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  Avaliação Formativa: revendo decisões e ações educativas Denise Lannes Andréa Velloso

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Avaliao Formativa: revendo decises e aes educativas

Denise Lannes Andra Velloso

ndice

O Tema.......................................................................... Avaliao ao longo da histria....................................... Refletindo...................................................................... Respondendo................................................................. Conhecendo melhor a avaliao formativa...................... Realizando uma avaliao formativa.............................. Escolhendo uma avaliao............................................ Como e Por que avaliar?.............................................. Indo alm...................................................................... Biblioteca....................................................................... A avaliao no princpio da excelncia e do xito escolares.Philippe Perrenoud

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A avaliao entre duas lgicas........................................Philippe Perrenoud

Uma abordagem pragmtica da avaliao formativa..........Philippe Perrenoud

A base tica da avaliao da aprendizagem na escola......Cipriano Carlos Luckesi

Avaliao Educacional...................................................Maria Cndida Trigo

Prtica Escolar: do Erro Como Fonte de Castigo ao Erro Como Fonte de Virtude.................................................Cipriano Carlos Luckesi

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O TemaA capacidade de avaliar um atributo que distingue a condio humana. Avaliar pode ser um empreendimento de sucesso, mas tambm de fracasso; pode conduzir a resultados significativos ou a respostas sem sentido. Avaliamos o tempo todo. No entanto, quando se trata dos processos de aprendizagem, a avaliao parece tornar-se questo nebulosa, no sendo raro o aparente desconforto causado tanto em alunos quanto em professores. Refletir sobre a avaliao tem se tornado uma prtica constante no contexto educacional. Contudo, a ao de avaliar pode ter muitos significados. Ao sermos avaliados estamos sendo analisados, examinados, testados, interrogados, investigados, devassados... com o objetivo de sermos ajuizados, controlados, calculados, valorados e, desta forma, comparados, ajustados, adaptados, acomodados, conformados... em sermos advertidos, censurados, repreendidos, ameaados. Ameaados? No, talvez seja melhor... substituir o ameaado por avisado, prevenido ou, melhor... por aconselhado que sinnimo de apoiado, considerado, respeitado, acolhido, cuidado, atendido... que significa ser distinguido, individualizado, conhecido... que o mesmo que apreciado... que nos remete a admirado, bem quisto, abraado... amado, aceito... Aprovado!

A avaliao requer um olhar sem preconceitos.Por isso, durante este curso vamos enfrentar alguns desafios. Vamos pensar sobre quem o sujeito que avaliamos. Vamos parar e analisar, para compreender, como estamos avaliando, o que avaliamos, quando estamos avaliando e por que avaliamos. Vamos trocar experincias. Mas, tambm, vamos agir! Vamos, como se diz, por a mo na massa. Vamos vivenciar o processo de avaliao formativa. Um modelo, uma idia para ser testada...incio, meio e... Fim! Fim?! No!! De jeito algum!! Com grande entusiasmo, muito respeito, mas com pouqussima modstia, ambicionamos que este curso contribua para um no parar mais de questionar. E trabalharemos determinados, com ateno e carinho, para que voc acesse mltiplos e novos pensamentos e conceitos, desfrute de todas as ferramentas de interao que disponibilizamos, faa muitos amigos e parceiros e, se for esse o seu desejo, para viabilizar a aplicao dos conhecimentos construdos nesse curso em seu cotidiano escolar.

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Avaliao ao longo da histriaBreve HistricoDesde os tempos primitivos, em algumas tribos, os jovens s passavam a serem considerados adultos aps terem sido aprovados em uma prova referente aos seus usos e costumes (Soeiro & Aveline, 1982). H milnios atrs, chineses e gregos j criavam critrios para selecionar indivduos para assumir determinados trabalhos (Dias, 2002). Na China, em 360 a.C devido a este sistema de exames, todos os cidados tinham a possibilidade de alcanar cargos de prestgio e poder. Na Grcia, Scrates, sugeria a auto-avaliao - O Conhece-te a ti mesmo - como requisito para chegar a verdade (Soeiro & Aveline, 1982). Uma outra forma de avaliao era realizada atravs de exerccios orais utilizados pelas universidades medievais e mais tarde pelos jesutas. Na idade mdia, as universidades tinham como objetivo principal a formao de professores. Os alunos que completavam o bacharelado precisavam ser aprovados em um exame para poder ensinar e os mestres s recebiam o ttulo de doutor se lessem publicamente o Livro das Sentenas de Pedro Lobardo ou posteriormente se defendessem tese (Soeiro & Aveline, 1982). A avaliao comea a assumir uma forma mais estruturada apenas depois do sculo XVIII, onde comearam a serem formadas as primeiras escolas modernas, os livros passaram a serem acessveis a todos e criaram-se as bibliotecas. Nesta poca devido a utilizao de exames como forma de avaliao, esta ficou associada idia de exames, notao e controle, constituindo dessa forma a rea de estudos chamada docimologia. Uma outra rea que destacou-se no final do sculo XIX at parte do sculo XX, foi a psicometria, caracterizada por testes padronizados e objetivos que mediam a inteligncia e o desempenho das pessoas. No entanto com o passar do tempo, a utilizao desses testes veio sendo substituda por formas mais amplas de avaliar em que o aluno comeava a ser visto como um todo, um ser humano com todas as suas implicaes (Abramowicz, 1996). O termo "avaliao educacional" foi proposto primeiramente por Tyler em 1934 na mesma poca em que surgiu a educao por objetivos, que tem como princpio formular objetivos e verificar se estes foram cumpridos. Com o objetivo de conhecer se o motivo do fraco desempenho escolar dos negros americanos provinha das deficincias dos servios educativos que eles recebiam, em 1965 a avaliao passou a fazer parte de metodologias e matrias que utilizam abordagens qualitativas como a antropologia, a filosofia e a etnografia. Neste mesmo ano, nos Estados Unidos, foi promulgada a Lei sobre a Educao Primria e Secundria pelo presidente Lyndon Johnson e por proposta do senador Robert Kennedy a avaliao dos programas especiais destinados a alunos de famlias pobres e marginalizadas passou a ser obrigatria. Pouco tempo depois, a avaliao passou a ser obrigatria a todos os programas sociais e educativos dos EUA. Foi dessa maneira que a avaliao passou a fazer parte de outras reas como filosofia, sociologia, economia e administrao. Deixando assim, no apenas de ser monodisciplinar, mas assumindo uma forma mais ampla quanto aos seus mtodos, tipos e objetivos. Ao decorrer da chamada profissionalizao da avaliao que ocorreu de 1965 at o incio da dcada de 80, vrios autores deram nomes aos diferentes enfoques da

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avaliao, porm todos eles valorizavam os mtodos qualitativos e tinham um viso democrtica da avaliao, levando em conta a participao e a negociao. Um novo rumo no campo da avaliao surgiu em 1980, nos EUA e na Inglaterra, com o neoliberalismo e com a crise econmica o estado tornou-se controlador e fiscalizador. Como conseqncia dessas mudanas, a avaliao passou a ser um mecanismo fundamental dos governos nos seus esforos obsessivos de implantao de uma estrita cultura gerencialista e fiscalizadora (Bernstein, 1991 apud Dias 2002). Nesta mesma poca, especialmente na Inglaterra, comeou-se a atribuir aos professores, por ser educadores, a responsabilidade sobre as dificuldades poltico e administrativas e aos insucessos econmicos do pas (Dias, 2002). Nesse sentido, quanto a sua capacidade de responder as exigncias do mercado, comrcio e indstria, as universidades comearam a ser cobradas como se fossem empresas ou organizaes competitivas. Todos estes fatos histricos no campo da avaliao deram origem a sua conformao atual. Ainda hoje existe um certo conflito entre a utilizao de mtodos quantitativos ou qualitativos que coloca na discusso a real finalidade da avaliao, configurando-se dessa maneira uma questo filosfica.

Quero ler maisAvaliao da Aprendizagem: compreenso e prtica Cipriano Carlos Luckesi Diferentes vises sobre avaliao Sandra Zkia Lian Souza

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Refletindo...Algumas situaes, afirmaes provocativas sero colocadas aqui para refletirmos um pouco mais sobre a avaliao. Se voc desejar fazer algum comentrio a respeito ou discutir um pouco mais, basta acessar a plataforma para comentar. Eu Fracasso Um aluno que fracassa aquele que no adquiriu no prazo previsto os novos conhecimentos e as novas competncias que a instituio previa que adquirisse, conforme o programa estabelecido.Acesse a plataforma para comentar

Isambert-Jamati (1971) Classes sociales et chec scolaire, LEcole et la Nation, n 203, pp 19-27

Expectativas - Que nota voc tirou? - Tirei 10. - Mesmo? Oh, eu no queria estar no seu lugar. Eu tirei 4,5 - E por que voc prefere um C a um A? - Descobri que minha vida fica bem mais fcil quando as pessoas no esperam grande coisa de mim. Por que difcil mudar A avaliao tradicional uma fonte de angstia para os alunos com dificuldade e at para os demais, que no tm grande coisa a temer, mas no o sabem...Tambm fonte de estresse e de desconforto para uma parte dos professores , que no gostam de dar notas. Mesmo para eles, o sistema de avaliao um tipo de faixa de segurana, bem-vinda face de muitas incertezas que concernem os objetivos e os programas. O sistema tradicional de avaliao oferece uma direo, um parapeito, um fio condutor; estrutura o tempo escolar, mede o ano, d pontos de referncia...por isso to difcil mudar Philipe Perrenoud (1999) Avaliao Da excelncia regulao das aprendizagens Entre duas lgicas. Ed. Artmed. O fim do poder Uma avaliao formativa s pode ser cooperativa, negociada, matizada, se for centrada nas tarefas e nos processos de aprendizagem mais do que na pessoa em si. Ela priva o avaliador definitivamente do poder de classificar, de distinguir, de condenar globalmente algum em funo de seus desempenhos intelectuais.Acesse a plataforma para comentar

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Philipe Perrenoud (1991) Pour une approche pragmatique de levaluation formative, Mesure et evaluation en ducacion, vol 13, n 4, pp 49-81

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Respondendo...

As atividades devem ser realizadas aleatoriamente, ou seja, no existe uma seqncia para realizao das mesmas. Comece por aquela que mais lhe chamar a ateno!

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Conhecendo melhor a avaliao formativa...A avaliao no um fim em si. uma engrenagem no funcionamento didtico e, mais globalmente, na seleo e na orientao escolares. Ela serve para controlar o trabalho dos alunos e, simultaneamente, para gerir os fluxos. Segundo Perrenoud [1991 apud Hadji 2001], formativa toda avaliao que auxilia o aluno a aprender e a se desenvolver, ou seja, que colabora para a regulao das aprendizagens e do desenvolvimento no sentido de um projeto educativo. A avaliao formativa tem caractersticas informativa e reguladora [Hadji 2001], ou seja, fornece informaes aos dois atores do processo de ensino-aprendizagem:

Ao professor, que ser informado dos efeitos reais de suas aes, podendo repensar e regular sua ao pedaggica

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e Ao aprendiz, que ter oportunidade de tomar conscincia de suas dificuldades e, possivelmente, reconhecer e corrigir seus prprios erros [Ferreira, Otsuka e Rocha 2003].

