avaliaÇÃo da inflamaÇÃo na medula espinhal em um …objdig.ufrj.br/59/teses/900151.pdf · 2020....
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DAIANE OLIVEIRA MATIAS
AVALIAÇÃO DA INFLAMAÇÃO NA MEDULA ESPINHAL EM UM MODELO DE
NEUROPATIA DOLOROSA INDUZIDA PELO PACLITAXEL
Rio de Janeiro - RJ
2018
15
DAIANE OLIVEIRA MATIAS
AVALIAÇÃO DA INFLAMAÇÃO NA MEDULA ESPINHAL EM UM MODELO DE
NEUROPATIA DOLOROSA INDUZIDA PELO PACLITAXEL
Dissertação apresentada ao Curso de Pós-
Graduação em Ciências Farmacêuticas, da
Faculdade de Farmácia da Universidade
Federal do Rio de Janeiro, como requisito
parcial à obtenção do Título de Mestre em
Ciências Farmacêuticas.
Orientador: Prof. Robson da Costa.
Co-orientadora: Prof.ª Cláudia Pinto
Figueiredo.
Rio de Janeiro - RJ
2018
Ficha Catalográfica
Matias, Daiane Oliveira
Avaliação da inflamação na medula espinhal em um modelo de neuropatia
dolorosa induzida pelo paclitaxel. / Daiane Oliveira Matias. – Rio de Janeiro: UFRJ /
Centro de Ciências da Saúde, Faculdade de Farmácia, 2018.
69 f. il. ; 31 cm.
Orientador: Robson da Costa
Coorientadora: Cláudia Pinto Figueiredo
Dissertação (mestrado) -- UFRJ, CCS, Faculdade de Farmácia, Programa de Pós-
Graduação em Ciências Farmacêuticas, 2018.
Referências: p. 61-69.
1. Paclitaxel. 2. Doenças do Sistema Nervoso Periférico- induzido quimicamente.
3.Inflamação. 4. Neuroglia - imunologia. 5. Medula espinhal. 6. Neutropenia. 7.
Farmácia - tese. I. Costa, Robson da. II. Figueiredo, Cláudia Pinto. III. UFRJ, CCS,
Faculdade de Farmácia, Programa de Pós- Graduação em Ciências Farmacêuticas.
IV. Título.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus por ter me mantido resiliente e pelas bênçãos concebidas a
mim nos últimos anos.
Ao meu orientador Robson da Costa, pela oportunidade, orientação,
dedicação, paciência e ensinamentos em todos estes anos desde a iniciação
cientifica, a co-orientadora e professora Claudia P. Figueiredo e a todos os
colaboradores do Núcleo de Neurociências da Faculdade de Farmácia (NNeFFar).
Ao professor Leandro Miranda Alves, pela receptividade e orientação nos
experimentos de imuno-histoquímica deste trabalho.
A professora Ana Luísa Palhares de Miranda, pelo incentivo e acolhimento.
A Mariana Soares pela ajuda em grande parte dos experimentos deste
trabalho.
Aos demais amigos que colaboraram ativamente para a realização deste
trabalho, Rafaela Vieira, Natália Linhares, Fabiana Chaves, Aline França, Vanessa
Domitila, Vinicius Santos e Luciana Afonso.
Aos demais amigos do laboratório de estudos em farmacologia experimental
(Lefex), pela agradável convivência e motivação diária.
A minha família e amigos, em especial a minha mãe Marilva Oliveira, avó
Santana Oneide, irmão Wenglis Oliveira, prima Marina Cruz, irmão Yuri Cavalcante,
amigo Jonathas Xavier e namorado Carlos Henrique Rodrigues, pelo amor, incentivo
e confiança.
A CAPES, CNPq, e FAPERJ pelo suporte financeiro. Meus sinceros agradecimentos a todos.
“Seus feitos são seus monumentos. ”
(Palacio, R. J. 2013)
RESUMO
Matias, Daiane Oliveira. Avaliação da inflamação na medula espinhal em um
modelo de neuropatia dolorosa induzida pelo paclitaxel. Rio de Janeiro, 2018.
Dissertação de Mestrado, Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas, Faculdade
de Farmácia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2018.
A neuropatia periférica dolorosa é um efeito adverso dose limitante do paclitaxel
(PTX), um quimioterápico amplamente utilizado no tratamento oncológico. Estudos
recentes evidenciam a importância da neuroinflamação na medula espinhal (ME) na
patogênese das neuropatias dolorosas causadas por lesão de nervos. No entanto,
os mecanismos neuroinflamatórios que ocorrem na neuropatia periférica induzida
pelo PTX ainda não são conhecidos. Neste estudo buscamos avaliar o envolvimento
da inflamação na ME na neuropatia induzida pelo PTX. Camundongos swiss machos
(30-40 g) foram tratados com PTX (2 mg/Kg, i.p.) ou veículo (0.9% NaCl) uma vez ao
dia por 5 dias consecutivos. A neuropatia periférica foi avaliada pela sensibilidade
plantar dos animais a estímulos mecânicos (filamentos de von Frey), ao frio (teste da
acetona) e ao calor (teste de Hargreaves). O tratamento com PTX reduziu
significantemente o limiar de retirada da pata aos estímulos mecânicos a partir do 7º
dia do protocolo experimental. As sensibilidades térmicas ao frio e ao calor não
foram alteradas. A migração de células imunes para o SNC pode contribuir para
neuropatia periférica, então avaliamos o papel dos neutrófilos na neuropatia induzida
pelo PTX através do ensaio de atividade da enzima mieloperoxidase (MPO),
determinando indiretamente a migração dessas células para a medula espinhal. Foi
avaliado também o efeito da depleção de neutrófilos sobre a hipersensibilidade
mecânica. Nossos resultados demonstram que não houve alteração da atividade da
MPO na ME de animais tratados com PTX, sugerindo não haver alterações na
migração de neutrófilos para esta estrutura neste modelo. Ainda, a depleção de
neutrófilos com vimblastina (5 mg/Kg i.v.) não interferiu no desenvolvimento da
neuropatia dolorosa causada pelo PTX, corroborando os dados bioquímicos. Os
níveis espinhais de interleucina-1β (IL-1β), foram quantificados (por ELISA) nos
diferentes grupos experimentais. A ME de camundongos tratados com PTX
apresentou níveis de IL-1β similares aos observados nos animais tratados com
veículo. As células gliais são chaves nos mecanismos neuroinflamatórios em
diferentes modelos de dor; neste trabalho avaliamos através do ensaio de
imunohistoquímica os níveis espinhais de marcadores para astrócito (GFAP) e
microglia (Iba-1), com o intuito de quantificar a ativação/migração de células da glia
para ME. Nossos resultados demonstram que a imunomarcação para GFAP
encontra-se significativamente aumentada 24 h após o primeiro tratamento com
PTX, indicando aumento na ativação de astrócitos. No entanto, não se observou
alterações significativas para a imunomarcação de Iba-1, sugerindo não haver
aumento na migração células microgliais. A participação de microglia na neuropatia
induzida pelo PTX foi também avaliada pelo tratamento com a minociclina (doses de
30 e 100 mg/kg), inibidor da ativação de microglia. O tratamento com a minociclina
na dose de 30 mg/kg não alterou significativamente a sensibilidade mecânica
causada pelo PTX; entretanto, quando administrada na dose de 100 mg/kg, reduziu
de forma significativa a sensibilidade mecânica associada ao modelo. Em conjunto,
nossos dados sugerem que células gliais da medula espinhal contribuem para a
neuropatia dolorosa induzida pelo paclitaxel.
Palavras-Chaves: Neuroinflamação, Paclitaxel, Neuropatia, Quimioterápicos,
Neutrófilos, Glia.
ABSTRACT
Matias, Daiane Oliveira. Evaluation of spinal cord inflammation in a model of
painful neuropathy induced by paclitaxel. Rio de Janeiro, 2018. Master's Degree
Dissertation, Post-Graduation in Pharmaceutical Sciences, Faculty of Pharmacy,
Federal University of Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2018.
Painful peripheral neuropathy is a dose-limiting adverse effect of paclitaxel (PTX), a
chemotherapy widely used in cancer treatment. Recent studies have demonstrated
the importance of neuroinflammation in the spinal cord (SC) in the pathogenesis of
painful neuropathies caused by nerve damage. However, the neuroinflammatory
mechanisms that occur in peripheral neuropathy induced by PTX are unknown. In
this study, we sought to evaluate the involvement of SC inflammation in PTX-induced
neuropathy in mice. Male swiss mice (30-40 g) were treated with PTX (2 mg/kg, i.p.)
or vehicle (0.9% NaCl) once a day for 5 consecutive days. Peripheral neuropathy
was evaluated by assessing mouse plantar sensitivity to mechanical (von Frey
filaments), cold (acetone test) and heat (Hargreaves test) stimuli. Treatment with PTX
significantly reduced the paw withdrawal threshold to mechanical stimulus from the
7th day of the experimental protocol. The thermal sensitivities to cold and heat were
not altered. Migration of immune cells to the CNS may contribute to peripheral
neuropathy, so we evaluated the role of neutrophils in PTX-induced neuropathy by
assessing the activity of myeloperoxidase (MPO) enzyme, an indirect marker of
neutrophils migration into the SC. The effect of neutrophil depletion on mechanical
hypersensitivity was also evaluated. Our results demonstrate that there was no
alteration in MPO activity in the mouse SC after the treatment with PTX, suggesting
no changes in neutrophil migration to this structure in this model. Furthermore,
neutrophil depletion with vimblastine (5 mg/kg i.v.) did not interfere in the
development of painful neuropathy caused by PTX, corroborating the biochemical
data. Spinal levels of interleukin-1β (IL-1β) were quantified (by ELISA) in the different
experimental groups. SC of mice treated with PTX showed IL-1β levels similar to
those observed in vehicle treated animals. Glial cells are key cells in the
neuroinflammatory mechanisms in different pain models; in this work we evaluated
the spinal levels of astrocyte (GFAP) and microglia (Iba-1) markers by
immunohistochemical assay to quantify the migration of glial cells to the SC. Our
results demonstrate that immunostaining for GFAP is significantly increased 24 h
after the first PTX treatment, indicating increased astrocyte activation. However, no
significant changes were observed for Iba-1 immunostaining, suggesting no increase
in microglial cell migration. The participation of microglia in PTX-induced neuropathy
was also evaluated by treatment with minocycline (doses of 30 and 100 mg / kg), an
inhibitor of microglia activation. Treatment with minocycline at the dose of 30 mg / kg
did not significantly alter the mechanical sensitivity caused by PTX; however, when
administered at a dose of 100 mg/kg, it significantly reduced the mechanical
sensitivity associated with the model. Taken together, our data suggest that glial cells
from the SC contribute to painful neuropathy induced by paclitaxel.
Keywords: Neuroinflammation, Paclitaxel, Neuropathy, Chemotherapeutics,
Neutrophils, Glia.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Esquema ilustrativo do circuito neuronal fisiológico da dor............ 17
Figura 2: Esquema ilustrativo dos danos que ocorrem a mitocôndria no
gânglio da raiz dorsal (GRD) após o tratamento com o paclitaxel 20
Figura 3: Células imunológicas liberam mediadores que produzem
sensibilização periférica de neurônios sensoriais nociceptores...... 22
Figura 4: Microglia e células T medeiam a sensibilização central da dor na
medula espinhal................................................................................. 24
Figura 5: Avaliação da sensibilidade térmica no modelo de neuropatia
induzida por PTX ............................................................................ 40
Figura 6: Caracterização do modelo de neuropatia periférica induzida pelo
PTX ................................................................................................ 42
Figura 7: Avaliação da migração de neutrófilos para medula espinhal de
camundongos tratados com PTX ................................................... 43
Figura 8: Efeito da depleção de neutrófilos sobre a neuropatia causada pelo
PTX ........................................................................................ 45
Figura 9: Níveis da citocina pró-inflamatória IL-1β em animais tratados com
PTX ........................................................................................ 47
Figura 10: Níveis de expressão de astrócitos (GFAP) na medula espinhal de
animais tratados com PTX ............................................................. 49
Figura 11: Níveis de expressão de microglia (IBA-1) na medula espinhal de
animais tratados com PTX ............................................................. 50
Figura 12: Bloqueio da microglia reduziu a hiperalgesia mecânica induzida por
PTX .......................................................................................... 52
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Contagem total e diferencial de leucócitos no sangue de animais no 3º dia após o tratamento com vimblastina .......................................................................................
