baia da traição, terra indígena potiguara. · principal da mitologia apapocuva, criou o mundo e...

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Figura 1: Cachique Potiguara Baia da Traição, Terra Indígena Potiguara. Origem do grupo Tupi-Guarani Segundo uma lenda muito antiga, Tupi e Guarani eram dois irmãos que, viajando sobre o mar, chegaram ao Brasil e com seus filhos povoaram o nosso território; mas um papagaio falador fez nascer a discórdia entre as mulheres dos dois irmãos, donde surgiram a desavença e a separação, ficando Tupi na terra, enquanto Guarani e sua família emigraram para a região do Prata. No entanto, a pesquisa científica afirma que o grupo Tupi-Guarani é originário da região hoje chamada de Rondônia, donde o ramo Guarani emigrou para o sul, penetrando no Paraguai, enquanto o ramo Tupi penetrava no Brasil, estendendo-se por todo o seu litoral, desde o Rio Grande do Sul até o atual território do Amapá.

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Figura 1: Cachique Potiguara

Baia da Traição, Terra Indígena

Potiguara.

Origem do grupo Tupi-Guarani

Segundo uma lenda muito antiga, Tupi e Guarani eram dois irmãos que, viajando sobre o mar, chegaram ao Brasil e com seus filhos

povoaram o nosso território; mas um papagaio falador fez nascer a discórdia entre as mulheres dos dois irmãos, donde surgiram a

desavença e a separação, ficando Tupi na terra, enquanto Guarani e sua família emigraram para a região do Prata.

No entanto, a pesquisa científica afirma que o grupo Tupi-Guarani é originário da região hoje chamada de Rondônia, donde o ramo

Guarani emigrou para o sul, penetrando no Paraguai, enquanto o ramo Tupi penetrava no Brasil, estendendo-se por todo o seu litoral,

desde o Rio Grande do Sul até o atual território do Amapá.

Esta notável movimentação dos Tupi-Guarani prende-se à busca de

uma espécie de Paraíso, onde os homens poderiam refugiar-se quando chegasse o fim do mundo, e que estaria colocado na direção

leste, além do grande mar (Atlântico). Por isso, cada vez que a

situação se tornava calamitosa, os Tupi, sob o comando de um pajé ou de um profeta, empreendiam a longa caminhada em busca da

"terra-sem-mal". O Mito, recolhido entre os Apapocuva, guaranis originários do Mato Grosso mas estabelecidos no Estado de São

Paulo, diz o seguinte: Nyanderuvusu, "nosso pai grande", ser principal da mitologia apapocuva, criou o mundo e a primeira mulher,

Nyandesy, "nossa mãe", que concebeu dois gêmeos, mas foi devorada por uma onça, que respeitou as duas crianças, Nanderykey

e Tyvyry, identificados com o sol e a lua. Nyandesy sobrevive na "terra-sem-mal", onde os homens vivem eternamente felizes. Pode-

se pensar em uma influência da escatologia cristã, mas o mito motivou já antes da vinda dos portugueses as grandes emigrações do

grupo Tupi-Guarani.

Como se vê neste mito, a concepção de um Ser Supremo não é muito

clara, mas muitos outros mitos falam de um formador do mundo (da terra, do sol, da lua, dos homens, dos animais...) e fundador dos

costumes humanos, de modo que não se pode duvidar da crença geral em um monoteísmo implícito. Muitas vezes o Ser Supremo dá

existência, diretamente ou por meio de uma "Grande Mãe", a dois gêmeos, que assumem as funções de "heróis civili- zadores",

identificados, como vimos acima, com o sol, a lua. Aliás, o solarização (fenômeno da identificação do Ser Supremo com o sol) é uma

constante em toda a mitologia dos indígenas brasileiros.

Entre os Mundurucu, tupis do Tapajós, Caro Sacaibu é um deus

criador onisciente e herói civilizador, pois ensinou aos homens a caça e a agricultura. Maltratado pelos mundurucu retirou-se ao mais alto

do céu, onde se confunde com a cerração. No fim do mundo, queimará os homens no fogo. Mas é benévolo e atende as preces dos

que a ele recorrem (antes da caça, da pesca, nas doenças). Castiga os maus e acolhe benignamente os bons.

Entre os Tupinambás (Estado da Bahia), Monan é um Ser Superior que criou o céu, a terra, os pássaros, os animais. Mas os homens

mostraram-se maus e, por isso, Monan enviou Tatá (Tatá-manha = Mãe-Fogo) que consumiu tudo. Só se salvou Irin-Magé, que Monan

tinha levado ao céu, e que se tornou o "herói civilizador" da nova

geração de homens, com o nome de Maire-Monan, do qual descende Sumé, o grande pajé, que gerou os dois gêmeos Tamendonaré

(Tamandaré) e Aricute, que se odiavam de morte, donde a constante rivalidade entre as duas tribos que deles descendem, Tupinambá e

Tomimi.

Segundo Couto de Magaiháes (O Selvagem, 1874), os Tupi faziam

descender de um Ser Superior antigo as três grandes divindades: Guaraci, o sol; Jaci, a lua; e Ruda, o amor. Guaraci criou os homens e

dominava sobre as seguintes entidades sobrenaturais:

Guairapuru,protetor dos pássaros; Anhangá protetor da caça dos campos; Caapora, protetor da caça da floresta. Jaci criou os vegetais

e dominava sobre as seguintes entidades sobrenaturais: Saci Cererê, espírito zombeteiro; Mboitatá, a serpente de fogo; Urutau, pássaro de

mau agouro; Curupira, guardião da floresta. De Ruda, guerreiro que reside nas nuvens, dependem Cairê, a lua cheia, e Catiti, a lua nova.

Infelizmente, os sábios deram em geral mais atenção aos costumes

dramáticos dos indígenas do que aos seus ritos secretos, do que resulta conhecermos muito bem os costumes canibalescos dos Tupi,

mas muito pouco as suas verdadeiras crenças religiosas.

No entanto, uma coisa é certa: Os Tupi-Guarani possuíam na figura

do pajé um elemento religioso de primeira plana, como o xamã dos mongóis siberianos. Estruturalmente, o fenômeno é o mesmo: assim

como o xamã siberiano, o pajé é ao mesmo tempo médico, sacerdote, psiquiatra, pois ele cura, dirige as preces, aconselha,

empregando não só ervas medicinais como também o transe extático, no qual entra em contato com os espíritos em benefício de

seus clientes. Notemos que o pajé não se deixa possuir dos espíritos, como no Candomblé africano, mas, como no xamanismo siberiano,

apossa-se dos espíritos e às vezes sai em busca da alma do enfermo,

que o abandonara, causando-lhe o estado doentio, para fazê-la retornar ao corpo e restituir-lhe a saúde.

Certamente, podemos encontrar entre os pajés a esperteza dos

charlatães e a maldade dos feiticeiros, mas estes elementos são antes deturpações do verdadeiro significado da pajelança, pois esta

tem por intento precípuo ajudar o indígena em suas aflições. Outro elemento típico do xamanismo é a crença na "alma" humana,

como entidade espiritual, a qual não se extingue com a morte corporal, mas, transformando-se em "anguera", empreende uma

longa viagem em busca da "terra-sem-mal".

Afora os ritos de dança, que serviam para comemorar todos os

acontecimentos sociais, como o casamento, a guerra, a morte, o que mais impressionou os antigos autores foi o "canibalismo ritual" dos

Tupi-Guarani. Referimo-lo aqui para esclarecer que não se trata de um fenômeno religioso, como acontece entre os Astecas, mas de um

rito puramente social, muitas vezes ligado ao rito da iniciação dos jovens guerreiros, os quais, sacrificando um prisioneiro, mostravam a

sua maturidade tribal.

Aliás, alguém já sustentou que o canibalismo é um fenômeno

socioeconômico, pois aparece sempre onde falta a caça abundante para suprir o grupo de proteínas. De fato, nas Américas o fenômeno

está mais ou menos restrito aos Astecas, que não dispunham de

grande caça, e aos Tupis, que se estendiam pelo litoral brasileiro.

Nome e língua

Nos documentos históricos e nas descrições quinhentistas e

seiscentistas não há consenso em relação à grafia dos Potiguara. Soares de Sousa e Cardim escrevem potiguares, John Hemming,

potiguar, Loreto Coelho, potiguaras, Duarte Coelho, pitinguaras, Theodoro Sampaio, petinguara. O curioso é que o significado do

nome ora é traduzido por "comedores de camarão", quando se utiliza

a grafia potiguaras, pitiguaras e potiguar; ora como "mascador de fumo", quando se escreve petinguaras. Estevão Pinto em "Os

indígenas do Nordeste" comenta que Antônio Knivet, viajante e cronista inglês, definiu os índios pentiguara a partir da observação de

uma prática cotidiana na qual eles portavam uma folha de fumo entre o lábio e os dentes; do furo existente no lábio descia a saliva, daí a

denominação “mascador de fumo”. Independente dessas variações, o grupo se autodenomina Potiguara, remetendo ao significado de

"comedores de camarão" e índios de Acajutibiró e de São Miguel.

Figura 2: Frutos do cajù

Os Potiguara fazem parte dos povos da família linguística Tupi-

Guarani, mas hoje falam somente o português, como ocorre entre a grande maioria dos grupos indígenas da região Nordeste, com

exceção dos Fulni-ô de Pernambuco.

Localização e população

Os Potiguara tinham em 2004 uma população estimada em 10.837

habitantes (Funasa), distribuída em 32 aldeias nos municípios de Baía da Traição, Marcação e Rio Tinto e nas áreas urbanas de Baía da

Traição (1.058 pessoas) e de Marcação (648).

As aldeias constituiam três Terras Indígenas (TI) contíguas: Potiguara, Jacaré de São Domingos e Potiguara Monte-Mor. Em 2005,

iniciou-se o processo de identificação de uma outra terra denominada Mundo Novo/Viração.

A formação dos três municípios paraibanos onde os Potiguara se

localizam - Baía da Traição, Marcação e Rio Tinto - guarda uma

estreita relação com a constituição dos aldeamentos missionários de São Miguel de Baía da Traição e Monte-Mór, sendo este último

originado da destruição do aldeamento de Mamanguape. O grupo passou a constituir as aldeias de Baía da Traição e da Preguiça no

município de Mamanguape assistidos pelos missionários do Carmo da Reforma.

Figura 3: Igreja de São Miguel

Assim, a localização dos Potiguara nas faixas de terras acima

mencionadas guarda uma estreita relação com os processos históricos dos séculos XVIII e XIX, os quais marcaram a conquista

definitiva do território potiguara pelos portugueses.

Na segunda metade do século XVIII, a situação das aldeias

missionárias vai ser modificada pelo diretório pombalino que determina a expulsão das ordens missionárias e a elevação das

aldeias à categoria de vilas de índios. O aldeamento de São Miguel de

Baía da Traição passou a ser chamado de Vila de São Miguel da Baía da Traição e o aldeamento de Preguiça, Vila Nossa Senhora dos

Prazeres de Monte-Mór.

Assim, os Potiguara ocupam dois extremos opostos da história política local. De um lado, os Potiguara de Baía da Traição que

tiveram sua presença oficializada na década de 1930 do século XX, sendo marcados pela política indigenista nacional. De outro, os

Potiguara de Monte-Mór, que foram reconhecidos apenas no início do século XXI, mas que ainda sofrem perseguições e violências dos

invasores.

Historia

A história do contato dos Potiguara com os brancos remonta as às primeiras tentativas européias (portuguesas, francesas e holandesas)

de colonização e de comércio com a América do Sul. A condição de autoctonia do grupo (sua identidade étnica) é exposta no extenso e

variado material contido nas crônicas de viagem e correspondências entre religiosos. Os quinhentistas e seiscentistas escreveram de

posições bastante distintas, como é, por exemplo, o jesuíta Anchieta, o huguenote Léry, o colono português e escravizador de índios

Gabriel Soares de Sousa, assim como o artilheiro e prisioneiro dos Tupinambás Hans Staden, dentre outros.

