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IP) AVALIAÇÃO DO IMPACTO DO PARPA II NO ACESSO À JUSTIÇA EM MOÇAMBIQUE Maputo, 2010

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I P )    

 

   

   

A V A L I A Ç Ã O   D O   I M P A C T O   D O   P A R P A   I I    

N O      

A C E S S O   À   J U S T I Ç A   E M   M O Ç A M B I Q U E                                          

M a p u t o ,   2 0 1 0

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FICHA  TÉCNICA  

Título   Avaliação  do  PARPA  II  no  Acesso  à  Justiça  Autor   André  Cristiano  José  

Edição   Centro  de  Integridade  Pública  

Layout  

   

CENTRO DE INTEGRIDADE PÚBLICA CENTER FOR PUBLIC INTEGRITY

Boa Governação-Transparência-Integridade Good Governance-Transparency-Integrity

Rua Frente de Libertação de Moçambique (ex-Pereira do Lago), 354, r/c. Tel: 00 258 21 492335 Fax:00 258 21 492340

Caixa Postal:3266 Email:[email protected]

www.cip.org.mz Maputo-MOCAMBIQUE  

 

     

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Índice  I.  Introdução.........................................................................................................................................  1  II.  Âmbito  do  trabalho  ..........................................................................................................................  2  III.  Reforma  judiciária  e  a  proximidade  dos  tribunais  judiciais  ............................................................  3  1.   Percursos  da  organização  judiciária.......................................................................................  3  a)   Sistema  de  justiça  popular  (1978  a  1992)  .........................................................................  4  b)   Organização  judiciária  do  pluralismo  político  (1992  a  2004)  ...........................................  5  c)   A  nova  organização  judiciária  (desde  2007)  .....................................................................  7  

2.  A  nova  organização  judiciária  e  acesso  à  justiça..........................................................................  8  IV.  Tribunais  comunitários  e  o  reconhecimento  do  pluralismo  jurídico  ............................................  10  1.  Os  tribunais  comunitários  e  o  sistema  de  administração  da  justiça  .........................................  10  2.  Procedimentos  e  tipo  de  decisões:  o  (des)respeito  pelos  direitos  fundamentais.....................  15  

V.  Evolução  do  movimento  processual:  o  que  nos  dizem  os  números?  ............................................  18  1.  Tribunal  Supremo  ......................................................................................................................  19  2.  Tribunais  Judiciais  de  Província  .................................................................................................  20  3.  Tribunais  Judiciais  de  Distrito  ....................................................................................................  23  

VI.  Patrocínio  Judiciário  .....................................................................................................................  25  1.  O  sistema  de  assistência  jurídica  e  judiciária  .............................................................................  25  2.  Cobertura  territorial  e  a  capacidade  de  resposta  ......................................................................  27  

VII.  Reforma  legal,  celeridade  processual  e  protecção  de  grupos  vulneráveis  .................................  30  VIII.  A  formação  dos  magistrados  ......................................................................................................  33  1.  Os  percursos  da  formação  de  magistrados  ...............................................................................  33  2.  Os  dilemas  da  colocação  de  magistrados  ..................................................................................  37  

Conclusões  .........................................................................................................................................  39  

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I.  Introdução  

Desde   a   independência   nacional   em,   1975,   o   governo   de  Moçambique   tem   vindo   a   aprovar   e  

implementar   programas   de   desenvolvimento     primeiro,   no   âmbito   do   modelo  

desenvolvimentista,  de  orientação  socialista;  e  posteriormente  (a  partir  dos  meados  dos  anos  80)  

no   contexto   do   pluralismo   político   e   da   economia   de   mercado     no   sentido   de   melhorar   as  

condições  de  vida  dos  cidadãos.  Foi  precisamente  no  último  período  que  os  planos  de  redução  da  

pobreza  passaram  a  assumir  especial   importância  como  ferramenta  política  de   referência  para  a  

concretização  desses  programas.  

 

Até   agora   foram   aprovados   dois   planos   de   acção   para   a   redução   da   pobreza   (PARPA),  

nomeadamente  para  os  anos  2001-­‐2005  e  2006-­‐2009.1  O  PARPA,  por  um  lado,  prevê,  como  parte  

integrante   do   ciclo   de   planificação,   uma   activida

mecanismo  para  controlar  a  eficácia  e  eficiência,  para  apreciar  o  impacto,  para  determinar  o  peso  

das   políticas   públicas   na   redução   da   pobreza   nas   diferentes   categorias   sociais   e   para   captar   e  

analisar  as  mudanças,  

(Governo  de  Moçambique,  2006:145).  

 

 Por  outro  lado,  define  os  princípios  fundamentais  e  prescreve  os  mecanismos  e  instrumentos  de  

monitoria  e  avaliação  que  assentam  na  análise  de   indicadores.   Esta  metodologia  não  esgota,  no  

entanto,  as  possibilidades  de  avaliação  do  impacto  do  PARPA,  podendo  inclusivamente  ser  levadas  

a   cabo   por   organizações   da   sociedade   civil.   Isto   permite-­‐nos   construir   uma   visão   plural   e  mais  

alargada   sobre  as   concretizações  do  PARPA  e  enriquecer  o  debate   sobre  as  políticas  públicas  de  

Moçambique.  

 

O  presente   trabalho  avalia  o   impacto  do  PARPA   II   (área  da   justiça   e   legalidade)  para  o   acesso  à  

justiça,  centrando-­‐se  em  três  componentes,  nomeadamente  reforma  judiciária  e  nível  de  expansão  

e  de  consolidação  das   instâncias  comunitárias  de  resolução  de  conflitos;  capacidade  de  resposta  

dos  tribunais;  patrocínio  judiciário  e  sistema  de  representação  de  interesses.    O  acesso  à  justiça  é  

1Há  dois  instrumentos  que  podem  ser  considerados  percursos  dos  PARPA:  o  Poverty  Reduction  Framework  Paper  

apresentado  ao  Grupo  Consultivo  de  Paris  em  1990;  e  a  Estratégia  para  a  Redução  da  Pobreza  da  Pobreza,  definida  pela  Unidade  de  Alívio  à  Pobreza,  Ministério  do  Plano  e  Finanças.    

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assume   como  um  dos  desafios   centrais   a   alcançar   entre  os   anos  2006  e  2009  o  de  

transparente  e  in

 

Melhorar  o  acesso  à  justiça  (no  sentido  da  acessibilidade  aos  serviços  públicos  de  

administração  da  justiça);  

tornar   a   legislação  mais   adequada   ao   bom   funcionamento   da   administração   da  

justiça;  

aumentar  a  eficiência  e  celeridade  na  provisão  de  serviços  de  Justiça;  

garantir  a  assistência  jurídica  e  a  protecção  dos  cidadãos  mais  vulneráveis;  

reformar  o  sistema  prisional  e  garantir  ao  recluso  um  tratamento  consistente  com  

as  normas  e  princípios  internacionais  dos  direitos  humanos;  e  

reforçar  o  combate  à  corrupção.  

 

Propomo-­‐nos   fazer  uma  avaliação  do  grau  de  cumprimento  de  alguns  dos  objectivos  específicos  

do   PARPA   II   que   ultrapasse   a   mera   contabilização   de   acções,   mas   que   reflicta   sobre   os   reais  

impactos  da  sua  concretização.    

 

Para  além  da  introdução  e  da  conclusão,  este  trabalho  é  composto  pelas  seguintes  partes:  âmbito  

do  trabalho;  reforma  judiciária  e  proximidade  do  sistema  em  relação  aos  cidadãos;  as  condições  de  

funcionamento   dos   tribunais   no   contexto   do   pluralismo   jurídico;   movimento   processual   e   o  

desempenho   dos   tribunais   judiciais;   sistema   de   acesso   ao   direito   e   à   justiça;   reforma   legal,  

celeridade  processual  e  protecção  dos  cidadãos  vulneráveis;  formação  de  magistrados  e  colocação  

de  magistrados.  

II.  Âmbito  do  trabalho  

Existem  várias  formas  de  avaliação  do  acesso  à  justiça.  Nesta  sede,  pretendemos  destacar  apenas  a  

que  resulta  da  análise  da  relação  entre  a  procura  e  a  oferta  de  serviços  judiciários.  Para  o  efeito,  

tomámos   de   empréstimos   os   conceitos   de   procura   efectiva   (que   nos   é   dada   pelo   volume   de  

processos  entrados  no  tribunal),  procura  não  satisfeita  (que  corresponde  ao  número  de  processos  

pendentes)   e   procura   potencial   (que   é   o   conjunto   de   conflitos   judicializáveis   que,   por   vários  

motivos,  não  chega  a  entrar  nos  tribunais),  utilizados  por  Boaventura  de  Sousa  Santos  e  Conceição  

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Gomes  (1998).  Em  relação  à  procura  potencial,  realçam  aqueles  autores,  colocam-­‐se  particulares  

problemas  nos  casos  em  que  os  cidadãos,  embora  querendo,  não  podem  ou  não  têm  como  aceder  

aos  tribunais.    

 

Neste  trabalho  fazemos  a  análise  das  acções  desenvolvidas  no  âmbito  do  PARPA  II,  no  sentido  de  

saber  em  que  medida  contribuem  para  (des)encontro  entre  a  procura  e  a  oferta  judiciária.  Para  o  

efeito,  centramo-­‐nos  em  quatro  questões  principais,  nomeadamente,  reforma  judiciária;  expansão  

e   consolidação   dos   tribunais   comunitários;   capacidade   de   resposta   dos   tribunais   (estudo   da  

procura   não   satisfeita);   patrocínio   judiciário   e   sistema   de   representação   de   interesses.   Estas  

questões  desdobram-­‐se  nos  seguintes  pontos  de  análise:  

avaliação  do  grau  de  implementação  da  reforma  judiciária    

avaliação  da  expansão  dos  tribunais  comunitários;  

avaliação   da   proximidade   dos   tribunais   judiciais   de   distrito   e   das   instancias  

comunitárias  em  relação  aos  cidadãos;    

 analise  da  relação  entre  a  reforma  judiciária  e  o  sistema  de  formação  e  colocação  

de  magistrados;  

análise   da   evolução   do   movimento   processual   (processos   entrados,   findos   e  

pendentes);  

avaliação  da  extensão  e  do   impacto  dos  serviços  de  patrocínio   judiciário  (Ordem  

dos  Advogados  e  Instituto  do  Patrocínio  e  Assistência  Jurídica);  

análise   do   programa   de   reforma   legal   e   sua   relação   com   a   necessidade   de  

aumentar  a  celeridade  dos  tribunais  e  de  protecção  dos  grupos  vulneráveis.  

 

III.  Reforma  judiciária  e  a  proximidade  dos  tribunais  judiciais  

1. Percursos  da  organização  judiciária  

como  um  dos  desafios  mais  importantes.  Isto  resulta  de  um  reconhecimento  de  que  a  organização  

judiciária  é  a  base  estrutural  em  relação  a  qual  gravitam  todas  as  questões   relativas  ao  acesso  à  

justiça.  Nessa  perspectiva,  foi  aprovada  uma  nova  Lei  Orgânica  dos  Tribunais  Judiciais  em  2007.  No  

entanto,  a  avaliação  das  potencialidades  desta   lei  para  o  acesso  à   justiça,   isto  é,  a  compreensão  

dos  avanços  e  retrocessos  da  nova  lei,  exige  o  conhecimento  (ainda  que  genérico)  dos  percursos  

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da  organização  judiciária  moçambicana  e  da  filosofia  subjacente  a  cada  etapa.    

 

A  evolução  da  organização  judiciária  tem  reflectido  não  só  a  evolução  do  próprio  sistema  político  e  

as   transformações   constitucionais   de   Moçambique,   como   também   a   forma   como   as   correntes  

dominantes  nos  tribunais  encaram  o  sistema  de  administração  da  justiça.  Para  o  que  nos  interessa  

neste  trabalho,  distinguimos  as  seguintes  etapas:2    

 de  1978  a  1992,  a  implantação  do  sistema  de  Justiça  Popular;    

 de  1992  a  2004,  a  organização  judiciária  do  pluralismo  político  

  a   partir   de   2004,   a   nova   organização   judiciária,   no   contexto   do   reconhecimento  

constitucional  do  pluralismo  jurídico.    

a) Sistema  de  justiça  popular  (1978  a  1992)                                                                                                  

A  primeira  Lei  da  Organização   Judiciária  de  Moçambique   (Lei  n.º  12/78,  de  2  Dezembro)  vigorou  

entre   os   anos   1978   e   1992.   Trata-­‐se   de   uma   lei   que   se   orientava   por   dois   princípios   básicos:  

participação   popular   na   administração   da   justiça   e   justiça   de   proximidade.   Assim,   o   sistema  

apresentava,  entre  outras,  as  seguintes  características:  

o  Ministério  da  Justiça  fazia  a  direcção  e  gestão  de  todo  o  sistema  judiciário;  

na  medida  do  possível,  e   tendo  em  conta  as  necessidades  da   função   judicial,   a  

divisão  judicial  deveria  coincidir  com  a  divisão  administrativa;  

da   base   para   o   topo,   a   hierarquia   dos   tribunais   era   a   seguinte:   tribunais   de  

localidade   ou   de   bairro,   tribunais   distritais,   tribunais   provinciais   e   tribunal  

supremo;  

a   organização   hierárquica   dos   tribunais   assegurava   o   direito   de   recurso   das  

decisões,  podendo   inclusivamente  recorrer-­‐se  dos  tribunais  de  base  (os  tribunais  

de  localidade  e  de  bairro)  para  os  tribunais  distritais;  

todos  os  tribunais  eram  colegiais;  

os   tribunais  da  base  do   sistema   (nas   localidades  e  nos  bairros)   eram  compostos  

apenas   por   juízes   eleitos,   sem   formação   técnico   jurídica,   cuja   competência   era  

decidir  pequenos  conflitos,  tendo  por  base  o  bom  senso,  critérios  de  justiça  e  os  

princípios  que  presidem  à  construção  da  sociedade  socialista;  

os  restantes  tribunais  (tribunais  distritais,  tribunais  provinciais  e  tribunal  supremo)  

2    Partimos  da  periodização  sugerida  por  Trindade  (2003).  

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eram   compostos   por   juízes   profissionais   e   juízes   eleitos.   Na   matéria   penal,   os  

juízes   eleitos   participavam   na   decisão   sobre   as   questões   de   facto   e   de   direito,  

sendo,   por   isso,   fundamentais   para   a   determinação   da   culpa   e   da   pena   dos  

arguidos.  Na  área  cível,  a   intervenção  dos   juízes  eleitos  restringia-­‐se  às  questões  

de  facto.  

