azambuja rodrigues, carlos de - as três dimensões da imagem

Upload: gerson-lessa

Post on 06-Apr-2018

216 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • 8/3/2019 AZAMBUJA RODRIGUES, Carlos de - As Trs Dimenses da Imagem

    1/7

    AS TRS DIMENSES DAS IMAGENS

    Carlos de Azambuja Rodrigues

    PPGAV - Programa de Ps Graduao em Artes Visuais da EBA/UFRJ.

    Coordenador do Ncleo da Imagem em Movimento - NIM/EBA/UFRJ

    Prof Adjunto da Escola de Belas Artes da UFRJ

    [email protected]

    Uma brevssima introduo

    Davam os antigos gregos o nome de Teoria () festa solene, composta por uma

    procisso dos participantes nos jogos olmpicos que as cidades helnicas enviavam para

    represent-las. Um desfile festivo que, portanto, apresentava e marcava a diversidade e as

    diferenas entre os competidores.

    O objetivo deste texto semelhante, procuraremos brevemente apresentar aqui os trs campos

    distintos mas de modo algum excludentes ou mesmo necessariamente contraditrios a

    partir dos quais sempre possvel se pensar, analisar, formular e tentar entender o que so as

    imagens. Ao contrrio do que possa parecer inicialmente, as trs dimenses mencionadas no

    ttulo nada tem a ver com a noo do espao fsico tridimensional no qual tudo o que existe se

    insere. As trs dimenses aqui citadas dizem respeito a certas instncias de modo algum

    hierarquizadas nas quais a Imagem ( na verdade, toda e qualquer imagem ) se insere

    simultneamente, e a partir das quais ela pode ser sempre analisada e pensada, de uma forma

    diferente a cada vez, com relativa autonomia em relao s suas outras dimenses.Faremo-nos acompanhar aqui nesta narrativa, de uma maneira bastante livre, por Johannes

    Hessen e o seu geminal Teoria do Conhecimento, que nos servir para balizar conceitos e

    tecer importantes relaes entre o conjunto de idias, questes e formulaes que desejamos

    aqui apresentar. Como esta opo inicial indica que estamos trilhando um caminho aberto

    atravs de uma disciplina filosfica (a Teoria do Conhecimento), isso significa dizer que, ao

    percorr-lo estaremos, por fora desta condio, tambm formulando.

    III Encontro Nacional de Estudos da Imagem

    03 a 06 de maio de 2011 - Londrina - PR

    525

  • 8/3/2019 AZAMBUJA RODRIGUES, Carlos de - As Trs Dimenses da Imagem

    2/7

    Os atores do ato de conhecerHessen enumera logo no incio de seu livro os trs personagens envolvidos no fenmeno do

    conhecimento, o ato pelo qual algo se d a conhecer, so eles: o sujeito cognescente, o objeto

    que conhecido e a imagem que se forma no sujeito, daquele objeto com o qual ele est a sedeparar. Devemos observar que no importa se este objeto, cuja a imagem se forma no

    sujeito, existe interna ou externamente ao sujeito, basta que seja percebido por ele como algo

    apartado da sua prpria conscincia para ser identificado como tal. Assim, pode ser

    considerado um objeto exterior tudo aquilo que no for o nosso eu interior. Seja uma

    cadeira na qual me sento, um monstro que surge no meu sonho enquanto nela cochilo, ou o

    pensamento com o qual me ocupo, procurando interpretar as razes ocultas por detrs desta

    apario, quando desperto. Vivemos, portanto, cercados por diversos tipos objetos cujadefinio, grosso modo, poderia ser: aquilo que no sou eu. Encontr-los no tarefa que

    demande qualquer esforo, uma vez que tudo no mundo se d a conhecer constante e

    incessantemente. Difcil, por outro lado, determinar se deste encontro somos capazes de

    extrair algum conhecimento preciso e verdadeiro sobre aquilo que estamos a encontrar. Esta a

    questo atualmente em desuso, mas ainda fundamental da Verdade, a qual extrapola e d