46
Tabela 2: Contagem total e diferencial de leucócitos no sangue de animais no 18º dia após o tratamento com vimblastina ............................................................................................
46
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
ATC – Antidepressivos tricíclicos
ATP – Adenosina trifosfato
AMPAR – Receptor a-amino-3-hidroxi-5-metil-4-isoxazolepropiónico
CGRP – Peptídeo relacionado ao gene da calcitonina
G – Grama
GABA – Ácido Gama-aminobutírico
GFAP – Proteína glial fibrilar ácida
GRD – Gânglio da raiz dorsal
H – Horas
IASP – Associação Internacional do Estudo da Dor
IBA-1 – Molécula adaptadora de cálcio ionizado - 1
IL-1β – Interleucina 1 beta
IL-5 – Interleucina 5
IL-6 – Interleucina 6
IL-17A – Interleucina 17A
i.p. – Intraperitoneal
i.t. – Intratecal
i.v. – Intravenoso
LPNC – Ligação parcial do nervo ciático
MAPK – Proteína quinase ativada por mitógeno K
ME – Medula espinhal
mPTP – Poro de transição de permeabilidade mitocondrial
MPO – Mieloperoxidase
NF-kB – Fator nuclear -kB
NPIQ – Neuropatia periférica induzida por quimioterápico
NPIP – Neuropatia periférica induzida pelo paclitaxel
NDMAR – Receptor N-metil-D-aspártico
PGE2 – Prostaglandina E2
PI3K – Fosfatidilinositol 3 quinase
PI3Kγ – Fosfatidilinositol 3 quinase gama
PKC – Proteína quinase C
PLC – Fosfolipase C
PTX – Paclitaxel
ROS – Espécie reativa de oxigênio
SNC – Sistema nervoso central
SNP – Sistema nervoso periférico
SP – Substância P
TLRs – Recpetores do tipo Toll
TNF – Fator de necrose tumoral
TNF-α – Fator de necrose tumoral alfa
TRPV1 – Receptor de potencial transitório vanilóide 1
OXA – Oxaliplatina
v.o. – Via oral
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ...................................................................................... 15
1.1 Dor neuropática ..................................................................................... 15
1.2 Tratamentos farmacológicos ................................................................ 18
1.3 Neuropatia periférica dolorosa induzida pelo paclitaxel ........................ 19
1.4 Inflamação e dor neuropática ............................................................... 21
2. OBJETIVOS ........................................................................................... 30
2.1 Objetivo geral ........................................................................................ 30
2.2 Objetivos específicos ............................................................................. 30
3. MATERIAIS E MÉTODOS ..................................................................... 31
3.1 Reagentes ............................................................................................... 31
3.2 Animais ................................................................................................. 32
3.3 Procedimentos Experimentais ............................................................... 32
3.2.1 Neuropatia periférica induzida pelo paclitaxel ....................................... 33
3.3.2 Avaliação da sensibilidade mecânica ................................................... 33
3.3.3 Avaliação da sensibilidade ao frio ......................................................... 34
3.3.4 Avaliação da sensibilidade ao calor ...................................................... 34
3.3.5 Avaliação da atividade da mieloperoxidase .......................................... 34
3.3.6 Ensaio imuno enzimático (ELISA) para dosagem da citocina IL-1 β .... 35
3.3.7 Imunohistoquímica ............................................................................ 35
3.3.8 Depleção de neutrófilos .................................................................... 37
3.3.9 Tratamento com Minociclina ............................................................. 38
3.3.1 Análise estatística ........................................................................... 38
4. RESULTADOS 39
4.1 Caracterização do modelo de neuropatia periférica induzida pelo PTX 39
4.2 Avaliação da migração de neutrófilos para medula espinhal após o
tratamento com PTX .................................................................................
43
4.3 Efeito da depleção de neutrófilos sobre a hipersensibilidade mecânica
induzida pelo PTX ....................................................................................
44
4.4 Avaliação dos níveis da citocina pró-inflamatória IL-1β na medula
espinhal de animais tratados com PTX ...................................................
47
4.5 Avaliação dos níveis de marcadores de células gliais na medula espinhal
de animais tratados com PTX .................................................................
48
4.6 Efeito do tratamento com minociclina sobre a hipersensibilidade mecânica
causada pelo PTX ......................................................................................
51
5. DISCUSSÃO .............................................................................................. 53
6. CONCLUSÕES........................................................................................... 60
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................... 61
15
1. INTRODUÇÃO
1.1. Dor
A dor é por definição uma experiência sensorial e emocional desagradável
associada ou relacionada à lesão real ou potencial dos tecidos (IASP, 2010). Sendo
assim a dor é um mecanismo fisiológico fundamental de proteção e defesa contra
agentes nocivos externos ou lesão tecidual. A capacidade de detectar estímulos
nocivos é extremamente importante para o bom funcionamento do organismo,
entretanto comumente a dor pode sofrer alterações em seu curso normal e deixar de
ser uma função útil de alerta agudo e tornar-se crônica e debilitante (BASBAUM et
al., 2009; KUNER, 2010).
O processamento fisiológico da dor envolve circuitos neuronais periféricos e
centrais tanto excitatórios quanto inibitórios, que em condições normais estão em
equilíbrio e a disfunção desses circuitos resulta no desenvolvimento patológico da
dor e o surgimento da dor crônica (WOOLF, 2010). Determinados estímulos nocivos,
como calor, frio, compressão mecânica e componentes químicos podem ser
detectados por diferentes tipos de fibras (C e Aδ) nervosas periféricas. As fibras C
podem ser subdividas em fibras C peptidérgicas e fibras C não peptidérgicas; ambas
são fibras nociceptivas não mielinizadas, de pequeno diâmetro. As fibras Aδ também
são fibras nociceptivas, porém pouco mielinizadas e de médio diâmetro. Ambas
fibras C e Aδ respondem a estímulos mecânicos, térmicos e químicos; essas fibras
diferem apenas na velocidade na qual são capazes de conduzir os sinais neuronais.
Ainda existem as fibras Aα e Aβ que fisiologicamente desempenham funções
relacionadas a sensação tátil e movimentos, no entanto em condições patológicas
elas podem passar a transmitir também os estímulos nocivos. Os corpos celulares
das fibras aferentes primárias encontram-se no gânglio da raiz dorsal (GRD) e suas
terminações encontram-se entre as lâminas I e IV do corno dorsal da medula
espinhal, onde ocorre a comunicação entre sistema nervoso periférico e sistema
nervoso central (KUNER, 2010; WOOLF, 2011).
Os estímulos nocivos são convertidos em sinais elétricos pelos receptores de
potencial transitório e pelos receptores purinérgicos, ainda essa atividade elétrica é
amplificada pelos canais de sódio Nav 1.8 e Nav 1.7 desencadeando o potencial de
16
ação. As fibras nociceptivas aferentes transmitem esse sinal até a medula espinhal,
liberando os neurotransmissores como por exemplo, adenosina trifosfato (ATP),
CGRP (Peptídeo relacionado ao gene da calcitonina), substância P (SP) e
glutamato. Estes mediadores ativam neurônios de segunda ordem na fenda
sináptica, os quais por via ascendente projetam estes sinais até o cérebro,
especificamente no tálamo e córtex onde a dor por fim é processada e interpretada
(Figura 1) (KUNER, 2010; GANGADHARAN e KUNER, 2013; LATREMOLIERE e
WOLF 2010; COLLOCA et al., 2017).
Figura 1. Esquema ilustrativo do circuito neuronal fisiológico da dor. Fonte: Kunner, R. Central mechanismis of pathological pain, Nature, 2010.
17
Considerando suas características, a dor pode ser classificada em três tipos:
i) dor nociceptiva, protetora, que responde a estímulos prejudiciais ou nocivos; ii) dor
inflamatória que resulta de uma lesão tecidual, sendo também um mecanismo de
defesa contra um dano maior a área afetada e, iii) dor patológica, uma resposta mal-
adaptativa decorrente de uma disfunção do sistema nervoso, que produz dor mesmo
após a cura da lesão ou na ausência de um estimulo nocivo (WOOLF, 2010).
1.2. Dor neuropática
A dor neuropática é um subtipo de dor patológica, de difícil tratamento, que é
causada por uma lesão que afeta o sistema somatosensorial. Como resposta a essa
lesão, a dor neuropática é tipicamente caracterizada pela hiperalgesia, ou seja,
resposta dolorosa aumentada a estímulos mecânicos e térmicos nocivos, bem como
pela alodinia, sendo uma resposta dolorosa a estímulos inócuos, uma vez que
ocorrem mudanças significativas nas propriedades eletrofisiológicas e moleculares
dos neurônios nociceptores e da medula espinhal (LOESER e TREEDE, 2008).
Existem diversos fatores que podem desencadear o desenvolvimento da dor
neuropática, dentre eles estão incluídos principalmente lesões focais ou multifocais
no sistema nervoso periférico, como a neuralgia pós-herpética, dor do membro
fantasma e neuralgia traumática; lesões no sistema nervoso central, como lesão na
medula espinhal e esclerose múltipla; doenças neuropáticas complexas, como a
síndrome dolorosa complexa e as polineuropatias periféricas generalizadas,
causadas por diabetes mellitus, álcool, HIV e por efeito tóxico de quimioterápicos
usados no tratamento do câncer (JI et al., 2014).
A dor neuropática tem grandes consequências clínicas e sociais e acomete
cerca de 6,9 a 10% da população mundial (KAWAI et al., 2017; IASP, 2014). No
Brasil, a dor crônica e condição clinica bastante frequente, acometendo entre 28 e
41% da população brasileira (DIAS et al., 2009; SA et al., 2009). Além disso, de 25 a
34% dos pacientes com dor neuropática, sofrem de distúrbios psiquiátricos como
ansiedade e depressão (GUSTORFF et al., 2008), afetando assim em longo prazo a
qualidade física e emocional de vida destes pacientes, visto que 80% dos pacientes
18
com dor neuropática também apresentam distúrbios do sono e consequentemente
alterações do humor (ALKAN MELIKOGLU e CELIK, 2017).
1.3. Tratamentos farmacológicos para dor neuropática
A dor neuropática é de difícil tratamento pois as terapias disponíveis não são
eficazes para a maior parte dos pacientes com esta condição. Baseado nos
mecanismos fisiopatológicos envolvidos, o tratamento atual da dor neuropática
envolve principalmente a modulação da excitabilidade neuronal.
Desta forma, o tratamento de primeira escolha são os antidepressivos
tricíclicos (ATC) (nortriptilina e desmipramina), inibidores da recaptação de
serotonina e noradrenalina (duloxetina) e ligantes do canal de cálcio alfa-2-delta-1
(gabapentina e pregabalina). A utilização destes fármacos é limitada em virtude de
sua ação lenta (dias ou até semanas), pois exige a administração inicial em
pequenas doses com aumento gradual até que se atinja a dose efetiva para o
controle da dor. Além disso todos possuem muitos efeitos adversos, tais como
letargia, sedação, toxicidade cardíaca pelo uso de ATC e sonolência e tontura pelo
uso de gabapentina (DWORKIN, 2007).
O tratamento de segunda escolha baseia-se no uso de analgésicos opióides
(morfina, tramadol, oxicodona, metadona) principalmente pela falta de estudos de
segurança com o tratamento a longo prazo, e pelo seu potencial clássico em causar
dependência e tolerância. Alguns dos efeitos adversos observados na terapia com
opióides são alterações imunológicas, náuseas, vômitos, constipação, sonolência e
tontura (DWORKIN, 2007 e 2010; COLLOCA L. et al., 2017).