Antes de continuarmos, gostaramos de convid-lo(a) a visitar nossa Biblioteca, l voc encontrar mais informaes sobre a Avaliao Formativa. A partir do que leu, voc ampliou sua compreenso sobre o que Avaliao Formativa e pode, agora, citar e comentar, segundo o seu ponto de vista, alguns aspectos positivos e negativos desta modalidade de avaliao. Para completarmos essa atividade voc escolher pelo menos um texto no disponibilizado no material do curso e uma imagem para ilustrar as suas colocaes prs e contra o processo de Avaliao Formativa.

Acesse a plataforma para responder a atividade

Ida Biblioteca

Voc tambm poder usar a Biblioteca para acessar ferramentas de busca de textos acadmicos na web.

Agora vamos testar na sala de aula

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Realizando uma avaliao Formativa

Se permita realizar uma avaliao formativa na sua sala de aula. Um pouco de insegurana normal, mas podemos lhe garantir que vai ser uma experincia muito importante para sua formao profissional. Experimente e depois nos conte como foi!

Essa atividade poder ser realizada em qualquer etapa do ano letivo. Garantimos que no vai atrapalhar o seu planejamento. Basta que voc siga as seguintes instrues. Voc vai precisar de trs tempos de aula: dois (02) tempos seguidos para a realizao da atividade (imprescindvel) e um (01) tempo, que pode ser em outro dia, para a finalizao da atividade. 1 ETAPA Proponha aos seus alunos, em um dia normal de aula (mas com dois tempos seguidos), que cada um de vocs - isso mesmo voc e seus alunos! individualmente, elabore uma prova com 10 questes sobre os contedos j trabalhados em sala de aula. importante ficar claro que a prova elaborada por eles s deve conter questes que eles saibam responder. Ou seja, no podero receber ajuda dos colegas nem consultar qualquer material para elaborar as questes! necessrio que os alunos percebam que voc, professor, est vivenciado o mesmo processo que eles. Na sala de aula, no mesmo momento que eles, voc estar elaborando a sua prova, sem qualquer tipo de consulta. Todos vo comear juntos e terminar no prazo estipulado (no mximo um tempo de aula). 2 ETAPA Recolha as provas, incluindo a sua, embaralhe e distribua entre os alunos, tomando cuidado para que ningum receba a prova que confeccionou. Voc tambm realizar uma destas provas. Cada aluno, incluindo voc, ao final da prova, dever atribuir uma pontuao a cada uma das questes, somando 10 pontos totais. Os pontos podem e devem ser distribudos livremente, todas podem receber a mesma pontuao ou umas podem valer mais que outras, s no pode ter nenhuma questo que valha zero. 3 ETAPA Novamente voc recolher as provas e ir redistribu-las para os alunos que as confeccionaram. Estes devero corrigir as provas, respeitando a pontuao estabelecida pelo aluno que realizou mesma. Os alunos, tambm iro listar no caderno os tpicos que cada um abordou na sua prova.

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4 ETAPA Os alunos devero receber a prova corrigida e, a partir da, responder a seguinte pergunta: Se voc tivesse que estudar para fazer esta prova novamente, quais tpicos voc estudaria? Depois da lista feita (3 etapa) e dessa pergunta respondida voc dever, com ajuda do quadro negro, listar os pontos que os alunos destacaram como aqueles que deveriam estudar mais. Avise aos alunos que na aula seguinte, cada um deles dever trazer as repostas das questes que erraram. E voc, professor, levar as respostas das questes que por ventura tenha errado tambm. 5 ETAPA Finalizando a atividade... Para finalizar esta atividade, organize uma discusso em grupo, onde todos devero ler as questes que erraram e suas respectivas respostas. E devem tambm dizer se esto satisfeitos com as respostas que pesquisaram ou no. Neste momento voc dever ampliar um pouco mais cada um dos temas levantados, fazendo, pelo menos, uma nova pergunta. Todos os alunos devem participar e dar suas contribuies. Anote TODAS as suas impresses no decorrer da atividade. Voc deve estar se perguntando, para que fazer tudo isso? Cada etapa desta atividade tem uma funo bastante especfica e foi muito estudada. Estamos aguardando a sua resposta para iniciarmos uma discusso bastante interessante e explicarmos a voc detalhadamente nossos objetivos com esta atividade.Acesse a plataforma para responder a atividade

Ida Biblioteca

Voc tambm poder usar a Biblioteca para acessar os textos de apoio, que disponibilizamos.

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Escolhendo uma avaliaoA avaliao tem diferentes finalidades as quais podem ter caractersticas antagnicas ou complementares. A avaliao somativa considera o ponto de chegada, que tem como um dos seus objetivos informar ao avaliador o grau de rentabilidade cognitiva aquisio do conhecimento do avaliado. J a avaliao formativa um ponto de partida, til para a assimilao ou retificao de novas aprendizagens, sendo ideal numa avaliao continuada, possibilitando ao professor gerir e organizar situaes didticas de aprendizado, identificando eventuais necessidades de correo de rota.

Quanto avaliao diagnstica, pode ser utilizada no incio de um curso ou disciplina, para identificar os conhecimentos dos alunos quanto aos contedos que sero ministrados, de acordo com Hadji (2001).

Existem inmeras outras modalidades de avaliao, como: normativa, criterial, cumulativa, prognostica, iniciativa, repressiva, informativa... Diante de tantas possibilidades... Escolha uma modalidade de avaliao, aquela que voc mais se identifica, e proponha uma estratgia /atividade avaliativa, baseada nos princpios da avaliao escolhida

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Como e Por que avaliar?O que mesmo o ato de avaliar? uma forma de auxiliar a aprendizagem do educando, atravs de seu acompanhamento, tendo em vista o seu desenvolvimento. Avaliar significa identificar impasses e buscar solues. Nada mais que isso... Estar com os olhos voltados para a soluo dos problemas detectados.

Figura 1

Figura 2

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Figura 3

A proposta dessa atividade que voc escreva e intitule um pequeno texto de apresentao para cada uma das imagens acima. Lembre-se de identificar as figuras pelos respectivos nmeros na sua resposta.Acesse a plataforma para responder a atividade

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Indo Alm...Avaliao: da excelncia a regulao das aprendizagens Philippe Perrenoud Phillippe Perrenoud referncia quando se fala de Avaliao Formativa. Este livro pode ser considerado um clssico sobre o assunto. Alm de definir, discutir e exemplificar o processo de avaliao formativa, trata das contradies que envolvem a avaliao no sistema educativo como na articulao da seleo e da formao e no reconhecimento e na negao das desigualdades. No deixem de ler! Competncias para ensinar no sculo XXI A formao dos professores e o desafio da avaliao Philippe Perrenoud Essa outra leitura obrigatria. Esse livro aborda desde a formao dos professores no sculo XXI, passando pelos novos paradigmas que regem o desenvolvimento profissional destes professores, at os desafios da avaliao no contexto dos ciclos de aprendizagem plurianuais. Um panorama geral, muito importante para quem da rea. Avaliar para promover Jussara Hoffmann Jussara Hoffman uma autora brasileira que vem se preocupando com algumas questes educacionais h algum tempo, dentre elas a avaliao. Ela apresenta uma outra forma de abordar e de exercer a avaliao formativa. Vale a pena conferir uma outra viso!

Avaliao da Aprendizagem Escolar Cipriano Carlos Luckesi Luckesi a referncia brasileira quando se trata doe avaliao escolar. Este livro e contm quatro captulos que tratam do que a avaliao da aprendizagem, seus comprometimentos sociolgicos, histricos, polticos, psicolgicos e pedaggicos, assim como estudos sobre articulao entre avaliao e projeto poltico-pedaggico da escola e, por ltimo, recursos tcnicos para a prtica da avaliao da aprendizagem. Avaliar para conhecer, examinar para excluir - vol. 2 Juan Manuel lvarez Mndez O autor discute o papel que a avaliao desempenha nos processos de aprendizagem e discute a importncia desta ser exercida como uma atividade a servio do conhecimento; por outro lado, se for limitada prova, a avaliao pode ser transformada em instrumento de excluso.

Avaliao Desmistificada Charles Hadji Este livro procura identificar algumas estratgias avaliativas usadas no ambiente escolar e prope algumas solues e aes inovadoras para uma avaliao eficaz e formativa

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Biblioteca

Na biblioteca voc encontrar bibliografia, fontes eletrnicas de consulta, referncias e textos para consultar e tirar dvidas durante a execuo das atividades.

Clssico Um grande autor que vem estudando a Avaliao Formativa Philippe Perrenoud. Conhea uma pouco mais sobre ele. Philippe Perrenoud, de acordo com sua prpria definio, no pedagogo, mas um socilogo interessado pela Pedagogia, cujo principal objetivo melhorar a compreenso dos processos educativos. E isso que esse suo, nascido em 1944, faz com muito xito desde o incio da dcada de 1970, quando comeou a pesquisar a fabricao das desigualdades e do fracasso escolar. Professor das reas de currculo escolar, prticas pedaggicas e instituies de formao na Universidade de Genebra, onde se tornou pesquisador e terico rigoroso, Perrenoud vem contribuindo no apenas para uma melhor compreenso do que acontece na escola, mas tambm para a mudana de seu funcionamento, na tentativa de torn-la cada vez menos injusta e desigual. Autor de vrios ttulos importantes na rea de formao de professores, hoje considerados leitura obrigatria para os profissionais do ensino. Perrenoud um dos educadores mais conhecidos por suas obras e por suas idias pioneiras sobre a avaliao em sala de aula e sobre a profissionalizao do professor. Autor de "Avaliao - Da excelncia regulao das aprendizagens e "Construir as competncias desde a escola", Pedagogia Diferenciada e o best-seller Dez nova competncias para ensinar. Foi depois do doutorado em Sociologia, em que estudou as desigualdades sociais e a evaso escolar, que o professor passou a se dedicar ao trabalho com alunos, s prticas pedaggicas e ao currculo dos estabelecimentos de ensino do canto de Genebra.

Philippe Perrenoud doutor em Sociologia e Antropologia e leciona nas reas de currculo, prticas pedaggicas e instituies de formao nas faculdades de Psicologia e de Cincias da Educao da Universidade de Genebra.

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Textos Estes textos foram selecionados para ajud-lo a responder as atividades, a refletir sobre a avaliao formativa...

