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AVALIAÇÃO EXPERIMENTAL DA FORÇA DE ATRITO DURANTE O PROCESSO DE CORTE POR ARRANQUE DE APARA Júlio Alexandre Couto Carilho Dissertação para a obtenção do Grau de Mestre em Engenharia Mecânica Júri Presidente: Doutor Pedro Miguel dos Santos Vilaça da Silva Orientador: Doutor Pedro Alexandre Rodrigues Carvalho Rosa Vogais: Doutor Paulo António Firme Martins Outubro de 2007

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AVALIAÇÃO EXPERIMENTAL DA FORÇA DE ATRITO

DURANTE O PROCESSO DE CORTE POR

ARRANQUE DE APARA

Júlio Alexandre Couto Carilho

Dissertação para a obtenção do Grau de Mestre em

Engenharia Mecânica

Júri

Presidente: Doutor Pedro Miguel dos Santos Vilaça da Silva

Orientador: Doutor Pedro Alexandre Rodrigues Carvalho Rosa

Vogais: Doutor Paulo António Firme Martins

Outubro de 2007

I

Agradecimentos

A tese apresentada consistiu de um trabalho muito gratificante, pelo que se torna inevitável o

manifesto de agradecimento ao conjunto de entidades que, através do seu contributo e

disponibilidade, possibilitaram a sua realização.

Assim, é desejo do autor aduzir os mais sinceros agradecimentos ao orientador, Professor

Pedro Alexandre Rodrigues Rosa, pela magnifica colaboração e empenho demonstrados, o

qual esteve sempre presente, sacrificando grande parte do seu tempo no acompanhamento

exaustivo deste trabalho, demonstrando um grande espírito de motivação e grande amizade.

O autor quer ainda expressar o mais profundo reconhecimento pela disponibilidade do Eng.

Valentino Anok Melo Cristino da Secção de Tecnologia Mecânica por todo o companheirismo e

atenção dispendida neste trabalho, assumindo um verdadeiro papel de orientador durante

grande parte dos trabalhos.

Ao colega Carlos Manuel Alves da Silva, pelo contributo prestado na concepção de

componentes indispensáveis à realização desta tese, em detrimento do seu tempo.

Por último, é vontade do autor agradecer ao Laboratório da Secção de Tecnologia Mecânica, na

pessoa do Técnico de Laboratório, Sr. Carlos Farinha, pela experiência e técnica demonstradas

nos trabalhos de fabrico dos equipamentos.

II

III

Resumo

Esta tese apresenta um estudo de natureza teórico-experimental do corte por arranque de apara,

direccionado para a avaliação da força de atrito ao longo da face de ataque da ferramenta de corte.

Sendo que o estudo do corte tem ainda uma índole paradoxal em inúmeros aspectos, desde há cerca de

um século, onde se podem incluir os fenómenos geradores do atrito ao longo da interface ferramenta –

apara, pretendem-se individualizar certos parâmetros e mecanismos. Desta forma pretende-se dar um

contributo para uma melhor compreensão da física por detrás das forças de atrito.

De modo a tirar o melhor proveito dos ensaios realizados e aumentar a credibilidade dos mesmos, foi

elaborado um plano de ensaios bastante completo, através do qual foi possível fazer convergir os

parâmetros reguladores do processo de corte ortogonal, no decorrer das diferentes metodologias. Os

trabalhos foram realizados em condições controladas de velocidade de forma a minimizar a

interdependência entre os parâmetros, quer ao nível do corte/deformação, quer ao nível do

escorregamento.

Através da utilização de três metodologias distintas, pretende-se nesta tese quantificar e interpretar os

valores de atrito, direccionando a análise para o atrito de contacto entre novas superfícies (superfícies

virgens), que não é mais do que acontece ao nível da face de ataque da ferramenta de corte.

A observação/crítica dos resultados experimentais conduz a uma correlação razoável com os resultados

e propostas encontradas na literatura.

IV

V

Abstract

This thesis reveals an investigation based on the experimentation, concerned with the assessment of the

friction in the tool’s rake face, during the metal cutting process.

As the metal cutting theories are still involved in many paradoxes, in which we can include the sum of the

phenomena that generates the friction along the rake face in the interface tool – chip, we need to

individualize a certain number of parameters and basic mechanisms. Only acting this way, we can go

forward into the future, and reach a new explanation about the friction conditions that lies in the metal

cutting.

In order get the most profit of the tests carried out in this work and increase the credibility of them, it was

elaborated an entire plan of experiments. With it, it was possible to set up a convergence of the main

parameters of the orthogonal metal cutting process, during the realization of the different sort of tests. All

the work was accomplished at the appropriate speed, in order to get minimized the interdependency

between cutting parameters.

Trough the operation of three different methodologies, we look forward to evaluate and be aware of the

friction values, redirecting this analysis for the contact friction that takes place between new surfaces. In

fact, it’s that kind of friction conditions we can find in the tool’s rake face.

The analysis of the experimental results upholds a certain level of correlation with the results and

assumptions that appear in the relevant literature.

VI

VII

Palavras-chave

Tribologia

Coeficiente de atrito

Adesão

Corte por arranque de apara

Corte ortogonal

Keywords

Tribology

Friction coefficient

Adhesion

Metal cutting

Orthogonal metal cutting

VIII

IX

Conteúdo

Agradecimentos I Resumo III Abstract V Palavras-chave VII Keywords VII Conteúdo IX Lista de tabelas XI Lista de figuras XIII Lista de símbolos XVII Abreviaturas XIX Nomenclatura XIX

1 INTRODUÇÃO 1

2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS 3

2.1 Tribologia 3 2.1.1 Atrito 4 2.1.2 Modelos de atrito 10 2.1.3 Métodos de quantificação do atrito 15

2.2 Corte por arranque de apara 21 2.2.1 Definições básicas 22 2.2.2 Revisão bibliográfica 25 2.2.3 Mecanismo de formação da apara 26

3 Desenvolvimento experimental 31

3.1 Materiais da interface 32 3.2 Aparato experimental 33

3.2.1 Ensaio de corte 33 3.2.2 Ensaio de anel 35 3.2.3 Ensaio de pino no disco 36

3.3 Plano de ensaios 42 4 Resultados e discussão 45

4.1 Ensaio de corte 45 4.2 Ensaio de anel 50 4.3 Pino no disco 51

4.3.1 Avaliação do atrito em função da carga normal 52

4.3.2 Evolução do atrito com o incremento da velocidade relativa 54 4.3.3 Influência do mecanismo da adesão 56

5 Conclusões e trabalhos futuros 61

Referências 63

X

XI

Lista de tabelas

Tabela 3.1 – Principais propriedades mecânicas e metalúrgicas do chumbo puro.

Tabela 3.2 – Propriedades físicas do lubrificante Lactuca MS 7000.

Tabela 3.3 – Plano dos ensaios realizados para a aferição da força de atrito no processo de corte

ortogonal.

Tabela 3.4 – Quadro resumo dos ensaios com o equipamento de pino no disco.

Tabela 3.5 – Plano para os ensaios do anel de Cockcroft – Male.

Tabela 4.1 – Valores dos coeficientes e ângulos de atrito para diferentes condições de lubrificação no

processo de corte ortogonal (com ângulo de ataque nulo).

Tabela 4.2 – Valores dos factores, coeficientes e ângulos de atrito para diferentes condições de

lubrificação no ensaio de anel de Cockcroft – Male.

Tabela 4.3 – Quadro resumo dos valores do coeficiente e ângulo de atrito nos ensaios de avaliação da

força de atrito em função do carregamento normal.

Tabela 4.4 – Quadro resumo dos valores do coeficiente e ângulo de atrito nos ensaios de avaliação da

força de atrito em função do incremento da velocidade da interface.

Tabela 4.5 – Valores da variação da força coeficiente e ângulo de atrito devido à ocorrência do fenómeno

da adesão.

Tabela 4.6 – Resumo dos valores dos coeficientes e ângulos de atrito determinados ao longo dos

processos utilizados neste trabalho.

XII

XIII

Lista de figuras

Figura 2.1 – Esquema do contacto entre a superfície da peça (apara) e a ferramenta de corte com um

regime de tensão variável ao longo da face de ataque.

Figura 2.2 – Aspecto real de uma superfície acabada.

Figura 2.3 – Esquematização microscópica dos mecanismos que geram o atrito.

Figura 2.4 – Espécimes utilizados nos estudos de Leonardo da Vinci.

Figura 2.5 – Representação esquemática das principais leis de atrito usadas em engenharia, mostrando a

tensão de atrito numa interface sólido – sólido, como uma função da pressão normal.

Figura 2.6 – Ferramentas utilizadas na determinação do factor de atrito no ensaio do anel.

Figura 2.7 – Comportamento do anel durante a compressão (forjamento).

Figura 2.8 – Representação da malha deformada durante a simulação do ensaio de anel.

Figura 2.9 – Esboço do aparelho de pino no disco e curva típica do coeficiente de atrito medida.

Figura 2.10 – Representação do processo de corte experimental com a utilização de uma Split tool.

Figura 2.11 – Representação esquemática dos cortes: oblíquo e ortogonal.

Figura 2.12 – Representação bidimensional do corte ortogonal (geometria de corte).

Figura 2.13 – Representação esquemática do processo de aferição das três componentes (Fc, Fp, Fz) que

contribuem para o vector da força resultante (FR).

Figura 2.14 – Representação das zonas de corte do processo de corte por arranque de apara.

Figura 2.15 – Influência das condições de atrito na correspondência entre o comprimento de contacto (lc),

ângulo do plano de corte (φ) e configuração geométrica da apara.

Figura 2.16 – Distribuição das tensões normais e de corte (atrito) no plano de ataque da ferramenta e ao

longo da apara.

XIV

Figura 2.17 – Ciclos dos carregamentos W e F na interface em regime estacionário.

Figura 3.1 – Chumbo utilizado nos ensaios para os vários processos: a) corte, b) ensaio do anel, c) pino

no disco.

Figura 3.2 – Material usado para simular a face de ataque de uma ferramenta de corte: a) processo de

corte ortogonal (AISI 304L), b) ensaio do anel, c) pino no disco (aço – ferramenta K100).

Figura 3.3 – Componentes do equipamento de corte: a) prensa hidráulica, b) fixador do espécime

montado sobre o sensor piezoeléctrico, c) ferramenta de corte e respectivo suporte, d) equipamento em

operação.

Figura 3.4 – Esquematização do processo de corte ortogonal para aferição do valor de atrito no processo.

Figura 3.5 – Representação do SAD.

Figura 3.6 – Ilustração esquemática de um espécime do ensaio do anel: a) antes da compressão, b)

durante uma simulação, com atrito reduzido.

Figura 3.7 – a) Motor equipado com variador de frequência e redutor; b) fabrico da estrutura para suporte

do equipamento.

Figura 3.8 – Braço móvel para suporte da célula de carga e pino: a) em fase de concepção; b) ajustado à

estrutura e c) durante um ensaio.

Figura 3.9 – Fases do desenho de projecto do equipamento.

Figura 3.10 – Equipamento de monitorização da velocidade de rotação: a) encoder ajustado ao topo

posterior do rotor do motor; b) tacómetro c) na fase de instalação ao circuito impresso.

Figura 3.11 – a), b) e c) Fases de projecto e concepção do circuito onde se incorporou o divisor de sinal e

d) adaptação à estrutura do equipamento de pino no disco.

Figura 3.12 – Operação do divisor de sinal (flip flop).

Figura 3.13 – Fases do fabrico da célula de carga.

XV

Figura 3.14 – Curva de calibração e equação que relaciona a leitura efectuada pela célula de carga com

a força tangencial efectiva para um carregamento normal de 45,55N.

Figura 3.15 – a) Amplificador de sinal da Vishay; b) Esquema representativo da avaliação do atrito com a

utilização do equipamento de pino no disco.

Figura 3.16 – Vista dos ensaios realizados a) em condições de atrito seco e b) com a utilização de

lubrificante. c) Vista em pormenorizada do painel frontal do sistema de aquisição de dados.

Figura 3.17 – Equipamento de pino no disco durante um ensaio de avaliação do atrito. Tabela das

principais características do equipamento.

Figura 3.18 – a) Artifício utilizado para quantificar o atrito no contacto entre novas superfícies, composto

por uma lâmina em aço; b) aspecto espelhado da superfície do pino, após ser submetido à passagem

pela lâmina.

Figura 3.19 – Vista ampliada do processo de corte com ângulo de ataque (α) nulo e correspondência

entre forças.

Figura 4.1 – Evolução das forças normal e de atrito durante um ensaio de corte ortogonal, com um ângulo

de ataque da ferramenta de corte nulo, sem lubrificante.

Figura 4.2 – Evolução das forças normal e de atrito durante um ensaio de corte ortogonal, com um ângulo

de ataque da ferramenta de corte nulo, com interface lubrificada.

Figura 4.3 – Passagem do regime a) transiente para o b) estacionário no corte ortogonal.

Figura 4.4 – Configuração geométrica da apara para condições de atrito a) elevadas e b) baixas.

Figura 4.5 – Variação do coeficiente (ângulo) de atrito durante o processo de corte para diferentes

condições (seco e lubrificado).

Figura 4.6 – Valores experimentais dos ensaios de corte ortogonal ilustrando a relaçao entre a força de

corte e a força de atrito desenvolvida ao longo da face de ataque da ferramenta de corte para as

diferentes condicoes de lubrificaçao (α = 0º).

XVI

Figura 4.7 – Curvas de calibração do factor de atrito (m) e resultados experimentais a) sem e b) com

lubrificação.

Figura 4.8 – Evolução da força de atrito em função do carregamento normal para ambas as condições de

lubrificação.

Figura 4.9 – Evolução da força de atrito em função do incremento da velocidade para ambas as

condições de lubrificação.

Figura 4.10 – Avaliação da influência do mecanismo da adesão na força de atrito para um carregamento

normal de a) 9,55 N e b) 106,4 N.