 

Resulta  clara  a  preocupação  de  tornar  os  tribunais  mais  acessíveis,  por  um  lado,  aproximando-­‐os  

dos  cidadãos,  tanto  do  ponto  de  vista  físico  (nos  bairros  e  nas  localidades)  como  cultural  (através  

da   intermediação   dos   juízes   eleitos   em   todas   as   jurisdições).   A   necessidade   de   transformação  

social   através   do   direito   reflectia-­‐se   também  nesta   permeabilidade   ou   articulação   de   diferentes  

corpos   jurídicos   presentes   na   sociedade   moçambicana.   Como   argumentavam   Sachs   e   Welch  

(1990),   num   estudo   marcante   sobre   os   tribunais   populares,   para   a   libertação   do   direito  

moçambicano   os   magistrados   devem   aprender   a   enquadrar   a   sua   actuação   e   a   construção   do  

Estado  num  processo  de  transformação  cultural  do  povo.    

 

Por  isso,  afirmavam  ainda  os  autores,  é  importante  conhecer  as  tradições  do  país  porque,  por  um  

lado,  o  direito  tradicional  está  vigente  (ainda  que  num  processo  de  transformação);  e,  por  outro  

lado,   porque   muitos   dos   conceitos-­‐chave   do   direito   tradicional     porque   constituintes   do  

património  cultural  do  povo  moçambicano     foram   transformados  e   reintegrados  no   sistema  de  

justiça  popular.  

b) Organização  judiciária  do  pluralismo  político  (1992  a  2004)  

A   Constituição   de   1990   assumiu   a   independência   dos   tribunais   judiciais   como   uma   prioridade  

política,   autonomizando-­‐se   por   completo   do   poder   executivo.   A   direcção   dos   tribunais   judiciais  

passou  a  ser  da  exclusiva  responsabilidade  do  Tribunal  Supremo  e  do  Conselho  Judicial,  do  mesmo  

modo  que   passaram  a   ter   um  órgão  próprio  de   disciplina,   o   Conselho   Superior   da  Magistratura  

Judicial.  Por  seu  turno,  a  Procuradoria-­‐Geral  da  República  assumiu  a  direcção  da  magistratura  do  

Ministério   Público,   não   obstante   o   facto   de   o   Presidente   da   República   ter   a   prerrogativa  

constitucional  de  nomear  e  exonerar  o  Procuradoria-­‐Geral  da  República,  o  Vice  Procurador-­‐geral  

da  República  e  os  Procuradores-­‐Gerais  Adjuntos.  

 

Por  força  da  Constituição  de  1990,  a  Lei  n.º  10/92,  de  6  de  Maio  introduziu  alterações  profundas  na  

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orgânica  dos  tribunais  judiciais,  entre  as  quais  destacamos  as  seguintes:    

a   divisão   judicial   continuou   a   coincidir,   na   medida   do   possível,   com   a   divisão  

administrativa.   Orientando-­‐se   mais   para   uma   perspectiva   burocrática   do   sistema  

deixou   de   ser   exigida   a  necessidade  de   ter   em   conta   as   necessidades   da   função  

judicial  na  construção  da  orgânica  dos  tribunais;  

os   tribunais  de   localidade  e  de  bairro  deixaram  de   fazer  parte  do  sistema   judicial,  

passando   a   ser   regulados   por   lei   própria,   a   Lei   n.º   4/92,   de   6   de   Maio   (Lei   dos  

Tribunais  Comunitários);  

a  pirâmide  judicial  passou  a  ter  apenas  três  níveis:  tribunais  de  distrito,  tribunais  de  

província  e    Tribunal  Supremo;  

os   tribunais   judiciais   continuaram   a   ser   colegiais,   embora   os   juízes   eleitos   se  

passasse  a  restringir-­‐se  aos  julgamentos  em  primeira  instância  e  exclusivamente  na  

decisão  sobre  a  matéria  de  facto.  

 

Estas   reformas   mostram,   por   uma   lado,   a   tendência   para   uma   crescente   profissionalização   da  

administração  da  justiça,  no  sentido  da  valorização  de  uma  concepção  burocrática  e  tecnicista  do  

direito.  Por  outro  lado,  contribuem  para  um  maior  distanciamento  físico  entre  os  tribunais  judiciais  

e  a  maioria  dos  cidadãos.    

 

Como   veremos   no   ponto   IV,   pelo   facto   de   não   ser   clara   a   inserção   institucional   dos   tribunais  

comunitários,  não  ter  sido  actualizada  nem  regulamenta  lei  que  os  cria,  não  estarem  estabelecidos  

os  mecanismos  de  articulação  com  os  tribunais  judiciais,  não  ter  havido  um  processo  sistemático  

de  renovação  dos  juízes,  os  tribunais  comunitários  que  continuam  em  funcionamento  deixaram  de  

responder   às   exigências   de   acesso   à   justiça   (resolução   de   conflitos   de   pequena   gravidade,  

encaminhamento   dos   casos   para   as   instâncias   competentes,   remessa   de   processos   para   as  

instâncias  superiores,  em  sede  de  recurso).    

 

A   isto   acresce-­‐se   o   facto   de   que,   durante   este   período,   a   rede   dos   tribunais   judiciais   e   das  

procuradorias   ter   não   só   estado  muito   longe   de   cobrir   a   totalidade   do   território  moçambicano,  

como   também   ter   se   desenvolvido   de   forma  desarticulada.   As   situações   eram  múltiplas.   Alguns  

exemplos:   circunscrições   administrativas   onde   ainda   não   tinham   sequer   sido   criadas  

procuradorias;  distritos  que  não  tinham  tribunais  em  funcionamento;  tribunais  que  funcionavam  

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sem  procurador;   tribunais  que  não   tinham   juiz;   tribunais  que  não   tinham   funcionários;  distritos  

sem  mecanismos  de  defesa;  etc.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                

c) A  nova  organização  judiciária  (desde  2007)  

A  revisão  constitucional  de  2004   trouxe  alterações   importantes  para  o  sistema  de  administração  

da  justiça:  redefine  as  categorias  de  tribunais  existentes  em  Moçambique,  incluindo  formalmente  

os  tribunais  comunitários;  reconhece  o  pluralismo  jurídico;  abre  espaços  para  o  reequacionamento  

da  hierarquia  dos   tribunais   judiciais;   a   colegialidade  deixa  de   ser   a   regra  de   funcionamento  dos  

tribunais,  passando  os   juízes  eleitos  a   intervir  apenas  nos  casos  especificamente  previstos  na   lei,  

ou  mediante  decisão  do  juiz,  promoção  do  Ministério  Público  ou  requerimento  das  partes;  e  prevê  

a   existência   de   novos   órgãos   de   disciplina   (Conselho   Superior   da   Magistratura   do   Ministério  

Público  e  um  Conselho  Superior  da  Magistratura  Judicial  Administrativa).            

 

Assim,  no  ano  2007  foi  aprovada  uma  nova  lei  da  organização  judiciária  (Lei  n.º  24/2007,  de  20  de  

Agosto)  de  cujo  regime  destacamos  as  seguintes  questões:    

coincidência  entre  a  divisão  judicial  e  a  divisão  administrativa  (artigo  25.º,  2);  

os  tribunais  judiciais  de  distrito  continuam  a  ser  a  base  do  sistema;    

introdução   de   tribunais   superiores   de   recurso   na   hierarquia   dos   tribunais,   uma  

instancia   intermédia  entre  o  Tribunal  Supremo  e  os  tribunais   judiciais  de  província  

(artigo  29.º);  

alargamento  das  competências  dos  tribunais   judiciais  de  distrito.  Por  exemplo,  em  

matéria  criminal,  os  tribunais  distritais  de  1ª  passaram  a  julgar  crimes  puníveis  com  

pena   de   prisão   até   12   anos;   e     os   tribunais   de   2ª   têm   competência   para   aplicar  

penas  até  8  anos  de  prisao    (artigos  84.º  e  85.º);  

os   tribunais   judiciais   de   distrito   passaram   a   ser   formalmente   competentes   para  

julgar  os  recursos  das  decisões  dos  tribunais  comunitários;  

 

 

 

 

 

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Esquema  Simplificado  da  Organização  Judiciária  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

   

2.  A  nova  organização  judiciária  e  acesso  à  justiça  

Os  contornos  da  organização  judiciária  têm  reflexos  inquestionáveis  para  o  acesso  à  justiça,  sendo,  

por  isso,  importante  interpretar  o  sentido  da  hierarquia  dos  tribunais,  a  lógica  de  implantação  dos  

mesmos   e   as   competências   que   se   lhes   assistem.   Num   dos   trabalhos   de   referência   sobre  

administração   da   justiça   afirma-­‐se   que   a   organização   judiciária   de   Moçambique   é   deficiente   e  

desajustada,   distante   da   maioria   dos   potenciais   utilizadores,   cobrindo   somente   as   capitais  

provinciais   e   pouco   mais   do   que   metade   das   sedes   de   distrito   (Pedroso   et.   al.,   2003:   575).  

Contudo,   a   nova   organização   judiciária   não   trouxe   soluções   para   se   alcançar   um   dos   objectivos  

centrais  do  PARPA:  aproximar  fisicamente  o  sistema  de  justiça  dos  cidadãos.    

 

O   sistema   foi   reforçado  no  topo,   com  a  criação  dos   tribunais   superiores  de   recurso,   com  vista  a  

responder  com  maior  celeridade  os  recursos  dos  tribunais  de  província   (face  à  conhecida   inércia  

do   Tribunal   Supremo).   Contudo,   é   importante   realçar   que   apenas   uma   pequeníssima   parte   dos  

processos  julgados  nos  tribunais  provinciais  é  que  sobem  em  recurso  para  o  Tribunal  Supremo.  Por  

exemplo,   em   2007,   apenas   0,31%   dos   casos   decididos   é   que   foram   objecto   de   recurso   para   o  

Tribunal   Supremo   (IGF,   2009:   242).   Ainda   assim,   a   base   do   sistema   ficou   intacta,   como   vimos,  

continuando   a   ser   constituída   pelos   tribunais   de   distrito.   Como   sabemos,   na   base,   enquanto  

instância  fundamentalmente  de  ingresso,  as  necessidades  de  tutela  judiciária  são  maiores.    

 

É   importante   referir   que   a   aposta   no   topo   do   sistema   revelou-­‐se   uma   tarefa   muito   difícil   de  

concretizar  face  aos  recursos  de  que  dispõe  (incluindo  organizacionais).  Os  tribunais  superiores  de  

T. S. de Recurso

T. Comunit. Aut. Trad. Outras Inst. T.J. distr ito

T.J. Província

TS

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recurso  ainda  não  estão  instalados,  não  obstante  a  lei  da  organização  judiciária  determinar  que  de  

que  deveriam  peremptoriamente  entrar  em    em   funcionamento  um  ano  após  a   sua  publicação,  

isto  é,  até  Agosto  de  2008.  As  opções  do  legislador  obrigam-­‐nos  também  a  colocar  duas  questões  

fundamentais,  relacionadas  com  a  competência  territorial  e  material  dos  tribunais,  especialmente  

dos  tribunais  de  distrito.    

 

a) Contrariando   as   recomendações   avançadas   nos   estudos   sobre   o   sistema   (Santos   e  

Trindade,   2003)   e   afastando-­‐se   completamente   do   regimes   anteriores,3   a   nova   lei   da  

al  

características   e   das   condições   de   cada   circunscrição   territorial,   teremos   um   tribunal   de  

província   para   cada   província;   e   um   tribunal   de   distrito   para   cada   distrito.   Contudo,   a  

realidade   mostra   que   é   recomendável   conceber   a   organização   judiciária   em   função   da  

procura,   isto   é,   das   necessidades   de   tutela   jurídica   e   judiciária,   do   que   em   função   da  

organização   político-­‐administrativa   do   país.   Esta   é,   aliás,   uma   das   recomendações   mais  

importantes  do  estudo  acima  mencionado,  afirmando-­‐

nível  económico-­‐social  de  alguns  distritos  justificam  que  a  divisão  judicial  não  coincida  com  

a  divisão  administrativa  e,  consequentemente,  tenham  mais  do  que  um  tribu

et.  al.,  2003:575).    

 

A  própria   Lei  da  Organização   Judiciária   acabou  por   ser   incongruente  nesta  questão,  uma  

vez   que,   por   um   lado,   remete   para   os   diplomas   de   criação   dos   tribunais   a   definição   da  

respectiva  sede  e  área  de  jurisdição  (artigos  68.º  e  79.º,1)  e,  por  outro  lado,  estabelece  que  

habitantes,  ao  volume  e  à  natureza  da  procura  de  tutela  judicial,  à  proximidade  da  justiça  

ao   cidadão   e   às   necessidades   do   sist

certo   que   esta   norma   teoricamente   abre   espaços   para   que   seja   construída   uma  

organização   judiciária   flexível,   ajustada  a  uma  pluralidade  de   factores   confluentes,  mas   a  

prática   mostra   que   há   uma   colagem   rígida   da   divisão   judicial   à   divisão   administrativa.  

Continua-­‐se   a   tentar   ter   um   tribunal   judicial   por   distrito,   implantado  na   respectiva   sede  

administrativa.  Veremos  que  esta  intenção  está  longe  se  ser  concretizada.  Acrescido  a  isto,   3 Veja também http://www.utrel.gov.mz/IndexAssunto.htm (página acedida no dia 12 de Agosto de 2009).

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se  tivermos  em  conta  o  estado  de  abandono  dos  tribunais  comunitários,  percebemos  que  o  

sistema  de  administração  está  muito  distante  de  uma  boa  parte  da  população.  Parece-­‐nos  

acertado   concluir   que   a   organização   judiciária   foi   concebida   mais   para   satisfazer   as  

necessidades  internas  (corporativas)  do  sistema  do  que  para  responder  às  necessidades  de  

acesso  à  justiça.  

 

b) Como  vimos,  a  competência  material  dos  tribunais  de  distrito  foi  largamente  ampliada.  

Significa  que,  para  além  dos  tribunais  e  das  procuradorias,  deverão  estar  presentes  outros  

órgãos  que  desempenham  papel  relevante  na  administração  da   justiça,  nomeadamente  a  

polícia   de   investigação   criminal,   o   IPAJ,   Ordem   dos   Advogados,   os   Serviços   de  Medicina  

Legal,   o   registo   criminal,   as   cadeias,   etc.,   sendo   absolutamente   necessário   que   estes  

disponham  de  recursos  humanos,  materiais  e  financeiros  necessários  para  enfrentar    no  

caso  da   jurisdição  penal    uma  criminalidade  mais  grave  e  mais  complexa.  Esta  será  uma  

das  condições,  que  está  longe  de  estar  satisfeita,  para  que  o  processo  de  reforma  judiciária  

seja  coerente  e  exequível.  Aliás,  as  dificuldades  aqui  apontadas  já  se  verificavam  durante  a  

vigência  da  anterior  lei  da  organização  judiciária,  isto  é,  numa  altura  em  qua  a  competência  

dos   tribunais   de   distrito   era   baixa.   Aumentando   as   competências,   sem   que   haja   um  

correspondente   investimento   em   termos   de   recursos,   contribuirá   para   agravar   as  

dificuldades  de  funcionamento.        

