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número 70dezembro de 1998

Editorias:Social e NotíciasAdriana Simon

<[email protected]>Ciência

Gerson Lodi-Ribeiro<[email protected]>

Artigos e ContosMarcello Simão Branco

<[email protected]>Listserver

Dario Alberto de Andrade Filho<[email protected]>

GeralCesar R. T. Silva.

<[email protected]> Produção Gráfica eGerência Comercial

Humberto FimianiArte, Diagramação e Revisão:

Cesar R.T. SilvaTiragem: 100 exemplares

Somnium é a publicação oficial doClube de Leitores de Ficção Científi-ca - CLFC. Aceitam-se colaborações,que podem ser enviadas em disqueteIBM PC ou por e-mail no programaWord 6.0 ou menor, que ficam sujei-tas à apreciação da respectiva editoria.Os trabalhos publicados não fazem jusa qualquer remuneração e os direitosautorais permanecem de propriedadedos autores. Originais, publicados ounão, não serão devolvidos. Os textosassinados não refletem necessariamen-te a opinião da editoria.O Clube de Leitores de Ficção Cientí-fica foi fundado em São Paulo, aos 14de dezembro de 1985, tendo sido re-gistrado no 3o Cartório de RegistroCivil das Pessoas Jurídicas sob núme-ro 79.416/86. Sua diretoria para obiênio 1998/99 está composta pelossócios Humberto Fimiani (Presidente),Marcello Simão Branco (SecretárioExecutivo) e Cesar R. T. Silva (Tesou-reiro).

Correspondência:CLFC - Clube de Leitores de Ficção

Científica: Caixa Postal 2105São Paulo-SP - 01060-970 - Brasil.http://members.tripod.com/~CLFC

Í n d i c eEditorial

BalançoO que rola pelo Fandom

FC em Notíciaspor Adriana Simon

Listserver: Resenhas e Polêmicascompilado por Dario Alberto de Andrade Filho

InternacionalFronteiras: Terceiros Encontros da FC&F Portuguesa

por Gerson Lodi-RibeiroFicção

A Memória da Almapor Simone Saueressig

Quem não morrer, fica sópor Norton Coll

IlustraçõesAngelo RibeiroAngelo M.S. Jr.Roberto SchimaAntonio AmaralMarcelo SalazaMauricio Tavares

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Editorial: B a l a n ç o

Estamos completando mais um ano de trabalhos,com um resultado senão de todo, pelo menos em par-te muito encorajador. Conseguimos colocar esta edi-ção do Somnium em tempo recorde na suas mãos,fruto da boa quantidade de colaboracões que recebe-mos nas últimas semanas. Deste modo também nosrecuperamos do pequeno atrazo da edição anterior,de forma que os leitores podem conferir terem rece-bido todas as edições prometidas neste ano. Se o rítmode colaborações continuar firme, podemos até cogi-tar a ampliação de páginas do fanzine.

Também comemoramos a recuperação milagrosado caixa do Clube de Leitores de Ficção Científica,que antecipa muitas atividades para o emblemático1999, ano de eleição no CLFC, e esperamos que, destavez, não seja difícil encontrar entre os associados,

novos entusiastas que desejem assumir o leme, tantonos cargos administrativos como nas diversas ativi-dades lúdicas e editoriais.

A propósito, cumprimentamos Ataide Tartari e Fá-bio Barreto, os novos editores do Informativo Men-sal do CLFC, boletim periódico que por muitos anosesteve sob a batuta de nossa editora de notícias,Adriana Simon. Felicidades e sucesso na empreita-da, que afinal beneficia a todos nós.

E para finalizar, a editoria do Somnium e a dire-toria do CLFC desejamos a todos os leitores, sóciose seus familiares, um ótimo final de ano, Boas Festase um excelente e produtivo 1999. E um grande e ca-loroso muito obrigado por continuarem acreditandona FCB. Felicidades a todos!

Os Editores

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FC em Notíciaspor Adriana Simon

O que rola pelo Fandom:

CinemaA revista SET anunciou entre os futu-ros lançamentos de filmes nacionaisnos cinemas, três títulos que podemcriar interesse entre os que gostam deFC e fantasia. Em fase de finalização,o longa de Geraldo Moraes, No Cora-ção dos Deuses, com AntônioFagundes, que conta a viagem de umgrupo de pesquisadores ao tempo dosbandeirantes. Também em fase definalização o longa de Antônio CarlosFontoura, Uma Aventura do Zico, comum tanto de FC no fato de haver aclonagem do jogador. E em fase depreparação o novo longa de Ivan Car-doso, Amazônia Misteriosa, com na-zistas fazendo experiências com índi-os e ainda a presença de um lobiso-mem. Entre os estrangeiros, o anún-cio de mais um Jurassic Park, destavez apenas produzido por Spielberg,e a possibilidade de um acordo entreMadonna e Schuarza para produzirema terceira parte do Exterminador doFuturo, com Cameron, ou Cruzade,com Verhoeven. (por Cesar Silva)

The Truman ShowDirigido por Peter Weir, envolve o po-der que as grandes corporações exer-cem sobre os indivíduos. É menos fu-turista que Gattaca, e como já foi dito,uma espécie de versão sem hardwarede Simulacron 3, onde é criado ummundo artificial em redor de uma pes-soa que não se dá conta disto. Um ho-mem descobre que tudo que aconteceem sua vida não passa de um show deTV. E que sua mulher, amigos, vizi-nhos e companheiros de trabalho são,atores, e tudo vai ao ar 24 horas pordia no mundo todo. O show se torna omaior sucesso no mundo inteiro.Elenco: Jim Carrey (TrumanBurbank), Ed Harris, Laura Linney,Noah Emmerich, Brian Delate,Holland Taylor, Harry Shearer eNatascha McElhone. Direção: PeterWeir. Roteiro: Andrew Niccol.

Small SoldiersO filme mistura animação com efei-tos computadorizados, e conta a his-

tória de uma guerra entre pequenosmonstros em miniatura e soldadosrobotizados.Elenco: David Cross, Kevin Dunn,Kirsten Dunst, Phil Hartman, AnnMagnuson, Dick Miller, Jay Mohr,Wendy Schaal e Gregory Smith

VirusUma equipe que está no meio do oce-ano, encontra um navio russo sem nin-guém a bordo. Eles descobrem que ostripulantes foram destruídos por umtipo de alienígena, que ataca os huma-nos na forma de um vírus. Se o vírusse espalhar, todos os humanos vãomorrer. O orçamento do filme foi de50 milhões de dólares.Elenco: Jamie Lee Curtis, DonaldSutherland, William Baldwin,Sherman Augustus, Cliff Curtis,Joanna Pacula, Marshall Bell e JulioMechoso. Direção: John Bruno.

PIUm gênio da matemática acaba cons-truindo um super computador, chama-do Euclid, que consegue prever o quevai acontecer na bolsa de valores. Mas,um número com 216 dígitos aparece ecomeça a intrigar Max. E sua buscapela verdade pode levá-lo a uma des-coberta inacreditável.Elenco: Sean Gullette, Mark Margolis,Ben Shenkman, Pamela Hart, StephenPearlman e Samia Shoaib. Direção eroteiro: Darren Aronofsky.

The AvengersSir August de Wynter arranja um mé-todo de controlar todo o clima do mun-do, e assim conquistá-lo. Dois agen-tes secretos, John Steed e Emma Peel,tentam impedir o bandido de conse-guir realizar seu plano. O filme é ba-seado na série de tv de mesmo nome,onde os agentes John Steed (PatrickMacnee) e Mrs. Peel (Diana Rigg),corriam atrás de perigosos bandidos.Antes de Mulder e Scully, já haviamdois agentes que trabalhavam comoparceiros, mas nunca ficaram juntos,apesar de todo clima amoroso entreeles. No começo o diretor era para serNicolas Meyer e o ator principal Mel

Gibson. Mas eles não aceitaram e fo-ram substituídos. E se não estivessegravando Eyes Wide Shut, NicoleKidman ia ser Emma Peel. Depois deNicole recusar o papel, GwenythPaltrow foi o nome escolhido para serEmma, mas no final Uma Thurman fi-cou com a personagem.Elenco: Ralph Fiennes (John Steed),Uma Thurman (Emma Peel) e SeanConnery (Sir August de Wynter). Di-reção: Jeremiah Chechik.

BladeO filme é baseado em um herói de qua-drinhos da Marvel e foi monitoradode perto por Stan Lee. O filme ia sechamar Blade, the Vampire Slayer,mas ficou muito parecido com Buffy.No filme, a mãe de Blade é mordidapelo vampiro Deacon Frost, no mo-mento que está tendo seu filho. O me-nino, chamado Blade, cresceu odian-do os vampiros, e se tornou um caça-dor das criaturas. Durante uma lutacontra um vampiro, ele é mordido, edescobre que graças a sua mãe, ele éimune a eles. Seu maior desafio é con-seguir vingar a mãe, e matar Frost.Elenco: Wesley Snipes (Blade),Stephen Dorff (Deacon Frost), KrisKristofferson (Whistler) e Traci Lords.Direção: Steve Norrington. Roteiro:David Goyer. Produção: Peter Frank-furt, Wesley Snipes e Bob Engelman.Produtor Executivo: Avi Arad e StanLee.

John Carpenter´s VampiresO filme é baseado no livro Vampire$,de Tom Walsh. Os vampiros existeme estão vivendo entre os humanos. JackCrow é o chefe de um grupo de caçavampiros que é patrocinado peloVaticano. Eles viajam o mundo todo áprocura de vampiros. Crow não agüen-ta mais sua vida de caçador e preten-de parar. Mas, um dos mestres vampi-ro descobre o endereço de Crow e suaequipe, e quer matar a todos.Elenco: James Woods (Jack Crow),Sheryl Lee, Daniel Baldwin,Maximillian Schell, Thomas IanGriffith (Valick), Cary Hiroyuki-

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Tagawa, Mark Boone Jr., GregorySierra, Henry Kingi, Tommy Rosalese Tim Guinee. Direção: JohnCarpenter. Roteiro: Don Jacoby e JohnCarpenter.

SoldierUm soldado criado genéticamente cha-mado Todd (Russell), tem cumpridoseu dever de proteger uma colôniahumana. Mas um modelo mais avan-çado acaba sendo posto em seu lugare ele vai parar em um local deserto.Revoltado, ele resolve voltar a seuposto, e destruir todos os modelosnovos que estiverem em seu lugar.Elenco: Kurt Russell, Gary Busey,Jason Scott Lee e Connie Neilson. Di-reção: Paul Anderson.

Apt PupilO filme é baseado em um conto deStephen King, chamado Apt Pupil, emostra a vida de um jovem rapaz quese torna pupilo de um velho coman-dante nazista, e escuta do velho ashistorias que aconteceram nos camposde concentração, durante a SegundaGuerra mundial. Em 96, o ator JohnMalkovich estava querendo participardo elenco, mas não entrou em acordocom os produtores.Elenco: Ian McKellen (ArthurDenker), Brad Renfro (Todd Bowden),Joe Morton, David Schwimmer(Friends), Kevin Pollack, BruceDavison, Elias Koteas, JoshuaJackson. Direção: Bryan Singer.

Blast From the PastPensando que o mundo ia acabar emuma explosão nuclear, um garoto étrancado em um abrigo, por sua famí-lia, para escapar do holocausto. Só queesquecem de avisar ao garoto que nãocaiu bomba nenhuma. Trinta anos de-pois o menino, agora um homem, saide seu abrigo e descobre um mundototalmente diferente de 1962.Elenco: Brendan Fraser, ChristopherWalken, Alicia Silverstone, DaveFoley e Sissey Spacek. Direção: HughWilson. Roteiro: Bill Kelly. Produção:Geena Davis.

The FacultyMais um filme de terror criado porKevin Williamson (Scream, I Know...).Um grupo de adolescentes descobreque alienígenas estão tomando os cor-pos de vários humanos, e assumindo

suas identidades. Sozinhos, eles ten-tam impedir que o plano chegue ao fi-nal com sucesso. Elenco: RobertPatrick, Elijah Wood, Clea Duvall,Shawn Hatosy, Josh Hartnett, JonStewart, Salma Hayek, Piper Laurie,Bebe Neuwirth e Harry Knowles Di-reção: Robert Rodriguez. Roteiro:Kevin Williamson.

Texas Blood Money (From Dusk Till Dawn 3)

O filme mostra o que aconteceu de-pois de FDTD, e as aventuras de SethGecko. Só que, novamente ele se en-volve com vampiros, inclusive comseu irmão Richie, que morreu no pri-meiro filme. Elenco: Robert Patrick,Brett Harrelson, Bo Hopkins, BruceCampbell, Muse Watson, RaymondCruz e Tiffani-Amber Thiessen(Barrados no Baile - Beverly Hills -90210). Direção: Scott Spiegel. Rotei-ro: Scott Spiegel e Duane Whitaker.

AstronomiaDescobertos novos

planetas extra-solaresAstrônomos norte-americanos desco-briram a menos de 150 anos-luz daTerra dois novos planetas de um ta-manho equivalente ao de Júpiter emórbita de duas estrelas similares a nos-so Sol, anunciou hoje a Universidadede São Francisco (Califórnia). Essasnovas descobertas, realizadas pelaequipe de Geoffrey Marcy e PaulButler, elevam para 12 o número denovos planetas chamados “extra-sola-res” detectados desde 1995, nove de-les por esses dois astrônomoscalifornianos, precisaram as fontes.Como todos os demais, planetas de-tectados até o momento em sistemassolares vizinhos ao nosso, esses doisnovos exemplares “Júpiter” não foramvistos fisicamente. Apontando um dosdois potentes telescópios Keck insta-lados em Mauna Kea (Havaí) para umasérie de 430 estrelas, os cientistas nor-te-americanos deduziram a existênciados planetas ao detectarem as ínfimasperturbações causadas por sua presen-ça nas estrelas em torno das quais gi-ram. Ao medirem essas perturbações,os astrônomos tiveram condições deestimar o tamanho desses planetas e adistância em que se encontram de sua

estrela. Situada a 154 anos-luz da Ter-ra, na constelação de Cisne, a primei-ra delas, identificada como HD-187123, gira numa órbita muito pró-xima a sua estrela, a uma distânciaestimada a apenas 25-avos da que se-para nosso Sol da Terra. Muito maisinteressante para os astrônomos, a se-gunda foi localizada na constelação deAquário, a 68 anos-luz da Terra. OHD-210277 é o primeiro planeta ex-tra-solar situado à mesma distância desua estrela que a Terra está do Sol edemora 437 dias para dar a volta, se-gundo os cálculos.Vamos torcer pela confirmação da ve-racidade da descoberta por outros ór-gãos científicos. Afinal, temos um pla-neta-irmão (HD-210277) tão pareci-do e tão perto (astronomicamente) donosso. (noticia publicada no Estadode Minas on-line, de 24/09/98 e envi-ada por Marcus Chevitarese).