XVII

Lista de símbolos

Fa – Força de atrito

FN – Força normal à direcção de escorregamento

Fe – Força de atrito estático

Fc – Força de atrito cinético

AB – Extensão do plano de corte

Rc – Grau de encalque

FR – Força resultante

Fc – Força de corte

Fp – Força de penetração

Fz – Componente da força do corte paralela à aresta de corte

Wc – energia consumida durante o processo de corte

Vc – Velocidade de corte

A0 – Secção da apara não deformada

ks – Pressão especifica de corte

lc – Comprimento de contacto entre a apara e a face de ataque da ferramenta de corte

w – Largura da apara (medida paralelamente ao sentido da aresta de corte)

W – Carregamento cíclico sobre uma aspereza (Coeficientes de atrito superiores à unidade)

F – Força de escorregamento (Coeficientes de atrito superiores à unidade)

Vi – Velocidade relativa entre pino e disco (Pino no disco)

∆T0 – Variação de altura entre a espessura do anel (após carregamento)

Rn – Posição radial da linha neutra

Ri – Raio interior do anel

R0 – Raio exterior do anel

p – Tensão normal

k – Tensão de corte máxima do material

t - Tempo

f – Constante representativa da tensão de corte na interface (modelo de atrito de Coulomb); factor de

atrito (modelo de atrito de Wanheim – Bay)

XVIII

m – Factor de atrito (modelo de atrito de Prandtl)

ur – Velocidade relativa entre superfícies (modelo de atrito de Wanheim – Bay)

τ – Tensão de corte derivada da força de atrito

σe – Tensão de cedência do material em compressão

µ – Coeficiente de atrito global

µa – Coeficiente de atrito devido à adesão

µp – Coeficiente de atrito devido à formação de sulcos

µf - Coeficiente de atrito devido à deformação de camadas de óxidos

µpart - Coeficiente de atrito devido à presença de corpos exteriores (óxidos)

µe – Coeficiente de atrito estático

µc – Coeficiente de atrito cinético

πf – Potência consumida devida ao atrito

α – Razão entre as áreas real e aparente (modelo de atrito de Wanheim – Bay)

α – Ângulo de ataque da ferramenta de corte

β – Percentagem de área real (em contacto) sobre a área total da interface (modelo de atrito de

Coulomb)

β – Ângulo de atrito (arctg µ)

σ – Ângulo de saída da ferramenta de corte

ω – Ângulo de obliquidade da aresta de corte

φ – Ângulo do plano de corte

Ø – Diâmetro da secção circular do pino

XIX

Abreviaturas

CFC Cúbico de faces centradas

FAD Frequência de aquisição de dados

MEF Modelação em elementos finitos

SAD Sistema de aquisição de dados

ipr impulso(s) por revolução

ips impulso(s) por segundo

rpm rotações por minuto

rps rotações por segundo

rms root mean square

Nomenclatura

UTL Universidade Técnica de Lisboa

IST Instituto Superior Técnico

STM Secção de Tecnologia Mecânica

ISO International Organization of Standardization

AISI American Iron and Steel Institute

ASTM American Society for Testing and Materials

ASME American Society of Mechanical Engineers

XX

1

1 INTRODUÇÃO

A tribologia é a ciência que estuda a interacção de duas superfícies em movimento relativo entre eles que

envolve dissipação de energia e o seu objectivo é compreender a física e a mecânica de contacto entre

as interfaces.

Na recente publicação de Astakhov [1], durante a operação de corte, só 30 a 50% da energia é

consumida para a separação da apara do bruto de maquinagem. Isto leva a que 40 a 75% seja gasto no

processo tribológico não optimizado, i.e., a maior parte da energia requerida pelo sistema é consumida

para vencer o atrito entre as superfícies em contacto. Consequentemente ocorre o aumento drástico da

temperatura da ferramenta. Infelizmente, mesmo que a grande parte da energia consumida durante a

operação seja dissipada sob a forma de calor devido ao atrito, durante anos, os investigadores focaram

as suas atenções na zona de deformação em vez nos aspectos tribológicos no corte. Durante os últimos

anos, a tribologia no corte por arranque de apara é normalmente confundida com o estudo do desgaste e

do tempo de vida das ferramentas. Este é, na realidade, um dos campos mais aplicados desta ciência.

Vários autores [2], [3], [4] sugeriram que o atrito na face de ataque é um mecanismo composto por:

bloqueio mecânico das asperezas superficiais; quebra das asperezas da superfície mais dura através dos

dois metais mais dúcteis em escorregamento; formação de junções metálicos através de soldaduras das

asperezas. É difícil dizer qual dos fenómenos se contribui mais na resistência ao movimento, quando um

material mais dúctil desliza sobre um outro mais duro. As técnicas experimentais utilizadas para estudar o

atrito no corte foram evoluindo ao longo dos anos, recorrendo desde a modelos de plasticina [2],

ferramentas com comprimento de contacto controlado, quer na face de ataque, quer na face de saída [5]

e também com ferramentas de material fotoelástico [6] para observar a distribuição de tensões na

ferramenta.

Resultados experimentais obtidos por vários investigadores [7], mostraram que o coeficiente de atrito no

processo, para pequenos ângulos de ataque, pode variar desde 0.5 a 1.0 e até mesmo 5. Esta é de facto

uma questão interessante, porque não é possível o material transmitir tensões de corte superior ao

admissível. Alguns desses fenómenos podem ser explicados com a ocorrência de adesão na face de

ataque como Bay e Wanheim (1976) [8] observaram o escoamento de asperezas instável com o aumento

da área de contacto superior ao esperado em materiais sem encruamento.

O estudo do atrito no corte por arranque de apara em metais é muito difícil devido à zona de estudo ser

localizado numa pequena área, junta à aresta do corte e na face de ataque, de difícil acesso onde ocorre

vários fenómenos. É neste âmbito que este trabalho é desenvolvido ao tentar identificar e separar as

várias componentes do atrito durante a operação do corte ortogonal.

2

Dado à importância fundamental do atrito para a compreensão do processo do corte por arranque de

apara e, face às dificuldades encontradas para a sua avaliação, este trabalho procura encontrar meios

para isolar e estudar os fenómenos que ocorrem junto à zona de separação da apara. Para tal são

aplicados vários métodos de avaliação já conhecidos.

O principal contributo desta investigação prende-se com a análise e avaliação da presença de superfícies

recém-formadas, ao nível da aresta de corte, e a sua interferência no valor do atrito ao nível da face de

ataque da ferramenta de corte.

A presente dissertação está estruturada em cinco capítulos. A primeira apresenta as motivações e

objectivos do trabalho.

O segundo capítulo abrange os fundamentos teóricos necessários para a compreensão do trabalho,

começando pela tribologia e modelos de atrito e os métodos de quantificação do atrito utilizados,

passando pela breve descrição do processo tecnológico de corte por arranque de apara.

O desenvolvimento do aparato experimental, assim como os resultados e discussão dos mesmos,

encontram-se descritos nos capítulos três e quatro. E por fim, as conclusões e as perspectivas para

trabalhos futuros são apresentadas no capítulo cinco.

3

2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS

O estudo do atrito durante o processo de corte por arranque de apara, em conjunto com outros assuntos,

tais como a propagação e o modo da fractura e o estudo da geometria do corte, tem vindo a sentir uma

evolução contínua desde os finais do século XIX (Tresca – 1878 e Mallock – 1881-82) [76] e [21]. Hoje

em dia já existem métodos analíticos e de modelação em elementos finitos bastante sofisticados que

permitem obter soluções para o corte. Neste capítulo será abordada a fundamentação teórica, do ponto

de vista da tribologia, no que concerne ao atrito e seus mecanismos e consequências durante o processo

de corte por arranque de apara.

2.1 Tribologia O atrito teve sempre um papel fundamental na nossa história, as duas invenções mais importantes do

Homem estão relacionados com o atrito: o manuseamento do fogo e a descoberta da roda. O seu estudo

e compreensão são uma necessidade natural no desenvolvimento de qualquer processo de fabrico e

aplicações no nosso dia-a-dia.

O termo “Tribologia” deriva da palavra grega Tribo que tem como tradução “roçar” ou “friccionar”. Na

actualidade é definida como a ciência da interacção entre superfícies com movimento relativo e as suas

condições de interface como a lubrificação, o atrito, a adesão e a fricção [55].

O grande salto a nível do estudo da teoria do atrito coincidiu com o desenvolvimento generalizado do

pensamento científico durante os séculos XVIII e XIX. Basicamente existiam duas escolas: a francesa,

que dava ênfase à interacção mecânica (elástica) das asperezas das superfícies (teve inicio com um

estudo publicado por Amontons em 1699); e a inglesa, que realçava mais a “coesão” ou adesão entre

materiais (começada por parte de Desaguliers numa mostra efectuada à Royal Society em 1724) [78].

A procura por esta nova ciência expandiu grandemente após ter sido realizado um estudo em 1966 (The

Jost Report) onde se revelaram as avultadas quantidades de dinheiro dispendidas devido às

consequências do desgaste e da corrosão [63].

Em certas aplicações de engenharia, como nas ligações mecânicas, as superfícies dos componentes são

colocadas em contacto com a intenção de eliminar qualquer tipo de movimento relativo entre eles.

Noutros casos, pelo contrário, como nas chumaceiras, travões, vedantes para veios de rotação e

engrenagens, espera-se que as superfícies adjacentes tenham movimento relativo de um modo suave e

estável, e ao mesmo tempo suportar uma carga normal a estas superfícies.

O que significa que as superfícies dos materiais têm todas a sua função na tecnologia, sendo ela

diferente de material para material.

4

Por vezes, quando as superfícies virgens entram em contacto, pode ocorrer adesão, aumentando cada

vez mais o atrito e promovendo a deformação e consequente fractura do material menos resistente.

Quanto mais extensivo for este processo maior será o desgaste.

Consequentemente, a adesão, o desgaste e o atrito têm uma enorme importância na engenharia. Por

este mesmo motivo é importante que todos eles sejam quantificados ou, pelo menos, controlados.

Neste trabalho pretende avaliar-se as condições de atrito na face de ataque de uma ferramenta de corte

por arranque de apara em condições de atrito seco ou com utilização de lubrificante, através de

metodologias independentes do processo de corte (experimentais). O valor do atrito será também aferido

no próprio processo. Desta forma poder-se-á verificar até que ponto as condições da interface apara –

ferramenta podem ser reproduzidas nos processos experimentais.

2.1.1 Atrito O atrito compreende-se como a força que se opõe ao movimento relativo ou tendência para que tal

movimento aconteça entre duas superfícies em contacto. O atrito e o desgaste não são propriedades

básicas dos materiais mas representam, sim, a reacção de um par de materiais, num determinado meio

envolvente, às forças impostas (para o movimento relativo entre o par de materiais). Este movimento

pode ser caracterizado como escorregamento (ou deslizamento) ou rolamento; os termos utilizados para

tal caracterização são “atrito de escorregamento” ou “atrito de rolamento”, respectivamente. Ao longo

deste trabalho será abordado o atrito de escorregamento.

A força de atrito é originada por vários fenómenos, ao contrário das outras forças, tal como as de

gravidade. O acordo universal sobre o que “realmente” provoca o atrito não é claro. No entanto, é óbvio,

que o atrito se deve a um leque variado de mecanismos que, provavelmente, actuam juntos, mas que

podem aparecer em diferentes proporções, mediante várias circunstâncias, daí ser feita esta distinção

com outras forças. É devido a todos estes mecanismos e circunstâncias que o estudo do atrito se torna

muito complexo e entre numa área multidisciplinar (figura 2.1), onde se enquadra a lubrificação e

mecânica dos fluidos, mecânica dos sólidos, ciência dos materiais, física e química das superfícies,

termodinâmica, mecânica da fractura, entre outras.

5

Figura 2.1 – Esquema do contacto entre a superfície da peça (apara) e a ferramenta de corte com um regime de

tensão variável ao longo da face de ataque desta: a) representação das forças de corte (Fa), originadas pelo atrito

consequente do carregamento normal (FN). b) Correspondência interdisciplinar dos fenómenos do atrito e desgaste

no corte por arranque de apara.

Os valores de coeficientes de atrito que facilmente conseguimos encontrar em diversas tabelas para

consulta, não devem nunca ser considerados como exactos para o caso que querermos utilizá-los em

aplicações, a não ser que as condições pretendidas sejam próximas das usadas para constituir essas

mesmas tabelas.

Natureza das superfícies As forças de atrito são maioritariamente determinadas por dois factores, para além da força; as

propriedades dos materiais e a área de contacto estabelecida entre ambas as superfícies. Não é uma

grandeza previsível, normalmente, de forma directa, uma vez que ambos os factores dependem muito

das condições particulares que coexistem no sistema global. Por exemplo, as propriedades da maioria

dos materiais podem ser significativamente diferentes do que seria esperado, devido a várias situações:

uma prende-se com o facto de a sua superfície não ser na realidade plana (contendo fissuras e

porosidades), que conduzem a que a área real de contacto seja menor que a área aparente); outra é

devido à existência de impurezas e certas partículas estranhas aos materiais (moléculas de água,

oxigénio, e gorduras que estão superficialmente interligadas com os óxidos). Outra situação deve-se à

separação entre as superfícies por uma fina camada de óxidos, com gamas de espessura que variam

entre 0,01-0,1 µm, que altera a interacção química entre a maioria dos sólidos, entre outras ocorrências.

A forma geométrica de qualquer superfície é determinada pelo processo de acabamento usado no

processo de fabrico. Durante esse processo irão ocorrer flutuações com amplitudes que variam desde as

a) b)

τ

τ τ

τ

p p

p p

Ciência dos materiais

Plasticidade

Lubrificação e Mec. dos fluidos

Física/química das superfícies

Termodinâmica

Mecânica da fractura

6

grandezas atómicas até a dimensão do componente. Esta situação resulta da dinâmica do processo de

acabamento ou máquina utilizada para o efeito. Há também a possibilidade da ocorrência de picos e

zonas de altura constante causados por fenómenos localizados, como sejam a não deformação de

constituintes microestruturais mais duros, a fractura local e mesmo a corrosão, que ataca a superfície em

locais aleatórios. Mesmo após um polimento cuidado, a superfície continuará com uma textura muito

grosseira ao nível atómico. Por isto é sempre proveitoso distinguir entre derivações macroscópicas

(desvios), ondulações (flutuações), aspereza e microaspereza [53], relativamente a uma superfície plana

(figura 2.2). Os picos de rugosidades numa superfície são as asperezas e as microasperezas.

