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BACULO Espiritualidade | Comunhão | Catequese | Evangelismo Igreja Anglicana Reformada do Brasil | Setembro de 2017 Anglicanos? Porque somos

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BACULO E s p i r i t u a l i d a d e | C o m u n h ã o | C a t e q u e s e | E v a n g e l i s m o

Igreja Anglicana Reformada do Brasil | Setembro de 2017

Anglicanos?Porque somos

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Anglicanos?Porque somos

Quando deixei o Pentecostalismo fui a procu-ra de uma igreja de linha reformada. Contu-do, me senti temeroso diante das opções mais óbvias, e não que tivesse algo contra a integri-dade das Igrejas com as quais passei a ter con-tato; a questão era de outra natureza e tinha mais a ver com os anseios que me assaltavam.

Tentava, na época, colocar fim em dilemas como ser “evangélico” ou “católico”, ser “re-formado” ou “continuísta”, ser “avivado” ou “liturgico”, e coisas semelhantes. Se por um lado não podia simplesmente me declarar “evangélico”, no sentido comum do termo, por ter uma eclesiologia muito alta (High Chur-ch) para os padrões evangelicais, ao mesmo tempo não podia jurar fidelidade ao Papado, afinal, talvez eu fosse mais católico que boa parte dos fiéis do Vaticano, cujo sectarismo romanista os torna justamente o contrário do que o termo “católico” significa. Passo a passo essas questões acabaram me condu-zindo ao ethos anglicano de viver a fé cristã.

O anglicanismo enfatiza a simplici-dade do Evangelho de Cristo.

Ser anglicano é, antes de qualquer outra coisa, não ter pretensões exageradas sobre a nossa própria capacidade de compreender e siste-matizar Deus. Um de nossos formulários, os “39 Artigos da Religião”, mostra-nos o cora-ção da fé cristã sem ter como missão e objetivo detalhar e explicar todos os seus mistérios e possibilidades. Basta-nos o Cristo. Basta-nos

a salvação pela fé. E, diga-se de passagem que é nessa valorização das doutrinas fundamen-tais que encontramos a possibilidade de haver dentro do anglicanismo tanta variedade de pensamento nos assuntos secundários da fé.

Por isso o anglicano não precisa, necessaria-mente, se desgastar em debates intermináveis sobre calvinismo, arminianismo, aspercio-nismo, dentre outros temas. Se a fé católica da Igreja é mantida, o anglicano pode seguir em paz seu caminho na fé. E essa peculiari-dade anglicana fica evidente, por exemplo, no Artigo VI, que trata das Escrituras, e afirma que a mesma “contém todas as coisas neces-sárias para a salvação; de modo que tudo o que nela não se lê, nem por ela se pode pro-var, não deve ser exigido de pessoa alguma seja crido como artigo de Fé ou julgado como requerido ou necessário para a salvação”.

Pense no que isso significa! Um anglicano tem pavor de regras criadas por homens, es-pecialmente quando são colocadas como “necessárias” para Salvação! O que a Bíblia não prova claramente ser pecado, ou aqui-lo que nela não é claramente exigido, não cabe a Igreja fazê-lo no lugar de Deus. Se-melhantemente, não temos problemas em  li-dar com aquilo que não é ordenado, mas que serve para o bem da Igreja, como a celebra-ção do Natal, a Páscoa Cristã, ou o calendário Litúrgico. Ainda que não sejam coisas orde-nadas nas Escrituras, elas são dignas e con-dizentes com o Evangelho, e podem ser pra-ticadas dentro dessa mesma  liberdade cristã.

Marcelo Lemos

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O anglicanismo, em seus formulá-rios doutrinários, se apega a tradi-ção teológica da Reforma.

Essa afirmação pode, a primeira vista, pare-cer contraditória se contrastada com tópico anterior. E aqui temos o problema dos libe-rais dentro do anglicanismo: eles canonizam a diversidade em detrimento da teologia cris-tã. Todavia, só podemos, de modo coerente, afirmar que existem doutrinas secundárias, e conviver verdadeiramente com a diversida-de, se também afirmamos que, no fundamen-to, existem doutrinas que são indispensáveis.

