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49 DRESCH, Nelton Luis 1 Resumo O texto relata e analisa aspectos de pesquisa acadêmica realizada junto a um dos Centros de Formação de Agricultores da EMATER- -ASCAR/RS para desenvolver uma proposta de Avaliação Participativa das ações de ATER oferecidas como cursos de formação profissio- nal na Agricultura Familiar. A Educação de Jovens e Adultos no Campo serviu como base teórica para sustentar a proposta de Avalia- ção Participativa executada e para ressigni- ficar essas ações de ATER. Foram utilizados os métodos de Pesquisa-Ação Educadora com uma equipe de extensionistas rurais e de Pesquisa Participante com egressos e egres- sas desses cursos. A pesquisa possibilitou a elaboração e validação de 69 Indicadores de 1 Professor Assistente no Departamento de Ensino e Currículo da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul; Mestre em Educação e Doutorando em Desenvolvimento Rural, E-Mail: [email protected] Avaliação, organizados em 23 categorias e 04 temáticas distintas constituindo uma Base de Dados para o Etnodesenvolvimento local. Palavras-Chave: Extensão Rural. Avaliação Participativa de ATER. Etnodesenvolvimento. Educação de Jovens e Adultos no Campo. Abstract This report describes and analyzes aspects of academic research carried out with one of the Farmers Training Centres of EMATER-AS- CAR/RS to develop a proposal for Participatory Evaluation of the shares offered as ATER pro- fessional training courses in family farming. The Youth and Adult Education in the Field ser- ved as a theoretical basis to support the propo- sal for Participatory Assessment performed and reframe these actions ATER. The methods used were the Action Research Educator with a team of rural extensionists and participative resear- ch with graduates and alumni of these courses. The research enabled the development and va- lidation of 69 Evaluation Indicators, organized Avaliação participativa da formação profissional na agricultura familiar: uma modalidade de ATER e de educação de jovens e adultos no campo Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 2, p. 49-57, maio/ago. 2012

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Page 1: Avaliação participativa da formação profissional na ... · 51 trutores. A produção de sentidos configura interpretações sócio-culturais, a polissemia, dos signos e significados

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DRESCH, Nelton Luis 1

ResumoO texto relata e analisa aspectos de pesquisa acadêmica realizada junto a um dos Centros de Formação de Agricultores da EMATER--ASCAR/RS para desenvolver uma proposta de Avaliação Participativa das ações de ATER oferecidas como cursos de formação profissio-nal na Agricultura Familiar. A Educação de Jovens e Adultos no Campo serviu como base teórica para sustentar a proposta de Avalia-ção Participativa executada e para ressigni-ficar essas ações de ATER. Foram utilizados os métodos de Pesquisa-Ação Educadora com uma equipe de extensionistas rurais e de Pesquisa Participante com egressos e egres-sas desses cursos. A pesquisa possibilitou a elaboração e validação de 69 Indicadores de

1 Professor Assistente no Departamento de Ensino e Currículo da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul; Mestre em Educação e

Doutorando em Desenvolvimento Rural, E-Mail: [email protected]

Avaliação, organizados em 23 categorias e 04 temáticas distintas constituindo uma Base de Dados para o Etnodesenvolvimento local.

Palavras-Chave: Extensão Rural. Avaliação Participativa de ATER. Etnodesenvolvimento. Educação de Jovens e Adultos no Campo.

AbstractThis report describes and analyzes aspects of academic research carried out with one of the Farmers Training Centres of EMATER-AS-CAR/RS to develop a proposal for Participatory Evaluation of the shares offered as ATER pro-fessional training courses in family farming. The Youth and Adult Education in the Field ser-ved as a theoretical basis to support the propo-sal for Participatory Assessment performed and reframe these actions ATER. The methods used were the Action Research Educator with a team of rural extensionists and participative resear-ch with graduates and alumni of these courses. The research enabled the development and va-lidation of 69 Evaluation Indicators, organized

Avaliação participativa da formação profissional na agricultura familiar: uma modalidade de ATER e de

educação de jovens e adultos no campo

Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 2, p. 49-57, maio/ago. 2012

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into 23 categories and 04 different themes cons-tituting a Base for Ethnodevelopment site.