Do ponto de vista dos cronistas e viajantes, os Potiguara não apenas

se enquadravam na categoria “gentios bravos”, justificando-se assim a necessidade de “amansá-los”, como foram se constituindo, ao longo

das tentativas de colonização da região, entraves à exploração

portuguesa.

O cotidiano da capitania de Itamaracá (Paraíba) era tomado pelo embate com os “gentios”, associados dos franceses, cuja cultura

tinha na honra guerreira o seu valor fundamental, para a qual a antropofagia era um dos momentos de maior importância na esfera

ritual. O resultado é que a aliança do espírito guerreiro indígena com o interesse mercantil francês impediu o sucesso das expedições de

conquista e ocupação de tais capitanias por seus donatários.

Para se ter uma idéia do papel preponderante dos guerreiros

indígenas, as tentativas de conquistar a Paraíba foram durante todo o séc.ulo XVI fracassadas pela determinação dos Potiguara na defesa

do seu território. A aliança com os franceses foi decisiva no ano de

1586, quando sete navios franceses aportaram na Baía da Traição com pessoas e munição para se juntarem aos índios e lutarem contra

os portugueses que se aliaram com os Tabajara, inimigos tradicionais dos Potiguara. Foram destruídas três aldeias Potiguara na Serra da

Copaoba, mas os Potiguara resistiram e saíram vitoriosos.

Entretanto, no final da década de 80 do séc.ulo XVI, os Potiguara cercaram a cidade de N.Sra. das Neves (atual João Pessoa), enquanto

as aldeias desses índios em Baía da Traição eram destruídas pelos portugueses e aliados, sendo motivo da rendição dos Potiguara e/ou

da fuga de alguns para a Capitania do Rio Grande. Em 1599, os Potiguara fizeram as pazes com os portugueses, depois de terem

perdido o apoio dos franceses, derrotado em 1597, e após uma epidemia de varíola ter dizimado a sua população.

A subjugação dos Potiguara se deu pela mediação de Ilha Grande, índio aprisionado pelos portugueses que dispunha de forte influência

junto aos índios por sua posição de xamã. Ilha Grande foi libertado e instruído para induzir os índios à paz. O temido e respeitado xamã

convenceu os chefes Potiguara do interesse e da necessidade em cessar as hostilidades contra os portugueses.

Figura 4: Forte portugues

Após longos e sangrentos conflitos envolvendo os Potiguara e os invasores portugueses, a região compreendida entre os Estados de

Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará foram. Mas a paz duraria até a chegada dos holandeses e sua aliança com os Potiguara,

que com “eles contratarão (...) casando com suas filhas.

Após a pacificação e o aldeamento dos Potiguara da Paraíba, no início do séc. XVII, não se encontram registros escritos do grupo. Somente

no século. XX os Potiguara “reaparecem”.

As Terras e a Coroa

Um fato significativo no séc.ulo XIX refere-se à vinda da família real

para o Brasil em 1808. Trata-se de um evento que repercutiu na tradição oral dos índios do Nordeste, em especial dos Potiguara,

configurando a possibilidade de os índios garantirem certos direitos sobre suas terras. Em nome do rei, a quem deviam mostrar

fidelidade, foram feitas guerras de conquista e os índios foram aldeados. Enfim, em nome da Coroa lhes fora dado o direito sobre

pedaços de terra, cujos títulos eram assinados pelo rei. Se antes os pedidos e reclamações eram feitos pelos missionários,

com a vinda do rei para o Brasil, as distâncias entre os poderes

centrais e o local se estreitaram. Os índios não mais recorriam aos missionários. Eles passaram a assinar petições dirigidas ao imperador

pedindo a sua paternal proteção. O reinado de D. Pedro II constituiu um marco no imaginário dos índios. Atribui-se a ele a figura de

doador das sesmarias de São Miguel de Baía da Traição e de Monte-Mór. Na verdade, o imperador confirmou as terras às aldeias,

anteriormente constituídas pelas missões jesuítas e carmelitas.

A situação vivida pelo grupo resultou da ação de políticas indigenistas que procuravam deslegitimar a posse e o direito tradicionais dos

grupos autóctones. Desde o Regulamento das missões de 1845 já se tem sistematizado juridicamente a meta do aldeamento como meio

de promover a transição para a assimilação completa dos índios. Muito antes deste regulamento, mais precisamente na época da

política pombalina do séc.ulo XVII incentivou-se os casamentos inter-

raciais e outras formas de integração pretendendo liquidar as terras das aldeias.

Assim, processou-se uma política que visava, em grande medida,

descaracterizar o direito dos índios. Dentre as iniciativas, o Governo Imperial enviou engenheiros às províncias que haviam manifestado o

pedido de divisão das terras de aldeamentos sob a alegação de que nestes lugares não existiam índios, com a finalidade de lotear as

supostas terras devolutas.

Em 1865, foi enviado à Paraíba o engenheiro Gonçalves Justa Araújo

para proceder à demarcação das terras dos Potiguara. Tal demarcação tomaria por base os marcos de pedra estabelecidos na

época da doação de terras por D. Pedro II. A demarcação da terra começou pelo aldeamento de Monte-Mór. A terra foi dividida em lotes

individuais, doados às famílias que ali residiam não levando em

consideração os critérios culturais de posse coletiva e contribuindo decisivamente para a desagregação do grupo. Isto aconteceu devido

principalmente ao fato de que grande parte dos títulos foi perdida

com o tempo, e aos poucos passou para domínio de terceiros. Muitos títulos foram parar na mão do grupo Lundgren, proprietário da

Companhia de Tecidos Rio Tinto, filial da Companhia de Tecidos Paulista do Estado de Pernambuco, conhecido nacionalmente pela

rede de lojas “Casas Pernambucanas”, dificultando ainda mais a efetivação da posse da terra pelos índios. Não houve, porém, o

loteamento das terras da antiga sesmaria de Baía da Traição, por razões que a própria historiografia desconhece.

Ao lado do “esquecimento” ou da “ausência” de registros históricos sobre os Potiguara e seu aparecimento causal no séc.ulo XIX, assistimos no início do séc. XX, o reforço das investidas dos Governos estaduais para deslegitimar

os aldeamentos na sua jurisdição.

Em 1919, o governo da Paraíba colocou à venda as terras dos índios Potiguara, utilizando-se do dispositivo legal da Lei de Terras de 1850 e do

disposto sobre os aldeamentos que mandava “incorporar aos Próprios Nacionais as terras dos índios, que já não vivem aldeados, mas sim confundidos com a massa de população civilizada” (DANTAS; SAMPAIO;

CARVALHO, 1992 p. 452).

Em um manifesto dos índios Potiguara no ano de 1984, publicado nos Cadernos Paraibanos de Antropologia (número 2 de 1986, p.74), e também segundo os relatos de alguns índios, a venda das terras não se concretizou

graças à intervenção de José Campêlo Galvão. Tal intervenção não só impediu a venda das terras indígenas como tornou visível ao órgão tutor (o

então Serviço de Proteção ao IÍndio - SPI) a existência de índios na Paraíba. Entretanto, há uma certa contradição na afirmação nativa, naquilo que escreve Amorim (1970, p. 41); segundo ele, “um certo Campelo, homem de

grande prestígio político, residente em Mamanguape, pressionava os índios providenciando sua prisão, negociando em seguida a liberdade em troca do

título da terra”. Azevedo (1986, p. 236), citando também esse trecho, afirma que Campêlo teria se “apropriado” de 30 títulos, sendo vendidos posteriormente aos Lundgren. A própria companhia também usava de tal

artifício para conseguir os títulos de terras dos índios.

Em dois momentos o SPI enviou dois funcionários com o intuito de comprovar a existência de índios na Paraíba. Em ambos há uma preocupação direta com a maneira pela qual o contato com a “civilização”

influenciou o seu modo de vida.

Um dos pontos mais enfatizados diz respeito às perdas advindas do contato e à incorporação de costumes da “civilização ocidental”. Menciona-se a perda da língua original, o fato dos índios freqüentarem as vilas e cidades,

terem suas residências semelhantes às dos vizinhos sertanejos e

participarem nas intrigas da vizinhança, construírem casas como os

regionais e serem consumidores de produtos não indígenas.

Na visão dos relatores, os Potiguara, mesmo se autodenominado índios, não exibiam traços característicos que demarcavam a sua indianidade, na medida em que não possuíam traços fisionômicos distintivos, índole,

costumes, idioma, enfim, traços que o identificassem aos antepassados “puros”. O último deles chega, inclusive, a propor que o SPI deveria atuar

na área não no sentido de beneficiar os índios, mas sim os trabalhadores nacionais, uma vez que naquelas comunidades inexistiam índios legítimos.

Na década de 1930 foi fundado um posto indígena para “assistir” o grupo indígena Potiguara na Paraíba. Denominado de Nísia Brasileira, o referido

posto foi instalado na aldeia São Francisco, sendo posteriormente transferido para a aldeia do Forte, com vista esplêndida para o mar. Em 1967, com o fim do SPI e criação da Funai, o Posto Indígena (PI) Nísia

Brasileira passou a ser chamado de PI Potiguara; hoje é PIN Potiguara.

Pode-se depreender, portanto, que o entendimento da história dos Potiguara está intimamente relacionada, de um lado às imposições do

processo de aldeamento, de outro às relações construídas no contato com o “outro” e balizadas pelo vínculo com a terra e com a Baía da Traição. Nesta direção, o destino dos Potiguara esteve conectado ao destino dos

aldeamentos, cujo processo de constituição da identidade específica esteve também ligado à cidade de Baía da Traição e a iminência de perda do

território.

A luta pela demarcação do território

Os conflitos entre os Potiguara e os invasores são evocados recorrentemente na memória do grupo e mencionados nos documentos oficiais (relatórios, ações judiciais, liminares, cartas do

órgão indigenista) e em cartas escritas pelos próprios indígenas dirigidas ao órgão indigenista e outras instituições, tais como a

Procuradoria da República, a Universidade Federal da Paraíba, bem como aos meios de comunicação.

Figura 5: Indios Potiguara, evento ritual

A luta pela posse do território tradicional remonta a própria

colonização, como já frisamos. Após séculos de anonimato pela

historiografia, os Potiguara reaparecem imersos numa delicada situação envolvendo a disputa pelo território. Tentando dirimir os

conflitos entre índios e brancos, o então Imperador D. Pedro II propôs o loteamento dos aldeamentos; cada família indígena

receberia um lote particular, não levando em consideração os critérios culturais de posse coletiva, contribuindo decisivamente para

a desagregação do grupo. Como já mencionamos, apenas a sesmaria de Monte-Mór teve seu território loteado.

Aliado a isso, a instalação da Companhia de Tecidos Rio Tinto agudizava ainda mais a situação fundiária conflituosa na área, na

medida em que as terras indígenas se tornaram alvo das investidas para as atividades de corte de madeira para a construção da fábrica e

de lenha para alimentar as máquinas. A ocupação de grande parte das terras significou a expulsão dos índios. Quando da resistência de

algumas famílias, as casas eram destruídas pelos funcionários da empresa; relata-se que os ataques eram sempre realizados à noite

para não haver possibilidade de fuga; muitos homens não se

aproximavam da família temendo serem surpreendidos. Aconteceram também migrações para outras aldeias da área.

Se de um lado a invasão se fez via o interesse têxtil da Cia. de

Tecidos, por outro, a área foi alvo dos interesses da indústria açucareira. Algumas usinas, tais como AGICAM, Japungu e Miriri se

instalaram na terra indígena.

Na década de 1970, dois fatos aprofundaram os conflitos pela posse territorial. O desmembramento administrativo e territorial do então

distrito de Baía da Traição da cidade de Rio Tinto, significando a

necessidade de garantir uma faixa de terras para assegurar a

instalação do município e, por conseguinte, o desenvolvimento do perímetro urbano, o que implicou numa corrida imobiliária acentuada,

haja vista a região ter despontado como lugar turístico.