LivrosLançamentos

O CROMOSSOMO CALCUTÁ(Editora Ática)

De Amitav Ghosh, autor indiano demainstream, radicado em New Yorkque, com este romance, ganhou oArthur C. Clarke Award. Passa-se numfuturo próximo onde as redesinformáticas atingiram um estado dequase consciência. Com a ajuda deuma delas, Antar, um programar egíp-cio residente em Nova York descobrenos arquivos da Rede um cartão deidentidade pertencente a um velho co-lega desaparecido em Calcutá em1995. Esse tal L. Murugan é um espe-cialista na doença da febre amarela enaquele que descobriu qual era ovector viral, um tal Robert Ross, tam-bém ele desaparecido em Calcutá nofinal do século passado. A partir da-qui, o romance tem um pouco de tudo.O horror de Calcutá a la Canção deKali, sociedades espíritas, ghoststories, reencarnação, saltos no tem-po só compreensíveis nas últimas li-nhas do romance, e uma sociedadesecreta de Imortais. Parece que a pra-ga viral da malária é capaz de trans-mitir o imprint mnésico que quem omosquito picou através de transfusõesde sangue de indivíduos contamina-

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dos. Uma espécie de imortalidade sópara os eleitos. Embora o AmitavGhosh não conheça a FC, o seu livronão envergonha ninguém, não é afinalum mastigado de coisas já feitas, e bemmelhor, como foi o caso do Contatodo Sagan. (por João Barreiros)

DEPOIS – SETE HISTÓRIASDE HORROR E TERROR

(Record)Antologia organizada e traduzida porHeloísa Seixas. Traz contos deAlgernon Blackwood, Poe, EdithWarton, Lovecraft, O. Henry, etc.

A PEDRA DO MEIO DIAou ARTUR E ISADORA

(Editora 34)Folheto de cordel da autoria de BráulioTavares publicado pela primeira vezem 1979 e que agora entra na coleçãoinfantil da Editora. Uma história defantasia em verso, sobre um reino en-cantado, um gigante shapechanger, umcastelo assombrado e outras coisas queno Sudeste são consideradas “infan-tis” mas que no Nordeste fazem parteda literatura adulta.

VÔO SOBREO MAR DA LOUCURA

(Editora M&C, 97 páginas, R$ 5,00)Nas bancas de São Paulo e Rio de Ja-neiro, o volume 1 da Coleção ImpérioFicção Científica e Fantasia, novela deRoberto de Sousa Causo, que contacom introdução de GilbertoSchoereder, o editor de ficção da re-vista Starlog Brasil. O livro tem for-mato pequeno, capa colorida, ilustra-ções internas, e é o primeiro volumede uma coleção que pretende popula-rizar a FC — e a FC nacional em par-ticular — colocando títulos interessan-tes a preços relativamente baixos nasbancas. Os números ímpares serão his-tórias nacionais, os pares, estrangei-ras. O número 2 será a novela deStanley G. Weinbaum, A Pirata Espa-cial (The Red Peri), com introduçãode Ivan Carlos Regina. Entre os títu-los planejados, está O Consertador deBicicletas, noveleta premiada deBruce Sterling.

OUTRAS COPAS,OUTROS MUNDOS

(Ano-Luz/PECAS; 168 pgs.)Editado por Marcello Simão Branco.Uma antologia audaz em que onze au-

tores do gênero fantástico ousam vôosrasantes sobre mares ficcionais agita-dos, raramente singrados pela litera-tura convencional e sequer cartogra-fados pela crítica. O futebol é abor-dado de maneira original em cada umdesses trabalhos. Elementos sobrena-turais, futuristas ou hipotéticos sãoescalados no meio da peleja, comoverdadeiras armas secretas, realçandoa diferença entre o futebol real e umoutro, fantástico mas igualmenteapaixonante, que ainda não existe, masque poderá vir a ser ou poderia tersido. Além da preleção inicial do Mes-tre Telê Santana, craque brilhante den-tro e fora das quatro linhas e mentordo nosso dream team da Copa de1982, há neste livro histórias capazesde agradar leitores de predileções di-versas. Trabalhos que sem dúvida es-timularão a imaginação do leitor, fa-zendo-o pensar em como será o fute-bol do Terceiro Milênio. Autores:Marcello Simão Branco, FábioFernandes, Ataide Tartari, Ivan CarlosRegina, Octávio Aragão, AdrianaSimon, Gerson Lodi-Ribeiro, BraulioTavares, Carla Cristina Pereira, CarlosOrsi Martinho e Cesar R. T. Silva.O preco de R$18,00 inclui as despe-sas postais. Pedidos: Caixa Postal 375,S. André – SP, 09001-970, ou pelo e-mail <[email protected]>. (porGerson Lodi-Ribeiro)

O ARCO-ÍRISDA GRAVIDADE

(Gravity’s Rainbow)(Companhia das Letras)

Publicado originalmente em 1973, umdos clássicos da contracultura,Gravity’s Rainbow é o romance quetransformou Pynchon em ídolo abso-luto dos cyberpunks - no prefácio dacoletânea Reflexos do Futuro, Sterlingdescreve Pynchon como “um autorcuja integração de tecnologia e litera-tura permanece insuperável”. A histó-ria se passa durante a II Guerra Mun-dial e é (mais ou menos) a seguinte:quando bebê, o norte-americanoTyrone Slothrope (cujo nome é umanagrama de “entropy or sloth”) foisubmetido a experiências de reflexocondicionado por um psicólogobehaviorista que queria estudar o te-são infantil. Depois de adulto, Slothrop

é um tenente servindo na Inglaterra,onde se comporta como um verdadei-ro Dom Juan, dormindo com uma sé-rie de garotas, cuja conquista ele assi-nala com um mapa. Acontece que,quando se superpõe esse mapa com odos bombardeios alemães na Inglater-ra, os aliados fazem uma descobertaperturbadora: cada local onde Slothropteve uma ereção coincide exatamentecom o local onde, dias “depois”, cai-ria uma bomba V2. Isso faz com queSlothrop se torne o foco de atençãoda Aparição Branca, a divisão psi dasforças aliadas, que investiga comopoderes paranormais podem ser utili-zados como armas de guerra. Em tor-no desse enredo, Pynchon penduranada menos que 400 personagens eoitocentas páginas de romance. Só nasprimeiras 50 páginas, encontramos umagente da divisão psi das forças alia-das que tem o poder de mergulhar nasfantasias das outras pessoas eexperimentá-las sob a forma de aluci-nação (sim, as letras p, k e d vêm irre-mediavelmente aos olhos, até porqueo Pynchon sempre admitiu que umade suas fontes foi a FC dos anos 50 e60); um cientista maluco que vive ca-çando vira-latas pra suas experiênciasem meio às ruínas da guerra; um ban-do de espiões que usa médiuns e espí-ritos pra obter informações sigilosas eum grupo ou seita portador de um mis-terioso Livro que eles lêem em reuni-ões solenes uma vez por semana - issoentre outros delírios barrocos, como ainvasão de Londres por uma adenóidegigante, no melhor estilo filme B. Ago-ra, um detalhe: o livro é pra quem seinteressa por literatura experimental.Pynchon muda o foco narrativo o tem-po todo, tem capítulos que a gente nãosabe sob qual ponto de vista estão sen-do contados, nem se o que está acon-tecendo é real ou alucinatório. Quemgosta de histórias bem explicadinhas,com começo, meio e fim claramentedefinidos, melhor manter distância -vai achar o livro chato. Mas quem nãofaz questão de tudo mastigadinho nahora de ler e se dispuser a enfrentar ocalhamaço que é O Arco-Íris da Gra-vidade, vai estar lendo um dos livrosmais interessantes — e engraçados —do século. (por Lúcio Manfredi)

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KAFKA(Companhia das Letras)

A editora esta relançando toda a obrade Kafka em edições muito bonitas ecom tradução direto do alemão. As tra-duções são do Modesto Carone, quecomeçou a fazer esse trabalho naBrasiliense, antes da editora afundar.É a primeira tradução direta do origi-nal que sai no Brasil, as outras eramfeitas a partir do inglês e até do espa-nhol.

PRÊMIO NOVADE FICÇÃO CIENTÍFICA(Biblioteca Essencial da FC

Brasileira; volume 3; R$32,00)Antologia dos primeiros dez anos doprêmio, organizada por Marcello Si-mão Branco. O livro contém todos os16 trabalhos de ficção vencedores doPrêmio Nova entre 1987 e 1996, maisensaios críticos sobre o Nova. Umaobra de referência e leitura fundamen-tal para a compreensão do desenvol-vimento da ficção científica brasileiraentre os anos 80 e 90.Vencedores:“Pela Valorização da Vida”, IvanCarlos Regina; “A Derradeira Publi-cidade do Hebefrênico Alfredo”, IvanCarlos Regina; “Sympathy for theDevil”, Bráulio Tavares; “ProjetoMulah de Tróia”, B.B. Jenitez (OsameKinouche Filho); “Mestre de Armas”,Braulio Tavares;“Patrulha para o Des-conhecido”, Roberto de Sousa Causo;“Tocar os Anjos”, Roberto de SousaCauso; “Ato Continuum”, Sylvio Gon-çalves; “Um Dia com Júlia naNecrosfera”, João Manuel Barreiros”;“Os Fantasmas de Vênus”, RobertoSchima; “Ao Encontro do Sonho”,Roberto Schima; “O Pássaro Ferido”,Jorge Luiz Calife; “A Nuvem”,Ricardo Teixeira; “A Escuridão”,André Carneiro; “A Fábrica”, CarlosOrsi Martinho; “O Vampiro de NovaHolanda”, Gerson Lodi-Ribeiro.Ensaios:Introdução - “Nova, Uma História dePolêmicas e Realizações”, MarcelloSimão Branco. “Prêmio Nova: Os SeisAnos da SBAF”, César R.T. Silva; “OTestemunho de Dez Anos”, Robertode Sousa Causo.Pedidos: Edgard Guimarães, editor,Praça Monsenhor Noronha, 21,

Brasópolis, MG, 37530-000.ADVOGADO DO DIABO

(The Devil’s Advocate)(Record)

Livro de horror escrito por AndrewNeidernan e traduzido por FláviaVillas-Boas.O MUNDO VIRTUAL: OS SEUS

REINOS E A RODA DA VIDA(RIM: A Novel of Virtual Reality)

(Ediouro)Tradução de Claudia Costa Guima-rães.

CROMOSSOMO 6(Chromosome 6)

(Record)Escrito por Robin Cook e traduzidopor Sylvio Gonçalves.

BESTSELLERSDE FC

SEGUNDO A AMAZON BOOKS[htpp://www.amazon.com]

títulos em inglêsGERAL:

1. Snow Crash - Neal Stephenson2. The Sparrow - Mary Doria Russell3. Contact - Carl Sagan4. Red Mars - Kim Stanley Robinson5.The Diamond Age - Neal Stephenson6. Doomsday Book - Connie Willis7. Ender’s Game - Orson Scott Card8. Blue Mars - Kim Stanley Robinson9. The Stars My Destination - Alfred

Bester10.Green Mars-Kim Stanley Robinson

AVENTURA1. Starship Troopers - Robert A.

Heinlein2. The Sparrow - Mary Doria Russell3. The Ultimate Hitchhiker’s Guide -

Douglas Adams4. The Anubis Gates (Ace Science

Fiction) - Tim Powers5. Triplanetary: A Tale of Cosmic

Adventure (Lensman Series/Edward E. Smith, 1) - Edward E.,Ph.D. Smith

6. First Lensman (Smith, E. E. Historyof Civilization, V. 2.) - E. E. Smith

7. Ports of Call - Jack Vance8. The Bones of Time - Kathleen Ann

Goonan9. The Warrior’s Apprentice - Lois

McMaster Bujold10. Mindstar Rising - Peter F. Hamil-

ton

HISTÓRIA ALTERNATIVA1. Timequake - Kurt Vonnegut2. The Man in the High Castle - Philip

K. Dick3. Roads Not Taken: Tales of Alternate

History - Gardner Dozois (editor),Stanley Schmidt (editor)

4. For Want of a Nail: If Burgoyne HadWon at Saratoga - Robert Sobel

5. Making History - Stephen Fry6. Darwinia - Robert Charles Wilson7. Alternate Generals - Harry

Turtledove (editor)8. The Moon Is Down (Twentieth-

Century Classics) - John Steinbeck,Donald V. Coers (introdução)

9. The Resurrections: A Novel - SimonLouvish

10. History That Never Happened : ATreatise on the Question, WhatWould Have Happened If...?Alexander Demandt

ANTOLOGIAS1. The Ultimate Hitchhiker’s Guide -

Douglas Adams2. Roads Not Taken: Tales of Alternate

History - Gardner Dozois (editor),Stanley Schmidt (editor)

3. Sword of Ice: And Other Tales ofValdemar - Mercedes Lackey (edi-tor), John Yezeguielian

4. The Year’s Best Science Fiction :Fourteenth Annual Collection -Gardner Dozois (editor)

5. The Year’s Best Science Fiction :Fifteenth Annual Collection -Gardner Dozois (editor)

6. Nebula Awards 31 Sfwa’s Choicesfor the Best Science Fiction andFantasy of the Year - PamelaSargent

7. Year’s Best Sf 2 - David G. Hartwell(editor)

8. The Way It Wasn’t: Great ScienceFiction Stories of Alternate History- Martin Harry Greenberg (editor)

9. Space Opera - Anne McCaffrey(editor)

10. Alternate Generals - HarryTurtledove (editor)

HIGH TECH1. The Forever War - Joe W. Haldeman2. The Reality Dysfunction:

Emergence - Peter F. Hamilton3. The Reality Dysfunction: Expansion

Peter F. Hamilton4. Children of the Mind-Orson Scott Card

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5. Echoes of Honor (Weber, David,Honor Harrington Novels) - DavidWeber

6. The Neutronium Alchemist: Conflict- Peter F. Hamilton

7. The Neutronium Alchemist:Conso l i da t i on (Neu t ron iumAlchemist, nº1) - Peter F. Hamil-ton

8. 3001: The Final Odyssey - ArthurCharles Clarke

9. Idoru - William Gibson10. Software - Rudy Rucker

SÉRIES1. An Exchange of Hostages - Susan

R. Matthews2. In the Beginning (Babylon 5) - Peter

David3. Star Wars: The Essential Guide to

Weapons and Technology - BillSmith, David Nakabayashi (ilustra-dor)

4. Babylon 5: Point of No Return -Jane Killick, J. Michael Straczynski

5. The Paradise Snare (Star Wars: TheHan Solo Trilogy) - A. C. Crispin

6. Star Wars: The Essential Guide toVehicles and Vessels - Bill Smith

7. The Hunters: Twilight of the ClansIII (Battletech Series ,nº 35) -Thomas S. Gressman, RobertThurston

8. Prisoner of Conscience - Susan R.Matthews

9. Thirdspace (Babylon , nº 5) - PeterDavid

10. The Mandalorian Armor (StarWars) - K. W. Jeter

HQ1. Sandman : Preludes and Nocturnes

Neil Gaiman, Michael Hill (editor)2. Watchmen - Alan Moore3. Death: The High Cost of Living -