Keywords: Rural Extension. Participatory Evaluation of ATER. Ethnodevelopment. Youth and Adults Contemporary Education in the Field.

1 COMEÇO DE CONVERSAS SOBRE ATER, EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO CAMPO E ETNODESENVOLVIMENTO

[....] o mundo rural é um espaço de vida, isto é, um lugar onde se vive, onde tem gente! No Brasil, cerca de 30 milhões de pessoas vivem no meio rural. É um lugar de onde se vê o mundo e de onde se vive o mundo [...] (WANDERLEY, 2008, p. 1).

Os Centros de Formação2 de Agricultores da EMATER/RS-ASCAR têm realizado3 cursos de formação profissional de agricultores e agricul-toras jovens, adultos/as e idosos/as com pequena carga horária (cerca de 20 até 40 horas de ativi-dades) como modalidade de Assistência Técnica e Extensão Rural-ATER, visando melhorias na qualidade de vida local e comunitária. Contudo, os respectivos currículos têm sido planejados e executados a partir da mesma base epistemoló-gica que sustenta tanto a lógica difusionista na ATER, quanto concepções de Desenvolvimento Rural atreladas prioritariamente ao crescimen-to econômico mediante a implementação de ino-vações tecnológicas para, por exemplo, aumen-tar a produtividade das lavouras, melhorar os padrões genéticos dos diferentes rebanhos, oti-mizar o gerenciamento rural e controlar o aces-so e gestão aos mercados compradores.

Em outra epistemologia, a Educação de Jo-vens e Adultos-EJA - no Campo4 traz para essa modalidade de ATER possibilidades contrahe-gemônicas acerca das inúmeras atividades que caracterizam a Multifuncionalidade (CA-ZELLA, BONNAL, MALUF, 2009) na Agricul-tura Familiar. Para tanto, alguns pressupostos desta EJA que interessam ao presente texto são:

a) os Mundos da Vida Rural, particularmente na

Agricultura Familiar, possuem características multidimensionais e multirreferenciais que se configuram nas complexas redes de relações familiares e, por conseguinte, nas territoriali-dades culturais das comunidades focalizadas, cujo (re)conhecimento requer a assunção de Métodos Participativos de pesquisa e ação;

b) nos Mundos da Vida Rural, particular-mente na Agricultura Familiar, o De-senvolvimento Rural assume dinâmicas próprias, endógenas, atravessadas trans-disciplinarmente por vários aspectos, de modo a ser ressignificado como Etnode-senvolvimento (STAVENHAGEN, 1985; LITTLE, 2002) e impactar os diferentes processos educativos que os tematizam;

c) um currículo para esta EJA no Campo, que contemple as complexidades dos Mundos da Vida Rural dos envolvidos – agricul-tores/as e extensionistas rurais – precisa romper com a lógica linear de planejamen-to e ação, buscando possibilidades de atra-vessamentos transdisciplinares mediante abordagem multirreferencial (BURNHAM & FAGUNDES, 2001; MARTINS, 2004);

d) os processos de aprendizagem são compre-endidos como produção de sentidos a partir da reprodução de significados. Os signifi-cados (conceitos, concepções) abrangem os saberes técnicos e tecnológicos nas Ciências Agrárias representados por signos (letras, números, símbolos) e repassados via princí-pios difusionistas e tecnologias educacionais nas práticas dos extensionistas rurais-ins-

2 A atual gestão da EMATER-ASCAR/RS modificou a denominação para “Centros de Formação de Agriculto-res”, com que concordo, mas manteve as siglas dos mes-mos, inicialmente chamados “Centros de Treinamento de Agricultores”.

