniam os negros para celebrar os cultos chamavamse aqui, nessa poca, batuques. Este nome permanece at hoje no sul do pas, sendo que em So Paule Rio de Janeiro, o nome macumba foi o que ficou cunhado, para denominar as prticas religiosas dos negros. Outro nome pelo qual tambm ficou conhecida era casa dafortuna. (grifo do autor)

    Ao lado destas prticas organizadas nas casas de culto, agiam tambm feiticeiros e cuandeiros, que desempenhavam funes de mdicos e guias espirituais. Eles j haviam incoporado elementos cristos e espritas a suas prticas. Mas o contrrio tambm se verifia, testemunho disso foi a construo da capela de Nossa Senhora das Estrelas no lugar onde anos antes havia sido morto um negro fugitivo, que muitos diziam ser curandeiro. Os elementos espritas foram incorporados sem dificuldade pelos negros bantu, pois [...] o africano encontrava no espiritismo a forma brasileira de sua antiga cultura, um meio de continuar a comunho antiga com os espritos dos mortos. (BASTIDE, 1973, p. 197) Florestan Fernandes escreve sobre o negro Joo de Camargo7, que viveu na cidade de Sorocaba, na segunda metade do sculo XIX. Era praticante docurandeirismo esprita, mas tambm adorava imagens catlicas e outros elementos africanos, o que caracteriza um verdadeiro sincretismo entre das trs culturas fundantesdo Brasil: a indgena, a europia e a africana. Joo de Camargo chamava os santos caticos por nomes africanos de origem bantu quando estava na presena de seus iniciados. Um exemplo desta traduo para as lnguas africanas So Benedito no por acasntos catlicos mais cultuados pela populao negra , que Joo de Camargo chamava de Ro

    ndongo. Segundo Marques (1966, p.186):Os cabindas chegavam a substituir, por outros, os nomes de certos santos j consagrados pela igreja catlica. Era, sse, um velho costume l dles. Mudavam, por exemplo,o nome de So Benedito para o de Lingongo; o de Santo Antonio, para de Vereque; ode Nossa Senhora das Dores, para o de Sinh Samba [...].

    Joo de Camargo fundara um templo religioso chamado Igreja Nosso Senhor da gua Vermelha, mas que teria sido registrado como associao esprita. Nesta igreja, conservavo hbito do culto catlico juntamente com elementos do culto africano como a litolatria8.

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    Para informaes mais recentes sobre esta personagem veja o filme Cafund, de 2005, dirigido por Paulo Betti e Clvis Bueno, que conta a histria de Joo de Camargo, estrelado pelo ator Lzaro Ramos, c.f. www.cafundo.com.br, 14/07/2007. 8 Lito = pedra; Latria = culto.

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    A litolatria, cultura africana, tanto pode ser um trao do culto fetichista sudansa Xang, como um trao de religio banto. No primeiro, caso a pedra adorada seria a pedra de raio conforme Artur Ramos em O Negro Brasileiro; mas a segunda hiptese parece-me a mais provvel, por causa da predominncia do elemento banto nessa regio, e porque as pedras no so pedras de raio. (FERNANDES, 1972, p. 223) (grifos do autor)

    Neste mesmo estudo Florestan Fernandes nos diz que Arthur Ramos j observava que os cabinda9 eram adoradores das pedras, dos paraleleppedos e das lascas de pedra.Outro argumento utilizado pelo estudioso para reforar sua idia de que Joo de Camargo utilizavase de elementos bantu em seu culto religioso e no elementos originriosde povos sudaneses10 era o fato de que [...] o preto banto j tinha em sua culturatraos que muito se aproximavam do espiritismo, como o culto Orodre, em Benguela. (FERNANDES, 1972, p. 224) Ainda conforme Florestan Fernandes, Joo de Camargo estabelecia uma distino entre o que ele prprio fazia e o que outros curandeiros e macumberos faziam, por isso iniciou uma guerra religiosa sem trgua procurando desacredit-los aos olhos de seus seguidores e de seus clientes. Independente de Joo de Camargo se posicionar contra os curandeiros (ou macumbeiros como ele os denominava), sendo ele prprio considerado um macumbeiro aos olhos das autoridades do Estado e da sociedade da poca, isso no empobrece o fato deste senhor ser um dos primeiros que se tem notcia a sincretizar a religio europia com elementos africanos (mais precisamente bantu) no estado de So Paulo. O que nos leva a pensar na questo da umbandae sua genealogia, uma vez que muitos pais e mes-de-santo, tanto da umbanda como

    do candombl, dizem que foram as culturas de origem bantu que mais emprestaram seus ensinamentos para a formao dessa religio. Segundo Camargo (1961, p.11), em seu estudo Kardecismo e Umbanda: [...] o que caracteriza os terreiros Banto o menor graude pureza ritual e a maior receptividade na aceitao de influncias catlicas ou esprs.

    9 Cabinda. Regio africana, perto de Angola e da foz do rio Congo. // Nome dado, no Brasil, aos escravos vindos desse lugar, ditos tambm de nao Cabinda ou Cambinda.(CACCIATORE, 1977, p. 73) 10 Povos que habitam a regio intertropical africana, entre o deserto do Saara e o Atlntico (golfo da Guin), compreendendo o Tchad, o Nger,o Sudo etc. e as regies na costa do golfo: Nigria, Daomei (atual repblica Popular o Benin), Togo, Gana (antiga Costa do Ouro), Costa do Marfim, estendendo-se at aLibria, Serra Leoa, Guin, Senegal. // Grupos de escravos vindos dessas regies, send

    o em maior quantidade os iorub (nag), hau (maometanos), da Nigria, os denominados e, do Daomei, os fanti-axanti (minas), da Costa do Ouro. // Indivduos vindos dessas regies. F. de Sudo. (CACCIATORE, 1977, pp.245-246). Do mesmo modo, manteremos agrafia africana yorub ao invs da aportuguesada iorub, como consta no dicionrio da utora citada.