Neil Gaiman4. Kingdom Come - Mark Waid5. Sandman: Season of Mists - Neil

Gaiman6. Sandman: Fables and Reflections -

Neil Gaiman7. Sandman Dream Country - Neil

Gaiman8. The Sandman: The Doll’s House -

Neil Gaiman9. The Sandman: Worlds’ End - Neil

Gaiman10. Sandman: A Game of You - Neil

Gaiman

CONTOS1. Fahrenheit 451 - Ray Bradbury2. I, Robot - Isaac Asimov3. Burning Chrome - William Gibson4. More Than Honor - David Weber

(Editor)5. The Year’s Best Science Fiction:

Fourteenth Annual Collection -Gardner Dozois (Editor)

6. The Year’s Best Science Fiction:Fifteenth Annual Collection -Gardner Dozois (Editor)

7. Year’s Best Sf 2 - David G. Hartwell(Editor)

8. Crashlander - Larry Niven9. Fire Watch - Connie Willis10. Axiomatic - Greg Egan

HISTÓRIA E CRÍTICA1. The Dreams Our Stuff Is Made of :

How Science Fiction Conquered theWorld - Thomas M. Disch

2. Star Wars: The Magic of Myth -Mary S. Henderson

3. Time Travel (Science FictionWriting Series) - Paul J. Nahin

4. Nightmare on Main Street : Angels,Sadomasochism, and the Culture ofGothic - Mark Edmundson

5. Empire Building: The RemarkableReal-Life Story of Star Wars - GarryJenkins

6. Gold: The Final Science FictionCollection - Isaac Asimov

7. Monsters Are Attacking Tokyo!: TheIncredible World of JapaneseFantasy Films - Stuart Galbraith

8. The Star Diaries - Stanislaw Lem9. Those Who Can: A Science Fiction

Reader - Robin Scott Wilson (Edi-tor)

10. Screening Space: The AmericanScience Fiction Film - Vivian CarolLimits of Infinity Sobchack

TelevisãoTHE KINGDOM/ I/ II

Série transmitida todo domingo 22h30no Eurochannel. Sucesso do diretorLars von Trier, é umahistória bizarra esobrenatural, cheia de fantasmas, de-mônios e outros espíritos. Escrita porNiels Vorsel e pelo próprio diretor, foiproduzida como série de TV, mas exi-bida também nos cinemas como lon-ga-metragem. The Kingdom I é a pri-meira parte e tem quatro horas de du-ração. A série alcançou um sucesso

inesperado e o diretor decidiu fazeruma continuação, Kingdom II. Já háplanos para a criação da terceira partemas enquanto a história não chega aofim, o Eurochannel exibe as duas pri-meiras partes deste grande sucesso. Odinamarquês Lars von Trier nasceu em1956. Começou a estudar cinema aos20 anos e antes de formar-se pela Es-cola de Filmes da Dinamarca já haviafeito mais de 40 comerciais e inúme-ros vídeos de música. Seu projeto degraduação foi o filme Imagens de umAlívio, que recebeu dois prêmios es-peciais em um concurso em Muniquee foi vendido para a televisão na In-glaterra e Dinamarca. Foi aí que elecomeçou a se tornar conhecido dopúblico.The Kingdom: O hospital estadual foiconstruído sobre um charco. Naque-las águas lavavam-se roupas, que se-cavam esticadas sobre o chão. O va-por d’água formava uma neblina, en-volvendo permanentemente o lugar.Quando o hospital foi construído, asroupas deram lugar a médicos e pes-quisadores, aos melhores cérebros dopaís e à tecnologia mais avançada. Oprojeto foi chamado “The Kingdom”(O Reino). Um lugar onde a Ciêncianão mais permitiria que ignorância esuperstição pusessem em dúvida suasverdades; onde a existência de umavida espiritual era negada com arro-gante superioridade. Mas talvez fossemuito cedo para tantas certezas. Pou-co a pouco o sólido e moderno edifí-cio começou a dar sinais de cansaço...O frio e a névoa parecem ter volta-do... Ninguém percebeu ainda, mas oportal do Reino começou a reabrir.(por Ramon Bacelar)

SPACE ISLAND ONEToda segunda 19h40, reapresentaçãotoda terça 12h30. Produção de BardEntertainments Ltd. Muita ação eaventura nesta série sobre pessoas eseus relacionamentos em um ambien-te pouco comum: uma estação espa-cial permanentemente tripulada,orbitando a duzentos e cinquenta qui-lômetros da Terra. A história se passanas primeiras décadas do século XXI,e o espaço é onde vivem e trabalhamos sete tripulantes desta estação. Elesestão envolvidos em projetos de pes-

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quisa altamente sofisticados. Mas alémdisso têm que administrar suas própri-as vidas, ainda mais complexas devi-do às circunstâncias em que vivem. Atripulação é formada por KathrynMcTiernan (Judy Loe), Walter BShannon (Angus MacInnes), DusanKashkavian (Bruno Eyron), PaulaHernandez (Indra Ové), KavehHomayuni (Kourosh Asad), Henrietta“Harry” Eschenbach (Julia Bremer-mann), Lyle Campbell (WilliamOliver) e Roams 1e 2. Eles são pio-neiros em uma estação de cinquentabilhões de dólares capaz de se auto-sustentar por tempo indefinido. Nesteambiente, os problemas da vida na Ter-ra parecem ainda mais intensos. Soli-dão, mudanças de temperamento, afei-ção, tédio, rivalidade, tudo foi levadona bagagemdos viajantes. A rotina detrabalho e os fatos extraordinários comque se deparam, fazem de SpaceIsland One uma aventura única. (porRamon Bacelar)

VídeoO Profeta

(Prophet; EUA; 1998;California Vídeo)

Um filme a nível de obra-prima e coma marca de Roger Corman, o maior gê-nio do cinema norte-americano con-temporâneo. É mais um , da longa sé-rie que Corman vem produzindo des-de 1990 com Don “The Dragon” Wil-son, campeão mundial de kickboxing,sem embargo, um dos melhores ato-res que o cinema forjou. Wilson inter-preta Jarrid Maddox, um agente daCIA enviado numa falsa missão quedescobre estar sendo enganado pelospróprios colegas, que o condenam àmorte. Maddox fora, em 1966, uma deseis crianças órfãs utilizadas pela CIAem experiências cruéis que as torna-ram sensitivas, capazes de visão remo-ta, como o Frank Black de Millenium.A história segue a mesma linha cora-josa de outras parcerias da duplaCorman-Wilson, denunciando a soci-edade corrupta dos Estados Unidos, eespecialmente a corrupção das autori-dades constituídas (polícia, CIA, FBIe governo). No fim, uma cenaantológica (sempre há cenasantológicas nos filmes de RogerCorman); quando Maddox pergunta a

si próprio: “Quanto tempo falta paraque piremos?” Uma feroz metáfora àCorman.Produção da Royal Oaks/ Concorde/New Horizons). Produção executiva:Roger Corman. Direção de produção:Ashok Amritraj e Andrew Stevens.Direção: Fred Olay Ray. Elenco: Don“The Dragon” Wilson, AlexanderKeith, Paul Michael Robinson, ArthurRoberts, Eric Lawson e Barbara Steele(como a agente Oackley). Fotografia:Gary Graver. Roteiro: Ron McKernan. Música: Timothy Wynn. (porMiguel Carqueija)

ÓbitosO ator inglês Roddy McDowall mor-re aos 70 anos em Los Angeles de cân-cer. Ele se notabilizou entre os fãs deFC e horror por alguns filmesmarcantes como O Planeta dos Ma-cacos - em que interpretou o macacomédico Cornelius. Trabalhou tambémem filmes de horror como A Casa daNoite Eterna e A Hora do Espanto.Em termos de seriados de TV atuouem Viagem Fantástica, de 1977 e nasérie Planeta dos Macacos. Além deator era um fotógrafo de destaque in-ternacional, com seis livros sobre fo-tografia de sua autoria. (por MarcelloSimão Branco)

Faleceu em São Paulo aos 72 anos deidade, o critico, tradutor e poeta JoséPaulo Paes, que foi um dos críticosbrasileiros que mais consistentemen-te escreveram a favor da literatura po-pular, inclusive a FC. Seus ensaios so-bre O Homem Demolido de AlfredBester (reunidos no livro Gringos eBaianos, Ed. Brasiliense) são magní-ficos. (por Bráulio Tavares)...Paes nasceu em Taquaritinga, em1926. Estudou química industrial emCuritiba, onde publicou seu primeirolivro, O Aluno, em 1947. Esse livrode estréia foi profundamente marca-do pela influência da sintaxedrummondiana. Numa carta enviadaao colega, Drummond aconselhou-o aler poetas de outras línguas para livrar-se da dicção poética de seus próximos,conselho que Paes aceitou, tornando-se o grande divulgador da obra de po-etas como Ungaretti.

Autodidata, aprendeu grego modernopor intermédio de um curso delinguaphone para produzir uma anto-logia de poesia grega, que lhe custoutrês anos de trabalho, e lançaruma ver-são definitiva dos poemas de Kaváfis.Casado com a professora de dançaDora, a quem dedicou poemas em seusegundo livro, Cúmplices (1951)...(obituário publicado em 10 de outu-bro no O Estado de S. Paulo e envia-do por Marcello Simão Branco)

Agradecimentos:Gostaria de agradecer a todos que en-viaram ou disponibilizaram materialpara ser publicado, em especial ao siteParada [http://www.parada.com.br].

Atenção:O Somnium é o fanzine oficial doCLFC, feito por associados do CLFCpara os associados do CLFC. Partici-pe você também enviando notícias di-versas para <[email protected]>;contos, artigos e resenhas para<[email protected]> e ilustra-ções e HQs para o endereco doCLFC, Caixa Postal 2105, S.Paulo -SP, 01060-970.

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Listserver:

O Listserver do CLFC é um fórum aberto de debates sobre FC, fantasia e horror, em português, via e-mail, naInternet. Um serviço gratuito, financiado pelo CLFC e coordenado por Gerson Lodi-Ribeiro, disponível para todosos sócios e não-sócios do Clube. Para esta edição do Somnium, selecionamos mensagens postadas no Listserver

do CLFC durante os meses de setembro, outubro e novembro. Os interessados em ingressar na lista devem mandaruma mesagem vazia para: <[email protected]>.

Resenhas e polêmicascompilado por Dario Alberto de Andrade Filho

Notas de auxílio à leitura:Por uma questão de incompatibilidade entre

computadores dos usuários, recomenda-se aosparticipantes dos listservers em geral que não utilizemacentuações, intraduzíveis por alguns sitemas operacionais.As mesagens estão mantidas conforme foram remetidas(alguns missivistas não observaram a norma).

As mensagens foram reduzidas, por motivo de espaço,sem alterar o seu conteúdo. Na medida do possível osautores das mensagens estão identificados.

Assunto: OfiucoTerminei de ler hoje *Ofiúco, o Aviso*, do John Varley. Olivro vinha com a melhor das referências para mim. Sóque... Decepção. O enredo é interessante, cheio de idéiasousadas sobre a condição humana frente à ciência etecnologia, imagens bonitas. Só que é muito mal amarrado,com pontas soltas, passagens obscuras, um final frouxoque mais complica do que explica, como se o Varleyestivesse com preguiça de aprofundar mais as questões. Apresença dos Invasores é secundária e mal explicada o livrointeiro e no fim ele ainda vincula os Invasores com o pessoalde Ofiúco e deixa tudo solto, mal explicado. Uma históriacom ótimo potencial mas estragada nas mãos de um escritorincompetente em desenvolver as questões instigantes quelevanta. Isso sem falar nos personagens razos e superficiais.Nem a tentaltiva de dar voz feminina adiantou: clones declones, uns mais vazios do que os outros. O cara ficou nomeio do caminho: “E agora o que eu faço com tudo isto?Vou deixar como está. Menos mal do que tentar amarrartantas questões e não ser convincente.” Pfiu. E gente comoJohn Clute destaca este livro como um dos melhores dosanos 70... Se querem minha simples opinião... passemlonge deste livro.|MarcelloAssunto: Re: OfiucoOlha, desta vez, *excepcionalmente*, tenho que concordarcom o John Clute. Achei o livro do cacete! O romancesofre de excesso de conteudo? De fato, um pouquinho.Talvez, se escrito hoje em dia, *Ophiuchi* teria saido soba forma de trilogia, para grande prazer dos leitores e fansde Varley. O final decepciona um pouco em relacao aoritmo excelente que vinha sendo mantido desde o inicio?Talvez...(...) Com todos estes percalcos, *The OphiuchiHotline* eh um tremendo romance. Tem ideiasmaravilhosas, um grande desenvolvimento, nao estahdatado e eh de fato das melhores coisas que se escreveuem termos de FC hard nos anos 1970. Algumas das

reclamacoes do Marcello sao de fato pertinentes. Apresenca dos Invasores eh de fato secundaria. Mas isto foiuma opcao do autor. O tema dos Invasores em si eh meropano-de-fundo, e nao a historia que Varley nos quer contar.A historia que ele quer de fato contar eh a dos clones eclones de clones, e a do Segundo Contato. E essas historiasele realmente nos conta muito bem. O nome do romanceeh *The Ophiuchi Hotline*. Se voces puderem, compremdireto em ingles. Se nao for possivel, leiam em portuguesmesmo. Eu recomendo.Gerson Lodi-RibeiroAssunto: Re: OfiucoMuito oportuna essa sua crítica quanto ao final mal-amarrado do Ofiuco. Oportuna, porque se presta a umadiscussão mais ampla sobre um tema que venho matutandojá faz algum tempo. Mais especificamente, desde quepercebí que a FC é muito mais do que guerras estelares,impérios galáticos fajutos e naves espaciais indo para ondeninguém ainda tinha ido (a PQP não serve). Trata-se daquestão de se humanamente temos/teremos (ou não)condições de imaginar e descrever uma civilização, culturaou algo/alguém que REALMENTE extrapole ou transcendaa nossa “condição humana”, forjada por zilênios deevolução aqui na Terra. E notar que não estou falandoespecificamente só de ET´s : as extrapolações da FC sobreo futuro das nossas próprias civilizações humanas sãonormalmente de um paroquialismo contrangedor,prendendo-se mais aos “gadgets” em si do que àsimplicações sociais e revoluções nos costumes causadaspelos ditos cujos. Basta lembrar a famosa Fundação doAsimov, cujos personagens , apesar de envolvidos numatecnologia avançadissima, comportam-se como se saídosdo Brooklin/NY dos anos 50 (1950!!).A meu ver, até agora pelo menos, ninguém chegou lá. Atéo grande ACClarke, que deu uma tacada bem perto (emChildhood´s End), pisou miseravelmente no trôço naconclusão da série Rama - virou uma mistureba pseudo-filosófica confusa e insatisfatória. Passo agora a bola paraos eruditos de plantão : abram-se as portas e páginas dasEnciclopédias Britânicas e de FC, espane-se o pó devetustos Argonautas etc etc etc...A. Keppler, o outro...