A avaliao no princpio da excelncia e do xito escolares Philippe Perrenoud A avaliao entre duas lgicas Philippe Perrenoud Uma abordagem pragmtica da avaliao formativa Philippe Perrenoud A base tica da avaliao da aprendizagem na escola Cipriano Carlos Luckesi Avaliao Educacional Maria Cndida Trigo Prtica Escolar: do Erro Como Fonte de Castigo ao Erro Como Fonte de Virtude Cipriano Carlos Luckesi

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A avaliao no princpio da excelncia e do xito escolaresPhilippe PERRENOUD In: PERRENOUD, Philippe. Avaliao: da excelncia regulao das aprendizagensentre duas lgicas; trad. Patrcia Chittoni Ramos.-Porto Alegre: Artes Mdicas Sul,1999. 183p. Este texto (...) retoma, de modo condensado e integrando, a substncia de dois artigos ("La face d'une sociologia de I'valuation dans l'explication de l'chec scolaire et des ingalits devant l'cole", Revue europenne des sciences sociales, 1985, n. 70, p. 177198, e "De quoi Ia russite scolaire est-elle faite?", ducation et recherche, 1986, n. 1, p. 133-160).

O que um aluno fracassado?Para o socilogo: "O aluno que fracassa aquele que no adquiriu no prazo previsto os novos conhecimentos e as novas competncias que a instituio, conforme o programa, previa que adquirisse" (Isambert-Jamati, 1971). Essa definio resgata o senso comum. Entretanto, ela levanta uma questo to banal que poderia ser ignorada: como se sabe se um aluno "adquiriu, ou no, no prazo previsto, os novos conhecimentos e as novas competncias que a instituio, conforme o programa, previa que adquirisse"? Indiretamente, essa simples definio remete a um mundo de agentes e de prticas de avaliao: o grau de aquisio de conhecimentos e de competncias deve ser avaliado por algum, e esse julgamento deve ser sustentado por uma instituio para tornar-se mais do que uma simples apreciao subjetiva e para fundar decises de seleo de orientao ou de certificao. Os alunos so considerados como tendo alcanado xito ou fracasso na escola por que so avaliados em funo de exigncias manifestadas pelos professores ou outros avaliadores, que seguem os programas e outras diretrizes determinadas pelo sistema educativo. As normas de excelncia e as prticas de avaliao, sem engendrar elas mesmas as desigualdades no domnio dos saberes e das competncias, desempenham um papel crucial em sua transformao em classificaes e depois em julgamentos de xito ou de fracasso: sem normas de excelncia, no h avaliao; sem avaliao, no h hierarquias de excelncia; sem hierarquias de excelncia, no h xitos ou fracassos declarados e, sem eles, no h seleo, nem desigualdades de acesso s habilitaes almejadas do secundrio ou aos diplomas. A pesquisa em educao jamais ignorou o peso das normas de excelncia escolar na determinao do xito e do fracasso escolares. Todavia, durante muito tempo considerou-se sua existncia e seu contedo como evidncias triviais e a avaliao como uma simples medida das desigualdades de domnio da cultura escolar. O campo estava, pois, livre para se preocupar antes de tudo em identificar as causas e as conseqncias das desigualdades de aprendizagem, sem se deter demais em seu modo de avaliao e em suas formas de excelncia definidas pela escola. A irrupo das cincias sociais e da educao comparada permitiu tomar conscincia da relativa arbitrariedade cultural dos programas escolares e, portanto, das formas e das normas de excelncia. Desde ento, deu-se mais importncia aos contedos da cultura escolar e a seu papel na gnese de certos fracassos, em particular quando se percebeu que a desigualdade social diante da escola podia, em boa parte, ser imputada distncia desigual entre a norma escolar e a cultura inicial que o aluno deve sua famlia, sua comunidade e sua classe social de origem.

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Isso no levou os pesquisadores a estudarem imediatamente as prticas e as modalidades de criao das hierarquias de excelncia escolar e, depois, os julgamentos de xito ou de fracasso. Inmeros pesquisadores em educao consideram ainda, mesmo quando reconhecem a arbitrariedade cultural de todo currculo, que a desigualdade de xito escolar , grosso modo, comparvel desigual apropriao da cultura escolar tal como os programas a definem. Tudo se passa ainda, freqentemente, como se a avaliao no fizesse seno mostrar, certamente com uma margem de erro, desigualdades reais de domnio dos programas, assim como um termmetro mede aproximadamente variaes bem reais de temperatura. por essa razo que muitos trabalhos sobre as causas das desigualdades de xito tomam por indicadores da excelncia escolar os resultados dos alunos em testes de conhecimentos administrados no mbito de uma pesquisa independente da avaliao escolar, que supostamente apenas mede "a mesma coisa", de modo mais padronizado e mais confivel. Assim, quando Cherkaoui (1979) trata dos "paradoxos do xito escolar", apia-se em uma anlise secundria dos dados do lnternational Educational Assessment (Husen et al., 1967) sobre o domnio dos conhecimentos matemticos em diversos pases. Essa pesquisa submeteu milhares de adolescentes, em vrios pases, a um teste padronizado de conhecimentos matemticos, concebido por pesquisadores, sem relao com os diversos procedimentos de avaliao habituais de ensino; os saberes e as competncias avaliados eram, em princpio, ensinados nos diversos pases comparados, mas com grandes variaes de um sistema a outro, em virtude de sua importncia no currculo, de seu modo de transposio didtica e do nvel de exigncia. Assim, o contedo dos testes no correspondia especificamente a nenhum currculo nacional, ele prprio modulado conforme os estabelecimentos e as habilitaes. O que no impede Cherkaoui de identificar, sem pestanejar, "o xito escolar" nos resultados obtidos nos testes do lEA, sem a menor discusso sobre as relaes entre os resultados desses testes e a excelncia escolar reconhecida nos mesmos alunos por seus respectivos sistemas educativos. Por alguns momentos, pode-se at mesmo ter a impresso de que os pesquisadores preferem seus instrumentos de avaliao s apreciaes mais rudimentares dos professores; porque esto mais prximos da realidade das competncias dos alunos. Isso verdade, mas ignora, ao mesmo tempo, uma questo crucial: a excelncia escolar feita, no idealmente, mas tal como julgada dia aps dia, dentro do funcionamento habitual da escola. Os pesquisadores em educao passaram, com muita freqncia, da crtica docimolgica - fundamentada - da avaliao escolar tentao de substitu-la, por ocasio de uma pesquisa, por seus prprios instrumentos, sem perceber que, assim, mudavam de varivel dependente... Outros pesquisadores, que no dispem de nenhuma pesquisa independente adequada, ou que no desejavam se servir disso, tomam, por indicadores de xito, as decises de seleo ou de orientao que delas decorrem supostamente de "maneira lgica": reprovao ou aprovao, atraso escolar, admisso nesta ou naquela habilitao, diploma em preparao ou j obtido. Certos autores (Hutmacher, 1993; Crahay, 1996) reconhecem que essas variveis no so indicadores fiis do xito tal como o sistema julga, j que so conseqncias do xito ou do fracasso, que se associam a outros fatores que pesam na deciso, principalmente diversas transaes sociais. Desse modo, diversos alunos, mesmo no tendo sido reprovados, preferem repetir o ano para garantir uma orientao melhor um ano mais tarde. Outros, que deveriam ser reprovados, negociam e conseguem uma prorrogao. A reprovao cada vez menos a conseqncia mecnica do nvel de excelncia, esse resulta de uma deciso na qual a excelncia se conjuga a outros fatores: idade do aluno, progressos recentes, projetos, presses da famlia, atendimento previsvel na srie seguinte, acompanhamento por uma equipe pedaggica, poltica do estabelecimento. Os pesquisadores conhecem essas variaes entre o nvel escolar e a reprovao, mas, na falta de outros dados, lanamse anlise dos ndices de reprovao ou de atraso escolar, relacionando-os classe social, ao sexo e nacionalidade. Envolvido pela anlise multivariada, o leitor logo esquecer a preocupao inicial e identificar o fracasso com algumas de suas conseqncias.

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Em outras pesquisas ainda, toma-se por ndice de xito o resultado em certas provas padronizadas administradas pela escola sem que haja preocupao em precisar seu papel na criao das hierarquias globais que determinam o xito ou o fracasso. Ou todas as avaliaes no tm o mesmo peso nos julgamentos de xito ou fracasso. Devem-se considerar os procedimentos de ponderao e de sntese em vigor neste ou naquele sistema educativo, at mesmo neste ou naquele estabelecimento ou nesta ou naquela turma. Mdias, coeficientes e prorrogaes so to reais quanto as prprias provas e desempenham um papel de terminante na agregao de avaliaes parciais, portanto, nenhuma delas , sozinha, comparvel excelncia escolar, menos ainda ao xito ou ao fracasso. Em suma, inmeros pesquisadores, apressados em dar uma explicao para as desigualdades, durante muito tempo "fizeram como se" a definio do xito e do fracasso escolares fosse trivial. Aceitaram a idia de que, a cada momento de sua trajetria, um aluno domina mais ou menos os saberes ou competncias ensinados e que o xito escolar comparvel ao simples reconhecimento, mais ou menos imparcial e preciso, desse domnio. Certamente reconheciam que a avaliao , s vezes, aproximativa ou indireta, que a escola nem sempre est bem instrumentada para delimitar as competncias de seus alunos. Fazendo essas poucas reservas, admitiam, em geral, que o xito se fundamenta em uma avaliao que mede aproximativamente o domnio da cultura escolar. Por que esse "aproximadamente", por que essa pressa em chegar aos resultados da avaliao sem questionar seus fundamentos e seus procedimentos? Talvez, porque a passagem imediata explicao das desigualdades faa com que se entre na esfera nobre dos debates tericos sobre a respectiva parcela do inato e do adquirido, da famlia e da escola, dos indivduos e do "sistema" na gnese do fracasso escolar. Por outro lado, quando se espera impressionar o leitor com anlises de varincia ou de regresso sofisticadas, melhor no se interrogar muito sobre a significao da varivel dependente: correr-se-ia o risco de explicar cientificamente as variaes de uma grandeza, certamente mensurvel, mas cujas relaes com o xito escolar, semntica e estatisticamente, so das mais incertas (Bain, 1980, 1982). Talvez se deva tratar tambm da dificuldade real que h em definir rigorosamente o xito escolar. No entanto, se quisermos explicar, no decises que afetam a trajetria escolar, nem aquisies cognitivas medidas por testes, mas o xito e o fracasso tal como so estabelecidos, declarados e registrados pela organizao escolar, importante compreender os processos executados pelos agentes: "Qualquer que seja, portanto, a maneira como se estabelece ou mede o xito e o fracasso escolares, parece-nos que essas noes nada significam independentemente de uma instituio escolar dada e fora de um dado nvel do curso. [...] Por isso, para ns, o xito na escola no poderia ser confundido nem com o xito pela escola, o xito profissional e social que os diplomas prometem, nem mesmo com o nvel final alcanado nos estudos, como tambm no com o grau de satisfao, o sentimento subjetivo de realizao suscetvel de ser experimentado pelo indivduo no curso e decorrente de seus estudos independentemente de qualquer avaliao 'objetiva' ou institucional de seu desempenho" (Forquin, 1982). Portanto, sem fazer jogo de palavras, o xito e o fracasso escolares resultam do julgamento diferencial que a organizao escolar faz dos alunos, da base de hierarquias de excelncia estabelecidas em momentos do curso que ela escolhe e conforme procedimentos de avaliao que lhe pertencem. No se trata, pois, nem de desigualdades de competncias medidas por meio de pesquisa, nem de sentimentos subjetivos de xito ou de fracasso, nem de decises de progresso ou de orientao enquanto tais.