Figura 2.2 – Aspecto real de uma superfície acabada: a) Esquema representativo das impurezas que afectam a

superfície dos metais; b) forma geométrica de uma superfície vista ao nível microscópico.

Mecanismos do atrito Os fenómenos físicos e químicos relacionados com os materiais, que causam o atrito são os

denominados mecanismos básicos do atrito. Diferentes mecanismos do atrito foram propostos ao longo

dos últimos cem anos por vários investigadores. Curiosamente, esta situação, veio apenas gerar um

sentimento sequaz respeitante a cada um dos novos mecanismos, muito embora os básicos continuem a

ser os principais responsáveis quer pelo atrito quer pelo desgaste e todas as suas consequências. No

entanto atingiu-se um consenso que defende que todos os mecanismos contribuem para o atrito, sendo o

mecanismo dominante variável de caso para caso. Isso dependerá da natureza das duas superfícies, dos

materiais, das características do movimento relativo, pressão e duração de contacto, temperatura, estado

químico quer da atmosfera envolvente, quer ao nível da interface das superfícies, presença ou ausência

de corpos terceiros, e certas características do aparato experimental, como as vibrações [7]. Como tal, o

atrito deve ser considerado como uma propriedade dos sistemas.

a) b)

7

Os mecanismos (figura 2.3) implícitos na geração de atrito são:

• A adesão (µa) que é extremamente importante em aplicações em vácuo, em casos em que a

superfícies são virgens e pode ter bastante influência em materiais com grande tendência para a

oxidação quando expostos ao ar. Em condições normais, a adesão, tem pouca importância, no

entanto, indirectamente, assume um papel bastante significativo no escorregamento pós

deformação plástica;

• A deformação plástica devida à formação de sulcos (µp), causados pela deformação de uma

superfície por parte das asperezas duras de uma outra. Estes fenómenos têm como resultado a

formação de estrias na superfície menos dura ou o arrastamento de material ao longo da

superfície à frente das asperezas;

• A deformação e/ou fractura de camadas de óxidos superficiais (µf), acima das zonas de

deformação plástica. Este micro mecanismo é tanto mais importante, quanto mais oxidadas

forem as superfícies;

• A interferência e deformação plástica localizada devido a corpos terceiros (impurezas), (µpart), que

aparece normalmente após o movimento ter sido iniciado, e são maioritariamente aglomerados

de pequenas partículas oriundas do desgaste. De uma forma geral, há um consenso actualizado

no que concerne às causas do atrito nos metais e às contribuições dos vários componentes, isto

é, para o valor total do atrito, todos os mecanismos têm o seu coeficiente de contribuição, embora

não haja preponderância de nenhum deles. O valor de cada coeficiente dependerá das

condicionantes da interface, como já foi referido.

partfpa µµµµµ +++= (2.1)

Figura 2.3 – Esquematização microscópica dos mecanismos que geram o atrito: a) adesão, b) sulcagem, c)

deformação e fractura de óxidos e d) partícula de desgaste.

a)

b) d)

c)

8

A adesão refere-se à ligação entre protuberâncias numa interface, podendo ser chamada de soldadura

de pressão [88]. Este fenómeno de ligação ocorre a nível molecular. A disciplina de Tribologia estuda a

capacidade de dois materiais permanecerem interligados, apesar da aplicação de forças internas ou

externas em várias direcções (no plano da interface).

O conceito de adesão, como fenómeno físico, deriva da mudança energética aquando da formação ou

separação de uma interface [89]. É definida em termos de energia da superfície, energia da interface e

trabalho de adesão. De uma forma geral, a criação de uma nova superfície a partir da separação de

material envolve a quebra de ligações atómicas, cujo número (e provavelmente a força) depende da

orientação cristalográfica. Por esse mesmo motivo, a energia de superfície varia também com esta

orientação [33].

A adesão tem ainda um grande peso na avaliação de revestimentos, adesivos e materiais compósitos.

Pequenos (<1 µm), espessos (>1 µm) e volumosos revestimentos (>25 µm), todos dependem da adesão,

que pode ser avaliada e medida de vários modos, dependendo nos requisitos de aplicação e

configuração do produto. É por isso que não é surpreendente que haja muitos métodos de medição da

adesão para pequenas películas, revestimentos e juntas de adesivos. O que acontece na realidade é que

há tantas variações para quantificação da adesão em revestimentos, pequenas películas e adesivos [9 a

13] que seria impossível descrevê-los na íntegra aqui.

Várias técnicas e métodos de experimentais têm sido criados para medir a adesão entre sólidos, no

entanto há ainda pouca normalização neste campo, embora alguns investigadores adoptem mais uns

métodos do que outros.

O fenómeno da adesão entra no campo da física do estado sólido e está relacionado com factores físicos

e químicos das superfícies. Quando se pretende caracterizar a força ou a resistência mecânica do

contacto nos limites entre dois sólidos deparamo-nos com um problema mais complicado. A separação

nunca se dá espontaneamente mas sim como consequência da propagação de uma fissura, que é

acompanhada por deformação e perda de energia. A força necessária para separar dois sólidos depende

da densidade das zonas em contacto, mas também da geometria e da velocidade a que ocorre a

separação. É, então, necessário procurar obter análises que se apliquem a diversas geometrias, como

aplicar a mecânica da fractura a distintas situações e o modo como se devem quantificar as variadas

energias que podem incorrer no processo.

A nível das superfícies de contacto, se estas forem ásperas ou contiverem impurezas, a adesão não

deverá ser muito relevante, podendo até não reflectir-se. Se for introduzido um liquido que molhe as

superfícies, a adesão sofre um incremento.

No caso dos metais, estes têm um comportamento elasto-plástico, ou seja, antevê-se que terá problemas

de adesão aquando da sua deformação ou separação de componentes. Além disso, as superfícies

metálicas sem impurezas têm uma elevada energia de superfície, o que promove ligações metálicas mais

fortes em contacto. A separação ocorre, normalmente, por ruptura dúctil do material menos resistente,

sendo que esta atracção depende das propriedades reológicas.

9

Se as superfícies absorverem impurezas, as ligações metálicas ficarão encobertas e debilitadas, a

adesão diminui bruscamente e a ruptura passará a ser mais adesiva que coesiva. O contacto de

superfícies recém geradas (ou virgens) deve ser evitado em termos de atrito, embora seja uma tarefa

árdua e talvez impossível em determinados casos, como seja o contacto entre a apara e a face de ataque

de uma ferramenta de corte. No entanto, este contacto é uma condição necessária em certos processos

de enformação.

Vários trabalhos demonstraram que imediatamente acima de uma determinada temperatura, a aderência

entre metais cresce bruscamente com o seu aumento contínuo e tempo de contacto. Um valor

representativo desta temperatura é aproximadamente 0.3Tf, sendo Tf a temperatura de fusão do

respectivo metal [14]. Ou seja, ensaios realizados a temperatura ambiente podem ser considerados

ensaios a altas temperaturas para metais como o índio, o estanho e o chumbo, o que inviabiliza um

pouco o conceito de altas temperaturas no caso da adesão.

Quando dois metais entram em contacto, submetidos a determinada força, as asperezas comprimem-se

umas às outras e passam a estar submetidas a deformação plástica; a área de contacto aumenta com a

temperatura e tempo de contacto, tal como num ensaio de dureza a quente.

A aderência a altas temperaturas é assim regulada pala relação entre o aumento da área de contacto

(devido ao fluxo das asperezas após a compressão), o tempo e temperatura de contacto e a perda de

propriedades mecânicas derivada dos parâmetros anteriores. Estes efeitos podem ser separados pela

medição da aderência a uma temperatura constante, inferior à do próprio contacto, tal como nos ensaios

de Polke (1969) [15] ou Gras (1989) [16]. No entanto, o problema torna-se mais complexo quando se leva

em conta a contribuição de outros fenómenos, tais como a oxidação, a segregação de impurezas e

mudanças de fase nas ligas metálicas.

A solubilidade mútua entre metais não é uma condicionante do fenómeno da adesão, tal como se

pensava há alguns anos atrás, pois pares de metais insolúveis tais como Ag-Fe, Ag-Ni e Pb-Au podem

ter melhor adesão do que pares solúveis, como Ag-Au. Esta propriedade muda apenas as propriedades

mecânicas na vizinhança da junta de contacto.

A abordagem dos aspectos mecânicos da adesão clarifica, de certo modo, a existência e a importância

do fenómeno. Mas se o quisermos aprofundar e analisar detalhadamente, apercebemo-nos que há ainda

pontos por esclarecer.

Apesar dos processos relativamente recentes (Kim e Kim, 1988; Williams, 1993; Moidu e colaboradores,

1995) ainda não somos capazes de interrelacionar as deformações elasto-plásticas com a adesão dos

sólidos [17], [18], [19].

A adesão é, portanto, um fenómeno que insere um novo regime de forças e tensões a nível de uma

interface e, embora não esteja relacionada, de forma directa, com as solicitações exteriores incutidas ao

sistema, representa uma grandeza de grande importância nos processos em que ocorre separação de

materiais seguida de contacto e se gera atrito.

10

2.1.2 Modelos de atrito Os primórdios, no que diz respeito às tentativas de quantificar o atrito, remontam ao período do

Renascimento, nomeadamente por parte de Leonardo da Vinci (1452 – 1519) que, com base em simples

experiências com sólidos, chegou a enunciar os seguintes postulados:

• O atrito provocado pelo mesmo peso terá a mesma resistência no início do movimento, embora

as áreas ou comprimento de contacto sejam diferentes;

• O atrito provoca o dobro do esforço se o peso for dobrado;

• O atrito depende da natureza dos materiais em contacto.

Figura 2.4 – Espécimes utilizados nos estudos de Leonardo da Vinci.

Embora Leonardo da Vinci tenha aprofundado o conhecimento referente ao fenómeno (global) do atrito,

não chegou a apresentar nenhuma lei matemática que descrevesse o seu comportamento, feito este

apenas alcançado por Coulomb.

Lei do atrito de Coulomb

A aproximação clássica da força de atrito conhecida como o Atrito de Coulomb (1875), baseada nos

trabalhos anteriormente desenvolvidos por Leonardo da Vinci e Amontons, diz que, para baixas cargas o

coeficiente de atrito é independente da carga e da área de contacto aparente. Esta aproximação exprime-

se na forma:

Na FF ⋅= µ (2.2)

Nesta formulação, µ representa o coeficiente de atrito, FN a força normal à superfície de contacto e Fa a

força exercida pelo atrito. Esta força é exercida no sentido oposto ao movimento do corpo em causa no

estudo [20].

Matematicamente, esta lei segue o facto de as superfícies estarem em contacto apenas em algumas

fracções da sua área total, e esta área será também proporcional à carga (até que a superfície esteja

saturada, ou seja, quando a área real de contacto corresponder à área total da mesma, deixa de haver

aumento do coeficiente de atrito, logo deixará de ter aplicabilidade).

11

O coeficiente de atrito é um escalar adimensional, determinado experimentalmente, que descreve a razão

entre a força de atrito gerada e a força normal que comprime os corpos. Quando em movimento, gera-se

um atrito distinto do atrito estático chamado atrito dinâmico, cujo valor do seu coeficiente é menor que o

estático. A força de atrito estático, Fe, é a força suficiente para resistir ao movimento relativo entre dois

corpos, sob a aplicação de uma carga normal, FN. A força de atrito cinética, Fc, será então aquela que

permite que o movimento entre os corpos tenha continuidade. Desta forma, o coeficiente de atrito

estático, µs, e o dinâmico, µk, como uma razão adimensional de forças distintas;

N

ee F

F=µ ;

N

cc F

F=µ (2.3)

Em qualquer outra parte desta tese, se não existir índice para “µ”, assuma-se µc, do que foi referido

anteriormente. A determinação do coeficiente de atrito será feita de acordo com a expressão de

proporcionalidade, ou então em termos de forças (FN e Fa):

p⋅= µτ (2.4)

Esta simples (embora incompleta) representação do atrito é adequada para a análise de muitos sistemas

físicos com pressões de contacto mais baixas nas interfaces dos materiais.

Um avanço nesta teoria foi realizado por Bowden e Tabor [2] estipulando que a forte aderência

(concretizada por soldaduras microscópicas que se dão a frio) que acontece nas regiões em contacto e a

força necessária para desfazer essa mesma junção é uma medida de atrito. Através da análise da

deformação plástica ao nível das asperezas, Bowden e Tabor [2] apresentaram uma explicação teórica

para o coeficiente de atrito, na Lei de Amontons.

Nas suas primeiras análises, em que o efeito da pressão normal era considerado independente da tensão

de corte, o valor máximo obtido para o coeficiente de atrito foi de 0.2. No entanto, para muitos metais em

regime de vácuo, o mesmo coeficiente pode ser muito maior que esse valor, como tal esta teoria foi

posteriormente alterada, de modo a incluir o efeito combinado entre as tensões de corte e normais e o

aumento da área de contacto das superfícies, levando à formulação:

( )213 f

f

−=µ (2.5)

Onde f é uma constante que representa a tensão de corte na interface das superfícies, ou seja, para

junções fortes, o limite de f será 1, e diminui à medida que esta força de junção reduz. Bay [22]

modificou esta última equação:

Em que β quantifica a percentagem de área da superfície realmente capaz de entrar em contacto com a

outra.

12

( )21 f

f

−=

βµ (2.6)

Esta última equação indica a condição para o início de um escorregamento mais grosseiro. O

deslizamento tem início quando se atinge a resistência estática de atrito máxima a nível da junção, e esta

é eliminada. Neste momento a resistência de atrito é nula, mas de seguida se formam novas junções e o

processo se repete (stick–slip). A resistência estática de atrito persiste ao longo de uma distância da

ordem dos 10-3mm, assim que se inicia o movimento. Depois o seu valor diminui ao longo de10-2 mm,

quando a componente de resistência cinética de atrito é atingida [23].

Esta análise inspirou alguns autores nas suas teorias de modo a desenvolver modelos mais sofisticados

do contacto entre as asperezas.

De entre várias hipóteses, como as de Green [2], [25], Edward e Halling [26], é, finalmente, Halling [27]

que surge com uma análise bastante compreensiva sobre o desenvolvimento histórico dos modelos de

atrito.