3 Embora também existam cursos semelhantes ofere-cidos nas próprias comunidades rurais ou em pequenas localidades urbanas, tanto pelos extensionistas com lota-ção restrita aos Escritórios Municipais da EMATER-AS-CAR/RS, quanto pelos de outras instituições de ATER.

4 Não confundir com a “Educação do Campo” (CAL-DART, 2000; MORIGI, 2003) que refere-se ético-po-liticamente aos projetos político-pedagógicos de esco-larização regular no meio rural, particularmente em Assentamentos da Reforma Agrária, mas não reduzidos geograficamente nestes.

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trutores. A produção de sentidos configura interpretações sócio-culturais, a polissemia, dos signos e significados. Logo, são possibi-lidades temporais – e não certezas – onde a aprendizagem, entendida e assumida como processo sócio-cultural, requer práticas educadoras ético-politicamente diferencia-das, na qual os princípios da Ação Dialógica e demais pedagogias freireanas (FREIRE, 1975, 1997, 2011) são fundamentais.

Nesta direção, a perspectiva ético-política do Etnodesenvolvimento enunciado há tem-pos por Rodolfo Stavenhagen (1985) e ressig-nificado por Paul Little (2002), prioriza: o de-senvolvimento econômico dos grupos étnicos e o desenvolvimento da etnicidade dos grupos sociais; a satisfação das necessidades das po-pulações locais – bens essenciais, necessários a elevação dos padrões de vida; visão interna, endógena dos meios de produção; o aproveita-mento das tradições culturais locais, visando a auto-sustentação; o respeito e não-destruição do meio ambiente; a utilização de estratégias de desenvolvimento mais participativas e me-nos tecnocráticas; o reconhecimento e a com-preensão das mulheres e crianças (e idosos)5, não-visíveis até então, na dinâmica do desen-volvimento local. Para tanto, o Etnodesenvol-vimento (op.cit) necessita de políticas públicas voltadas para as pessoas que moram, vivem e trabalham nos Mundos da Vida Rural.

Esse é o contexto tematizado na pesquisa “Ações de ATER como EJA: impactos e Indi-cadores Territoriais de Avaliação para a sus-tentabilidade de famílias de agricultores e for-mação extensionista” 6, em cujas atividades “de campo” foi desenvolvida e realizada uma pro-posta de Avaliação Participativa dos impactos locais e regionais – ou melhor, territoriais – das ações de ATER na modalidade de forma-ção profissional de agricultores e agricultoras familiares. Contudo, esta Avaliação situa-se na mesma epistemologia que sustenta a EJA no Campo, de modo a ser considerada como parte dos processos de aprendizagem das pes-soas envolvidas e disseminados, indissociavel-mente, nos respectivos Currículos-em-ação7.

2 MÉTODOS PARA AVALIAÇÃO PARTICIPATIVA DE ATER: PESQUISA-AÇÃO EDUCADORA E PESQUISA PARTICIPANTE

Na pesquisa referida propus a articulação dos seguintes métodos qualitativos: certa modali-dade de Pesquisa-Ação Educadora (ELLIOT, 1997) com uma equipe de extensionistas rurais--instrutores8 dos Cursos de Formação Profissio-nal de Fruticultura e Processamento Artesanal de Carne Suína-Embutidos oferecidos no Centro de Formação de Agricultores de Bom Progres-so/RS-CETREB e uma Pesquisa Participante (BRANDÃO, 1984) com quatorze agricultores e agricultoras familiares egressos dos cursos refe-ridos e suas famílias, cujas propriedades estão distribuídas em nove municípios9 da Região No-roeste Colonial do Rio Grande do Sul10.

Considerando a Multifuncionalidade (CA-ZELLA, BONNAL, MALUF, 2009) típica da Agri-cultura Familiar nestas propriedades, focalizamos atividades em espaços “fechados” – as microagroin-dústrias familiares – e “abertos” – os pomares.