Subject: Re: Futuros plausiveisAcabei de ler A Cidade e as Estrelas e estremeco de receiode comecar a dizer o que vou dizer, pois sei que tem muita

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gente aqui que tem nesse livro a sua filosofia de vida. Bom,eu nao gostei. O livro eh fraquissimo, tanto literariamente(alias, um dos mais fracos do Clarke que jah li, mesmo emrelacao as sequelas de RAMA) e de uma superficialidadesimploria. Parece que Clarke decidiu apenas contar umahistorinha para criancas dormirem. Imaginar que umasociedade tao distante no futuro ainda guardasse em sireceios e motivacoes ancestrais de quando seusantepassados ainda tinham unhas e dentes e dificil deengolir. Ainda que se preserve o interessante backgroundda cidade auto-suficiente, no final soh se salva mesmo isso.Nem mesmo as cenas de acao (rarissimas) e de exploracaoempolgam. Acho que eh um bom livro apenas para se iniciarna FC, pois eh absolutamente digestivo. Os personagenssao puro estereotipo e ninguem ali parece estar realmentese importando com o que acontece na historia. Alias, devofazer justica a Gentry Lee. O cara ainda nao pegou umaboa historia original sem a muleta do ACC, mas que eleescreve bem, escreve. O Berco dos Super-humanos ehmuito legal, e ele desenvolve os personagem muito melhorque o Clarke. Eh claro que estah longe de alcancar os temposde gloria do mestre, principalmente Encontro com Rama, OFim da Infancia e Fontes do Paraiso, mas nao demora muitoe ele vai se tornar tambem um grande na FC.Cesar.Subject: Classico de ClarkeQuem estremeceu fui eu ao ler seu e-mail,tudo bem e tudoquestao de gosto e eu ate concordo quando voce diz queos persomagens sao mal desenvolvidos (o maior defeitode titio Clarke) e isso nao acontece so na Cidade e...agoravoce dizer que o livro e “literariamente fraco” e a estoriasimploria eu nao concordo de jeito nenhum, e o livro maisintenso e denso de Clarke e IMHO foi neste livro que eleatingiu a maturidade narrativa, a estoria de Alvin e suajornada atraves de Diaspar e Lys e emociononte,IMHO ACidade e as Estrelas e o maior livro de FC de todos tempos.Ramon BacelarSubject: Re: Classico de ClarkeO que posso dizer? Heresia... heresia. *A Cidade e asEstrelas* é uma obra-prima não só do Clarke, mas de todaa FC. O cenário futurístico que ele imagina é fascinante.Terra há um bilhão de anos, o mistério do abandono dasestrelas, a dicotomia entre dois paradigmas sociais: aDiaspar, ultra tecnológica, materialista e impessoal e apretensamente humana, bucólica Lys. Só por aí monta-seum enredo dos mais ricos e respeitáveis. Personagensfracos? Isso é chover no molhado em Clarke. Mas eulembro de passagens com Hilvar, Alystra e Khedron, exatos15 anos depois de ler este clássico. O terço final então édelirante! Sense of wonder. É um livro rico, sofisticado,ousado, que se fica datado em algumas especulações deordem social tem a ressalva de olhá-lo dentro da época edo contexto da FC. É um livro de um sentido filosóficosobre a condição humana e o destino da humanidadepoucas vezes visto na história da FC. Cesar, me perdoe,mas que heresia tu escreveu...Marcello.

Subject: Sacramento, de Clive BarkerFábio: Estou lendo *Sacramento* do Clive Barker, parafins de resenha. Achei interessante toda a caracterizaçãodo homossexualismo no livro, e, como não conheço muitodo autor, gostaria de saber de você (que, pelo que sei,traduziu todos os livros dele no Brasil) em que outrosromances dele o tema do homossexualismo ou dohomoerotismo aparece. E também suas impressões sobreo trabalho de tradução.Roberto de Sousa CausoSubject: Re: Sacramento, de Clive BarkerNão cheguei a traduzir todos os livros do Barker no Brasil,Causo. A Aulyde Soares Rodrigues (tradutora, entre outros,de *Shikasta*, da Doris Lessing) traduziu dois volumesdos Livros de Sangue e O Jogo da Perdição, embora esteúltimo tenha sido feito às pressas na época e contenha umnúmero absurdo de erros (Talvez eu o retraduza ano quevem, mas por enquanto é só especulação). O resto eurealmente traduzi, e estou aguardando a chegada do maisrecente livro dele, *Galilee* (não sei do que se trata ainda)para traduzir para ano que vem.Barker, não sei se o pessoal da lista sabe, assumiupublicamente sua homossexualidade em 1997. Antes disso,algumas histórias já tocavam neste tema: Em *Nas Cidades,Nas Colinas*, uma das histórias mais arrepiantes dos Livrosde Sangue (do número 1, acredito, essa tradução foi daAulyde), os protagonistas são um casal gay de férias noLeste Europeu. Em *Imajica*, um dos personagens temuma orientação plurissexual. A história que deu origem aofilme *Candyman* tem um personagem secundáriohomossexual. Praticamente todas as histórias de Barkerapresentam o binômio sexo-violência, e ele é bastanteaberto em relação a ambos os temas.Agora, *Sacramento* é seguramente a história maisconfessional dele. A história da vivência do fotógrafo WillRabjohns em San Francisco tem provavelmente muitoselementos autobiográficos de Barker, e o contexto místiconesta história serve mais como pretexto para a busca deWill pelo autoconhecimento. Não é recomendável paraquem está querendo uma história fantástica de horror ousofre de homofobia, mas é um excelente livro. Ah, e nãodeu muito trabalho para traduzir, como de resto a maioriados livros do Barker. Ele escreve muito bem e com bastanteclareza, com o interesse óbvio de comunicar sua mensagemao maior número possível de leitores. Vale a pena.Fábio

Subject: The Truman ShowFui ver hoje o elogiado *The Truman Show*. Que filmaco!A mais inteligente critica sobre a televisao, os meios decomunicacao e o impacto social, etico e politico que elacausa na sociedade. Roteiro enxuto, criativo, direcaoinspirada, musica calcada em classicos como Mozart eChopin (claro, isso nao e gratuito). Alias, nada e deslocadono filme. Surpreende ate a interpretacao de Jim Carrey.Ele esta otimo como o sujeito que nasce dentro do programade TV. Este mail nao e off-toppic. *The Truman Show* e

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uma historia exemplar de ficcao especulativa, com toquesverdadeiramente a la Philip K. Dick - lembra por vezes odrama de Jason Taverner de *Identidade Perdida*, emborao enfoque seja outro. Certamente Dick teria gostado do filme.Marcello.Subject: Re: The Truman ShowTambém fui ver o *Truman Show* nesse fim-de-semana econcordo, ele tem tudo pra ser o *Blade Runner* dos anos90: um roteiro inteligente, uma direção cheia de ótimassacadas e as mesmas questões básicas, a natureza darealidade e o confronto entre criador e criatura. É um dessesfilmes que tende a crescer a cada vez que a gente revê.O Dick tem um outro livro que lembra *Truman Show*ainda mais de perto, porque também envolve umprotagonista que vive numa cidade cenográfica: é *TimeOut of Joint*, que saiu pela Argonauta como *O HomemMais Importante do Mundo*. Na verdade, quando o filmefoi lançado nos Estados Unidos, teve um grupinho dedickianos que chegou a acusar o filme de plágio. Bobagem,claro, porque o tema é clássico, não só na literatura (é sólembrar da *Vida é Sonho*, do Calderón de la Barca) mastambém, inclusive, nos delírios dos paranóicos - que talvez,por baixo da camada delirante, escondam uma intuiçãobastante precisa sobre a realidade...LúcioSubject: Truman Show - O Show da VidaFoi com muito entusiasmo e alegria que neste fim desemana pude apreciar uma obra cinematografica queREALMENTE me agradou nesses magros e parcos anos90. O nome do detentor dessa proeza eh O Show de Truman- O Show da Vida. Sufocado e elameado por esse mar depessimas refilmagens e reaproveitamentos de filmes e ideiasjah bastante desgastadas nao eh que surge uma luz no fimdo tunel. Depois de poder provar e sorver de taointeressante e excelente obra fico com um pouco menosotimista em relaçao ao futuro do cinema. Continua valendoainda a maxima de que uma boa historia, um bom roteiro eum diretor de qualidade a realmente conduzir a obra podemtransformar mesmo um canastrao e as vezes limitado JimCarrey num ator de verdade. Truman Show jah começaselecionando seu publico. Garotoes anabolizados com carade surfistas e levantadores de peso e cocoquitinhas a laAlicia Silverstone jah desenfetam o ambiente no maximodurante os primeiros 30 minutos de filme. Esses primeirosminutos exigem atençao e concentraçao do expectador. Saoos momentos de preparaçao para que uma sessao deacontecimentos coloquem voce em um emarranhado deemoçoes, pensamentos e questionamentos. Pobres dosignorantes que entrem nesse filme pensando estar entrandona sala pra assistir a mais uma comedia desmiolada de JimCarrey. Esses quebram a cara colossalmente.Na minha opiniao Truman Show pode ser classificado comoum Drama de Realismo Fantastico. Eh um filme que temconteudo e que pode ser analisado e discutido sob diversosangulos. O angulo mais superficial seria a critica aos meiosde comunicaçao. Mas ateh aih nada de novo. Alias essacritica jah se tornou tao cotiadiana e banal, que se o filme

baseia-se soh nisso seu futuro seria bem menos eficaz. Naoque o quinhao de critica a midia no filme nao tenha seuvalor e sua perspicacia. Mas ha outros entremeios econteudos a falar. A nossa impotencia frente as forças douniverso. A falso controle sob nossos passos nestaexistencia terrena. Mesmo sendo leigo no assunto acho quefica perceptivel a influencia dickiana na obra. Temos aindaa escolha entre a liberdade de um mundo selvagem eimprevisivel versus a segurança de uma redoma deperfeiçao e previsibilidade. Enfim muitos temas sãoabordados nesse filme. E eu tambem nao poderia deixarde mencionar a excelente e inteligente escolha que JimCarrey fez ao participar dessa obra. Esse fato na opiniao ocatapulta a real posiçao de ator. E nao de mero careteiroincendiador de gases fratulentos. Excelente tambem eh ainterpretaçao de Richard Harris como o “Deus onipotente”e controlador. Aquele que cre saber e controlar todos osdesignios de sua cria. Truman, fruto de uma gravidezindesejada, adotado e “comprado” como o primeiro bebede propriedade de uma mega-corporaçao. Colocado ecriado sob um aboboda gigante, um estudio colossal efantastico. Uma criatura a serviço da audiencia televisivadurante mais de 30 anos, a merce de um homem com aresde Deus. Um homem com capacidades de fazer chover, dedar o dia e a noite. Mas mesmo assim um homem falivel esem controles sob o imprevisivel desse universo malucoem que vivemos.Arrisque uma passada nos cinemas. Mesmo que voce naogoste ou ache minha opiniao exagerada e boba. Ainda assimvoce com certeza estarah indo ver um dos filmes dessadecada que valem ser vistos no cinema. Nada de Godzilase nem Arquivos X. Soh Truman, “O Deus Homem” e voce.Uma grande pedida nestes tempo de vacas magras.Jose Agnelo.Subject: The Truman ShowClaro que não é off-topic, Marcello. *Truman Show* éficção científica pura. Vi o filme com um grupo de amigose à saída falei que o tema era antigo na FC, e a reaçãounânime foi: “Mas o que que este filme tem a ver comFC?” Para o publico em geral (para esses amigos) FCsignifica apenas espaçonaves, robôs, alienígenas. Mas eudiria que existe mais espessura científica (falo deSociologia, de Teoria da Comunicação de Massas, deTelecomunicações, etc.) em *Truman Show* do que emtoda a serie *Guerra nas Estrelas* (que não passa de umahistória de fantasia com roupagem tecnológica). E para osque acham que ciencia quer dizer tecnologia (o que é umequivoco, mas ainda é parametro p/muita gente), bastalembrar a enorme cupula construída para o “programa”,com sol e lua virtuais e o escambau. Sou meio suspeitopara falar porque o roteiro tem um lado philipkdickianomuito forte, mas achei *Truman Show* o melhor filme deFC dos ultimos anos, e a possivel abertura para que nosproximos anos tenhamos no cinema mais FC e menosespaçonaves & androides & ETs. (Nada contra estesultimos, claro,mas tudo de mais acaba enjoando).Braulio Tavares

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Internacional

por Gerson Lodi-Ribeiro

Fronteiras: Terceiros Encontrosda FC&F Portuguesa

Chegada a Portugal:Parti do Rio de Janeiro às 08:00h da

manhã em vôo diurno da TAP, chegan-do em Lisboa às 21:45h, hora local,para uma estada de nove dias na Vilade Cascais, para representar pela ter-ceira vez consecutiva o fandom brasi-leiro em geral e o CLFC em particularnos Encontros de Ficção Científica eFantástico da Língua Portuguesa, cujotema básico escolhido foi “Fronteiras”.

Depois de uma espera de cerca deuma hora pela liberação da bagagem,pude ter com os amigos António deMacedo e Daniel Tércio, que me aguar-davam na área de chegada do aeropor-to.

Macedo conduziu-me para Cascais.Fomos direto ao Dramático, estádiomunicipal onde se situa a sede da Si-metria. É espantoso que em poucomais de um ano de existência, a Asso-ciação Portuguesa de Ficção Científi-ca e Fantástico (Simetria) tenha con-quistado uma sede própria junto aopoder público local. Os fãs portugue-ses estão de parabéns por sua sede novae funcional.

Na Simetria, encontrei a Paula“Xinha” Barreto, uma jovem sociólo-ga angolana de 24 anos que eu já co-nhecera dos Primeiros Encontros em1996 e em cuja residência hospedei-me ao longo de minha estada em Por-tugal. Da Simetria, o António deMacedo nos conduziu para a casa dela.Lá fomos recebidos por D. Manuela,mãe da Xinha que me adotou quase quede imediato como membro da família.

Bastante cansado, tanto da viagemem si quanto dos preparativos que an-tecederam a mesma, não tardei a ador-mecer.

Visita à Editorial Caminho:Acordei cedo na manhã de segunda-

feira, plenamente refeito da canseira daviagem. Após o banho e a barba, ves-ti-me e desci para o pequeno almoço.De pequeno, o almoço só tinha o nome:

foi apenas a primeira de várias refei-ções matinais requintadas que tive oprivilégio de saborear em casa de D.Manuela. Diversos queijos saborosos,patês de fígado de ganso e fiambres 1,frutas da estação sempre doces e su-culentas, e um café-com-leite que nadaficou a dever ao que tomamos aqui emcasa — resumindo: um lauto café-da-manhã de causar invejar a qualquerhóspede do fabuloso Hotel Cidadela.Acompanhando o pequeno almoçohavia sempre o bate-papo agradável ebem-humorado da D. Manuela, que ra-pidamente me adotou como seu filhobrasileiro, sendo correspondentementenomeada como minha mãe portugue-sa. Assim, Xinha passou a ser minhairmãzinha angolana e caçula.

Já na Simetria, telefonei para a Edi-torial Caminho para combinar a visitaà sede da editora para assinar o con-trato para a publicação da coletâneaO Vampiro de Nova Holanda e rece-ber os direitos da coletânea anterior,Outras Histórias..., publicada no anopassado.