 

IV.  Tribunais  comunitários  e  o  reconhecimento  do  pluralismo  jurídico  

1.  Os  tribunais  comunitários  e  o  sistema  de  administração  da  justiça  

Desde   o   ano   2004   que   a   Constituição   da   República   reconhece   o   pluralismo   jurídico   em  

Moçambique   e   prevê   expressamente   a   possibilidade   de   serem   criados   tribunais   comunitários.  

Trata-­‐ cional)  de  uma  realidade  vigente  social  e  

legalmente,   isto   é,   o   reconhecimento   de   que   os   tribunais   judiciais   não   têm   o   monopólio   da  

administração  da  justiça  em  Moçambique.    

 

Como  vimos,  com  o  afastamento  dos  tribunais  de  localidade  e  bairro  da  organização  judiciária  (em  

1992),  aqueles  passaram  a  ser  regulados  por  uma  lei  própria,  a  Lei  n.º  4/92,  de  6  de  Maio.  Trata-­‐se  

de   tribunais   que   julgam   conflitos   de   menor   gravidade;   compostos   por   juízes   sem   formação  

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técnico-­‐jurídica   (em   princípio,   eleitos   pelas   assembleias   representativas   dos   cidadãos);   que  

decidem,  nos   limites  da  Constituição,  de  acordo  com  o  bom  senso,  a  equidade  e  atendendo  aos  

valores   sociais   e   culturais   existentes   na   sociedade  moçambicana.   Também   vimos   que   a   Lei   dos  

Tribunais   Comunitários,   para   além   de   estar   completamente   desactualizada,   não   chegou   a   ser  

regulamentada.  

 

O   afastamento   dos   tribunais   comunitários   do   sistema   judicial   e   a   falta   de   actualização   e  

regulamentação  da  lei  que  os  cria  não  só  agravaram  o  distanciamento  do  sistema  de  administração  

da  justiça  dos  cidadãos,  como  vimos  no  ponto  anterior,  como  acarretou  consequências  negativas  

para  o  funcionamento  daqueles  mesmos  tribunais.  Destacamos  as  seguintes  problemas:    

a   inserção   institucional   dos   tribunais   comunitários   tornou-­‐se   dúbia,   não   estando  

claramente   definido   em   que   estrutura   orgânica   se   situam,   quem   os   coordena,   a  

quem   prestam   contas   e   de   que   forma   o   fazem.   Nalguns   distritos,   as   direcções  

distritais  de  registo  e  notariado  reivindicam  o  papel  de  acompanhamento,  embora  

na   prática   apenas   sejam   uma   instituição   de   referência   para   a   canalização   de  

relatórios  e  de  algumas  receitas  dos  tribunais  comunitários;    

desde  o  ano  de  1987  que  o  corpo  de  juízes  não  é  renovado  através  de  um  processo  

eleitoral.   De   acordo   com   a   lei   (Lei   n.º   4/92,   de   6   de  Maio),   compete   ao   governo  

estabelecer  os  mecanismos  e  os  prazos  para  a  eleição  dos  membros  dos   tribunais  

comunitários.   A   mesma   lei   prevê   que   os   juízes   dos   tribunais   de   localidade   e   de  

bairro  continuem  no  exercício  de  funções  até  que  se  sejam  concluídas  as  primeiras  

eleições.   Contudo,   passa  muito   tempo   desde   aprovação   da   lei.  Muitos   dos   juízes  

foram   substituídos   por   diversos  motivos   (morte,   doença,  mudança   de   residência,  

alteração   da   situação   profissional,   abandono);   outros   tantos   não   chegaram   a   ser  

substituídos,  esvaziando-­‐se  os  tribunais;  

na   ausência   de   regras   de   recrutamento,   as   substituições   dos   juízes   dos   tribunais  

comunitários  têm  sido  feitas  de  acordo  com  soluções  locais,  muitas  vezes  tendo  em  

conta   a   afinidade  político-­‐partidária  ou   vínculos  de  outra  natureza.  Nos   casos   em  

que   se   privilegia   o   primeiro   tipo   de   vínculos,   tem   havido   um   questionamento  

generalizado  da   legitimidade  dos   juízes,   sobretudo  nos   locais  onde  os  partidos  da  

oposição  gozam  de  apoio  considerável,  como  acontece  na  cidade  de  Angoche;  

a   lei   determina   que   a   instalação   dos   tribunais   comunitários   é   responsabilidade  

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directa   dos   governos   provinciais;   os   tribunais   comunitários   funcionam   em  

instalações   precárias,   na   maior   parte   das   vezes   partilhadas   com   os   grupos  

dinamizadores,   e   sem   que   disponham   de   equipamentos   e   material   de   trabalho  

básico   (papel,   cadernos,   esferográficas,   carimbos,   etc).   Como   já   foi   observado,   a  

situação   de   partilha   dos   espaços,   para   além   de   trazer   dificuldades   práticas   ao  

funcionamento   dos   tribunais   comunitários   (horários   de   trabalho,   arquivo   de  

processos   e   outros   documentos,   etc.),   dificulta   a   autonomização   funcional   dos  

tribunais   comunitários   e   a   sua   afirmação   como  estruturas   independentes   (Gomes  

et.  al.,  2003);  

bunais  comunitários,  

em   função   das   receitas   apuradas.   Contudo,   os   juízes  não   beneficiam  de   qualquer  

remuneração.   A   regra   tem   sido   o   autofinanciamento   através   das   receitas  

provenientes  das  multas  e   taxas  de   justiça   (o  que,  aliás,   também  acontece  para  a  

aquisição  de  material  de  trabalho);  

a   ambiguidade   institucional   e   organizativa   em   que   funcionam   os   tribunais  

comunitários  conduz  a  que  respectivos  juízes  não  beneficiem  de  qualquer  formação  

específica.  Como  se  percebe,  não  basta  que  a   lei   afirme  que  os   tribunais  deverão  

decidir   os   conflitos  observando  os   limites   constitucionais.   É   importante   assegurar  

que   os   juízes   tenham   conhecimento,   pelo   menos,   das   regras   elementares   da  

Constituição  e  da  organização  judiciária.  

 

Instalar   e   colocar   em   funcionamento   os   tribunais   comunitários   é   uma   das   acções   previstas   no  

programa   do   Governo   para   os   anos   2005   a   2009   defende-­‐se   a   importância   de   se   garantir   a  

instalação  e   funcionamento  dos  tribunais  comunitários4.   Já  no  ano  2004,  o  Ministério  da  Justiça  

reportava  o  registo  de  1653  tribunais  comunitários    entre  os  quais  254  (cerca  de  15%)  instalados  

no  período  de  2000  a  2004   ,  com  cerca  de  8265  juízes5.  O  Plano  Económico  e  Social  para  2009  

indicava   como   uma   das   prioridades   do   sector,   dar   continuidade   à   revitalização   dos   tribunais  

comunitários.  

4   Resolução  da  Assembleia  da  República  n.º  16/2005,  de  11  de  Maio.      5   Ministério  da  Justiça  (2004).  Relatório  do  Conselho  Coordenador  realizado  em  Tete,  de  13  a  15  de  Julho  de  2004.

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Deste  modo,  colocam-­‐se  duas  perguntas  centrais,  relacionadas  com  o  mérito  e  com  o  processo  de  

(re)implantação  dos  tribunais  comunitários  cuja:    primeiro,  como  é  possível  revitalizar  os  tribunais  

comunitários   sem   que   estivessem   resolvidas   as   questões   estruturais   acima   mencionadas?  

Segundo,  como  tem  sido  conduzido  o  processo  de  revitalização?  

 

Não  responder  satisfatoriamente  a  estas  questões  aumenta  o  risco  da  partidarização  dos  tribunais  

comunitários,   como   efectivamente   tem   acontecido   nalguns   contextos.   O   exemplo   da   cidade   de  

Angoche   é   paradigmático,   pois   ela   tem   sido   uma   arena   de   intensa   confrontação   política.   Os  

processos  eleitorais  têm  sido  um  teste  para  a  democracia  moçambicana,  para  a  independência  dos  

tribunais   e  para   as   relações  entre  o  poder  político  e   as   instâncias   comunitárias  de   resolução  de  

conflitos  naquela  cidade.    

 

A  vitória  da  Renamo  nas  segundas  eleições  autárquicas  reflectiu-­‐se  directamente  na  dinâmica  das  

instituições   locais   de   resolução   de   conflitos.   Tentando   nomear   novos   membros,   a   Renamo  

empenhou-­‐se   no   questionamento   da   legitimidade  dos   juízes  dos   tribunais   comunitários,  muitos  

dos   quais   vindos   da   época   dos   tribunais   populares.   Para   além   dos   problemas   que   afectam   a  

generalidade   dos   tribunais   (indefinição   institucional,   carência   de   recursos   humanos,  materiais   e  

financeiros,   falta   de   formação,   inexistência  de  mecanismos  de   remuneração   dos   juízes,   etc.),   os  

tribunais   comunitários   de   Angoche   viram-­‐se   constrangidos   a   funcionar   num   contexto   de  

implantação  de  estruturas  político-­‐administrativas  paralelas,  com  prejuízo  para  o  acesso  por  parte  

dos  cidadãos.  

 

Nos   locais   onde   o   partido   Frelimo   goza   de   maior   popularidade,   a   tendência   é   que   haja   uma  

continuidade  do  perfil  dos  juízes  dos  tribunais  comunitários,  isto  é,  que  preferencialmente  sejam  

seleccionados  membros  daquele  partido.  Aliás,  como  mostram  os  estudos,  muitos  dos  juízes  dos  

tribunais  comunitários  são  também  membros  do  Grupo  Dinamizador  (Gomes  et.  al.,  2003;  José  e  

Espírito  Santo,  2009).    

 

Podemos,  deste  modo,  com  Gomes  et.  al.  (2003:334),  concluir  que  os  tribunais  comunitários  são  

hoje  uma  instância  de  resolução  de  conflitos  muito  complexa,  tendo  assumido  o  legado  humano  e  

institucional   dos   tribunais   populares,  mas   não   o   legado   organizacional,   uma   vez   que   não   estão  

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integrados  na  organização  judiciária,  nem  são  apoiados  técnica  e  materialmente.  Estão  entregues  

a   si   próprios   e   às   capacidades   locais   de   improvisação   e   de   reprodução.   Daí   a   dispersão  

relativamente  caótica  do  seu  funcionamento.  Esta  realidade  tem  reflexos  nos  procedimentos  e  na  

qualidade  das  decisões  daqueles  tribunais,  como  veremos  em  seguida.    

 

Mas  a  consagração  constitucional  do  pluralismo  jurídico  significa  um  reconhecimento  amplo  das    

instâncias   comunitárias   de   resolução   de   conflitos,   incluindo   outros   actores   sociais,   como   as  

autoridades   tradicionais,   as   associações   especializadas   na   resolução   de     determinado   tipo   de  

conflitos   (como   a   AMETRAMO),   as   igrejas,   etc.   Entre   as   demais   instâncias   comunitárias,   as  

autoridades   tradicionais   têm   merecido   especial   atenção   nas   discussões   sobre   o   papel   das  

instâncias  comunitárias  na  administração  da  justiça,  reconhecendo-­‐lhes  especial  capacidade  para  a  

resolução   de   determinado   tipo   de   conflitos,   como   o   conflitos   de   terras   e   os   problemas   de  

feitiçaria.6   O   debate   também  prende-­‐se   com   a   questão   de   saber   se   as   autoridades   tradicionais  

 

 

native   courts   tem   raízes   históricas   relacionadas   com   o   sistema   de  

governação   do   colonialismo   inglês,   o   indirect   rule.   A   trajectória   de  Moçambique   é   diferente.   As  

necessidades  de   construção   de   um  Estado  unitário,   de   igualdade  oportunidades   e   de   acesso   ao  

direito  e  à  justiça,  aconselham  a  edificação  de  um  sistema  de  justiça  e  de  estreita  articulação  entre  

os   tribunais   judiciais   e   as   instâncias   comunitárias   de   resolução   de   conflitos,   não   sendo  

aconselhável  a  priori  impor  qualquer  limitação  de  acesso  aos  primeiros.    

 

Na   impossibilidade  de   regular   o   funcionamento  de   todas  estas   instâncias   comunitárias,   a  opção  

pelos  tribunais  comunitários  parece-­‐nos  acertada,  dado  o  seu  percurso  histórico  e  o  papel  que  têm  

vindo   a   desempenhar.   Pelo   facto   da   lei   não   ser   proibitiva,   abre   espaços   para   que,   nos   diversos  

contextos,   os   variados   actores   possam   resolver   conflitos,   em   função   do   tipo   e   do   grau   de  

legitimidade  de  que  gozam.  A  procura  e  a  Constituição  limitam  o  âmbito  de  actuação.        

 

De   qualquer  modo,   faltam   no   país   consensos   sobre   o   papel   e   o   enquadramento   das   instâncias  

comunitárias  o  sistema  de  administração  da  justiça.    

6

organizado  pela  UTREL,  no  dia  25  de  Agosto  de  2009.

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2.  Procedimentos  e  tipo  de  decisões:  o  (des)respeito  pelos  direitos  fundamentais  

Dada   a   inexistência   de   registos   sistemáticos,   nem   sempre   é   possível   conhecer   com   exactidão   o  

volume  da  procura  efectiva  dos  tribunais  comunitários.  Por  exemplo,  um  estudo  de  caso  recente  

sobre   o   Tribunal   Comunitário   do   Bairro   de   Hulene     que,   na  

verdade,   é   generalizada   em   todo   o   país   (Gomes   et.   al.,   2003;   José   et.   al.,   2009).   No   caso   do  

nem  todos  os  conflitos  eram  registados.  Por  outro  lado,  os  dados  quantitativos  foram  levantados  a  

partir  de  notas  pessoais  do  juíz-­‐presidente,  respeitantes  a  variados  assuntos  como  a  marcação  da  

data  da  decisão;  a  apreciação  preliminar  do  juiz-­‐presidente  sobre  o  problema;  decisão  de  remessa  

do  caso  para  o  tribunal  judicial;  etc.  (José  e  Espírito  Santo,  2009).    

 

De   qualquer   modo,   é   possível   conhecer   a   natureza   dos   conflitos   em   regra   processados   nos  

tribunais   comunitários,   questão   que   está   directamente   relacionada   com   o   processamento   dos  

casos   e   tipo   de   decisões.   Os   problemas   discutidos   nos   tribunais   comunitários   são   de   natureza  

diversa   e   que   podem   ser   agregadas   em   três   grandes   grupos,   nomeadamente   conflitos   sociais,  

conflitos  em  torno  da  habitação  e  dívidas.    