Além disso, em ambos os métodos foi funda-mental o adensamento das percepções e qualifi-cação das informações coletadas (para os deba-tes subsequentes) possibilitados pela assunção de certa perspectiva etnográfica (MATTOS, 2001) em nossas práticas de pesquisa.

5 Parênteses acrescentados pelo autor. 6 Referente a minha Tese de Doutorado em fase final

de escrita no PGDR/UFRGS - Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

7 Currículo-em-ação é aquele que está sendo executado efetivamente entre educandos e educadores em determinado tempo-espaço e configurado pelos saberes envolvidos, as ações ético-político-pedagógicas, os materiais didáticos e de apoio utilizados e as respectivas construções de sentido e concep-ções de Mundo em debate, bem como suas formas de registro.

8 Abel Toquetto, Elaine Maria Schons, Izabel Rosani Cunha Arbo, Gilberto Bortolini, Gilberto Pozzobon, João Schommer, Oldemar Weiler e Rejane Carla Gollo Fornari.

9 Bom Progresso, Campo Novo, Crissiumal, Esperan-ça do Sul, Humaitá, Miraguaí, Santo Augusto, Tenente Portela e Três Passos.

10 Esta região apresentava o menor Índice de Desen-volvimento Humano – IDH do estado, o que justifica nossa preocupação com o impacto das ações educadoras em ATER junto àquelas pessoas no Campo.

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A Pesquisa-Ação Educadora (op.cit) orien-tou os encontros iniciais para os debates e elaboração dos primeiros Indicadores Territo-riais de Avaliação da ATER – IndicATER/For-mação Profissional de Agricultores e Agricul-toras Familiares para, posteriormente, serem ressignificados ou validados nos momentos da “pesquisa de campo.” De posse dos dados em-píricos, voltávamos a nos reunir para realizar as respectivas análises e meta-análises confi-gurando, pois, uma formação continuada em serviço dos extensionistas rurais-instrutores.

Por sua vez, a modalidade de Pesquisa Par-ticipante (BRANDÃO, 1984) definida pela equipe orientou nossas estratégias para a re-alização de Entrevistas Semi-Estruturadas com os egressos e suas famílias nas respecti-vas propriedades. Nestas, utilizamos um ins-trumento onde foram sistematizados nossos IndicATER para criarmos possibilidades de perceber, registrar, representar, e analisar os significados e os sentidos construídos pe-los egressos e egressas dos cursos de forma-ção profissional focalizados, bem como pela própria equipe de pesquisadores e pesquisa-doras, durante os diálogos então realizados. Além disso, fomos autorizados a registrar as entrevistas em vídeo, mediante Termo de Consentimento Livre e Esclarecido-TCLE,

conforme regula a Comissão de Ética da Uni-versidade Federal do Rio Grande do Sul. Os registros em vídeo foram uma ferramenta importante nas análises realizadas poste-riormente, devido a quantidade e diversidade de informações tornadas visíveis pela postu-ra dialógica que assumimos.

Nestas visitas realizamos, também, certa Leitura de Paisagem (VERDEJO, 2006) tanto para visualizarmos as possíveis incorporações cotidianas dos saberes técnico-tecnológicos supostamente aprendidos nos cursos em ques-tão, quanto para realizarmos um levantamen-to de demandas manifestadas pelos egressos e egressas ao contrastarem temáticas dos cursos com as necessidades cotidianas e demais inte-resses ainda não-contemplados. Nesses mo-mentos de diálogos interculturais, ocorriam também, ações específicas de ATER a medi-da que os agricultores e agricultoras egressos aproveitavam a presença dos extensionistas rurais-instrutores em suas propriedades para questioná-los acerca de diversos aspectos prá-ticos vistos ou não nos cursos realizados.