    sentido a toda esta movimentao de significados, seres e coisas no mundo.Temos ento os trs protagonistas do fenmeno do conhecimento: o sujeito, o objeto e a

    imagem. Sendo que, se os dois primeiros tm uma primazia e uma presena no mundo que

    podemos, como sugere Hessen, denominar como psicolgica, na esfera do sujeito e

    ontolgica no que diz respeito aos objetos. Mas e a imagem? Como afirmar sua autonomia

    existencial em relao a dupla sujeito-objeto? Ser isso possvel?A imagem o que surge do encontro entre um sujeito e um objeto. Um sujeito que reconhece

    imediatamente estar na presena de algo que no o seu prprio ser, o seu si mesmo.

    Constiuindo-se assim, numa afetao do sujeito pela presena de alguma coisa que e no

    importa se real ou apenas imaginria - se diferencia dele e dos demais entes sua volta.

    Podemos afirmar que esta afetao, j bem descrita por Henry Bergson no seu Matria e

    Memria, nos traz tambm uma imediata ao de doao de significado a este ente cuja

    presena reconhecemos naquele momento. Assim, perceber imagens ao mesmo tempo um

    deixar-se afetar e uma construo de significado. Portanto, tudo aquilo que denominamos e

    reconhecemos como imagem j nasce pleno de sentido e de significao. Mesmo que este

    sentido seja um non-sense e os seus possveis significados estejam ocultos ou sejam

    III Encontro Nacional de Estudos da Imagem

    03 a 06 de maio de 2011 - Londrina - PR

    526

  • 8/3/2019 AZAMBUJA RODRIGUES, Carlos de - As Trs Dimenses da Imagem

    3/7

  • 8/3/2019 AZAMBUJA RODRIGUES, Carlos de - As Trs Dimenses da Imagem

    4/7

    em Peirce, o de estabelecer um campo prprio, autonmo, para a Imagem. Um locus e,

    consequentemente, um ethos, estabelecido justamente a meio caminho do subjetivo e do

    objetivo, onde ela (a imagem) realiza ento entre os dois uma mediao, um ato de unio que

    atende pelo nome de representao. E, devemos observar, que o seu trajeto, ligando um

    momento de percepo subjetiva at o da semiose produzida numa cultura, cumpre

    exatamente o percurso entre o sujeito e o objeto, confirmando assim a trinca bsica dos

    protagonistas do ato de conhecer: sujeito, objeto e imagem.Os trs pontos de partida para o estudo das imagensCom base nestes trs protagonistas podemos sugerir tambm trs pontos de partida iniciais

    para o estudo das imagens. Se as imagens habitam simultneamente uma dimenso subjetiva,

    outra objetiva e uma terceira intermediria, aonde alcana sua relativa autonomia, podemos

    associar a estas dimenses, trs pontos de partida para o seu estudo. Assim, teramos:1

    - a partir do objeto, as anlises mais tcnica que permitiriam examinar uma imagem

    frente a sua adequao ao objeto a que se refere, quilo que faz referncia. , por

    exemplo, o part-pris da anlise de um laboratorista sobre o negativo que acabou de

    revelar, ou de um gravador sobre o material impresso. Cabem aqui ainda toda a sorte de

    anlises, construes e processamentos das imagens surgidos a partir do advento das

    tecnologias digitais.

    - j, a partir do sujeito, haveria toda sorte de investigaes psicolgicas e fisiolgicas a

    respeito da viso, da memria, como tambm os estudos relativos ao sonho. Caberiam

    aqui tambm, os estudos a respeito construo daqueles objetos que so construdos comosignos de si mesmos e da motivao ( o afeto ) por detrs desta ao potica, i.e., as razes

    da criao das obras de arte e o estudo da forma, a esttica.

    - Com relao imagem, toda a sorte de estudos lingusticos, antropolgicos e filosficos

    que abordam a questo da representao. Tais como, por exemplo: a Semitica, de Peirce

    ou de Barthes; a antropologia visual e o simbolismo de Durand, Cassirer e Eliade; e afilosofia da imagem de Sartre.