Depois de tomar um café expressocom a Xinha num barzinho à beira-marpróximo ao Jardim MarechalCarmona, rumei até a estação de com-boios para pegar uma composição atéo Cais do Sodré em Lisboa. Dessaestação peguei um táxi até a sede daEditorial Caminho, onde pude final-mente travar contato pessoal com aSra. Esmeralda Silva, o meu contatotelefônico para assuntos financeiros naeditora, com quem já havia falado apartir do Brasil.

Uma vez na Caminho, encontreitambém meu editor, o Belmiro Gui-marães, que conheci no ano passado,por ocasião dos Segundos Encontros.Aproveitei a oportunidade para assi-nar logo o contrato de cessão de direi-tos de publicação da coletânea O Vam-piro de Nova Holanda e decidir comoqueria receber o adiantamento dos di-

reitos dessa coletânea e da anterior.Conversamos durante cerca de uma

hora sobre diversos assuntos, dentreos quais a ficção científica; a impossi-bilidade de se visitar a Expo 98 na-queles últimos dias de exibição e acriminalidade nas grandes cidades,como o Rio de Janeiro e Lisboa.

Em conversa comigo, com a D. Es-meralda e o Sr. Jaime, contabilista daeditora, o Belmiro me disse que haviaaprovado para publicação uma cole-tânea de contos de FC enviada porRoberto de Sousa Causo para apreci-ação.2

Regressei a Cascais de comboio.Dei um pulo na sede da Simetria e delá rumei com o António de Macedo eo Daniel Tércio para o Museu CondesCastro Guimarães, onde se daria a ses-são de abertura dos Terceiros Encon-tros.

A Sessão Inauguraldos Encontros:

A sessão inaugural consistiu numdiscurso do Secretário Municipal deCultura, seguido por uma fala curta deMaria de Menezes em nome da Sime-tria, e por um fecho divertido deAntónio de Macedo.

O jantar que se seguiu à sessão deabertura, num outro salão do própriomuseu, consistiu — como no ano pas-sado — de um suculento buffet dequeijos e frios, regado por vinhos por-tugueses e sucos de frutas. Nem é pre-ciso dizer que os queijos e presuntos 3estavam magníficos. Aproveitei o jan-tar para conversar com meus amigosportugueses, ensinar uma receita defeijoada à brasileira à simpática Gail,namorada do Charles N. Brown, o edi-tor da Locus; e travar contato com oLuís Sequeira, o namorado da jovemautora Silvana de Menezes.

Ao contrário do ocorrido no anoanterior, desta vez nossa amiga SachaRamos não compareceu ao jantar noMuseu Condes Castro Guimarães.

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Assoberbada com o excesso de traba-lho na Expo 98, a mega-exposiçãomundial de Lisboa que se encerrariaem 30 de setembro, este ano Sachasequer deu as caras nos Encontros.

Cenas de uma Feira do Livro:Do jantar no museu, descemos à pra-

ça onde se situou este ano a Tenda doLivro dos Encontros, onde pudemosnos locupletar com os últimos lança-mentos da Caminho, Europa-Améri-ca, bem como com alguns paperbacksdo Brian Stableford, Stephen Baxter,Gwyneth Jones e do Robert Holdstock,quatro dos autores britânicos presen-tes aos Encontros.

Aproveitei a ocasião de pedir autó-grafos aos romances que comprei doBrian Stableford para entabular con-versa com aquele que é, afinal, nãoapenas um de meus autores predile-tos, como um dos maiores especialis-tas em FC&F deste lado da periferiagaláctica. Brian mostrou-se satisfeitoao notar que eu estava comprando jus-tamente os romances que iniciavamduas de suas mais famosas trilogias. 4

Sinto que Brian começou a me consi-derar como seu fã especial no Brasildepois de ter lido a versão inglesa doensaio “Vampiros Alternativos” escri-to para minha coluna de H.A. noMegalon, onde analiso favoravelmen-te seu romance O Império do Medo.Ele me disse que as perspectivas delançamento de uma segunda edição doclássico The Science in the ScienceFiction — que ele escreveu em mea-dos dos anos 1980 em parceria comPeter Nicholls e David Langford —melhoraram bastante desde o ano pas-sado. Os problemas de copyright pa-recem ter sido contornados e a novaedição deverá ser lançada no início dopróximo século.

Painel “Monstros,Extraterrestres & Exóticos:

Fui o moderador do primeiro paineldos Terceiros Encontros, “Monstros,Extraterrestres e Exóticos”. Contamoscom a participação do historiador LuísKrus e dos autores Daniel Tércio eRobert Holdstock. Por uma questãode tradição, convoquei à última horao indefectível e temido João Barreiros,Grande Almirante do Mar Oceano daFC Lusófona, para participar do pai-

nel, convite que meu amigo aceitougalharda e prontamente.

O professor Krus discorreu sobre osmonstros do imaginário antigo e me-dieval. Já Daniel Tércio nos falou so-bre os monstros presentes nos notici-ários lisboetas do século XVIII.Robert Holdstock, um fantasista demão cheia, como não poderia deixarde ser, falou com propriedade consi-derável dos mitos e monstros presen-tes em seu universo de MythagoWoods. 5

Mesmo em franca inferioridade nu-mérica e diante de tais gigantes, eu eJoão Barreiros defendemos bravamen-te os interesses da FC Hard, falandosobre a presença dos alienígenas naliteratura e no cinema de ficção cien-tífica. Fiz um apanhado geral do de-senvolvimento da temática doalienígena dentro do gênero, enquan-to nosso astro especialmente convida-do abordou os casos específicos, den-tre eles o dos mesklinitas de HalClement.

No intervalo entre a primeira mesa-redonda e a seguinte, concedi umaentrevista a José Miguel Sardo, repór-ter do DNA, o suplemento literário ecultural do Diário de Notícias. O as-sunto foram as perspectivas da ciên-cia e da ficção científica no TerceiroMilênio.

Durante o intervalo reencontrei ami-gos de Encontros anteriores, como ofiel Nuno Fonseca, o simpáticogeólogo José Saraiva e AméricoCarrajola, grande amigo não só doJoão Barreiros, como também doEurico de Barros e do temível AntónioSalvador Marques (Aliás, este últimoesteve ausente nos presentes Encon-tros).

O Painel que Virou Debate...:O painel seguinte, “Guerra e Paz na

FC”, correu o risco de se tornar ummonólogo, quando Norman Spinradconquistou o virtual monopólio dapalavra. Contudo, graças às coloca-ções e opiniões sensatas da autora bri-tânica Gwyneth Jones (que retornou aCascais em companhia do filho deonze anos, Gabriel, depois da estadano ano passado, por ocasião dos Se-gundos Encontros), o quase monólo-go se transformou num debate.

Norman lamentou o desaparecimentodo mundo bipolar que existiu nos tem-pos da Guerra Fria e que terminou como débâcle da antiga União Soviética.Outros participantes do painel, comoJoão Barreiros e Américo Carrajola,tentaram em vão trazer o debate devolta para a ficção científica. Falou-se muito sobre a antiga Iugoslávia;debateu-se a verdadeira nacionalida-de do Marechal Tito; o desmorona-mento da U.R.S.S. e outras questõespolíticas menos relevantes. De FCmesmo, muito pouco, não obstante osesforços hercúleos do Américo... JoãoBarreiros percebeu logo que seria im-possível exercer a função de modera-dor naquela balbúrdia e entregou ospontos. Embora integrasse em tese orol dos partipantes do painel, entreimudo e sai calado. Afinal, estava dis-posto e preparado falar de Guerra ePaz na ficção científica, tópico já des-virtuado desde os primeiros minutosda peleja... Confesso ter me sentidoalgo intimidado por um debate exclu-sivamente em inglês sobre um assun-to que, além de não dominar, não mepreparara para falar sequer em portu-guês...

O jantar foi novamente na TavernaGil Vicente. Pedi novamente Baca-lhau à Brás. Dose completa dessa vez.Como sentei à mesa com JoãoBarreiros, Américo Carrajola, NunoFonseca e José Saraiva, pudemos en-tabular um bate-papo animado sobreficção científica em geral e história al-ternativa em particular. Américo noscontou o enredo do How Few Remaindo Harry Turtledove. Decidi no atoque encomendaria o romance tão logoregressasse ao Brasil.As Palestras de Charles N. Brown

e Robert Holdstock:Depois do jantar voltamos ao Tea-

tro Gil Vicente para assistir a palestrade Charles N. Brown. Não foi umafala das mais longas. Mas, de umacerta forma, foi mais instrutiva do quea palestra pro forma que ele proferiupor ocasião dos Primeiros Encontrosem 1996. Os dois tópicos mais inte-ressantes foram os conselhos aos au-tores estrangeiros que pretendem pu-blicar nos E.U.A. e a preocupação como fim da tendência de crescimento do

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mercado de FC&F norte-americano,onde a ficção científica, fantasia e ohorror tradicionais perdem cada vezmais espaço para as serializações enovelizações que florescem junto àsfronteiras do gênero.

Em seguida ao colóquio6 de CharlesBrown veio a palestra do fantasistabritânico Robert Holdstock. Uma pa-lestra hilária; menos séria, proferidanum tom muito mais leve e menos gra-ve que o do editor da Locus. Após umbreve preâmbulo teórico sobre a sub-versão dos clichês na fantasia,Holdstock passou à prática, brindan-do a platéia com a leitura interpretativade um trecho de um de seus livros,onde um herói sem vocação, apósmatar um poderoso gigante, mais porsorte do que por destreza e coragem,tem que se ver com a filha do gigante.Ao contrário do que costuma aconte-cer nos contos de fada convencionais,onde o herói sempre desposa a filhado gigante, a jovem aqui não é umabela donzela, mas sim, é claro, umagiganta... com todos os atributos físi-cos e necessidades sexo-afetivas deuma giganta! Pena que eu não tenhaconseguido mais parar de gargalhartempo suficiente para convidar o gajopara participar de nossa antologia desexo & FC, Como Era Gostosa a Mi-nha Alienígena!

Após a palestra de Holdstock, par-timos em caravana liderados por AnaAlmeida (com Norman Spinrad cati-vo e submisso a tiracolo) até o Bar 24.Durante os Encontros, o estabeleci-mento adquiriu entre os participanteso status de grande atração do fim denoite cascaense, pelo fato de oferecerum drink gratuito aos membros da Si-metria.

Mas naquela terça-feira o bar esta-va lotado, não nos sendo possível se-quer nos aboletarmos na sala do se-gundo piso. A superlotação fez comque nossa líder comandasse uma he-róica retirada até o Baluarte, onde amaioria dos convidados e fãsreagrupou suas forças. Sentindo-mejá bastante cansado, preferi ficar con-versando à calçada do restaurante como José Saraiva e o Nuno Fonseca.Descobri que Saraiva é um fã anôma-lo: não gosta muito dos romances de

FC&F, preferindo ler apenas os con-tos e noveletas.

A Academia & a FCP:A quarta-feira foi um dos dias mais

calmos dos Terceiros Encontros noque me disse respeito. Não estandoescalado para qualquer painel ou ati-vidade especial, pude relaxar e curtirmesas-redondas e colóquios comomero espectador.

A primeira atividade vespertina foiuma mesa-redonda mainstream:“Fronteiras da Literatura/Literatura deFronteira”. Uma espécie de encontroentre a academia literária de Portugale a comunidade produtora de ficçãocientífica no país. Acabou não acon-tecendo o diálogo que poderia se terrevelado frutífero e enriquecedor paraambas as partes. Como o leitor bempode imaginar, a inexistência dessediálogo se deveu em essência ao totaldesconhecimento do gênero pela aca-demia.

Uma exceção mais do que honrosaà ignorância da academia é a da Pro-fessora Teresa de Sousa Almeida, umafã ardorosa de FC e doutora em Le-tras formada em Coimbra, que lecio-na atualmente na Universidade Novade Lisboa. Depois de descobrir queexiste vida inteligente na ficção cien-tífica portuguesa, ela publicou um en-saio sobre o assunto — ao que meconsta o primeiro trabalho deste gê-nero a ser produzido pelo meio aca-dêmico de Portugal.7

Palestra de Brian Stableford& Painel “Nanotecnologia”:

Depois do painel mainstream, deu-se a palestra de Brian Stableford. Oautor e estudioso de FC revelou umapreocupação otimista com o desenvol-vimento futuro da humanidade. Suadeclaração mais bombástica foi a deque “Deus foi a pior e mais danosainvenção do gênero humano”. A mai-oria dos presentes saiu do auditório doTeatro Gil Vicente com a impressãonítida de que o colóquio de Stablefordhavia sido o melhor até então.

O jantar se deu na Taverna GilVicente. Já farto de bacalhau, opteipor outra de minhas paixões na culi-nária lusa, a morcela frita!

Após o jantar, deu-se a mesa-redon-da “Nanotecnologia”, moderada por

Luís Filipe Silva. O painel foi dosmais interessantes, com a maioria dosparticipantes demonstrando grande co-nhecimento de causa e trazendo paraa platéia insights instigantes sobre atemática que vêm se tornando ultima-mente num poderoso modismo da FC,ameaçando substituir temas ultrapas-sados, como os cyberpunks e osdinossauros. Discutiu-se se ananotecnologia será algum dia de fatopossível. Como biólogo e sociólogoda ciência, Stableford mostrou-se umotimista quanto à perspectiva de de-senvolvimento dessas novas técnicas.Já Stephen Baxer, até para fazer umcontraponto ao conterrâneo, mostrou-se céptico. Baxter advogou a opiniãode que a nanotecnologia não é coisapara os nossos filhos ou mesmo paraos nossos netos. Até em termos de FC,ele acredita que a nanotecnologia nãosoará verossímil tão cedo, excetoquando inserida em enredos cuja açãose passa num very far future. Aliás,em sua própria ficção Baxter é fiel àtese advogada, como se pode consta-tar da leitura do magnífico emastodôntico The Time Ships.

O painel “Nanotecnologia” serviuainda como atestado público aos vas-tos conhecimentos de nosso amigoJoão Barreiros, que ao longo da dis-cussão acabou demonstrando ter lidomais livros a respeito do que o pró-prio Brian Stableford, um estudiososério do gênero da FC&F. O próprioBrian admitiu que o João é a primeirapessoa que ele encontrou que pareceter lido mais livros do que ele. Vindode um pesquisador do quilate deStableford, a declaração é um tremen-do elogio!

O Aniversáriode Maria Augusta:

Após o painel noturno fomos todosao Bar 24, onde seria comemorado oaniversário da Maria Augusta. O se-gundo piso do estabelecimento estavareservado para nós, de modo que pu-demos nos espalhar bastante, sem oproblema da superlotação enfrentadona noite anterior. Aproveitei para con-versar com a jovem e talentosa autorae editora Silvana de Menezes, coisaque ainda não tivera oportunidade defazer por causa de uma gripe que aba-

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tera a coitada, afastando-a dos primei-ros dias dos Encontros. Conversamosbasicamente sobre dois temas muitocaros aos amantes da FC: osalienígenas e a teleportação.