Ainda não existe tratamento específico para a neuropatia periférica induzida
por quimioterápico (NPIQ), no entanto um ensaio clinico demonstrou eficácia para a
duloxetina em 5 semanas de tratamento na redução dos sintomas de dor em
pacientes com neuropatia periférica induzida por Paclitaxel (PTX) ou Oxaliplatina
(OXA) em comparação com o placebo; no entanto o efeito benéfico foi apenas 20%
maior que o relatado pelo grupo placebo (SMITH EM et al., 2013). Na clínica, ainda
são utilizados alguns nutracêuticos (vitamina E, vitamina B6, magnésio, cálcio,
acetil-L-carnitina, glutamina, glutationa dentre outros), como estratégias adjuvantes
de farmacoterapia da NPIQ (SCHLOSS JM et al., 2013).
19
1.4. Neuropatia periférica dolorosa induzida pelo paclitaxel
A neuropatia periférica induzida por quimioterápico (NPIQ) pode ocorrer de
três formas: autonômica, motora e/ou sensorial. Esta última é a forma mais frequente
entre os quimioterápicos, e pode manifestar-se como parestesia ou disestesia, dor
em queimação, bem como alodinia mecânica e térmica ao frio (FLATTERS e
BENNETT, 2006).
O paclitaxel (PTX) é um quimioterápico eficaz contra diferentes tipos de
câncer. No entanto, um de seus principais efeitos adversos é a neuropatia dolorosa,
a qual pode se manifestar de forma aguda (durante a quimioterapia) ou crônica
(após a quimioterapia e com duração de pelo menos 6 meses). A forma aguda
acomete entre 59-78% dos usuários, enquanto 30% deles desenvolvem a forma
crônica (BEIJERS et al. 2012; BALAYSSAC et al., 2011).
Em relação aos taxanos, classe à qual pertence o PTX, acredita-se que o
efeito tóxico destes medicamentos sobre os aferentes primários ocorra por atuarem
sobre a dinâmica dos microtubulos axonais, como na formação ou aumento da
polimerização dos microtúbulos, o que impediria o funcionamento normal do
citoesqueleto celular e, consequentemente, comprometeria o transporte axonal de
proteínas, vesículas e organelas (CARLSON et al., 2011; CAROZZI, CANTA e
CHIERAZZI, 2015).
Ainda, ha fortes evidências que a neurotoxicidade causada pelo paclitaxel age
principalmente através de disfunção mitocondrial nos GRD, levando ao aumento da
concentração intracelular de cálcio (excitotoxicidade neuronal) e estresse oxidativo.
Tais eventos podem desencadear a apoptose celular de parte das fibras sensoriais e
seria responsável também pela degeneração de fibras sensoriais periféricas
remanescentes (JAGGI e SINGH, 2012).
A administração de PTX age diretamente nas mitocôndrias levando a
liberação de citocromo C o que inicia a ativação da caspase durante a apoptose. O
poro de transição de permeabilidade mitocondrial (mPTP), é um complexo multi-
molecular contendo proteínas transmembranas como canais de aníons dependentes
de voltagem/tensão, o translocador de nucleotídeos de adenina e as proteínas de
20
membrana mitocondrial. A abertura da mPTP é seguida pela perda de potencial de
membrana mitocondrial aumentando a geração de espécies reativas de oxigênio
(ROS) e levando a redução dos níveis de ATP e liberação de Ca2+ (MARTIN et al.,
2009). O PTX abre os mPTP e resulta em mitocôndrias vacuoladas/dilatadas e
funcionalmente comprometidas (Figura 2). A Mitocôndria em neurônios periféricos
tem um mecanismo de reparo mais lento que em outros tecidos. Além disso, as
mitocôndrias estão envolvidas na homeostase intracelular de Ca2+ e se as
mitocôndrias estão danificadas ou a captação mitocondrial de Ca2+ é prejudicada,
isto pode ser responsável pela propagação aumentada da sinalização induzida pelo
Ca2+ e, assim, os processos dependentes de Ca2+ na dor neuropática induzida por
PTX poderiam ser desencadeados como a ativação dos canais iônicos dependentes
de Ca2+ como Nav 1.7, Nav 1.8 e ainda os receptores de potencial transitório (TRP),
especificamente TRPV1, TRPA1 e TRPV4 já foram relatados em participar destes
mecanismos (KIDD et al., 2002; MIRONOV et al., 2005; FERRIER et al., 2013;
CARROZZI et al., 2015).
Figura 2. Esquema ilustrativo dos danos que ocorrem a mitocôndria no gânglio da raiz dorsal (GRD) após o tratamento com o paclitaxel. Fonte: V.A. Carozzi et al. Neuroscience Letters 596 90–107, 2015.
A NPIQ do tipo sensorial dificulta a adesão dos pacientes ao tratamento e,
frequentemente, leva a diminuição da dose eficaz contra o câncer ou, até mesmo,
21
interrupção da quimioterapia (QUASTHOFF e HARTUNG, 2002). Outro fator que
reforça a importância clínica da NPIQ é o fato de que ela pode causar dor crônica,
com duração de meses ou anos (HAN e SMITH, 2013). Desta maneira, o emprego
de modelos animais na tentativa de elucidar os mecanismos responsáveis pelo
desenvolvimento da NPIQ é de extrema importância principalmente no que diz
respeito a estratégias preventivas.
Até o momento, não foram desenvolvidas terapias eficazes para o tratamento
da dor crônica. Além disso, as opções disponíveis atualmente para o tratamento
deste tipo de dor são acompanhadas de muitos efeitos adversos que limitam o uso
destes medicamentos (COLLOCA L. et al., 2017). Portanto, é importante que sejam
realizados estudos para identificar alvos moleculares que sirvam como ponto de
partida para o desenvolvimento de novas abordagens terapêuticas para o tratamento
da dor neuropática.
1.5. Inflamação e dor neuropática
Diversos mecanismos estão envolvidos na fisiopatologia da dor neuropática
incluindo a sensibilização neurônios periféricos e centrais, e a participação de
células não-neuronais, como as células gliais e células do sistema imunológico (REN
K e DUBNER R. 2010).
Logo após um dano a um nervo periférico, a inflamação é desencadeada pela
ativação imune inata de receptores como os do tipo Toll (TLRs) que reconhecem
moléculas endógenas liberadas de células danificadas como por exemplo as
proteínas de choque térmico (LACAGNINA et al., 2018). Os TLRs são expressos em
células do sistema imunológico, incluindo monócitos ou macrófagos e células
dendríticas, e em células relacionadas ao sistema imunológico, como os
queratinócitos. A ligação aos TLRs é seguida pela ativação da sinalização do fator
nuclear-kB (NF-kB) e pela liberação fatores endógenos de sinalização como
mediadores pró-inflamatórios como citocinas, quimiocinas e fatores de crescimento
são liberados, sensibilizando os nociceptores, fibras nervosas do tipo Aδ
mielinizadas de médio diâmetro e fibras C não-mielinizadas de pequeno diâmetro, as
quais são responsivas a estímulos nocivos mecânicos, térmicos e químicos
(WOOLF, 2007, 2010; LATREMOLIERE, 2009; REN K e DUBNER R. 2010).
22
As células imunes residentes como mastócitos e macrófagos também são
ativadas minutos após a lesão e também passam a liberar mediadores inflamatórios
como citocinas pró-inflamatórias (IL-5, IL-6 e IL-1β), efetores da cascata do sistema
complemento (C3a e C5a) e vasodilatadores (bradicinina). Neutrófilos, monócitos e
linfócitos T migram pelo sangue aderem às paredes dos vasos, extravasam e se
acumulam no local da lesão. Essas células imunológicas contribuem para a
sensibilização nociceptiva periférica, liberando fatores solúveis (TNF-α, PGE2, IL-1β,
IL-17A) e interagindo diretamente com os nociceptores (Figura 3) (CUNHA et al,
2005; REN K e DUBNER R. 2010; RITTNER et al, 2008; PINHEIRO-RIBEIRO et al.,
2017).
Figura 3. Células imunológicas liberam mediadores que produzem sensibilização periférica de neurônios sensoriais nociceptores. Fonte: Pinho-Ribeiro et al., “Nociceptor Sensory Neuron-Immune Interactions in Pain and I Inflammation. Trends in Immunology, 2017.
As citocinas pró-inflamatórias derivadas das células imunes são mediadores
cruciais para a atividade dos nociceptores e para a sensibilização a dor. A primeira
citocina descrita como hiperalgésica foi a IL-1β (FERREIRA et al., 1988). Vem sido
largamente descrito um grande papel para as citocinas na modulação da dor de
forma geral e incluindo-se a dor neuropática. Destacando IL-1β, IL-6, TNFα, IL-17A e
IL-5 que atuam diretamente nos neurônios nociceptores. Especificamente a IL-1β
atua sensibilizando os neurônios nociceptores via fosforilação da p38, MAPK, e
canais de sódio Nav 1.8, levando ao aumento da geração de potencial de ação e
resultando em hiperalgesia mecânica e térmica. A IL-1β também ativa o IL-1R1 nos
neurônios nociceptores levando ao aumento da expressão dos receptores de
23
potencial transitório vanilóide-1 (TRPV1) e consequentemente gerando sensibilidade
aos estímulos térmicos (Figura 3) (BINSHTOK AM, et al. 2008; EBBINGHAUS M, et
al. 2012; PINHEIRO-RIBEIRO et al., 2017).
A sensibilização periférica transmite as informações nociceptivas para a
medula espinhal, e os eventos espinhais desencadeados por esses
neurotransmissores e mediadores levam à sensibilização central, um processo
crítico que contribui para a cronicidade da dor. Após a lesão do nervo e em
condições de dor crônica, os neurônios nociceptores expressam e liberam dos seus
terminais aferentes para a medula espinhal, neurotransmissores, neuromoduladores
e mediadores inflamatórios, tais como ATP, CGRP, SP, quimiocinas (fractalcina,
CXCL1), citocinas (IL-6 e IL-1β) glutamato e moléculas de adesão celular, estes
agem sobre os receptores no terminal do nervo pós-sináptico, e nas células da glia,
como microglia e astrócitos, modulando a atividade destas células. Estes eventos
contribuem para a ativação microglial e podem sensibilizar e alterar o limiar de
disparo neuronal, o que causa alterações importantes na morfologia, migração de
células imunes para o local da lesão e proliferação celular, ou seja gerando uma
correlação patológica com a sensibilização central e estados de dor crônica (Figura
4) (REN K. e DUBNER R. 2010; ZHAO et al., 2017; ZHANG ZJ et al., 2017;
PINHEIRO-RIBEIRO et al., 2017).
Além da ativação de células gliais, a lesão no nervo induz a migração de
células do sistema imune inato e adaptativo para o sistema nervoso periférico e
central, como linfócitos T, também produzindo citocinas e quimiocinas que
amplificam a resposta inflamatória, que dada a localização passa a ser denominada
neuroinflamação (JI et al., 2014; PENG et al., 2017).
24
Figura 4. Microglia e células T medeiam a sensibilização central da dor na medula espinhal Fonte: Pinho-Ribeiro et al., “Nociceptor Sensory Neuron-Immune Interactions in Pain and I Inflammation. Trends in Immunology, 2017.
Um dos mecanismos propostos para fundamentar a plasticidade sináptica,
pertinente ao desenvolvimento e persistência da dor crônica, inclui interações
neurônio-glia. Nesta proposta as células imunes, a glia e os neurônios formam uma
integração na qual a ativação de uma resposta imune modula a excitabilidade das
vias de dor. De forma análoga aos neurônios, as células imunes e glia mostram
plasticidade dinâmica, e contribuem para a hiperexcitabilidade neuronal nas vias de
transmissão da dor (REN K. e DUBNER R. 2008, 2010; DELEO JA et al., 2004).
De acordo com esta proposta já foi demonstrado que em diferentes modelos
animais de dor inflamatória como injeção de formalina (FU KY et al., 2000) ou
carragenina (HUA XY et al., 2005) na pata traseira, ocorre de fato a ativação de
células da gliais na medula espinhal (avaliadas pelo aumento da expressão de
CD11b, IBA-1 e GFAP).