Lei do atrito de Prandtl

Nas teorias de Bowden – Tabor e Edwards – Halling é dito que a deformação de cada aspereza é

considerado um processo isolado, no entanto, e por consequência, a pressão na interface durante

processos de corte é elevada [28], as zonas plásticas em baixo das asperezas entram em contacto,

fundem-se e podem até misturar-se, devido ao processo de deformação em que incorrem. A interacção

plástica entre asperezas vizinhas não deverá ser vista isoladamente. Como a pressão na interface

aumenta até ao ponto em que a área real de contacto iguala a aparente, o atrito torna-se independente

da pressão na interface e assume o valor de k , valor da tensão máxima de corte do material da peça.

Tem sido mostrado que o k não é um simples valor; devido às pressões hidrostáticas envolvidas na

maioria dos processos de enformação plástica, a pressão normal tende a elevar-se a um valor bastante

superior à tensão de cedência do material. Uma vez que o limite máximo de tensão de corte é dado pela

capacidade da força de corte, o coeficiente de atrito decai para um valor ilusório e insignificante. Para

contornar esta incongruência, a lei do atrito constante propõe uma condição de fronteira, de modo a que

o seu valor, em condições reais, seja inferior a k , podendo ser determinado a partir de ensaios de

tensão uniaxial [24], [29].

Para o atrito constante assume-se que a tensão de corte é proporcional à força necessária para que se

processe a enformação de um dado material, de que resulta a seguinte expressão:

kmm == maxττ (2.7)

13

Sendo m um factor de proporcionalidade, também chamado de factor de atrito, e varia de 0 (condições

de atrito nulo) a 1 (quando ocorre o fenómeno da adesão). Os factores maxτ ou k e m são constantes

para um dado material a maquinar, matriz (processos de enformação) ou lubrificante. O coeficiente de

atrito, µ , pode então ser aproximado através da relação empírica proposta por Male e Depierre (1970),

com base no estipulado por von Mises [30], [88]:

3m≈µ (2.8)

O uso de valores médios para o coeficiente de atrito pode ser uma boa opção para o cálculo das forças

em causa, mas pode também conduzir a erros na determinação da distribuição da tensão, como descrito

por Schey (1983) [30]. Irá também dificultar a previsão correcta das microestruturas envolvidas no

material.

Algum destes aspectos têm sido estudados por Wanheim, Bay e alguns colaboradores, tendo sido depois

resumidos por Bay [22].

Quanto à implementação em modelos computacionais e numéricos da lei do atrito constante ( m ) podem

ser encontradas metodologias detalhadas na bibliografia [31], [32].

Lei do atrito de Wanheim – Bay

A lei de Amonton e a teoria da adesão (Bowden e Tabor) são apenas aplicáveis até um certo limite. Para

além do limite de proporcionalidade, a formação de asperezas causa interacções nas superfícies dos

materiais, assim como que encaixes (figura 2.1). A variação do atrito com a pressão deixa, então, assim

de ser proporcional, aproximando-se assimptoticamente ao valor máximo para pressões muito altas.

Quando a área real iguala a aparente (a elevadas pressões de contacto), a lei do atrito constante pode

então ser aplicada. Este modelo só poderá ser aplicado se assumir-mos que a inclinação das asperezas

é baixa e assim se mantém ao longo de toda a distância de deformação.

Baseado na análise da área real de contacto e na deformação das asperezas, Bay [22] propôs um

modelo que assume que o atrito e a pressão são proporcionais até um certo limite de proporcionalidade.

Nesta análise foi tomada em consideração a inclinação das asperezas, obtendo-se como resultado um

novo modelo compreensivo e novas curvas de atrito, evoluindo para uma nova lei.

O modelo geral de Wanheim-Bay (que particulariza os fenómenos do atrito para o âmbito da

maquinagem, utilizando interfaces entre peças a maquinar ou aparas e faces da ferramenta), diz que o

atrito numa interface de contacto é proporcional à tensão normal, p , para casos em que esta seja baixa

)5.1( <ep σ , mas tende para um valor constante a altas pressões normais )3( >ep σ , sendo as duas

14

regiões separadas por uma região de transição intermédia [8], sendo apresentado na expressão

seguinte:

kfa ⋅⋅= ατ (2.9)

Nesta relação, aτ é a tensão de atrito, f o factor de atrito, α a razão entre as áreas de contacto real e

aparente (área entre a ferramenta com bom acabamento e apara maquinada, com uma superfície

grosseira e áspera) e k , o valor da tensão de cedência em corte puro do material da peça, ou seja a

tensão de corte máxima (tal como no modelo de atrito constante de Prandtl).

Assumindo o atrito como sendo uma condição de fronteira de tracção, a expressão para o consumo de

potência de Wanheim-Bay, fπ , devido ao atrito, pode ser apresentada por:

dsduf

r

S

u

raf ∫ ∫

=

0

τπ (2.10)

Aqui fS representa a área da interface de contacto e ru a velocidade relativa entre o material e a

ferramenta, sendo o sentido da tensão de atrito (corte), aτ , oposto à velocidade relativa, ru , de acordo

com:

r

ra u

ukf ⋅⋅⋅−= ατ (2.11)

Na prática, o factor de atrito, f é determinado experimentalmente e o termo α pode ser determinado de

acordo com as expressões analíticas do modelo geral de Wanheim-Bay, desenvolvido por Gerved,

podendo ser encontrado na bibliografia [34].

Do modelo desenvolvido por Gerved, podemos prever o limite de proporcionalidade que distingue os

modelos de atrito apresentados, da seguinte forma:

( )

( )f

ffp

e −+

−+++=

113

1arccos2

1 2π

σ

(2.12)

fka −−= 11'τ

(2.13)

15

Esta análise é a mais adequada para modelar a condição de fronteira relativa ao atrito na interface peça

– ferramenta quando a pressão nominal sobre a superfície de uma matriz apresenta variações

significativas [35].

A variação do atrito durante um processo de enformação ou corte, deve então seguir uma lei (figura 2.5)

que após um período de proporcionalidade (com o carregamento normal – p) tende a estabilizar numa

tensão de atrito máxima ( máxτ ).

Figura 2.5 – Representação esquemática das principais leis de atrito usadas em engenharia, mostrando a tensão de

atrito numa interface sólido – sólido, como uma função da pressão normal. São apresentadas duas curvas (A e B)

geradas a partir da lei do atrito de Bay, para condições de atrito diferentes (BA ff > ).

A lei do atrito de Bay reproduz, de forma bastante aproximada à realidade, o fenómeno inerente ao atrito.

Em todo o caso, os softwares de simulação para enformação metálica assumem um simples valor para o

atrito, embora este, na realidade, varie de processo para processo. Mais detalhes sobre a implementação

computacional do modelo do atrito de Wanheim – Bay podem ser encontrados em [32].

2.1.3 Métodos de quantificação do atrito O esforço dispendido na medição do atrito pode ser evitado se nos for possível encontrar dados

(aproximados) acerca do par de material e das condições de escorregamento em estudo. O exercício da

medição do atrito pode gerar confusão porque os dados quase nunca são constantes, é muito raro

conseguir reproduzir as condições e, frequentemente, a dinâmica do sistema de medição torna-se

imprecisa. Uma primeira visão sobre resultados irregulares, prontamente, nos leva a questionar se a

Lei do atrito constante

Lei de Coulomb

Lei de Bay

τa

p Deformação das asperezas

Zona de transição (plasticidade relativa)

Plasticidade total

16

medição foi bem realizada, mas estas são geralmente afastadas pela simplicidade e clareza dos valores

de atrito publicados, particularmente os apresentados em forma de tabelas.

A dificuldade em obter dados válidos sobre o atrito pode ser perceptível através do esforço de formular

normas para os métodos de quantificação do atrito, tais como os comités da ASTM. Muitas pessoas

qualificadas e experientes, utilizando os mesmos procedimentos experimentais, idênticos materiais,

lubrificantes e sistemas de aquisição de dados iguais, já tentaram proceder de forma a conseguir

convergir para os mesmos resultados, embora tenham divergido em mais de 25%, o que conduziu a

períodos de tempo longos, gastos a discutir acerca do procedimento levado a cabo em testes futuros

[36].

Embora haja toda esta divergência e dificuldade na escolha da melhor metodologia a seguir para

determinar o atrito, este facto não impediu que fossem criados e desenvolvidos processos para tal fim.

Desta forma, desde o plano inclinado (criado por Leonardo da Vinci), muitos outros têm vindo a ser

desenvolvidos porque o comportamento devido ao atrito depende, não só das propriedades dos

materiais, mas também do modo de aproximação, do contacto e interacção das superfícies [37].

Podemos encontrar descrito um grande número de métodos de quantificação do atrito nas normas ASTM

por parte do comité D-2, entre outras publicações [38], tais como os métodos bloco no anel (ASTM D

2714) e o pino no disco (ASTM G 99 – 95a). De entre os métodos descritos nas normas ASTM, os mais

utilizados para recriar as condições de atrito na maquinagem [39] são o ensaio de anel de Cockcroft –

Male e o pino no disco. Nesta tese far-se-á uso de ambos, na tentativa de avaliar as condições de atrito

durante o corte por arranque de apara.

Ensaio do anel Neste ensaio, desenvolvido por Male e Cockcroft (1964), um provete em forma anelar de dimensões

específicas é comprimido ente pratos com a mesma rugosidade, através de uma carga axial. Através da

medição da variação do diâmetro interior com a altura do anel é possível deduzir o valor de um “factor de

atrito”, m, com base na interpolação das curvas de calibração (estipuladas teoricamente). Tipicamente, a

geometria adoptada para o anel é a da figura 2.6 a), e um exemplo das curvas de calibração pode ser

observado na figura 2.6 b). Deve notar-se que se forem assumidas diferentes teorias para a geração das

curvas de calibração, ir-se-ão obter diferenças significativas no seu aspecto (traçado) ao longo da

deformação, e, como consequência, diferentes factores de atrito [40].

17

Figura 2.6 – Ferramentas utilizadas na determinação do factor de atrito no ensaio do anel: a) geometria e dimensões

do espécime não deformado; b) exemplo de curvas de calibração para o ensaio de anel.

A figura 2.7 mostra as características de deformação de dois anéis idênticos que perderam a mesma

altura (∆T0) devido à acção de uma carga exterior. Um dos anéis está bem lubrificado e é comprimido

com baixo atrito, enquanto que o outro anel, não lubrificado, é comprimido com maior atrito. O

comportamento característico é drasticamente diferente, de um caso para o outro. Na operação levada a

cabo com baixo atrito, o raio interior do anel (Ri) aumenta com a deformação, ao contrário do que

acontece na operação com atrito mais elevado em que o raio interior diminui. A concavidade da parede

interna do cilindro muda consoante o caso, e minimiza o deslizamento relativo entre a face do cilindro e a

superfície que comprime o anel. O raio exterior (R0) expande em ambos os casos.

Figura 2.7 – Comportamento/deformação do cilindro durante o forjamento: a) anel original; b) aspecto final com atrito

elevado; c) aspecto final com baixo atrito.

Todavia é necessário assumir certas simplificações que podem conduzir a erros e incertezas [40]. Além

disso, uma vez que os valores variam com outros parâmetros, tais como a velocidade relativa e pressão

de contacto, qualquer que seja a estimativa do atrito pode apenas ser considerada como um valor médio,

uma vez que neste ensaio torna-se impossível contabilizar com precisão qualquer um destes dois

parâmetros na interface.

a) c) b)

a) b)

18

Embora este ensaio seja maioritariamente utilizado como um simples teste classificativo para avaliação

de lubrificantes ou superfícies acabadas, não é o método ideal para obter resultados credíveis para

aplicações. Os valores obtidos são altamente dependentes do que foi assumido aquando da

determinação das curvas de calibração, e a configuração das curvas dita que, para valores baixos de

deformação (entenda-se menor que 20%), o método não é suficientemente sensível, sendo ainda muito

dependente da exactidão das descrições térmica e mecânica do material [41].

As curvas de calibração do ensaio de anel podem ser obtidas por métodos analíticos ou numéricos.

Como analíticos podem ser utilizados:

• Método da placa (ou chapa) [42].

• Método do limite superior [43], [44] e [45].

• Análise limite (que compreende limites inferiores e superiores) [46], [47] e [48].

A determinação das curvas de calibração com base na análise numérica é essencialmente obtida através

do método dos elementos finitos. Este método permite prever o comportamento (fluxo) do material do

anel, à medida que se incrementa a pressão nas suas faces e se processa a deformação, como função

da extensão, velocidade de deformação e temperatura e no factor de atrito. [32].

A modelação numérica para o ensaio do anel passa normalmente por uma análise rigido-plástica ou

visco-plástica bidimensional, tendo em consideração a axissimetria, baseada na formulação de

elementos finitos. O modelo numérico é preparado de modo a reproduzir todas as condições

experimentais (modelos de distribuição de tensões em função da extensão, velocidade da deformação e

temperaturas). O atrito na interface é também introduzido no modelo numérico, podendo ser escolhida

qualquer uma das leis, tais como o atrito constante, km⋅=τ , ou a lei de Wanheim – Bay, fk ⋅⋅= ατ .

A realização da simulação numérica utilizando diferentes factores de atrito e a observação do aspecto da

malha permite a determinação de curvas de calibração para o ensaio do anel.

Figura 2.8 – Representação da malha deformada durante a simulação do ensaio de anel (onde N define a linha

neutra ou a zona de velocidade nula, que separa as duas direcções de escoamento de material) [49]

19

Pino no disco A geometria básica de um sistema de pino no disco consiste da utilização de um pino com secção

circular ou ponta hemisférica que desliza sobre uma superfície plana de um disco em rotação. O diâmetro

do pino e a espessura do disco podem ser arbitrários, no entanto devem ser escolhidos de forma a

garantir a rigidez do sistema. Para tal podem ser encontradas algumas dimensões típicas destes

componentes na literatura [50].

O acabamento superficial de ambos os componentes (pino e disco) deve coincidir com as condições

experimentais que pretendemos reproduzir, sendo um dos principais critérios a rugosidade (rms). Para

prevenir de forças de levantamento (inércia) estranhas, as faces do disco devem de ser paralelas e este

deverá rodar concentricamente.