Passamos boa parte da noite nos di-vertindo em comentar as extravagân-cias sexuais dos anglo-saxões nas con-venções em terras estrangeiras.8 É cla-ro que o nosso bom humor foi devida-mente regado com doses generosas decaipirinha à brasileira.

Manhã Atarefada:Xinha já acordou aborrecida na ma-

nhã de quinta-feira, por ter sido des-pertada por um telefonema da Sime-tria com a informação de que não ha-via ninguém para transportar algumasesculturas de monstros para o TeatroGil Vicente e a Tenda do Livro. Naverdade, os tais monstros já deveriamter sido levados para os locais ondeseriam exibidos desde o início dos En-contros. Mas, todos que já ousaramtentar organizar uma convenção doporte dos Encontros sabe que certasfalhas são, em menor ou maior grau,inerentes ao processo de organizaçãodos eventos.

Contudo, essa brilhante peça de co-nhecimento teórico não foi suficientepara apaziguar os ânimos exaltados daXinha, de forma que ela engoliu seucafé com leite num átimo e pratica-mente exigiu que D. Manuela nos le-vasse chispando até o Dramático.

Boa parte de nossa manhã foiconsumida pelo transporte das tais es-culturas monstruosas. Desovamos aprimeira no Teatro Gil Vicente — apa-rentemente uma espaçonave esféricasemi-explodida. Depois de muito tra-balho, deixamos a segunda no interiorda Tenda do Livro, um manequim tra-jado em vestes femininas futuristas(com direito inclusive à tradicionalmetralhadora laser...). Partidos bati-dos, tão logo eu, a Xinha, o motoristada carrinha da CMC e o guarda da ten-da acordamos quanto à quantidade deseios da moça que deveríamos desnu-dar ou tampar. Pois é, acreditem ounão, isto também é ficção científica...

Depois dessa faina cabeluda, parti-mos para um almoço merecido naAntiguinha. Foi uma das melhoresrefeições que fiz em Portugal. A com-

panhia e o bate-papo estavam ótimos.Estiveram presentes António deMacedo, Daniel Tércio, Gustavo Mil-Homens, Zé Pedro Borges Reis, Linae Andreia Coelho, Maria e Silvana deMenezes, Xinha e eu. Como aAntiguinha serve o melhor Bacalhauà Brás da região, não pude resistir...As melhores fofocas do almoço foramas de cunho sexual, como de hábito:falamos da crise política clintoniana àpreferência brasileira, sem deixar defora, é claro, o convite para que osautores portugueses participem da an-tologia da Ano-Luz, Como Era Gos-tosa a Minha Alienígena!9

Painel “Ficção CientíficaLuso-Brasileira":

A mesa-redonda da tarde, “FicçãoCientífica e Fantasia Luso-Brasileiras”foi a segunda que coordenei ao longodos Encontros.

Fiz um pequeno histórico da FC&Fbrasileira, com ênfase especial aos tra-balhos, autores e movimentos surgi-dos após o advento do SegundoFandom lá por idos de 1982.

Falei dos primeiros fanzines e clu-bes de FC; dos concursos literários;da importância da Isaac Asimov Ma-gazine no desenvolvimento profissio-nal dos autores atuais; dos principaisescritores brasileiros de ficção cientí-fica, fantasia, horror e história alter-nativa; bem como do Prêmio Nova emsuas diversas fases; do Megalon, doSomnium, do Hiperespaço, do Bole-tim Antares e do Hipertexto. Sem es-quecer, é claro, as carreiras de BráulioTavares; Ivanir Calado; Jorge LuizCalife, Henrique Villibor Flory e atémesmo (porque não?) dos menos co-tados: Gerson Lodi-Ribeiro; Robertode Sousa Causo; Carlos OrsiMartinho; José dos Santos Fernandes;Ivan Regina, Fábio Fernandes eRicardo Teixeira.

Essa mesa contou com a participa-ção da pesquisadora Teresa Almeidae dos autores António de Macedo,João Barreiros e Luís Filipe Silva, quefalaram sobre FC&F portuguesa.

É claro que não resisti à oportuni-dade de fazer alguma propagandainstitucional de nossa editora, a Ano-Luz, tanto no que diz respeito aos pro-jetos já realizados, quanto às iniciati-

vas futuras, algumas das quais já emcurso, principalmente a antologia desexo e FC&F e a antologia comemo-rativa do quinto centenário do Desco-brimento do Brasil.

Em seguida, rolou a mesa-redonda“Utopias & Distopias”, onde mais umavez tornou-se patente a falta de um sis-tema de tradução simultânea. NormanSpinrad e Brian Stableford, os parti-cipantes estrangeiros do painel, pare-ciam visivelmente entediados duranteas falas dos participantes portugueses.Infelizmente, ou talvez nem tanto, re-tirei-me do auditório para bater papocom o Américo Carrajola.

Palestra doConvidado de Honra:

Houve uma certa dificuldade em sedecidir quem iria apresentar o NormanSpinrad à platéia durante a palestra queo convidado de honra ministraria apóso jantar. Para decepção e desesperode seus fãs, João Barreiros tirou o cor-po fora. Cogitaram meu nome, masaleguei que só havia lido um romancedo autor, Sonho de Ferro. Finalmen-te, o corajoso Américo Carrajola ofe-receu-se como voluntário, ato de bra-vura pelo qual terá o seu nome sem-pre reverenciado no hall of fame daFC luso-brasileira.

Durante a sua palestra, Spinrad ba-teu essencialmente na mesma tecladedilhada anteriormente por CharlesBrown, ao se confessar preocupadocom a decadência da ficção científicaautêntica, soterrada sob o peso dasnovelizações, sequelites e tie-ins. Aoque parece, essa questão está se tor-nando realmente preocupante na mecada FC&F literária, embora por enquan-to só sejam visíveis à nossa visão nu-blada de cidadãos residentes à perife-ria do império os reflexos mais baçosdessa crise vindoura mas ainda distante.

Meio sorumbáticos com o teor damensagem de nosso convidado de hon-ra, ao final da palestra, eu, Nuno e ZéSaraiva nos dirigimos à Tenda do Li-vro para tentar comprar mais algunspaperbacks e coletar alguns autógra-fos esparsos, antes que a FC mundialimplodisse qual buraco negro primor-dial. Contudo, ao que parece, a mal-dição de Spinrad se havia abatido so-bre nós, pois quando chegamos à Ten-

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da, essa se encontrava fechada. Aotentar entrar para verificar se existiaalguém conhecido lá dentro, quase fuiexpulso pelo segurança noturno quemontava guarda no local.

Sem ânimo para mais nada,rumamos para a sede da Simetria, ondequase consegui convencer o José Sa-raiva a ingressar na associação...

Conduzindo Ms. Wood:A manhã começou quente na Sime-

tria quando lutamos para convocar umvoluntário capaz de conduzir a fogosaM. Lee Wood até o Aeroporto de Lis-boa. Xinha e Andreia chegaram a su-gerir que fosse eu a vítima a conduzi-la, mas consegui demovê-las do inten-to argumentando que tinha um casa-mento a zelar no Brasil e indicandode pronto o nome de José PedroBorges Reis para a nobre e gloriosamissão suicida. Afinal, a Lee Woodhavia simpatizado muito com o jorna-lista durante o aniversário da Augusta.Não sei bem porque, mas o escolhidoacabou sendo o heróico e bravoGustavo Mil-Homens, filho de MariaAugusta. Por seu ato de coragem ebravura, bem como dedicação desme-dida à causa da FC acima e além dodever, o jovem Gustavo será em bre-ve agraciado com o foguetão fálicovermelho, a condecoração máxima daficção científica luso-brasileira para oscasos de elevado risco sexual no cum-primento do dever.

Parabéns, Gustavo! Se a FC e osRPG’s portugueses possuíssem maispessoas corajosas e desprendidascomo você e com o seu espírito deauto-sacrifício em nome de uma cau-sa maior, o mundo seria sem dúvidaum lugar melhor para viver...

Lançamentosno Casino Estoril:

Numa atitude de rebeldia atípica,elegi a sexta-feira como meu dia livre.Tirei a manhã e a tarde para passearsozinho por Cascais, visitando algu-mas livrarias e comprando várias gar-rafas de vinho português. Almoceicom Xinha no restaurante Antiguinhalá pelas 16:00h...

Da Antiguinha, regressamos à sededa Simetria. Xinha ligou para que amãe nos fosse buscar. Uma vez na casadela, arrumamo-nos para o grande

evento da noite: o lançamento noCasino Estoril dos livros do Antóniode Macedo, do Daniel Tércio e da mi-nha segunda coletânea, O Vampiro deNova Holanda.

Ao nos deixar na entrada do casino,D. Manuela recomendou que eu nãoficasse nervoso. Tranqüilizei-a, expli-cando que aquele era o meu segundolançamento no casino, que eu de fatome sentira nervoso na primeira oca-sião, mas que ao longo de um ano metornara uma espécie de veterano. Oque eu não contava era que, maladentrando no vasto saguão do esta-belecimento fosse convocado paraconceder uma entrevista à emissora detelevisão RTP-2 sobre o lançamentod’O Vampiro. E isto quase ao mesmotempo em que era convocado ao pal-co para proferir umas poucas palavraspelo mesmo motivo...

Pelo fato de termos chegado umpouco atrasados, Macedo e Tércio jáhaviam dito suas palavras de agrade-cimento e sido entrevistados antes demim.

Como é que é? Não era prá ficarnervoso?

Concedi minha breve entrevista àsimpática tele-repórter da RTP-2; en-trevista esta concluída bem a tempode ouvir as palavras gentis do discur-so de João Barreiros que teceu louvo-res exagerados à minha pessoa e obra.Valeu, amigo! [Não se esqueça de pas-sar no caixa...]

Chamado ao palco, agradeci breve-mente ao Belmiro Guimarães e aoAntónio de Macedo, bem como aoJoão Barreiros e aos demais amigosda Simetria.

Depois que desci do palco, houve olançamento oficial da antologia bilín-güe da Simetria, Fronteiras/Frontiers,organizada por António de Macedo eMaria Augusta Lourenço.10

Depois da sessão de lançamentos ede uma ou duas doses de vinho doPorto, passamos ao já tradicional jan-tar do casino. Sentei-me junto a JoãoBarreiros, Luís Filipe Silva, Silvana eMaria de Menezes. À nossa frentesentou-se o jovem José PedroMiranda, de onze anos, que recebeu oprêmio revelação Paradoxo por trêshistórias enviadas para o concurso li-

terário patrocinado pelo fanzine homô-nimo. O gênio precoce estava acom-panhado pelos pais corujas. Emborabastante inteligente e conversado, con-trariou o clichê do jovem gêniodesajustado, demonstrando ser essen-cialmente uma criança normal e sau-dável.

O show do casino deste ano foi di-ferente do “Fernando em Pessoa”,apresentado nos dois anos anteriores.Do meu ponto de vista, houve menosenredo e mais espetáculo visual. Ah,e as bailarinas exibiram mais de seusbelos corpos. Ou talvez fôssemos nósque desta vez havíamos nos sentadomais próximos do palco.

Do Casino Estoril fomos direto àboate Coconuts, para a festa que sechamou “Cem Anos da Guerra dosMundos”, embora de marcianos ou deH.G. Wells eu não visse nem sombra...

Quando chegamos à Coconuts, porvolta de 00:30h, o ambiente estavapara lá de desanimado, com uma mú-sica barulhenta horrível e a pista dedança literalmente vazia. Como noano passado, havia uma área reserva-da para o pessoal da Simetria e seusconvidados. Encontramos por lá oDaniel Tércio com sua esposa; a na-morada do Charles Brown, Gail; An-dreia e o namorado; AméricoCarrajola e João Cesário, o ilustradorque venceu o concurso do cartaz dosEncontros do ano passado.

Com a música fraca, nós idem, e amaior parte dos conhecidos então pre-sentes já sabiamente desaparecidos háhoras, a melhor atração da madruga-da foi sem dúvida a sessão de piadasorquestrada pelo Américo e por umaAna Almeida animada como sempre.Como platéia estávamos Xinha, LuísFilipe Silva, João Cesário e eu. Ape-sar do cansaço, dei poucas e boas gar-galhadas, sobretudo com as imitaçõese interpretações impagáveis doAmérico.

Painel “Planeta-Cidade”:Depois da esbórnia da madrugada

anterior, acordei na tarde de sábado às12:40h (Pasmem, mortais!). Eu eXinha tomamos um pequeno almoçoexpresso e D. Manuela voou para nosdeixar na sede da Simetria. Mal che-gamos lá e encontramos Andreia já

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morta de fome. Resumindo: fomosobrigados a mais um almoço lauto edelicioso no restaurante Dom Pedro I,que eu ainda não conhecia, mas doqual já ouvira o Luiz Marcos da Fon-seca falar muito e bem.

A primeira mesa-redonda da tardefoi “Planeta-Cidade”, moderada porDavid Prescott e tripulada porGwyneth Jones e Stephen Baxter. Essafoi uma das mesas com maior assis-tência (cerca de 30 pessoas) e tambémuma das mais interessantes. Falou-senão apenas das capitais de impériosgalácticos como a cidade de propor-ções planetárias, do tipo trantoriano,mas também de estações espaciais es-tanques e colônias estelares auto-sufi-cientes. Até o caso de um submarinonuclear em missão secreta de longocurso foi lembrado como exemplo decultura estanque. Falou-se ainda dascidades do futuro e dos mitos urbanosque estariam pouco a pouco substitu-indo os mitos rurais do nosso substratocultural.

Aproveitei essa mesa-redonda parapassar às mãos do António de Macedoos originais das coletâneas de contosdo Carlos Orsi Martinho e do FábioFernandes, que ele prometeu apreciare deixar aos cuidados do Belmiro Gui-marães da Editorial Caminho.

Após o término dessa mesa, JoséSaraiva me presenteou com uma au-têntica raridade: a coletânea “Casos deDireito Galáctico” de Mário-HenriqueLeiria, um dos precursores da FC por-tuguesa — um ato de generosidadepelo qual terá a minha gratidão eter-na.

Painel “Ponto-Ômega”:Fui obrigado a perder a palestra que

se seguiu à mesa-redonda por causade minhas obrigações como editor.Regressei à sede da Simetria e, com aajuda da Xinha, passei o resto da tar-de a preparar os contratos de cessãode direitos de publicação dos contosdo Luís Filipe Silva e do JoãoBarreiros.

Depois de um lauto jantar com qua-se todo o pessoal da Simetria no DomPedro I, partimos para o painel notur-no. O tema foi o “Ponto Ômega”, umateoria física para lá de mística defen-dida por Frank Tipler e que foi

prazeirosamente demolida por BrianStableford e pelo físico portuguêsAntónio Baptista. O moderador foi umbem humorado António de Macedo.Já o outro participante do painel, Gon-çalo Valverde, externou graves dúvi-das filosóficas sobre o que acontece-ria consigo caso fosse submetido a umprocesso de teleporte não destrutivo.Da platéia, exibindo sua fina ironia tra-dicional, João Barreiros deu o melhorde si para tranqüilizar o rapaz. Esseúltimo painel foi o mais concorrido dosEncontros, com cerca de cinqüentaespectadores.