Uma vez ativadas, as células gliais contribuem para o aumento e a
manutenção da dor neuropática, liberando potentes neuromoduladores na medula
25
espinhal, como fatores de crescimento, citocinas pró-inflamatórias (TNF, IL-1β, IL-6)
e quimiocinas como CC ligante 2 (CCL2), CXC ligante 3 (CXCL3) e CXC ligante 1
(CXCL1), que causam alterações na atividade dos receptores N-metil-D-aspártico
(NDMAR) a-amino-3-hidroxi-5-metil-4-isoxazolepropiônico (AMPAR). A
hiperexcitabilidade também pode ser causada por uma perda de interneurônios
inibitórios gabaérgicos, ou alterações de função nas quais eles passam a exercer
ações excitatórias a níveis espinhais. Essas mudanças em neurônios de segunda
ordem explicam de forma plausível a alodinia observada tanto por dados de
estudos em animais quanto em humanos (COLLOCA et al., 2017).
Em particular, as quimiocinas estão envolvidas na neuroinflamação em
diferentes localizações anatômicas, incluindo o nervo lesado, o gânglio da raiz
dorsal, a medula espinhal e o cérebro, contribuindo para o processamento crônico
da dor (REN K. e DUBNER R. 2010; ZHANG et al. 2012).
É cada vez mais evidente que as células da microglia e vários tipos de
células, incluindo neurônios, oligondendrócitos e astrócitos possuem uma rede de
mecanismos de sinalização celular que sustentam o quadro de dor neuropática; de
fato alguns estudos relataram que em diferentes modelos de dor neuropática como
aquela causada por constrição do nervo ciático (ECHEVERRY et al., 2008),
transecção do nervo ciático (LIU et al., 2000) e ligadura parcial do nervo ciático
(NARITA et al., 2006) ocorreu proliferação celular precoce e transitória na medula
espinhal ipsilateral à lesão, e a maioria das células em proliferação foram positivas
para iba-1 (marcador de microglia), juntamente com alguns progenitores de
oligodendrócitos (NG2 positivas) e astrócitos (GFAP positivas); destas células 30%
foram astrócitos e sendo que o fenótipo para microglia foi predominante sendo mais
de 60% desta população de células recém-geradas. Ainda, os autores observaram
uma correlação temporal entre a proliferação microglial e as respostas anormais a
dor, sugerindo então uma importante contribuição da microglia para os sintomas da
dor neuropática (SUTER et al., 2007).
Juntamente com a microglia, os astrócitos são outro tipo de célula glial cuja
contribuição no desenvolvimento da dor neuropática é cada vez mais reconhecida.
Em concordância, um estudo que investigava o papel glial na dor neuropática
causada pela oxaliplatina em ratos, mostrou que o tratamento intratecal com
26
inibidores da microglia e astrócitos, minociclina e fluorocitrato, respectivamente,
reduziram de forma significativa a dor provocada pela oxaliplatina, com uma maior
eficácia para o fluorocitrato o que indica um papel proeminente dos astrócitos na dor
neuropática (DI CESARI MANNELI et al., 2014). Corroborando estes achados, outro
estudo mostrou que ocorre ativação de astrócitos, mas não da microglia na medula
espinhal de ratos, após o tratamento com oxaliplatina e bortezomibe, e isto acontece
de forma paralela as alterações comportamentais de dor evocadas pelos
quimioterápicos (ROBINSON MA et al., 2014).
Ainda sobre as interações neuroinflamatórias mediadas pelas células gliais,
em contraste com o que foi observado para oxaliplatina, no modelo de dor
neuropática induzida por paclitaxel, estudos sugerem que há expressão microglial e
astrocitária na medula espinhal de camundongos tratados com o paclitaxel, de modo
que também se correlaciona com os sinais de dor neuropática (RUIZ-MEDINA et al.,
2013; PEVIDA et al., 2013). Essas evidências sugerem que a microglia e os
astrócitos espinhais são elementos centrais nos mecanismos de dor neuropática, e
podem ser um alvo potencial para o tratamento do estado de dor crônica.
As quimiocinas constituem uma família de mediadores inflamatórios e
imunológicos que, assim como as citocinas, são proteínas secretórias produzidas
por leucócitos e células teciduais constitutivas após alguma lesão; entretanto as
quimiocinas são moléculas bem menores que as citocinas, com peso molecular de 7
a 15 kDa (OLIVEIRA et al. 2007). De acordo com o número e espaçamento dos
aminoácidos existentes nos dois primeiros resíduos de cisteína da extremidade N-
terminal elas são classificadas em quatro subfamílias: CXC, CC, CX3C e C, onde C
representa cisteína e X ou X3 representa um ou três aminoácidos (PALOMINO e
MARTI, 2015). No início da década passada, foi proposto um novo sistema de
nomenclatura para as quimiocinas que usa o nome da família, indicando a classe à
qual a quimiocina pertence, seguido da letra “L” (designando ligante) e um número,
correspondente ao já utilizado para designar o gene que codifica a quimiocina
(ZLOTNIK e YOSHIE, 2000).
As quimiocinas desempenham suas funções via receptores acoplados a
proteína G, os quais possuem sete domínios transmembrana; a região extracelular é
constituída por três alças e pela região N-terminal, onde se liga à quimiocina, e a
27
região intracelular é formada por três alças e o domínio C-terminal que fazem a
transdução do sinal. Estes receptores podem reconhecer mais do que uma
quimiocina, mas estão praticamente restritos a uma única subfamília, dessa forma a
nomenclatura baseia-se na especificidade do receptor para a subfamília de
quimiocinas. Assim, os receptores são denominados de CXCR1 a CXCR6 (quando
se ligam as quimiocinas CXC), CCR1 a CCR10 (ligação ás quimiocinas CC),
CX3CR1 (liga-se a fractalcina) e XCR1 (liga-se à linfotactina) (ABBADIE et al., 2003;
ZHANG et al., 2012).
O principal papel das quimiocinas no desenvolvimento de um processo
inflamatório é o recrutamento de células do sistema imune para o sítio de inflamação
(GUERREIRO, SANTOS-COSTA, E AZEVEDO-PEREIRA, 2011). Entretanto, outras
funções vêm sido atribuídas para estes peptídeos. Em 2003 Abbadie e
colaboradores realizaram um estudo com camundongos nocautes para o receptor de
quimiocina CCR2 e verificaram que estes animais não desenvolveram alodinia
mecânica no modelo de dor neuropática induzida pela ligadura do nervo, bem como
apresentaram resposta dolorosa reduzida em modelos de dor inflamatória. Além
disso, estes autores demonstraram que animais selvagens submetidos a estes
modelos de dor crônica apresentavam maior ativação de microglia positiva para
CCR2 na medula espinhal (ABBADIE et al., 2003).
Posteriormente, outros trabalhos mostraram que CCL2, uma quimiocina que
se liga preferencialmente ao CCR2, produzida por neurônios sensoriais danificados
ou não, em estados de dor neuropática, desempenha um papel essencial para a dor
neuropática em ratos, uma vez que o anticorpo anti-CCL2 injetado por via intratecal
(i.t.) reduziu a ativação microglial e os comportamentos de dor nestes animais
(ABBADIE et al., 2003; THACKER et al., 2009; ZHANG et al., 2012). Coletivamente,
esses dados sugerem que o recrutamento e a ativação de macrófagos e microglia
perifericamente e no tecido neural podem contribuir tanto para a dor inflamatória,
como para a dor neuropática.
A fractalcina (CX3CL1) é uma quimiocina expressa na superfície extracelular
de terminações centrais de aferentes primários na medula espinhal, bem como em
neurônios espinhais. Na medula espinhal dorsal, o receptor de fractalcina (CX3CR1)
é expresso principalmente pela microglia, e já é bem conhecido o efeito
28
neuromodulatório da fractalcina sobre a dor neuropática; vários estudos mostram
que a inibição farmacológica do CX3CR1 leva ao retardo do desenvolvimento de
alodinia mecânica e hiperalgesia térmica em diferentes modelos de dor neuropática
(MILLIGAN et al., 2004). Complementando estes achados, outro estudo investigou
ainda a via pela qual a fractalcina ativa a microglia em uma condição de dor
neuropática. Utilizando o modelo de ligação do nervo espinhal (SNL), Zhuang e
colaboradores (2007) verificaram que há a liberação de fractalcina após a lesão
nervosa, o que gera uma importante interação neurônio-microglia, que é mediada
pela ativação de CX3CR1 e, subsequentemente, ativação de p38 MAPK; eventos
estes que são cruciais para o desenvolvimento da dor neuropática neste modelo
(ZHUANG et al., 2007).
Os primeiros relatos correlacionando a participação direta de uma quimiocina
na dor foram através da administração intradérmica da interleucina-8 (IL-8) em ratos
o que gerou uma redução do limiar de dor destes animais, causando uma
hiperalgesia mecânica de maneira dose e tempo dependente, a IL-8 pertence a
subfamília CXC e tem como homologa CINC-1 em ratos e CXCL1 (também
conhecida como quimiocina derivada de queratinóticos) em camundongos (CUNHA,
1991; REUTERSHAN et al., 2006). Esta quimiocina é normalmente liberada por
macrófagos ativados e células endoteliais, entre outras células, e causam
preferencialmente o recrutamento de neutrófilos através da ligação a seus
receptores, CXCR1 e CXCR2 (RAVIDRAN et al., 2013).
Em relação a contribuição da quimiocina CXCL1 para a dor neuropática, foi
visto que no modelo de ligadura do nervo espinhal (SNL), ocorre um aumento da
expressão desta quimiocina, bem como do seu receptor CXCR2, no corno dorsal da
medula espinhal; neste estudo os autores verificaram que a CXCL1 foi induzida
principalmente pelos astrócitos espinhais, e que a administração intratecal do
anticorpo neutralizante de CXCL1 foi capaz de reduzir de forma transitória a
hipersensibilidade mecânica e térmica associadas ao modelo (LI et al., 2007;
ZHANG et al., 2013). Ademais, outro recente estudo utilizando um modelo de
ligadura parcial do nervo ciático (LPNC), demonstrou que CXCL1 possuí quimiotaxia
por neutrófilos tanto no nervo lesionado quanto na medula espinhal, e isso é crucial
para o estabelecimento da dor neuropática neste modelo, pois o tratamento com o
29
anticorpo anti-CXCL1 preveniu de forma eficaz as respostas nociceptivas induzidas
pela LPNC. Além disso, os autores verificaram que a administração de CXCL1 no
nervo ciático dos camundongos produziu dor de longa duração de forma similar ao
modelo de PSLN (MANJAVACHI et al., 2014).
Ainda outro trabalho do grupo, demonstrou envolvimento da sinalização
CXCL1/CXCR2 na neuropatia periférica induzida pelo quimioterápico PTX em
camundongos, foi observado um aumento desta quimiocina na medula espinhal dos
animais após o tratamento com o PTX, e ainda o tratamento com o anticorpo Anti-
CXCL1 ou com o antagonista do receptor CXCR2 (SB225002), ambos por via i.t.,
foram capazes de reduzir a hiperalgesia mecânica observada neste modelo
(MANJAVACHI et al., 2015). O envolvimento de outras quimiocinas e seus
receptores no desenvolvimento e/ou manutenção da dor crônica também já foram
reportados, incluindo: CXCL12 e seu receptor CXCR4 (BHANGOO et al., 2007),
CCL3 e seu receptor CCR5 (MATSUCHITA et al., 2014) e CCL7 (IMAI et al. 2013).
Ainda, estudos recentes apontam o envolvimento das quimiocinas CCL2 e CXCL12
na dor neuropática induzida por oxaliplatina, bortezomib ou paclitaxel (PEVIDA et al.,
2013; ROBINSON et al.,2014; XU et al. 2017).
Juntas estas evidências sugerem que o processo inflamatório no sistema
nervoso e especialmente na medula espinhal seja crucial para o desenvolvimento e
manutenção da dor neuropática. No entanto, os eventos inflamatórios e mecanismos
de sensibilização central, especificamente na medula espinhal, que possam estar
envolvidos na neuropatia periférica que é induzida pelo PTX não estão bem
esclarecidos, por exemplo, i) se ocorre a migração de células imunes tais como
neutrófilos para a medula espinhal, ii) ou a produção de citocinas pró-inflamatórias
(como IL-1β) iii) ou a ativação e/ou migração de células gliais.
30
2. OBJETIVOS
2.1. Objetivo Geral
Avaliar o envolvimento da inflamação na medula espinhal no modelo de
neuropatia periférica dolorosa causada pelo paclitaxel.