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    1.2 Elementos bantu na umbanda paulista? Pode-se dizer que antes do estudo realizado por Camargo (1961), nenhum pesquisador havia pensado sobre a umbanda paulista, e menos ainda sobre os aspectos bantu no interior dessa religio. O autor argumenta que nunca se encontrou traos africanos locais, muito menos bantu, nesta religio. Ele defende a idia de que a umbanda tenha sido trazida de outros estados, especialmente Bahia e Rio de Janeiro. Para o estudioso A Umbanda paulista importadados outros Estados e seu poder de expanso se encontra na funcionalidade do seu sistema e no na fra de inrcia de uma tradio cultural. (CAMARGO, 1961, p. 35) Camaa um estudo de Bastide11, especificamente o captulo sobre a Macumba Paulista, realizado nos anos 1940, e que, devido pobreza da umbanda naquela poca, deu nfase aos ectos do curandeirismo, muito comum at ento. O autor acredita que o crescimento desta religio em So Paulo tenha se dado na dcada de 1950. Para Camargo, os negros deorigem bantu contriburam muito pouco para a configurao da umbanda, e a idia de que cultura bantu tenha oferecido algo mais no passa de pura ideologia acadmica, e diz:Sabe-se que a maioria dos escravos que vieram para So Paulo provinha do Congo e de Angola e muitos etnlogos, inclusive Roger Bastide, querem encontrar na tradio africanista de So Paulo a marca do estilo religioso dos negros Banto. possvel. No creos, entretanto, que tenha havido na cidade de So Paulo [e talvez no Estado] uma continuidade cultural, como sucede na Bahia. (CAMARGO, 1961, p. 34)

    Conforme os conhecimentos do autor, o panteo umbandista e at mesmo expresses rituai

    s tm origem na cultura sudanesa dos povos falantes da lngua yorub, como exemplo elecita as palavras babalorix, babala e atabaque. Para Silva (1994) a cabula12 religio anterior umbanda com forte influncia bantu teria contribudo para o surgimentoumbanda. Outra religio que tambm teria influenciado a umbanda seria a macumba13,que se aproxima das prticas rituais da cabula.

    BASTIDE, R. Les Religions Africaines au Brsil: vers une sociologie des interpntrations des civilisations. Paris: Presses Universit de France, 1960. 12 Seita secretaafro-brasileira, com influncias malesas, bantas e espritas, poss. Precursora da umbanda, e que aparece nos ltimos anos do sc. XIX na Bahia. [Sobrevive como culto no ES, em MG e no RJ.] (FERREIRA, A. B. de H. verso 3.0, em 20 jul. 2007)

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    Mesmo antes, porm, de adquirir um contorno mais definido, muitos elementos formadores da umbanda j estavam presentes no universo religioso popular no final do sculo XIX, sobretudo nas prticas bantos. (SILVA, 1994, p. 106)

    Desse modo, diante da argumentao do autor, tudo nos leva a pensar que Silva (1994)acredita que a umbanda tenha sofrido grande influncia das culturas bantu, indo de encontro opinio de Camargo (1961). Outro estudioso que tambm questiona a origembantu da umbanda paulista Lsias Nogueira Negro. Negro (1996) se apia na tese de le docncia de Liana Trindade14 para demonstrar a existncia de terreiros de Umbandaem So Paulo montados como grupos organizados desde ao menos a dcada de 1920. ParaLiana (1991 apud NEGRO, 1996, p. 36)[...] foram os grupos tnicos Angola e Congo, que predominavam em So Paulo desde operodo escravocrata, que forneceram os componentes bsicos para o posterior desenvolvimento da Macumba e do Candombl (de Angola). Desde o sculo XIX os jornais registraram prticas rituais angolanas, como os sacrifcios de animais ofertados s divindades junto a rvores, uso de ervas, o ritual de fechamento do corpo, o jogo de bzios.

    Segundo Negro (1996), muitos destes rituais teriam prevalecido na umbanda, porm ainfluncia mais importante vinda dos bantu teria sido a possesso dos espritos, que to dom de falar, ao contrrio dos rituais sudaneses em que os espritos so mudos. Outro trao de influncia bantu na umbanda a maneira de tocar os atabaques. Nos rituaissudaneses os atabaques so tocados com uma varinha e nos rituais bantu so tocados

    com a mo, como se verifica at hoje nos terreiros de umbanda em todo Brasil. Apesarde Negro (1996) tambm aceitar a influncia dos rituais citados acima, ele concordacom Liana (1991) quando a pesquisadora questiona dizendo que a origem destes mesmos rituais no proveniente dos africanos de origem bantu que moram em So Paulo. Conforme o autor, as referncias empricas so poucas, o que faz com que essa hiptese ne concretize, pois:

    H uma polmica que at hoje no foi resolvida com esta religio, pois muitas pessoas o do povo de santo, como entre os estudiosos , dizem que a umbanda e a Macumba soa mesma religio, enquanto outras pessoas acreditam ser religies distintas. 14 TRINDADE, L. M. S. Construes Mticas e Histria: estudo sobre as representaes simblicaaes raciais em So Paulo do sculo XVIII atualidade. So Paulo: Universidade de So1991.

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    O ritual de possesso angolana, descrito no processo de Inquisio ainda no sculo XVII, ocorrera em Sabar, Minas. A Cabula, descrita por Dom Nery em sua carta pastoral, era capixaba. Os artigos de Benjamin Pret na dcada de 30 foram publicados no Dirio da Noite suas observaes, porm realizadas nos terreiros do Rio de Janeiro. (NEGRO,1996, p. 37).

    O que nos resta, seguramente, de africano em So Paulo o caso de Joo de Camargo citado acima. Contudo cremos que seja um caso to especfico que no tem relevncia para acomparao com a umbanda ou mesmo a macumba paulista. No Brasil Imprio, os jornais dapoca noticiavam e denunciavam prticas mgicoreligiosas de origem africana, por outro lado havia poucas notcias sobre prticas de origem europia, como o caso de um messas portugus em Campinas. De quatorze casos registrados [...] oito deles em associaom acusaes de curandeirismo, uma associada a bruxaria e uma a charlatanismo. (NEGRO1996, p. 45) Geralmente estas acusaes eram associadas s prticas religiosas de origm africana. Paralelamente, comeavam a surgir na imprensa paulista da virada do sculo XIX para o XX notcias sobre o espiritismo. Devido imigrao europia, tanto o esptismo ligado a Kardec, quanto o considerado mais popular, comearam a se tornar visveis aos olhos da elite e do poder pblico. Em 22 de abril de 1894, o jornal A Ptria, que era um rgo da Federao Catlica de So Paulo, publicou um texto intitulado SEspiritismo. Por volta de 1910, a imprensa paulista apresentava de forma explcitaa diferena entre o baixo e o alto espiritismo.O alto Espiritismo seria, portanto, religio protegida pelo Estado, culto semelhante

    aos demais e livre, inspirado nos nobres princpios de caridade, envolvendo pessoas instrudas de elevada condio social. O baixo Espiritismo seria a prtica de sorde feitiaria e curandeirismo enquadrveis no Cdigo Penal, despido de moralidade e motivado por interesses escusos, envolvendo pessoas desclassificadas socialmente eignorantes. bvio que as prticas mgico-religiosas de origem negra enquadravam-se dntro desta ltima categoria. (NEGRO, 1996, p. 57 grifo do autor)

    Estaramos equivocados se pensssemos que o termo baixo Espiritismo era mais designadaos terreiros de origem bantu existentes em So Paulo na poca (conhecidos como Macumba), numa tentativa de se enquadrarem como centros espritas? Conforme Negro (1996, a partir de 1929, alguns terreiros de umbanda j comeavam a ser registrados nos cartrios como centros espritas.