O aparato que comporta este sistema pode ser, ora muito simples ora bastante complexo, dependendo

do número de variáveis que pretendemos controlar ou reproduzir e medir. Alguns destes aparelhos

podem elevar a temperatura a valores superiores a 1000ºC em poucos segundos, utilizando corrente

contínua com mais de 200 A [51] sendo esta temperatura monitorizada com a utilização de termopares.

Pode também alcançar-se, com determinados aparelhos, velocidades superiores a 2 m/s.

A carga é aplicada ao pino, utilizando um sistema de alavanca de carga regulável (braço móvel, p. ex.) e

o mesmo sistema transfere a carga e a força de atrito para um instrumento de medição da

extensão/tensão (célula de carga). O pino é fixo à alavanca por intermédio de um suporte rígido, de

preferência longo, para que disco o disco se possa submergir num lubrificante, por exemplo, sem afectar

o sistema de fixação do pino. Este suporte deve também permitir que se possa montar uma pequena

fornalha que envolva o pino e o disco para que se possam recriar situações de atrito a alta temperatura.

Um pré carregamento, como ilustrado na figura 2.9 b), aumenta a inércia e reduz as vibrações causadas

pelo atrito.

20

Figura 2.9 – a) Esboço do aparelho de pino no disco, b) Curva típica do coeficiente de atrito medido com sistema

pino no disco utilizando um pré-carregamento.

A norma relativa ao processo descreve-o como sendo, primariamente, uma metodologia de medida do

desgaste dos materiais, embora possa ser utilizado na quantificação de forças de atrito. É referido

também que os resultados ao nível do desgaste ou atrito podem variar com a orientação relativa entre

pino e disco (horizontal e vertical) assim como através de métodos de carregamento diferentes. Quanto

ao acabamento superficial dos espécimes utilizados para recriar uma interface (pino e disco) é referido

que esta deverá rondar os 0.8 µm ou então a rugosidade especifica do processo que se queira retratar

[52].

As configurações básicas destes equipamentos assim como alguns métodos e ensaios experimentais

podem ser encontrados em literatura relevante [50]. As condições que se utilizam para avaliar películas

de lubrificante, cargas, velocidades, ambientes, materiais, entre outras, são factores que devem de ser

escolhidos e manipulados pelo investigador, para que se aproxime ao máximo das condições que

vigoram na interface (lubrificada ou seca).

Nunca deve ser esquecido que o aparelho de pino no disco é uma ferramenta que visa a obtenção de

informação sobre o atrito ou desgaste de um modo acelerado. Por isso, o único teste real de um

lubrificante ou da aferição da força de atrito numa interface é feito para o fim a que está destinado, no

próprio processo, o qual tem condições muito particulares, extremamente difíceis de reproduzir em

qualquer método experimental independente.

a) b)

µ

t (s)

21

2.2 Corte por arranque de apara De acordo com os fundamentos levantados acerca da tribologia, neste ponto assume-se que o atrito na

face de ataque de uma ferramenta de corte é proporcional à tensão normal sobre a mesma, tendo como

coeficiente de proporcionalidade ou de atrito (µ), ou um ângulo de atrito (β). Isto levou a conclusões, com

base em resultados experimentais, que os picos de tensão normal na face de ataque variam de 1 a 3

vezes o valor da tensão de corte máxima, k, e a máximos de tensões de atrito, 2 vezes o mesmo valor, k

[7]. No entanto esta última conclusão tornou-se desadequada e desacreditada porque o metal não

consegue transmitir tensões de corte superiores à própria tensão máxima de corte. Não obstante, deve

fazer-se uma análise mais pormenorizada à interacção e condições que promovem o atrito, que têm lugar

na face de ataque. Outro ponto importante diz respeito ao modo como deverá ser efectuada a lubrificação

nesta zona de atrito crítico.

Um modo de estudar a área de contacto e as tensões de atrito na face de ataque consiste na medição

directa, no próprio processo, tarefa levada a cabo nesta tese, embora seja um trabalho delicado, uma vez

que as tensões são muito altas e as áreas de contacto pequenas.

Ao contrário de algumas experiências levadas a cabo recentemente, em que se corta chumbo com

ferramentas poliméricas fotoelásticas, tal como nos trabalhos de Chandrasekeran e Kapoor (1965) [6], o

método mais usual consistiu na utilização de duas ferramentas de corte (figura 2.10) separadas por uma

fenda (Split tool). Os dois segmentos da ferramenta montam-se separadamente, com uma folga de valor

g, em que um deles, pelo menos, é fixo numa plataforma de medição de força, na qual se podia medir a

distribuição da carga normal e tangencial (atrito) junto à aresta de corte e/ou ao longo da face de ataque.

Figura 2.10 – Representação do processo de corte experimental com a utilização de uma Split tool.

Neste capítulo dá-se ênfase à mecânica da formação da apara, como modelo simples da análise do

processo de corte por arranque de apara, que tal como esta ferramenta experimental, utiliza um ângulo

de ataque nulo (figura 2.13).

FN1

Fa2 Fa1

Apara FN2

1 2

22

Como o processo é caracterizado por um leque muito variado de parâmetros, torna-se imperativo fazer

uma descrição de definições básicas inerentes ao corte, nomeadamente ao nível da geometria do corte e

dos modelos analíticos utilizados para o caracterizar.

2.2.1 Definições básicas Todas as operações de corte podem ser esquematizadas pelas configurações da figura 2.11, onde se

pode verificar que a ferramenta em forma de cunha possui uma aresta de corte bem definida e é

rigidamente fixa, de modo a haver movimento relativo entre esta e a peça a maquinar, de tal forma que

seja retirada uma fina camada de material que, por sua vez, forma a apara. Uma das configurações

(figura 2.11 b) representa um caso especial do corte, no qual a aresta de corte está disposta

perpendicularmente à direcção em que se efectua o corte. Quando é realizado nestas condições,

denomina-se por corte ortogonal (Merchant, 1944) [54]. A avaliação do valor do atrito da presente

dissertação é feita utilizando o processo nestas condições.

Desde a simplificação introduzida pelo corte ortogonal, o corte começou a ser estudado em duas

dimensões. Desta forma, podem ser eliminadas bastantes variáveis, pelo que torna a análise de

investigação menos complexa. A forma de cunha da ferramenta de corte consiste em convergir duas

superfícies, sendo a face de ataque aquela que esta solidária com a apara, de forma a formar uma aresta

de corte.

Figura 2.11 – Representação esquemática dos cortes: a) oblíquo e b) ortogonal. Note-se a diferença de tamanho

entre a espessura da camada de material a retirar e a extensão da aresta de corte a efectuar trabalho.

Uma das mais importantes variáveis no corte è a inclinação da face de ataque, definida entre a superfície

da face de ataque e uma linha perpendicular à superfície da peça, já maquinada. Esta inclinação

denomina-se ângulo de ataque da ferramenta de corte (α), e, de acordo com a terminologia ISO, o seu

a) b)

Ferramenta

Apara

Peça a maquinar

Ângulo de obliquidade (ω)

Apara

Ferramenta

Peça a maquinar

23

sinal é definido do modo representado na figura 2.12. A face de saída não é importante para o processo

de remoção da apara, embora seja objecto de estudo quando queremos optimizar (minimizar) a taxa de

desgaste das ferramentas. Esta é definida pelo ângulo de saída (σ), definido entre a superfície da face de

saída e uma linha paralela à superfície da peça.

Figura 2.12 – Representação bidimensional do corte ortogonal (plano normal à aresta de corte), ilustrando os principais parâmetros.

Outra característica geométrica bastante importante é a inclinação do plano de corte (φ). Embora seja um

ângulo extremamente difícil de prever experimentalmente, pode ser determinado de forma analítica com

base na razão de compressão da apara, geralmente denominada de grau de encalque (Rc):

( )ααϕ

ϕαϕ

sengsenAB

AB

e

eRc +⋅=

−⋅== coscot

cos' (2.14)

Com esta equação é possível determinar analiticamente o ângulo do plano de corte através da aferição

da espessura da apara (e’), tendo claro conhecimento dos parâmetros controláveis, o ângulo de ataque

(α) e a profundidade de corte (no corte ortogonal) ou espessura da apara não deformada (e):

−= −

αα

ϕcos

cot 1 senRg c (2.15)

Corte ortogonal

No corte ortogonal, a força resultante (FR), aplicada pela ferramenta à apara reside num plano normal a

aresta de corte. Esta força é normalmente determinada por meios puramente experimentais, através da

soma vectorial de duas componentes de força: uma na direcção do corte (Força de corte – Fc) e outra

normal a esta direcção (Força de penetração – Fp). A figura 2.13 mostra um método onde se utiliza um

sensor piezoeléctrico tridimensional onde se fixa um bloco de material a maquinar. Através da passagem

da ferramenta de corte no referido material, o sensor é capaz de adquirir as duas componentes de força

α

σ

Face de ataque

Face de saída

e’

e

φ

Plano de corte

Aresta de corte Superfície maquinada

B

A

24

acima referidas e mais uma terceira, derivada da obliquidade da aresta de corte (Fz), embora no corte

ortogonal esta componente da força resultante seja nula.

Figura 2.13 – Representação esquemática do processo de aferição das três componentes (Fc, Fp, Fz) que contribuem

para o vector da força resultante (FR). Pode também ver-se o sentido da velocidade de corte (Vc) para este caso.

Com a utilização de um ângulo de ataque (α) nulo, pode fazer-se coincidir a força de corte com a força

normal na interface entre a apara e a ferramenta de corte. Do mesmo modo, resulta que a força de

penetração dará o valor da força de atrito que vigora nesta interface, para este exemplo de corte

ortogonal e a avaliação do atrito no próprio processo de corte vai ser efectuada nestas condições.

Na maioria dos casos, a energia dispendida pela força tangencial pode ser negligenciada em detrimento

da consumida pela força de corte. Assim, a energia consumida durante o processo (Wc) pode ser obtida

por:

ccc VFW ⋅= (2.16)

No entanto, como muitos dos parâmetros podem sofrer alterações ao longo do processo, pode haver

variações no valor da energia consumida. Como tal, para evitar este problema, geralmente normaliza-se

este valor, dividindo-o pela taxa de remoção de material (Z):

sc

c

ccc kA

F

VA

VF

Z

W==

⋅=

00

(2.17)

Nesta simplificação obtém-se um valor (ks) conhecido por pressão específica de corte, com base na

energia e na área da secção não deformada da apara (A0).

Mecanismo de fixação

Ferramenta

Provete a maquinar

Fz

Fp Fc

Sensor Piezoelétrico

Vc

25

2.2.2 Revisão bibliográfica A primeira revisão histórica foi publicada por parte de Finnie [3], que discutiu os cem anos de

investigação em maquinagem e concluiu que os primeiros estudos foram desenvolvidos por Cocquilhat

[56], no ano de 1873, nos quais determinou o trabalho necessário para remover um dado volume de

material na operação de furação. A primeira tentativa de explicação do mecanismo da formação da apara

surgiu em 1870 e foi realizada por Time [57] e pelo famoso cientista francês Tresca [58], em 1873.

Em 1925, Stanton e Hyde [59] direccionaram os esforços para analisar a formação de apara contínua

através da analogia com testes de dureza. No mesmo período, Rosenhain e Sturney [60] procederam à

determinação dos principais factores que influenciam a continuidade da apara, concretamente a

velocidade de corte, o ângulo de ataque e a lubrificação. As suas análises foram efectuadas em provetes

marcados com uma malha quadriculada de forma a analisar também o escoamento do material.

Em 1951, Lee e Schaffer [61] introduziram um novo modelo de geometria de corte para materiais rígido-

perfeitamente plásticos. A partir deste modelo foram introduzidos novos desenvolvimentos por parte de

Shaw, Cook, Finnie [62], Kobayashi e Thomsen [5] e Hill [64].

Como forma de avaliar as teorias até ao momento desenvolvidas, começaram a ser levadas a cabo

ensaios a nível laboratorial. Uma das primeiras investigações foi efectuada por Watkins e Wilkinson em

1957 [65], na qual se realizaram ensaios de corte a baixas velocidades, enquanto Chisholm e McDougall

[66] fizeram ensaios de corte em chumbo a altas velocidades. Com os seus resultados surgiram muitas

dúvidas quanto à validade das teorias anteriores, nomeadamente as que relacionam os ângulos e a

geometria do corte.

No início dos anos 60, Oxley e os seus colaboradores [67] determinaram novas equações para o

mecanismo de formação da apara. Em 1961, Albrecht [68] reexaminou a geometria da formação da

apara e introduziu um novo conceito de apara aderente que favorece a formação da apara ao nível do

plano de corte. Devido a este fenómeno concluiu também que nenhuma aresta de corte é completamente

afiada, introduzindo aqui a ideia de existir uma extremidade boleada em vez de uma aresta.

Em 1973, Klamecki [69] e Tay [70] apresentam as primeiras formulações numéricas aplicadas ao corte,

através da utilização do MEF.

A partir dos anos 90, chegou-se à conclusão por parte de muitos investigadores (Chen [71], Joshi [72],

Kim e Sin [73], Childs [74], Ozel e Altan [75]) que a criação de um modelo representativo do corte não é

uma tarefa fácil e requer conhecimentos muito aprofundados acerca da distribuição das tensões e

26

deformações, das condicionantes do atrito e da acção da aresta de corte sobre o material, de forma a

que se possa recriar uma analise numérica valida.

No entanto, Astakhov (1999) levantou uma controvérsia a referir que nenhum dos modelos analíticos

baseados no modelo geométrico do plano de corte e as previsões realizadas com o MEF consegue

recriar os verdadeiros campos de escoamento do material. Na realidade, a modelação dos processos de

corte deve ter em consideração o trabalho envolvido na formação de novas superfícies, assim como as

componentes tradicionais do escoamento plástico e atrito [77].

Os fundamentos teóricos do corte baseados na analise restringida à plasticidade e ao atrito não se

encontra de momento capaz de providenciar explicações quantitativas para alguns problemas que se

vêm à arrastar desde sempre, relacionados com o mecanismo de formação da apara. Daquilo que foi

referido, basta concluir que, apesar do grande progresso efectuado a nível do estudo em elementos

finitos do processo de corte, ainda é possível encontrar lacunas de conhecimento.