É   importante   referir   que   embora   a   lei   fixe   a   competência  material   do   tribunal   comunitário,   na  

prática   o   seu   âmbito   de   actuação   depende   principalmente   dos   respectivos   mobilizadores.   Os  

tribunais  não  delimitam  a  priori  o  âmbito  de  intervenção,  recebendo  e  processando  todos  os  casos  

que   lhe   são   apresentados   pelas   partes   ou   que   chegam   através   de   outras   instâncias.   Contudo,  

tendencialmente,  verifica-­‐se  uma  excepção  em  relação  aos  casos  sociais.  

  (e  

também  nas  instituições  policiais)  como  sendo  aqueles  problemas  de  menor  gravidade  e  que,  em  

princípio,  não  será  necessário  que  sejam  resolvidos  pelos  tribunais   judiciais.  Trata-­‐se  de  conflitos  

que   normalmente   ocorrem   no   contexto   das   relações   de   família   ou   de   vizinhança   como,   por  

exemplo,  adultério,  falta  assistência  material  aos  familiares,  agressões  verbais  e  físicas,  disputas  de  

heranças   ou   desentendimentos   de   qualquer   outra   natureza.   Aquela   avaliação   da   gravidade  

depende   não   só   das   partes   em   conflito   e/ou   respectivos   familiares,   como   também   dos   actores  

sociais   que   recebem  o   caso   em   primeira   instância.   O   encaminhamento   do   caso   para   o   tribunal  

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Mas  a  tendência  na  generalidade  dos  tribunais  comunitários  (e  noutras  instâncias  comunitárias  de  

agressões  de  que  resulta  sangue  (José  et.  al.,  2004).  

O   processamento   dos   casos   entrados   nos   tribunais   comunitários   obedece   a   um   certo   padrão,  

embora,   dadas   as   características   que   lhes   temos   vindo   a   assinalar,   haja   muita   flexibilidade   e  

adaptação  das  formas  de  funcionamento  em  função  do  perfil  dos  juízes,  dos  contextos  em  que  os  

tribunais  estão  inseridos,  das  particularidades  e  exigências  do  caso,  etc.  Destacamos  as  seguintes  

características:  

predomínio  da  oralidade:  a  apresentação  das  queixas  e  a  discussão  dos  casos  é  feita  

oralmente.  A  escrita  é  utilizada  de  modo  bastante  residual,  para  as  notificações  e,  

por  vezes,  para  o  registo  das  decisões;  

na  apresentação  e  discussão  utiliza-­‐se  a  língua  que  os  utentes  escolherem.  Embora  

geralmente   utilizem   a   língua   local,   os   utentes   podem   transitar   livremente   entre  

diversos   universos   linguísticos,   em   função   da   necessidade   ou   estratégias   da  

argumentação;  

respeito   rigoroso  do  princípio  do   contraditório,  dando   sempre  à  parte   contrária   a  

possibilidade  de  se  defender;  

participativos:  para  além  das  partes,  outras  pessoas  (familiares,  vizinhos,  estruturas  

do  bairro,  etc.)  podem  participar  na  resolução  do  conflito.  Aliás,  tem  sido  exigida  a  

presença   dos   familiares   nos   julgamentos,   como  uma  das   condições   para   a   inteira  

compreensão   dos   conflitos   e   produção   de   prova,   assim   como   para   assegurar   a  

eficácia  das  decisões;    

céleres   e   desburocratizados:   os   actos/fases   processuais   são   reduzidos   ao  mínimo  

possível.  Depois  de  apresentada  a  queixa,  normalmente  com  a  notificação  da  parte  

contrária  é  marcado  a  data  do  julgamento.    

Os  modelos  de  decisão  dos  tribunais  comunitários  divergem  dos   tribunais   judiciais.  Estes   julgam  

principalmente  tendo  em  conta  critérios  de   legalidade  estrita.  Nos  tribunais   judiciais  predomina,  

por   isso,   uma   cultura   jurídica   de   adjudicação.   A   regra   de   resolução   de   conflitos   nos   tribunais  

consiste,   pois,   em   formular   decisões   de   soma   zero,   em  que   há   um   vencedor   e   um   vencido   em  

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relação   ao   qual   são   prescritas   determinadas   sanções.   Como   vimos,   os   tribunais   comunitários  

decidem  de  acordo  com  a  equidade,  o  bom  senso  e  com  justiça,  assumindo-­‐se  a  mediação  como  

uma  técnica  privilegiada  de  resolução  de  conflitos.    

 

É   certo   que   a   busca   de   soluções   medianas,   na   qual   as   partes   e   respectivos   acompanhantes  

partilham  responsabilidades  no  processo  decisório,  tem  vantagens  para  a  reposição  da  paz  social,  

para   o   cumprimento   das   decisões   e   para   a   prevenção   de   novos   conflitos.   Todavia,   na   falta   de  

actualização  e  de   regulamentação  da   lei   dos   tribunais   comunitários  e  na   ausência  de   acções  de  

formação,  de  mecanismos  de  acompanhamento  e  de  controlo,  as  dinâmicas   locais  e  o  perfil  dos  

juízes  vão  determinando,  por  si,  as  possibilidades  de  actuação  daqueles  tribunais,  no  que  respeita  

aos  procedimentos,  à  qualidade  das  decisões  e  respectiva  eficácia.        

 

Quanto  à  qualidade  das  decisões,  se  há  exemplos  positivos  de  respeito  pelos  direitos  dos  cidadãos,  

que  o  tribunal  privilegia  a  ameaça  e  a  utilização  da  força  para  a  resolução  de  conflitos,  como  foi  

generalidade  dos  tribunais  comunitários,  colocam-­‐se  especiais  problemas  relativos  à  aplicação  de  

taxas  ou  sanções  pecuniárias.  Na  maior  parte  dos  casos,  os  utentes  pagam  determinado  valor  para  

a  apresentação  da  queixa  e,  numa  fase  posterior,  efectuam  outros  pagamentos  a  título  de  taxa  ou  

imposto  de  justiça  e  de  multa  (neste  caso,  se  entretanto  lhes  for  aplicada  uma  pena  pecuniária).    

 

A  cobrança  de  valores  nos   tribunais  comunitários  está   relacionada  com  o   facto  de,  por  um   lado,  

não  serem  financiados  pelo  Estado  (ficando  sob  a  responsabilidade  exclusiva  dos  juízes  a  busca  de  

fundos   para   o   funcionamento   básico);   e,   por   outro   lado,   por   não   haver   qualquer  

acompanhamento   da   actividade   daquelas   instâncias   de   resolução   de   conflitos.   A   verdade   é   que  

esta   realidade  acarreta  algumas   suspeições  em  relação  aos   tribunais   comunitários,  uma  vez  que  

acabam  por  limitar  o  acesso  à  justiça,  sobretudo  por  parte  dos  cidadãos  mais  carenciados.    Outra  

questão  importante  que  se  coloca  em  relação  aos  tribunais  comunitários  é  o  o  facto  de  saber  se  

poderão   recorrer   à   força   policial   para   fazer   cumprir   as   suas   decisões   ou   para   assegurar   que   as  

partes  compareçam  ao  tribunal.    

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A  anteproposta  de  lei  orgânica  dos  tribunais  comunitários  apresentada  pelo  Centro  de  Formação  

Jurídica   e   Judiciária   à   UTREL   vai   no   sentido   de   reconhecer   àqueles   tribunais   o   recurso   à   força  

coactiva,  ao  afirmar,  por  um  lado,  que  

das  decisões  proferidas  pelos  tribunais   judiciais  e  são  de  cumprimento  obrigatório  para  todos  os  

uando  a  decisão  do  

tribunal  comunitário  não  seja  voluntariamente  cumprida,  a  parte  lesada  pode  requerer  ao  tribunal  7  

 

É  certo  que  com  esta  proposta  legislativa  pretende-­‐se  reforçar  o  reconhecimento  institucional  dos  

tribunais  comunitários  e  evitar  o  seu  esvaziamento.  Contudo,  ela  só  poderá  ser  produtiva  se  forem  

postos  em  prática  mecanismos  de  acompanhamento  e  de  supervisão  dos  tribunais  comunitários,  

acautelando-­‐se   o   risco   do   uso   indiscriminado   da   força.   Na   ausência   desses  mecanismos,   o   que  

acontece   actualmente  é   que   tudo  dependerá   exclusivamente   do   bom   senso   ou  da   vontade   dos  

juízes.    

verdade   é   que,   durante   o   tempo   de   observação,   não   vimos   um   único   caso   em   que   os   juízes  

efectivamente   a   utilizassem.   De   qualquer   modo,   a   ameaça,   por   si   só,   também   pode   ser   um  

importante   factor   de   coacção,   podendo   constranger   as   pessoas   a   comparecerem   ao   tribunal  

contra  a  sua  vontade,  mesmo  quando  estamos  perante  conflitos  de  natureza  familiar.  Por  esta  via,  

prejudicam-­‐se   as   potencialidades   dos   tribunais   comunitários,   deixando   estes   de   cumprir  

satisfatoriamente   a   função   para   a   qual   foram   criados:   julgar   de   acordo   com   o   bom   senso,   a  

equidade  e  com  a  justiça,  caso  não  seja  possível  a  reconciliação  das  partes.  

 

V.  Evolução  do  movimento  processual:  o  que  nos  dizem  os  números?  

O   problema   da   eficiência   dos   tribunais   é   uma   das   questões   mais   bicudas   do   sistema   de  

administração   da   justiça.   Aliás,   aumentar   a   eficiência   e   celeridade   na   provisão   dos   serviços   de  

justiça  é  um  dos  objectivos  específicos  do  PARPA  II.  Vejamos  o  que  nos  dizem  os  números  relativos  

7    Ver  a  anteproposta  de  lei  na  página  http://www.utrel.gov.mz/IndexAssunto.htm  (página  acedida  no  dia  12  de  Agosto  de  2009).  

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ao  movimento  processual  dos  tribunais  nos  diferentes  escalões.8    

   

1.  Tribunal  Supremo  

O  número  de  processos  que  sobe  em  recurso  para  o  Tribunal  Supremo  continua  a  ser  muito  baixo,  

oscilando,  de  2004  à  2008,  entre  407  e  626  processos,   representando   cerca  de  1%  do   total   dos  

casos  decididos  nos  tribunais  provinciais.  Contudo,  o  número  de  processos  pendentes  cresce  todos  

os   anos   (excepto   em   2007   que   teve   uma   ligeiríssima   descida),   revelando   que   o   desempenho  

daquele  tribunal  tem  sido  muito  fraco.  

 

Gráfico  n.º  1  

Movimento  Processual  Geral  do  Tribunal  Supremo  

 

 

 

 

Estes  dados  permitem-­‐nos  formular  algumas  hipóteses:    

as   decisões   dos   tribunais   de   província   são   aceites   pela   esmagadora   maioria   das  

partes  perdedoras,  abstendo-­‐se,  por  isso,  de  recorrer;    

os  cidadãos  não  sabem  manusear  os  mecanismos  processual  relativos  aos  recursos;    

a  indisponibilidade  de  advogados  limita  o  direito  de  recurso;    

face   aos   custos   económicos   e   sociais   do   recursos   cidadãos   os   cidadãos   preferem  

não  recorrer;    

a  morosidade  processual  desincentiva  o  recurso.    

  8 Os  dados  foram  retirados  das  estatísticas  judiciais,  publicadas  pelo  Departamento  de  Informação  Judicial  e  Estatística  do  Tribunal  Supremo.  

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Em   termos   globais   o   desempenho   das   secções   cíveis   e   laborais   do   Tribunal   Supremo   é   maior,  

contando   com   mais   processos   julgados   que   as   criminais.   Contudo,   em   termos   de   eficiência,   o  

desempenho  das  duas  jurisdições  não  é  satisfatório,  não  satisfazendo  cerca  de  70%  da  procura.9    

 

Gráfico  n.º2  

Desempenho  das  Secções  do  Tribunal  Supremo  

 

 

2. Tribunais  Judiciais  de  Província  

O  número  de  processos  entrados  nos  tribunais  judiciais  de  província  tem  aumentado  todos  os  

anos.   Nos   últimos   cinco   anos   os   tribunais   de   província   têm   vindo   a   aumentar  

consideravelmente  o  número  de  processos  findos,  tendendo,  em  princípio,  a  reverter  o  cenário  

que  dos  anos  anteriores.    

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

9   Dispomos  de  dados  discriminados  por  secções  apenas  até  ao  ano  2006.  

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Gráfico  n.º  3  

Movimento  Processual  Geral  dos  Tribunais  Judiciais  de  Província  

 

 

     

Verificamos  que  os  processos  pendentes  diminuíram  em  cerca  de  40%,  entre  os  anos  2004  e  2007,  

nos   quais   foram   contabilizados   101.187   e   61.617   pendentes,   respectivamente.   Trata-­‐se   de   um  

registo  assinalável,  embora  os  números  suscitem  algumas  observações.  Tanto  na  jurisdição  cível  e  

 

não   seja  uma  sentença  ou  despacho  com  valor  de   sentença.  Por  exemplo,  em  2006,  dos  55.392  

número,  12.475  são  processos  cíveis;  e  15.335  são  criminais.  

 

Tratando-­‐

extinção  da  instância  por  falta  de  impulso  processual  das  partes.  Como  se  sabe,  na  jurisdição  civil  

os  tribunais  são  fundamentalmente  reactivos,  isto  é,  na  maioria  dos  casos,  a  sua  acção  depende  da  

iniciativa  das  partes.  Ainda  assim,  coloca-­‐se  a  questão  de  saber  porque  motivo  as  partes  deixam  de  

comparecer   ao   tribunal,   depois   de   intentada   a   acção.   Só   um   estudo   aprofundado   sobre   esta  

questão  dar-­‐nos-­‐ia  as  respostas  certas.  De  qualquer  modo,  é  possível  avançar  algumas  hipóteses  

muito  provisórias:  

 

as  partes  perdem   interesse  na  discussão  do  caso  no  tribunal  porque  encontraram  

uma  solução  extrajudicial  para  o  problema;  

as  partes  perdem  interesse  na  causa  porque  o  tribunal  é  moroso;  

a  falta  de  advogados  ou  a  deficiente  representação  forense  limita  as  possibilidades  

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de  dar  seguimento  ao  processo    

os  tribunais  impedem  ou  dificultam  o  andamento  do  processo  à  margem  da  lei.                            

 

No  caso  de  processos-­‐crime,  a  situação  é  difer

-­‐se  às  situações  de  extinção  do  procedimento  criminal  por  prescrição.  Neste  caso,  

os  processos   findam  devido  à   inércia  ou   incapacidade  dos   tribunais  em  resolver  os  casos.   Já  em  

2002,   o   Tribunal   Supremo   fizera   um   levantamento   da   situação   dos   processos   na   cidade   de  

Maputo.   Dessa   iniciativa   que   passou   pela   audição   dos   funcionários   e   de   alguns  magistrados   e,  

ainda,   pela   contagem   física   dos   processos,   resultou   que   a   situação   real   dos   tribunais   era  

completamente   diferente   da   que   era   apresentada   nos   relatórios   e   nos   mapas   de   movimento  

processual.    