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A CRIAO DAS HIERARQUIAS DE EXCELNCIA: DIVERSIDADE E NEGOCIAOMesmo que a excelncia se relacione a um programa, nada permite afirmar que ela "mede" essencial e exclusivamente o domnio dos saberes e competncias a ensinar, nem mesmo dos efetivamente ensinados. A escola pretende que sua avaliao recaia sobre a apropriao do currculo formal, mas justamente o que a anlise da criao dos julgamentos de excelncia leva a matizar.

Do programa avaliaoConsiderando que a cultura escolar no forma um todo homogneo, que se compe de disciplinas distintas, ensinadas separadamente, parece norma que seja objeto de avaliaes independentes umas das outras. A avaliao da excelncia ser feita, por exemplo, na escola primria, no quadro do ensino da lngua materna, da matemtica, das atividades de interesse, do estudo do meio, das atividades artsticas, da educao fsica; no ensino secundrio, os alunos sero avaliados em literatura, filosofia, biologia, qumica, fsica, histria, geografia, informtica etc. Na maioria dos sistemas escolares, estima-se que algumas dessas disciplinas so conjuntos muito vastos para propiciar uma nica forma de excelncia. A disciplina admite, pois, vrios componentes e outras tantas normas de excelncia distintas. assim que, desde a escola primria, o domnio da lngua materna engloba o domnio da expresso oral, da leitura, da gramtica, do lxico, da ortografia, da expresso escrita, da morfossintaxe do verbo, das obras literrias e poticas. O domnio da cultura matemtica supostamente engloba o domnio dos sistemas de numerao, das operaes aritmticas, da teoria dos conjuntos e das relaes, da lgica proposicional e do raciocnio, da geometria, da lgebra, do clculo diferencial e integral etc. Esse fracionamento do currculo em disciplinas e das disciplinas em componentes mais ou menos estanques varia sensivelmente de uma poca ou de um sistema educativo a outro, o que sugere que as divises no se devem somente ao estado e estrutura interna dos saberes e competncias, mas a um modo de recorte prprio a cada organizao escolar. Bernstein (1975) mostrou que a passagem de um currculo fragmentado a um currculo integrado estava relacionada a outras mudanas estruturais do sistema escolar. Resta que, em um dado momento, em um dado sistema, seja institudo um recorte estabelecendo a diviso do trabalho entre professores (Perrenoud, 1995a). Cada disciplina ou subdisciplina, tomada em um dado nvel do curso, constitui um campo de excelncia. A excelncia a "oficialmente" comparada ao domnio dos conceitos, dos conhecimentos, dos mtodos, das competncias e dos valores que figuram no programa. As normas de excelncia so, portanto, em princpio, facilmente identificveis: parecem decorrer logicamente do programa do ano. Cada hierarquia de excelncia apresenta-se, ento, como uma classificao, conforme o grau de domnio alcanado por cada aluno no interior de um campo disciplinar (ou de um campo mais restrito). Esse grau de domnio tomado em certos momentos do curso e expresso de acordo com certas escalas numricas ou certos cdigos padronizados, em geral comuns ao conjunto das disciplinas. Tudo parece, ento, decorrer dos programas. Todavia, sobre o contedo exato das formas e das normas de excelncia e, mais ainda, sobre os nveis de domnio esperados, reina uma grande ambigidade. Na maior parte dos sistemas educativos que praticam o controle contnuo das aquisies, tudo se passa como se o contedo das normas de excelncia devesse ser deduzido dos contedos do ensino, j que a organizao atribui aos professores a tarefa de avaliar grosso modo os saberes e competncias que ensinaram. Como supostamente ensinaram o que figura no programa, por que ir mais longe? Quando se administram provas, as exigncias no so necessariamente mais fceis de identificar, seja porque cada professor ou cada

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estabelecimento cria sua prpria prova, seja porque as exigncias so definidas por bancas que no divulgam seus critrios. Entretanto, observando mais de perto, tem-se a medida de dois fatos fundamentais e de suas conseqncias:

Os textos legislativos e regulamentares dizem o que se deve ensinar, mas definem muito menos claramente o que os alunos supostamente devem aprender, portanto, o que se deve avaliar; em certos sistemas educativos, enquanto uma circular precisa detalhadamente maneira de arredondar uma mdia ou de construir uma tabela, o contedo da avaliao e o nvel de exigncia so totalmente deixados apreciao do professor. Os programas deixam aos professores uma significativa margem de interpretao e uma esfera de autonomia quanto sua transposio didtica. Segundo a expresso de Chevallard (1986b), o programa um quadro vazio: se o professor "v o quadro j pronto", porque nele projeta tudo o que tem na mente, devido sua formao, mas tambm sua concepo pessoal da cultura e da excelncia. Decorre que, mesmo que avaliem exatamente o que ensinam, os professores no avaliam as mesmas aquisies, porque no valorizam, no dominam e no ensinam exatamente os mesmos saberes e competncias.

Portanto, bem difcil, se nos limitarmos a consultar os textos oficiais, identificar as exigncias que subentendem a avaliao escolar. Saber que um sistema educativo impe a avaliao do "domnio da expresso escrita", em determinado nvel do curso, ainda no diz:

o que engloba exatamente essa forma e essa norma de excelncia quando se faz referncia aos saberes cientficos ou s prticas sociais de referncia antes de qualquer inteno de instruir; em que elas se transformam quando a transposio didtica e a parcela de autonomia dos professores desempenharam seu papel; o nvel de domnio efetivamente exigido em cada etapa do curso, que difere de uma turma ou de um estabelecimento a outro; como os professores ou outros examinadores procedem para "medir" concretamente esse domnio.

Os professores beneficiam-se de uma autonomia ainda maior nos sistemas escolares que instituem uma avaliao contnua. Com efeito, a presena de provas anuais ou de provas padronizadas induz uma forma de harmonizao pelo simples fato de que cada professor corre o risco de uma contradio entre seu modo de avaliar seus alunos e seus resultados em testes dos quais no domina nem o contedo, nem a tabela, nem mesmo, como no baccalaurat (N do T. Exame de concluso dos estudos secundrios na Frana.), a administrao ou a correo. Quando a avaliao essencialmente contnua, cada professor pode de modo mais fcil - sem, alis, tomar forosamente conscincia disso - adotar sua prpria definio da excelncia, apropriando-se e especificando, sua maneira, as normas de excelncia estabelecidas pela instituio, nelas investindo sua prpria concepo da cultura e do domnio. A ele cabe fixar, mais ainda, segundo o que lhe parece ao mesmo tempo justo e razovel, o nvel de exigncia na ou nas disciplinas que ensina. Tambm decide, em larga medida, a maneira de fazer com que desempenhos correspondam a notas, assim como o patamar que revela um domnio "suficiente". Enfim, o professor goza de uma ampla autonomia no modo como compe, administra, corrige e d nota a suas provas escritas ou outros momentos do trabalho escolar, de modo que, quando se comparam s exigncias entre turmas e entre estabelecimentos, observam-se grandes variaes (Duru-Bellat e Mingat, 1987, 1988, 1993; De Landsheere, V, 1984a e b; Grisay, 1982, 1984, 1988; Isambert-Jamati, 1984; Merle, 1996). Como mostram esses autores, conforme a turma de que faz parte, um aluno no receber a mesma formao e nem

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ser julgado em relao s mesmas normas de excelncia e aos mesmos nveis de exigncia. Para reconstituir as normas de excelncia, os nveis de exigncia e os procedimentos de avaliao, deve-se portanto no somente identificar as regras e a doutrina no-escrita da organizao escolar, mas levar em conta a grande diversidade das concepes e das prticas. A cada um sua verdade: a excelncia e o xito no so nicos; sua definio varia de um estabelecimento, de uma turma, de um ano a outro no mbito do mesmo plano de estudos. Essa diversidade, amplamente desconhecida, porque pouco legtima, no impede que um julgamento de excelncia criado por uma nica pessoa, de maneira discricionria, seja enunciado em nome da instituio e adquira, ento, fora de lei.

As funes da imprecisoQuando a anlise do currculo formal e das regras que governam a avaliao evidencia a imensa parcela de interpretao deixada ao professor, vem mente uma questo: por que se aceita tanta impreciso na definio das normas de excelncia, dos nveis de exigncia e dos procedimentos de julgamento? Em uma organizao que codifica detalhadamente, com freqncia, coisas muito menos importantes - o tamanho das margens ou a cor dos cadernos -, que se diz preocupada com a igualdade diante da lei e com a uniformidade de tratamento, pode-se questionar o que justifica uma to grande diversidade das normas e das prticas de avaliao, ao passo que ela representa uma forma de discriminao e de desigualdade diante da lei. Os professores e os responsveis pela escola no ignoram totalmente a diversidade das exigncias, ainda que tenham tendncia a subestim-la na falta de pontos de comparao. Insistem, sobretudo, em no reconhec-la publicamente, na medida em que ela poderia ser interpretada como um sinal de injustia ou de anarquia. Em relao imagem que os professores e os responsveis pela escola desejam dar, a diversidade das normas e das prticas de avaliao pode parecer uma falha. Ento, por que tolerada? A impreciso das regras e a diversidade das prticas tm mltiplas razes, histricas e atuais. A primeira que os professores no desejam ficar encerrados em um espartilho de obrigaes demasiado precisas quanto ao que devem ensinar e avaliar. Nem individualmente, nem coletivamente, tm interesse em contribuir para uma codificao mais explcita das normas de excelncia e dos nveis de exigncia. Essa impreciso relativa tambm facilita o trabalho da administrao e do corpo de inspetores, que se poupam de uma tarefa ingrata de controle e de "represso": variaes que passam hoje em dia despercebidas tornar-se-iam ilcitas se as normas de excelncia fossem mais codificadas e se fossem estritamente observadas. O risco corrido frente opinio pblica, aos pais, ao mundo poltico tem, em contrapartida, um funcionamento mais flexvel da organizao escolar, que evita mltiplas chamadas ordem e conflitos que se seguiriam. Entretanto, a comodidade dos agentes no a explicao essencial. Se, contra aqueles que preconizam uma avaliao mais racional, a escola mantm interpretaes e modos de fazer to diversos e artesanais, antes de tudo porque isso lhe permite se locomover entre expectativas totalmente contraditrias: enquanto uns estimam que ela deve "aprovar todo mundo" e dissimular o mximo possvel s desigualdades, outros exigem que prepare as elites e legitime as hierarquias sociais sobre a base do mrito escolar. Dividida entre essas concepes opostas, a escola, dia aps dia, deve, no entanto, funcionar. Procurando codificar exatamente suas exigncias, em particular para a promoo de grau em grau, ela evidenciaria cotidianamente suas contradies, o que provocaria incessantes conflitos ideolgicos, dos quais o sistema escolar sairia paralisado. Em resumo, digamos que a ambigidade que caracteriza o sistema atual de avaliao permite estabelecer um acordo prtico, jamais explicitado porque no pode s-lo entre exigncias inconciliveis (Perrenoud, 1995a) .