O outro fato refere-se a à instalação da Agroindústria Camaratuba

(AGICAM) sob o aval da Funai em 1978. O fato de a Funai ter autorizado tal instalação revelou o descaso que o órgão tinha com a

legitimação da posse indígena, bem como estimulando a expansão dos canaviais e o aumento de invasores.

Ao sentir as ameaças sob a posse, os índios deflagraram um processo

de mobilização a fim de garantir a efetivação da posse e a demarcação do território. Iniciou-se, então, o chamado processo de

autodemarcação, com a solicitação do grupo ao reitor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) de “aparelhos” para a

realização da demarcação da área, sob a alegação de que as negociações entre Funai e os invasores não terem surtido efeito

positivo, tendo em vista o próprio órgão estimular as invasões. A

solicitação foi atendida, mas a demarcação foi frustrada pela Funai, pelo fato dela não ter sido consultada.

Em 1979, é firmado o convênio entre Funai e UFPB iniciando as

medições e demarcações pela linha norte. Uma liminar foi impetrada pelo Juiz Federal da Paraíba, atendendo pedido de manutenção de

posse de invasores que ocupavam faixas de terra no limite norte do território, paralisando a demarcação.

O Governo do Estado da Paraíba, pressionado pelo poder econômico

local (usineiros, fazendeiros) favoreceu a implantação de um projeto denominado Projeto Integrado Potiguara. A intenção era desvirtuar as

reivindicações do grupo, procurando ganhar a credibilidade dos fazendeiros, uma vez que se buscou desmobilizar o grupo pelo fato

do projeto não abranger todas as aldeias gerando conflitos de

interesses internos. Azevedo (1986, p. 176) lança a hipótese de que os índios não contemplados, talvez, liberassem suas terras, atraídos

pelos 300 milhões investidos a fundo perdidos, também atraídos pela possibilidade de adquirir uma “casinha nova”. Por outro lado,

procurou questionar a atuação da Igreja Católica na área, a qual seria, na visão de alguns índios e do órgão indigenista, os

responsáveis pelos conflitos. Sob a liderança de Severino Fernandes, então cacique da aldeia São

Francisco, os índios, sobretudo, os da aldeia São Francisco, decidem tomar frente na demarcação. São abertas picadas e, por conseguinte,

são localizados os marcos referentes aos limites da área, postos na época da doação feita pelo Imperador. Em setembro de 1982 a área

foi demarcada com aproximadamente 34320ha.

Paralelo às ações do grupo, o órgão indigenista encarregou a historiadora Thereza Baumann para a realização de um levantamento histórico acerca da ocupação territorial Potiguara em Baía da Traição e Rio Tinto. O relatório confirmou o direito indígena, ultrapassando as expectativas da Funai.

Figura 6: Igreja Matriz de Rio Tinto

O relatório é apresentado à Funai, mas o chefe do Setor de Regularização Fundiária da Funai Ismael Falcão questionou o reconhecimento da imemorialidade da ocupação indígena, refutando a identidade étnica do grupo. Essa posição não é compartilhada pelo Procurador Geral da Funai, Afonso Augusto de Morais, o qual propõe a constituição de um Grupo de Trabalho (GT). O GT produziu um relatório propondo a demarcação da área segundo os limites da antiga sesmaria, os quais estão reavivados pela autodemarcação realizado pelo grupo, obedecendo aos antigos marcos deixados por Antonio da Justa, abrangendo cerca de 34320ha. O GTI (Grupo de Trabalho Interministerial) passou a apreciar a proposta do relatório. No curso de três reuniões, outras duas propostas foram enviadas para apreciação: a primeira constando 30900ha, excluindo a faixa de terra além da BR-101, incluída na proposta do relatório do GT; a segunda apresentava 27700ha excluindo o Projeto Rio Tinto e a cidade de Baía da Traição.

Cachique Severino Fernandes

Em 1983, um novo GT é formado para realizar levantamento

fundiário das benfeitorias, o que gerou inúmeros conflitos na área entre índios e posseiros. Tirou-se uma nova proposta de delimitação

com superfície aproximada de 20820ha excluindo as aldeias

Grupiúna, Jacaré de Cima e Jacaré de São Domingos, ficando excluída, assim, toda a área da antiga sesmaria de Monte-Mór ou

Preguiça. Apenas em 1991, a área demarcada é homologada com 21238ha.

Diante da exclusão das terras pertencentes a antiga sesmaria de Monte-Mór por razões ideológicas precisas, dentre elas, o loteamento

e a apropriação dos títulos pela Cia. de Tecidos, bem como a invasão das terras pelas usinas Miriri e Japungu especificamente, a área da

antiga sesmaria passou a ter uma inserção distinta no campo da luta pelo reconhecimento público do território tradicional.

Sob pressão das usinas de açúcar, em especial da usina Miriri, as

aldeias Jacaré de São Domingos, Jacaré de Cima e Grupiúna se mobilizaram no sentido de reivindicar o reconhecimento do território

tradicional, haja vista o fato da referida usina estar utilizando faixas

de terras próximas às aldeias, transformando-as em áreas de cana, empurrando os Potiguara a exercerem a desenvolverem atividades

econômicas de subsistência em áreas restritas; os melhores lugares para lavoura são ocupados pelas plantações de cana, restringindo a

agricultura indígena às grotas e lugares acidentados.

Em 1984, uma portaria da FUNAI designava servidores para o envio de propostas a respeito das aldeias excluídas da demarcação. No ano

de 1988, a antropóloga Vânia Fialho apresentou um relatório apresentando 4500ha a serem demarcados como de direito dos índios

de Jacaré de São Domingos. Mesmo com a apresentação do relatório a situação na área permaneceu tensa; dois fatos significativos

demonstram o nível de tensão envolvendo índios e usina: a prisão do cacique Domingos Barbosa e a morte por emboscada de quatro índios

a mando do administrador da usina Miriri. Inconformados com a

situação, os índios acamparam na sede da Funai em João Pessoa por três. Somente em 1993, a Terra Indígena Potiguara de Jacaré de São

Domingos é homologada com uma área de 5023ha.

Por razões difíceis de serem elencadas, novamente outras aldeias foram excluídas da demarcação, como é o caso de Jaraguá, Vila

Monte-Mór, Vila Regina e a cidade de Marcação (sede do município de mesmo nome, a partir de 29/04/94).

Os estudos de identificação desta terra indígena foram realizados pela primeira vez em 1995, coordenados pela antropóloga da Funai, Maria

de Fátima Campelo Brito. A T. I. Potiguara de Monte-Mor foi definida com 5.300 ha, nos quais estão incluídas as seguintes comunidades

indígenas: Jaraguá, Lagoa Grande e Brasília; e a Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres na Vila de Monte-Mór.

A proposta foi negada pelo ministro Renan Calheiros, em 14/07/1999. O Despacho Ministerial decidiu acatar os argumentos

contidos nos quatro memoriais encaminhados pelos contestantes.

Neste sentido, emitiu parecer desaprovando a identificação e a delimitação da dita Terra Indígena, na forma proposta pelo relatório

da Funai. Determinou, ainda, o retorno dos autos à Funai, para proceder novos estudos, com vistas as identificação e delimitação da

área, excluindo as terras particulares de propriedade de Rio Vermelho Agropastoril Mercantil S.A., Luismar Melo, Emílio Celso Cavalcanti de

Morais, Paulo Fernando Cavalcanti de Morais e Espólio de Arthur Herman Lundgren.

Em maio de 1999, os Potiguara de Jaraguá realizaram a autodemarcação da terra indígena. No mês de agosto, os índios de

Monte-Mór recorreram ao Ministério Público, através da Procuradoria da República na Paraíba, impetrando uma Ação Ordinária, com pedido

de antecipação de tutela, contra a União e os contestantes.

O despacho ministerial acima referido foi refutado e a Funai foi

intimada a providenciar novos estudos de identificação sem excluir as áreas reivindicadas pelos contestantes. Em janeiro de 2000, o

Presidente da Funai, Carlos Frederico Marés de Souza Filho, determina o deslocamento do antropólogo Sidnei Clemente Peres, da

Universidade Federal Fluminense (UFF), aos municípios de Rio Tinto, Marcação e Baía da Traição/PB, para realizar os estudos e

levantamentos de campo.

Em uma reunião realizada em março de 2000, os índios decidiram modificar os limites da zona urbana estabelecidos na proposta do GT

coordenado pela antropóloga Maria de Fátima Campelo Brito em setembro de 1995 - da cidade de Marcação. A área que tinha sido

reservada para futura expansão da cidade de Marcação ficando de fora da terra indígena identificada para não dificultar a aprovação

daquela proposta, foi reincorporada à Terra Indígena.

Neste mesmo ano, o antropólogo Sidnei Peres encaminhou relatório ao Departamento de Estudos de Identificação e Delimitação da

Fundação Nacional do Índio (DEID/Funai) mantendo a decisão dos índios. A antropóloga da Funai, Eliane da Silva Souza Pequeno, emitiu

um parecer propondo a formação de um novo Grupo de Trabalho para realizar com precisão a localização e identificação das áreas de

interesse dos índios. Em janeiro de 2001, foram nomeados os integrantes do GT para

realizar o levantamento fundiário da área. Em fevereiro de 2002, o antropólogo Sidnei Peres enviou novamente o relatório antropológico

ao DEID, incorporando alguns dados relevantes dos levantamentos fundiário e ambiental.

Enfim, o processo de identificação se arrastou por mais de dez anos

em virtude dos entraves burocráticos e os interesses políticos que

dificultaram o atendimento das demandas territoriais de várias famílias Potiguara.

Embora sem uma solução definitiva para a não demarcação do território, os índios não cessaram a mobilização. No dia 4 de

setembro de 2003, cerca de 450 famílias da aldeia Monte-Mór acamparam numa área de aproximadamente 50ha, ocupada pela

Usina Japungú no município de Marcação.

A retomada aconteceu após uma tentativa dos usineiros de destruir as plantações dos índios. As famílias decidiram permanecer na área

após reunião, que aconteceu no dia 9 de setembro na sede do Ministério Público Federal em João Pessoa quando o dono da usina se

recusou a ceder os 50 ha pleiteados pelos índios para que pudessem construir casas e plantar. Desta retomada foi formada a aldeia Três

Rios que se localiza as margens da rodovia PB-041.

Os índios e entidades de defesa dos direitos humanos da Paraíba

denunciaram em documento enviado ao Subsecretário de Estado de Direitos Humanos, Perly Cipriano, que os Potiguara acampados em

barracas foram surpreendidos, na madrugada do dia 9, com uma saraivada de tiros disparados por cerca de cinco homens fortemente

armados. Os índios são unânimes em afirmar que os homens eram capangas da usina.

Em busca de solução, os Potiguara foram a Brasília participar de audiência com o Ministério Público Federal, Funai, Ministério da

Justiça e parlamentares em busca de alternativas para a regularização fundiária de suas terras.

O Ministério Público Federal entrou com agravo de instrumento contra decisão da 3ª Vara da Justiça Federal que ordenou a desocupação de

área invadida pelos indígenas em agosto de 2003. As terras encontram-se inseridas nas áreas indígenas (não demarcadas) de

Monte-Mor e Vila Regina, e eram empregadas pela Destilaria Miriri e

outros no plantio de cana.

Após a ordem de desocupação, os índios ocuparam no dia 17 de maio de 2003, a sede da Fundação Nacional do Índio (Funai), em João

Pessoa; a intenção era pressionar o órgao indigenista para a publicação no Diário Oficial da União do estudo antropológico da

região onde vivem. No dia 19 de maio, o relatório dos estudos de identificação da Terra Indígena Potiguara de Monte-Mor foi publicado.

Todavia, a Destilaria Miriri S/A entrou com ação de reintegração de

posse, conseguindo liminar em 1º grau, ocasionando a reintegração nas terras invadidas, em especial nas faixas de terras onde se localiza

a aldeia Três Rios, a antiga Fazenda Rio Claro. Em outro caso, a Destilaria Miriri S/A também conseguiu sucesso e

teve de volta a propriedade Arrepia, conhecida como Rafaela, com

liminar deferida pela 3ª Vara Federal da Seção Judiciária da Paraíba. A Funai entrou com recurso para suspender as decisões, o que foi

negado pelo Tribunal Regional Federal de Recife-PE.