Deus, tanto nos nossos 39 Artigos de Reli-gião quanto em nossa Liturgia (Livro de Ora-ção  Comum), é descrito em toda sua gran-deza, e a salvação em toda sua gratuidade, mantendo claramente delineados os princí-pios de fé advogados pelos Reformadores. O anglicanismo nasceu num ambiente onde vá-rias opções teológicas disputavam sua aten-ção e ele escolheu o caminho da Reforma.

O Anglicanismo nutre um alto con-ceito a respeito da Igreja, e do Pacto.

Nós anglicanos, somos Pactuais. Não temos a Igreja como um simples clube de recrea-ção e boas intenções, nem como um lugar reservado onde buscamos o favor divino, ou um arranjo de cristãos com interesses e gostos em comum. Pode ter algo dessas coisas, mas não é nada disso que define o que é a Igreja. A Igreja, como maravilhosa-mente definida por João Calvino, é o lugar:

“Em cujo seio Deus quer que seus filhos se agreguem, não apenas para que sejam nutri-dos de seu labor e ministério, por tanto tem-po quanto são infantes e crianças, mas tam-bém de seu cuidado materno sejam guiados até que amadureçam e, finalmente, cheguem

à meta da fé. ‘Portanto, o que Deus ajuntou, não o separe o homem’ [Mateus 19.6; Marcos 10.9], de sorte que àqueles de quem ele é o Pai, a Igreja também é mãe, não apenas sob a lei, mas ainda após a vinda de Cristo, con-forme o testemunho de Paulo, que ensina sermos nós filhos da nova e celestial Jerusa-lém [Galátas 4.26)” - Institutas da Religião.

Um dos males que afligem o ‘evangelicalismo’ brasileiro é sua eclesiologia pobre. Os Evangé-licos no Brasil, de modo geral, não valorizam a Igreja. Não respeitam a autoridade eclesiástica, e costuma ter pouco apreço pelos Sacramentos. Parece, na verdade, que nutrem certo medo de tudo isso, como se fossem coisas com cheiro de idolatria. Ironicamente, os mesmos que desprezam – se não com palavras, com atos – a Igreja, costumam ser os mesmos que idolatram líderes cristãos megalomaníacos. Nós, angli-canos, entretanto, nadamos contra essa maré modernista e mantemos a fé do Credo Apos-tólico, confessando “Creio na Santa Igreja...”.

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O Anglicanismo é conciente-mente liturgico e sacramental.

Toda comunidade cristã é liturgica, em maior ou menor grau. Mas nem toda comunidade tem consciência dis-so, nem é capaz de viver a experiên-cia liturgica como poderia (e deveria). Igualmente, muitos cristãos são impe-didos de viver a sacramentalidade da fé cristã, ainda que teoricamente va-lorizem o Batismo e a Ceia do Senhor.

No Anglicanismo tanto a liturgia quan-to os Sacramentos, além dos ritos sacra-mentais, possuem seu lugar de honra, e servem para edificar e fortalecer a fé dos fiéis. Sua Liturgia, ao invés de ser impro-visada e pobre, ou rebuscada e ritualista ao extremo, é bela e simples, capaz de re-meter o coração dos féis, por meio dos seus gestos, simbolos e cores, aos vários aspectos da mensagem do Evangelho do Cristo. Já os Sacramentos, longe de serem vistos apenas como expressões símboli-cas de nossa fé, são experimentados como verdadeiros meios de graça, uma vez que deles se vale Deus para a nossa salvação, edificação na fé e santificação pessoal.