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    Por ltimo, registramos a posio de Pinto e Freitas (1972) sobre a umbanda. Para os autores, a umbanda uma religio da etnia lunda-quioco, situada no nordeste de Angola, na frica; logo, de origem bantu. Seguindo a linha de raciocnio dos autores, a partir de sua vinda para o Brasil a umbanda teria se sincretizado com o espiritismo. Por isso, A umbanda um sincretismo bantu-kardecista, com imagens catlicas [...] (PINTO; FREITAS, 1972, p. 29). Ainda segundo os autores, antes do desenvolvimento da umbanda j existiam outros cultos populares como: a pajelana, presente no Maranho, no Par e no Amazonas, derivao de cultos amerndios; o catimb, tambm muito pno Norte e no Nordeste e que tem como mestres espirituais Z Pelintra e outros; ea linha das Almas que para os autores, de origem africana, embora muitas pessoas a considerem de procedncia kardecista.

    1.3 Origens do candombl em So Paulo Se existiam religies negro-africanas em So Paulh pelo menos um sculo, fato que o candombl s se tornaria visvel no sculo XX, mcisamente na sua segunda metade. A origem do candombl no estado de So Paulo, segundo Prandi (1991), no tem mais que quarenta anos. Ou seja, podemos pensar esta origem por volta dos anos 1960, pois antes o que existia era a umbanda e os centrosespritas kardecistas. So Paulo, como acreditam alguns estudiosos (Camargo, 1961;Negro, 1996; Prandi, 1991; Trindade, 1991), no teria originado nenhum tipo de culto seja ele umbanda, candombl ou outros por isso, pode-se dizer que o candombl pauista, assim como a umbanda, teria importado o culto de outros lugares do pas, de outro modo, o candombl em So Paulo, no seu incio, foi gerado por sacerdotes e sacerdo

    tisas de outros estados. Esta religio chega a So Paulo de diversas maneiras:Atravs de pais-de-santo que vm do Rio e da Bahia para iniciarem filho aqui; quandoumbandistas vo ao Rio e Bahia para l se iniciarem no candombl; nos casos em que upai ou me-de-santo migra para So Paulo j iniciado em seu Estado de origem e abre terreiros de candombl; na situao em que o migrante j vem feito no candombl, mas ccarreira religiosa em So Paulo abrindo casa de umbanda, para mais tarde vir a tocar candombl e abandonar a umbanda; e, finalmente, atravs de filhos que j so iniciaos em So Paulo por mes e pais-de-santo tambm iniciados em So Paulo. (PRANDI, 1991, . 93)

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    O candombl paulista teria se instalado primeiramente nas cidades litorneas. A esserespeito, Prandi (1991, p. 94) diz: [...] enquanto umbandistas de So Paulo se iniciavam no candombl com pais e mes do Rio ou da Bahia, tanto indo para l, como recebendo-os aqui, alguns terreiros j haviam se instalado diretamente na Baixada Santista, mais ou menos em torno do cais do porto. Assim, o registro mais velho que setem notcia desta religio data de 1958 em Santos, com a roa fundada por Seu Bob. Vo da Bahia, Seu Bob, Jos Bispo dos Santos, hoje com 75 anos de idade, ficou no Riode 1950 a 1958.(PRANDI, 1991, p. 95). Outra que por essa poca fixou residncia tambem Santos foi Me Toloqu, de nome civil Regina Clia dos Santos Magalhes, que foi inciada na Bahia por Joozinho da Gomia, importante sacerdote do rito angola. Valdemar Monteiro de Carvalho Filho codinome Vav Negrinha , baiano da nao jje15, instalroa na cidade de So Vicente por volta de 1950. Conforme Prandi (1991), a maioriadestes pais e mes-de-santo mantinham relaes com Joozinho da Gomia, que muitos acusm de no ser feito no santo. Outros ainda se relacionavam com centros de umbanda.Porm, ser a partir da dcada de 1960 que comeam a aparecer terreiros registrados em artrio como de candombl, pois, at ento, s se tinha notcias de terreiros registrde umbanda,tenda esprita e/ou centro esprita. Parece que o primeiro terreiro o como de candombl data de 1965, como escreve Prandi (1991, p. 93):Em alguns casos, este catlogo de registros cartoriais serviu para comprovar informaes, como o fato de que Me Manod uma dentre os mais antigos sacerdotes que abrircasas de candombl em So Paulo [na cidade de So Paulo], e a primeira a registrar seuterreiro em cartrio com a palavra candombl no ttulo da casa, em 1965.

    Nos anos seguintes da dcada de 1960, e ainda influenciados por Joozinho da Gomia, viriam para So Paulo Alvinho de Omulu, Seu Jos de Oxossi, Camaro de Ians, alm da prna do prprio babalorix para iniciar muita gente no santo que hoje tem seu prprio tereiro como, por exemplo, dona Isabel de Omulu e sua filha carnal Wanda de Oxum. Nadcada de 1970, com a morte de Joozinho da Gomia, sacerdotes e sacerdotisas

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    Dialeto do grupo dialetal fon, da lngua ewe (V), falado por escravos vindos do Daomei (atual Repblica Popular do Benin). // Denominao geral dada aos escravos vindosdessa regio, cuja linguagem, crenas, costumes foram absorvidos em grande parte pelos iorubanos (nag), na Bahia. Contudo existem ainda candombls jeje na Bahia, no M

    aranho e, atualmente, tambm no Rio e Estado do Rio, fundados por baianos. Os do Rio de Janeiro (alguns, pelo menos) usam grande nmero de deuses e rituais nag. F.p. ior.: jeji estrangeiro, estranho, nome que os ioruba, no Daomei, davam aos povos vzinhos, i. e., aos daomeanos. (CACCIATORE, 1977, p.159).