Os IndicATER referidos eram constituídos por 69 descritores, divididos em 23 catego-rias e 04 temáticas diferentes, sendo que es-tas últimas estão representadas no Quadro 1, abaixo.

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A Figura 1 abaixo representa as diferen-tes instâncias que configuraram a Avaliação Participativa desenvolvida na pesquisa já re-ferida, na seguinte sequência: 1) iniciávamos pela elaboração dos IndicATER no CETREB; 2) realizávamos as visitas do “Pós-Curso”; 3)de volta ao CETREB, estudávamos as infor-mações coletadas de modo a replanejar as próximas visitas, configurando as Bases de Dados Empírica e Analítica; 4) realizávamos novas visitas; 5) voltávamos ao CETREB para

nova rodada de estudo das informações cole-tadas. O conjunto destas, devidamente ana-lisadas constituíam, então, a “Base de Dados Territoriais” a partir da qual cruzávamos as informações dos diferentes IndicATER para definirmos, finalmente, quais seriam aprovei-tadas tanto no redesenho dos currículos dos cursos do CETREB, quanto nas possíveis ade-quações das respectivas práticas educadoras, além das implicações para as demais ações de ATER locais.

É importante destacar que todos os momen-tos de Pesquisa-Ação e Pesquisa Participante configuraram processos de aprendizagem éti-co-politicamente percebidos, planejados e exe-cutados como sendo também uma modalidade de EJA, na busca de tornar visíveis à equipe de pesquisa quais são e como ocorrem as dife-rentes construções de sentido (e as ações-refle-xões-novas ações) acerca das atividades reali-zadas na formação profissional de agricultores e agricultoras familiares, mediante o contraste com os respectivos Mundos da Vida Rural.

Entretanto, propostas de Avaliação Parti-cipativa são tematizadas há muito tempo na EJA, enquanto modalidade de Educação Po-

pular, inserindo-se em determinada concep-ção de Currículo devidamente impactada pela crítica pós-estruturalista, a partir da qual não se separa dicotomicamente a “avaliação” dos processos de aprendizagem e das respectivas práticas educadoras (VEIGA-NETO, 1996). Assim, a “avaliação” é considerada, planejada e executada como processo participativo nas desejadas aprendizagens tanto pela reprodu-ção de significados selecionados pelos educa-dores, quanto pela produção de novos sentidos acerca destes, mediante os impactos das terri-torialidades culturais das pessoas envolvidas – educandos e educadores, no caso, agriculto-res/as e extensionistas rurais-instrutores/as.

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3 IMPACTOS DOS MÉTODOS PARTICIPATIVOS NA AVALIAÇÃO DA ATER/FORMAÇÃO PROFISSIONAL NA AGRICULTURA FAMILIAR

[...] se não tivéssemos feito do jeito que fize-mos, não teríamos visto tudo o que registra-mos e o que não registramos [...]11

A proposta de Avaliação Participativa de-senvolvida criou possibilidades de perceber, registrar, representar, e analisar os significa-dos e os sentidos construídos pelos egressos e egressas dos cursos de formação profissional focalizados, bem como pela própria equipe de pesquisadores e pesquisadoras e incorpora-dos (ou não) nos respectivos cotidianos de tra-balho no Centro de Formação de Agricultores de Bom Progresso/RS - CETREB.

Nesta Avaliação Participativa, a partici-pação das pessoas não é mera adjetivação ao método, de modo que para assumi-las e suas diversidades culturais tanto no desenvolvi-mento da proposta, quanto na execução, re-gistro e análise das informações territoriais em questão, foi necessário exercitarmos um conjunto de princípios ético-políticos (que também fundamentam esta EJA no Campo) na busca de superar tanto o modelo classi-ficatório, excludente e linear/unidirecional/verticalizado de Avaliação constituído na esteira da versão brasileira do Difusionismo (ROGERS, 2003) e do Ensino Tecnicista (pelo menos) desde os idos de 1950, quanto a visão instrumental ainda utilizada a serviço de de-terminada concepção de Gestão Pública em ATER.