    III Encontro Nacional de Estudos da Imagem

    03 a 06 de maio de 2011 - Londrina - PR

    528

  • 8/3/2019 AZAMBUJA RODRIGUES, Carlos de - As Trs Dimenses da Imagem

    5/7

    Note-se que as trs dimenses acima listadas no so nem excludentes, nem exclusivas. So

    como trs montes que circundam um local a partir dos quais possivel se ter uma viso

    particular mas de conjunto da plancie da imagem. E, neste sentido so to limitados quanto

    qualquer outra classificao. Isso talvez porque a experincia da imagem (representao) est

    to ligada nossa existncia que confunde-se com a nossa prpria vivncia. E a vida, como

    escreveu Boris Pasternak, transborda qualquer clice. No s experimentamos imagens,

    vivemos imagens. exatamente o que quis dizer tambm Ernest Cassier quando sugeriu no

    seu Ensaio sobre o Homem que deveramos nos autodenominar como um animal

    symbolicum ao invs de rationale. A imagem no cabe muito bem em escaninhos

    taxinmicos porque, como uma partcula quntica, pode habitar dois lugares ao mesmo

    tempo, sendo simultaneamente virtual (como na minha memria, na histria de um grupo

    social ou mesmo no inconsciente coletivo dos homens definido na psicologia analtica) e

    atual (como fenmeno da percepo e experincia viva).Assim tambm ocorre na classificao peirciana, que, como bem observa Winfried Nth no seu

    Panorama da Semitica, no pode ser comparada a uma classificao do tipo aristotlico,pois difere desta j que em Peirce cada signo no pertence a uma s classe (NTH, 2005,

    p.83). O estranho escaninho peirceano ento no pode mesmo funcionar como tal, pois uma

    imagem pode ter de ser colocada em dois ou mais de seus compartimentos ao mesmo tempo.

    Por isso, talvez fosse melhor comparar as categorias de Peirce no a escaninhos, como fizemos

    acima com as taxonomias em geral, mas sim aos selos que colocamos sobre uma carta (no caso,

    uma imagem): eles esto de alguma maneira ligados ao remetente e ao destinatrio, descrevem

    parcialmente algumas de suas caractersticas, mas no me dizem absolutamente nada sobre seu

    contedo. No informam em si nada a respeito da razo, do motivo, pela qual a carta foi escrita

    ou do por qu daquele destinatrio receb-la. Em suma, tal anlise de uma imagem d conta de

    aspectos relevantes sobre a forma da signo desta imagem, mas no me diz qualquer coisa a

    respeito do seu sentido, da sua razo-de-ser e do seu significado particular. Em suma, no

    capaz de recolher aquilo transborda do seu clice.A imagem, portanto, pode ser analisada por qualquer um dos caminhos (ou escaninhos)

    propostos acima desde que se tenha sempre em conta de que o fenmeno particular, aexperincia viva, em que ela se constitui e manifesta no pode mesmo se esgotar estritamente

    III Encontro Nacional de Estudos da Imagem

    03 a 06 de maio de 2011 - Londrina - PR

    529

  • 8/3/2019 AZAMBUJA RODRIGUES, Carlos de - As Trs Dimenses da Imagem

    6/7

    por qualquer uma das suas possveis abordagens. Se aqui apresentamos trs caminhos a

    percorrer ou trs possveis pontos de observao deste fenmeno, porque podemos

    especular com certa segurana que toda e qualquer imagem ter sempre uma dimenso

    afetiva, responsvel pela sua significao e pelo sentido (razo-de-ser) de sua existncia; ser

    sempre em si mesma uma forma de representao de algo, e far tambm sempre referncia a

    um outrem, no importa se ausente ou presente, se real ou imaginado.Da questo da significao ao onricoSempre entendemos que uma imagem significa, isso ou aquilo, sem nos darmos conta que

    enxergar estas relaes, observar todo este grande sistema de representaes, , antes de mais

    nada, uma construo do nosso esprito. A significao no pertence ao objeto, ela doada a

    ele por ns. Da mesma forma que num bosque uma rvore se d a ver e conhecer sem que se