Outras razões poderiam ser aponta-das, como por exemplo, o fato de que a tradição anglicana, ainda que autenti-camente reformada, não implica num abandono da catolicidade da fé cristã, muito pelo contrário. E é justamente por isso, aliás, que ela tanto se diferen-cia de outras tradições evangélicas mais populares no Brasil. Ser anglicano é des-frutar desta e de cada uma das razões expostas nesse artigo. Ser anglicano é ainda ser capaz de vivenciar a experi-ência cristã em comunhão com o passa-do da Igreja, o presente que nos rodeia, e o futuro que espera ser construído.

“Sou anglicano his-tórico porque aqui ob-tenho todos os elementos necessários para a salvação da minha alma; principios de fé que estão nas Escri-turas Sagradas, e em con-cordância com a Tradição da Igreja Primitiva. Em outras palavras, sou Católico pela Tradi-ção (Igreja Primitiva), e Anglicano por sua fidelidade as Escrituras”.

Rev. Domingo +, Venezuela.

“A Igreja de Cristo é Sa-cramental, e valoriza a Palavra e sua pregação. Assim somos os anglicanos. E suas portas estao sempre aber-tas para aqueles que de-sejam servir ao Senhor com seus talentos e dons”.

Rev. Evanilson +; Porto Velho – Rondônia.

“Eu diria que no anglica-nismo, especialmente na FCE/IARB, temos um compromisso que visa o Reino, não o projeto de alguém, de um partido, ou de uma deno-minação. É um compromisso com Invictus Christus”.

Marcelo Lemos, Belo Horizonte – Minas Ge-rais.

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CAFÉ COM O BISPO= Reverendíssimo Josep Rossello =

Um dos pontos mais importantes na liturgia cristã é a Santa Ceia, que em vez de estar centrada na prega-ção, está centrada na Trindade.O culto não termina nem finaliza quando o pastor acaba seu sermão. Em vez disso, o culto flui em uma transição do Púlpito à Mesa, da Palavra escrita à Pala-vra encarnada. Isto se dá através da confissão de fé do povo de Deus e de suas orações e intercessões diante do Trono da Graça. A partir desse instante, adentramos no lugar santíssimo para nos sentar ao redor da Mesa do Senhor e celebrar a vitória do Cordeiro; na Ceia do Senhor. Revivemos, assim, a Última Ceia, que agora é a Eterna Ceia, até que o Cordeiro volte. Enquanto espe-ramos a vinda de Cristo, o estágio final desta jornada do culto cristão nos leva a ser mensageiros nas boas novas do evangelho de Jesus, assim somos enviados como povo de Deus ao mundo para fazer a vontade de Deus, incluindo pregar o evangelho e fazer discípulos.

Com os ditos cultos centrados na pregação, a Igreja tem perdido, por exemplo, a visão da Cidade de Deus. A pregação é um dos aspectos centrais do drama litúr-gico, porém, nunca deveria se restringir ao culto ou as quatro paredes da “igreja local”. Ela deve ser vivida e anunciada nas praças, nas conversas nos cafés, nas reu-niões da família, em todo lugar e espaço. Não precisa ser feite somente por meio de sermões. A pregação do evangelho puro e simples deve acontecer em todo lugar e tempo, não somente em longos e cansativos sermões dignos da mais pura academia, nem sequer por meio de sermões alegres e simpáticos que atraem mais atenção ao pregador do que ao próprio Salvador dos homens.

A cultura eclesiástica de que todo o culto se desen-volve ao redor da pregação, tem criado muitos bons

pregadores, mas não tem preparados presbíteros, nem pastores, nem ministros da Palavra e dos Sacramen-to. Muitos dos Pais Reformadores eram advogados e professores e, sem perceber, levaram essa cultura para a Igreja, transformando a liturgia num tipo de sala de aula, onde a pregação no culto tinha primazia sobre a oração, sobre a música e mesmo sobre os Sacramen-tos. Mas nem sempre: tanto o culto elaborado por Lutero, na Alemanha, e por Cranmer, na Inglaterra, souberam melhor como equilibrar todos estes ele-mentos. O que precisamos hoje é reavivar o passado e construir o futuro liturgico da Igreja de nossos dias.