2.2. Objetivos específicos
• Caracterizar o modelo de neuropatia periférica dolorosa induzida pelo paclitaxel,
através da avaliação da sensibilidade mecânica, ao calor e ao frio;
• Avaliar a migração de neutrófilos para a medula espinhal em diferentes tempos
após o tratamento com paclitaxel, através da determinação da atividade da
enzima mieloperoxidase;
• Verificar se a depleção de neutrófilos, pelo tratamento com vimblastina, interfere
com o desenvolvimento da neuropatia periférica causada pelo paclitaxel;
• Quantificar os níveis da citocina IL-1β, na medula espinhal em diferentes tempos
após o tratamento com paclitaxel, através da técnica ELISA;
• Avaliar os níveis de marcadores para microglia e astrócitos na medula espinhal
em diferentes tempos após o tratamento com paclitaxel, através da técnica de
imunohistoquímica;
• Testar o efeito do tratamento com o inibidor de microglia, minociclina, sobre o
desenvolvimento da neuropatia dolorosa induzida pelo paclitaxel.
31
3. MATERIAIS E MÉTODOS
3.1. Reagentes
3-Aminopropiltrietoxisileno (ATPS) Sigma
Acetona PA Vetec
Ácido Cítrico Sigma
Álcool absoluto Isofar
Anticorpo Anti-iba-1 Rabbit Wako laboratory chemicals (catalog no. 019-19741)
Anticorpo monoclonal Anti-GFAP Sigma aldrich (product number g 3893)
Albumina Bovina Sigma
Albumina Soro Bovino (BSA) Sigma
Citrato de Sódio Sigma
Cloreto de sódio 0,9% Equiplex/vemer
Diaminobenzidina 3,3 (DAB) Dako liquid dab+ substrate chromogen system k3468
EDTA LabSynth
Entellan Merck
Quetamina/Xilazina Syntec
Fosfato de Potássio Monobásico Reagen
Fosfato de Potássio Bibásico Grupo química Fosfato de Sódio Monobásico Merck Fosfato de Sódio Bibásico Grupo química Giemsa Merck Hematoxilina de Harris Merck Hexadeciltrimetilamônio (HTAB) Sigma Histofine Histofine® simple stain TM max po (g) Kit específico IL1-β de ELISA R&d systems
Minociclina Sigma Pacitaxel Accord farmacêutica ltda Paraformaldeído Sigma Peróxido de hidrogênio Vetec Tetraborato de sódio Sigma Tetrametilbenzidina (TMB) Lgc biotecnologia Tris Sigma
32
Triton Sigma Tween 20 Isofar Turk Dinâmica Vimblastina Libbs farmacêutica ltda Xilol Isofar Wright Bioclin
3.2. Animais
Foram utilizados camundongos Swiss machos, pesando entre 35 e 50
gramas, com aproximadamente 90 dias, provenientes do Biotério da Faculdade de
Farmácia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Os animais foram
mantidos em temperatura e umidade controladas (22 ± 1°C, 60-80 % de umidade),
em ciclo 12h claro/12h escuro, com livre acesso a água e ração. A criação e
utilização dos animais foram conduzidas de acordo com as recomendações do Guia
de Uso e Cuidado com Animais Laboratoriais do National Institutes of Health (NIH)
dos Estados Unidos da América (Publicação do NIH No 80-23, revisado em 1996) e
em conformidade com a lei brasileira Nº 11.794, de 8 de outubro de 2008. Todos os
procedimentos empregados no presente estudo foram previamente aprovados pelo
Comitê de Ética da Universidade Federal de Santa Catarina (número do protocolo
PP00811), e submetidos a Comissão de Ética no Uso de Animais em Pesquisa da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (Número de ordem: 018/18).
Os animais foram distribuídos randomicamente entre os grupos
experimentais, utilizando-se 6-8 animais por grupo para os experimentos
comportamentais e 2-5 animais por grupo para os experimentos
mol3eculares/bioquímicos. Todos os experimentos comportamentais foram
conduzidos de maneira cega a fim de reduzir viés experimental. Os animais
permaneceram no laboratório a temperatura controlada (22 ± 2 ºC) durante um
período de adaptação de pelo menos 1 h antes da realização dos testes
comportamentais, realizados geralmente entre 08h00min e 16h00min. O número de
animais e a intensidade dos estímulos nocivos utilizados foram os mínimos
necessários para demonstrar efeitos consistentes.
33
3.3. Procedimentos Experimentais
3.2.1 Neuropatia periférica induzida pelo paclitaxel
A neuropatia periférica dolorosa causada pelo paclitaxel (PTX) foi induzida
seguindo metodologia proposta por Polomano e colaboradores (2001) e adaptada
para camundongos (SMITH et al., 2004), com algumas modificações (COSTA et al.,
2011). O quimioterápico foi administrado durante cinco dias consecutivos, entre os
dias 0 e 4 do protocolo experimental. O PTX foi administrado por via intraperitoneal
(i.p.) na dose de 2 mg/Kg, diariamente, 1 vez ao dia. Animais controle receberam o
veículo (NaCl 0,9%). O volume de administração das soluções foi de 10 mL/Kg. Os
animais foram pesados antes da indução do modelo e semanalmente, a cada início
de semana, após a indução do modelo, durante o período total de avaliação dos
animais. A pesagem foi realizada em balança analítica.
3.2.2 Avaliação da sensibilidade mecânica
Os animais foram colocados individualmente em compartimentos de acrílico
transparente (9 x 7 x 11 cm) localizados sobre uma plataforma de arame elevada,
para permitir o acesso a superfície ventral das patas traseiras direitas. Os animais
foram ambientados por pelo menos 1h antes dos testes comportamentais. A
frequência de resposta de retirada das patas traseiras foi obtida através de 10
aplicações consecutivas (duração de 1 s cada) do filamento de Von Frey de 0,6 g
(VFH, Stoelting, Chicago, USA). O filamento 0,6 g, por produzir em média 20% de
frequência de retirada da pata, foi utilizado durante todo o trabalho por ser
considerado um valor adequado para a avaliação da hiperalgesia mecânica
(BORTOLANZA et al., 2002; QUINTÃO et al., 2005). Objetivando determinar o limiar
mecânico basal (B), todos os grupos de animais foram submetidos à avaliação
prévia e novamente avaliados em diferentes tempos após o tratamento com PTX. O
aumento de 2,5 vezes de porcentagem de retirada da pata (em relação ao basal de
cada animal) foi considerado como indicativo de indução de hiperalgesia mecânica.
34
3.2.3 Avaliação da sensibilidade ao frio Os animais foram colocados individualmente em caixas de acrílico (9 x 7 x11
cm) localizadas sobre uma plataforma de arame elevada que permite o acesso às
patas dos animais. Após ambientação de 30 minutos, 100 μL de acetona padrão
analítico (PA) foram aplicados na superfície plantar da pata posterior direita com o
auxílio de uma seringa. Os animais foram observados por 2 minutos, e o tempo que
o animal permaneceu lambendo e/ou agitando a pata estimulada com a aplicação da
acetona foi contabilizado e considerado como indicativo de nocicepção declarada
(DE LA CALLE, 2002). A sensibilidade ao frio foi avaliada em vários intervalos de
tempo após a indução da neuropatia periférica induzida pelo PTX, o aumento no
tempo gasto com comportamentos nociceptivos foi considerado como indicativo de
hipersensibilidade térmica ao frio.
3.2.4 Avaliação da sensibilidade ao calor A avaliação da sensibilidade ao calor foi feita pela medida do tempo de
latência da retirada da pata frente a estimulação por um feixe de luz radiante
(HARGREAVES, 1988). A intensidade do feixe luminoso foi adequada para não
causar a retirada da pata dos animais controle num intervalo mínimo de tempo de 10
segundos. Inicialmente, os animais foram colocados sob funis de vidro localizados
sobre uma plataforma de vidro transparente, onde permaneceram pelo menos
durante 30 minutos antes do teste. Decorrido o tempo de adaptação dos animais ao
aparato, um feixe de luz previamente estabelecido foi incidido abaixo do fundo
transparente e posicionado sob a pata posterior direita dos animais. Os grupos de
animais foram submetidos à avaliação da sensibilidade ao calor antes e em
diferentes tempos após o tratamento com PTX. A hipersensibilidade térmica foi
representada pela redução do tempo de latência em relação ao tempo de resposta
basal de cada animal. Animais com medida acima de 20 segundos foram excluídos.
3.2.5 Avaliação da atividade da mieloperoxidase A migração de neutrófilos para a medula espinhal foi quantificada
indiretamente através da atividade da enzima mieloperoxidase (MPO). Para isso, os
animais foram sacrificados em diferentes tempos (8 – 24 horas e 7 - 14 dias) do
protocolo de indução com o quimioterápico paclitaxel e a medula espinhal foi
35
coletada. O tecido foi homogeneizado em tampão (Na3PO4 0,5 M e 0,5% de
hexadeciltrimetilamônio (HTAB); pH 6,0), para a lise dos neutrófilos e liberação da
MPO para o sobrenadante, este sobrenadante foi coletado para a reação
colorimétrica. Foi utilizado 25 μL do sobrenadante para o ensaio de atividade da
MPO. A reação enzimática para MPO foi realizada na presença de
tetrametilbenzidina (TMB) 1,6 mM, NaPO4 80 mM e peróxido de hidrogênio (H2O2)
0,3 mM (ANDREWS; KRINSKY, 1982). A absorbância foi medida por
espectrofotometria em 690 nm, e os resultados foram expressos como densidade
ótica por grama de tecido.
3.2.6 Ensaio imunoenzimático (ELISA) para dosagem da citocina IL-1β
Os níveis teciduais de IL-1β na medula espinhal foram determinados em
diferentes tempos após o tratamento com o quimioterápico PTX (8 - 24 horas e 7 -14
dias). As medulas foram removidas e homogeneizadas com tampão fosfato. O
homogenato foi centrifugado a 10.000 RPM por 10 minutos a 4 ºC, e o sobrenadante
armazenado a -80 ºC até o momento da análise. Os níveis da citocinas foram
determinados utilizando-se Kits específicos IL1-β de ELISA (enzyme linked immuno
sorbent assay) de acordo com as recomendações do fabricante (R&D Systems). Os
resultados foram expressos por pg de IL-1 β por mililitro de sobrenadante.
3.2.7 Imunohistoquímica Coleta de tecidos Os camundongos tratados com PTX ou veículo foram eutanasiados em
diferentes tempos do protocolo de indução (8 – 24 horas e 7 -14 dias), para a coleta da
medula espinhal. Para tal, os animais foram anestesiados com quetamina (80 mg/kg,
i.p.) e xilazina (10 mg/kg, i.p.) e, logo em seguida, foi realizada uma perfusão com
solução salina (NaCl 0,9%) em seguida com paraformaldeído (PFA) 4%.
Preparo dos cortes histológicos
Após a fixação, as medulas espinhais dos animais foram desidratadas em
concentrações crescentes de álcool (70%, 90% e 100%) e clarificadas em xilol a
100% (xilol I, xilol II e xilol III) e embebidas em parafina. Os cortes teciduais (secção
36
transversal) de 3 μm espessura foram obtidos em micrótomo (Leica RM2235) e
montados sobre lâminas cobertas com solução de ATPS, diluído em solução de
acetona PA a 5%. Logo após, as lâminas obtidas foram mantidas em estufa a uma
temperatura de 50 °C durante 1 h para adesão dos cortes às lâminas.
Após fixação, os cortes foram desparafinados em três xilol a 100% e
reidratados por passagens sucessivas em etanol em concentrações decrescentes
(100%, 90% e 70%). Em seguida, os cortes foram lavados em H2O destilada (2 x) e,
logo após, em solução de tetraborato de sódio a 5% para bloqueio dos radicais
aldeídicos livres.
Em seguida, as lâminas foram submetidas à recuperação antigênica
utilizando tampão citrato (ácido cítrico 0,1M + citrato de sódio 0,1 M) a 0,01M e pH
6,0 em steamer a 96oC por 30 minutos. Os cortes foram lavados com tampão fosfato
salina (PBS, 0,01M, pH=7,4) e, em seguida, incubados com H2O2 a 3% em metanol
por 20 min ao abrigo da luz. As lâminas foram retiradas do banho-maria, mantidas
durante 30 min à temperatura ambiente e lavadas com PBS 2x e com destilada 2x.