No intuito de dirimir o impacto da decisão judicial, a Procuradoria da

República firmou um Termo de Compromisso e Ajustamento de Conduta entre os índios e os usineiros, para o estabelecimento de

procedimentos a serem adotados nas áreas das Fazendas Rafaela e Rio Claro; nele o uso das terras aos índios é concedido por medida de

mera liberalidade, não reconhecendo posse, propriedade, ou quaisquer direitos inerentes às terras, ficando ainda obrigados a

desocupar algumas faixas de terra, bem como as áreas destinadas à carcinicultura, e outras faixas que após a desocupação das lavouras

ali existentes, passará a ser ocupado por cana de açúcar e/ou, qualquer outra cultura a ser implementada pelos usineiros.

O herdeiros de Arthur Lundgren e a Rio Vermelho Agropastoril

Mercantil S/A entraram com recurso especial extraordinário, se

opondo a identificação e a demarcação da Terra Indígena publicado no Diário Oficial da União. O recurso foi encaminhado ao STF, que

depois de analisá-lo, entendeu que não era de sua competência, encaminhando ao STJ. Até o momento o relator do processo não se

pronunciou.

Em 1994, as empresas Rio Vermelho Agropastoril Mercantil S/A, Destilaria Miriri S/A e Usina Central Nossa Senhora de Lourdes S/A

impetraram mandado de segurança contra a portaria do ministro da Justiça que, em 01/06/92, demarcou a Área Jacaré de São Domingos,

dos Potiguara, na Paraíba. A alegação foi de que, em primeiro lugar, o decreto homologatório atinge área maior que a prevista na portaria

ministerial de demarcação, em segundo, que a área é de domínio secular da Rio Vermelho Agropastorial e outros, e por fim, que existe

ação anulatória de demarcação em tramitação. A liminar foi

indeferida pelo STF, mas as referidas empresas impetraram agravo regimental, o que também foi indeferida. Em 18 de outubro de 1994,

as empresas voltaram a peticionar, insistindo na necessidade de conceder-se a medida acauteladora, o que foi deferido, sendo o

processo encaminhado à Procuradoria Geral da República; o Ministério Público, em 14 de novembro de 1994, protocolou agravo

contra o deferimento da liminar. Novamente o processo foi enviado à Procuradoria Geral da República, que subscreveu o agravo. Houve

nova remessa do processo ao Ministério Público, visando colher a manifestação quanto ao tema, retornando sem o parecer. O agravo

foi negado.

As empresas reapresentaram o mandado de segurança. O relator Ministro Carlos Velloso concedeu parcialmente a segurança para

suspender a eficácia do decreto publicado no Diário Oficial da União

de 04 de outubro de 1993. Após os votos dos Ministros Carlos Velloso (Relator) e Cezar Peluso, que concediam, em parte, a segurança para

sustar os efeitos do decreto homologatório, e dos votos dos Ministros

Joaquim Barbosa, Eros Grau, Carlos Britto, Nelson Jobim (Presidente) e Sepúlveda Pertence, denegando a segurança, o Ministro Gilmar

Mendes pediu vista dos autos. O julgamento ocorreu em 2007, no qual o STF negou o provimento da ação, confirmando então a

homologação da Terra Indígena Jacaré de São Domingos.

Quanto as terras de Monte-Mór, no ano de 2006 as mobilizações indígenas persistiram para que o STJ acatasse o recurso do Ministério

Público Federal contra decisão do Tribunal Regional Federal da 5ª Região – em Recife – na qual dava provimento as ações contrárias

aos índios, ratificando o despacho do então ministro da justiça Renan Calheiros.

No dia 19 de março de 2006 , cerca de 50 famílias, o que equivale a aproximadamente 150 pessoas residentes na aldeia Monte-Mór

ocuparam algumas faixas de terras em parte da Fazenda Rafaela no

município de Rio Tinto-PB. A mobilização foi marcada pela limpeza da área para a construção de casas e abertura de roças.

Em novembro de 2006, o STJ anulou o despacho ministerial de julho

de 1999 permitindo a demarcação das terras, restando apenas o Ministério da Justiça emitir portaria declaratória.

O ano de 2007 foi marcado por fortes expectativas em torno da

assinatura da portaria declaratória. Impacientes com o silêncio do Ministério de Justiça, no mês de outubro de 2007, cerca de 400 índios

Potiguara ocuparam a sede da Funai em João Pessoa-PB. A intenção foi pressionar o referido órgão para a conclusão do processo de

demarcação da TI POTIGUARA DE MONTE-MOR. A ocupação, que durou dois dias, foi marcada por algumas reuniões com o

administrador da FUNAI, oportunidade em que foi emitido um

documento à FUNAI de Brasília pedindo agilidade no processo; ao mesmo tempo houve uma articulação com a frente parlamentar

indígena da Assembléia Legislativa, sendo enviado um pedido de apoio para a demarcação da terra de Monte-Mór (vale salientar que a

proposta de criação de uma frente parlamentar foi posta numa audiência pública realizada em junho de 2006, que contou com uma

expressiva participação de índios e de outras organizações governamentais e não-governamentais). Depois da ocupação, as

lideranças receberam documentação enviada pela coordenadora de assuntos fundiários da FUNAI, se comprometendo solucionar a

questão até o mês de novembro do ano em curso.

Sistema produtivo e aldeia

Grande parte das aldeias Potiguara está localizada próxima aos rios, riachos ou córregos, o que possibilita o desenvolvimento de uma

economia doméstica baseada na lavoura, na pesca, na coleta de

crustáceos e moluscos, na criação de animais em pequena escala e no extrativismo vegetal. Nas atividades agrícolas, os moradores das

aldeias utilizam dois tipos de terrenos: os mais elevados, que em geral, são pedregosos com vegetação rasteira, chamados de ariscos,

cujas atividades de cultivo da terra são iniciadas com a chamada coivara, correspondendo ao desmatamento e a limpeza do terreno;

planta-se, entre os meses de dezembro e janeiro, a mandioca, o principal produto da região, e com o início das chuvas em janeiro ou

fevereiro, são feitos também, os plantios de feijão e de milho; depois da coivara, há o aproveitamento da madeira de maior porte para a

construção de casas e para a produção de carvão; os “ariscos” se caracterizam também pelo solo argiloso, o chamado massapê,

potencializando o cultivo da cana-de-açúcar, outro produto agrícola importante na economia da região e fonte de intensos conflitos

envolvendo índios e usineiros da região.

Figura 7: Aldeia Camurupim

Outro tipo de terreno, localizado nas várzeas e campinas, é o chamado paul, cujo solo e a vegetação contrastam com os ariscos,

especialmente pela umidade que possui, uma vez que se localizam as margens de rios ou córregos. Na estação chuvosa (entre os meses de

dezembro e abril), as várzeas ficam demasiadamente molhadas, impedindo o plantio de milho e de feijão. Independente de estar ou

não na estação chuvosa, cultiva-se hortaliças (alface, repolho e coentro) e algumas fruteiras (bananeiras e coqueiros). Na estação

seca (meses de junho a novembro) é comum o plantio de mandioca,

feijão e milho.

Nas proximidades dos cursos de água que recebem influência das

marés são formados os mangues, onde as atividades pesqueiras se

intensificam, atraindo inclusive pessoas de outras aldeias. Nos últimos anos, o curso dos rios está sofrendo algumas intervenções

pelas atividades de criação, em viveiros, de camarões de água doce;

a construção de viveiros de camarão é uma atividade econômica com enorme potencial. Já a pesca marítima é uma prática comum

principalmente entre os moradores das aldeias que ficam próximas a praia.

Figura 8: catador de mariscos, aldeia Coqueirinho

Outro espaço produtivo importante são os terreiros e os sítios. São

áreas localizadas ao redor das casas onde são criados pequenos animais e são cultivadas plantas medicinais, temperos, fruteiras e

ocasionalmente lavouras. Nos sítios, as atividades produtivas se voltam ao cultivo de fruteiras como mangueiras, jaqueiras e

coqueiros, cujos frutos costumam ser comercializados. As atividades de caça e de coleta são realizadas em áreas

denominadas de mato onde não há nem sítios nem roçados. Do mesmo modo que nos mangues, o uso é comum e o aproveitamento

é feito indistintamente por todos; destas áreas os Potiguara utilizam a madeira para lenha, para a fabricação de carvão, da palha para o

artesanato, a caça de pequenos animais e a coleta de mangaba e castanha.

As aldeias

A maioria das residências está alinhada seguindo o princípio do

paralelismo, com exceção das aldeias Bento, Silva da Estrada, Tracoeira, Santa Rita e Cumarú; outras, em menor quantidade, se

aglomeram fora das linhas paralelas onde os fundos de umas são os

pátios fronteiros de outras. No ponto mais central de algumas aldeias, há uma Igreja Católica e à sua frente, um cruzeiro.

Há geralmente uma mercearia, uma escola de ensino básico mantida

pela Prefeitura do Município em convênio com a Funai (as aldeias Santa Rita, Tapuio, Bemfica, Nova Esperança, Carneira e Grupiúna

não possuem escolas, as crianças estudam na aldeia mais próxima), campos de futebol e casa de farinha.

Na residência moram a família conjugal monogâmica, um casal e os

filhos solteiros. Há casos em que na mesma residência mora um outro casal, em se tratando de uma filha casada. Esta é uma situação

recorrente, porém temporária. Em torno da residência do casal-chefe, é comum os filhos levantarem as suas próprias residências. Quando a

esposa mora na aldeia e o seu grupo se reconhece como índio, a

tendência é o rapaz deixar o grupo doméstico do casal-chefe. Em relação às filhas, a residência também depende da posição do

parceiro: se o parceiro é particular (não índio), a tendência é que o casal more ou com o casal-chefe ou construa a sua própria casa

próxima da casa do pai da esposa (sogro); quando o parceiro é ‘do lugar’, isto é, mora na aldeia e é índio, a tendência é a esposa residir

próximo do pai do esposo.

Figura 9: casa Potiguara em barro

Há uma correspondência entre a situação de agrupamento das

residências e a definição do acesso às terras para o cultivo agrícola. Cada família utiliza uma porção de terra comum no arisco e no paúl.

Os roçados e os “sítios” são identificados pelo nome do casal-chefe.

Há uma recorrência na “separação” destas terras do casal-chefe

pelos(as) filhos(as), especialmente quando o casal-chefe utiliza uma

maior porção de terra. A tendência é que os roçados e os “sítios” se mantenham próximos.

Organização social

A divisão mais simples existente entre os Potiguara compreende, de um lado, as pessoas que reconhecem a descendência de um antepassado indígena – os índios –, e as pessoas que não possuem

sangue indígena.

É possível falar em grupos domésticos nas aldeias, na medida em que

a residência do casal-chefe ocupa posição central. Os referidos grupos se definem a partir da família conjugal monogâmica: um casal

e os(as) filhos(as) solteiros(as), sendo ampliada quando os(as) filhos(as) se casam e tem filhos. Em ambas, a situação colocada pela

“casa-focal” se estende para os roçados e “sítios”, ratificando a idéia de que a herança revela a descendência do indivíduo, permitindo a

reprodução do grupo doméstico; a qual se dá na medida em que herdar as benfeitorias significa preservar a terra em toda a sua

integridade.

Na aldeia S. Francisco, os parentes não se articulam necessariamente em torno de uma “casa-focal”. Apesar de haver residências

caracterizando a situação apresentada em outras aldeias, existe uma

certa divisão ou “dispersão” da “casa focal”, decorrente, sobretudo da morte do casal-chefe. Entretanto, a situação de “casa-focal” se aplica

na posse e apropriação da terra: nos “roçados” e nos “sítios”. A exemplo de outras aldeias, também no S. Francisco a terra utilizada

nas atividades agrícolas é comum ou contígua aos siblings e são denominadas pelo nome do chefe do grupo doméstico. Nesta aldeia,

a contigüidade de terrenos ocorre mesmo que um casal tenha herdado posses do pai e da mãe, considerando a recorrência de

ligações matrimoniais entre os maiores grupos domésticos da aldeia. Nos casos em que não há tais ligações, a tendência é existir uma

faixa de terra relativamente separada das demais.