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Isso tambm verdade no que se refere ao nvel da turma e do estabelecimento. Merle (1996) indica, por exemplo, que os professores do secundrio oscilam constantemente entre dois papis, o de desencadeador e o de avaliador imparcial, que comandam duas lgicas: avaliar bastante severamente para obrigar a trabalhar e preparar seriamente para os exames finais, mas no desencorajar os alunos com notas muito ruins. Essa a razo dos arranjos variveis conforme as turmas e os estabelecimentos. As pesquisas comparadas (Duru-Bellat e Mingat, 1993) mostram que, em nvel real igual, os alunos oriundos dos estabelecimentos com baixo nvel mdio obtm globalmente melhores notas que os alunos oriundos dos estabelecimentos com alto nvel mdio. O paradoxo se explica facilmente: dando notas rigorosas aos bons alunos, os professores encorajamnos a trabalhar mais; dando notas mais generosas aos alunos menos favorecidos, evitam desesper-los. Uma avaliao padronizada no permitiria tais regulaes: em certas turmas, todos os alunos receberiam a nota mxima, em outras, todos estariam muito abaixo da mdia. A escola perderia ento um motor essencial do trabalho escolar e provocaria, em ambos os casos, uma desmobilizao dos alunos, das inquietaes dos pais e dos protestos de uns e outros. A flexibilidade igualmente permite articular a avaliao gesto do contrato didtico e da relao pedaggica. Como lembram Chevallard (1986a) e Merle (1996), as notas so, para o professor, um meio de controlar o trabalho e o comportamento de seus alunos. A avaliao entregue ao aluno ou ao grupo jamais tem a nica finalidade de situar cada um em seu justo nvel de excelncia. Ela uma mensagem, cujos fins so pragmticos. Portanto, o professor modula suas tabelas para fins to diversos quanto as situaes que se apresentam ao longo de todo um ano escolar: manuteno da ordem, estabelecimento de um clima favorvel ao trabalho, progresso no programa, mobilizao em vista de um exame ou de uma prova comum, incio com notas severas, pouco a pouco elevadas durante o ano, para "manter a presso". O jogo com as regras (Perrenoud, 1986b) abre tambm um espao de transao. Isso se passa desde a escola primria: uma criana de 11-12 anos volta da escola; traz uma composio com a nota trs sobre seis. Os pais lem seu texto e acham que no est to mal. No compreendem a razo de uma nota to medocre. A me escreve um bilhete ao professor, perguntando se pode consultar as composies que receberam melhores notas, para ter uma idia das exigncias. Alguns dias mais tarde, o professor telefona, embaraado. Diz que estava cansado, que o caderno estava rasgado, o que influenciou seu julgamento. E termina, perguntando: Quatro e meio estaria melhor? Essa avaliao de geometria varivel ilustra um dos aspectos da criao das notas escolares. Substituindo um trs por um quatro e meio, simplesmente porque os pais se surpreendem, o professor reconhece abertamente que a nota no tem um valor absoluto, que, mesmo no sendo fixada arbitrariamente, pode ser revista. Merle (1996) analisa os dilemas dos professores que, corrigindo uma nota para cima, no desejam que isso se saiba e que os outros alunos aproveitem a deixa... A avaliao inscreve-se sempre em uma relao social, uma transao mais ou menos tensa entre, de um lado, o professor e, de outro, o aluno e sua famlia. Nem sempre h negociao explcita. por isso que Merle (1996) prefere falar de um arranjo: "O termo arranjo associado quele de julgamento pode surpreender. 0 julgamento a aposio de uma sentena por uma ou vrias pessoas habilitadas a pronunci-la e requer a referncia a princpios consuetudinrios, regulamentares ou legais que definem a tomada de deciso. 0 julgamento evoca inevitavelmente o poder do juiz. 0 arranjo, ao contrrio, se realiza principalmente a partir de uma negociao entre duas ou vrias pessoas que realizam uma transao amigvel em proveito das partes em questo. 0 arranjo e o julgamento so, pois, a priori formas antinmicas da ao social. No entanto, a totalidade das declaraes feitas pelos professores indica que o julgamento professoral no corresponde seno formalmente sua definio usual de aplicao de uma regra de deciso.

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[...] Entretanto, o termo de negociao no recobre a diversidade das situaes descritas pelos professores. No sentido literal do termo, nem tudo "negociado"; enquanto que, de um modo ou outro, tudo "arranjado", ou como indica a rica sinonmia do termo: organizado, reunido, instalado, classificado, disposto, ordenado... O arranjo diz respeito ao acordo, ao compromisso, negociao, tambm conciliao" (Merle, 1996, p. 74). Se a avaliao no comparvel a uma simples medida, no o primeiramente em razo de suas imprecises e da margem de erro, mas porque resulta de uma transao que se baseia no conjunto do trabalho escolar e do funcionamento da turma. Assim, certos alunos esperam que sua simples participao nas atividades seja recompensada e que a nota atribuda a uma prova seja proporcional ao esforo despendido para se preparar para ela. Os professores querem julgar o desempenho, qualquer que seja o investimento, mas aceitam, para ter paz ou por sentimento de justia, dar "um ponto pela presena" ou reconhecer a boa vontade (Merle, 1996, cap, II). Deve-se conceber a avaliao no como uma tomada de informao em sentido nico, como uma mera medida do valor escolar "objetivo", mas como um momento de confronto entre:

por um lado, as estratgias do professor, que quer estimar "o que vale realmente tal aluno", faz-lo saber disso, mas tambm mobiliz-lo e faz-lo aderir avaliao de que objeto; por outro lado, as estratgias do aluno, que quer mostrar mais, mascarar suas lacunas, evidenciar seus pontos fortes e "receber o que merece", em outras palavras, ter recompensado seu esforo.

Se a existncia de uma hierarquia de excelncia geralmente aceita como um mal necessrio, o lugar que cada aluno nela ocupa constitui uma questo de importncia, para ele e sua famlia. Sem contestar a legitimidade de uma avaliao, os interessados tentam, portanto, com mais ou menos combatividade e sucesso, melhorar sua prpria posio na classificao, recorrendo a diversas estratgias, notadamente contestando as correes, a nota, as condies de administrao das provas, sua pertinncia em relao aos contedos efetivamente ensinados ou sua coerncia em relao aos resultados obtidos em outras disciplinas, ou na mesma, por ocasio de uma prova ou de uma srie anteriores. Em outro trabalho (Perrenoud, 1982a) , analisei a avaliao como relao social estratgica, jogo do "gato e do rato". Esse jogo se estende s famlias. As hierarquias de excelncia que um professor cria so tambm uma questo entre ele e outros membros da organizao escolar, seus colegas ou seus superiores, j que julgado por sua avaliao assim que se torna pblica. Severa demais, ela injusta, laxista demais, estraga a reputao do estabelecimento. O professor no deixa ento de jogar com as regras da organizao (Perrenoud, 1986b) para preservar sua autonomia e, ao mesmo tempo, sua reputao. Quanto mais imprecisas forem essas regras, maior ser o espao de jogo, sem forar ao desvio. A bricolagem pedaggica (Perrenoud, 1994a, cap. I) aplica-se, portanto, tambm avaliao. Ela ainda mais fcil, porque os julgamentos de excelncia dependem no somente da definio das normas de excelncia e dos nveis de exigncia determinados por cada estabelecimento, cada equipe pedaggica, cada professor, mas de uma impressionante srie de decises aparentemente "tcnicas", que so possibilidades de ordenao ou de arranjo: a. a escolha do momento da avaliao; b. a delimitao do conjunto dos alunos no seio do qual se estabelece a hierarquia (um grupo-turma, os alunos de uma mesma srie ou de um mesmo estabelecimento, os candidatos a um exame); c. a natureza das atividades do trabalho ou das obras sobre as quais trata a avaliao;

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d. a definio da tarefa, das instrues, das regras a serem respeitadas, do tempo concedido, das obras de referncia disponveis; e. a maneira de corrigir as provas (nmero de idias, de respostas corretas, de erros, de qualidades e de defeitos); f. a maneira de comparar os trabalhos entre si ou de relacion-los a um critrio de referncia; g. a maneira de comentar e de justificar a hierarquia estabelecida; h. a liberdade de no computar todas as provas no clculo das mdias, de fazer uma ou duas a mais para compensar mdias muito baixas ou muito altas; i. o recurso s provas orais ou nota sobre um trabalho, que permitem dar s mdias de um aluno seu valor "real". Esses dispositivos - com freqncia bastante opacos - so elementos que podem ser modulados para se chegar a um arranjo ou fazer uma negociao. Com efeito, esto longe de serem codificados de modo detalhado pela organizao escolar. Tudo se passa como se, graas a uma forma de sabedoria, ela evitasse colocar os professores em situaes impossveis. A impreciso da parte prescrita do trabalho de avaliao e a opacidade das prticas efetivas auxiliam a sobreviver; levando em conta relaes de fora e de contexto. Esses poucos elementos bastam para mostrar que no se pode reduzir a excelncia ao domnio puro e simples desta ou daquela parte do currculo formal, tal como a mensurava, por exemplo, uma pesquisa pedaggica bem-feita. Os julgamentos de excelncia resultam do funcionamento rotineiro e negociado da engrenagem da avaliao. Vamos ver agora que so sempre sobredeterminados pelos procedimentos de sntese que alimentam, dos quais decorre o julgamento global de xito ou de fracasso.