Deve-se manter em mente que a liturgia cristã teve sem-pre estes dois elementos, a Palavra e a Eucaristia, am-bos partes indispensáveis do culto ao Senhor. O ofício divino da Santa Comunhão, como presente no Livro de Oração Comum, nos leva de volta a cultos onde Deus é o centro da adoração através da Palavra e o Sacramen-to. O povo de Deus é instruído e Deus é celebrado. Ao contrário do que muitos fantasiam hoje, culto não tem os ímpios como alvo de sua atenção evangelizadora; tra-ta-se de um encontro celestial, o cuto é para o povo de Deus se congregar e ter um encontro sacramental com o Seu Rei, adorando-o na beleza da santidade de Deus.

Como escreveram inúmeros teólogos ao longo da his-tória, a liturgia é o culto celestial, contemplado por S. João no Livro das Revelações se desenrrolando en-tre os homens, como uma antecipação escatológica. É a partir deste drama revivido que o povo de Deus saí para anunciar as boas novas, discipular as na-ções e obedecer todo o que Jesus ensinou. Em tudo isso, Cristo é glorificado e Deus, a Santíssima Trin-dade, adorado. Somente um servo de Cristo e seu povo, e não um pregador estrela ou popstar, tem a dignidade para liderar tal culto e ofício divino.

Glória ao Pai, e ao Filho, e ao Espírito Santo/ como era no princípio, é agora, e será sempre/ por todos os séculos. Amém.

Qual o PONTO CENTRAL do CULTO ?

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“Sou Anglicano porque

“... percebo que aqui posso desenvolver uma plena espiri-tualidade bíblica sem ter que abrir mão da razão nem da tra-dição que herdamos de nossos pais. Sou Anglicano porque mantemos a mais vasta tra-

dição cristã oriunda da ortodoxia e das igrejas latina e celta. Por fim, sou Anglicano porque ela foi revigorada pela ênfase Reformada da su-premacia da graça de Deus sobre o esforço hu-

mano” (Rev. Joge Aquino +, Natal, Rio Grande do Norte).

“... sei quanto sou miserável e pe-cador, e reconheço na Igreja um

caminho real e correto para a salvação”. (Leandro Kelly dos Santos, São Gonçaço - Rio de Janeiro).

“... escolhi viver as Sagradas Escrituras em sua completude e ser fiel ao Senhor no culto agradável a Ele através das lei-turas e orações do LOC (Livro de Oração Comum). Acei-tei os 39 artigos da religião como prática de fé e da vida da Igreja, e confes-so o Credo apostólico como profissão de fé. Re-conheço no governo episcopal a melhor forma de governar a Igreja de Cristo, assim como nos atesta as Sagradas Escrituras e os pais da igreja. Pela graça de Deus, espero a minha Ressurrei-ção dos mortos enquanto caminho nesse mun-do vivendo como um filho eleito do Pai Celes-tial” (Marcos Bessa, Seminarista FCE/IARB).

Renovo 2017Aconteceu o Encontro Renovo 2017!

Estiveram presentes cerca de 40 partici-pantes, incluindo as crianças, de várias regiões do Brasil. O grande envolvimen-to da Igreja nesse projeto pode nos dar uma prévia de quão abençoado também será o Sínodo 2017 que se aproxima.

Foram quatro dias de comunhão, ora-ção, Palavra e muita amizade. O tema desse primeiro retiro organizado pela Igreja Anglicana Renovo, foi “Renovan-do as forças, tempo de renovo”, e como em outros eventos realizados esse mês no Brasil, também este contou com a presença do Rev. Ken Shirkey e sua es-posa Martha, diretores do Gateway Cen-ter for Word Missions. Tambem o bispo Josep Rossello ministrou aos presentes, e ainda o Reverendo Robson, de Pinda.

Confira algumas imagens do evento:

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Estes são fatos que ficarão para os cronistas do fu-turo, talvez. O Sínodo de 2012 votou uma matéria que versava sobre a mudança de nome da deno-minação. Nas deliberações a respeito deste tema a Igreja viveu momentos interessantes e desafiadores. 