Em relação aos indivíduos que se casaram com “não-índios”, as terras que estes herdaram do pai e da mãe permanecem contíguas às

dos demais membros dos siblings, considerando que o “não-índio”

não herda benfeitorias. Os siblings herdam, obviamente, pela linha que descende de família indígena.

A nomenclatura também segue o princípio de bilateralidade. Contudo,

registrei casos em que os nomes das mulheres não são seguiam

nenhuma linha de descendência; todas tinham “nome de santo”, o

qual era trocado quando ela se casava, passando a incorporar o nome da família do esposo.

Hoje esta regra não é recorrente, tanto o nome do pai quanto o da mãe são transmitidos para os (as) filhos(as). Mas quando o índio

casa-se com uma particular, os(as) filhos(as) recebem apenas o nome do pai, uma vez que o nome da mãe, em alguns casos, é

alterado com o nome da família do marido. No caso de união de um particular com índia, os(as) filhos(as) recebem os nomes de ambos,

sendo que o nome da mulher, em geral, não é alterado. Independente da posição do pai, os(as) filhos(as) incorporam o seu

nome.

Na comunicação quotidiana, os nomes de tratamento para os parentes remetem à posição de parentesco que ocupam: pai, mãe,

tio(a), avô e avó, independente da linha paterna ou materna. Ao invés dos nomes pessoais, os termos de parentesco são usados como

evocativos. Mas há alguns casos em que os (as) netos(as) chamam o

avô de “pai”, sendo ele o homem mais velho do grupo doméstico. Esta situação ocorre quando o pai é particular e a mãe é índia e,

portanto reside próximo a residência do avô materno; quando o pai é índio e a mãe é particular e a residência é próxima do avô paterno; e

quando ambos são índios e mantém, independente de onde residam, uma ligação próxima com o grupo doméstico.

Dentro da categoria parentes, a classe dos primos opera

bilateralmente, não havendo qualquer proscrição quanto ao casamento entre eles. Mas sob o argumento de que a mistura deve

ser evitada para o grupo não perder a sua identidade, o casamento entre primos é visto por grande parte dos moradores do “Sítio” como

desejável. Esta opinião diverge entre alguns moradores do Galego sob o argumento de que ninguém manda na vontade das pessoas em

escolher o seu parceiro.

O termo particular expressa justamente a proximidade do branco.

Esta proximidade acontece efetivamente de duas maneiras: pelo casamento e pela residência. Particular pode ser pensado como um

termo afinizador e afinizado, particularizando a “relação” genérica e negativa que há entre o “nós” e o “outro” (branco). Nestes termos, o

particular é uma alteridade especial quando comparada com o termo e o significado da denominação branco.

Organização política

A atual organização política das aldeias Potiguara guarda uma relação estrita com o “declínio” da liderança tradicional. Existiam os

“regentes”, também chamados de tuxauas, escolhidos pelo grupo

levando em consideração o fato da pessoa “ser do Sítio”, isto é, residir na aldeia S. Francisco e ser reconhecido como “caboclo

legítimo”.

Com a morte de Manuel Santana em 1942, o então Serviço de Proteção ao Índio (SPI) resolveu intervir explicitamente na nomeação

da liderança dos índios. O referido órgão nomeou Daniel Santana, filho de Manuel Santana, para responder como líder dos Potiguara.

Mas esta nomeação e a posterior contratação de Daniel Santana para ocupar um cargo na administração do Posto Indígena em Baía da

Traição, uma espécie de funcionário-cacique, não eliminou a possibilidade dos índios escolherem um outro tuxaua. Por alguns

anos, ao mesmo tempo em que existia um tuxaua nomeado pelo órgão indigenista, havia outro tuxaua escolhido pelos próprios índios.

No ano de 1986 morreu Daniel Santana. Foi nomeado Heleno Santana dos Santos, filho de Daniel para ser não mais tuxaua, mas

“cacique geral”, desvinculado do posto indígena. O fato de ele ser reconhecido como o continuador do trabalho de seu avô e de seu pai

não impediu a escolha de um outro “cacique geral” pelos próprios índios. Essa prática ainda hoje continua, acrescido ainda da existência

de lideranças em grande parte das aldeias, os chamados “cacique da aldeia”. Tais lideranças são nomeadas pelos moradores da aldeia,

ocupando uma posição de mediador entre a aldeia, o órgão tutor e a sociedade envolvente, buscando sempre administrar a localidade ou

outras próximas de modo a evitar a entrada de brancos.

Das 32 aldeias, 26 possuem representantes reconhecidos pelo cacique geral e pelo órgão. Não há critérios claros de uma aldeia

possuir ou não um representante dentre os seus próprios moradores.

A chefia indígena tende a se estabelecer nas aldeias que possuem um número razoavelmente alto de moradores e residências em relação às

suas vizinhas, com exceção das aldeias Bento, que possui nove residências, e Lagoa do Mato, com sete residências.

A escolha do cacique da aldeia ocorre num contexto, cuja marca é o

destaque de um grupo doméstico, que, regra geral, configurou a situação de fundador e de “casa-focal”. A atuação é, em grande

medida, legitimada pelos critérios do pioneirismo no lugar e da “proximidade” com os “caboclos do Sítio”, se referindo aos laços de

sangue e ao apoio dos mesmos no início do exercício da chefia local.

Outro elemento fundamental na constituição das lideranças reside na

participação de cada aldeia na novena de São Miguel. Tal participação se dá, sobretudo, com contribuições para a “noite da aldeia”. Os

chamados noiteiros convidam as famílias e recolhem as ofertas para

o santo.

Até o ano de 1942, as dádivas, depois de recolhidas nas aldeias, eram enviadas para o tuxaua Manuel Santana, que além de receber

as referidas doações, visitava as residências e recolhia ofertas dos moradores da aldeia S. Francisco. Com a morte do tuxaua Manuel

Santana, o tuxaua do S. Francisco restringiu o recolhimento das dádivas aos moradores da sua aldeia. Por sua vez, as pessoas que

recolhiam as ofertas em suas próprias aldeias começaram a participar diretamente das novenas do padroeiro. Os noiteiros passaram a levar

as dádivas recolhidas para o local da festa e a animar a noite dedicada à sua aldeia.

Quando se configurou a situação das aldeias poderem constituir seus

próprios representantes, não somente nos momentos de recolher

dádivas para o santo, mas de representar a aldeia em situações mais amplas, o vínculo com as obrigações nas festas religiosas, e,

portanto, o papel do noiteiro na animação das noites de festa foi outro parâmetro de definição e de escolha do representante local.

Em 2002, a escolha do índio Caboquinho como cacique geral, uma

liderança ligada a Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME) e ao Conselho de Articulação dos

Povos Indígenas no Brasil (CAPOIB), resultou na articulação de lideranças ligadas estreitamente às associações comunitárias e

algumas delas ao movimento indígena regional; com a sua condução foi modificada, dentre outras coisas, a lógica de que o cacique geral

deveria residir na aldeia São Francisco, embora devemos considerar que a família dele é desta aldeia, vindo residir na aldeia Forte no

momento da transferência do posto indígena, já que seu pai era

funcionário do SPI.

Festas populares

Quase todas as aldeias Potiguara possuem uma Igreja e um santo padroeiro. Em algumas delas, a Igreja é construída no centro e as residências são construídas paralelamente. Já em outras a Igreja

encontra-se alinhada com as residências e o lugar onde ela está edificada costuma ser definido como o ponto central da localidade. É

comum a existência de um cruzeiro fincado ao chão em frente à Igreja.

Figura 10: Igreja na aldeia Sao Francisco

A Igreja não é um lugar freqüentado quotidianamente. Geralmente,

as pessoas se dirigem a ela quando há a celebração de missa (uma vez por mês), quando se realiza a festa do padroeiro e no dia de

finados. Nesta última data, as pessoas que não podem ou que não gostam de ir ao cemitério localizado na Vila S. Miguel acendem velas

para os mortos dentro e fora da Igreja e no cruzeiro.

Festejar um santo significa expressar o desejo de proteção, particularmente de suas plantações. Neste sentido, é importante

destacar que as festas religiosas são realizadas dentro do calendário agrícola: plantações e colheita, constituindo-se como ritos de

fertilidade e de fartura.

Durante um período de nove noites antes da festa, as aldeias se mobilizam em torno das homenagens aos santos padroeiros. É um

período de intensa movimentação na localidade. Os parentes que residem em outros lugares retornam para a aldeia onde nasceram e

se criaram ou mesmo visitam amigos e compadres. Nas aldeias onde

não existe o templo católico e, portanto, um padroeiro, as pessoas se dirigem para uma aldeia mais próxima.

Independente do padroeiro, em todas as aldeias festejam-se São João, São Pedro (mês de junho), Senhora Santana (mês de julho) e

“Nascimento” (Natal). Como é típico da região Nordeste, as festas juninas são concebidas como referência cultural das pessoas e são

comemoradas com fogueiras, balões, fogos de artifício e forró. As brincadeiras de junho acontecem, especialmente, em um pavilhão

localizado nas proximidades da Igreja. Este período é também marcado por outros tipos de dança, a exemplo do coco de roda e de

ciranda, os quais são realizados na casa de farinha.

Da mesma forma que o forró, a dança do coco-de-roda pode ser

pensada como um rito de fertilidade e de união. O próprio espaço onde geralmente dança-se o coco induz concebê-la como tal. A casa

de farinha é um espaço de trabalho e um ponto de encontro da

família e de amigos; ao mesmo tempo é o lugar onde se festeja a colheita.

A festa de Santana no mês de julho e a “festa de Nascimento” fazem parte da agenda devocional dos índios. Nos dias 26 e 27 de julho e

24 e 25 de dezembro, respectivamente, as pessoas se mobilizam na casa de farinha seja para intensificar a produção de derivados da

mandioca, seja para brincar de coco-de-roda.

No mês de agosto festeja-se São Domingos na aldeia Jacaré de S. Domingos. Em setembro realizam-se as festas de São Miguel – na

Vila de S. Miguel e na aldeia São Francisco – e de N. Sra. dos Prazeres – na Vila Monte-Mór. No mês de dezembro homenageiam N.

Sra. da Conceição as aldeias São Francisco, Jacaré de César e Silva do Belém e Sta. Luzia em Camurupim.

As festas têm seu início com o convite do “cacique da aldeia” dirigido aos moradores “do lugar”. O convite se faz com a intenção de que as

pessoas dêem contribuições para o santo. As contribuições podem ser em dinheiro ou em objetos tais como velas, fogos e balões.

Em meio a este ciclo de festas religiosas, os índios se referem a três

delas como sendo as mais importantes: a de setembro (dia 29) e a de dezembro (dia 8). São datas lembradas por todos como sendo os

momentos de maior animação nas aldeias. No dia 29 de setembro comemora-se a festa de São Miguel na Vila de mesmo nome e na

aldeia São Francisco, reconhecido como o “padroeiro dos Potiguara e o dono do nosso território e o protetor e guarda dos índios”, e na Vila

de Monte-Mór a festa de N. Sra. dos Prazeres. Já no dia 8 de dezembro celebra-se a festa de N. Sra. da Conceição a padroeira da

aldeia São Francisco, Jacaré de César e Silva do Belém; para os

moradores do São Francisco esta é uma data especial porque “ao lado de São Miguel, Nossa Senhora é também protetora dos índios

Potiguara”. Ver no final quadro relacionando os padroeiros das aldeias e as respectivas datas comemorativas.