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    do candombl ketu16 comearam a se destacar na cidade. [...] Era a poca do prestgio Gantois de Me Menininha [...] (PRANDI, 1991, p. 101) e do candombl como um todo quehavia sido descoberto por intelectuais e artistas. No auge da nagoizao (Braga, 1p. 85) ou nagocracia (Prandi, 1991, p.101) vieram Me Juju, Olga do Alaqueto (que aqui passava quatro meses apenas) e muitos outros. Caio Ob Inan, que veio da umbanda, inaugurou seu terreiro Ax Il Ob (um dos maiores do pas em p ainda hoje) em 1974quando morreu foi sucedido por Slvia de Oxal, que hoje est frente deste terreiro,tombado pelo CONDEPHAAT - Conselho de Defesa do Patrimnio Histrico, Arqueolgico, Artstico e Turstico do Estado de So Paulo como patrimnio histrico da cidade em 197ste mesmo perodo, representando a nao jjemina maranhense, veio o importante sacerdoe Francelino de Xapan. A partir da, j possvel perceber um crescimento e identifica primeira gerao de pais e mes-de-santo paulistas iniciados na cidade tocando terreiros. Esta gerao que comear um movimento de volta frica que ser chamado de (re)izao (o qual discutiremos mais frente). Pesquisas realizadas pelo Centro de Estudos da Religio Duglas Monteiro, ligado Universidade de So Paulo, baseadas em documes de 1929 a 1982, verificaram o crescimento, nesse perodo, do nmero de associaes ciis de umbanda, espritas e de candombl. Na dcada de 80, entre as religies de matriz fricana, o candombl a que mais rapidamente se expande. Um dos fatores, e talvez oprincipal, que explicaria esse crescimento seriam as migraes dos nordestinos, ouseja, o fato de estes homens e mulheres virem para So Paulo, trazendo consigo suas histrias de vida religiosa, alguns aderindo umbanda, outros abrindo seus prpriosterreiros. Conforme Silva (1995), outro fator que teria contribudo para esse cre

    scimento teria sido, estranhamente, o desenvolvimento da umbanda, pois:Se por um lado o candombl se expande atravs dos imigrantes nordestinos que para c se deslocam, por outro est a passagem de muitos umbandistas para os quadros do candombl, seja por motivos de crise religiosa, seja pela melhor compreenso e aceitao ds preceitos que envolvem o candombl [...] (SILVA, 1995, p. 79)

    Tambm dito Ketu. Antigo reino da frica Ocidental, cortado em dois pela atual fronteira Nigria-Benin. Seu governante tem o ttulo de Alaketu. // Povo desse reino, pertencente ao Egb, diviso dos Ioruba. Veio em grande nmero, como escravo para a Bahia. A elementos seus se devem os candombls mais tradicionais, como Engenho Velho (Casa Branca), Op Afonj, Gantois, Alaketo, Ogunj F. ior.: ktu. (CACCIATORE, 1977,

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    Para acompanhar o desenvolvimento das religies afro-brasileiras em So Paulo, seguiremos o esquema traado por Silva (1995), e que distinguiremos resumidamente em quatro fases. 1a fase rito Angola Na dcada de 50, chega a So Paulo, vindo do Rio deJaneiro e de Salvador, o candombl angola. Entre os nomes mais lembrados pelo povode santo est o de Joozinho da Gomia. A morte de Joozinho da Gomia em 1971 marcou eclnio desta nao. 2a fase rito Ef As dcadas de 50 e 60 delimitam o perodo em qumaior contato com candombls da Bahia e do Rio de Janeiro. Entre os terreiros cariocas mais conhecidos, temos o de Cristvo de Ogum, iniciado no terreiro do Oloroquem Salvador, considerada a casa matriz do rito ef, variante do tronco nag (ou yorub ou ketu), fundada por Maria da Paixo. Desta mesma corrente, saram Waldomiro de Xang que havia iniciado Diniz da Oxun, que no final da dcada de 60 foi para a cidadede Santos, levando consigo seu og Gilberto de Exu17. Irmo de Waldomiro de Xang, Alvinho de Omulu muda-se para So Paulo, tornandose o principal divulgador deste rito, principalmente na zona leste. Com o crescimento do rito ef comeou a haver uma disputa entre Alvinho de Omulu e Joozinho da Gomia. Dessa disputa, os seguidores dorito ef retiraram algumas vantagens: a) A proximidade com o modelo ketu, at hojeposto como o mais puro; logo, mais tradicional. b) Seu distanciamento da umbanda,vista como sincrtica, freqentemente associada ao candombl angola.Esta disputa tambm representou, em outros termos, um redirecionamento no campo deinfluncias das naes num momento em que o candombl se expandia e se tentava criar agumas formas eletivas de participao e redistribuio do poder religioso. (SILVA, 1995p. 86)

    Com efeito, Joozinho da Gomia era freqentemente acusado de no ter sido feito no sano, e de cultuar entidades estranhas ao candombl, como os caboclos, por exemplo. Percebe-se a importncia que o pertencimento a uma genealogia religiosa comeava a assumir. Foi em meio a essa disputa que o rito ketu, que j havia se estabelecido emSo Paulo, encontrou condies para florescer. 3a fase rito Ketu.17 Gilberto de Exu casado com a yalorix Wanda de Oxun que, atualmente, comanda oIl Iy Mi Oxun Muyiwa. (Entrevista concedida em abril de 2002)

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    O candombl de rito ketu, a nao mais prestigiada, responsvel pela formao de vriens, como a de Nezinho de Ogum do terreiro do Porto de Muritiba, localizado no Recncavo Baiano, e representado por terreiros famosos como a Casa Branca do EngenhoVelho e o Gantois de me Menininha. Nezinho de Ogum vinha corriqueiramente, nos anos 60 e 70, a So Paulo, e ajudou a iniciar muitas pessoas como Prsio de Xang, paiJos Mendes de Oxossi e tia Rosinha de Xang. O modelo ketu teria desfrutado de tanto prestgio nas dcadas de 70 e 80 que muitos pais e mes-de-santo procuraram diretamente as grandes casas da Bahia, chegando a ponto de muitos deles abandonarem suasnaes de origem ou mesclarem as suas naes com a nao ketu. 4a fase rito Ketu (renizado e outras naes Alm das naes mencionadas nas trs fases anteriores, existem oque ajudaram a ampliar o dilogo para a formao do candombl paulista. Citaremos alguas, para exemplificar nossa afirmao. Da nao jje (e sua variante baiana chamada mar) veio o pai de santo Vav Negrinha. Da mesma nao (variante maranhense chamada mina)veio Francelino de Xapan, que filho de santo de Jorge de Iemanj, do terreiro de Mina de Iemanj em So Lus, no Maranho. A nao jje-mina cultua os Vodum18, os encantem como caboclos, turcos e fidalgos, por isso pai Francelino, nos primeiros tempos de seu estabelecimento em So Paulo, foi acusado de inventar uma nao. Outra nao se instalou por aqui foi o Xang pernambucano (variao do ketu) cuja maior representante me Zefinha, filha de santo de Me das Dores. Das Dores mudouse para So Paulo as 78 anos de idade e trouxe consigo o assentamento de orix de seu terreiro, comoo de Orunmil, divindade que preside o jogo de If e pouco conhecida no Brasil. Conforme Silva (1995, p. 93), A transformao mais recente no campo das disputas entre as

    naes e linhagens refere-se ao processo de reafricanizao, processo inicialmente emendido por pais e mes de santo da nao ketu em So Paulo, mas que agora parece ter seestendido tambm aos adeptos da nao angola-congo.

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    Tambm dito vodu. Nome genrico das divindades jeje, correspondendo a orix do nag. F.. ewe ou dialeto: vodu. (CACCIATORE, 1977, p. 261).