Foi um verdadeiro desafio, pois assim que a primeira proposta de alteração de nome chegou - enviada por um

ministro leigo do Nordeste, que alegava, como grande razão, que o termo “episcopal” era mais reconhecido que o termo “anglicano” - muitas outras propostas fo-ram colocadas na mesa. Significava, tais gestos, que não mais nos identificávamos com o nome adotado até então? E o que faríamos depois de votada a mudança?

Após todos os debates o nome antigo continuou ado-tado, sendo acrescido apenas de “do Brasil”, devido a uma exigência da legislação brasileira. Foi no nome já adotado que a Igreja conseguiu vislumbrar a jor-nada espiritual a ela proposta desde o inicio. Assim, continuou a ser anglicana e reformada. Podemos re-fletir sobre este tema, em primeiro lugar analisando o que cada um desses termos - anglicano e reforma-do - tem a dizer sobre aquilo que nos propomos a ser

De modo geral, “anglicano” se refere a uma das maiores tradições dentro do Cristianismo, e inclui, primeiramente, a  Igreja da Inglaterra, depois as ou-tras Igrejas espalhadas pelo mundo e que seguem as doutrinas, as práticas  litúrgicas, e a forma de go-verno eclesiástico presente nos chamados formu-lários anglicanos: os 39 Artigos de Relgião e o Li-vro de Oração Comum. A maior parte das Igrejasanglicanas são, hoje, parte da  Comunhão Anglica-na, um organismo internacional que reúne os an-glicanos de todo o mundo; porém, muitas Igrejas de ethos anglicano existem fora da Comunhão, e têm mantido fielmente as doutrinas e práticas dos Reformadores Ingleses. Além disso, paralelamen-te a Comunhão Anglicana, tem surgido um novo órgão internacional, o GAFCON, cujo objetivo é unir os anglicanos fieis ao cristianismo histórico.

Vale dizer, neste ponto, que a Igreja na Inglaterra existe desde antes de existir aquilo que hoje chama-dos “anglicanismo”. Com efeito, a história da Igreja na

Bretanha pode ser rastreada, pelo menos, até o início do Século III, onde sabemos que já havia ali bispos devidamente ordenados, que tinham inclusive lugar nos Sínodos realizados pela Igreja universal, como deta-lhadamente nos conta a obra de Venerável Beda. O termo “anglicanismo” refere-se, especialmente, a Re-forma espiritual e teológica que experimentou a Igre-ja na Inglaterra por ocasião da Reforma Protestante.

Foram os Reformadores Ingleses quem legaram ao Cristianismo ocidental nosso “Livro de Ora-ção Comum” e também nossos “39 Artigos da Re-ligião”. Neles vemos uma afirmação clara da fé pro-testante, já defendida na época por homens como Martinho Lutero, na Alemanha, e João Calvino, na França. Buscava-se purificar a Igreja das supersti-ções medievais, e tornar novamente clara a men-sagem simples do Evangelho. Não era a criação de uma noma igreja, ou de uma nova religião. Se bus-cava tirar o excesso de pintura, a fim de deixar avista as cores originais. Daí ter recebido o nome de “Reforma”.

Não foi a Reforma Inglesa, como alguns tem acredi-tado, um movimento tímido, que ficou em cima do muro, tentando agradar tanto a Igreja de Roma quan-do as Igrejas reformadas do Continente Europeu. Na verdade, os Reformadores ingleses foram, possivel-mente, os que mais ousaram na Reforma: defende-ram a verdade de sempre - a fé católica - contra os abusos, quer estivessem do lado dos “romanos” quer do lado dos “reformadores”. Talvez por isso o angli-canismo cause certa estranheza ainda hoje. Para os cristãos romanos somos protestantes demais, e para os protestantes não somos protestantes o suficiente. 

Cabe ao leitor a tarefa de verificar por si mesmo as provas sobre este caso.