As festas de São Miguel e de Nossa Senhora dos Prazeres são,

segundo a memória do grupo, ocasiões nas quais os índios festejam os seus protetores ou padroeiros. A idéia de antigüidade justificaria o

porquê da classificação da festa como tradicional. Segundo a tradição do grupo, a festa de São Miguel especificamente iniciou-se após a

construção da Igreja na Vila de São Miguel. A Vila passou a ser um lugar mais freqüentado pelos índios no mês de setembro para a festa

de São Miguel e no mês de novembro (dia de finados) para a visita ao cemitério dos índios que se localiza do lado da referida Igreja.

Aldeia Padroeiro (a) Data comemorativa

Caieira Santa Edwirgens 16 de outubro

Camurupim Santa Luzia 13 de dezembro

Estiva Velha Santo Antonio 13 de junho

Forte Nossa Senhora de

Guadalupe 12 de dezembro

Galego

São João Batista 24 de junho

Grupiúna

Nossa Senhora da

Conceição 08 de dezembro

Jacaré de César

Nossa Senhora da

Conceição 08 de dezembro

Jacaré de São Domingos São Domingos e

Santa Luzia

08 de agosto e 13 de

dezembro

Jaraguá São Sebastião 19 de janeiro

Lagoa Grande

São Miguel

29 de setembro

Laranjeira

Senhora Senhora 27 de julho

Monte-Mór

Nossa Senhora

dos Prazeres e

Nossa Senhora de

Fátima

29 de setembro e 13 de

maio

São Francisco São Miguel e

Nossa Senhora da

Conceição

29 de setembro e 08 de

dezembro

São Miguel

São Miguel 29 de setembro

Sarrambi São José 19 de março

Silva de Belém Nossa Senhora da

Conceição

08 de dezembro

Tracoeira São Sebastião 19 de janeiro

Tramataia São Sebastião 19 de janeiro

Toré

Como na maioria dos grupos indígenas localizados no Nordeste, o toré é uma importante prática ritual, capaz de balizar as diferenças

internas, projetando os grupos nas situações de contato. No caso dos Potiguara, o toré é geralmente realizado nas comemorações do Dia

do Índio (19 de abril), sendo pensado como um “ritual sagrado” que celebra a amizade entre as distintas aldeias, realçando o sentimento

de grupo e de nação. É uma dança que está na própria percepção e representação da tradição coletiva, sendo, portanto, um elemento

essencial para eles se pensarem enquanto possuidores de um

passado histórico comum.

Il Toré è, per i Potiguara, il mezzo per mettersi in contatto com gli spiriti degli avi e della natura, la danza effettuata in senso circolare e

il ritmo cadenzato unito ai canti rituali permettono ad alcuni elementi della comunità, più sensibili, di entrare in uma sorta di trance

collettiva aprendo le porte al mondo del sopannaturale.

Figura 11: Cachique geral Sandro e liderança Potiguara

O toré é aberto com o discurso do cacique afirmando a importância

daquele ritual para a tradição. Em seguida, todos ficam de joelhos e

cabeça baixa fazendo uma oração silenciosa (rezam o pai-nosso cristão), nesse momento as pessoas se posicionam em três círculos:

o menor, no centro, ficam os “tocadores” de zabumba e de gaita e o que “puxa as cantiga”; no outro círculo, um pouco maior, ficam as

crianças e os adolescentes participando com a dança; e no terceiro, o maior todos, os índios (homens e mulheres), vestidos ou não com

trajes do Toré, participam da dança cantando, dançando e tocando o maracá. O cacique geral permanece entre os círculos, já os “caciques

das aldeias” ora ficam no terceiro círculo, ora acompanham o “cacique geral”, todos com maracás na mão, dançando e cantando,

sempre em movimentos circulares no sentido horário.

Ao toque da gaita, inicia-se o Toré, que enquanto “uma linha” é

aberto com o canto que “chama os caboclos e os dono da casa para as suas obrigações” e fechado com o canto do Guarapirá na praia (cf.

Maria Fogo que dança o Toré desde criança e o seu pai era um dos mestres). Depois que o toré é encerrado, ainda na mesma posição,

os participantes dançam coco-de-roda, só que os círculos são ampliados na medida em que as pessoas que não estavam com as

vestimentas próprias do toré também participam do coco-de-roda.

Figura 12: Coco de Roda

As letras das cantigas evocam elementos cosmológicos ligados à religiosidade católica (a Trindade, São Miguel, Santos Reis), ao mar,

às atividades de sobrevivência (pesca), a eventos (guerra – flecha do

tapuio canindé) e seres da natureza (guarapirá, laranjeira, peixe,

água) e a figuras míticas (tapuia coronga e tapuio canindé), além da jurema. Ao contrário de outros grupos indígenas, não há uso ritual de

bebida produzida com a jurema; as bebidas consumidas são catuaba

e cachaça.

No caso específico do toré realizado no dia do índio no ouricouri da aldeia São Francisco, há partilha de carne e de bebida, revelando a

posição dos “caboclos do Sítio” organizadores enquanto anfitriões e dos índios de outras aldeias como “convidados”. Pensada de maneira

mais ampla, no Toré a relação entre os anfitriões e os “convidados” (índios de outras aldeias), fica implícita na relação índios Potiguara

como os anfitriões e os não-índios (englobando os “brancos” e os “particulares”) enquanto “convidados”. Desse modo, o etnônimo

Potiguara deixa implícito as diferenciações internas, especialmente aquelas que estão assentadas na oposição “índio puro” / “índio

misturado”

Nos últimos dois anos, as comemorações do dia do índio foram

“descentralizadas”; quase todas as aldeias realizaram o toré do dia do índio. A cisão do grupo do Toré do São Francisco pode justificar

este fato; ocorrendo no ano de 2000, depois do processo sucessório de cacique geral, tal cisão política propiciou disputas em torno de

quem faria o melhor o toré; de um lado, o cacique geral que controlava o terreiro, do outro, alguns membros que se sentiram

“traídos” e espoliados do terreiro, passando a dançar o Toré na aldeia Forte.

Os conflitos advindos de tal cisão contribuíram para que os caciques das aldeias não se estimulassem em participar das festividades no

terreiro. Outro elemento importante que deve ser destacado e que se

junta ao anterior refere-se ao forte investimento que os índios estão fazendo no tocante à produção de objetos culturais, seja na esfera da

produção do artesanato, seja na “revitalização” do Toré. Ao lado disso, no início deste século começou-se a desenhar a

mobilização de moradores de duas aldeias localizadas no município de Rio Tinto, que se reconhecendo como indígenas, desejavam viver em

suas próprias terras, como também receber tratamento diferenciado pelo Estado e garantir melhor acesso à saúde e à educação.

Incentivados pelo cacique geral dos Potiguara, os moradores de Monte-Mór ingressaram nesta mobilização realizando retomadas de

terras ocupadas pelas usinas açucareiras, interditando rodovias, acampando na sede regional da Fundação Nacional do Índio (Funai)

em João Pessoa-PB. No ano de 2004, a terra indígena foi identificada e demarcada, aguardando a homologação. O toré representou, assim

como para outros grupos indígenas nordestinos, o elemento

demarcador da indianidade, sendo realizado com mais freqüência entre as pessoas que estavam se mobilizando.

Figura 13: Toré

Coco de Roda

Dança tradicional do Nordeste, o coco de roda tem sua origem na união da cultura negra com os povos indígenas no Brasil. Apesar de frequente no litoral, acredita-se que o coco surgiu no interior,

provavelmente nos quilombo, a partir do ritmo originado da quebra dos cocos para a retirada da amêndoa, com sua dança e tradição

musical cantada, tornou-se um modo privilegiado de transmissão e

manutenção do conhecimento e da tradição popular. No entanto, devido à sua origem nas camadas oprimidas e marginalizadas da

sociedade, o coco sempre sofreu a discriminação dos meios de comunicação das classes dominantes. Assim, a difusão e a

manutenção do coco como expressão cultural deve-se unicamente à sua resistência. É enfrentando essas dificuldades que os mestres

coquistas passam grande parte de suas vidas sem apoio, apesar de sua arte possuir grande valor histórico, que persiste através dos

tempos. Jackson do Pandeiro, por exemplo, um dos artistas mais célebres do coco, que começou sua carreira acompanhando sua mãe

nas rodas de cocos enquanto tocava zabumba, morreu pobre e até hoje seu talento é desprezado pela grande mídia, apesar de ser

referência nacional para vários artistas que alcançaram o estrelato.

Figura 20: coco de roda potiguara

Figura 21: Jackson do Pandeiro

Jackson do Pandeiro, nome

artístico de José Gomes Filho, foi

um cantor e compositor de forró e

samba, assim como de seus

diversos subgêneros, a citar:

baião, xote, xaxado, coco,

arrastapé, quadrilha, marcha,

frevo, dentre outros. Também

conhecido como O Rei do Ritmo.

Paraibano de Alagoa Grande,

Jackson nasceu em 31 de agosto

de 1919, com o nome de José

Gomes Filho. Ele era filho de uma

cantadora de coco, Flora Mourão,

que lhe deu o seu primeiro

instrumento: o pandeiro. Seu

nome artístico nasceu de um

apelido que ele mesmo se dava:

Jack, inspirado em um mocinho de

filmes de faroeste, Jack Perry.[2] A

transformação para Jackson foi

uma sugestão de um diretor de

programa de rádio. Dizia que

ficaria mais sonoro e causaria

mais efeito quando fosse ser

anunciado. Somente em 1953,

com trinta e cinco anos, Jackson

gravou o seu primeiro grande

sucesso: "Sebastiana", de Rosil

Cavalcanti. Logo depois,

emplacou outro grande hit: "Forró

em Limoeiro", rojão composto por

Edgar Ferreira.

Leggende e religione

Encantos:

A cultura Potiguara é permeada de crenças e lendas que se referem

às forças e elementos sobrenaturais. Portanto, há uma crença em deuses principais, outra que se refere aos espíritos ancestrais dos

antepassados, e uma mais popular, que se refere a os espíritos malignos ou benefícios, figuras mitológicas elementares que também

fazem parte do folclore regional e, portanto, não são considerados sagrados como os outros mas eles têm uma grande influência sobre a

vida quotidiana dos Potiguara. Os episódios lendários relacionados a esses espíritos elementares são chamados de "Encantos" e referem

se a eventos inexplicáveis ou lugares misteriosos que evocam temores coletivos que são chamados lugares encantados. Aqui estão

algumas lendas dos Encantos:

Maed’agua:

Si tratta di uno spirito della natura che vive presso le sorgenti e i

fiumi e ne protegge i corsi d’acqua ha le sembianze di una ragazzina bionda e può essere vista solo da chi possiede un cuore puro. Come

tutti gli spiriti ha il potere di cambiare il corso della vita degli esseri umani e può essere benevolo con chi possiede un’anima buona, o

malefico nei confronti dei malvagi.

Per proteggersi dalle sue maledizioni, che colpiscono principalmente

gli invidiosi, i Potiguara usano tenere in casa una pianta di Pinhao.

CumadeFulozinha:

è un altro spirito della natura dalle sembianze di una giovane india dai capelli castani, per i Potiguara è una figura mitica che determina

gli equilibri della natura, la sua importanza l’ha resa parte delle credenze regionali che esulano dal patrimonio delle leggende dei

nativi.

Una delle storie raccontate su di lei narra che sia uno spirito

scherzoso e si diverta a deridere le persone, a volte quando gli indios

rientrano dalla caccia, legano i loro cavalli fuori dalla casa,

CumadeFulozinha li slega sale in groppa ad uno d’essi e va al galoppo per la foresta, al ritorno li lascia legati nello stesso luogo e poi fa una

treccia meravigliosa con i peli della criniera di ogni animale.

Pai do mangue:

è l’ennesima figura mitologica che l’universo spirituale Potiguara colloca a difesa della natura e del popolo, si tratta di un uomo che fa

le sue apparizioni nel folto delle foreste di mangrovie, egli è nudo indossa un cappello e fuma un sigaro, egli appare e scompare nella

penombra della vegetazione e chi ha il coraggio di avvicinarsi scopre che l’uomo non c’è più ed al suo posto si trovano solo le radici

contorte delle mangrovie che ne ricordano la sembianza. Qui è ben visibile il bagaglio di paure ancestrali e il grande rispetto nei confronti

della natura, fonte di sussistenza primaria per il popolo Potiguara.