2.2.3 Mecanismo de formação da apara No que diz respeito aos fundamentos do corte e da formação da apara (criação de novas superfícies), é,

actualmente, aceitável assumir que:

• As novas superfícies são formadas simplesmente pelo escoamento plástico em torno da aresta

de corte da ferramenta;

• A energia necessária ao corte é quase na totalidade devida à plasticidade do material e ao atrito;

• Qualquer outra energia necessária à formação da apara é desprezável.

Esta aproximação está inerente nas mais recentes teorias do corte e está implícita na maioria das mais

importantes contribuições para a compreensão do processo implementadas por Ernst e Merchant (1941)

[4], Zorev (1966) [79], Shaw (1984) [80], Oxley (1989) [81], e muitos outros.

Zonas de corte Um aspecto peculiar e importante do corte em metais é o facto de centrarmos as nossas atenções na

zona onde se dá a deformação, não fazendo esta parte do produto final, mas sim do desperdício (apara).

As condições de fronteira desta zona não são determinadas, de antemão, através da geometria da

ferramenta, uma vez que apenas uma das superfícies da apara é que está em contacto com a mesma,

enquanto a outra (exterior) não se encontra constrangida. Este aspecto leva à formação de diferentes

tipos de apara, dependendo do tipo de material a maquinar e condições de corte. De qualquer modo

podem definir-se três zonas típicas de interesse no mecanismo de corte (figura 2.14).

27

Figura 2.14 – Representação das zonas de corte do processo. Note-se que o escorregamento sobre o plano de corte

(devido à deformação plástica) possibilita que a apara se forme a partir zona primária de corte.

A primeira zona parte da aresta de corte e estende-se ao longo do plano de corte, até atingir a superfície

exterior do material, limitando a zona onde o material será deformado, conhecida como a zona primária

de corte. Nesta região, o material atinge a tensão máxima de corte ( k ) na direcção do plano de corte e

distorce ao longo deste. A zona secundária surge ao longo do plano de ataque da ferramenta como

resultado do atrito de contacto entre este e a face interior da apara. Um fenómeno similar ocorre ao nível

da zona terciária onde a nova face da peça desliza ao longo da face de saída da ferramenta.

Atrito Devido às referidas fronteiras geométricas livres, o processo torna-se muito sensível às condições de

atrito no plano de ataque. Por exemplo, se o coeficiente de atrito for reduzido, o ângulo do plano de corte

(φ) aumenta e a espessura da apara reduz, assim como aumenta o enrolamento da apara. Como

consequência da redução de atrito, a área do plano de corte vai diminuir, assim como o comprimento de

contacto (entre a apara e o plano de ataque da ferramenta) e a pressão, devido à redução de força

necessária para se proceder ao corte (figura 2.15). Muitos investigadores desta área desenvolveram

trabalhos no âmbito do atrito nos processos de corte [82], [83].

No entanto, devido às condições de atrito na face de ataque, torna-se difícil o acesso do lubrificante.

Além do mais, e mais importante ainda, a formação da apara coincide com o aparecimento de novas

superfícies, tal como introduzido nos fundamentos da Tribologia. Estas são quimicamente muito activas e

têm tendência a gerar novas condições tribológicas na interface apara/face de ataque, como a adesão,

difusão, entre outras, que promovem o incremento acentuado do atrito.

Zona primária de corte

Zona secundária de corte

Zona terciária de corte

lc Ferramenta

Material a maquinar

Apara

28

As propriedades físicas na interface ainda não foram muito bem definidas, embora haja consenso para o

caso do corte de uma apara de largura finita (w), onde se pode discernir uma zona de maior aderência,

envolvida por uma zona onde apenas se dá atrito de escorregamento (figura 2.16 c). No limite desta zona

dá-se a separação entre a apara e o plano de ataque da ferramenta. Quer a teoria de Wallace e

Boothroyd [84], que diz que a transição entre estas duas zonas se dá de forma instantânea, quer a

descoberta de Finnie e Shaw [85] que diz que a transição se processa de uma forma gradual, dependem

talvez da combinação particular de materiais. Quer para um caso quer para outro, é nestas duas zonas

que o ambiente circundante e o lubrificante ou líquido de refrigeração podem ter maior influência.

Figura 2.15 – Influência das condições de atrito na correspondência entre o comprimento de contacto (lc), ângulo do

plano de corte (φ) e configuração geométrica da apara.

Figura 2.16 – Distribuição das tensões normal a) e de corte (atrito) b) no plano de ataque da ferramenta e ao longo

da apara, respectivamente; c) Zonas de adesão 1) e escorregamento 2) na face de ataque da ferramenta.

φ1

φ2

φ3

lc3

lc2

lc1

w

a) b) c)

lc

29

Coeficientes de atrito superiores à unidade

Existem algumas especulações acerca de desvios que se fazem a certas suposições, sobre as condições

vigorantes no corte por arranque de apara, que podem conduzir a elevados valores de µ. Todas as

propostas passam pela ideia de manter a força de corte numa junção à medida que a tensão normal é

aliviada. É certo que para isto acontecer devem existir os mais elevados níveis de adesão entre as

asperezas e a ferramenta. A natureza virgem e não oxidada da superfície da apara, criada pela

separação do material base ao nível do plano de corte, cerca de 1 milissegundo (ms) antes de atingir o

final do comprimento de contacto (dependendo da velocidade de escoamento da apara ou de corte) e a

grande temperatura gerada devido a altas velocidades de corte, são condições extremamente favoráveis

à ocorrência de uma forte adesão (microsoldaduras). No entanto não há ainda teorias convincentes que

relacionem coeficientes de atrito superiores à unidade com as propriedades subjacentes à plasticidade

das asperezas e o estado da interface.

Na maquinagem de metais têm sido observados valores coeficientes de atrito superiores a 1, em casos

em que as asperezas são plásticas, embora as relações (τ/k) e (p/k) sejam reduzidas, o que gera uma

certa confusão, por não haver uma explicação plausível para se transitar para o regime plástico das

asperezas a baixos valores de tensão.

Existem duas hipóteses explicativas baseadas no encruamento: uma primeira abordagem diz que, do

mesmo modo que varia a distribuição de pressão hidrostática ao longo do plano de corte, durante o corte,

pode variar também a pressão no interior de uma aspereza em deformação e levar a reduções do valor

médio de da pressão normal (p) para um valor inferior a k, embora este seja um efeito pouco significativo

ao nível das asperezas presentes no plano de ataque. Uma segunda possibilidade reside em imaginar

um pequeno encruamento e grandes condições de adesão, que levam a que a interface se torne mais

resistente que aspereza. Como tal, foi observado por parte de Bay e Wanheim (1976) [8], para materiais

não temperados, uma deformação instável das asperezas, com um incremento da área de contacto

superior ao esperado.

Existe um segundo tipo de possibilidade que explica a existência de tais coeficientes; assumindo que

uma aspereza é solicitada a uma carga (W) contra outra face e que este valor não se altera quando o

escorregamento tem início. Por exemplo, numa interface onde vigora o contacto plástico, diz-se que a

adição de uma força de escorregamento (F) a uma área de contacto real gera uma tensão de corte extra

de valor F/Ar e, caso Ar não decresça, causa o aumento de maxτ . Assume-se então que W/Ar não

decresce.

Se W é constante, a força extra F faz com que a faces em movimento relativo se aproximem uma da

outra. É este efeito que inibe o incremento de Ar. Tirando proveito deste princípio, Green (1955) [25]

realçou o facto de que, em regime estacionário de escorregamento, entre duas superfícies planas, estas

devem deslocar-se paralelamente uma à outra. Neste caso todas as interfaces devem passar por um

30

ciclo de carregamentos. A figura 2.17 é baseada no trabalho de Green. Aumentando o deslocamento

tangencial, as asperezas entram em contacto, deformam-se e partem-se. O carregamento aumenta,

atinge um valor máximo e decai, mas as forças de atrito crescem e mantêm-se constantes até à quebra.

Se a qualquer momento se estabelecerem diversos contactos, cada um num local aleatório deste ciclo,

observar-se-á um coeficiente de atrito médio, obtido a partir das áreas delimitadas pelas curvas do

gráfico da figura 2.17.

Figura 2.17 – Ciclos dos carregamentos W e F na interface em regime estacionário.

Green argumentou que, quando as condições são tais que as junções falham quando a carga decai até

zero, o coeficiente de atrito corresponde à unidade. Para valores ainda mais altos requerem-se junções

capazes de resistir a forças de tracção (como mostra o mesmo gráfico). O valor exacto do coeficiente de

atrito dependerá na especificação exacta de como as superfícies se aproximam e deslocam entre si, e

nas leis de tracção (falha) das junções [7].

O importante é mesmo realçar que não existem previsões quantitativas para o seu valor e que há muitas

teorias e conceitos em confronto que parecem estar longe de um consenso ainda.

W F Compressão

Tracção

W

F

Deslocamento tangencial

31

3 Desenvolvimento experimental

Os processos de corte por arranque de apara estão envoltos num sem número de fenómenos que

contribuem para que o seu regime de forças esteja em constante variação. São fenómenos que podem

ter lugar quer ao nível atómico quer ao nível da atmosfera circundante. Todo este conjunto de situações

promove que o estudo dos parâmetros envolventes num determinado processo seja dificultado, como por

exemplo a força de atrito, que tantas vezes é apenas tomada em consideração, e quase nunca

compreendida como sendo uma grandeza preponderante no processo. Para agravar esta situação, na

maioria das vezes, o processo ocorre a grandes velocidades que dificultam a análise dos fenómenos a

nível do escoamento na face de ataque da ferramenta, assim como se lida com pequenas áreas de

contacto entre esta e a apara. Por estas e tantas outras razões, o atrito torna-se numa matéria de estudo

complexo.

O desenvolvimento experimental desta tese consistiu na avaliação do atrito na interface entre materiais.

Para tal foi necessário recorrer a diferentes tipos de equipamento e tecnologia, desde a realização de

ensaios de corte, passando pelos ensaios de anel e também o desenvolvimento duma máquina de

ensaio de pino no disco, e obter uma caracterização independente do atrito em cada caso.

Como o fenómeno do atrito que se desenvolve no corte por arranque de apara envolve inúmeros

mecanismos com interdependência entre eles, é necessário que se individualize o estudo para melhor se

compreender a influência de cada um entre eles. A utilização de métodos puramente experimentais

(ensaio de anel de Cockcroft – Male e pino no disco) visa esta individualização e a generalização dos

parâmetros, respectivamente. As condicionantes de lubrificação (seco e lubrificado) serão as mesmas

assim como o material em estudo (chumbo e aço).

Os ensaios de corte e o ensaio do anel visam a aquisição do valor do atrito para as diversas condições.

Os ensaios realizados com o aparato de pino no disco, dado à sua grande versatilidade, visam obter uma

evolução da força de atrito assim como observar a influência da velocidade de escorregamento e avaliar

a influência da presença de superfícies virgens no processo.

Todos os trabalhos foram realizados a temperatura ambiente em condições quasi estáticas, embora a

temperatura de trabalho fosse a incutida pelo próprio processo experimental e aquecimento do

equipamento.

O desenvolvimento experimental descrito neste capítulo do trabalho, no qual se fundamentaram os

ensaios, pretende descrever os materiais utilizados e suas propriedades, o aparato e o planeamento

experimentais desenvolvidos de modo a poder avaliar o atrito, de acordo com os parâmetros

anteriormente referidos.

32

3.1 Materiais da interface

Como se trata de avaliar as condições tribológicas, nomeadamente o atrito, não faz sentido falar de um

material mas sim de um binómio (de materiais) que se encontram, rigidamente, em contacto na extensão

de uma interface.

Utilizou-se o chumbo tecnicamente puro (99,9%) que constituiu o material sujeito ao corte (em forma de

bloco), representado pelo anel (ensaio do anel) e pelo pino (pino no disco) (figura 3.1). É um material

muitas vezes utilizado em modelos analíticos devido à sua quase total ausência de encruamento, o que o

torna numa excelente aproximação ao modelo rígido-perfeitamente plástico.

Figura 3.1 – Espécimes de chumbo utilizados nos ensaios para os vários processos: a) corte ortogonal, b) ensaio do

anel, c) pino no disco.

As propriedades mecânicas e metalúrgicas do chumbo puro estão descriminadas na tabela 3.1.

Densidade (g/mm3) 11.35 Dureza (Mohs) 1.5

Ponto de fusão (ºC) 327.46 Sist. Cristalográfico Cúbico

Ponto de ebulição (ºC) 1749 Estrutura cristalina CFC

Tabela 3.1 – Principais propriedades mecânicas e metalúrgicas do chumbo puro

O material utilizado para completar o binómio em estudo (para todas as modalidades) consistiu em peças

em aço AISI 304L, configuradas de acordo com o modelo dos ensaios (figura 3.2). As superfícies em

contacto com o chumbo (nos três processos) foram submetidas a operações de polimento de modo a

garantir uma rugosidade inferior a 0,8 µm. Este é um material mais duro e resistente e a sua superfície

simboliza a face de ataque de uma ferramenta de corte nos processos experimentais.

a) b) c)

33

Figura 3.2 – Material usado para simular a face de ataque de uma ferramenta de corte: a) processo de corte

ortogonal (AISI 304L), b) ensaio do anel (mesa da prensa), c) pino no disco (aço – ferramenta K100).

O lubrificante utilizado nas operações com atrito reduzido foi o Lactuca MS 7000 (fornecido pela TOTAL).

As suas propriedades físicas encontram-se resumidas na tabela 3.2.

Densidade ISO 3675 978 Kg/m3

Viscosidade cinemática ISO 3104 (40ºC) 73,1 mm2/s

Tabela 3.2 – Propriedades físicas do lubrificante Lactuca MS 7000.

3.2 Aparato experimental

O aparato experimental utilizado para a avaliação dos valores do atrito na operação de corte e no ensaio

do anel consistiu na utilização de equipamentos desenvolvidos em trabalhos anteriores por parte do

Laboratório de Tecnologia Mecânica da STM (IST).

O equipamento utilizado para a avaliação experimental do atrito com o sistema de pino no disco foi

concebido ao longo deste trabalho.