Na direção dessa superação, o método de Avaliação Participativa realizado investiu numa micropolítica de gestão participativa das ações de ATER/formação profissional de agricultores/as, visto que os/as egressos/as opinaram diretamente acerca da busca de soluções para algumas situações-problema transformadas em IndicATER. Tais opiniões configuravam os sentidos produzidos pelos mesmos na respectiva territorialidade cul-tural, frente àqueles/as responsáveis pela

11 Frase de um dos extensionistas rurais-instrutores da equipe de pesquisa em nossa última reunião de deba-te sobre as atividades realizadas, representando o que não é “óbvio”: a percepção do aprofundamento reflexivo inerente aos processos participativos vivenciados.

12 Muitos agricultores e agricultoras pagam pessoal-mente os cursos de formação profissional desejados.

execução das referidas ações – os/as extensio-nistas rurais-instrutores/as. Por conseguinte, tanto estas opiniões, quanto as análises rea-lizadas pela equipe de pesquisa constituíram uma Base de Dados para possíveis readequa-ções dos investimentos públicos ou pessoais12 às necessidades específicas daquelas territo-rialidades culturais.

Isto é corroborado na opinião de alguns ex-tensionistas rurais-instrutores da equipe de pesquisa ao serem questionados acerca das contribuições da Avaliação Participativa nes-sas ações de ATER.

[...] tem sido importante ferramenta, permi-tindo identificar o que de fato o curso con-seguiu contribuir para o conhecimento dos agricultores que fazem o curso e também do próprio agricultor avaliar que aprendizado foi importante e útil para as atividades que desenvolve. Desta forma permite um repla-nejamento das temáticas, dos conteúdos e formas de abordagem didático pedagógica das temáticas propostas pelo curso [...] (Ex-tensionista A)[...] é uma maneira de se ter uma permanen-te forma de avaliação do processo, visto que este é dinâmico tanto quanto na sua execu-ção, quando realizado junto ao centro, como quando isso passa a ser aplicado no dia a dia dos agricultores/as [...] (Extensionista B)[...] todas as capacitações/formações ou mes-mo ações de Ater procuramos afinar mais o foco sobre a realidade das famílias conside-rando os diferentes públicos trabalhados. Ajuda a redirecionar formas de exposição/discussão de conteúdos pelo melhor enten-dimento das formas de aprendizagem dos agricultores/cursandos. Pequenos cuidados em abordar conteúdos de forma simples e com vinculações concretas à vida dos agri-cultores [...] (Extensionista C)

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Por sua vez, o contato direto dos/as exten-sionista rurais-instrutores/as com os egres-sos/as dos respectivos cursos de formação profissional realizados como ações de ATER possibilitou perceberem-se e assumirem-se como protagonistas nos processos de ação--reflexão-nova ação individuais e coletivos, por conseguinte, como educadores de jovens e adultos no Campo, incitando suas reflexivi-dades (tanto nos momentos de Pesquisa Par-ticipante, quanto nos de Pesquisa-Ação) de tal forma que as necessidades de mudanças imediatas nas práticas educadoras e nos pro-jetos curriculares em questão foram assumi-das como inéditos viáveis, minimizando, pois, possíveis conflitos epistemológicos diante das novidades (PLOEG, 2004) avistadas.