O Batatão:

Batatão o Boiatatà in Tupì significa (Mbà é) Cosa di (Tatà) fuoco,

l’episodio incantato si riferisce all’apparizione casuale di uma palla di fuoco nel cielo, quase sempre al tramonto, la credenza popolare

spiega che si tratta dell’annima di um bambino indio morto prematuramente senza ricevere il battesimo che vaga nella foresta

spaventando i passanti. Questa è umo degli Encantos più spaventosi per gli Indios dove è sicuramente presente il lavoro dei missionari

cattolici che mettevano in guardia la comunità dal pericolo di non

battezzare i propri figli e quindi di convertirsi.

O Lobisomen:

Um altra credenza popolare afferma che se in uma famiglia nascono sette figlie femmine la settima avrà sembianze di licantropo, qui

ovviamente si sottolinea l’importanza di avere figli maschi

indispensabili per il sostentamento della famiglia sai per coltivare che per cacciare.

La religione tradizionale, divinità e miti

La religione Potiguara è composta di elementi e divinità legati alla

natura e traccia le linee di comportamento dell’uomo nei confronti dell’ambiente circostante, il rispetto per la Mãe Terra, come entrare in

contatto con gli spiriti ancestrali, come eseguire i riti curativi, come raccogliere e trattare le piante medicinali.

Tutto questo patrimonio non ha testimonianza scritta, ma viene

passato di generazione in generazione in forma orale e proprio per questo è in grave pericolo di estinzione, molto si è già perduto negli

ultimi passaggi generazionali, ma esiste un movimento di persone

all’interno della comunità Potiguara che sta tentando di mantenere e recuperare questo patrimonio. Grande responsabilità nella dispersione

del patrimonio religioso degli Indios del Brasile è da attribuirsi alla politica del governo, che fino all’anno 1966 proibì e perseguì i culti

religiosi indigeni assieme a quelli africani.

Tupã: (que na língua tupi significa trovão) é uma entidade da mitologia tupi-

guarani. Os indígenas rezam a Nhanderuvuçu e seu mensageiro Tupã. Tupã não era

exatamente um deus, mas sim uma manifestação de um deus na forma do

som do trovão. É importante destacar esta confusão feita pelos jesuítas.

Nhanderuete, "o liberador da palavra original", segundo a tradição mbyá, que é

um dialeto da língua guarani, do tronco lingüístico tupi, seria algo mais

próximo do que os catequizadores imaginavam. Câmara Cascudo afirma que Tupã "é um trabalho de adaptação da catequese".

Na verdade o conceito "Tupã" já existia: não como divindade, mas como

conotativo para o som do trovão (Tu-pá, Tu-pã ou Tu-pana, golpe/baque

estrondante), portanto, não passava de um efeito, cuja causa o índio

desconhecia e, por isso mesmo, temia. Osvaldo Orico é da opinião de que os

indígenas tinham noção da existência de uma Força, de um Deus superior a

todos. Assim ele diz: "A despeito da singela idéia religiosa que os

caracterizava, tinha noção de Ente Supremo, cuja voz se fazia ouvir nas

tempestades – Tupã-cinunga, ou "o trovão", cujo reflexo luminoso era

Tupãberaba, ou relâmpago. Os índios acreditavam ser o deus da criação, o

deus da luz. Sua morada seria o sol. Para os indígenas, antes dos jesuítas os catequizarem, Tupã representava um

ato divino, era o sopro, a vida, e o homem a flauta em pé, que ganha a vida

com o fluxo que por ele passa.

Os sete monstros legendários Kerana, a bela filha de Marangatu, foi capturada pela personificação ou

espírito mau chamado Tau. Juntos eles tiveram sete filhos, que foram

amaldiçoados pela grande deusa Arasy, e todos exceto um nasceram como

monstros horríveis. Os sete são considerados figuras primárias na mitologia

Guarani, e enquanto vários dos deuses menores ou até os humanos originais

são esquecidos na tradição verbal de algumas áreas, estes sete são geralmente

mantidos nas lendas. Alguns são acreditados até tempos modernos em áreas

rurais. Os sete filhos de Tau e Kerana são, em ordem de nascimento: 1 - Teju Jagua, deus ou espírito das cavernas e frutas.

é o deus das cavernas, grutas e lagos na mitologia guarani. Ele

tem um grande corpo de lagarto e sete cabeças de cachorro. Arrasta-se como um lagarto e come frutas e mel No alto de sua

cabeça, encontra-se incrustada uma pedra preciosa, o carbúnculo.

Vive no cerro do Jarau em meio a um imenso tesouro

2 - Mboi Tu'i, deus dos cursos de água e criaturas aquáticas.

é o segundo filho de Tau e Kerana. Mboi Tu'i se traduz

literalmente como "serpente - papagaio", que descreve a aparência destas criaturas. Mboi Tu'i tem a forma de uma enorme

serpente, com uma enorme cabeça e bico de papagaio. Ele

também tem uma língua bifurcada vermelho da cor do sangue. Sua pele é escamosa e listrada. Penas cobrem a sua cabeça. Ele

tem um olhar prejudicial que assusta a todos que tem a má sorte de ser encontrado com ele. Ele patrulha pântanos e protege a

vida dos anfíbios, gosta da umidade e flores, ele solta um poderoso e terrível grito incrível que pode ser ouvido de muito

longe e que infunde o terror em todos que a ouvem e é considerado o protetor dos animais aquáticos e as zonas húmidas.

3 - Moñai, deus dos campos abertos. Ele foi derrotado pelo sacrifício de Porâsý Seus domínios são os campos abertos. Ele pode escalar árvores

com facilidade e deslizar para baixo para caçar os pássaros a quem ele se alimenta e domina com o poder hipnótico de suas

antenas. Devido a isso ele é chamado o senhor do ar

4 - Yacy Yateré, deus da sesta, único dos sete a não aparecer como monstro.

Com um nome que significa literalmente pedaço da Lua, é único

dentre os seus irmãos a não possuir uma aparência monstruosa. Usualmente é descrito como um homem de pequena estatura, ou

talvez uma criança, aloirado e às vezes com olhos azuis. Tem uma aparência distinta, algumas vezes descrita como bela ou

encantadora, e carrega um bastão ou cajado mágico. Como a maioria de seus irmãos, habita na mata, sendo considerado o

protetor da erva-mate. Algumas vezes é visto como protetor dos tesouros escondidos.

5 - Kurupi, deus da sexualidade e fertilidade.

Pequeno, de coloração amarelo-pálida, olhos negros (sem

pupilas), dentes pontiagudos; movimenta-se através de saltos e é muito rápido. Alimenta-se de filhotes de animais recém-nascidos

e fezes de cotia, e na mata é reconhecido por seus gritos e

gargalhadas malévolos, principalmente de madrugada. Um importante e curioso atributo físico deste pequeno ser encantado

consiste em seu falo - que, em forma de espiral, giza no entorno do seu abdômem

6 - Ao Ao, deus dos montes e montanhas.

Ao Ao é freqüentemente descrito como sendo uma voraz criatura

parecida com um carneiro, com um grande conjunto de presas afiadas. Alternativamente aparece como sendo um grande

pecaminoso.

7 - Luison, deus da morte e tudo relacionado a ela.

Também conhecido pelos nomes de Luisito, Juicho e Luisõ, é descrito como o sétimo e último filho varão de Tau e Keraná,

sobre quem caiu uma maldição transmitida por seus progenitores:

nas noites de lua cheia de sexta-feira e/ou terça-feira, o indivíduo se transformava em uma criatura com metade das características

de um cachorro muito grande e um homem (outras vezes,

também, possuía as características de um porco)

Outros deuses ou figuras importantes 1 - Angatupri, espírito ou personificação do bem, oposto a Tau 2 - Pytajovái, deus da guerra 3 - Pombero, um espírito popular de travessura 4 - Abaangui, um deus creditado com a criação da lua; pode figurar somente

como uma adptação de tribos guaranis remotas 5 - Jurupari, um deus de adoração limitada aos homens, em geral apenas

para tribos isoladas no Brasil.

Figura 14: Pombero Figura 16: Kurupi Figura 17: Teju Jagua

Mito guarani da criação A figura primária na maioria das lendas guaranis da criação é

Iamandu (ou Nhanderu ou Tupã), o deus Sol e realizador de toda a criação. Com a ajuda da deusa lua Araci, Tupã desceu à Terra

num lugar descrito como um monte na região do Aregúa, Paraguai, e deste local criou tudo sobre a face da Terra, incluindo

o oceano, florestas e animais. Também as estrelas foram colocadas no céu nesse momento.

Tupã então criou a humanidade (de acordo com a maioria dos

mitos Guaranis, eles foram, naturalmente, a primeira raça criada,

com todas as outras civilizações nascidas deles) em uma

cerimônia elaborada, formando estátuas de argila do homem e da

mulher com uma mistura de vários elementos da natureza. Depois de soprar vida nas formas humanas, deixou-os com os

espíritos do bem e do mal e partiu.

Nhanderuvuçú (Tupã) é considerado Deus supremo na religião primitiva dos índios brasileiros que habitavam as terras

tupiniquins atualmente chamadas Brasil.

Mito guarani da criação da Noite Nas Aldeias de todo o mundo, nas terras dos índios, era sempre dia. Nunca

havia noite, estava sempre claro. Os homens não paravam de caçar, nem as

mulheres de limpar, tecer e cozinhar. O sol ia do leste ao oeste e depois refazia

o caminho, ia do oeste ao leste, seguindo assim. Mas teve um dia que o caso mudou. Quando Tupã, aquele que controlava tudo,

havia saído para caçar, um homem muito curioso tocou no frágil Sol para saber

como funciona. Então o Sol que dava luz e calor havia se apagado, havia

quebrado em mil pedacinhos. Então as trevas haviam reinado na aldeia. Tupã não se conformou com tal atitude do homem, e o transformou em um

novo animal, que tinha as mão douradas como o Sol que brilhava. E deu-se o

nome àquele bicho de macaquinho-de-mão-d'ouro. Tupã então tratou de

refazer o Sol. Mas ele só ia ao oeste e não conseguia voltar. Então criou assim

a Lua e as estrelas para iluminarem a noite. E assim ia, o Sol ia até o poente,

não voltava, e então vinha a Lua e as estrelas. Acabava a noite e o Sol voltava.

mas o sol sempre sorrindo ia e um dia viu a lua orgulhoso do que fez.

A Jurema

A etnia Potiguara, os comedores de camarão, protagonizou histórias no surgimento

do

Brasil. Desde antes do século XVI, eles habitavam a Terra Brasilis com seus

costumes,

crenças e rituais. Com a colonização, a identidade e a cultura dos Potiguaras foram

ameaçadas, de forma que a violenta aculturação tornou-se um plano de catequese

da Ordem dos Jesuítas.

As perdas foram sentidas na descaracterizaçãodo ritual do Toré, quando ocorreu a

assimilação de letras e musicalidade do culto católico e a proibição da presença da

jurema, porque se atrelava o culto às práticas de magia, popularmente conhecido

como “catimbó”.

A prática também conhecida como “mandiga” foi fortemente combatida pela Igreja

Católica como ação diabólica e os seus praticantes como “filhos do

capeta”,condenados ao fogo do inferno. A jurema deveria ser tratada como uma

planta da flora nordestina com princípios medicinais apenas.

No entanto, a planta da jurema sempre foi tratada pelos “troncos velhos” como

símbolo

de ancestralidade, como elemento essencial para o ritual Toré. Ela era responsável

pela

harmonização, sintonia dos que participavam do ritual e seus ancestrais. A planta

se transformava em bebida, que representava a força e beleza da índia cabocla.