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    Captulo 2: Angola versus ketu: aproximaes, diferenas e a construo da ideologia naIntroduo Muito se fala, se l e se estuda sobre o candombl, embora sempre sob o prisa da nao ketu. Pouco se divulga ou se estuda sobre outras naes como a jje, a ef, mo a angola e sua co-irm congo. Por que ser que os estudiosos resolveram estudar apenas um tipo de candombl, deixando os outros de fora? Poderamos pensar que isto se deu (e tem se dado), principalmente, porque os estudiosos teriam encontrado maior facilidade de acesso s informaes junto a estas comunidades que, segundo eles, apresentam-se mais receptivas? Talvez as coisas no tenham sido to simples assim. Neste captulo, vamos tentar explicar um pouco sobre o candombl nao angola-congo e as uas diferenas com a nao ketu. Logo aps, mostraremos como foi o processo de construchamada ideologia nag.

    2.1 Dispora africana? Os estudiosos concordam que quem trouxe os primeiros africanos para o Brasil foram os portugueses, mas discordam quanto data exata e o nmero, mesmo porque a quantidade de documentos que se referem a essa poca escassa. Mastalvez no se equivoque muito quem se refira chegada dos primeiros africanos entre 1516 e 154819.

    Estes primeiros africanos eram majoritariamente originrios do sul20 (Angola e Congo) e desembarcaram no nordeste brasileiro, nos atuais estados da Bahia e Pernambuco, paraMaurcio Goulart em seu livro A escravido no Brasil, de 1975, diz "[...] coincidir

    a entrada dos primeiros negros com a fabricao dos primeiros acares no Brasil, possielmente com Pero Capico, entre 1516 e 1526". (p. 95) Afonso de E. Taunay em suaobra Subsdios para a Histria do trfico no Brasil, de 1941, afirma que Rinchon, missionrio da poca, datou a entrada dos primeiros africanos escravizados "[...] pelasvizinhanas de 1525 [...]" (p. 24). Ao passo que o pesquisador Brasil Gerson no seu A escravido no Imprio, de 1975, relata que o Visconde de Paiva Manso ao escreverseu livro A histria do Congo [...] daria a data de 1548 como a das primeiras, mas equenas remessas de negros para as plantaes .[...]. (p. 4). . 20 O etnlogo francs rre Verger, em suas pesquisa sobre o trfico, o divide em quatro ciclos, sendo: 1 Ociclo da Guin, durante a segunda metade do sc. XVI; 2 O ciclo de Angola e do Congo,no sc. XVII; 3 O ciclo da Costa da Mina, durante os trs primeiros quartos do sc. XIII; 4 O ciclo da baa de Benin, entre 1771 e 1850, estando includo a o perodo do to clandestino (1987 p. 9). Porm, o pesquisador e sambista da cultura bantu, Nei Lo

    pes, informa que [...] muitos escravos aqui vendidos como sudaneses, como peas da19

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    trabalharem nas lavouras de cana-de-acar. Em suas terras, estes africanos eram capturados, s vezes como prisioneiros de guerras intertribais, s vezes por caadores especializados, como os portugueses, que j faziam o "comrcio de carne humana" bem antes do descobrimento do Brasil21 e conheciam bem a regio, principalmente Angola eCongo. Ao serem capturados esses homens, mulheres e tambm crianas, eram embarcados nos portos de Luanda, Mossmedes, Benguela e no rio Ambriz. Entre os bantu, assim tambm denominados os negros desta regio da frica, vieram muitos povos que ajudaram a construir o Brasil, entre eles destacam-se: os angola, os cabinda, os benguela, os moambique, os maca, os congo. Os bantu foram maioria em terras brasileirasat meados do sculo XVII, poca em que ocorrem as primeiras descobertas de mina de ouro no Brasil, dando incio ao chamado ciclo do Ouro. Com isso ocorre um deslocamento (e no uma substituio) do trfico para a regio do golfo da Guin, devido crenaque os sudaneses eram mais resistentes que os bantu, considerados mais afoitos agricultura. Na realidade esse deslocamento teve conexo com a invaso holandesa deLuanda em 1648. O golfo da Guin uma regio que engloba os atuais pases da Nigria, in (exDaom), Gana e Togo (ex-Costa do Ouro), o litoral dessa regio tambm era chamado de Costa dos Escravos. Dessa regio vieram povos como os das naes fanti, gs, ashani, fon e outros. Esses negros ficaram conhecidos pela alcunha de "mina", devidoao nome da fortaleza de So Jorge da Mina22, local de embarque da grande maioria destes africanos para o Brasil. Do interior desses pases vieram as etnias: nag, ijex, ijebu, ketu, (falantes da lngua yorub23), hauss (negros islamizados), taps, kanborns e outros. Os negros sudaneses que vieram para o Brasil eram conhecedores d

    e algumas tcnicas, o que possibilitou o desenvolvimento de esculturas em bronze por parte dos povos provenientes da regio yorub (na fronteira da Nigria com o Benin). Eram tambm agricultores como os bantu ,Guin, eram na realidade originrios de Angola e do Congo. Isto porque, pelo menos no sculo XVIII, o nome Guin designava todo o territrio que vai hoje do Senegal ao Gincluindo a Ilha de So Tom (RIBEIRO, 1978 apud p. 16 LOPES, 1988, p. 3). porque,durante certo tempo, os navios negreiros procedentes do Congo e Angola tinham todos que primeiro ir quela ilha pagar impostos antes de rumarem para o Brasil (SALVADOR, 1981, p. 32 apud LOPES, 1988, p. 3) advindo da a confuso nos livros de registro. 21 Segundo Nei Lopes [...] o incio do comrcio escravista pelos portugueses no de 1441, quando so feitas as primeiras capturas de negros na atual Mauritnia. (LOPES, 1988, P. 113) 22 Forte e ponto de embarque fundado em 1482 na costa da Mina, regio do golfo da Guin. 23 Povo sudans que habita a regio de Yorub (Nigria, A

    cidental, (que se estende, de Lagos para o norte, at o rio Nger (Oya) e, do Daomeipara leste, at a cidade de Benin. [...] Esse povo que tambm habita algumas cidades do Daomei (atual repblica Popular do Benin) e Togo veio em grande nmero para o Brasil, e na Bahia dominou social e religiosamente os outros povos escravizados,exceto os mals. mais comumente chamado povo nag, no Brasil. Compreende vrias triboe subtribos que tm seu prprio governante, subordinados todos ao Oni de If e ao Alafin de Oy. So, entre outros, os Oy, Egb (que inclui o Ketu), Ijebu, Ijex, Ow, Ekic. // Indivduo desse povo. // Lngua (do grupo lingstico Kwa das lnguas sudanesas, classificao de Westermann) falada pelo povo iorub. H vrios dialetos, sendo padro Oy. No Brasil chamada lngua nag. (CACCIATORE, 1977, p. 154-155) (grifos nossos)