O XITO, UMA SNTESE DE MLTIPLOS JULGAMENTOSNem todas as hierarquias de excelncia criadas no mbito do sistema de ensino so indicadores de xito ou de fracasso escolares. Os julgamentos de xito dependem em geral da sntese de vrias hierarquias de excelncia, operada para fins de balano, freqentemente em vista de uma deciso de seleo ou de certificao. No se pode, a rigor, identificar esse julgamento global nem com um de seus ingredientes, nem com uma de suas conseqncias, como, por exemplo, uma reprovao.

xito e fracasso so representaesAs hierarquias de excelncia escolar, das mais formais s mais intuitivas, so apenas representaes. Entretanto, no so quaisquer representaes: elas fazem lei, passam por uma imagem legtima de desigualdades bem reais de conhecimentos ou de competncias. Toda hierarquia retira sua legitimidade do desconhecimento relativo da arbitrariedade de seu modo de criao. As hierarquias de excelncia escolar teriam menos peso, durante a escolaridade e depois dela, se os principais interessados duvidassem da realidade das desigualdades que elas pretendem "refletir", nem mais, nem menos. s vezes, os pais ou os alunos denunciam certas injustias ou certas incoerncias do sistema de notao. Acontece de contestarem os nveis de exigncia ou de porem em dvida o fundamento de uma interpretao de uma norma de excelncia, por exemplo, quando critrios estticos esto em jogo. Alguns tm uma f cega na objetividade da avaliao. Outros sabem que nenhuma medida, por mais instrumentalizada e imparcial que seja, pode delimitar totalmente a realidade das variaes. Isso no impede a maioria dos alunos e dos pais de crer que as hierarquias de excelncia criadas pela escola do uma imagem grosso modo aceitvel das desigualdades reais de domnio dos saberes e competncias ensinados e exigidos. Fazse como se essas hierarquias existissem em estado latente e s devessem ser codificadas, assim como se supe que a temperatura e suas variaes existem independentemente do termmetro que as medir. Graas a essas crenas -fundadas ou no -, possvel transformar os julgamentos de excelncia em julgamentos de xito

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ou de fracasso e depois tomar, com base nisso, decises graves, que afetam a progresso no curso, a orientao ou a certificao. xito e fracasso escolares no so conceitos "cientficos". So noes utilizadas pelos agentes, alunos, pais, profissionais da escola. Ora, eles nem sempre esto de acordo entre si: a noo de xito extremamente polissmica; em inmeras situaes concretas, a definio do xito ou do "verdadeiro xito" uma problemtica muito importante e os agentes em questo confrontam-se sobre o sentido e a realidade do xito ou do fracasso. O socilogo poderia ficar tentado a opor os protagonistas em um relativismo confortvel. Porm, com o xito escolar, no se d o mesmo que com gostos e cores (Perrenoud, 1996j). A definio oficial adotada pela organizao escolar no uma definio "entre outras", assim como o julgamento de um tribunal no um parecer comum, de direito, sobre a inocncia ou a culpabilidade de um sujeito. A escola recebeu da sociedade (atravs do Estado ou de qualquer outro poder organizador) o direito de impor sua definio do xito aos usurios e de lhe dar, se no status de "verdade", pelo menos o de "coisa julgada". O xito que conta, em definitivo, na determinao dos destinos escolares exatamente aquele que a escola reconhece! O xito escolar uma apreciao global e institucional das aquisies do aluno, que a escola cria por seus prprios meios em um dado ponto do curso e que depois apresenta, se no como urna verdade nica, ao menos como a nica legtima assim que se trata de tomar urna deciso de reprovao, de orientao/seleo ou de certificao. Os interessados podem aceitar ou contestar os critrios de xito adotados pela escola, consider-los judiciosos ou absurdos, laxistas ou malthusianos, imparciais ou injustos. Se tiverem os meios para tal, podem mudar de escola, at mesmo de sistema educativo. Se no tiverem escolha, podem considerar que o xito e o fracasso, tais como decretados pela escola, no tm sentido ou no tm "tanta importncia quanto se diz", ao passo que outros os assumiro sem reservas e os vivero como xitos ou fracassos pessoais, sem a menor dvida sobre a legitimidade do julgamento da instituio. Quaisquer que sejam as opinies e as reaes dos indivduos, expressam-se em relao a um julgamento enunciado pela organizao escolar que, aps eventuais negociaes, adquire fora de lei: a escola tem o poder de declarar quem fracassa e quem tem xito. Essa declarao no uma opinio entre outras, j que fundamenta o encaminhamento a uma aula de apoio ou a uma consulta mdico-pedaggica, reprovao ou progresso no curso, continuidade em uma habilitao ou excluso, ou ainda expedio de um diploma ou admisso em uma formao. , alis, essencialmente a necessidade de tomar e de justificar tais decises que obriga a organizao escolar a definir formalmente o xito.

xito e fracasso esto relacionados a decisesPara que a seleo de ingresso em uma escola ou habilitao parea imparcial, necessrio que as condies de admisso sejam explcitas e que a deciso seja fundada sobre critrios aparentemente "objetivos". A escola introduz, ento, um exame ou exige o "xito" dos estudos no ciclo anterior. O mesmo se d com a reprovao, com a continuidade em uma turma ao cabo de um trimestre probatrio, com atribuio de um ttulo. O xito - do exame, do trimestre, do ciclo anterior de estudos - ento considerado como a manifestao, como a "prova", de um valor escolar global, que justifica uma deciso favorvel. Quando no h deciso imediata em vista, a organizao escolar no renuncia a falar a linguagem do xito e do fracasso, nem que seja em razo das decises de seleo ou de certificao que se perfilam para o final do trimestre, do ano ou do ciclo de estudos.

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Portanto, o xito ou o fracasso est constantemente "no horizonte". Se os alunos tivessem a tentao de esquecer isso, adultos bem-intencionados encarregar-se-iam de lembr-los de que seu xito futuro depende de seu investimento presente! De uma certa maneira, professores e pais fazem como se as decises futuras estivessem em jogo em cada momento de avaliao. Essa onipresente preocupao de ter xito ou do medo do fracasso obscurece o fato de que, aplicadas a uma prova escolar especfica durante o ano, as noes de xito ou de fracasso dizem mais respeito ordem da metfora. Cada prova engendra certamente uma hierarquia pontual. Quando o professor ou a organizao escolar define uma nota "mdia" ou um nvel de domnio considerado "suficiente", aqueles que alcanam esse patamar podem ter a impresso de terem "passado" em sua prova, mas nenhuma deciso depende desse nico resultado. Uma nota medocre no ser vivenciada como um fracasso por um aluno cujo xito global parece garantido. Ao mesmo tempo em que ordena os alunos, a escola deixa ento a cada um uma certa liberdade quando se trata de interpretar um desempenho pontual em termos de xito ou de fracasso. Entre os grandes momentos de deciso (de orientao ou de seleo), a noo de xito ou de fracasso, mesmo permanecendo muito presente, tem uma definio mais vaga, que varia conforme as expectativas do professor (Marc, 1984,1985), conforme as aspiraes do aluno e de seus pais, conforme os prognsticos de ambos, conforme a vontade de praticar uma "pedagogia do xito" ou, ao contrrio, de acenar constantemente com o espectro do fracasso para obrigar a "prestar ateno em aula", a "trabalhar seriamente" etc. Se, no outro extremo, considera-se o conjunto da escolaridade, encontra-se a impreciso e a diversidade das definies do xito e do fracasso escolares. Uns consideram que uma carreira s bem-sucedida se levar a estudos universitrios completos. Outros se satisfazem com um diploma qualquer, com a aprendizagem de um bom ofcio ou com um mnimo de cultura geral. Aqui, a escola se abstm de dizer sem rodeios quem tem xito e quem fracassa. Sobre a prpria existncia de uma hierarquia nessa situao, ela faz declaraes ambguas, afirmando, em seu discurso democratizante, a igual dignidade de todas as habilitaes e de todas as formaes, ao passo que desmente essa equivalncia em mil situaes cotidianas, por exemplo, quando d conselhos de orientao, distribui seu oramento ou hierarquiza as diversas categorias de professores, conforme as habilitaes nas quais eles trabalham. Se quisermos ter, na organizao escolar, uma definio institucional, explcita e unvoca do xito e do fracasso, devemos permanecer nas vizinhanas das decises que se apiam formalmente em um julgamento de xito ou de fracasso. Mesmo ento, encontram-se situaes nas quais o discurso da escola mutvel ou incerto. Quando um aluno repete um grau "em seu interesse", s vezes mediante sua solicitao ou de seus pais, por exemplo, porque "muito jovem", isso um fracasso? Quando um aluno passa srie seguinte por pouco, contra as recomendaes dos professores, por ter formalmente direito a isso, faz-se geralmente a famlia perceber esse "xito" como uma vitria moda de pyrhus, que apenas retarda o inevitvel fracasso. Quando um aluno repete uma srie no secundrio, para passar para uma habilitao mais exigente, isso um fracasso? Quando um jovem rescinde um contrato de aprendizagem em uma empresa para escolher uma outra profisso, isso um fracasso ou uma reorientao judiciosa? Em tais situaes, correntes nos sistemas escolares complexos, assiste-se a uma certa dissociao entre, de um lado, o julgamento de xito ou de fracasso e, de outro, a deciso: uma soluo normalmente associada constatao de fracasso assume ento outro sentido. De onde provm uma certa confuso nas mentes, que opem facilmente o "verdadeiro" xito ao xito "formal". Dessa forma, a realidade do xito ou do fracasso negociada entre os interessados, professores, alunos, pais diretamente implicados, aos quais a organizao escolar deixa uma certa liberdade de interpretao da situao.

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Poder-se-ia dizer que a escola define o fracasso e o xito de modo unvoco porque quer tomar, de maneira unilateral, decises legtimas. Assim, ela explicita, critrios de xito e de fracasso que supostamente se aplicam de modo uniforme a todos os alunos que se encontram em uma situao comparvel. Mesmo quando no convence todos do fundamento de seus critrios, usa de seu poder de dizer, em ltima instncia, quem tem xito ou quem fracassa e de, conseqentemente, decidir. Todavia, para que suas decises no fiquem sob suspeita de arbitrariedade, a escola deve explicitar os critrios de xito ou de fracasso.

De uma hierarquia contnua a uma dicotomiaO que separa o xito do fracasso , primeiramente, um ponto de ruptura introduzido em uma classificao. Essa ruptura fixada, s vezes, em funo de um numerus clausus, como o caso em um concurso, s vezes, em funo de um ndice considerado "normal" de xito ou de admisso ou, ainda, em funo de uma definio convencional da nota ou do grau de domnio julgados "suficientes". Qualquer que seja sua justificativa terica ou prtica, essa ruptura introduz uma dicotomia no conjunto dos alunos. Aqueles que esto acima do patamar so considerados como tendo tido xito: pouco importa, uma vez tomadas as decises, que tenham sido aprovados brilhantemente ou no limite. Abaixo do patamar, encontram-se aqueles que fracassam, quer seja "por muito pouco" ou de modo espetacular. A maneira de operar essa dicotomia varia conforme os sistemas escolares. Em geral, levam-se em conta diversas hierarquias parciais construdas no interior de cada disciplina ou subdisciplina. Como completar esses quebra-cabeas? Como encontrar a unidade perdida? Pode-se fundar uma aproximao do valor global do aluno alm da diversidade das disciplinas? Os sistemas escolares "fazem como se" as competncias adquiridas em diversos campos pudessem ser objeto de snteses significativas. Alguns dentre eles definem o xito global como a adio de xitos em cada disciplina principal. Outros sistemas admitem certas compensaes de uma disciplina outra, definindo diversos perfis ou calculando uma hierarquia global por combinao matemtica ou sntese intuitiva de hierarquias parciais. Faltaria estudar de modo mais sistemtico a origem e a racionalidade dos procedimentos que guiam a combinao dos "ingredientes" na criao dos julgamentos globais de xito e de fracasso. Para passar de avaliaes parciais e contnuas, freqentemente contrastantes, a uma classificao nica e dicotmica - este passa, esse reprovado -, devem-se estabelecer regras, inevitavelmente arbitrrias, para:

proceder sntese de avaliaes parciais, elas prprias heterogneas; definir um patamar ou um critrio que induza, a partir dessa sntese, uma diviso dicotmica entre aqueles que tm xito e aqueles que fracassam.