 

O   Tribunal   Supremo   constatou   que   a   distribuição   manipulou   os   dados   estatísticos;   alguns  

processos   estavam   perdidos   ou   danificados   devido   ao   mau   estado   de   conservação   em   que   se  

encontravam;   outros   processos   ficaram   definitivamente   parados   depois   da   entrada   em  

funcionamento  de  mais  tribunais  nos  distritos  urbanos;  muitos  processos  de   transgressão  foram  

findos  com  fundamento  em  prescrição  pelo  Tribunal  Judicial  da  Cidade  de  Maputo,  mesmo  depois  

da  entrada  em  funcionamento  do  tribunal  de  polícia,  competente  para  julgar  aqueles  casos;  etc.    

 

Não  temos  motivos  para  supor  que  estas  situações  permanecem.  Contudo,  entendemos  que  seria  

importante  fazer  um  estudo  sobre  a  situação  dos  processos  e  os  motivos  pelos  quais  findam.  Se  

olharmos  para  alguns  exemplos,  perceberemos  que  os  números  são  de  alcance  quase  impossível,  

  processos;   na  Zambézia  5.985  processos;   em  Nampula  2.659;   em  Sofala  2.135.  

Ainda   assim,   e   apesar   da   pendência   tender   a   baixar,   o   desempenho   dos   tribunais   de   província  

ainda  está  muito  aquém  da  demanda,  ficando  por  satisfazer  perto  de  60%  da  procura,  pelo  menos  

até  ao  ano  2006.10  

 

 

 

 

10   Dispomos  de  dados  discriminados  por  jurisdição  apenas  de  dados  até  ao  ano  2006.  

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Gráfico  n.º  4  

Desempenho  dos  Tribunais  Judiciais  de  Província  

 

 

   

Postas  estas  observações,  uma  pergunta  geral  que  se  impõe:  será  que  atrás  dos  números  esconde-­‐

se  a  incapacidade  dos  tribunais  e  uma  grave  limitação  do  acesso  à  justiça  por  parte  dos  cidadãos?  

 

3.  Tribunais  Judiciais  de  Distrito  

Os   dados   disponíveis   sobre   os   tribunais   judiciais   de   distrito   não   permitem   fazer   um  

acompanhamento   rigoroso   da   evolução   do   movimento   processual.   Os   dados   sugerem   que   os  

valores  aumentam  em  função  do  número  de  tribunais  que  disponibilizam  a  informação.  Em  2005  

apenas  80   tribunais  enviaram  os  mapas  do  movimento  processual  ao  Tribunal  Supremo.  No  ano  

seguinte,  o  número  subiu  para  108  tribunais,  tendo  baixado  para  107  em  2007.11  Também  não  é  

possível  avançar  exactamente  que  tribunais  forneceram  os  mapas  naqueles  anos.  Os  dados  de  que  

dispomos  são,  no  entanto,  indicativos  do  que  estará  a  acontecer  nos  tribunais  judiciais  de  distrito.  

   

 

 

 

 

 

11    Nos  anuários  estatísticos  publicados  pelo  Tribunal  Supremo  apelava-­‐se  a  uma  maior  adesão  dos  tribunais  judiciais  

de  distrito  no  fornecimento  de  dados.

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Gráfico  n.º  5  

Movimento  Processual  Geral  dos  Tribunais  Judiciais  de  Distrito  

 

 

   

O  gráfico  mostra-­‐nos  que  os  processos  entrados  têm  aumentado  nos  tribunais  judiciais  de  distrito,  

tendo   subido   em   cerca  de   30%  de  2005  a  2007.   Embora   os   processos   findos  estejam  a   subir,   o  

número  de  processos  pendentes  estabilizou  em  cerca  de  10  mil.  Significa  que  há  ainda  um  enorme  

 

 

Como  vimos,  a  nova  lei  da  organização  judiciária  alargou  muito  as  competências  dos  tribunais  de  

distrito.   Nessa   medida,   é   previsível   que   nos   próximos   anos   os   processos   entrados   aumentem  

consideravelmente,  uma  vez  que  serão  desviados  para  aqueles  tribunais  muitos  dos  processos  que  

até  2007  eram  da  competência  dos  tribunais  de  província.  Se,  por  um  lado,  não  houver  um  reforço  

substancial   dos   tribunais   de   distrito   (também  nas   procuradorias,   na  polícia,   etc.)   em   termos   de  

recursos  humanos  e  condições  de  trabalho;  e,  por  outro  lado,  não  houver  um  investimento  sério  

nas   instâncias   alternativas   (não   judiciais)   de   resolução   de   conflitos,   poderemos   assistir   a   um  

aumento  exponencial  dos  processos  pendentes  e  à  ruptura  do  sistema  de  administração  da  justiça  

à  partir  da  base.    

 

 

 

 

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VI.  Patrocínio  Judiciário  

1.  O  sistema  de  assistência  jurídica  e  judiciária  

A  Constituição  da  República  de  Moçambique  para  além  de  garantir  o  acesso  de  todos  os  cidadãos  

possa  constituir  advogado  (artigos  62.º  e  70.º).  Um  dos  objectivos  específicos  do  PARPA  II,  na  área  

da  justiça  e  legalidade,  consiste  precisamente  em  garantir  a  assistência  jurídica  e  a  protecção  dos  

cidadãos   mais   vulneráveis.   Para   além   da   questão   da   cobertura   territorial   (que   veremos   no  

subponto  seguinte),  a  concretização  deste  objectivo  depende  principalmente  da  forma  como  estão  

estruturados  os  serviços  de  assistência   jurídica  e   judiciária.  Essa  estruturação  evoluiu  em  função  

das  transformações  políticas  introduzidas  em  Moçambique  desde  a  independência  nacional.      

 

Numa   primeira   fase,   em   consonância   com   o   contexto   político   vigente,   foi   proibido   em  

Moçambique   o   exercício   da   advocacia   e   das   funções   de   consultoria   jurídica,   solicitadoria,  

procuradoria   judicial   ou   extrajudicial,   a   título   privado.   Foi   então   criado   o   Serviço   Nacional   de  

Consulta  e  Assistência  Jurídica  (SNCAJ),  na  dependência  da  Procuradoria-­‐Geral  da  República,  que  

devia  cumprir  aquelas  funções12.    

 

Dez  anos  depois,  foi  criado,  em  substituição  do  SNCAJ,  o  Instituto  Nacional  de  Assistência  Jurídica  

(INAJ),  subordinado  ao  Ministério  da  Justiça.13  Só  os  membros  do  INAJ  podiam  exercer  o  mandato  

judicial  ou  consulta  jurídica.  No  âmbito  do  INAJ,  estavam  previstas  três  categorias  de  defensores,  

com   diferentes   competências:   advogados   com   licenciatura   em   direito;   técnicos   jurídicos   com  

bacharelato  em  direito;  assistentes  jurídicos  habilitados  com  cursos  de  formação  específica.    

 

Por   força  da  Constituição  de  1990  que   introduziu  reformas  políticas  e  económicas  profundas  em  

Moçambique,   no   sector   da   administração   da   justiça,   para   além  das   transformações   na   orgânica  

dos  tribunais,  deixou  de  ser  proibido  o  exercício  privado  da  advocacia.  Desde  então,  o  sistema  de  

representação  de  interesses  passou  a  ser  feito  por  duas  vias  complementares:  através  do  Instituto  

do  Patrocínio  e  Assistência  Jurídica  (IPAJ),  em  substituição  do  INAJ;  e  por  intermédio  da  Ordem  dos  

12   O  Decreto-­‐Lei  nº  4/75,  de  16  de  Agosto.  13   O  IPAJ  foi  criado  pela  Lei  n.º  3/86,  de  16  de  Abril.  O  estatuto  orgânico  foi  aprovado  pelo  Decreto  n.º  8/86,  de  30  de  

Dezembro.  

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Advogados  de  Moçambique  (OAM).14  

 

O   IPAJ   é   uma   instituição   do   Estado,   subordinada   ao   Ministério   da   Justiça,   que   visa   garantir   a  

concretização  do  direito  de  defesa,  proporcionando  ao  cidadão  economicamente  desprotegido,  o  

patrocínio   judiciário   e   a   assistência   jurídica   de   que   carecer.   Os   serviços   prestados   pelo   IPAJ   são  

gratuitos,   devendo   o   Estado   assegurar   a   remuneração   dos   respectivos  membros.   Para   além   do  

15   O   Estado   reconhece   que   o  

conhecimento  dos  direitos  é  um  requisito  fundamental  do  acesso  à  justiça,  podendo  condicionar  o  

acesso  aos  tribunais  e  o  exercício  dos  direitos.      

 

São  membros  do   IPAJ  os   técnicos  e   assistentes   jurídicos  nele   inscritos.  Os   técnicos   jurídicos   são  

aqueles   que   tenham   frequência   da   faculdade   de   direito   e   hajam   sido   aprovados   em   cursos  

realizados   pelo   IPAJ.   Assistentes   são   aqueles   que   estejam   habilitados   em   cursos   de   formação,  

reconhecidos  pelo  Ministério  da  Justiça.  Desta  distinção  deriva  uma  diferença  quanto  ao  tipo  de  

processos  em  que  cada  um  pode  intervir,  sendo  reconhecido  aos  técnicos  capacidade  para  intervir  

em   processos   mais   complexos.   Contudo,   ambos   poderão   exercer   o   patrocínio   nas   mesmas  

condições   que   os   advogados,   desde   que   na   respectiva   área   territorial   não   existam   advogados  

suficientes.   Os  membros   do   IPAJ   que   exercem   a   actividade   em   obediência   a   escalas   de   serviço  

estabelecidas   na   lei,   encontrando-­‐se   ao   abrigo   do   poder   disciplinar   exercido   pela   direcção   do  

IPAJ.16      

 

A  Ordem  do  Advogados  é  um  órgão  representativo  e  de  disciplina  dos  licenciados  em  direito  que  

exercem  a  advocacia.  Cabe  igualmente  à  OAM  o  cumprimento  do  serviço  público  de  assistência  e  

patrocínio   judiciário,  por  via  de  três  caminhos:  os  advogados  podem  livremente  oferecer-­‐se  para  

patrocinar  uma   causa;   o   serviço   de   assistência   jurídica   ou   o   juiz   pode   nomear   o   advogado  para  

representar   em   tribunal   determinada   pessoa   que   não   tenha   condições   para   pagar   os   serviços  

privados   de   advocacia,   não   podendo   essa   nomeação   ser   recusada,   salvo   justo   impedimento;  

durante  o  período  de  dois  anos  de  estágio.      

14   O  IPAJ  foi  criado  pela  Lei  n.º  6/94,  de  13  de  Setembro.  O  estudo  do  IPAJ  foi  aprovado  pelo  Decreto  n.º  54/95,  de  13  

de  Dezembro.  A  OAM  foi  criada  pela  Lei  n.º  7/94,  de  14  de  Setembro,  que  também  aprova  o  respectivo  estatuto. 15   Artigo  3.º  do  Decreto  n.º  54/95,  de  24  de  Janeiro.  16   Ver  Decreto  n.º  54/95,  de  24  de  Janeiro.

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2.  Cobertura  territorial  e  a  capacidade  de  resposta  

O  IPAJ  conta  actualmente  com  89  membros,  dos  quais  um  é  mestrado,  17  são  técnicos  jurídicos  e  

71  são  assistentes  jurídicos.  Estes  profissionais  estão  repartidos  em  11  delegações  provinciais  e  62  

delegações  distritais.  Estas  últimas  cobrem,  em  regime  ambulatório,  mais  15  distritos.  Apesar  dos  

bastante  limitada,  abrangendo  apenas  62,5%  do  território  nacional  (contando  com  os  15  distritos  

cobertos   em   regime   ambulatório).   Como   resulta   de   uma   avaliação   interna   do   Governo,     os  

números   estão   muito   aquém   do   optimismo   previsto   no   Plano   Operativo   do   Plano   Estratégico  

Integrado  do  Sector  da  Justiça,  onde  se  indicava  que  até  2006  seriam  implantadas  146  delegações  

em  todo  o  país  (Inspecção  Geral  de  Finanças,  2009:29).  Isto  significa  que  o  Estado  está  muito  longe  

de   assegurar   a   efectiva   defesa   da  maior   parte   dos   cidadãos   e   que   se   perpetua   nos   tribunais   a  

prática   de   nomear   ad   hoc   outras   pessoas,   normalmente   funcionárias   do   tribunal.   Deste  modo,  

assegura-­‐se  a  validade  formal  dos  julgamentos,  mas  não  se  efectiva  o  direito  de  defesa.  

 

As  dificuldades  de  expansão  do  IPAJ  devem-­‐se  uma  multiplicidade  de  factores:  

do  ponto   de   vista   histórico,   as   dificuldades   do   sector   da   administração   da   justiça  

não   foram   repartidas   de   igual   modo   por   todas   as   instituições.   Num   contexto   de  

carências   de   recursos   humanos,   quando   comparada   com   outras   instituições   do  

sector,  o  IPAJ  ficou,  durante  muitos  anos,  limitado  a  pouquíssimos  membros  e  com  

uma  formação  bastante  limitada;  

o   quadro   de   pessoal   do   IPAJ   ainda   é   bastante   exíguo   para   as   necessidades,  

contribuindo  para  que  a  maioria  dos  membros  não  tenha  um  vínculo  formal  com  o  

Estado;  

apenas  em  2008  é  que  o   IPAJ  passou  a  ser  considerado  uma  unidade  orçamental.  

Até  aquele  ano,  não  tinha  autonomia  para  gerir  os  fundos  do  orçamento  do  Estado,  

estando  dependente  das  alocações  (que  nem  sempre  se  efectivavam  de  acordo  com  

as  previsões  e  expectativa)  por  parte  do  Departamento  de  Administração  e  Finanças  

do  Ministério  da  Justiça;  

durante  vários  anos,  o  IPAJ  não  beneficiou  de  apoio  directo  por  parte  dos  parceiros  

rama  das  Nações  Unidas  para  o  Desenvolvimento  e  

da  União  Europeia;  

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o  IPAJ  não  desenvolveu  nem  fez  parte  de  um  programa  sistemático  de  formação  dos  

respectivos  membros;  

as  delegações  do   IPAJ  não  dispõem  de   instalações  próprias,  estando  na  sua  maior  

parte  dependentes  do  apoio  dos  governos  provinciais  e  distritais;  

apenas   recentemente   (em   2007)   foi   elaborado   o   plano   estratégico   específico   do  

IPAJ,  no  qual  se  traça  uma  perspectiva  clara  de  desenvolvimento  da  instituição.    