3.2.1 Ensaio de corte

O equipamento de medição das componentes da força que intervém no corte ortogonal foi criado com o

intuito de se poder controlar os principais parâmetros de corte e assegurar uma troca rápida de

ferramenta e peça a cortar. Este funciona como uma ferramenta que se encontra ajustada à prensa

hidráulica (500 kN). Os seus componentes essenciais podem ser visualizados na figura 3.3, assim como

a operação de corte.

O fixador foi dimensionado de forma a poder suportar e alimentar a peça em chumbo de dimensões 90 x

24 x 50 mm). Durante a operação de corte, este foi fixo a um sensor piezoeléctrico tridimensional (Kistler

type 9257B) que permitiu aferir as forças de penetração (Fp) e de corte (FN).

a) b) c)

34

Figura 3.3 – Equipamento utilizado no processo de corte: a) prensa hidráulica, b) fixador do espécime montado sobre

o sensor piezoeléctrico, c) ferramenta de corte e respectivo suporte, d) equipamento em operação.

Para se conseguir monitorizar as forças foi necessário conectar o sensor piezoeléctrico a dois

amplificadores de sinal (Kistler type 5011B) (figura 3.4 b), que por sua vez foram ligados a um sistema de

aquisição de dados (SAD) controlado por um programa chamado DataCut [86], com a capacidade de

efectuar 200 registos por segundo e gravá-los num ficheiro de texto (txt).

Figura 3.4 – Esquematização do processo de corte ortogonal para aferição do valor de atrito no processo: a) aparato

montado na prensa, b) amplificadores de sinal (Kistler type 5011B), c) computador equipado com placa de aquisição

de dados.

O sistema de aquisição de dados consistiu na instalação de uma placa de aquisição (NI-PCI-6070E) da

National Instruments (figura 3.5 b) no computador pessoal. O programa de monitorização das forças

(DataCut) foi desenvolvido a partir da linguagem de programação LabView (figura 3.5 a).

a) c)

d)

b)

a) c)

b)

35

a) b)

Figura 3.5 – O SAD é constituído por: a) placa de aquisição de dados (NI-PCI-6070E) e placa de terminais (CB-

68LP); e monitorizado por: b) programa DataCut [86] (vista do painel frontal).

3.2.2 Ensaio de anel

O ensaio do anel serviu para fazer uma aproximação (experimental) alternativa do coeficiente de atrito à

medição directa no processo de corte.

Para a realização destes ensaios utilizou-se a acima mencionada prensa (500 kN) para a deformação do

provete (figura 3.2 b), em varias etapas de deformação. No final de cada uma das etapas fez-se a

medição de ∆T0, Ri e R0, para serem comparadas, mais tarde, com as curvas de calibração. As

dimensões iniciais do anel foram adoptadas de forma a seguir a proporção sugerida nos estudos teóricos

de determinação do factor de atrito, levados a cabo por Male [39] {T0; Ri; R0}�{3; 1,5; 2}. As dimensões

utilizadas nos provetes foram {12,5; 6; 8 mm}.

A determinação das curvas de calibração consistiu na análise e modelação de elementos finitos (figura

3.6), nas quais foram realizadas varias simulações onde se introduziam diversos factores de atrito na

interface de modo a descrever várias curvas. A simulação foi realizada com a utilização de um software

IFORM 2, desenvolvido na STM.

Figura 3.6 – Ilustração esquemática de um espécime do ensaio do anel: a) antes da compressão (na proporção {3;

1,5; 2}), b) durante uma simulação, com atrito reduzido.

a) b)

36

As curvas de calibração são sobrepostas num gráfico de i

iR

R∆ em função de 0

0T

T∆, assim como os

valores obtidos experimentalmente. O valor de m será obtido pela incidência dos valores experimentais

sobre as curvas de calibração previamente definidas.

3.2.3 Ensaio de pino no disco

Para a realização dos ensaios através do método de pino no disco, houve primeiro a necessidade de

conceber um equipamento para esse fim.

A ideia inicial prendeu-se em fixar um motor (SEW – Movimot) com 0,37kW de potência (figura 3.7 a),

equipado com um variador de frequência e um redutor, com o objectivo de transmitir rotação ao disco,

sobre um apoio que suportasse toda a estrutura final (figura 3.7 b).

Figura 3.7 – a) Motor equipado com variador de frequência e redutor; b) fabrico da estrutura para suporte do

equipamento.

Numa segunda fase da concepção do equipamento, houve a preocupação de adaptar um dispositivo

basculante (sistema de alavanca) que iria comportar o pino e a célula de carga bidimensional, sobre o

qual se iria actuar em termos de carregamento normal, através da colocação de pesos em forma de disco

(figura 3.8).

Uma vez que o variador de frequência apenas dispunha de um potenciómetro para regular a velocidade

de rotação do motor era impossível ter percepção da velocidade linear na interface entre o pino e o disco.

Como tal procedeu-se à instalação de um instrumento de medição da rotação (Incremental shaft encoder

– Miniature type 2400) que debita 360 ipr (figura 3.10 a), no topo posterior do rotor do motor que por sua

vez foi ligado a um tacómetro digital (LCD-Frequency meter/Tachometer CODIX 136) de 12 kHz (figura

3.10 b e c), ambos fornecidos pela Kübler.

Este sistema foi acoplado à estrutura do equipamento e permitiu que se realizassem ensaios com

velocidade monitorizada.

a) b)

37

a)

Figura 3.8 – a) Desenho do equipamento (Solid Works). Braço móvel para suporte da célula de carga e pino: b) em

fase de concepção; c) ajustado à estrutura (note-se a horizontalidade do componente) e d) durante um ensaio.

Figura 3.10 – Equipamento de monitorização da velocidade de rotação: a) encoder ajustado ao topo posterior do

rotor do motor; b) tacómetro c) na fase de instalação ao circuito impresso (figura 3.11 c).

Devido ao baixo limite de frequência do tacómetro ser baixo (12 kHz), houve ainda necessidade de

submeter o sinal enviado pelo encoder à passagem por um instrumento divisor de sinal (Dual J – K flip

flop da SGS – Thomson). Isto porque, dado à baixa capacidade de leitura do tacómetro estaríamos

limitados a baixas rotações (equação 3.1).

][2000][33,33][360][12000

rpmrpsipr

ips== (3.1)

a) c) b)

b) c) d)

Pesos

Contrapeso

38

Como era previsto operar com o motor a rotações superiores a 2000 rpm justificou-se a implementação

do divisor de sinal.

Este foi implementado num circuito impresso (figura 3.11 a, b e c), ligado a ambos os componentes da

monitorização e adaptado à estrutura do equipamento global (figura 3.11 b).

Figura 3.11 – a), b) e c) Fases de projecto e concepção do circuito onde se incorporou o divisor de sinal e d)

adaptação à estrutura do equipamento de pino no disco.

Sendo assim, este divisor com uma relação de divisão de ¼, recebe o sinal transmitido pelo encoder

(figura 3.12 a) e efectua a divisão do mesmo e envia para o tacómetro (que efectua a contagem

instantânea dos ips) (figura 3.12 b).

Figura 3.12 – Operação do divisor de sinal (flip flop): recebe o sinal a) vindo do encoder e converte-o num sinal b)

com uma frequência 4 vezes menor, e envia-o para o tacómetro.

Através deste artifício é possível monitorizar (através do tacómetro) qualquer velocidade de rotação

debitada por este motor. A velocidade monitorizada no tacómetro é obtida em impulsos por segundo (ips)

mas pôde ser convertida em m/min através de uma folha de cálculo.

Lenc (1 ips)

A

t (s)

A

t (s)

Lf-p (1 ips)

a) b)

a) b) c) d)

Divisor de sinal

Tacómetro Flip flop

39

A célula de carga utilizada para avaliar as forças na interface pino – disco, começou também por ser

projectada para operar numa gama de carga normal que abrange os 10 aos 250 N. Trata-se de um

sensor de força bidimensional apropriado para várias aplicações, e especialmente para o caso do pino no

disco, uma vez que se pretende fazer leituras consecutivas quer de forças normais (FN) quer de forças

tangenciais (Fa).

Para a sua concepção procedeu-se ao fabrico (figura 3.13 a) e à instrumentação da célula com

extensómetros (figura 3.13 b) de forma a que a célula de carga conseguisse operar com duas pontes de

Wheatstone [87] independentes (uma para cada componente de força).

Figura 3.13 – A concepção da célula de carga teve início com a) fase de projecto e dimensionamento, fabrico do

componente e b) colagem de extensómetros (duas pontes de Wheatstone completas). c) Aparência final do sensor

bidimensional.

Aquando da sua (primeira) calibração constatou-se que afinal as duas pontes de Wheatstone não eram

totalmente independentes, isto é, quando se efectuava um carregamento exclusivamente normal,

reflectia-se na força tangencial, o que pressupôs erros quer de fabrico quer de colagem de

extensómetros. A solução adoptada para controlar este problema foi efectuar a calibração com a

utilização do sensor piezoeléctrico (Kistler type 9257B) na própria estrutura, para cada um dos

carregamentos utilizados nos ensaios de avaliação da força de atrito, à medida que se iam adquirindo os

valores com o programa DataCut [86]. Daqui obtiveram-se, não uma, mas sim varias curvas (equações)

de calibração (figura 3.14) entre o carregamento normal e a respectiva força tangencial exercida para fins

de correspondência entre a leitura efectuada pela célula de carga e a força tangencial efectiva.

Os ensaios de avaliação da força de atrito na interface utilizando a tecnologia do pino no disco foram

realizados com os mesmos equipamentos utilizados no processo de corte, à excepção do amplificador de

sinal da Vishay Measurements Group – model 2100 (figura 3.15 a) que teve as funções de excitar os

extensómetros com uma corrente continua de 5 volt, receber o sinal devolvido pelas duas pontes de

Wheatstone e amplificar este sinal. Daqui o sinal, tal como no processo de corte, foi enviado para o SAD

e feita a leitura das forças normal e tangencial (figura 3.15 b).

a) b) c)

40

Calibração - Peso Normal 2 (45,55N)

y = -150.89x + 0.1332R2 = 0.9954

0

10

20

30

40

50

60

-0.25 -0.23 -0.21 -0.19 -0.17 -0.15 -0.13 -0.11 -0.09 -0.07 -0.05

Célula de Carga (V)

Forç

a Ta

ngen

cial

(N

)

Figura 3.14 – Curva de calibração e equação que relaciona a leitura efectuada pela célula de carga com a força

tangencial efectiva para um carregamento normal de 45,55N.

Figura 3.15 – a) Amplificador de sinal da Vishay; b) Esquema representativo da avaliação do atrito com a utilização

do equipamento de pino no disco.

O aparato experimental descrito até ao momento permite a obtenção de valores para descrever a

evolução do atrito para valores de carregamento normal na gama dos 10 ~ 250 N, assim como descrever

uma curva do atrito em função da velocidade de escorregamento, embora não está no âmbito deste

trabalho, o aparato também permite a avaliação do desgaste. Ambos os tipos de ensaios foram

realizados em condições de atrito seco e com a utilização de lubrificante (figura 3.16 a e b) e com a

utilização de pinos de secção Ø8 mm.

a)

b)

Alimentação Amplificador

de sinal

N

τ

41

Figura 3.16 – Ensaios realizados a) em condições de atrito seco e b) com a utilização de lubrificante. c) Vista em

pormenorizada do painel frontal do sistema de aquisição de dados (note-se a leitura das duas componentes de força

efectuada em simultâneo).

A figura 3.17 mostra o aspecto final do equipamento de pino no disco (já em operação) desenvolvido

neste trabalho.

Figura 3.17 – Equipamento de pino no disco durante um ensaio de avaliação do atrito (na tabela podemos consultar

as principais características do equipamento).

Como descrito nos fundamentos teóricos desta tese, o fenómeno da adesão surge ou, pelo menos, tende

a acentuar-se quando a interface de contacto se estabelece entre superfícies virgens, sem estar

afectadas pelo processo de oxidação.

Durante a execução do trabalho experimental, foi observado que o potencial do equipamento não se

limita para a avaliação de atrito e desgaste, ao incorporar uma lâmina no disco, para avaliar a influência

das superfícies recém-geradas no atrito (figura 3.18 a).

A cada passagem do pino de chumbo sobre esta posição radial é-lhe retirada uma fina película da sua

secção, ficando esta com um aspecto espelhado (figura 3.18 b), de modo a que não houvesse alteração

ao nível paralelismo, ou seja, não houvesse alteração considerável da direcção das componentes normal

a) c) b)

FN

Fa

Características Possibilidades Velocidade

(m/min) 1,29 – 63,2

Peso (N) 9,55 – 225,20

FAD (Hz) 200

Condições de lubrificação Seco – Lubrificado

42

e tangencial das forças. Resultando que, em cada volta que o disco dê, metade é reservado a um ensaio

normal, e outra metade, para o ensaio com geração das novas superfícies, permitindo assim comparar os

valores da força de atrito, sem comprometer os ensaios com a contaminação da superfície do disco pela

passagem do pino.

Figura 3.18 – a) Artifício utilizado para quantificar o atrito no contacto entre novas superfícies, composto por uma

lâmina em aço; b) aspecto da superfície do pino, após ter sido submetido à passagem pela lâmina.

3.3 Plano de ensaios

O plano de ensaios experimentais foi delineado de forma a cumprir com os objectivos estipulados na

introdução desta tese. As condições nos ensaios foram escolhidas com cuidado para que estas se

mantenham idênticas ao longo de todo o trabalho experimental, p. ex., a velocidade (Vc) utilizada no

processo de corte é aproximada da velocidade (linear) na interface do pino – disco. Desta forma

consegue reduzir-se ao máximo as discrepâncias entre os resultados.

Numa primeira fase (processo de corte) realizou-se a avaliação das forças envolvidas no corte com um

ângulo de ataque (α) nulo. Desta forma é possível efectuar a leitura das forças de corte e penetração e

associá-las às forças normal e tangencial, respectivamente (figura 3.18).

Para os ensaios do anel de Cockcroft – Male foram utilizadas curvas de calibração estabelecidas a partir

de modelação de elementos finitos (IFORM 2). A tabela 3.4 resume os procedimentos efectuados para a

determinação experimental do coeficiente de atrito utilizando este processo.