Contudo, é importante referir que esta proposta de Avaliação Participativa era alienígena aos cotidianos dos educadores--extensionistas rurais-instrutores e, por isto, poderia ser análoga à idéia de “inovação tec-nológica” (ROGERS, 2003). Contudo, tal pos-sibilidade não se confirmou na prática, visto que a proposta inicial foi completamente re-configurada a partir dos processos de signifi-cação pessoal e coletiva, gerando, pois certa novidade local, territorial, endógena, multir-referenciada, complexa e carregada de senti-dos apreendidos, debatidos reflexivamente e

assumidos pela equipe de pesquisa.De fato, essa percepção dos processos de

construção de sentidos emerge em outras fa-las dos extensionistas rurais-instrutores en-trevistados acerca das contribuições da Ava-liação Participativa, desta vez, para suas formações em serviço:

[...] sendo a avaliação feita pelos participan-tes do processo de aprendizagem, podemos identificar as melhorias que precisam ser feitas na forma de abordagem das temáti-cas, nos conteúdos que precisam ser traba-lhados com agricultores. Então a avaliação participativa é um processo de formação constante como extensionista. [...] (Exten-sionista A)[...] para minha postura como instrutor junto ao Centro-Cetreb, me impulsiona a refletir sobre a maneira de como estamos atuando junto a um público que é bastante heterogêneo na sua formação e nas suas ap-tidões. Além do que é possível refletir sobre o alcance do que esta formação representa para as pessoas envolvidas. [...] (Extensio-nista B)[...] nós achamos que conhecemos a reali-dade e, em em razão disso, montamos os conteúdos do curso. Essa aproximação na avaliação participativa permite essa melhor compreensão da realidade. [...] (Extensio-nista C).

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Outra característica do nível de participação das pessoas nesta proposta de Avaliação Parti-cipativa é que nossa postura dialógica junto aos egressos/as possibilitou-lhes assumirem a posi-ção de interlocutores interessados em aproveitar a presença dos extensionistas rurais-instrutores nas suas propriedades para questioná-los acer-ca das necessárias adequações de seus conheci-mentos específicos às realidades encontradas. Assim, os diálogos estabelecidos nesta proposta de Avaliação Participativa foram ressignifica-dos como, também, uma ação de ATER.

Por sua vez, outras propostas de Avaliação de ATER que também utilizam “métodos par-ticipativos” ou “monitoramento participativo” (CULTIVA, 2007; GUIJT, 1999) consideram os agricultores/as como meros “informantes”, buscando a coleta de informações sem que os pesquisadores, necessariamente, realizem uma visita ás respectivas propriedades. Assim, há o risco destes manipularem dados que são, tão so-mente, certa representação discursiva acerca da territorialidade cultural dos informantes, sem a possibilidade de qualquer contraste via ação dialógica dos pesquisadores diretamente no lu-gar e território à que se referem. Também exis-tem propostas (INCAPER, 2011) nas quais as participações das pessoas no Campo e das insti-

tuições executoras parecem estar circunscritas, ainda, ao fornecimento de informações adequa-das para o controle regimental das ações defi-nidas a priori pelas instituições financiadoras e pelas metas e objetivos das políticas de governo.

De outra forma, na lógica e na ética desta EJA no Campo, é importante mencionar que a maioria das visitas que realizamos produziu o sentido de mais do que uma “visita de Avaliação Pós-Curso”, mas sim a grata satisfação dos agri-cultores e agricultoras, como pessoas no Campo, em receber nas suas casas outras pessoas que não viam há tempos. Haja visto que o tempo de-corrido entre a realização dos cursos de Embuti-dos e Fruticultura e as visitas referidas variava entre dois a cinco anos, sendo que neste período não houve contato semelhante entre egressos/as e os/as respectivos/as extensionistas rurais-ins-trutores/as. Assim, as recepções sempre foram acompanhadas de sorrisos e contação de causos familiares a partir dos cursos realizados no CE-TREB e/ou via outras instituições de ATER, fa-cilitando a busca mútua de informações acerca: da atualização de aspectos técnico-tecnológicos dos cursos em questão, da qualidade de vida das famílias, das condições de trabalho nas proprie-dades, dos demais serviços de ATER e políticas públicas disponíveis.

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REFERÊNCIAS

Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 2, p. 49-57, maio/ago. 2012