 

Estes  constrangimentos  não  só  contribuem  para  uma  fraca   implantação  territorial  do   IPAJ,  como  

também  para  que  a  sua  capacidade  de  resposta  seja  baixa  e  para  que  os  membros  e,  por   isso,  a  

instituição   não   cumprido   as   funções     para   as   quais   foi   criada:   prestar   assistência   jurídica   e  

judiciária  gratuita  aos  cidadãos  carenciados.  Referimo-­‐nos,  em  concreto,  ao  facto  dos  membros  do  

IPAJ  cobrarem  honorários  pelos  serviços  prestados.    

 

Esta  situação  pode  assumir  proporções  alarmantes  na  medida  em  que,  por  um  lado,  os  membros  

do  IPAJ  ao  nível  das  províncias  e  dos  distritos  não  estão  sujeitos  ao  controlo  directo  da  direcção  e,  

por  outro   lado,   a   instituição  não  possui   um  programa  de  monitoria   e   avaliação  das   actividades.  

Aliás,   a   iniciativa   (avançada   em   2008)   de   condicionar   a   renovação   do   credenciamento   dos  

assistentes   e   técnicos   jurídicos   à   apresentação   de   relatórios   trimestrais   não   produziu   efeitos,  

tendo  sido  seguida  por  poucos  membros  (Marques  e  Pedroso,  2003;  IGF,  2009:30).  

 

Há,  contudo,  duas  experiências  excepcionais  de  apoio  e  acompanhamento  da  actividade  do  IPAJ,  

nomeadamente   nas   províncias   de   Nampula   e   Cabo   Delgado,   onde   os   respectivos   governos  

financiam   as   actividades,   pagam   subsídios   aos   técnicos   e   assistentes   jurídicos,   asseguram-­‐lhes  

habitação  e   algumas   condições  de   trabalho.  Não  é  por   acaso  que   seja  nestas  províncias  onde  a  

rede  do  IPAJ  está  melhor  implantada,  como  veremos.  

 

Reconhecendo  a  importância  das  experiências  de  apoio  jurídico  aos  cidadãos  e  a  necessidade  de  

maximizá-­‐las   em  benefício   do   acesso   à   justiça,   o   IPAJ   assinou   acordos   de   cooperação,  nos   anos  

2007  e  2008,  respectivamente  com  o  Centro  de  Assistência  e  Práticas  Jurídicas  (CAPJ)  do  Instituto  

Politécnico   Universitário   e   com   o   Centro   de   Práticas   Jurídicas   da   Faculdade   de   Direito   da  

Universidade  Eduardo  Mondlane  (CPJ)  e  a  Liga  Moçambicana  dos  Direitos  Humanos  (LDH).  

 

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informação   jurídica  aos  cidadãos  carenciados,  especialmente  os   reclusos  que  não  dispunham  de  

condições   para   contratar   um   advogado   e   menores.   O   acordo   com   o   CPJ   e   a   LDH   prevê   que   a  

primeira  instituição  se  dedique  à  formação  de  assistentes  jurídicos,  ficando  a  cargo  da  segunda  a  

selecção  de  candidatos  para  os  cursos,  a  orientação  do  seu  trabalho,  o  pagamento  de  salários  e  o  

controlo   disciplinar   dos   assistentes.   Ao   IPAJ   cabe   o   credenciamento   e   o   acompanhamento   das  

actividades  dos  assistentes.  

 

As   iniciativas   têm   trazido   resultados   positivos,   apesar   persistirem   alguns   constrangimentos   que  

resultam  da  deficiente   articulação   com  o  Ministério  do   Interior   (não   sendo   autorizado  o   acesso  

dos   estudantes   do   CAPJ   nalgumas   esquadras   da   polícia   e   na   PIC),   da   carência   de   meios   de  

transporte   (sendo  difícil  a   rápida  deslocação  dos  estudantes  para  diferentes  partes  da  cidade  de  

Maputo)  e  da  falta  de  recursos  para  o  pagamento  de  subsídios  de  transporte  e  alimentação  dos  

estudantes  (IPAJ,  2008).  Trata-­‐se,  pois,  de  parcerias  que  conduzem  a  um  alargamento  do  patrocínio  

jurídico   e   judiciário   em  Moçambique   e   que   significam   a   possibilidade   de   prestação   de   serviço  

público  estatal  e  não  estatal,  em  benefício  dos  cidadãos.  

 

Quanto   à   Ordem   dos   Advogados,   em   2005   contava   com   248  membros   inscritos,   número   ainda  

bastante  baixo  para  as  necessidades  do  país.  A  maior  parte  dos  advogados   (mais  de  90%)  tem  o  

domicílio  profissional  na  cidade  de  Maputo,  onde  a  procura  e  a  capacidade  de  pagar  os  serviços  

jurídicos   é  maior   (Ordem  dos  Advogados   de  Moçambique,   2005).   É   sobejamente   sabido  que   os  

custos   dos   serviços   de   advocacia   são   proibitivos,   muitas   vezes   calculados   com   base   à   hora   de  

trabalho.    A  Ordem  dos  Advogados  não  dissipou  ainda  a  imagem  de  uma  organização  corporativa  

tradicional,   preocupada  mais   com   o   controlo   do   acesso   à   instituição   por   parte   dos   licenciados  

novos   e   dos   advogados   estrangeiros   do   que   com   o   seu   exercício   e   com   a   necessidade   de  

cumprimento  de  um  dever  legal  e  ético.    

 

O   regime   de   estágio   não   está   ainda   devidamente   estruturado.   A   Ordem   tem   um   controlo  

insignificante  do  trabalho  dos  estagiários,  dependendo  estes  sobretudo  do  acompanhamento  feito  

pelos   respectivos   patronos.   A   relação   dos   estagiários   com   a   Ordem   pode   resumir-­‐se   na   mera  

apresentação  de  peças  processuais  e  do  comprovativo  de  intervenção  em  determinado  número  de  

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defesas   oficiosas.   Contudo,   essa   intervenção   nem   sempre   estará   relacionada   com   o   apoio   a  

cidadãos  carenciados.    

 

Resumindo,  num  contexto  em  que  o  IPAJ  atravessa  ainda  sérias  dificuldades  institucionais,  em  que  

custos  de  contratação  de  advogado  são  elevadíssimos,  em  que  a  Ordem  do  Advogados  cumpre  o  

seu  papel  de   forma  deficitária,  para  os  cidadãos  mais  pobres  não  há  alternativas  para  beneficiar  

dos   serviços  públicos  de  patrocínio   jurídico  e   judiciário,   tornando-­‐se,   assim,  precário  o   acesso  à  

justiça.  

 

VII.  Reforma  legal,  celeridade  processual  e  protecção  de  grupos  vulneráveis  

A   reforma   legal   é   uma   actividade   transversal   da   reforma   da   administração   da   justiça,   uma   das  

componentes   da   reforma  do   sector   público.   A   execução   dos   programas  de   reforma   legal   está   a  

cargo  da  Unidade  Técnica  da  Reforma  Legal  (UTREL)  que  é  um  órgão  técnico  permanente  que  tem  

como   objectivos   assegurar   a   planificação   integrada,   a   coordenação,   a   articulação,   a   execução   e  

acompanhamento   dos   programas   e   projectos   da   Reforma.17   A   UTREL   é   apoiada  

administrativamente   pelo   Ministério   da   Justiça,   subordina-­‐se   à   Comissão   Interministerial   da  

Reforma  Legal  e  tem  como  funções:    

identificar   e   promover   as   medidas   legislativas   decorrentes   da   Constituição   da  

República;    

identificar   e   promover   a   reforma   da   legislação   que   se   mostra   desajustada   à  

realidade  socio-­‐económica  de  Moçambique;    

promover   a   actualização   permanente   da   legislação   em   vigor   tornando-­‐a   simples,  

acessível  e  eficaz  na  sua  aplicação;    

identificar   e   promover   as   reformas   legislativas   necessárias   visando   garantir   a  

simplificação,  celeridade  e  rigor  do  processo  judicial;    

promover   a   adopção  de  medidas   legislativas   no   âmbito   do   acesso   à   justiça   pelos  

cidadãos  e  demais  entidades;    

identificar  e  promover  as  medidas  legislativas  indispensáveis  1ª  reforma  do  sistema  

prisional;    

identificar  e  promover  a  reforma  da  legislação  e  a  simplificação  dos  procedimentos  

no   sentido   de   facilitar   o   acesso   a   actividade   económica,   empresarial   e   ao   17   A  UTREL  foi  criada  pelo  Decreto  n.º  22/2002,  de  27  de  Agosto.  

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investimento;    

identificar   e   promover   medidas   legislativas   que   facilitem   e   assegurem   o  

desenvolvimento  económico  e  social  equilibrado  entre  as  diversas  zonas  geográficas  

do  país;    

promover  a  desburocratização  dos  actos  e  procedimentos  notariais  e  dos  registos.  

 

Enquanto  actividade  transversal,  a  reforma  legal  é    importante  para  a  elaboração  dos  instrumentos  

normativos   necessários   para   alcançar   os   objectivos   previstos   no   PARPA.   Interessa-­‐nos   neste  

trabalho   especialmente   verificar   que   reformas   legislativas   foram   introduzidas   no   sentido   de  

contribuir  para  a  celeridade  processual  e  para  a  protecção  dos  grupos  vulneráveis.  A  questão  da  

lentidão   dos   tribunais   está   sempre   presente   na   opinião   pública   e   nas   discussões   sobre   justiça.  

Como  se  sabe,  a  morosidade  processual  contribui  para  a  erosão  dos  elementos  de  prova,  demora  

(e,   por   vezes,   a   perda   de   interesse)   na   reparação   do   dano   sofrido,   agudização   dos   conflitos,  

estrangulamento   do   comércio   jurídico,   agravamento   dos   custos   de   funcionamento   das  

instituições,   aumento   da   desconfiança   em   relação   aos   tribunais   e   desincentivo   ao   recurso   aos  

tribunais,  em  suma,  contribui  para  a   ineficiência  e  descredibilização  do  sistema  de  administração  

da   justiça.   A   actividade   processual   é,   por   isso,   uma   das   componentes   importantes   do   acesso   à  

justiça,  a  par  da  protecção  efectiva  (no  sentido  de  substantiva)  dos  direitos  dos  cidadãos.    

 

prevista  para  outro  contexto  social  e  organizacional.  No  geral,  trata-­‐se  de  uma  estrutura  processual  

muito   complexa,   burocratizada   e   baseada  quase   exclusivamente   na   adjudicação   como   forma  de  

resolução  de  conflitos,  na  qual  não  se  faz  uso  sistemático  em  todas  as  jurisdições  da  conciliação  e  

mediação.   Assim,   tem   vindo   a   ser   reclamada   uma   reforma   profunda   do   direito   adjectivo  

moçambicano.  Nesse  esforço  de  renovação  da   legislação  processual,  destacamos  as   reformas  ao  

Código   de   Processo   Civil   em   2005   e   2009,   esta   última   resultante   sobretudo   da   necessidade   de  

harmonização   daquela   lei   processual   com   a   lei   da   organização   judiciária   e   com   o   Estatuto   dos  

magistrados  do  Ministério  Público.  

 

Ao   longo   dos   anos   têm   sido   introduzidas   alterações   pontuais   (e   muito   ligeiras)   nas   jurisdições  

penal   e   laboral.   Contudo,   é   ainda   necessário   transformar   radicalmente   o   regime   processual  

naquelas  jurisdições,  não  só  de  modo  a  harmonizá-­‐las  com  a  evolução  do  direito  e  da  orgânica  das  

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instituições  de  justiça,  como  também  para  assegurar  a  celeridade  e  maior  eficácia  processual,  sem  

naturalmente  descurar   a   segurança  e   a  protecção  dos  direitos  dos   cidadãos.    Há   legislação  que,  

embora   não   seja   adjectiva,   tem   influências   directas   para   o   acesso   à   justiça,   sobretudo   para   os  

cidadãos  com  menores  recursos  económicos.  É  o  caso  do  código  das  custas.  O  actual  sistema  de  

custas  judiciais  é  entendido  no  sector  como  um  dos  factores  de  constrangimento  e  de  coibição  do  

acesso   à   justiça   (IGF,   2009:   235).   Aliás,   a   própria   UTREL   reconhece   que   a   aplicação   do   actual  

regime   de   custas   acarreta   dificuldades   que   se   traduzem   em   erros   graves   de   liquidação   e   em  

práticas  burocráticas  baseadas  em  critérios  diferenciados  no  cálculo  de  preparos.18  Além  do  mais,  

em   nome   da   igualdade   material   dos   cidadãos,   seria   necessário   esclarecer   e   operacionalizar   o  

regime  de  isenções  de  pagamento  de  taxas  e  impostos  de  justiça.    

 

Para  além  da  celeridade  dos  tribunais  na  resolução  dos  conflitos,  um  dos  compromissos  do  PARPA  

II  consiste  na  protecção  de  cidadãos  vulneráveis,  por  um  lado,  garantindo-­‐lhes  assistência  jurídica  

e,   por   outro   lado,   aprovando   legislação   específica   que   responda   à   situações   concretas   de  

vulnerabilidade.  Destacamos  as  leis  aprovadas:  

Lei  sobre  Tráfico  de  Pessoas,  em  particular  mulheres  e  crianças  (Lei  n.º  6/2008,  de  9  

de  Julho);  

Lei  da  Promoção  e  Protecção  dos  Direitos  da  Criança  (Lei  n.º  7/2008,  de  9  de  Julho);  

Lei  da  Organização  Tutelar  dos  Menores  (Lei  n.º  8/2008,  de  9  de  Julho);  

Lei   Contra   a   Violência   Doméstica   (que   ainda   não   foi   promulgada.   Esta   lei   foi   da  

iniciativa  da  Assembleia  da  República).  

   

Trata-­‐se   leis   que   pretendem   combater   uma   vulnerabilidade   social   e   económica.   Ainda   neste  

âmbito,  parece-­‐nos  crucial  avançar  com  a  regulamentação  (cujo  prazo  era  de  1  ano)  prevista  na  Lei  

de  Promoção  Protecção  dos  Direitos  da  Criança  e  aprovar  outras  leis  que,  ainda  em  primeira  linha  

pretendam   proteger   situações   de   vulnerabilidade,   acabam   por   alcançar   esse   objectivo,   como  

certamente   acontecerá   com   a   lei   de   sucessões.   A   área   das   sucessões,   regulada   até   agora   pelo  

Código   Civil   de   1966,   é   ainda   uma   zona   de   penumbra   em   Moçambique   que   contribui   para   a  

sistemática  violação  dos  direitos  das  mulheres  (WLSA,  1994).  O  regime  das  sucessões  deverá  estar  

harmonizado  com  a  lei  de  família.    