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    pescadores, criadores de animais e conheciam o cavalo, devido o contato com os rabes. Possuam cidades com ruas planejadas e arborizadas e surpreenderam "[...] osviajantes europeus, a partir dos portugueses que ali aportaram em 1472". (CARNEIRO, 1964, p. 43) O trfico interno de escravos no Brasil aconteceu porque como a economia brasileira alterara ao longo dos sculos, tornou-se necessrio o deslocamento destas pessoas de uma regio para outra. Outros motivos como a seca no nordestedo pas tambm foram determinantes. Com isso, at o sculo XVIII, devido descoberta duro, a mo de obra escrava, em sua maioria, deslocou-se para o sudeste do Brasil,mais precisamente para o atual estado de Minas Gerais. As culturas africanas emgeral contriburam muito para a formao da cultura brasileira. Sua influncia se sentena lngua, na culinria, na msica, na maneira de andar e de se colocar no mundo. Contudo, excetuando-se a religio, acreditamos que poucas instituies (ou nenhuma outra)sobreviveram, e as que resistiram esto subjugadas ao universo religioso. Por isso, o negro brasileiro tem que saber "[...] como e por onde levantar o seu nvel intelectual e moral". (CARNEIRO, 1936, p.18). Ou seja, se o negro brasileiro quiserbuscar sua identidade, ele no poder deixar de conhecer a histria do candombl, que e confunde com sua prpria histria. No estamos, com isso, pretendendo que os negrose negras

    brasileiros tenham que se converter a essa religio, mas cremos que a construo da auto estima e da identidade passam pelo conhecimento de suas origens.

    2.2 As diferenas entre as naes Faz-se necessrio, primeiramente, explicar que existevrias religies de influncia africana no Brasil como: o catimb, a umbanda, o batuqu, o xang, o candombl, entre outras, que so religies espritas. No interior do candoexistem diferentes denominaes de culto que so chamadas de nao24. Cada grupo/etnia aqui aportou pertencia a locais distintos na frica, tendo, assim, costumes e culturas diferentes. Da surgiram as naes, ou seja, a prtica do candombl conforme ritospecficos da origem do povo praticante, como a nao de ketu, a nao jje, a nao annao congo (atualmente, estas duas ltimas consideram-se fundidas dada a grande semelhana das prticas religiosas e a proximidade das lnguas utilizadas, que so, respectiamente, o kimbundu e o kikongo).24

    Denominao de origem tribal ou racial (nao nag, nao africana) atribuda aos grup

    s africanos vindos como escravos para o Brasil. // Denominao do conjunto de rituais trazidos por cada um desses povos e que determinaram os diversos tipos de Candombl. (CACCIATORE, 1977, p. 86). Para uma discusso mais aprofundada sobre o assunto, ver: LIMA, V. da C. O conceito de nao nos candombls da Bahia. Revista Afro-sia,2, 1977, pp. 65-90.

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    Tentar traar um paralelo entre as naes seria, no mnimo, perigoso. Mas podemos dizerque cada uma delas possui caractersticas prprias, que a diferencia das demais. Estas diferenas se encontram na lngua utilizada, nas divindades cultuadas, em determinadas prticas de carter sigiloso os chamados fundamentos , no modo de ver determs questes, enfim, numa srie de fatores distintivos/reflexivos. A nao mais divulgadahoje em dia a ketu, tambm considerada a mais tradicional. Segundo antroplogos e historiadores, o primeiro candombl aberto na Bahia foi a Casa Branca do Engenho Velho (Sociedade So Jorge do Engenho Velho ou Il Ax Iy Nass Ok), originrio dessa nade maioria dos estudiosos das religies afro-brasileiras desde Nina Rodrigues (1935), passando por Lpine (1979) at os mais atuais como Prandi (1991) concorda que anao ketu serviu de modelo para as demais naes. Assim, conforme os estudiosos, a prieira (e primordial) diferena entre as naes de candombl se encontra com relao s des, objeto do culto. Os adeptos do candombl de origem bantu (nao congo e nao angoldenominam seus deuses por Nkisi (no plural se diz Jinkisi), embora alguns terreiros da nao angola prefiram chamar seus deuses de Ankixi (o plural seria Mukixi). Os adeptos da nao ketu chamam seus deuses de Orix e os da nao jje cultuam os Vodunexistem diferenas entre essas divindades, essa uma discusso que at hoje sacerdotese estudiosos do assunto no conseguiram responder satisfatoriamente. As opinies estopolarizadas entre aqueles que crem que existem diferenas e aqueles que dizem no haver diferena alguma, e que s mudam os nomes conforme as naes. Uma outra diferena entrada a variao do idioma/lngua/dialeto utilizado por cada nao. Assim: os angolee angoleiras os adeptos do rito angola-congo cantam numa mistura de kimbundu e k

    ikongo, as nicas duas lnguas do tronco bantu que sobreviveram no Brasil. Os adeptos da nao ketu cantam em yorub, e os adeptos da nao jje cantam na lngua ew. Entrm muitos terreiros de candombl e de umbanda possvel observar a utilizao destas truas rituais. Hoje em dia, devido (re)africanizao, os terreiros que ainda mantm essmistura de lngua em seus rituais so chamados de sincrticos em contraposio aos terros que adotam apenas uma lngua ritual chamados de (re)africanizados. As naes distinguem-se ainda pelo prprio ritmo dos atabaques, pelas denominaes que cada nao d as, ou mesmo pela maneira de toc-los. Assim alguns pais e mes-desanto da nao angola-ongo dizem que existem trs toques em seu rito: congo de ouro, barravento e cabula(tambm chamado de angola-munjola). Porm outros dizem que existem

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    quatro toques, que seriam: cabula, barravento, rebate e o arrebate; todos estesritmos so tocados com as mos. Das tradies sudanesas (jje e ketu) tem-se o ijex, iaguere, bravum, opanij, aluj, adahun e avamunha, entre outros. Uma caracterstica das naes ketu e jje que cada orix e/ou vodun tm um ritmo prprio, o que j no accandombls de origem bantu. As denominaes dos atabaques para os jjes so: rum, rumpil, os atabaques nesta nao diferem-se das demais at mesmo no formato, pois so acomoos em suportes na posio horizontal, diferentemente das demais tradies; os adeptos dcandombl ketu mantiveram a denominao da nao jje e os atabaques so tocados com ade varetas (exceto o ijex, que se utiliza tambm do toque com as mos). J os angoleirs denominam seus atabaques genericamente de ngoma (tambor em kimbundu), mas cadaum deles, assim como na nao jje, tem um nome prprio: ngoma txina (o grande), ngomamukundu (o mdio) e ngoma kasumbi (o pequeno). Segundo Barcellos (1998, pp.18-19),estudioso e sacerdote do culto angola-congo, uma tradio dos candombls ketu [...]zer o xir (brincadeira) dos orixs, quando se canta para todos eles, numa ordem determinada; os angoleiros conhecem e praticam o jamberesu, que o ritual de invocao do inquices (divindade) [...]. Porm, na opinio do autor a mais explcita diferena exente entre o candombl de origem sudanesa e o de matriz bantu talvez esteja na questo tnica e na questo da origem religiosa. Em relao aos povos de lngua yorub o se diz que:

    Os iorubanos, cujo imprio foi fundado por Oduduwa, na Nigria, fronteira com o Daom,hoje Repblica do Benin, foram absorvendo aos poucos determinadas divindades uma

    da outra, como por exemplo, a incorporao do orix Nan pela cultura iorubana. Outro cso, os iorubanos vinculam o culto a um determinado orix a uma regio especfica. Porexemplo, Oxogb cultua Oxum; Oy, Xang; Ire e Hondo, Ogun; Ir, Ians, etc. (BARCELLOS998, pp. 19-20)

    Sobre a mesma temtica o autor diz o seguinte em relao aos povos de origem bantu:Os angolanos originaram-se da migrao dos negros africanos do norte e nordeste da frica, vindos da regio do Sudo. Foram mais de 150 milhes de emigrantes, que ao longode sua jornada at o sul da frica foram fundando imprios, reinos e pases. Os bantos oram fundadores do Congo, de Angola, da Nambia etc. (BARCELLOS, 1998. p. 20)

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    Fazendo uma ltima referncia religiosidade bantu, o autor vai dizer que Ao contrrios iorubanos, os bantos cultuavam seus inquices de acordo com a ocasio (BARCELLOS,1998, p.20).

    2.3 A hierarquia no candombl nao angola-congo

    Os cargos mximos reconhecidos dentro dos candombls de origem bantu so: mametu/tatetu nkisi (grafia africana) ou mameto/tata inquiciane ou ainda mameto/tata de inquice, respectivamente me/pai-de-santo ou zeladores de santo; Tata nganga ngombu outata ngana mesu (equivalente ao Babala do candombl ketu), aquele que joga, que tem a incumbncia de aconselhar os zeladores. Os outros cargos so: tata kambundu (kambondu/kambanda), homens que no entram em estado de transe e que, escolhidos peladivindade, exercem funes superiores, so o equivalente ao og na nao ketu; tata utaesponsvel pelos altares e outras funes; tata pok o sacrificador consagrado a Nkostata kivonda ou quivonda, o sacrificador consagrado a outras divindades; tata kanzumbi/ tata nsalu/ tata nzo Vumbi responsvel pelos sacudimentos, carregos, ritosfnebres (inzo ia Vumbi) e so os guardies da casa; o tata kisaba ou quinsaba/insaba, que o responsvel pela colheita das folhas. Sobre este cargo, Santana (1984, p.37) diz: No sei, no conheo se nas outras naes tem este cargo. Sem querer desmereolutamente, se existe este posto eu no conheo. Essas so autoridades fundamentais para um terreiro. Em algumas casas de candombl ketu, disseram que esse cargo chamadode Olosse. O Tata ngimbi o pai dos cnticos; o tata kixika ia ngoma/ sika a ngoma

    (grafia africana) ou Xicarangomo, aquele que toca o atabaque; tata mbaia, responsvel pelo barraco; o tata lubitu/lumbitu responsvel pelos compartimentos sagrados a casa de santo, detentor das chaves; tata fufu/nfunfu prepara os ps (pemba em lngua kimbundu) que so utilizados nos rituais sagrados; kota maganza/kiakaxi so as rodantes/mdiuns com idade superior a 7 anos de iniciao; mam etu ou tat etu ndenge oucota soror a me pequena ou pai pequeno; Mam etu-Kusasa a me criadeira; Mam etu-Mngi a me dos cnticos e rezas (seria ela o equivalente masculino a tata ngimbi, o pai dos cnticos?); mam etu-mutint, responsvel pelo preparo das tintas rituais; mam etu/ tat etu/kota-hongolo matona, a que far a pintura colorida; mam etu/tat etu-luvemb, responsvel pela pintura branca; mam etu ou kotamulambi, responsvel pelo preparo das comidas ritualsticas; mam etu ou kota-rinfula ou

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    quifumbera, a superiora da cozinha; tat etu/ mam etu ou kota-dianda responsvel pela comunidade. As dikota/kota so as mulheres que no entram em estado de transe e que, quando escolhidas pela divindade, exercem funes superiores. Neste grupo temos:a kota nbakisi, que aquela que cuida das divindades (este cargo comparado ao deekde da nao ketu); a kota ambela, que responsvel pelos iniciados; kota kididi, a que mantm a paz e a harmonia na casa de santo; kota masoioio ou simplesmente cota a superior mais antiga da casa. Aps este grupo de mulheres temos a/o mukaxi, que o mdiun; a muzenza (feminino) ou o munanzenza (masculino), que so as/os iniciadas/os; e o ndumbe, assim chamadas as pessoas que ainda no se iniciaram. O ndumbeest na base da hierarquia do candombl angola-congo, mas to respeitado quanto as ouras pessoas do terreiro. Na maioria dos terreiros muitos dos cargos citados acima, inclusive os pesquisados, so acumulados. Os cargos concedidos pelo sacerdote soexclusivos dos iniciados na tradio religiosa angola-congo. Como no candombl ketu,o ttulo de sacerdote s ser reconhecido (se tiver cargo) mediante a comprovao de suniciao e se tiver idade acima de 7 anos de iniciao, bem como com suas obrigaes emE as obrigaes de ano de feitura, se atrasadas, no sero reconhecidas se feitas de ua s vez, devendo-se manter um intervalo de uma para a outra. Os trabalhos feitosatravs de consultas, sakamene (sacudimentos), makesu (noz de kola) e kudia mutue(comida cabea), no criam vnculos de filiao com a casa.