No final do painel, já à saída do GilVicente, finalmente tive a oportunida-de de cercar os novos autores da Ano-Luz para que assinassem os contratospreparados horas antes e recebessemo pagamento que lhes cabia. A ativi-dade pecuniária causou espécie emLuís Sequeira, que comentou à Silvanaque “O Gerson está a distribuir notasde cinco contos (as maiores notas dosistema monetário deles) no meio darua... Vamos entrar nesta fila tam-bém!” Não foi fácil explicar que setratava de uma mera transação comer-cial entre editor e autores de FC&F...

Do Gil Vicente, eu, Nuno e o Zé Sa-raiva fomos a pé até a sede da Sime-tria. Uma vez lá, logrei êxito afinalem persuadir o renitente Saraiva a in-gressar na associação. Quando eu eXinha partimos para a casa dela, la-cramos o Saraiva na Simetria com aAndreia e a Inês, com instruções ex-plícitas de só deixá-lo evadir-se apósassinados todos os formulários de ad-missão.11

Sessão deEncerramento Informal:

Como de costume, D. Manuela nosconduziu até a sede da Simetria. Delá, fomos a pé para a sessão de encer-ramento dos Encontros, realizada noTeatro Gil Vicente.

A grande surpresa desse encerra-mento é que o vereador Letria, aguar-dado para presidir a sessão, simples-mente não deu o ar de sua graça. Masno final, foi melhor assim. Contandocom a presença apenas dos sócios daSimetria, seus amigos e simpatizantes(todos os convidados estrangeiros jáhavia tomado seus vôos de regresso

aos países de origem) tivemos maisintimidade para falar abobrinhas e co-locar as fofocas em dia.

Até por uma questão de tradição, oalmoço de despedida foi na TavernaGil Vicente. Já bastante abalado pe-los excessos gastronômicos dos diasanteriores, obriguei-me a me conten-tar com um humilde omelete de quei-jo, mas regado, é claro, pelo vinho Ma-deira que Maria de Menezes trouxeespecialmente para a ocasião. Duran-te esse último almoço, António deMacedo nos brindou com a históriaoriginal de Tristão e Isolda.

A GrandeBiblioteca Galáctica:

Depois do almoço fiz a peregrina-ção épica à inacreditável bibliotecagaláctica do Tio Barreiros. Uma pe-regrinação necessária, sem a qual ne-nhum fã, autor ou pesquisador de FClusófono pode se considerar comple-to. E, meninos, eu vi! O colosso exis-te mesmo!

Antes de irmos à casa de Barreiros,fomos ao Cascaishopping visitar duasou três livrarias, para que eu pudessecomprar alguns paperbacks que nãoestavam disponíveis na Tenda do Li-vro dos Encontros. Consegui o Starsand Stripes Forever, primeiro roman-ce da nova trilogia de H.A. do HarryHarrison e Bone Wars, uma variaçãoda disputa entre Cope e Marsh pelosfósseis de dinossauros recontada soba óptica da FC.

E então fui conduzido à BibliotecaGaláctica do Velho AlmiranteBarreiros.

Conheço vários fãs de FC&F aco-metidos por colecionite crônica ouaguda, uma moléstia grave, infeliz-mente tão comum entre os amantes dogênero. A maioria dessas entidadessuperiores enfermas possui uma vastabiblioteca de FC. Algumas dessas bi-bliotecas chegam a abrigar por vezesalgo em torno de cinco a oito mil vo-lumes.

Mas, quando se trata da BibliotecaGaláctica de João Barreiros, a escalausada até então se torna falha. Já nãose tratam de milhares de livros, e simde dezenas de milhares de livros...Não se trata mais de uma residênciaque abriga uma vasta biblioteca, mas

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de uma biblioteca colossal que possuiuma vivenda como anexo...

João e Modesta vivem num aparta-mento amplo e confortável nas proxi-midades da cidadezinha de Rio deMouro, na região da Grande Lisboa.Dividem o apartamento com dois ga-tos e a Biblioteca Galáctica.

Afirmo sem muito exagero que qua-se qualquer livro de FC&F publicadonos últimos quarenta anos em inglês,português (e muitas vezes mesmo fran-cês) pode ser encontrado na GrandeBiblioteca Galáctica. E, nas raras ve-zes em que um determinado título nãoé encontrado, o mais provável é quese trate de uma falha nos sistemas debusca da biblioteca do que da simplesinexistência do título em questão...

Hardcovers abundam em prateleirasde profundidade dupla de estantes querevestem absolutamente todas as pa-redes de um salão gigantesco.

O motivo principal da decoração sãoos felídeos, que se espalham por entrepaperbacks e hardcovers sob a formade bibelôs, enfeites, aparadores, qua-dros, porta-copos, etc. O gato pareceser o animal totem do casal. Gatos portodos os lados, vigilantes, para prote-ger as dezenas de milhares dehardcovers e paperbacks — um tesou-ro faraônico de valor incalculável.

Acabou? Não, é claro que não!Aqueles eram apenas os livros lidos,os clássicos arcanos acalentados peloAlmirante Barreiros nas longas noitesde inverno lusitanas. Há ainda o ga-binete de trabalho do professor, ondeamontoam-se uns poucos milhares delivros ainda não lidos e omicrocomputador, de onde —aprovei-tando uma breve distração da Modes-ta — acessamos a Internet para com-prar meia dúzia de livrinhos cada um...Afinal, a carne é fraca...

Houve uma hora em que precisei irà casa de banho. E, pasmem, mortaisignaros! Também lá havia uma peque-na sucursal da GBG. Coisa pouca,umas poucas dezenas de livros e re-vistas...

E foi só? Não, ainda não. Houveainda o maravilhoso sótão, com seusArgonautas arcanos e Europa-Améri-cas, além das duas coleções comple-tas — a Contacto da Gradiva e a Li-

mites da Clássica — que JoãoBarreiros editou há coisa de uma dé-cada. No sótão encontrei ainda umaspoucas centenas de livros de FC&Feditados no Brasil. Muitas, muitas Hqse, oprimidos num cantinho úmido eescuro, até mesmo os livros da Mo-desta... A pobre esposa dedicada quepermitiu à GBG uma expansão infla-cionária por todos os cômodos doapartamento, inclusive nos degraus daescada que levavam ao sótão...

A Grande Biblioteca Galáctica é aoitava maravilha da civilização moder-na. Um paraíso onde qualquer fã deverdade seria capaz de passar dias edias a folhear volumes sem fim e se-quer dar por isto. A loucura, a perdi-ção para qualquer mestre TAL quecaísse na tentação de visitar o grandeAlmirante da FC&F lusófona commaus propósitos em mente.

Foi tudo um sonho, elucubrado nosrecessos de minha mente combalida?

Não creio. Existem uns outros pou-cos membros do fandom brasileiro quecomo eu foram agraciados com o pri-vilégio de visitar a Grande Bibliote-ca. Conta a lenda que eles tambémemergiram do paraíso com a boca re-pleta de portentos, milagres e prodí-gios, e ninguém lhes deu crédito... Pa-ciência! Além do meu testemunho,existem os de várias figuras de proado fandom português. Espero que elescorroborem minhas visões. Visões desonhos de uma coleção de FC&F qua-tro, cinco vezes maior do que a dequalquer fã brasileiro vivo ou morto.

Bem, como diz a letra da música deJimmy Webb: “Eu não me importo sevocês acreditam, pois eu estive lá. Esei o que vi.”

Depois dessa experiência incrível eavassaladora, Barreiros e Modestaconduziram um brasileiro ainda depernas trêmulas para jantar num belorestaurante tipicamente lusitano situ-ado em Sintra. A Adega do Saloio foio melhor restaurante de cozinha por-tuguesa que conheci em quaisquer doslados do Atlântico. Eu e Modesta op-tamos por um Borba, um tintoalentejano simplesmente delicioso,enquanto o João ficava na cerveja.Depois dos pães e dos patezinhos equeijos de entrada, Modesta escolheu

Bacalhau com Natas, ao passo que eue Barreiros pedimos Arroz de Pato.Há muito, muito tempo que este mo-desto gourmet não apreciava iguariatão apetitosa. De fato, pode se dizerque na Adega do Saloio pude fecharcom chave de ouro minha expediçãogastronômica a Portugal. Ah, que sau-dade!

Regresso à Terrinha:O vôo de regresso ao Brasil foi dos

mais tranqüilos. A comida e o vinhoestavam razoáveis (para a classe eco-nômica), os filmes que não pude as-sistir na ida, fiz questão de ver nessaviagem de volta, embora eles não fos-sem lá grande coisa. Nove horas epouco após o embarque, estava devolta ao Rio de Janeiro. Esses vôosdiurnos são dose prá leão!

Desembarcando no aeroporto doGaleão, dediquei-me à velha e agra-dável rotina de comprar lembrançaspara os entes queridos e remuniciarnosso bar e adega no dutyfree.

Ah, a luz verde que jamais me negao seu favor.

Tomei um táxi especial e conseguichegar em casa minutos antes da horado rush.

Em resumo, é bom estar de volta.Sobretudo quando se traz na bagagemtantas experiências boas para contar elembrar. Isto para não falar em maisum livro de minha autoria para colo-car na estante...

Quem precisa de mais do que istopara ser feliz?

NOTAS1 Exatamente o tipo de frio que poraqui chamamos de presunto [N. T.].2 Ao final da noite desse dia, de voltaà sede da Simetria, graças à boa von-tade de João Guerreiro, filho mais ve-lho de Maria Augusta, pude enviaruma mensagem de e-mail para o Cau-so para lhe dar a boa nova em pri-meira mão.3 Semelhante ao que costumamos cha-mar de “presunto de Parma” destelado do Atlântico [N. T.].4 The Werewolves of London, primei-ro romance da trilogia de “sciencefantasy” sobre os anjos decaídos quehabitariam a Terra até hoje, eSerpent’s Blood, primeiro romance deuma trilogia de FC hard cuja ação se

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passa numa biosfera alienígena ondetodos os processos entrópicos ecatabólicos decorrem muito mais rá-pido.5 Na fala de Holdstock tornou-se pa-tente pela primeira vez um problemagrave que nos iria acompanhar du-rante toda a convenção: a ausênciade tradução simultânea. Houve umafalha qualquer na organização e astradutoras dos anos anteriores não fo-ram contratadas, de forma que emmuitas conferências e mesas-redondasboa parte do público deixou de com-preender o que os convidados estran-geiros diziam, o que deve ter contri-buído para gerar uma certa dose dedesinteresse. Desinteresse esse quetalvez tenha sido responsável pela fre-qüência relativamente baixa de espec-tadores nas palestras e painéis nesteano. Para bem de nossos convidadosestrangeiros, a tradução do portugu-ês para o inglês pôde ser algumas ve-zes efetuada, ora por João Barreiros,

ora pelo incansável AméricoCarrajola. Mas é claro que esses es-forços, heróicos pero esporádicos,não foram suficientes para substituiros serviços de uma equipe especializa-da em tradução simultânea. Vamostorcer para que nos Encontros vindou-ros possamos contar com uma equipeprofissional de tradutores qualifica-dos.6 Em português brasileiro, o mesmoque “palestra” [N. T.].7 O Ensaio “A Ficção Científica emPortugal - Desenho de um Território”abre a antologia Fronteiras, livrosouvenir bilíngüe dos Terceiros En-contros, editado pela Simetria.8 Luís Filipe Silva tem poucas e boaspara contar sobre as anomalias eaberrações sexuais que teria presen-ciado durante a Fantasy WorldCon doano passado em Londres.9 Durante os Encontros fechei nego-ciação para comprar para a antolo-gia os contos “Pequenos Prazeres

Inconfessáveis” do Luís Filipe Silvae “Quatro Milhões de Lolitas” doJoão Barreiros. Excelentes aquisi-ções!10 Os trabalhos publicados nessa ter-ceira antologia dos Encontros foramos seguintes: “A Ficção Científica emPortugal” [ensaio] - Teresa Sousa deAlmeida; “Ad Maiorem Dei Gloriam”- Maria de Menezes; “Crimes Patrió-ticos” - Gerson Lodi-Ribeiro; “A Mu-lher Mais Bela do Mundo” - Robertode Sousa Causo; “La Cenerentola” -Gwyneth Jones; “Entre Horizontes”- António de Macedo; “Terra de Vi-dro” - Stephen Baxter; “O Regressodo Super-Homem” - João Thiago;“Por Amor à Prole” - João Barreiros;“Dr. Pequeno Almoço e o Polyban” -David Alan Prescott; “Entregue àBicharada” - Daniel Tércio.11 No dia seguinte verifiquei que meudileto amigo José Saraiva realmentetornou-se o então mais novo associa-do da Simetria!

COMPRE, LEIA E COLABORECOM OS FANZINES BRASILEIROS!

• Notícias... do Fim do Nada: Editor: Ruby Felisbino Medeiros.Trimestral, formato ofício, 30 páginas. Contos, artigos e publicaçãode listas de livros e autores. Rua Comendador Azevedo, 506, PortoAlegre/RS, 90220-150• Brief News. Editor: Alexys B. Lemos. A4, 10 páginas, trimestral.Fanzine dedicado a resenhar as principais revistas de FC americanas.Cx. Postal 129, João Pessoa/PB, 58001-970.• Suplemento de Ficção Científica: Editor: Antônio Luiz Ribeiro.A4, 6 páginas. Encarte do fanzine de quadrinhos Formulário Contínuo,resenhas de livros estrangeiros, comentários sobre cinema, video eliteratura de FC. Cx. Postal 14606, Rio de Janeiro/RJ, 22412-970.• Fábrica de Fanzines:Todos os fanzines da "Fábrica" são editados por Roberto de SousaCauso, Rua Aimberê, 406/103, São Paulo/SP, 05018-010:Biblioteca Essencial da FCB: série de livros em xerox A4,encadernados com capa dura, que reproduzem ensaios e monografiassobre a FC no Brasil.Borduna & Feitiçaria: A4, 16 páginas. Fanzine voltado à fantasiaheróica. Contos, artigos, resenhas e ilustrações.Brazuca Review: A4, 22 páginas. Fanzine em inglês sobre FCbrasileira, com artigos e contos.Diário do Fandom: Bimestral, A4, 8 páginas. Informativo sobre asnovidades da ficção científica brasileira e internacional. Tem tambémresenhas sobre lançamentos na área de FC&F.Papêra Uirandê Especial: A4, 36 páginas. Artigos, resenhas eensaios sobre o estado do gênero no Brasil e no Exterior.O Rhodaniano: A4, 12 páginas. Fanzine sobre Perry Rhodan.