O sistema educativo estabelece regras bastante formais especificando os ramos escolares nos quais se deve atribuir uma nota ou uma apreciao qualitativa, seu peso no conjunto, os cdigos e a escala a ser utilizada, os momentos em que se deve proceder a uma avaliao, a maneira de fazer a mdia ou a sntese de avaliaes parciais ao final de um trimestre ou de um ano. Outras regras, menos restritivas, tendem a normatizar a maneira como os professores fazem suas provas, corrigem-nas, elaboram tabelas, do notas. Por que, no momento da sntese, consideram-se somente algumas disciplinas? Como se justifica esta ou aquela ponderao? Existem, entre os alunos de mesma idade, inmeras desigualdades reais de conhecimentos e de competncias que a escola no mede! Algumas so totalmente estranhas cultura e s normas de excelncia escolares. Mesmo quando se trata da cultura ensinada, nem todas as desigualdades tm o mesmo status: em certas reas do currculo - por exemplo, as atividades criativas, a msica, a educao fsica -, as desigualdades so to reais quanto em outras reas e

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no so menores, mas no so transformadas sistematicamente em hierarquias formais, sem dvida porque no desempenham na seleo escolar um papel determinante. Quanto mais perto se est dos "ramos principais", mais visveis, dramatizadas e traduzidas em hierarquias formais esto as desigualdades reais. Outra escolha delicada: deve-se escolher uma lgica da homogeneidade, segundo a qual o xito global supe um nvel mnimo de excelncia em cada disciplina, ou uma lgica da compensao entre disciplinas? O mecanismo da mdia favorece a compensao (com certas barreiras), enquanto que a definio de patamares mnimos, em cada disciplina, limita a disparidade aceitvel dos nveis de excelncia. Por detrs dessas escolhas, perfilam-se imagens da cultura geral e do "nvel escolar global" de um aluno. Conseqentemente, percebem-se as relaes de fora entre as disciplinas, j que o peso na seleo um indcio de status na instituio e "d direito" a mais horas de aulas por semana. H, pois, razes para pensar que os modos de sntese das avaliaes parciais resultam tambm de arranjos pragmticos, que, alm disso, dispensam a definio bem clara do que o nvel escolar global que justifica, por exemplo, uma reprovao ou uma progresso no curso... Quaisquer que sejam as lgicas em questo, no podem, uma vez estabilizadas e conhecidas, seno sobredeterminar as avaliaes parciais, maneira como a soluo provvel de um procedimento penal influencia cada etapa da instruo: sabendo o peso de cada pea no veredicto final, o magistrado raciocina inevitavelmente em funo tanto das conseqncias de seu julgamento quanto de sua adequao realidade. O professor faz o mesmo. Na medida em que uma parte das avaliaes supostamente fundamenta prognsticos, pode-se alis compreender que a avaliao seja, s vezes, posta a serviode uma orientao desejada.

Referncias BibliogrficasBAIN, D. (1980) Orientation scolaire et functionnement de lcole, Berne, Lang BAIN, D (1982) Analyse des mcanismes de lorientation et rformes du premier cycle secondaire, Revue europenne des sciences sociales, n 63, pp. 161-169. BERNSTEIN, B (1975) Classe et pdagogies: visibles et invisibles, Paris, OCDE.

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A avaliao entre duas lgicasPhilippe Perrenoud In: * PERRENOUD, Philippe. Avaliao: da excelncia regulao das aprendizagensentre duas lgicas; trad. Patrcia Chittoni Ramos.-Porto Alegre: Artes Mdicas Sul,1999. 183p. A avaliao no uma tortura medieval. uma inveno mais tardia, nascida com os colgios por volta do sculo XVII e tornada indissocivel do ensino de massa que conhecemos desde o sculo XIX, com a escolaridade obrigatria. Algum dia teria havido, na histria da escola, consenso sobre a maneira de avaliar ou sobre os nveis de exigncia? A avaliao inflama necessariamente as paixes, j que estigmatiza a ignorncia de alguns para melhor celebrar a excelncia de outros. Quando resgatam suas lembranas de escola, certos adultos associam a avaliao a uma experincia gratificante, construtiva; para outros, ela evoca, ao contrrio, uma seqncia de humilhaes. Tomando-se pais, os antigos alunos tm a esperana ou o temor de reviver as mesmas emoes atravs de seus filhos. As questes que envolvem a avaliao escolar, no registro narcseo, tanto naquele das relaes sociais quanto no que diz respeito s suas conseqncias (orientao, seleo, certificao), so demasiado abrangentes para que algum sistema de notao ou de exame alcance unanimidade duradoura. H sempre algum para denunciar a severidade ou o laxismo, a arbitrariedade, a incoerncia ou a falta de transparncia dos procedimentos ou dos critrios de avaliao. Essas crticas levantam invariavelmente uma defesa das classificaes, apesar de sua imperfeio, em nome do, realismo, da formao das elites, do mrito, da fatalidade das desigualdades... Avaliar - cedo ou tarde - criar hierarquias de excelncia, em funo das quais se decidiro a progresso no curso seguido, a seleo no incio do secundrio, a orientao para diversos tipos de estudos, a certificao antes da entrada no mercado de trabalho e, freqentemente, a contratao. Avaliar tambm privilegiar um modo de estar em aula e no mundo, valorizar formas e normas de excelncia, definir um aluno modelo, aplicado e dcil para uns, imaginativo e autnomo para outros... Como, dentro dessa problemtica, sonhar com um consenso sobre a forma ou o contedo dos exames ou da avaliao contnua praticada em aula? Os debates atuais relacionam-se, alm disso, a uma nova crise dos valores, da cultura, do sentido da escola (Develay, 1996). Entretanto, seria errneo, acreditar que sucedem idade de ouro de uma avaliao triunfante e inconteste. Em torno da norma e das hierarquias de excelncia, nenhuma sociedade vive na serenidade e no consenso. A questo saber, antes, se cada poca reinventa, sua maneira e em sua linguagem, as figuras impostas de um eterno debate, ou se hoje acontece algo de novo. Envolvidos pelo presente, queremos sempre acreditar que a histria se transforma diante de nossos olhos. Os historiadores nos ensinam, ao contrrio, que nos debatemos em disputas quase rituais, retomadas dcada aps dcada, em uma linguagem inovadora apenas o suficiente para dissimular a perenidade das posies e das oposies. Que a avaliao possa auxiliar o aluno a aprender no uma idia nova. Desde que a escola existe, pedagogos se revoltam contra as notas e querem colocar a avaliao mais a servio do aluno do que do sistema. Essas evidncias so incessantemente redescobertas, e cada gerao cr que "nada mais ser como antes". O que no impede a seguinte de seguir o mesmo caminho e de sofrer as mesmas desiluses. Isso significa que nada se transforma de um dia para outro no mundo escolar, que a inrcia por demais forte, nas estruturas, nos textos e sobretudo nas mentes, para que uma nova idia possa se impor rapidamente. O sculo que est terminando demonstrou a fora de inrcia do sistema, para alm dos discursos reformistas. Embora muitos pedagogos tenham acreditado condenar as notas, elas ainda esto a, e bem vivas, em

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inmeros sistemas escolares. Embora a denncia da indiferena s diferenas (Bourdieu, 1966) ocorra h dcadas e seja acompanhada de vibrantes defesas da educao sob medida e das pedagogias diferenciadas, as crianas de mesma idade continuam obrigadas a seguir o mesmo programa. Uma viso pessimista da escola poderia enfatizar o imobilismo. No entanto, lentamente a escola muda. A maioria dos sistemas declara agora querer favorecer uma pedagogia diferenciada e uma maior individualizao das trajetrias de formao. Tambm a avaliao evolui. As notas desaparecem em certos graus, em certos tipos de escolas... Falar de avaliao formativa no mais apangio de alguns marcianos. Talvez passemos - muito lentamente - da medida obsessiva da excelncia a uma observao formativa a servio da regulao das aprendizagens. Todavia, nada est pronto! (Tentamos discutir) a complexidade do problema, que se deve diversidade das lgicas em questo, a seus antagonismos, ao fato de que a avaliao est no mago das contradies do sistema educativo, constantemente na articulao da seleo e da formao, do reconhecimento e da negao das desigualdades. O leitor no encontrar aqui um modelo ideal de avaliao formativa, menos ainda uma reflexo sobre a medida de avaliao. A abordagem sociolgica no ignora as contribuies da docimologia, da psicometria, da psicopedagogia, da didtica. Meu propsito no reforar a crtica racionalista das prticas, em nome de uma concepo mais coerente e mais cientfica da avaliao, nem acrescentar algo aos modelos prescritivos. O olhar mais descritivo, a questo primeiramente mostrar que "tudo se mantm", que no se pode melhorar a avaliao sem tocar no conjunto do sistema didtico e do sistema escolar. Isso no quer dizer que esta obra adote o ponto de vista de Sirius. Poder-se-ia imaginar uma sociologia da avaliao totalmente desengajada, limitando-se a dar conta da diversidade e da evoluo das prticas e dos modelos. No pretendo tal distanciamento. A avaliao formativa uma pea essencial dentro de um dispositivo de pedagogia diferenciada. Quem no aceita o fracasso escolar e a desigualdade na escola se pergunta necessariamente: como fazer da regulao contnua das aprendizagens a lgica prioritria da escola? Esse compromisso com as pedagogias diferenciadas (Perrenoud, 1996b, 1997e) no deveria se desviar da anlise lcida das prticas e dos sistemas. Ao contrrio! No h exemplo de mudana significativa que no se tenha ancorado em uma viso bastante realista das restries e das contradies do sistema educativo. Descrever a avaliao como oscilando entre duas lgicas apenas evidentemente simplificador. Na realidade, h muitas outras, ainda mais pragmticas. Bem antes de regular as aprendizagens, a avaliao regula o trabalho, as atividades, as relaes de autoridade e a cooperao em aula e, de uma certa forma, as relaes entre a famlia e a escola ou entre profissionais da educao. Um olhar sociolgico tenta constantemente considerar as lgicas do sistema que dizem respeito ao tratamento das diferenas e das desigualdades e, ao mesmo tempo, as lgicas dos agentes, que envolvem questes mais cotidianas, de coexistncia, de controle, de poder. Portanto, estabelecerei rapidamente as duas principais lgicas do sistema, uma tradicional, outra emergente, lembrando o leitor de no esquecer que elas no esgotam a realidade e o sentido das prticas.

Uma avaliao a servio da seleo?A avaliao tradicionalmente associada, na escola, criao de hierarquias de excelncia. Os alunos so comparados e depois classificados em virtude de uma norma

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de excelncia, definida no absoluto ou encarnada pelo professor e pelos melhores alunos. Na maioria das vezes, essas duas referncias se misturam, com uma dominante: na elaborao das tabelas, enquanto alguns professores falam de exigncias preestabelecidas, outros constroem sua tabela a posteriori, em funo da distribuio dos resultados, sem todavia chegar a dar sistematicamente a melhor nota possvel ao trabalho "menos ruim". No decorrer do ano letivo, os trabalhos, as provas de rotina, as provas orais, a notao de trabalhos pessoais e de dossis criam "pequenas" hierarquias de excelncia, sendo que nenhuma delas decisiva, mas cuja adio e acmulo prefiguram a hierarquia final:

seja porque se fundamenta amplamente nos resultados obtidos ao longo do ano, quando a avaliao contnua no acompanhada por provas padronizadas ou exames; seja porque a avaliao durante o ano funciona como um treinamento para o exame (Merle, 1996).