A Jurema é a principal das plantas medicinais Potiguara, é o foco de tudo, é através

da energia da bebida Jurema que conseguimos conversar com os nossos ancestrais

nossos avós, tataravós, quando nos reunimos para dançar o Toré. A bebida Jurema

é feita com a mistura de outras plantas medicinais: jurema, ajucá, juncá, manacá,

gengibre e jatobá, se fazem o vinho, não entra açúcar nem álcool e com isso

conseguimos se comunicar com nossos ancestrais.

Figura 18: Jurema

Ocas

A oca, em determinadas ocasiões, é um lugar sagrado indígena onde são

realizadastrocas recíprocas entre o humano e o divino.Para ser construída, a oca

precisa de toda uma preparação, desde o local,à forma como é feita, a posição de

cada um dos esteios, o tipo de palha, adimensão do espaço interno, tudo é

edificado em função do que se quer realizar. A oca pode ser idealizada para o uso

mais restrito da família e dos parentes, como também, para ser utilizada

coletivamente. Quando a oca é coletiva, desde a sua construção, tudo vai sendo

marcado e selado com a contribuição de todos os membros da aldeia, como

protagonistas daquela obra, co-participantes e co-responsáveis por aquele lugar

sagrado. Dessa forma, é edificada com a participação e com a unidade de seus

membros, sinal da comunhão e da partilha das frações de um povo. A oca passa a

ser um simbolismo para a aldeia e a ter de todos os seus membros o respeito e o

orgulho de um patrimônio coletivo; é o lugar coletivo por excelência. Assim, a oca

torna-se o lugar da conversa, do diálogo, de tomar as decisões, de se resolverem

os conflitos, de fazer as reuniões, as assembléias, de receber os convidados, os

parentes e os visitantes.Em algumas aldeias, a oca lembra a luta, a resistência,

momentos de vitórias e de extrema fragilidade. A oca da Aldeia Três Rios,

construída logo no início da retomada, em agosto de 2003, está marcada pelas

noites e pelos dias em que a comunidade esteve junta, unida para reconquistar a

terra. Tudo nessa aldeia foi dialogado, acertado e resolvido na oca. É a principal

construção e a referênciacentral da Aldeia. Cada vez mais, configura-se como lugar

de rituais cristãos e doToré. Um aspecto que chama a atenção nas práticas

religiosas feita nas ocas é o fato de que somente no território onde está sendo

retomada a terra é que podem ser construídas ocas coletivas. Em nenhuma outra

aldeia elas existem nemhá projetos para construí-las. Os espaços coletivos

normalmente encontrados nas aldeias são as igrejas, as escolas e os pavilhões.

Figura 19:: ocas Tupi Guarani

Isso demonstra que o conflito mexe com a organização interna, e o povo começa a

dar visibilidade àquilo que era comum num passado recente. A área indígena,

loteada pelo Engenheiro Justa Araújo, no século XIX penalizada pelas violentas

atrocidades da Companhia Rio Tinto e, atualmente, disputada pelos usineiros, é o

palco onde a oca coletiva agrega todos os seus membros para redimensionar a

história e marcar as fronteiras étnicas e religiosas.As ocas utilizadas

individualmente são encontradas nas Aldeias do Forte,Galego, São Francisco e

Lagoa do Mato. Muitas delas têm função comercial de venda de artesanato. Mas

também existem as que são usadas para fazer ritual. A Pajé Fátima, na Aldeia de

São Francisco, tem, próximo da sua residência, uma oca onde se realiza o ritual,

com um grupo mais restrito, pessoas,muitas vezes, de fora da aldeia.

Lugares sagrados Potiguara

A Terra

A terra é lugar sagrado do Potiguara, respeitosamente chamada de Mãe terra,

epicentro da mãe natureza que,grávida permanentemente, fazdesabrochar o

espetáculo da vida.Soares (apud BARROS, 2004, p. 14,grifo nosso)) nos apresenta

umaimagem, mostrando que a chuva é „esperma dos deuses‟ que desce para

fecundar a terra e produzir vida”. A terra é a razão de ser do povo indígena. O índio

precisa da terra para ter saúde, educação, moradia, roçado, lugar de fazer seus

rituais sagrados, enfim, é condição essencial da etnia. A mãe terra é lugar sagrado

onde acontece o Toré - o grande ritualPotiguara. O contato com o pé no chão gera

uma integração do índio com a terra e com os espíritos. “Todo Toré é dançado com

o pé na mãe terra. Ninguém dança calçado não.

A terra é igual a índio; sem aterra o índio não vive!

As Matas

As matas fornecem toda a ornamentação das celebrações e cerimônias religiosas,

suscitando com as flores um colorido todo especial e deixando o lugar sagrado com

uma bela aparência. É característica Potiguara cuidar da ornamentação nos

momentos celebrativos.Das matas, são retirados raízes, troncos, galhos, cascas,

folhas, flores e frutos, utilizados na produção de remédios caseiros, muito comuns

na medicina tradicional indígena.A mata é, para os índios, lugar poderoso, capaz de

renovar e transmutar tudo o que é ruim em energia vital. Quanto mais o índio

penetra na natureza, mais solidifica e fortalece sua aliança sagrada com a mãe

natureza. A sinfonia dos animais, agregada com a fertilidade da natureza, os

aromas das plantas e toda a atmosfera espiritual dos ancestrais, dos encantos e

dos espíritos de luz, renovam e purificam suas vidas. As matas são a garantia da

circulação da água doce, não sónas aldeias Potiguara, mas em todo o mundo.

As Aguas

Para muitas culturas antigas, a água é literalmente a semente (esperma) que Deus, ao copular

com a mãe-terra, nela derrama para que esta seja fértil. Esperma divino, a água tem a

força de divinizar quem entra em comunhão com ela. Por isso, o ser humano precisa

fundamentalmente de água e a ela tem direito sagrado. A água è essencial para a vida biológica,

mas também para o aprofundamento de qualquer experiência espiritual.

O território Potiguara apresenta uma grande riqueza, que é a água.O CaciqueGeral

Caboquinho afirma:

“nós somos os Pitikajara, que é a junção de várias palavras que tem o significado

dos senhores dos vales.

No passado, nós ocupávamos a maioria de todos os vales e as praias do Nordest

e O povo Pitikajara (Potiguara), senhores dos vales, tem na água a sua fonte de

criação uma vez que é gerado numa bolha de água, dentro de uma bolsa com

líquido amniótico no ventre da mãe. O ser humano é 70% água, o planeta tem

70%de superfície coberta de água, e todas as formas de vida são dependentes da

água pois, as águas são nossa matriz, nascemos das águas. O mundo brota das

águas, são elas a fonte da criação.

A administração nas aldeias

A aldeia é liderada por um cacique local, podendo ser homem ou mulher.Não existe

um período determinado e previamente estipulado para se cumprir um mandato.

Alguém pode ficar na função por vários anos ou por apenas alguns dias.A

permanência à frente da aldeia vai depender do seu compromisso e desempenho,

enquanto representante do seu povo e da sua aceitação no meio dos índios.

Existem várias maneiras de escolher o novo cacique: pode ser por aclamação,

quando os presentes se manifestam abertamente levantando a mão ou por

aclamação; e por votação não secreta. Cada índio fala em voz alta seu voto para

um outro candidato; pode ser também por votação secreta. Cada eleitor deposita

seu voto numa urna. A comissão das eleições faz a contagem dos votos e apresenta

o resultado do pleito para a aldeia. Nem sempre os resultados das urnas acabam

com as desavenças entre os diferentes grupos. A capacidade da liderança eleita de

lidar com seus pares vai acomodando ou não as arestas e as divergências que

estão sempre surgindo. Além da organização local, os Potiguara têm um Cacique

Geral que representa toda a etnia. O Cacique Geral e os demais caciques são

responsáveis por tomar decisões, convocar assembléias, deliberar sobre normas e

condutas para o bem-estar do seu povo. O Cacique Geral é o porta-voz da aldeia

para a sociedade. Ele é quem faz as articulações externas e representa a etnia nas

diferentes circunstâncias quese fizerem necessárias. Diante de algum empecilho ou

imprevisto, quando solicitado, ele escolhe um representante de sua confiança

pararepresentar a etnia. Esse cuidado com o representante tem muita importância

porque existe toda uma astúcia na hora de falar em nome do povo

Potiguara,evitando que os problemas internos sejam repassados para uma

sociedade preconceituosa e discriminadora sobre as questões indígenas.

Turismo étnico

Por volta da década de 80, o Governo do Estado da Paraíba lançou um programa de desenvolvimento tendo como campo de ação as

regiões litorâneas que possuem um alto potencial para a prática do turismo. O complexo turístico implantado pela PBTUR incorporou a

cidade de Baía da Traição-PB como um dos lugares para estação de veraneio. Isto se deveu ao fato da cidade se localizar à beira-mar e

possuir muitas riquezas naturais, além de estar situada entre as

cidades de João Pessoa-PB e Natal-RN na BR 101. Em 1995 a consolidação da região como lugar turístico se deu com o

asfaltamento do trecho da PB-041 (24 km), ligando Rio Tinto a Baía da Traição. De um lado, as riquezas naturais contribuíram para o

marketing. Do outro, a existência de “uma única reserva indígena”, constitui um outro atrativo para região, despertando a curiosidade de

turistas para os “sobreviventes” e descendentes dos primeiros habitantes do Brasil.

O despontar da cidade como lugar de turismo implicou em uma

corrida imobiliária a ponto do perímetro urbano “invadir” a Terra Indígena, uma vez que houve construção maciça de casas pela classe

média regional, proveniente das cidades de João Pessoa, Campina Grande e Guarabira e na estação de veraneio a população da cidade

aumenta em torno de 70%. O problema que surge hoje é como

gerenciar o crescimento da cidade dentro de uma Terra Indígena. O crescimento se deu pela construção de hotéis e pousadas, bem como

de restaurantes, lanchonetes, bares, dentre outros.

De maneira criativa, os Potiguara passaram a ter interesse em produzir artesanato para venda. Há 20 anos atrás a produção de artesanato era estritamente para o uso cotidiano. Na memória do grupo eram fabricados para este fim objetos de cerâmica (panela, torradeira, tigela, alguidar e pote); trançados para uso doméstico (janelas e portas), para caça e pesca, para o processamento da mandioca (urupema) e como meio de transporte e carga (cangalha, samburá para voador, esteira, caçuá, canoa e remo); adornos plumários (braçadeira e tornozeleira); objetos sonoros (flauta, maracá, tambor de pele); e utensílios de madeira (pilão, cuia, colher de pau, escumadeira). Além da fabricação de cestas para o acondicionamento de alimentos e para guardar objetos (roupeiros, vassouras, potes para plantas e jarros). Percebe-se também que já neste período acontecia a fabricação de colares, pulseiras, anéis, arcos e flechas.

Baía da Traição, toponimo

Baía da Traição é o termo pelo qual os colonizadores portugueses denominaram a baía situada defronte a atual cidade sede do municí-pio, em virtude de nela os índios potiguaras haverem matado muitos portugueses da frota de Gonçalo Coelho Possivelmente por causa de um mal-entendido ou algum desrespeito dos soldados portugueses contra algumas mulheres indígenas. Até então, os índios potiguares denominavam a baía de Akaîutebiró, que significa "cajueiro estéril" (akaîu, cajueiro + tebiró, sodomita, estéril ou azedo). O nome indí-gena influenciou a formação do antigo nome da baía da Traição, "Acajutibiró".Escritos neerlandeses da Descrição geral da capitania da Paraíba con-firmam a origem de tal nome:A baia da Traição, que já tinha a esse tempo nome português, em consequência do fim lamentável que aí tiveram algumas pessoas da expedição de Gonçalo Coelho (1501).O termo Baía da Traição aparece pela primeira vez na carta que Amé-rico Vespúcio enviou ao então rei de Portugal, Manuel I, «O Ven-turoso», em 1501, relatando suas descobertas no litoral nordeste do Brasil. Em tais escritos ele narra:navegamos por dias e dias até encontrarmos porto seguro. Então mandamos quatro dos nosso à terra, para barganhar com mulheres índias que nos acenavam de um alto.