Para bloqueio de ligações inespecíficos os cortes foram incubados com
solução de albumina bovina 5% contendo gelatina, triton e Tween20 por 30 min em
câmara úmida e temperatura ambiente.
Detecção imunológica
A imunodetecção foi realizada utilizando anticorpo monoclonal anti-GFAP
(1:150 diluído em solução PBS/BSA 3%) e anti-IBA-1 (1:100 diluído em solução
PBS/BSA 3%). Os cortes foram incubados overnight em câmara úmida a
temperatura de 2-8 °C. No dia seguinte, deixadas a temperatura ambiente por 20
min e lavadas com tampão PBS/Tween20 a 0,25%. Após a lavagem as lâminas
foram incubadas com soro normal de cabra a 10% diluído em free fatty milk para
bloqueio de possíveis ligações inespecíficas advindas do anticorpo secundário do
polímero Histofine. Após lavagem as lâminas foram incubadas com o polímero anti-
rat e anti-rabbit Histofine conjugado a estreptavidina-peroxidase em câmara úmida
durante 1h e 30 minutos a temperatura ambiente. Posteriormente, as lâminas foram
lavadas três vezes em PBS/Tween20 (0,25%) por 5 minutos. Finalmente, os cortes
foram incubados com solução cromógena DAB+: 1-5% Tetracloruro de bifenilo
37
3,3',4,4'-tretrailtetramonio para revelação da reação.
Contracoloração e montagem das lâminas
Após a revelação, foram realizadas a contracoloração dos cortes com solução
de hematoxilina de Harris (diluída 1:3 em água destilada). Em seguida os cortes
foram desidratados com concentrações crescentes de etanol (etanol 70%, 80%, 90%
e 100%), clarificados em xilol a 100% e as lâminas montadas com Entellan. Para
cada reação foi utilizado um controle negativo na ausência do anticorpo primário das
reações. As imagens foram obtidas utilizando objetiva de 40x e ocular de 10x em
microscópio óptico (OLYMPUS BX60) e câmera digital (Q-IMAGING Q31899),
acoplados. Imagens digitalizadas adquiridas e o número de células imunomarcadas
foi determinado utilizando Q-Capture Pro. Cada lâmina continha 3 cortes da medula
espinhal, de cada corte foi obtido 3 imagens de campos diferentes, totalizando 9
imagens por n. Para a quantificação foi considerado a média de células
imunomarcadas nos 9 campos analisados.
3.2.8 Depleção de neutrófilos Para avaliar o papel dos neutrófilos no modelo de dor neuropática induzida
por PTX, os camundongos foram depletados de neutrófilos, como descrito
anteriormente (RAEBURN et al., 2002; MANJAVACHI et al., 2015). Para isso, os
animais receberam sistemicamente vimblastina (5 mg/Kg, i.v.) 24 e 72 h antes da
primeira administração do PTX. A resposta de sensibilidade mecânica foi medida em
diferentes períodos de tempo após os procedimentos.
A fim de confirmar a depleção de neutrófilos induzida pelo tratamento com
vimblastina (5 mg/Kg, i.v.) foi realizada a contagem total e diferencial de leucócitos
em um grupo paralelo de animais. Para isso, amostras de sangue (1 mL) de animais
devidamente anestesiados foram coletadas por punção cardíaca em microtubos
contendo EDTA e processadas para contagens manual em câmara de Neubauer
com líquido de Turk para contagem total e extensões sanguíneas em lâminas para
coloração Wright e Giemsa para contagem diferencial. As coletas foram realizadas
em diferentes grupos animais no 3º e 18º dia após o tratamento com vimblastina, e
os valores de referência utilizados nas contagens foram descritos por Vianna (2007).
38
3.2.9 Tratamento com minociclina
Para avaliar a participação da microglia na hipersensibilidade mecânica
induzida pelo PTX, os animais foram tratados com minociclina, um inibidor de
microglia. As doses e via de administração foram escolhidas com base em trabalhos
anteriores indicando uma inibição microglial após administração crônica de
minociclina (CHIN et al., 2017; ZYCHOWSKA M. et al., 2016). A minociclina foi
administrada durante sete dias consecutivos, entre os dias 0 e 6 do protocolo
experimental, por via i.p. na dose de 30 ou 100 mg/kg, diariamente, 1 vez ao dia.
Animais controle receberam o veículo (NaCl 0,9%). O volume de administração das
soluções será de 10 mL/Kg.
3.3.10 Análise estatística
Os resultados foram apresentados como a média ± erro padrão da média. A
normalidade dos dados foi testada pelos testes de normalidade de Kolmogorov-
Smirnov, D`Augostino e Shapiro-Wilk. Os dados com distribuição normal foram
avaliados por meio de análise de variância (ANOVA) de uma via ou duas vias com
medidas repetidas, seguidas dos pós-testes de Dunnetts e Bonferroni. Os dados que
não apresentaram distribuição normal foram avaliados pelo teste de Kruskal-Wallis
seguido do pós-teste de comparações múltiplas de Dunn. Valores de P menores que
0,05 (P<0,05) foram considerados como indicativos de significância. As analises
estatísticas foram realizadas utilizando o software GraphPad Prism® 5.00.
39
4. RESULTADOS
4.1. Caracterização do modelo de neuropatia periférica induzida pelo PTX
O primeiro objetivo deste trabalho consistiu em caracterizar o modelo da dor
neuropática induzida pelo paclitaxel, para isso os animais foram avaliados em
diferentes tempos quanto à sensibilidade plantar a estímulos térmicos (frio e calor) e
mecânico.
O primeiro parâmetro avaliado foi a sensibilidade ao frio através da aplicação
de acetona na pata traseira de camundongos. Como observado na Figura 5 (A), a
resposta provocada pela aplicação de acetona não diferiu entre os animais tratados
com PTX e veículo (controle). Este resultado indica que o tratamento com PTX não
alterou a sensibilidade de camundongos ao frio.
Em seguida, avaliou-se a sensibilidade ao calor pelo método de Hargreaves.
De modo semelhante ao teste da acetona, não se observou diferença entre os
grupos controle e PTX quanto a sensibilidade ao calor (Figura 5B), indicando que
animais tratados com o quimioterápico não desenvolveram hiperalgesia térmica ao
calor.
40
Figura 5. Avaliação da sensibilidade térmica no modelo de neuropatia induzida por Paclitaxel (PTX). Avaliação da sensibilidade ao frio (A; n=9) e ao calor (B; n=11-12) em diferentes intervalos de tempo após a administração do PTX. Cada grupo representa a média de 8-12 animais, e as barras verticais indicam o erro padrão da média (EPM). ANOVA de duas vias, seguido pelo teste de Bonferroni. B, limiar basal.
41
Por conseguinte, avaliamos a sensibilidade mecânica através da aplicação de
filamentos de Von Frey. A partir do 7º dia após a primeira administração do PTX, foi
possível observar uma diferença significativa na sensibilidade mecânica dos animais
quando comparados ao grupo controle que recebeu apenas o veículo (NaCl 0,9%).
Esta resposta se manteve até o 21º dia do protocolo de avaliação o que demonstra
que o perfil neuropático foi estabelecido nos animais (Figura 6A).
Com intuito de avaliar o bem-estar dos animais, foi realizado o
acompanhamento do peso corporal, onde os animais foram pesados semanalmente
após o tratamento com PTX. Como observado na Figura 6 (B) durante o protocolo o
grupo tratado com quimioterápico ganhou mais peso em relação ao grupo controle.
42
Figura 6. Caracterização do modelo de neuropatia periférica induzida pelo paclitaxel (PTX). Avaliação da sensibilidade mecânica (A; n=9) e avaliação do peso dos animais (B; representado pelo Δ do peso, n= 9). Cada grupo representa a média de 9 animais, e as barras verticais indicam o erro padrão da média (EPM). *p<0,05, ANOVA de duas vias, seguido pelo teste de Bonferroni. B, limiar ou peso basal.
43
4.2. Avaliação da migração de neutrófilos para medula espinhal após o
tratamento com PTX
Considerando que a migração e participação de células do sistema imune
como macrófagos e neutrófilos são importantes para o estabelecimento e
manutenção da dor neuropática em diferentes modelos murinos (LIU T, et al., 2000;
GUERRERO et al., 2008; MANJAVACHI et al., 2014), avaliamos se existe aumento
de neutrófilos na medula espinhal dos animais com neuropatia no presente modelo.
Para tal, foi quantificada a atividade da enzima mieloperoxidase (MPO) na medula
espinhal dos camundongos em diferentes períodos de tempo após a administração
do PTX. A MPO é um indicador indireto da migração de neutrófilos. Conforme
demonstrado na Figura 7, a atividade da enzima MPO na medula espinhal não foi
alterada significativamente nos animais tratados com PTX quando comparado com o
grupo controle.
0
200
400
600
Veículo 8h 24h 7d 14d
Tempo após tto com PTX
MP
O (
D.O
./g
de t
ecid
o)
Figura 7. Avaliação da atividade da enzima mieloperoxidase (MPO) na medula espinhal de camundongos tratados com paclitaxel (PTX). Cada grupo representa a média de 6 a 10 animais por grupo. E as barras verticais indicam o erro padrão da média (EPM. Teste de Kruskal-Wallis seguido do pós-teste de comparações múltiplas de Dunn.
44
4.3. Efeito da depleção de neutrófilos sobre a hipersensibilidade mecânica
induzida pelo PTX
Para avaliar a importância dos neutrófilos na hipersensibilidade mecânica
induzida pelo PTX, realizamos depleção farmacológica de neutrófilos com
vimblastina. A figura 8A ilustra que o tratamento com a vimblastina não interferiu
com o desenvolvimento da hiperalgesia mecânica induzida pelo PTX. Uma vez que
a vimblastina também é um quimioterápico, avaliamos se este composto seria capaz
de alterar o limiar mecânico de camundongos. No entanto, a administração de
vimblastina não alterou a sensibilidade mecânica de camundongos (Figura 8B).
É importante destacar que o tratamento com vimblastina reduziu
significativamente a contagem total (não demonstrado) e diferencial (Tabela 1) de
neutrófilos no sangue de camundongos no 3º dia após o tratamento, ou seja, antes
da indução da neuropatia com PTX (Tabela 1). No entanto, os níveis celulares
retornaram aos valores normais no 18º dia após o tratamento com vimblastina, ou
seja, após o período de avaliação da neuropatia induzida pelo PTX (Tabela 2).
Resultados semelhantes foram observados para a contagem total de leucócitos
(Tabelas 1 e 2). Não foi observada perda de peso ou alteração na temperatura e nos
sinais aparentes de bem-estar animal após o tratamento com vimblastina (dados não
demonstrados).
45
Figura 8. Efeito da depleção de neutrófilos sobre a neuropatia causada pelo paclitaxel (PTX). (A) A depleção de neutrófilos não altera a hipersensibilidade mecânica induzida por PTX. (B) O tratamento com vimblastina não altera a sensibilidade mecânica em camundongos. Cada representa a média de 6 - 9 animais, e as barras verticais indicam o erro padrão da média (EPM). *P <0,05, ANOVA de duas vias, seguido pelo teste de Bonferroni. B, limiar basal.
0
20
40
60
80
100
Controle
PTX (2 mg/kg, i.p.)
+ Vimblastina (5 mg/kg, i.v.)
B 7 8 9 10 14
***
**
A
Tempo após o 1o tratamento com PTX (dias)
Fre
qu
ên
cia
de
Re
sp
os
ta (
%)
0
20
40
60
80
100
Controle
Vimblastina (5 mg/kg, i.v.)
B 7 8 9 10 14
B
Tempo após o 1o tratamento com Vimblastina (dias)
Fre
qu
ên
cia
de
Re
sp
os
ta (
%)
46
Tabela 1. Contagem total e diferencial de leucócitos no sangue de animais no 3º dia após o tratamento com vimblastina.