Essa antecipao desempenha um papel maior no contrato didtico celebrado entre o professor e seus alunos, assim como nas relaes entre a famlia e a escola. Conforme mostrou Chevallard (1986a) no que tange aos professores de matemtica do secundrio, as notas fazem parte de uma negociao entre o professor e seus alunos ou, pelo menos, de um arranjo. Elas lhe permitem faz-los trabalhar, conseguir sua aplicao, seu silncio, sua concentrao, sua docilidade em vista do objetivo supremo: passar de ano. A nota uma mensagem que no diz de incio ao aluno o que ele sabe, mas o que pode lhe acontecer "se continuar assim at o final do ano". Mensagem tranqilizadora para uns, inquietante para outros, que visa tambm aos pais, com a demanda implcita ou explcita de intervir "antes que seja tarde demais". A avaliao tem a funo, quando se dirige famlia, de prevenir, no duplo sentido de impedir e de advertir. Ela alerta contra o fracasso que se anuncia ou, ao contrrio, tranqiliza, acrescentando "desde que continue assim!". Quando o jogo est quase pronto, prepara os espritos para o pior; uma deciso de reprovao ou de no-admisso em uma habilitao exigente apenas confirma, em geral, os prognsticos desfavorveis comunicados, bem antes, ao aluno e sua famlia. Assim como os pequenos mananciais formam grandes rios, as pequenas hierarquias se combinam para formar hierarquias globais, em cada disciplina escolar, depois sobre o conjunto do programa, para um trimestre, para um ano letivo e, enfim, para o conjunto de um ciclo de estudos. Referindo-se a formas e normas de excelncia bem diversas, essas hierarquias tm em comum mais informar sobre a posio de um aluno em um grupo ou sobre sua distncia relativa norma de excelncia do que sobre o contedo de seus conhecimentos e competncias. Elas dizem sobretudo se o aluno "melhor ou pior" do que seus colegas. A prpria existncia de uma escala a ser utilizada cria hierarquia, as vezes a partir de pontos pouco significativos. Amigues e Zerbato-Poudou (1996) lembram esta experincia simples: d-se um lote de trabalhos heterogneos a serem corrigido por um conjunto de professores, cada um estabelece uma distribuio em forma de sino, aproximao da famosa curva de Gauss. Retiram-se ento todos os trabalhos situados na parte mediana da distribuio e do-se os restantes a outros corretores. Poder-se-ia logicamente esperar uma distribuio bimodal. Isso no acontece, cada avaliador recria uma distribuio "normal". Obtm-se o mesmo resultado quando se conserva apenas a metade inferior ou superior de um primeiro lote. Os examinadores criam variaes que se referem mais escala e ao princpio da classificao do que s variaes significativas entre os conhecimentos ou as competncias de uns e outros. Uma hierarquia de excelncia jamais o puro e simples reflexo da "realidade" das variaes. Elas existem realmente, mas a avaliao escolhe, em um momento definido, segundo critrios definidos, dar-Ihe uma imagem pblica; as mesmas variaes podem ser, dramatizadas ou banalizadas conforme a lgica de ao em andamento, pois no se avalia por avaliar, mas para fundamentar uma deciso. Ao final do ano letivo ou do ciclo

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de estudos, as hierarquias de excelncia escolar comandam o prosseguimento normal do curso ou, se houver seleo, a orientao para esta ou aquela habilitao. De modo mais global, ao longo de todo o curso, elas regem o que se chama de xito ou fracasso escolares. Estabelecida de acordo com uma escala muito diferenciada -s vezes, apenas um dcimo de ponto de diferena - uma hierarquia de excelncia se transforma facilmente, com efeito, em dicotomia: basta introduzir um ponto de ruptura para criar conjuntos considerados homogneos; por um lado, aqueles que so reprovados so relegados s habilitaes pr-profissionais ou entram no mercado de trabalho aos 15-16 anos; por outro, os que avanam no curso e se orientam para os estudos aprofundados. A outra funo tradicional da avaliao certificar aquisies em relao a terceiros. Um diploma garante aos empregadores em potencial que seu portador recebeu uma formao, o que permite contrat-lo sem fazer com que preste novos exames. Uma forma de certificao anloga funciona tambm no interior de cada sistema escolar, de um ciclo de estudos ao seguinte, at mesmo entre anos escolares. Isso menos visvel, pois no existe o equivalente em um mercado de trabalho; o mercado da orientao permanece controlado pelo sistema educativo. Uma certificao fornece poucos detalhes dos saberes e das competncias adquiridos e do nvel de domnio precisamente atingido em cada campo abrangido. Ela garante sobretudo que um aluno sabe globalmente "o que necessrio saber" para passar para a srie seguinte no curso, ser admitido em uma habilitao ou comear uma profisso. Entre professores dos graus ou ciclos de estudos sucessivos, entre a escola e os empregadores, o nvel e o contedo dos exames ou da avaliao so, claro, questes recorrentes. Todavia, no mbito do funcionamento regular do sistema, "age-se como se" aqueles que avaliam soubessem o que devem fazer e a eles concedida uma certa confiana. A vantagem de uma certificao instituda justamente a de no precisar ser controlada ponto por ponto, de servir de passaporte para o emprego ou para uma formao posterior. Dentro do sistema escolar, a certificao sobretudo um modo de regulao da diviso vertical do trabalho pedaggico. O que se certifica ao professor que recebe os alunos oriundos do nvel ou do ciclo anterior que ele poder trabalhar como de hbito. O que isso recobre no totalmente independente do programa e das aquisies mnimas. Isso pode variar muito de um estabelecimento a outro, em funo do nvel efetivo dos alunos e da atitude do corpo docente. Em todos os casos, a avaliao no um fim em si. uma engrenagem no funcionamento didtico e, mais globalmente, na seleo e na orientao escolares. Ela serve para controlar o trabalho dos alunos e, simultaneamente, para gerir os fluxos.

Ou a servio das aprendizagens?A escola conformou-se com as desigualdades de xito por tanto tempo quanto elas pareciam "na ordem das coisas". verdade que era importante que o ensino fosse corretamente distribudo e que os alunos trabalhassem, mas a pedagogia no pretendia nenhum milagre, ela no podia seno "revelar" a desigualdade das aptides (Bourdieu, 1966). Dentro dessa perspectiva, uma avaliao formativa no tinha muito sentido: a escola ensinava e, se tivessem vontade e meios intelectuais, os alunos aprendiam. A escola no se sentia responsvel pelas aprendizagens, limitava-se a oferecer a todos a oportunidade de aprender: cabia a cada um aproveit-la! A noo de desigualdade das oportunidades no significou, at um perodo recente, nada alm disto: que cada um tenha acesso ao ensino, sem entraves geogrficos ou financeiros, sem inquietao com seu sexo ou sua condio de origem. Quando Bloom, nos anos 60, defendeu uma pedagogia do domnio (1972, 1976, 1979, 1988), introduziu um postulado totalmente diferente. Pelo menos no nvel da escola obrigatria, ele dizia, "todo mundo pode aprender": 80% dos alunos podem dominar 80% dos conhecimentos e das competncias inscritos no programa, com a condio de

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organizar o ensino de maneira a individualizar o contedo, o ritmo e as modalidades de aprendizagem em funo de objetivos claramente definidos. De imediato, a avaliao se tornava o instrumento privilegiado de uma regulao contnua das intervenes e das situaes didticas. Seu papel, na perspectiva de uma pedagogia de domnio (Huberman, 1988), no era mais criar hierarquias, mas delimitar as aquisies e os modos de raciocnio de cada aluno o suficiente para auxili-lo a progredir no sentido dos objetivos. Assim nasceu, se no a prpria idia de avaliao formativa, desenvolvida originalmente por Scriven (1967) em relao aos programas, pelo menos sua transposio pedagogia e s aprendizagens dos alunos. O que h de novo nessa idia? No se servem todos os professores da avaliao durante o ano para ajustar o ritmo e o nvel global de seu ensino? No se conhecem muitos professores que utilizam a avaliao de modo mais individualizado, para melhor delimitar as dificuldades de certos alunos e tentar remedi-las? Toda ao pedaggica repousa sobre uma parcela intuitiva de avaliao formativa, no sentido de que, inevitavelmente, h um mnimo de regulao em funo das aprendizagens ou, ao menos, dos funcionamentos observveis dos alunos. Para se tornar uma prtica realmente nova, seria necessrio, entretanto, que a avaliao formativa fosse a regra e se integrasse a um dispositivo de pedagogia diferenciada. esse carter metdico, instrumentado e constante que a distancia das prticas comuns. Portanto, no se poderia, sob risco de especulao, afirmar que todo professor faz constantemente avaliao formativa, ao menos no no pleno sentido do termo. Se a avaliao formativa nada mais do que uma maneira de regular a ao pedaggica, por que no uma prtica corrente? Quando um arteso modela um objeto, no deixa de observar o resultado para ajustar seus gestos e, se preciso for, "corrigir o alvo", expresso comum que designa uma faculdade humana universal: a arte de conduzir ao pelo olhar, em funo de seus resultados provisrios e dos obstculos encontrados. Cada professor dispe dela, como todo mundo. Ele se dirige, porm, a um grupo e regula sua ao em funo de sua dinmica de conjunto, do nvel global e da distribuio dos resultados, mais do que das trajetrias de cada aluno. A avaliao formativa introduz uma ruptura porque prope deslocar essa regulao ao nvel das aprendizagens e individualiz-la. Nenhum mdico se preocupa em classificar seus pacientes, do menos doente ao mais gravemente atingido. Nem mesmo pensa em lhes administrar um tratamento coletivo. Esfora-se para determinar, para cada um deles, um diagnstico individualizado, estabelecendo uma ao teraputica sob medida. Mutatis mutandis, a avaliao formativa deveria ter a mesma funo em uma pedagogia diferenciada. Com essa finalidade, as provas escolares tradicionais se revelam de pouca utilidade, porque so essencialmente concebidas em vista mais do desconto do que da anlise dos erros, mais para a classificao dos alunos do que para a identificao do nvel de domnio de cada um. "Seu erro me interessa", diria um professor que leu Astolfi (1997) .Uma prova escolar clssica suscita erros deliberadamente, j que de nada serviria se todos os alunos resolvessem todos os problemas. Ela cria a famosa curva de Gauss, o que permite dar boas e ms notas, criando, portanto, uma hierarquia. Uma prova desse gnero no informa muito como se operam a aprendizagem e a construo dos conhecimentos na mente de cada aluno, ela sanciona seus erros sem buscar os meios para compreend-los e para trabalh-los. A avaliao formativa deve, pois, forjar seus prprios instrumentos, que vo do teste criterioso, descrevendo de modo analtico um nvel de aquisio ou de domnio, observao in loco dos mtodos de trabalho, dos procedimentos, dos processos intelectuais no aluno. O diagnstico intil se no der lugar a uma ao apropriada. Uma verdadeira avaliao formativa nec