  18  Apud  IGF,  2009:235.  

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económicas  e  sociais,  incluindo  pessoas  que  careçam  de  especial  protecção  jurídico-­‐processual  por  

parte  do  Estado.  Nessa  medida,  é   importante  a  aprovação  ou   revisão  das   seguintes   leis  que,  na  

verdade,  já  estão  na  agenda  da  reforma  legal:  

Código  Penal;  

Código  Processual  Penal;  

Lei  sobre  a  Extradição;  

Lei  sobre  a  Protecção  de  Testemunhas,  Declarantes  e  Vítimas;  

Lei  sobre  o  Habeas  Corpus;  

Estatuto  do  Corpo  da  Guarda  Prisional.  

 

 Os   ritmos   da   reforma   legal   em   regra   são   necessariamente   lentos,   exigindo   longos   períodos   de  

estudo,  de  debate  e  de  concertação  de  posições  entre  os  profissionais  e  as  diversas   instituições  

envolvidas.   Uma   definição   clara   das   prioridades   (e   calendarização)   da   reforma   e,   na  medida   do  

possível,   a   colocação  de  corpo  técnico  alargado  e  multidisciplinar  ao   serviço  exclusivo  da  UTREL  

poderá  reduzir  os  tempos  da  elaboração  e  aprovação  das  leis.  

VIII.  A  formação  dos  magistrados  

1.  Os  percursos  da  formação  de  magistrados  

O  percurso  da  formação  de  magistrados  está  directamente   ligado  à  dinâmica  das   instituições  do  

Estado   moçambicano.   Após   da   independência   nacional,   impunham-­‐se   dois   desafios  

complementares   ao   sistema   de   administração   da   justiça,   nomeadamente,   a   construção   de   um  

sistema  judiciário  genuíno,  de  base  popular,  e  a  formação  de  magistrados.      

 

Ao  Ministério  da  Justiça,  enquanto  órgão  tutelar  dos  tribunais,  coube  a  concepção,  organização  e  

direcção  dos   cursos  de   formação  de  magistrados  distritais.  Dadas   as   condições  do  momento,  os  

cursos   foram   intensivos,   curta   duração   (seis   meses,   em   média).   As   principais   fontes   de  

recrutamento  dos  candidatos  foram  os  juízes  eleitos  e  os  funcionários  judiciais.  Numa  fase  inicial  

exigia-­‐se   que   estes   tivessem   habilitações   literárias   mínimas   de   6ª   classe.   O   corpo   docente   era  

recrutado   entre   magistrados   em   serviço   no   Tribunal   da   Cidade   de  Maputo,   outros   quadros   do  

Ministério  da  Justiça  e  professores  da  Faculdade  de  Direito  da  UEM  (CFJJ,  2000).  

 

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A  separação  de  poderes  introduzida  na  Constituição  de  1990  não  só  produziu  transformações  na  

organização  do  Estado,  como  também  no  processo  de  formação  de  magistrados.  As  iniciativas  de  

formação  passaram  a  ser  desenvolvidas  separadamente  por  cada  uma  das  instituições  do  sector  de  

justiça   (Ministério   da   Justiça,   Tribunal   Supremo  e   Procuradoria   Geral   da   República),   passando   a  

recrutar  o  respectivo  corpo  docente  e  a  definir  unilateralmente  os  conteúdos  das  áreas  temáticas,  

as  metodologias,  os  critérios  de  selecção  dos  candidatos,  etc.    

 

A  necessidade  de  fazer  face  à  carência  de  quadros  justificou  que  a  partir  de  certa  altura  se  tenha  

candidatos   e   organizar   e   dirigir   os   cursos   localmente.   Estas   iniciativas,   no   seu   conjunto,  

contribuíram   para   uma   maior   disparidade   dos   resultados   da   formação,   evidenciando-­‐se   os  

desníveis  entre  os  quadros  das  diversas  instituições.      

 

Existindo  critérios  de   selecção  bastante  amplos,  alargando-­‐se  as  possibilidades  de   ingresso,  cada  

instituição   passou   a   comportar   um   perfil   de   quadros   bastante   heterogéneo.   Por   exemplo,   do  

inquérito   realizado   pelo   Centro   de   Formação   Jurídica   e   Judiciária,   destinado   a   fazer   o  

levantamento   das   necessidades   de   formação,   ressaltou   que   a   escolaridade   dos   magistrados  

judiciais  e  do  Ministério  Público  oscilava  entre  a  8ª  classe  e  a   licenciatura.  No  mesmo   inquérito,  

constatou-­‐se   que   a   grande   maioria   dos   magistrados   passou   por,   pelo   menos,   um   curso   de  

formação.  Contudo,  a  duração  dos  cursos  é  bastante  variada,  situando-­‐se  entre  um  e  nove  meses  

(Brito,   2000).   Isto   pode   ser   um   indício   bastante   forte   sobre   os   desequilíbrios   dos   resultados   de  

formação  de  que  falamos.  

 

A   realidade   mudou   muito,   mas   o   sistema   ainda   está   longe   de   uniformizar   o   perfil   dos   seus  

profissionais.  De  acordo  com  os  inquéritos  aos  magistrados  realizados  pelo  CFJJ,  dos  163  juízes  e  

131  procuradores   inquiridos,  apenas  cerca  de  50%  frequentou  ou  concluiu  o  ensino  superior.  Os  

restantes  têm  o  nível  básico  e  frequentaram  um  curso  de  direito  intensivo,  de  curta  duração  (CFJJ,  

2006;  2006a).    

 

Até  a  criação  do  CFJJ,19  as  acções  de  formação  foram,  pois,  reduzidas  (sendo  insuficiente  o  número  

de   cursos   organizados   e   de   candidatos   ingressados   para   cobrir   as   necessidades   de   pessoal),   19   O  CFJJ  foi  criado  pelo  Decreto  n.º  34/97,  de  21  de  Outubro.  

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fragmentárias   (assumindo   cada   uma   das   instituições,   isoladamente,   a   responsabilidade   pelas  

mesmas  e   realizando-­‐as  em   tempos  diversos,   consoante  as  disponibilidades  orçamentais)  e   com  

resultados  práticos  muito   limitados   (uma   vez  que   a   qualidade   da   formação   foi   prejudicada  pela  

necessidade  urgente  de  preencher  os  quadros  dos  tribunais).  

 

O   CFJJ   veio   reverter   esta   situação.   A   concentração   das   responsabilidades   de   formação   de   uma  

variedade   de   profissionais   (magistrados   judiciais   e   do  Ministério   Público,   assistentes   e   técnicos  

jurídicos,  conservadores  e  notários,  funcionários  dos  tribunais  e  das  procuradorias),  embora  traga  

algumas  dificuldades  de  gestão,  tem  a  vantagem  de  contribuir  para  a  harmonização  dos  programas  

(conteúdos,  metodologias,  duração,  perfil  dos  formadores  e  dos  formandos,  etc.).  

 

Desde  o  início  das  actividades  do  Centro  (em  1999)  até  ao  final  do  ano  2007  foram  formados  93  e  

62  novos   juízes  e  procuradores,  respectivamente.  Os  números  são  bastante  expressivos,  revelam  

um  enorme  esforço  para  ultrapassar  o  problema  de  carência  de  magistrados  no  país.  No  entanto,  

continuam  a  colocar-­‐se  alguns  desafios  ao  processo  de  formação.      

 

Como   sabemos,   o   CFJJ   é   uma   instituição   de   formação   profissional.   Isto   é,   uma   formação  

direccionada   para   as   necessidades   de   exercício   das   profissões   de   juiz   e   de   procurador.   Esta  

constatação   pressupõe   saber   que   tipo   de   profissionais   se   pretende   para   as   instituições   de  

administração  da   justiça.  Esta   (e  outras   interrogações  que  poderiam  ser  postas),   tem  como  pano  

de  fundo  o  problema  de  se  saber  que  tipo  de  justiça  se  pretende  edificar  em  Moçambique,  qual  o  

papel   das   instituições   formais   e   informais  na   construção  de   um  modelo   de   justiça   democrático,  

acessível,  inclusivo,  célere  e  transparente.    

 

Não  estando  ainda  aprovada  a  Visão  da  administração  da  justiça,  parece-­‐nos  significar  que  ainda  

não   estão   criados   os   consensos   sobre   aquelas   questões.   Há   quem,   no   entanto,   com   algum  

fundamento,  faça  uma  interpretação  mais  pessimista,  ao  se  protelar  a  aprovação  da  Visão  significa  

falta  de  vontade  política  para  a  adopção  de  políticas  e  acções  harmonizadas  (OSISA,  2006:26-­‐27).  

Seja   como   for,   há   realidades   estruturais   que   deverão   ser   tomadas   em   conta   nesse   processo   de  

construção   de   consensos   sobre   o   sector   e   que,   consequentemente,   se   colocam   como   desafios  

para  a  formação  de  magistrados.  

 

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O  primeiro  desafio  (que  não  é  necessariamente  o  mais  importante)  que  se  impõe  relaciona-­‐se  com  

as   exigências   do   actual   contexto   da   globalização   neoliberal.   Este   processo,   por   um   lado,   traz  

consigo  uma  nova  roupagem  no  tipo  de  conflitualidade,  exigindo  conhecimentos  técnico-­‐jurídicos  

cada  vez  mais  especializados  e  uma  resposta  célere  e  eficaz  por  parte  dos  tribunais.  Por  outro,  ao  

s   de   exclusão   social   e   de   precarização   dos   direitos,  

sobretudo  os  direitos  de  segunda  e  terceira  geração,  coloca-­‐se  ao  judiciário  o  particular  desafio  de  

ser   capaz   de   contribuir   para   exercício   dos   direitos   e   para   uma   justa   e   harmoniosa   convivência  

social,  como,  aliás,  afirma  a  Constituição  da  República.    

 

O  segundo  desafio  resulta  do  reconhecimento  constitucional  do  pluralismo  jurídico,  enquanto  uma  

das   formas   em   que   se  manifesta   o  multiculturalismo  moçambicano.   Na   verdade,   o   Estado   não  

possui   o   monopólio   da   administração   da   justiça,   antes   reparte   essa   tarefa   com   outros   actores  

sociais.  Trata-­‐se  de  instâncias  comunitárias  de  resolução  de  conflitos  cuja  fonte  de  legitimidade  é  

elo   Estado,   a  

verdade  é  que  no  que  respeita  à  inserção  institucional,  à  composição  e  formas  de  funcionamento,  

essas   instâncias  em  muito  se  assemelham  com  as   instâncias  de  origem  comunitária.  Englobamo-­‐

las,   por   isso,   no   grupo   de   instâncias   comunitárias.   Alguns   exemplos:   chefes   de   quarteirão,  

secretários  de  bairro,  autoridades  tradicionais,  igrejas,  curandeiros,  grupo  dinamizador  e  tribunais  

comunitários.   A   par   destas   estruturas,   as   associações   de   defesa   dos   direitos   humanos   têm  

assumido  um  protagonismo  crescente  como  instâncias  de  resolução  de  conflitos,  de  prestação  de  

serviços  de  representação  jurídica  e  de  encaminhamento  dos  cidadãos.      

 

Desta  realidade  social  deriva,  então,  a  necessidade  de  construir  modelos  de  formação  capazes  de  

contribuir   para   que   os   tribunais   sejam   instituições   sócio-­‐culturalmente   situadas   e   que,  

reconhecendo   e   valorizando   a   existência   de   uma   pluralidade   de   ordenamentos   e   concepções  

jurídicas,  promovam  um  diálogo  permanente,  renovador  e  emancipatório  com  as  comunidades  em  

que  se  inserem.    

 

Como  se   tem  afirmado,  esta  é  uma  das  condições  para  a   construção  de  uma   justiça  participada  

(isto  é,  cooperante,  sendo  a  sua  construção  assumida  pela  colectividade  com  a  qual  interage  sob  

diversas   maneiras);   plural   (respeitadora   da   diversidade   social,   política   e   cultural   do   país);  

emancipatória  (servindo  a  igualdade  material,  a  cidadania);  comunicativa  e  acessível,  procurando  

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os   tribunais   tornar   acessíveis   e   compreendidas   as   suas   decisões,   as   respectivas   motivações  

(Leandro,  2000).  

 

Do  que  dissemos  surge  um  terceiro  desafio  que  é  de  ordem  metodológica.  O  programa  curricular  

dos   cursos   de   ingresso   às   magistraturas   engloba   várias   temáticas,   a   saber,   jurisdição   civil,  

jurisdição  de  família  e  menores,  jurisdição  laboral,  jurisdição  penal,  direito  judiciário,  jurisdição  do  

ambiente  e  dos  recursos  naturais,  constituição  e  direitos  fundamentais,  e  sociologia  judiciária.  Não  

será   suficiente   a   inclusão   de   um   leque   mais   ou   menos   alargado   (e   diversificado)   de   áreas  

temáticas,   devendo   fazer-­‐se   um   esforço   para   conferir-­‐lhes   uma   unidade   sistémica,   isto   é,   para  

assegurar   a   interligação,   a   lógica   interna   e   a   coerência   dos   conteúdos.   Numa   palavra,   é  

imprescindível   privilegiar   a   transdisciplinaridade,   subvertendo   as   fictícias   fronteiras   temáticas  

construídas  pelo  positivismo  jurídico.  

 

É  importante  referir  que  este  ano  será  implementado  no  CFJJ  o  primeiro  programa  de  monitoria  e  

avaliação   que,   para   além   de   servir   para   avaliar   os   impactos   da   formação,   será   um   dos  

instrumentos  para  a  concretização  da  reforma  curricular  da  instituição.  Esperemos  que  entretanto  

seja  aprovada  a  Visão  do  sector  para  que  haja  maior  consonância  entre  a  formação  e  os  modelos  

de  justiça  que  sonha  para  o  país.      

2.  Os  dilemas  da  colocação  de  magistrados  

Compete  aos  conselhos  superiores  das  magistraturas  a  colocação  dos  magistrados  nos  tribunais  e  

procuradorias,  tanto  os  que  ingressam  nas  carreiras,  como  os  que  estão  em  actividade.  Em  relação  

ao  primeiro  grupo,  nem  sempre  tem  sido  possível  assegurar  uma  rápida  colocação  de  magistrados.  

Pressionados  pelas  exigências  da  vida  e  pelo  mercado  de  trabalho,  alguns  candidatos  chegaram  a  

desistir  da  magistratura,  abraçando  outras  carreiras.  Embora  a  situação  tenda  a  melhorar,  estando  

inclusivamente   a   ser   ultrapassada   especificamente   por   parte   da   magistratura   do   Ministério  

Público,   a   verdade   é   que   continua   a   ser   uma   constante   preocupação,   na   medida   em   que   se  

pretende  maximizar  os  recursos  e  assegurar  a  motivação  dos  magistrados.  Por  exemplo,  passados  

mais  de  cinco  meses  desde  o  término  do  curso  de  ingresso  de  2008,   os  formandos  que  optaram  

pela   magistratura   judicial   ainda   não   começaram   a   exercer   a   função,   apesar   de   terem   sido  

formalmente  colocados  nos  tribunais.    