• Astaroth: Editor: Renato Rosatti. A5, 4 páginas. Fanzine de horrordistribuído gratuitamente. Artigos, contos e ilustrações. R. Irmão IvoBernardo, 40, São Paulo/SP, 04772-070.• Hiperespaço: Editores: Cesar R.T. Silva & José Carlos Neves.Trimestral, A5, 20 páginas. O mais tradicional fanzine brasileiro dearte fantástica. Contos, artigos, ilustrações, quadrinhos, modelismo,cinema, TV, vídeo, animação. Caixa Postal 375, Santo André/SP,09001-970• Hipertexto: Editores: Carlos André Mores e Roger Trimer. Formatomagazine, 50 páginas. Revista do Clube Jerônymo Monteiro deLiteratura, editada pela Universidade Federal de São Carlos. Contos,artigos e poesias. R. Tiradentes, 816, Estância Suiça, São Carlos/SP, 13560-430.• Informativo Perry Rhodan: Editor: Daniel dos Santos. A5, 12 a16 páginas. Fanzine oficial do “Perry Rhodan Fã Clube do Brasil”.Informação, curiosidades, artigos e contos. Rua André Marques, 209/09 Santa Maria/RS, 97010-041.• Intrepid: Editor: Fábio Barreto. A4, 20 páginas, capa em cores.Dedicado ao universo de Guerra nas Estrelas. R. São Teodoro, 311,V. Carmozina, Itaquera, São Paulo/SP, 08290-000.• Juvenatrix: Editor: Renato Rosatti. 3 a 4 edições por ano, formatoofício, 20 páginas. Fanzine de horror e FC com artigos sobre cinemae contos. Rua Irmão Ivo Bernardo, 40, São Paulo/SP, 04772-070.• Megalon: Editor: Marcello Simão Branco. 5 edições por ano, formatoofício, 30 a 40 páginas. O mais premiado fanzine brasileiro de ficçãocientífica e horror. Contos, artigos, notícias, cinema e quadrinhos.Av. Clara Mantelli, 110, São Paulo/SP, 04771-180

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por Simone SaueressigA Memória da Alma

Ultimamente, o sonho vinha se repetindo com mais freqüência, mas não era isso o que realmente o preocupava. Ossonhos, afinal de contas, são coisas amorfas que saltam do esquecimento que deveria ser o sono para que os homenspossam atravessar aquelas horas de descanso mais profundo, e para lá voltam quando se desperta. Eram estúpidos,incompreensíveis e irrelevantes, e não lhes dava a menor importância.

O que realmente disparou a voz do alarma interior foi o dia em que se levantou mecanicamente e, meio entorpecido,não reconheceu o próprio quarto. Não que lhe parecesse o quarto de outra pessoa. Não. A impressão foi ainda maisprofunda, ainda mais terrível. Por um vago momento —felizmente fugaz,— o quarto não pareceu absolutamente nada.Não reconheceu a janela como tal, não encontrou a porta, debateu-se entre a cama e o armário como um rato delaboratório dentro de um cubo cheio de objetos estranhos. O aposento tinha as paredes cobertas de imagens incompre-ensíveis, era um cubo pequeno, pequeno, pensou que ia morrer de claustrofobia, era difícil respirar, era difícil, muitodifícil. Caiu com a cara contra o criado-mudo e o olho inchou em seguida. A dor e o aturdimento o deixaram atirado nochão tempo suficiente para que o mundo fosse entrando em foco. Alguém bateu na porta e ouviu a voz da mãe pergun-tando se estava bem. Antes de responder, olhou ao redor. Ali estava o poster dos Rolling Stones, o do surf, o que Celinalhe dera de aniversário, com uma pantera negra e feroz rugindo em silêncio, um que dizia “salve o Pantanal” meio porcima do poster de Pamela Anderson que ele pendurara mais por rebeldia do que por interesse. Mastigou um “estou bem,mãe”, e a voz lhe saiu grossa e pastosa, a boca seca, a língua inchada e, o que era pior, as palavras, os sons, estranhos,ásperos, indecisos, como quem aprende a falar um idioma estrangeiro. Essa foi a primeira vez que se sentiu assustado.

Outras coisas não o inquietavam tanto. Coisas como desejar comer comidas que nunca vira, que não sabia seexistiam, mas cujo sabor tinha extremamente claro na boca. Ou palavras que imaginava, ou inventava, e tentava usar,mas que perdiam significado no momento em que lhe saiam dos lábios e chamavam um olhar de estranheza por parte deprofessores e amigos.

Ou ainda lugares, as ruínas de Tion-na-Yne, Pia-pao, os telhados cinzentos de Kruph, lugares que desejava comoquem sente saudades, lugares que pensava que existiam, que desejava visitar, que buscava nas enciclopédias e nunca,nunca, encontrava. E muitas mais, pequenas coisas que faziam com que se sentisse um estrangeiro mesmo sabendo quenão o era, mesmo reconhecendo tudo o que o cercava, mesmo assim.

A segunda vez que se assustou de verdade, foi alguns dias depois, nunca soube quantos. Havia se levantado amodor-rado e sonolento e ao chegar ao banheiro ficou vários minutos fitando horrorizado aquele monstro esbranquiçado eestranho cuja cabeça via sobre a pia, até que compreendeu e, voltando pouco à pouco à normalidade, riu de sua própriaimagem no espelho. Mas o riso foi nervoso, de novo lhe veio aquela voz rouca e de repente as imagens do sonho —maisreais do que nunca— encheram-lhe a memória e se viu invadido por um misto de desejo e pavor, desejo de que o sonhofosse realidade, pavor, porque as imagens pareciam desconexas e incompreensíveis.

Dizem que a terceira vez é a que vale, e assim deve ser, porque foi quando realmente se lembrou de tudo. Estava nacasa de Ana, estudando matemática. Os pais dela estavam fora e estavam sozinhos. Era uma situação típica, ele sabia,ela sabia, ambos sabiam que o outro sabia, e ambos tinham em mente outro estudo que não o dos números. Nãodemorou nada, estavam na cama de Ana, o corpo bronzeado sobre os lençóis claros, tão nervosos, tão ansiosos, tãoexcitados que parecia impossível que qualquer coisa acontecesse. Mas se ele era ainda virgem, Ana sabia o que estavafazendo, ou pensava que sabia. O corpo quente e úmido dela se abriu e o recebeu e ele pensou que não havia nadamelhor do que meter-se no corpo de uma mulher e então, de longe, muito de longe, veio aquela certeza de que haviaalgo melhor, sim, algo muito melhor, e começou a buscá-lo em Ana, e Ana gemia de prazer, se desfazia,se derretia,nunca Roger, que tinha sido seu namorado até a semana anterior, agüentara tanto. Seguiu buscando quando ela gritou deprazer e gozou, seguiu buscando com raiva por não encontrar, quando ela lhe pediu que parasse, seguiu buscandoquando ela começou a chorar e empurrá-lo, e então soube que faltava algo, faltava alguém, faltava o terceiro. “Sem oterceiro não é possível”, ele disse e agarrou-a pelo pescoço para que parasse de gritar, e ao agarrá-la lhe pareceu umacoisa horrível, um monstro, e o monstro se debatia e ele buscava algo que não encontrava, necessitava, desesperada-mente, o que fazia aquele monstro ali? perguntou-se em sua língua interior, e a boca não podia dizer bem aquele idioma,porque as cordas vocais não eram o mesmo sistema que a raça que o falava usava, e seu corpo arrancava sangue dooutro corpo, Ana já não gritava, só tentava respirar e não conseguia, já não poderia nunca mais, e ele soube que nãoencontraria o prazer que buscava, mesmo que aquele corpo, que agora era seu corpo, ejaculasse outra vez, porquefaltava o terceiro, e aquele lugar era outro cubo, aquela luz que entrava pelo retângulo aberto, era a luz terrível de umaestrela amarela, e reviu com os olhos da memória da alma, os três pequenos sóis que bailavam em harmonia no céu querecordava ser o céu de seu lar, um céu que se tingia de dourado pelas noites e se enchia com as canções dos trios deamantes de Pia-pao, à beira do centro da Via-Láctea.

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D. Laura estava na janela de seu sobrado cinzento. Com as mãos cruzadas apoiando o queixo enrugado, lançava osolhos para a estrada que parecia acabar no horizonte. Era o que mais fazia: concentrar o olhar naquele cenário distanciado.À sua frente, via o único caminho que poderia trazer o viajante incauto até o vilarejo de San Juan.

Uma grande mudança, porém, havia ocorrido naquela cidadezinha da República de São Domingos. Hoje, a cidadede 552 habitantes, segundo a tabuleta lá na frente, dormia embalada por um silêncio poderoso. E D. Laura contava como tempo que quisesse para reavivar os acontecimentos das últimas semanas, ou mesmo para relembrar todos os fatosdesde que iniciara sua longa espera. Há quarenta anos, seu querido noivo Arnaldo, o Tenente Arnaldo da guarniçãolocal, fora chamado para reforçar a guarda pessoal do ditador de seu país. Na verdade, longe de pensar em política, eleaguardara muito tempo por esse chamado, com a ansiedade própria de quem espera trazer uma melhoria para a vida dosdois. Talvez, quem sabe, pudessem até sair de San Juan.

No começo, a espera era um processo que agitava os nervos da delicada Laura. Mais tarde, isso passara a seincorporar a seu quotidiano como a grande motivação de seus dias, embora pouco saudável para seu espírito. Mesmo asnotícias que, posteriormente, chegaram da capital não conseguiram mudar a firmeza de seu ânimo. Nem as notíciassobre o crescimento do movimento dos “contra”, nem a queda final do governo ditatorial foram suficientes para quebrantarsuas esperanças. Ela passava os dias aguardando Arnaldo e mesmo quando as cartas de seu amado cessaram, apenascomentou qualquer coisa sobre a ineficiência dos correios. De fato, já estava por demais comprometida com seu ritualde espera. Do alto, a janela do andar de cima era o visor que precisava para o mundo que lhe interessava.

E agora, sua memória trazia à tona as zombarias quando os primeiros meses se passaram. No inicio, alguns antigosnamorados tentaram convencê-la da fragilidade de sua expectativa. Com o passar dos anos já eram os filhos dessespretendentes que se riam dela. Logo, a cidade toda sabia de sua história e criticavam sua excentricidade. Isso tudo já nãolhe importava mais. Sua obstinação era a poção mágica que a mantivera viva todo esse tempo.

Mas a natureza reserva um castigo cruel para aqueles que resistem em seguir o curso que ela impõe a todos. Quemse recusa a partir, fica cada vez mais deslocado e mais só. E sob a força dessa lei imutável, D. Laura além de sentir maise mais o peso dos ossos, viu desaparecer um a um os amigos e conhecidos que, enquanto vivos, a defendiam contra essaexperiência dolorosa da solidão definitiva. O anjo dos sonhos lhe trazia, as vezes, a lembrança tema de um afagocarinhoso do passado.

A primeira daquelas noites de verão, recordava ela, começara como uma noite comum em todos os aspectos. Napenumbra, a brisa quente beijava o alto dos ciprestes sob o olhar furtivo das criaturas noturnas. Quase toda cidadeestava adormecida e D. Laura, como de costume, divisava o trecho torto da estrada, lá onde esperava ver um dia o vultode seu Romeu retornando.

Tudo foi muito rápido. Primeiramente, o vento parou de soprar sobre as copas das árvores na divisa da vila. Sucedeu-se um grande silêncio, cheio de ameaças. A seguir, D. Laura viu as luzes do céu. Vinham de objetos se mexendo nocume do cenário de estrelas. Cerca de cinco ou seis deles, como pratos cm chamas. Ficaram imóveis sobre algumascasinhas do lugar, dirigindo sobre elas um faxo de luz azulada e soltando um som assobiado e estridente. Assim comovieram, se foram, deixando D. Laura a contemplar alarmada o vazio do infinito.

No dia seguinte, bem cedo, a mulher procurou ansiosamente o pessoal da vila. Foi, então, que percebeu que o tempoconstruíra uma barreira intransponível entre ela e os demais. Os anos de isolamento a tornaram num tipo de cidadãoespecial, a quem se respeita, se escuta, mas não se deve a obrigação de acreditar. Conseguira concluir, no entanto, queaparentemente ninguém mais presenciara o que ela vira.

Voltara desolada a seu canto. Havia muitas coisas que ela precisava colocar em ordem em sua mente. Na noiteseguinte, decidiu manter uma vigília ainda mais intensa. Isso afinal se provou inútil, pois foi das noites mais calmas eagradáveis daquela temporada. Teria logo esquecido o ocorrido se novos fatos não tivessem aparecido.

A próxima noite, de fato, foi mais aterradora. Os objetos se haviam multiplicado no céu e o horizonte chegava aganhar um brilho semelhante ao do crepúsculo. Dessa vez, todas as casas e mesmo as mais pequenas habitações foramrastreadas pela luz azul. Todas as casas, inclusive a sua! Sim, por um momento a luminosidade se deteve bem em cimada própria D. Laura e ela se sentiu como que vasculhada por dentro. De terror, suas pemas enfraqueceram por uminstante e, quando voltou a se erguer, as luzes haviam sumido por completo.

Não esperou o dia clarear. Dirigiu-se à casa do vigário, que estranhou o horário de sua visita. Não se recusou a ouvi-la, mas como os demais, deixou a perceber que, no fundo, a tinha como uma anciã amargurada e estouvada. Tentou falarcom os outros. O resultado fora o mesmo. Julgavam que ela fazia ainda uma tentativa de mostrar que seu amado

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por Norton CollQuem não morrer, fica só

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Arnaldo estava vivo. “Eu sei que ele virá me buscar!”, dissera uma vez e agora, talvez quisesse provar isso.Depois disso, definiu para si mesma que se manteria mais discreta com todos. Em hipótese alguma, voltaria a falar

a respeito do que assistira. Com essa atitude se sentia mais preparada para enfrentar o que viesse pela frente.E não tardou muito para que aqueles estranhos objetos luminosos estivessem de volta. Seu medo, contudo, já não

mais existia. De qualquer forma, a visita nessa terceira noite fora ainda mais resumida. D. Laura ficara em casa toda anoite e toda a manhã seguinte. Não se abalou quando começou a chegar o pessoal de fora, era como já estivesseesperando por isso. Primeiro, curiosos e alguns policiais apressados; depois, não paravam mais de chegar visitantes.Nunca San Juan estivera tão agitada. Até repórteres de outros países apareceram na parte da tarde. De seu miranteprivilegiado, os enxergava como formigas assustadas andando por toda parte. Somente quando bateram em sua porta ea olharam estarrecidos, começou a entender o que ocorrera. Logo se acostumou ao alvoroço e percebeu que, na realidade,todos apenas queriam lhe arrancar uma única e maldita resposta: para onde foram todos os moradores daquela cidade?A princípio, ficou atônita. Por um momento, pensou em Ihes contar a respeito. Pensando melhor, era preferível evitaruma situação embaraçosa que já conhecia bem. Sabia como era desagradável a sensação de se sentir decrépita e não sermais levada a sério. Por isso manteve sua resposta negativa e evasiva. Desistiram de a questionar. Em dado momento,deixou escapar que achava que “eles” teriam pouca utilidade para alguém tão velha como ela, seja para o que fosse.Ninguém entendeu.

Do parapeito, D. Laura meditava que tinha sido melhor que as coisas tivessem ficado desse jeito. Apesar decompletamente sozinha, agora ela teria mais paz. E ela precisava muita paz para continuar esperando o retorno de seuquerido Arnaldo.

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