    2.4 Os jinkisi divindades do candombl angola-congo.

    Muitos so os nomes pelos quais os povos bantu denominam Deus: Nzambi (bachicongos, baiacas, bassurongos, etc), Kalunga (bimbundas, nhanecas-humbes, etc), Nzambi-Mpungu (congos-bavlis), Mulungu, Mukuru, Muvangi, Suku, etc. Mas, geralmente, Ele pouco acionado. Segundo Santos (1969, p. 325):

    O Banto preocupa-se essencialmente com os espritos, com a magia. S a ttulo de exceeclama diretamente a ajuda de Deus. Deus est no cu, ens in se, que no se preocupa com as criaturas, sejam elas espritos, homens, animais, vegetais ou minerais. A vida quotidiana do homem recebe sim, mas a influncia de uma fora mstica, dos esprit

    Os povos bantu, assim como os yorubs, acreditam num Deus supremo. Para a maioriadas etnias Ele caracterizado como um grande rei (soba), que est muito acima de seus sditos, e, justamente por isso, encarrega alguns dos seus homens de confiana pa

    ra tomar

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    conta do reino. O mesmo sucede-se com Deus, que criou o mundo e entregou o seu governo aos espritos (nkisi, ankixi). Santos (1969, p. 323 apud Junod s/d), explica da seguinte maneira um mito do culto aos antepassados:[...] um grande chefe banto tinha por hbito subir a montanha e l fazer as suas preces a Deus. O seu filho, que lhe sucedeu, sentiu medo de se aproximar do GrandeDeus que seu pai adorava, e ento chamou o esprito de seu pai para que intercedessepor ele e por seu povo diante do criador de todos. Gradualmente, cada chefe defamlia teve os seus prprios espritos ancestrais, primeiramente como mediadores, e depois como objeto de adorao. E, desta maneira, com o rodar dos tempos, Deus foi posto de lado para serem invocados os manes.

    As divindades25 cultuadas pelos angoleiros so: Pambu Njila ou Pambu Nzila tambm conhecida como Aluvai a divindade protetora dos templos e dos caminhos, est associaa ao orix Exu. Todos o sadam da seguinte maneira:

    Kuia Luvai ngana nzila-Kuia Viva Aluvai, senhor dos caminhos Viva

    Nkosi/Hosi, em alguns lugares tambm chamado de Mukumbi, Ngangula, Xau. Deus da Guerra uma divindade ligada agricultura e protetora dos ferreiros. Alguns sacerdotes associam esse nkisi a Ogum. No entanto, no se furtam de saud-lo por:

    Iuna Kubanga Mu Etu Nkosi E Aquele que briga por Ns Nkosi E

    Katende/Mpanzu, divindade ligada aos encantos, segundo o sacerdote tata Katuvanjesi no se deve invocar Katende, na lngua kimbundu, e Mpanzu, na lngua kikongo, porque eles no atendero. Este nkisi est associado a Ossain divindade das folhas no candombl ketu, embora alguns estudiosos (BASTIDE, 1973, 216a; CARNEIRO, 1937, p.73) oaproxime de Iroc (outra divindade do candombl ketu). Seja como for, os fiis sempreo sadam dessa maneira:

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    Optamos por manter a escrita africana das divindades da nao angola-congo por motivo de coerncia com a nossa discusso e porque nos terreiros pesquisados os sacerdotes assim se referem a eles. Todas as saudaes aos Jinkisi foram retiradas do livro d

    e BARCELLOS, Mario Csar. Jamberesu: as cantigas de angola. Rio de Janeiro: Pallas, 1998.

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    Kisaba Kiasambuka Katende! Folha Sagrada Katende!

    Outro importante nkisi Mutakalamb, que o deus da caa. Na mesma famlia temos Kabique a divindade protetora dos pastores e caadores, e Nkongo Mbila, prncipe protetor dos pescadores e caadores. Em muitos terreiros, inclusive da nao angola-congo, os adeptos tendem a associ-los a Oxossi. Conforme Tata Katuvanjesi estes dois jinkisi tm a funo de auxiliar Mutakalamb. Sua saudao :

    Kabila Duilu Kabila! Caador dos Cus Kabila!

    Nzazi-Loango ou Kambaranguanji a divindade dos raios e dos troves, est associada aXang. Sua saudao :

    A-ku-Menekene Usoba Nzaji "Nzaze"! Salve o Rei dos Raios Grande Raio!

    Conforme tata Katuvanjesi, Luango auxiliar de Nzazi; porm, para outros sacerdotes, este mesmo nkisi auxiliar de Vunji. Vunji, deus da Justia, atua no nascimento das crianas. Por isso, a maioria dos sacerdotes e sacerdotisas aproximam-no aos Ibeji, que so divindades do panteo ketu. De qualquer maneira, sua saudao :

    Vunji Pafundi Vunjie! Vunji feliz Bem-Vindo!

    Depois vem Hongolo, Hongolo Meia / Menha, deusa das guas doces e do arco-ris, popularmente conhecida como Angoro ou Angoroma, associada a Oxunmar, que cultuada no candombl ketu. Por conta dessa aproximao que as pessoas fazem, tata Nkassut nos dissque muita gente pensa que Hongolo Meia do sexo feminino. Sua saudao :

    Ngana Kalabasa Angoro L! Senhor do Arco ris Angoro Hoje!

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    Para Nzinga Lumbondo, divindade que atua tambm sobre os astros e o arco-ris, no encontramos equivalente em outra nao. Conforme os sacerdotes entrevistados, este nkisi foi trazido para o Brasil h somente 8 anos. Kavungu, Kingongo, Insumbo/Nsumbo/Nsambo, deus protetor das pestes e doenas, e que tambm atua na sorte, est associadoa Obaluai/Omulu da nao ketu. Seus filhos sadam-no por:

    Tatetu Mateba Sakula Oiza Dixibe! O Pai da Rfia est chegando Silncio!

    Para Ntoto, divindade ligada terra, no encontramos equivalente em outras naes, mastalvez no nos equivoquemos se pensarmos nesta divindade como uma qualidade ou dafamlia de Kavungu. Kitembo/Tembu est associado ao orix Iroc ou a Tempo26, deus dos entos, e atua na cura de doenas. Sua saudao :

    Nzara Kitembo Kitembo Io! Glria Kitembo Kitembo do tempo!

    Tere-Kompenso/Teleku Mpensu ou Ngongobila/Gongobira, divindade protetora dos pescadores e caadores. Em alguns terreiros ele est associado a Logun Ed do ketu. Sua saudao : Mutoni kamona tere Kompenso Muanza E! Pescador menino Tere-Kompenso Rio 26

    H quem afirme que esta a divindade mais reverenciada pelo povo de tradio de AngolaSegundo uma das lendas (Nkisi), Mutakalambo, um caador saiu caa juntamente com out

    ros caadores e teve dificuldade para retornar. Enquanto isso, a aldeia estava numa situao crtica, com fome, necessitando daquela caa. Ento Nzambi Mpungu mandou queNganga (adivinho) que o responsvel por consultar o orculo sagrado fosse consultaro que havia sucedido para Mutakalambo no ter retornado. Aps a consulta, este disseque Mutakalambo tinha feito o trabalho que Zambi havia determinado, mas estavaperdido numa selva. Nzambi Mpungu chamou a caadora Mutajinji e pediu-lhe que elajuntamente com outros Jinkisi levantasse uma bandeira de forma que as pessoas que estavam perdidas na mata pudessem ver e assim tivessem uma direo. Eles conseguiram achar o caminho e chegar at "Sanzala Kasembe di Nzambi" (aldeia sagrada de Deus). Tomando esse c