    possa afirmar que seja este o seu propsito existencial, tambm doamos s coisas

    incessantemente significados sem que se possa dizer que nossa relao com elas se esgota e se

    resume quilo que significam para ns, pois conhecer mais que simplesmente saber:

    tambm viver e conviver. Os significados das coisas se movem tanto quanto elas prprias,

    sem parar, mas se no propriamente o seu movimento que d e provoca o significado as

    coisas, talvez a significao nasa justamente desta nossa prpria disposio permanente em

    acompanh-las.Porm, se o significado surge do nosso atrito com o movimento do mundo, como uma

    resposta a todo o caleidoscpio de estmulos que constantemente nos chegam. O que dizer dos

    sonhos, que surgem justamente de uma experincia de imerso da nossa alma (ou, como

    alguns preferem chamar, mente) dentro de si mesma? O que ento aquilo que se oferece a

    ns no sonho e a que damos significado em resposta a afetaes que nos provoca? Aquilo que

    ali se oferece de um modo muito semelhante como sempre fazem as coisas do mundo real?

    A comunicaco sempre uma via de mo dupla. Se possvel um sonho inspirar um artista

    ou cientista trazendo a intuio para criao de uma obra de arte ou para uma nova descoberta

    cientfica, como de fato j aconteceu inmeras vezes, tambm, por outro lado, lcito

    igualmente afirmar que alguns dos contedos dos nossos sonhos podem mesmo ser

    designados por eventos nascidos no mundo durante a nossa viglia, como prega, por exemplo,

    a abordagem psicanaltica. A indagao que se pode fazer aqui, entretanto, outra: porque o

    mundo dos sonhos deveria ser apenas um mero reflexo dos objetos com os quais convivoquando estou desperto, uma vez que este mundo objetivo das coisas minha volta no ele

    III Encontro Nacional de Estudos da Imagem

    03 a 06 de maio de 2011 - Londrina - PR

    530

  • 8/3/2019 AZAMBUJA RODRIGUES, Carlos de - As Trs Dimenses da Imagem

    7/7

    prprio meramente um fruto dos meus sonhos? No ento o campo do onrico uma outra

    dimenso autnoma a qual devemos tambm considerar no estudo da imagens?

    O Onirismo tem m fama. Ele tradicionalmente serve ao escapismo, alienao ou mesmo a

    loucura e perdio. Mas no ele tambm um campo de experincias e de construo designificaes e, portanto, de busca de sentido? claro que devemos reconhecer uma

    primazia ontolgica do mundo material sobre o onrico, afinal a primeira condio para

    podermos sonhar existir: para se sonhar preciso antes se ter nascido. No entanto, no

    obrigatrio ou mesmo necessrio, se reduzir a experincia onrica a uma experincia

    ontolgica, ou vice-versa. E a nica coisa que podemos afirmar com preciso que, numa e

    noutra, agimos de modo semelhante, doando significados e reagindo quilo com que nos

    deparamos. Lidando com as coisas, o tempo todo, no jogo do fazer significar, na buscaincessante de sentido.

    Notas1 - Uma referncia a esta classificao est no textoA Aurora da Imagem.

    Referncias Bibliogrficas AZAMBUJA RODRIGUES, Carlos de. A Aurora da Imagem in Interatividade e

    Sentido ou A Stima Funo da Linguagem. Tese de Doutorado, ECO/UFRJ, 2003. BERGSON, Henry. Matria e Memria. Ensaio sobre a relao do corpo com o

    esprito. So Paulo: Martins Fontes, 1990 CASSIRER, Ernest. Ensaio sobre o Homem. Introduo a uma Filosofia da Cultura

    Humana. So Paulo: Martins Fontes, 2005. HESSEN, Johannes. Teoria do Conhecimento. So Paulo: Martins Fontes, 2003 NTH, Winfried. Panorama daSemitica, de Plato a Peirce. So Paulo: Annablume,

    2005

    III Encontro Nacional de Estudos da Imagem

    03 a 06 de maio de 2011 - Londrina - PR

    531