 

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Os   atrasos   reflectem   as   deficiências   de   planificação   no   sector.   É   importante   que   exista   uma  

planificação  clara  e  coerente  sobre  o  alargamento  da  rede  judiciária  e  as  necessidades  em  termos  

de   recursos  humanos,  materiais,   instalações,   condições  de  habitação,   etc.  Que   tribunais   entram  

em  funcionamento  em  cada  ano?  Quantas  e  quais  secções  terá?  Que  secções  novas  serão  criadas  

nos   tribunais   em   funcionamento?   Quantos   e   que   tipo   de   magistrados   serão   colocados   nesses  

funcionários?   Há   cabimento   orçamental   para   os   novos   ingressos?   Há   condições   de   habitação?  

Estão  asseguradas  as  condições  básicas  de  trabalho?  Estas  são  algumas  das  questões  que  devem  

ser  colocadas  para  que  haja  maior  articulação  entre  os  processos  de   formação  e  a  colocação  de  

magistrados.    

 

Como   vimos   no   ponto   anterior,   o   actual   contexto   político,   económico   e   social   exige   do   poder  

judiciário   uma   resposta   diferenciada,   em   função   do   tipo   de   procura.   Uma   das   respostas  

institucionais  tem  sido  a  criação  ou  extensão  de  secções  especializadas.  Dada  a  pressão  que  existe  

sobre  o  sistema  de  administração  da  justiça  no  sentido  de  responder  rapidamente  às  solicitações,  

nem   sempre   a   colocação   de   magistrados   em   novas   secções   ou   tribunais   de   competência  

especializada  é  precedida  de  uma  formação  específica,  direccionada  para  o  tipo  de  problemas  que  

serão   chamados   a   resolver.   É   certo   que   neste   caso,   tratando-­‐se   de   magistrados   em   funções,   a  

experiência   que   detêm   ajuda   na   adaptação   ao   novo   contexto   de   trabalho,   mas   a   formação   é  

sempre  indispensável.      

 

Este  quadro  geral  sugere-­‐nos  que  deverá  haver  maior  trabalho  em  rede,  procurando-­‐se  ajustar  a  

formação   às   reais  possibilidades   de   integração  dos  profissionais  no   sistema,   às   necessidades   de  

acesso  à  justiça  e  de  funcionamento  dos  tribunais  e  procuradorias.    

 

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Conclusões  

A  organização  judiciária  é  a  pedra  angular  sobre  a  qual  gravitam  quase  todas  as  questões  relativas  

ao  sistema  de  administração  da  justiça.  A  opção  de  fazer  coincidir  a  divisão  judicial  com  a  divisão  

administrativa  tem  conduzido  a  um  esforço  gigantesco  de  extensão  de  tribunais  judiciais  em  todos  

os  distritos,   independentemente  das  características  de  que  disponham,  da  população  habitante,  

do   grau   de   desenvolvimento   sócio-­‐económico,   das   particularidades   da   procura   sócio-­‐jurídica.  

Significa  que,  a  par  dos  tribunais  deverão  ser  implantados  em  todos  os  distritos  outras  instituições  

que  desempenham  papel  relevante  na  administração  da  justiça,  nomeadamente  as  procuradorias,  

o  IPAJ,  a  polícia  de  investigação  criminal  (dotados  de  laboratórios),  as  cadeias,  os  médicos  legistas,  

etc.    

 

Esta  ambição  está  longe  de  ser  concretizada,  havendo  ainda  muitos  distritos  que  não  dispõem  de  

mudar  a  situação,  a  implantação  das  instituições  de  administração  da  justiça  em  Moçambique  não  

está   harmonizada.   Continuamos   a   encontrar   no   país   distritos   com   tribunal   em   funcionamento,  

mas  sem  procuradoria  nem  IPAJ;  distritos  com  procuradoria  em  funcionamento,  mas  sem  tribunal  

nem   IPAJ;   distritos   com   tribunal   e   procuradoria,   mas   sem   IPAJ;   distritos   com   tribunal,   com  

procuradoria   coberta   por   acumulação,  mas   sem   IPAJ;   distritos   com   tribunal,  mas   cobertos   pelo  

IPAJ  e  pela  procuradoria  em  regime  ambulatório.  Vejamos  o  seguinte  mapa  da  rede  judiciária  de  

Moçambique:  

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O  mapa  demonstra   que   para   além  da   rede   judiciária   de  Moçambique   ser   deficiente,   não   existe  

uma   estratégia   clara   e   concertada   de   implantação   das   instituições   do   sector   da   justiça.   Esta  

desarticulação  pode  ser  um  factor  condicionante  do  acesso  à  justiça.    Outro  aspecto  relevante  na  

organização   judiciária   prende-­‐se   com   a   criação   de   tribunais   superiores   de   recurso.   Funcionarão  

três  tribunais  superiores  de  recurso  em  todo  o  país,  com  competências  para  julgar  os  recursos  das  

decisões  dos  tribunais  de  província.    

 

Como  vimos,   actualmente   sobem  para  o   Tribunal   Supremo  apenas   cerca  de  0,31%  das  decisões  

proferidas   pelos   tribunais   de   província.   Não   sendo   previsível   que   o   número   de   recursos   suba  

estrondosamente,  significa  que  a  médio  prazo  os  tribunais  superiores  de  recurso,  no  seu  conjunto,  

terão  pouquíssimo  trabalho  e  muito  menos  o  Tribunal  Supremo.  Cremos,  por  isso,  que  os  tribunais  

judiciais  de  distrito  e  os  tribunais  comunitários  deveriam  ser  a  prioridade  do  sistema.  Ao  reforçar-­‐

se   o   topo   do   sistema,   em   detrimento   da   base   (por   onde   ingressa   a  maior   parte   dos   casos),   os  

cidadãos  continuam  a  estar  longe  do  sistema  de  justiça  e  não  se  resolvem  os  problemas  estruturais  

da  justiça  moçambicana.      

 

Esse   distanciamento   do   sistema   em   relação   aos   cidadãos   acentua-­‐se   se   tivermos   em   conta   o  

estado   de   abandono   dos   tribunais   comunitários:   desde   1992   que   a   lei   que   os   cria   não   é  

actualizada;   a  mesma   lei   não   foi   regulamentada;   não  houve  nenhum  processo  de   renovação  do  

corpo   de   juízes;   os   juízes   em   exercício   não   recebem   nenhum   salário   ou   subsídio   por   parte   do  

Estado;   os   tribunais   funcionam   sem   qualquer   acompanhamento;   o   estado   não   disponibiliza   as  

condições   de   trabalho;   etc.   Ainda   assim,   a   experiência   e   vitalidade   dos   tribunais   comunitários  

revelam  a   importância  que  assumem  para  os  cidadãos,  enquanto   instâncias  de  referência  para  a  

manutenção  da  paz  social.  

 

 Nenhuma   reforma   da   administração   da   justiça   em   Moçambique   poderá   responder  

satisfatoriamente  aos  problemas  de  acesso  à  justiça  sem  contemplar  as  instâncias  comunitárias  de  

resolução   de   conflitos,   em   particular   os   tribunais   comunitários.   Na   verdade,   tanto   os   tribunais  

judiciais,  como  as  instâncias  comunitárias,  isoladamente,  não  poderão  fornecer  todas  as  soluções  

para  o  acesso  à   justiça.  Será,  antes,  necessário  encontrar  pontes  de  diálogo  e  de  articulação  que  

permitam  a  construção  de  um  sistema  integrado,  mais  próximo  dos  cidadãos  e  célere,  capaz,  por  

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um  lado,  de   interpretar  correctamente  os  contextos  políticos,  económicos,  sociais  e  culturais  em  

que  se  insere,  e,  por  outro  lado,  de  satisfazer  diferentes  necessidades  de  tutela  jurídica.  

 

Podemos,   assim,   concluir   que   ficou   por   concretizar   uma  das   preocupações   centrais   do   governo  

para  área  da   justiça:  repensar  a  organização   jurídica  e   judiciária,  tendo  em  conta  a  existência  de  

uma   multiplicidade   de   sistemas   de   administração   da   justiça   (PARPA,   parágrafo   257).   O  

desempenho  dos  tribunais  em  diferentes  escalões  é  diferenciado.  O  Tribunal  Supremo  continua  a  

julgar   muito   pouco,   progressivamente   aumentando,   desse   modo,   o   número   de   processos  

pendentes.   O   Tribunal   Supremo   não   se   livrou,   ainda,   do   epíteto   por   que   é   conhecido   entre   os  

magistrados  e  advogados:  o  cemitério  de  processos.    

 

A   formação   e   colocação   de   novos  magistrados,   a   introdução  de  metas  de   desempenho  para   os  

juízes,  a  monitoria  do  actividade  dos  juízes  e  as  reformas  processuais   introduzidas  (sobretudo  no  

Código  de  Processo  Civil),  têm  estimulado  o  aumento  da  produtividade  dos  tribunais.  Os  processos  

pendentes  tendem  a  baixar.  Há,  contudo,  que  ter  atenção  para  os  seguintes  aspectos:  

existência   de   eventuais   diferenças   de   desempenho   entre   tribunais   e   entre   secções   do  

mesmo  tribunal;    

evitar   a   tendência   para   julgar   prioritariamente   os   processos   mais   simples   e   os   que  

asseguraram  maior  participação  emolumentar  (de  modo  a  cumprir  com  as  metas),  ficando  

os  outros  para  trás,    ainda  que  tenham  entrado  primeiro;  

necessidade  de   investigar  o  que  estará  na  verdadeira  em  causa  em  relação  aos  processos  

 

o   alargamento   das   competências   dos   tribunais   judiciais   de   distrito   exige   que   a   base   do  

sistema  seja  reforçada  com  mais  profissionais   (juízes,  procuradores,  polícias,  assistentes  e  

técnicos   jurídicos;   etc)   e   com   melhores   equipamentos,   instalações   e   estruturas  

organizativas;  

necessidade   de   apostar   de   forma   mais   firme   nos   meios   alternativos   de   resolução   de  

conflitos.  A  resolução  extrajudicial  dos  conflitos  pode  contribuir  para  aliviar  os  tribunais  da  

pressão  a  que  estão  sujeitos  (e  que,  em  princípio,  tenderá  a  subir).  No  entanto,  há  que  ter  

as  devidas  cautelas  para  assegurar  que  as  vantagens  de  resolução  célere  dos  conflitos  não  

signifique  prejudicar  os  direitos  elementares  dos  cidadãos.  

 

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O  IPAJ  tem  crescido  nos  últimos  anos,  aumentando  o  número  de  delegações  distritais.  Os  serviços  

públicos  de  assistência  jurídica  e  judiciária  têm  sido  alargados  por  força  dos  protocolos  que  o  IPAJ  

assinou  com  escolas  superiores  de  direito  e  com  uma  organização  da  sociedade  civil.  No  âmbito  

desses  protocolos,  estas  instituições  prestam  assistência  jurídica  gratuita  aos  cidadãos  carenciados,  

cabendo  ao  IPAJ  o  seu  credenciamento  e  a  monitoria  da  actividade.    

 

Apesar  dos  avanços,  o   IPAJ  enfrenta  o  desafio  estrutural  de  conceber  e  executar  uma  estratégia  

consistente   para,   por   um   lado,   garantir   a   continuidade   dos   técnicos   e   assistentes   jurídicos   na  

instituição  e,  por  outro   lado,  assegurar  que   lhes  seja  paga  uma  remuneração  para  que,  de  facto,  

exerçam   as   suas   funções   sem   cobrar   honorários   aos   cidadãos.   É   importante   também   que   haja  

articulação   entre   o   IPAJ   e   a   Ordem   dos   Advogados,   sobretudo   no   que   respeita   à   acção   dos  

estagiários.  Todavia,  passados  15  anos  desde  a  criação  da  Ordem  o  estágio  não  está  estruturado  e  

aquela  instituição  não  contribui  minimamente  para  o  acesso  à  justiça  por  parte  dos  cidadãos  mais  

pobres.    

 

Tendo  presente  o  que  temos  vindo  a  mostrar,  concluímos  que  em  Moçambique  o  acesso  à  justiça  

seja   muito   selectivo.   Por   um   lado   pode-­‐se   afirmar   que,   embora   não   seja   possível   saber   com  

exactidão   o   número   de   pessoas   que   se   colocam   nessa   situação,   uma   parte   considerável   dos  

cidadãos,  mesmo  querendo,  não  tem  como  chegar  aos  tribunais  judiciais.  Por  outro  lado,  a  avaliar  

pelo   volume   de   processos   que   entram   nos   tribunais   mas   que   não   são   resolvidos,   os   níveis   de  

procura  não   satisfeita   ainda   são  enormes.  Mas  mais  preocupante  do  que  esta  dura   realidade,  é  

não   se   perceber   no   sistema   uma   estratégia   clara   e   concertada   do   rumo   do   sistema   de  

administração   da   justiça   para   responder   aos   problemas   de   acesso   à   justiça.   Os   cidadãos   mais  

pobres  são,  sem  dúvidas,  os  mais  prejudicados.    

 

 

 

 

 

   

   

   

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de  investigação]    

   

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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AVALIAÇÃO  DO  IMPACTO  DO  PARPA  II  NO  ACESSO  À  JUSTIÇA  EM  MOÇAMBIQUE    

Este  relatório  foi  produzido  pelo  Centro  de  Integridade  Pública,  uma  organização  da  sociedade  civil  moçambicana  estabelecida  em  2005  com  o  objectivo  de  contribuir  para  a  promoção  da  

transparência,  boa  governação  e  integridade  em  Moçambique.  O  CIP  actua  na  área  da  governação  através  da  pesquisa,  advocacia  e  monitoria,  promovendo  igualmente  actividades  de  

consciencialização  pública.  O  CIP  interessa  e  governação  local,  financiamento  político  e  eleitoral,  transparência  fiscal,  procurement, controlo  

social,  oversight  

 

O  CIP  é  apoiado  pelas  seguintes  entidades  de  cooperação  internacional:  Cooperação  Suíça  

para  o  Desenvolvimento,  DFID,  Embaixadas  da  Dinamarca,  Holanda,  Noruega  e  Suécia  

 

 

CENTRO DE INTEGRIDADE PÚBLICA CENTER FOR PUBLIC INTEGRITY

Boa Governação-Transparência-Integridade Good Governance-Transparency-Integrity

Rua Frente de Libertação de Moçambique (ex-Pereira do Lago), 354, r/c. Tel: 00 258 21 492335 Fax:00 258 21 492340

Caixa Postal:3266 Email:[email protected]

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