Valores de referência
(Vianna et al., 2007)
Controle Vimblastina
Estatística
Media Erro padrão Media Erro
padrão
Leucócitos (mm³) 6000 - 15000 2700 ± 228,2 1250 ± 176,8 *(P <0.05)
Neutrófilo (%) 20 -30 19,25 ± 4,131 0,75 ± 0,25 *(P <0.05)
Linfócito (%) 70-80 80 ± 4,203 99,25 ± 0,25 NS
Monócito (%) 0-2 0 0 0 0 NS
Eosinófilo (%) 0-7 0 0 0 0 NS
Basófilo (%) 0-1 0 0 0 0 NS
O total de leucócitos e a porcentagem de neutrófilos foi significativamente reduzida no grupo vimblastina em comparação com o grupo controle. Resultados expressos como média ± erro de cada grupo. *P< 0,05, Teste t de Student.
Tabela 2. Contagem total e diferencial de leucócitos no sangue de animais no 18º dia após o
tratamento com vimblastina.
Valores de
referência
(Vianna et al.,
2007)
Controle PTX PTX + Vimblastina
Estatística
Media Erro
padrão Media Erro padrão Média Erro padrão
Leucócitos (mm³) 6000 - 15000 4300 ± 856,9 5831,25 ± 1088 5143,75 ±635,7 NS
Neutrófilo (%) 20 -30 19,88 ± 3,399 17,88 ± 2,887 23,75 ± 4,139 NS
Linfócito (%) 70-80 78,5 ± 3,561 80,38 ± 2,815 73,25 ± 4,689 NS
Monócito (%) 0-2 0,875 ± 0,2950 1,25 ± 0,2500 1,25 ± 0,3134 NS
Eosinófilo (%) 0-7 0,625 ± 0,3750 0,5 ± 0,2673 0,25 ± 0,1637 NS
Basófilo (%) 0-1 0,125 ± 0,1250 0 0 0,25 ± 0,1637 NS
O total de leucócitos e a porcentagem de neutrófilos retornam aos valores normais comparáveis no grupo vimblastina em comparação com o grupo controle. Resultados expressos como média ± erro de cada grupo. Teste ANOVA de uma via, seguida pelo pós-teste de Bonferroni.
47
4.4. Avaliação dos níveis da citocina pró-inflamatória IL-1β na medula espinhal
de animais tratados com PTX
Dentre os mediadores inflamatórios envolvidos na inflamação espinhal a
citocina pró-inflamatória IL-1β é uma das principais implicadas em participar da dor
neuropática (PINHEIRO-RIBEIRO et al., 2017). Neste sentido avaliamos o possível
aumento dos níveis da citocina IL-1β na medula espinhal dos camundongos após o
tratamento com o PTX. Os níveis de IL-1β na medula espinhal foram quantificados
em diferentes períodos experimentais. Conforme ilustrado na Figura 9, os níveis de
IL-1β na medula espinhal dos animais tratados com veículo ou PTX foram
semelhantes.
0
20
40
60
Veículo 8h 24h 7d 14d
Tempo após tto com PTX
IL-1
(p
g/m
L)
Figura 9. Avaliação dos níveis da citocina pró-inflamatória IL-1β na medula espinhal de camundongos submetidos a neuropatia induzida por quimioterápico. Os níveis de IL-1β foram quantificados por ELISA entre 8h e 14 dias após a primeira administração do paclitaxel (PTX). Cada grupo representa a média de 5 animais, e as barras verticais indicam o erro padrão da média (EPM). Teste de Kruskal-Wallis seguido do pós-teste de comparações múltiplas de Dunn.
48
4.5. Avaliação de gliose na medula espinhal de animais tratados com PTX
Estudos sugerem que a micro e/ou astrogliose da medula espinhal apresenta
papel importante na dor crônica (GAO YJ e JI RR, 2010; TSUDA et al., 2005; INOUE
K. e TSUDA M, 2018). Portanto, realizamos a análise quantitativa para a proteína
glial fibrilar ácida (GFAP) presente no citoplasma dos astrócitos, nos cortes
histológicos de medula espinhal dos animais tratados com veículo ou com PTX. A
Figura 10 demonstra que o tratamento com o PTX induziu um aumento significativo
na expressão de GFAP na medula espinhal dos animais 24 h após a primeira
administração (Figura 10).
Também realizamos imunohistoquimica para avaliação da expressão da
molécula adaptadora de cálcio ionizado (Iba-1), classicamente utilizada como
marcador de células microgliais. A Figura 11 mostra que o tratamento com o PTX
não alterou o número de positivas para Iba-1 (micróglia) na medula espinhal dos
animais tratados com PTX nos diferentes tempos avaliados (Figura 11).
49
Figura 10. Análise da imunoexpressão de astrócitos (GFAP) na medula espinhal de animais tratados com paclitaxel (PTX). Imagens representativas (aumento de 400x) da imunoreatividade para os astrócitos (GFAP) na medula espinhal de animais controle que receberam apenas veículo, e paclitaxel (8 h, 24 h – 7d e 14d) após a indução do modelo. O gráfico representa a avaliação quantitativa do número de células positivas nos tempos de 8 h, 24 h, 7 dias e 14 dias após a primeira administração do PTX. Cada grupo representa a média de 2 animais (9 imagens de cada lâmina analisada contendo 03 cortes histológicos) e as barras verticais indicam o erro padrão da média (EPM). Teste de Kruskal-Wallis seguido do pós-teste de comparações múltiplas de Dunn. *P< 0,05.
50
Figura 11. Análise da imunoexpressão de microglia (iba-1) na medula espinhal de animais tratados com paclitaxel (PTX). Imagens representativas (aumento de 400x) da imunoreatividade para microglia (iba-1) na medula espinhal de animais controle que receberam apenas veículo, e paclitaxel (8 h, 24 h – 7d e 14d) após a indução do modelo. O gráfico representa a avaliação quantitativa do número de células positivas nos tempos de 8 h, 24 h, 7 dias e 14 dias após a primeira administração do PTX. Cada grupo representa a média de 3 animais (9 imagens de cada lâmina analisada contendo 03 cortes histológicos) e as barras verticais indicam o erro padrão da média (EPM). Teste de Kruskal-Wallis seguido do pós-teste de comparações múltiplas de Dunn.
51
4.6. Efeito do tratamento com minociclina sobre a hipersensibilidade mecânica
causada pelo PTX
Para avaliar a possível participação da microglia na hipersensibilidade
mecânica causada pelo PTX, os animais foram tratados com diferentes doses de
minociclina, um inibidor de ativação microglial, nos dias 0 e 6 do protocolo
experimental descrito acima (Pagina 35). O tratamento com a minociclina na menor
dose (30 mg/kg) mostrou uma tendência em reduzir a hipersensibilidade mecânica
causada pelo PTX (Figura 12A). Então nos perguntamos se o tratamento com este
inibidor em uma maior dose produziria um efeito mais pronunciado; assim,
realizamos o tratamento com minociclina na dose de 100 mg/kg e observamos que
este tratamento preveniu significativamente o desenvolvimento da hipersensibilidade
mecânica causada pelo PTX (Figura 12B).
52
Figura 12. Bloqueio da microglia reduziu a hiperalgesia mecânica induzida por PTX: O tratamento preventivo com a minociclina 30 mg/kg resultou numa tendência em reduzir a sensibilidade mecânica, quando comparada ao grupo veículo (A). O tratamento com a minociclina na dose de 100 mg/kg reduziu significativamente a sensibilidade mecânica dos animais quando comparada ao grupo que recebeu apenas o veículo nos dias 7 e 8 do protocolo (B). Cada grupo representa a média de 8 animais, e as barras verticais indicam o erro padrão da média (EPM) (*p<0,05, ANOVA de duas vias, seguido pelo teste de Bonferroni). B, limiar basal.
53
5. DISCUSSÃO
A dor neuropática é uma condição clínica que reduz a qualidade de vida dos
pacientes acometidos pois o desconforto gerado leva a distúrbios do sono, do
apetite e psíquicos. As opções de tratamentos farmacológicos disponíveis
atualmente são ineficazes, com diversos efeitos adversos e podendo levar a
dependência de alguns fármacos. Além disso, a dor crônica gera muitos custos aos
sistemas de saúde, especialmente por ter um diagnóstico complexo, e estima-se que
pacientes com dor crônica usam os serviços de saúde cinco vezes mais que o
restante da população (SERETNY et al., 2014; McWILLIAMS et al., 2003; BREIVIK
et al., 2006; KAMALERI et al., 2008; VAN HECKE et al., 2013; KALIRA et al., 2013).
Ainda, tem sido relatado que pacientes com dor crônica também tem uma redução
em sua produtividade no trabalho (VAN LEEUWEN et al., 2006). Neste contexto, o
conhecimento acerca da fisiopatologia da dor crônica facilitaria o desenvolvimento
de novos medicamentos específicos e eficazes para o seu tratamento e,
consequentemente, levaria a um melhor manejo clínico destes pacientes e melhoria
na qualidade de vida dos mesmos.
A neuropatia periférica induzida por quimioterápico (NPIQ) é um efeito
adverso dose-limitante no tratamento do câncer, e assim como as demais etiologias
de dor neuropática, não possuí tratamento eficaz e seguro. Sendo assim, é
importante que se invista na busca de novos alvos para o desenvolvimento de novas
opções terapêuticas para o seu tratamento. Neste cenário, vários modelos animais
têm sido desenvolvidos e empregados para investigar os mecanismos envolvidos na
fisiopatologia da dor neuropática, e assim proporcionar o estudo de novas
abordagens farmacológicas.
O paclitaxel (PTX) é um quimioterápico de extrema importância na clínica
para o tratamento de canceres como o de mama e de ovário; no entanto, seu
emprego pode gerar neuropatia periférica crônica em até 70% dos pacientes após o
tratamento (BEIJERS et al. 2012). Neste âmbito, o modelo animal de dor
neuropática induzida pelo PTX é uma importante ferramenta para melhor
compreensão dos mecanismos por trás do desenvolvimento da dor causada por este
quimioterápico.
Neste estudo, os animais foram submetidos ao modelo de dor neuropática
induzida pelo PTX, como inicialmente descrito por Polomano e colaboradores
54
(2001), desenvolvendo hipersensibilidade mecânica a partir do sétimo dia após a
primeira administração do PTX e permanecendo com esta alteração até o vigésimo
primeiro dia (Figura 6A). Por outro lado, não observamos alterações nos parâmetros
de sensibilidade térmica ao frio (Figura 5A) e térmica ao calor (Figura 5B). De fato,
dados da literatura demonstram que o tratamento com o PTX causa
hipersensibilidade mecânica em camundongos (MAKKER et al., 2017; SEGAT et al.,
2017). No entanto, os dados da literatura sobre hipersensibilidade térmica neste
modelo são controversos, alguns estudos mostram aumento da sensibilidade
(PEVIDA et al.,2013), enquanto outros mostram não haver alteração nestes
parâmetros (RUIZ-MEDINA et al., 2013).
É importante destacar que os animais tratados com PTX aumentaram o
ganho de peso de forma significativa (Figura 6B), no entanto dados da literatura
demonstram que camundongos tratados com PTX em uma dose superior a utilizada
em nosso estudo, de até 30 mg/kg, não apresentou alterações de peso (PARAYATH
et al., 2016).
Estudos recentes fornecem evidências de que a neuroinflamação
desempenha um papel crucial na dor crônica, de maneira geral a literatura indica
que as alterações celulares que ocorrem no sistema nervoso central e periférico
resultam na sensibilização dos neurônios responsáveis pela transmissão da dor
(WOOLF, 2007). Ainda, a migração de células do sistema imune para o local da
lesão neuronal periférica, bem como para o SNC, leva a liberação de mediadores
inflamatórios por estas células, tais como quimiocinas e citocinas pró-inflamatórias,
que atuam na manutenção da hipersensibilidade dolorosa por aumentarem a
excitabilidade neuronal (COLLOCA et al, 2017).
Os neutrófilos são os leucócitos polimorfonucleares mais abundantes, na
inflamação os neutrófilos migram para o local da lesão. A migração de neutrófilos
está associada à dor inflamatória (GUERRERO et al., 2008), e a dor neuropática
induzida pela ligadura parcial do nervo ciático (MANJAVACHI et al., 2014). Na
primeira hora do início da inflamação os neutrófilos podem migrar através do
endotélio vascular e acumularem no local da lesão. Ainda as terminações nervosas
podem influenciar o recrutramento de neutrófilos através da inflamação neurogênica,
que ocorre mesmo livre da existência de patógenos. Durante a inflamação
neurogênica, os mediadores liberados pelos neurônios aferentes primários, SP,
55
CGRP, IL-1, CXCL1 induzem a migração de leucócitos polimorfonucleares, esta
interação neuroimune facilita a sensibilização e o surgimento de um estado de dor
crônica (PERRETTI et al. 1993; GUERRERO et al., 2008; RITTNER et al., 2008;
MANJAVACHI et al., 2014).