Renovo 2017A N G L I C A N O S & R E F O R M A D O SQuando a Igreja Anglicana Reformada quase teve seu nome alterado, os fiéis descobriram, ou redescobriram, as razões por trás de sua identidade.

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Aproximam-se as comemorações dos 500 Anos da Reforma. Natu-ralmente uma data para relembrar quanto o estudo das Escrituras fo-mentaram a mentalidade reformada ao longo dos últimos cinco séculos. E alguns talvez se surpreendam com a des-coberta de que os Reformadores da primeira ge-ração, bem como de gerações posteriores, tam-bém beberam fartamente da literatura patrística. Tanto é assim que ainda hoje a tradição cal-vinista, só para dar um exemplo, conside-ra-se herdeira da tradição agostiniana, ape-sar de algumas diferenças entre uma e outra.

“É uma calúnia nos representar em oposição aos Pais”, protestou Calvino no prefácio dirigido ao Rei da França em suas Institutas da Religião Cris-tã. Apesar desse protesto de um dos mais emi-nentes Pais da Reforma, há uma posição, infeliz-mente muito comum, de deixar de lado tudo que existiu antes da Reforma, ou então, de se coletar trechos isolados aqui e ali, tentando colocar na boca dos Pais aquilo que essa ou aquela tradição que seguimos pretende provar. Isso entre os Re-formados, porque entre os evangélicos mais mo-dernos, sequer os Pais Reformadores são levados em consideração; na maioria das vezes são igno-rados em detrimento de alguma opinião particular.

Neste ponto é interessante saber como os Re-formadores compreendiam o valor dos Pais primitivos. Para eles, a tradição tinha seu valor como um testemunho confiável sobre a interpre-tação e a exegese consensual – em sua maioria – entre os primeiros cristãos. Um valor certa-mente [muito] abaixo do valor e da autoridade

exclusiva das Escrituras, resumida no lema re-formado “sola Scriptura”. Em outras palavras, os Reformados propunham verificar em quais pontos os Pais concordavam entre si e com as Escrituras, como que em uma democracia dos antigos, na qual se pode ver a ação ilumina-dora do Espirito guiando a Igreja. Uma posi-ção notadamente oposta a visão do catolicismo romano, para quem a Tradição pode adquirir ares de infabilidade, e que talvez possa ser me-lhor definida como uma oligarquia dos antigos.

Daí que os Pais Reformadores não temeram cri-ticar os antigos pastores quando consideraram justo fazê-lo. É de Calvino a sitação a seguir: “Embora os pais gregos, mais que os outros, e especialmente Crisóstomo, tenham excedido os limites ao exaltarem os poderes da vontade hu-mana, os teólogos antigos, com excesão de S. Agostinho, são tão confusos e vacilantes sobre esse tema, que nenhuma certeza pode ser obti-da de seus escritos”. Em outras lugares Calvi-no concorda com outros: “Todos reconheceram que a razão humana está gravemente ferida pelo pecado e que sua vontade foi escraviza-da pelos desejos do mal”. E assim por diante.

Curiosamente, esse mesmo Calvino que dia-lóga com tanta liberdade com a patrística, é ta-citamente feito inquestionavel por muitos de seus discipulos atuais, como se pudessem des-denhar uma tradição e edificar outra em seu lu-gar. O que se pode – talvez seja até um dever – é construir uma visão mais ampla, e dentro dos lemas da Reforma, sobre o papel e o lu-gar dos Pais da Igreja, antigos ou novos, na fé e na espiritualidade cristã de nosso tempo.

Por uma perspectiva Reformada sobre os Pais da IgrejaNA ESCOLA DOS PRIMEIROS CRISTAOS

Marcelo Lemos

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O Báculo, publicação periódica e oficial da Igreja Anglicana Re-formada do Brasil. Atualmente a edição da revista eletrônica está sob a responsabilidade do blog Olhar Anglicano, sob a supervi-são episcopal do Bispo Josep Rossello, bispo comissionado da Free Church of England para o Brasil e América Latina.