A quimiocina CXCL1 costuma ser liberada por macrófagos endoteliais e é
quimiotática principalmente para neutrófilos, através da ligação aos seus receptores
CXCR1 e CXCR2 (RAVIDRAN et al., 2013). Além disso já foi reportada a sua
participação em diferentes modelos murinos de dor neuropática, tais como o modelo
de ligadura do nervo espinhal (SNL) (LI et al., 2007), modelo de ligadura do nervo
ciático (PSLN) e a própria administração de CXCL1 no nervo ciático dos
camundongos é capaz de gerar dor de forma similar a tais modelos (MANJAVACHI
et al., 2014). Foi descrito previamente que a quimiocina CXCL1 está aumentada na
medula espinhal de camundongos no modelo do paclitaxel (MANJAVACHI et al.,
2015).
Uma vez que CXCL1 é quimiotática para neutrófilos, inicialmente
investigamos o papel dos neutrófilos na neuropatia periférica causada pelo PTX,
através da quantificação da atividade da enzima mieloperoxidase (MPO) na medula
espinhal dos camundongos submetidos ao modelo, como indicador indireto da
migração de neutrófilos (Figura 7). No entanto, a atividade da enzima MPO na
medula espinhal não foi alterada após as administrações do PTX, sugerindo não
haver aumento da infiltração de neutrófilos para a medula espinhal neste modelo.
Seguindo a investigação da importância dos neutrófilos para a
hipersensibilidade mecânica induzida pelo paclitaxel, realizamos a depleção de
neutrófilos com vimblastina, onde verificamos que o tratamento com vimblastina não
interferiu com o desenvolvimento da hiperalgesia mecânica induzida pelo PTX
(Figura 8A). Assim, este resultado corrobora os dados obtidos na quantificação da
atividade da MPO. Juntos estes resultados sustentam a hipótese de que os
neutrófilos parecem não ser cruciais para o estabelecimento da neuropatia causada
pelo PTX.
As citocinas são mediadores chaves no desenvolvimento da dor neuropática.
Evidências sugerem que as citocinas pró-inflamatórias como a Interleucina-1β (IL-
1β) são liberadas na medula espinhal e gânglio da raiz dorsal sob várias condições
de lesão e contribuem para a hipersensibilidade dolorosa. Nos últimos anos, com o
56
aprofundamento dos estudos sobre dor neuropática e neuroinflamação, espera-se
que os mecanismos de ação de citocinas na dor neuropática proporcionem
novos alvos para o tratamento e prevenção da dor (JI et al., 2014; SOMMER et al.,
2018; KIGUCHI et al., 2010). Alguns estudos clínicos realizados em paciente com
fibromialgia, outro tipo de neuropatia, demonstram que os níveis séricos da IL-1β
estão aumentados (HERNANDEZ et al., 2010; BAZZICHI et al., 2007). Além disso, já
foi demonstrado que os níveis desta citocina também estão aumentados no nervo
ciático de camundongos no modelo de LPNC em camundongos (MANJAVACHI et
al., 2014).
Portanto neste estudo avaliamos o possível aumento dos níveis da citocina
IL-1β na medula espinhal no modelo de dor neuropática causado pelo PTX. No
entanto os níveis de IL-1β na medula espinhal dos camundongos não foram
alterados pelo tratamento com PTX (Figura 9).
Dentre as alterações patológicas celulares envolvidos na dor neuropática
incluem-se as modificações no equilíbrio entre excitação e inibição sináptica dos
neurônios de projeção da lâmina I da medula espinhal, e parte dessas mudanças
ocorrem também pelas mudanças nos interneurônios excitatórios e inibitórios das
lâminas I, II e/ou III. Como estas alterações persistem a longo prazo ainda não é
sabido, mas nos últimos anos as pesquisas têm-se voltado para investigar o papel
das células não neuronais tais como, monócitos, células T, macrófagos e células
gliais, e tais células parecem desempenhar um papel importante neste quadro
(INOUE e TSUDA, 2018).
A participação dos astrócitos em modelos de dor neuropática induzida por
quimioterápicos como oxaliplatina, bortezomibe e paclitaxel já foi previamente
relatada. Di Cesari Maneli e colaboradores (2014) mostraram que o tratamento
intratecal com inibidor de astrócitos (fluorocitrato) reduziu de forma significativa a dor
provocada pela oxaliplatina em ratos. Outro estudo ainda demonstrou que o
aumento de astrócitos na medula espinhal de camundongos após o tratamento com
paclitaxel é dependente da idade, ou seja, quanto mais jovem o animal maior é o
aumento nos níveis de marcadores para astrócitos (RUIZ-MEDINA et al., 2013).
Em nosso estudo, verificamos que o tratamento com PTX aumenta os níveis
espinhais do marcador para astrócitos (GFAP) 24 h após o primeiro tratamento,
sugerindo a participação destas células no modelo de neuropatia periférica induzida
57
pelo PTX. Este dado corrobora diversos estudos da literatura que evidenciaram a
participação dos astrócitos em diferentes modelos de dor neuropática; além dos
estudos citados acima, podemos destacar também os estudos utilizando o modelo
de constrição do nervo ciático (ECHEVERRY et al., 2008), o de transecção do nervo
ciático (LIU et al., 2000) e o de ligadura parcial do nervo ciático (NARITA et al.,
2006).
Observamos que o aumento da imunomarcação para GFAP em 24h se
correlaciona com o aumento da quimiocina CXCL1 na medula espinhal de
camundongos tratados com PTX (MANJAVACHI et al., 2015). Este resultado sugere
que a ativação astrocitária pode estar envolvida nos mecanismos nociceptivos da
CXCL1 na fase inicial do modelo de estudo. Levando-se em consideração que os
astrócitos podem liberar CXCL1 na medula espinhal (ZHANG et al., 2013), pode-se
especular que estas células poderiam ser a fonte da quimiocina nos estágios iniciais
do modelo. No entanto, os níveis de CXCL1 permanecem elevados por até 7 dias do
protocolo experimental, indicando que outros mecanismos estão relacionados com
sua liberação, bem como com seus efeitos nociceptivos.
Seguindo o intuito de investigar o papel das células gliais no presente
modelo, investigamos a contribuição de células microgliais através da
imunomarcação para Iba-1 (marcador de microglia) e pela inibição farmacológica
com minociclina. Nossos resultados demonstram que os níveis espinhais de Iba-1
não estão alterados no modelo de estudo, sugerido não haver migração/ativação de
microglia na medula espinhal.
Curiosamente, os resultados obtidos nesse estudo diferem de um estudo
preliminar de nosso grupo, onde observamos aumento da imunorreação de Iba-1
(microglia) na medula espinhal de camundongos tratados com PTX (SEGAT et al.,
2017). A discrepância entre estes estudos poderia ser justificada pelos diferentes
protocolos de indução da neuropatia empregados nestes trabalhos. No presente
estudo utilizou-se administração de PTX por dias consecutivos, enquanto no
trabalho anterior o PTX foi administrado em intervalos de 2 dias. Porém, de acordo
com o que observamos em nosso trabalho, outro estudo realizado com o modelo de
dor neuropática induzida por oxaliplatina e bortezomibe em ratos demonstrou que
houve ativação de astrócitos, mas não da microglia, na medula espinhal dos animais
(ROBINSON MA et al., 2014).
58
Apesar de não termos observado aumento no número de células da
microglia na medula espinhal dos animais tratados com PTX, o tratamento com
inibidor da ativação de microglia (minociclina) na dose de 100 mg/kg, mas não na
dose de 30 mg/kg, retardou o desenvolvimento de hipersensibilidade mecânica nos
animais. Corroborando nossos resultados, alguns autores relataram que o
tratamento com este inibidor de microglia foi capaz de reduzir a sensibilidade
mecânica nos modelos de neuropatia periférica induzida por oxaliplatina e
neuropatia diabética dolorosa induzida por estreptozotocina em ratos (DI CESARI E
MANELLI et al., 2014; YANG C et al, 2017).
Ainda não temos dados suficientes para explicar a discrepância entre os
dados moleculares e farmacológicos acerca do envolvimento da microglia neste
modelo. No entanto, há estudos sugerindo que a minociclina pode ser eficaz em
modelos de dor neuropática por agir em células mononucleares periféricas, incluindo
os macrófagos que migram para os gânglios da raiz dorsal (GRD) (LIU CC et al,
2010). Liu e colaboradores (2010) demonstraram que o tratamento com a
minociclina reduziu a hipersensibilidade mecânica induzida por PTX através da
redução da infiltração de macrófagos no GRD. Ademais, a supressão dos níveis
séricos da interleucina-6 (IL-6) em um modelo de constrição de nervo periférico já foi
atribuída como efeito neuroprotetor da minociclina (ZANJANI TM et al., 2006;
ZANJANI et al., 2016). Ainda, é importante ressaltar que aqui nós avaliamos apenas
quantitativamente se o número de células da microglia estaria alterado, o que não
descarta a possibilidade de que as células possam estar mais ativas e atuantes, o
que justificaria o fato do inibidor de microglia ter um efeito considerável sobre a
hipersensibilidade mecânica no presente modelo.
Juntos os resultados do presente estudo sugerem que a migração de
neutrófilos e a liberação da citocina pró-inflamatória IL-1 não estão envolvidos na
fisiopatologia da neuropatia periférica induzida pelo PTX em camundongos. Nossos
resultados acerca do envolvimento da microglia são ainda inconclusivos e, portanto,
não é possível concluir se a ativação/migração de microglia poderia estar envolvida
no presente modelo. No entanto, os astrócitos parecem estar ativados nos estágios
iniciais do modelo.
O presente estudo contribui para a compreensão dos mecanismos
inflamatórios espinhais envolvidos na neuropatia periférica dolorosa causada pelo
59
PTX, especialmente por esclarecer a participação de neutrófilos e astrócitos na
medula espinhal. Estes achados contribuirão para estudos futuros procurando
esclarecer os mecanismos da neuropatia periférica induzida pelo PTX, o que poderá
auxiliar na descoberta de novas alternativas terapêuticas para o tratamento desta
condição clínica.
60
6. CONCLUSÕES
• O tratamento com PTX causou hipersensibilidade mecânica, mas não ao frio ou
ao calor, em camundongos. Estes dados estão de acordo com a literatura, onde
alguns os estudos relatam não haver alteração do limiar térmico após o
tratamento com PTX, mas haver hipersensibilidade mecânica;
• A atividade da enzima mieloperoxidase na medula espinhal não foi alterada pelo
tratamento com PTX, sugerindo que a migração de neutrófilos para a medula
espinhal não esteja alterada na patogênese do modelo de estudo;
• A depleção de neutrófilos, pelo tratamento com vimblastina, não interfere com o
desenvolvimento da neuropatia periférica causada pelo PTX, corroborando o
dado bioquímico e, em conjunto com o mesmo, confirma que a migração de
neutrófilos para a medula espinhal não contribui para a neuropatia periférica.
• Os níveis da citocina IL-1β na medula espinhal não foram alterados pelo
tratamento com PTX.
• A imunomarcação para astrócitos (GFAP) está significativamente aumentada 24
h após o primeiro tratamento com PTX, sugerindo o envolvimento dos astrócitos
neste modelo.
• Os níveis espinhais do marcador para microglia (Iba-1) não foram alterados pelo
tratamento com PTX, sugerindo que o modelo não depende da migração de
microglia na medula espinhal;
• O tratamento com o inibidor da ativação de microglia (minociclina) na dose de
100 mg/kg retardou o desenvolvimento da hipersensibilidade mecânica causada
pelo PTX, mesmo o número de células da micróglia não tendo sido alterado,
sugerindo então que a microglia possa ser importante para o desenvolvimento
da neuropatia periférica.
61
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