Nos ensaios efectuados com o equipamento de pino no disco foi possível ampliar o campo de

experiências, desde a avaliação da força de atrito, a evolução da mesma com o incremento da

velocidade de escorregamento e ainda a verificação do fenómeno inerente ao atrito no contacto entre

superfícies virgens. Distinguem-se então 3 tipos de ensaio, dado à grande versatilidade do equipamento,

ou seja, controlo e capacidade de alterar vários parâmetros ao nível da interface. A tabela 3.4 resume

então os trabalhos realizados com este equipamento.

Lâmina Superfície virgem

a) b)

43

Figura 3.19 – Vista ampliada do processo de corte com ângulo de ataque (α) nulo e correspondência entre forças.

O planeamento de ensaios relativos à aferição do atrito com a utilização do próprio processo de corte

encontra-se resumido na tabela 3.3, onde estão introduzidos os parâmetros de corte e lubrificação

utilizados.

Conjunto de

ensaios

α (º)

w (mm ) e (mm) Vc

(m/min ) Lubrificação σ (º)

1 Sim

2 0 24

De 0,015 a 1.0

Incremento ≈ 0.05 1,5 Não

5

Tabela 3.3 – Plano dos ensaios realizados para a aferição da força de atrito no processo de corte ortogonal.

Caso 0

0T

T∆ Lubrificação

1 De 0 até 0,4 Incremento ≈ 0,01 Sim

2 De 0 até 0,6 Incremento ≈ 0,01 Não

Tabela 3.4 – Plano para os ensaios do anel de Cockcroft – Male.

α = 0

e

Ferramenta

FP � Fa

y

FR

Apara

x

Fc � FN

44

Caso Ensaio FN (N) Lubrificação Velocidade relativa na interface ( m/min )

1 10,30

2 29,89

3 45,55

4 64,22

5 72,06

6 106,38

7 160,58

Evolução da força

de atrito em função

da carga aplicada

8 225,19

Sim / Não 1,29

Ensaio Velocidade relativa na interface ( m/min ) Lubrificação FN (N)

1 1,29

2 4,17

3 6,94

4 11,11

5 16,66

6 22,22

7 27,77

8 33,33

9 38,88

Evolução da força

de atrito em função

da velocidade

10 44,43

Sim / Não 72,06

Ensaio FN (N) Lubrificação Velocidade relativa na interface ( m/min )

1 9,55

Ensaio com lâmina

2 106,37 Não 1,29

Tabela 3.5 – Quadro resumo dos ensaios com o equipamento de pino no disco.

45

4 Resultados e discussão

Todas as soluções analíticas propostas para o corte ortogonal tem um campo de aplicação limitado e isso

confirma-se quando se confrontam estas com resultados experimentais. Assim, e por consequência, as

soluções propostas para a quantificação do atrito não escapam à regra, uma vez que também têm o seu

âmbito para análise do corte.

A utilização de tabelas de coeficientes ou factores de atrito para a optimização dos parâmetros de corte,

bem como a escolha de qualquer modelo analítico, acarretam consigo, grande parte das vezes, o

surgimento inexplicável de problemas não considerados no corte, tais como a deterioração acelerada da

face de ataque da ferramenta, quer do aparecimento de fendas na aresta de corte. O que deverá ser feito

de modo a prevenir estes problemas? Quais os parâmetros a introduzir? Estas são só duas nas inúmeras

questões que se levantam no estudo do corte, que se transformam em razões que justificam o estudo

cada vez mais aprofundado do atrito no processo de corte por arranque de apara.

Este capítulo começa por apresentar, de uma forma experimental, a avaliação do atrito no corte

ortogonal. De seguida serão apresentados os resultados obtidos com base em processos experimentais

independentes do processo, em condições aproximadas.

Segue-se então uma abordagem dos resultados obtidos a partir do trabalho experimental referido no

capítulo 3, e dos fundamentos propostos no capítulo 2. Como referido anteriormente, estes foram

separados em três metodologias. O corte ortogonal foi realizado a baixas velocidades, com o objectivo de

observar a passagem para o regime estacionário do corte.

Tal como tem vindo a ser estruturado, também aqui se vão apresentar os resultados referentes a cada

procedimento de forma sequencial.

4.1 Ensaio de corte

Através da metodologia do estudo do atrito no próprio processo é possível fazer uma coincidência de

forças utilizando um ângulo de ataque nulo. As figuras 4.1 e 4.2 ilustram a evolução destas forças a partir

do momento em que se estabelece contacto entre a ferramenta e o material a cortar. Através da sua

análise pode discernir-se uma zona transiente (1), em que a força evolui de forma mais acelerada, à

medida que a ferramenta avança. Após esta zona dá-se a estabilização das forças, entrando num regime

estacionário (2). É sobre este regime de forças que é feita a aferição do coeficiente de atrito, uma vez

que este se torna máximo quando o corte estabiliza (figura 4.3).

46

Figura 4.1 – Evolução das forças normal e de atrito durante um ensaio de corte ortogonal, com um ângulo de ataque

da ferramenta de corte nulo (α = 0º), e = 0,1 mm e Vc = 1,5 m/min, sem lubrificante.

Figura 4.2 – Evolução das forças normal e de atrito durante um ensaio de corte ortogonal, com um ângulo de ataque

da ferramenta de corte nulo (α = 0º), e = 0,1 mm e Vc = 1,5 m/min, com interface lubrificada.

Pelo que foi possível observar (com baixa velocidade de corte), esta mudança de regime no corte dá-se

devido ao facto de no início a apara ainda não se encontrar bem definida (figura 4.3 a). Esta fase

permanece até se atingir o comprimento (máximo) de contacto, lc (figura 4.3 b), a partir do qual a apara

Força Normal (FN)

Força de Atrito (Fa)

Avanço da Ferramenta ( mm )

Evo

luçã

o da

forç

a (

N)

1 2

Força Normal (FN)

Força de Atrito (Fa)

Avanço da Ferramenta ( mm )

Evo

luçã

o da

forç

a (

N)

1 2

47

se separa da superfície da ferramenta devido ao enrolamento. Daí o facto de a zona transiente ser menor

quando as condições de lubrificação promovem menor atrito, uma vez que para estas, o enrolamento da

apara é mais acentuado, logo o comprimento de contacto será menor (figura 4.4 b).

Figura 4.3 – Passagem do regime a) transiente para o b) estacionário no corte ortogonal. Note-se que a criação da

nova superfície não se dá aquando da entrada em contacto com a ferramenta mas sim, após um ligeiro

repuxamento.

Figura 4.4 – Geometria da apara para condições de atrito a) elevadas e b) baixas.

Como foi referido anteriormente, um outro parâmetro importante relacionado com o atrito na face de

ataque é o comprimento de contacto da apara. Através de imagens adquiridas durante os ensaios de

corte ortogonal (figura 4.4), é possível medir com relativa precisão este parâmetro. Uma observação

rápida nas imagens adquiridas mostra que o comprimento de contacto é muito influenciado pelas

condições de lubrificação, e este nem sempre se mantém constante ao longo no ensaio, especialmente

no caso a seco. No caso lubrificado o comprimento de contacto mantém-se praticamente constante,

sendo consideravelmente menor.

a) b)

a) b)

48

Quando confrontamos a força de atrito em função da força de corte (normal) verifica-se que o coeficiente

de atrito (µ) não é constante durante o processo de corte, ou seja, varia na zona de transição para o

regime estacionário. No gráfico da figura 4.5 pode ver-se a sua evolução.

Através da análise da figura 4.5, podemos observar que a força de penetração tem uma relação linear

com a força de corte. Os regimes transiente e estacionário também podem ser observados na figura 4.5,

sendo neste caso, o início do corte assinalado pelo aumento brusco do valor do coeficiente de atrito.

Outro facto interessante é que estes dois coeficientes de atrito mantêm-se constantes dentro de cada

regime, quer para o caso lubrificado, quer para o caso a seco.

Com os resultados dos ensaios de corte ortogonal, é possível observar a influência da carga aplicada no

atrito. As forças de penetração estão representadas em função da força de corte, em regime estacionário,

na figura 4.6, para permitir o cálculo do coeficiente de atrito entre a apara e a ferramenta.

Figura 4.5 – Variação do coeficiente de atrito durante o processo de corte para diferentes condições (e = 0,1 mm).

For

ça d

e A

trito

(N

)

Força de Corte ( N)

Reg. Transiente (seco)

Reg. Estacionário (seco)

Reg. Estacionário (lubrif.)

Reg. Transiente (lubrif.)

β (lubrif.)

β (seco)

49

Figura 4.6 – Valores experimentais dos ensaios de corte ortogonal ilustrando a relaçao entre a força de corte e a

força de atrito desenvolvida ao longo da face de ataque da ferramenta de corte para as diferentes condicoes de

lubrificaçao (α = 0º).

Da figura 4.6 pode observar-se que as componentes da força resultante, em diferentes condições de

lubrificação, Fc e Fa, lubrificado (equação 4.1) e a seco (equação 4.2), podem ser ajustadas com as

respectivas equações:

771.3385.0 += ca FF (4.1)

959.0768.0 += ca FF (4.2)

Com os resultados obtidos na figura 4.6 pode então calcular-se os respectivos coeficientes e factores de

atrito, através da substituição nas equações 4.1 e 4.2. Estes são apresentados na tabela 4.1.

Situação Coef. de atrito ( µ) Ângulo de atrito ( β) Com lubrificação 0,39 21,31º Sem lubrificação 0,77 37,60º

Tabela 4.1 – Valores dos coeficientes e ângulos de atrito para diferentes condições de lubrificação no processo de

corte ortogonal (com ângulo de ataque nulo).

Neste processo especial (α = 0) de corte ortogonal o coeficiente de atrito tem um aumento de quase

100% na passagem de atrito seco para uma interface lubrificada, dai a importância da lubrificação nos

processos de corte. Este incremento pode traduzir-se em grandes valores de pressão que comprometem

a integridade de qualquer ferramenta de corte durante a maquinagem de vários materiais.

Força de corte ( N)

For

ça d

e at

rito

(N

)

Valores experimentais (seco)

Linha de ajuste (seco)

Valores experimentais (lubrificado)

Linha de ajuste (lubrificado)

50

4.2 Ensaio de anel

Os resultados obtidos experimentalmente com o ensaio de anel foram comparados com as curvas de

calibração (figura 4.7 a) e b). Os valores do coeficiente de atrito foram adquiridos por aproximação às

curvas de calibração.

Figura 4.7 – Curvas de calibração do factor de atrito (m) e resultados experimentais a) sem e b) com lubrificação.

m = 0,3

m = 0,0

m = 0,2

m = 0,185

m = 0,17

Valores experimentais

b)

i

iR

R∆

0

0T

T∆

m = 0,4

m = 0,0

m = 0,35

m = 0,3

m = 0,2

Valores experimentais

a)

i

iR

R∆

0

0T

T∆

51

Através da comparação entre os valores experimentais e as curvas de calibração foi possível obter uma

aproximação dos valores do factor de atrito, no modelo de Prandtl, em condições diferentes de

lubrificação. Os coeficientes de atrito podem então ser aproximados a partir da equação 2.8 (atrito

constante). Os resultados obtidos encontram-se resumidos na tabela 4.2.

Situação Factor de atrito ( m) Coef. de atrito ( µ) Ângulo de atrito ( β)

Com lubrificação 0,185 0,107 6,11º Sem lubrificação 0,35 0,202 11,4º

Tabela 4.2 – Valores dos factores, coeficientes e ângulos de atrito para diferentes condições de lubrificação no

ensaio de anel de Cockcroft – Male.

Dos resultados obtidos, salta à vista a discrepância entre estes e os obtidos na aferição, no próprio

processo. Neste caso constatamos que, tal como no processo de corte ortogonal, o factor da lubrificação

é muito importante quando pretendemos reduzir o atrito, uma vez que o coeficiente de atrito quase que

duplica quando passamos da situação de superfície lubrificada para seca.

Os valores do coeficiente de atrito obtido por este ensaio são aproximados, devido às dificuldades

relacionadas com a medição das dimensões do provete anelar durante os estágios do ensaio. Mas quer

nos ensaios de corte ortogonal, quer aqui no ensaio de anel, o valor de coeficiente de atrito, no caso a

seco é sempre superior ao valor admissível.

Embora este ensaio funcione como uma simples aproximação à realidade do corte, torna-se incongruente

o facto do coeficiente de atrito, neste processo, com a interface seca, seja inferior ao mesmo coeficiente

para uma superfície lubrificada, no próprio processo de corte. A única explicação plausível, embora

superficial, para esclarecer esta situação, reside no facto de não terem sido recriadas as condicionantes

ao nível da interface, entre apara e ferramenta, para além da aplicação da carga e das condições de

lubrificação, rugosidades, entre outros. Daqui podemos apenas assumir que o grande impulsionador do

atrito no corte por arranque de apara se encontra escondido noutros domínios que o ensaio de anel é

incapacitado de recriar, tais como os fenómenos inerentes à geração e atrito de contacto entre novas

superfícies, uma vez que neste tipo de ensaio não há rigorosamente nenhum controlo sobre a oxidação

superficial das faces do provete entre cada um dos ensaios.

4.3 Pino no disco

Dada a versatilidade deste equipamento, o conjunto de ensaios experimentais foi orientado de forma a

alcançar três objectivos principais, para que os seus resultados pudessem ser comparados com os

obtidos no corte ortogonal e com os dos ensaios de anel. Numa primeira abordagem pretendeu-se obter

uma lei do atrito em função da carga normal. Após a realização destes, pretendeu-se descrever a

52

evolução do atrito com o incremento da velocidade de escorregamento. Estes foram executados nas

mesmas condições de lubrificação dos processos anteriores.

Devido à não confluência entre os valores obtidos nos processos de corte e ensaios de anel, envergou-se

no sentido de avaliar o impacto da presença de superfícies virgens. Este procedimento foi realizado na

expectativa de que esta, sempre presente durante o processo de corte, seja o grande promotor do atrito,

e não se possa recriar na maioria dos processos de medição do atrito.

4.3.1 Avaliação do atrito em função da carga normal

Após ter sido adquirido o valor da força de atrito em cada uma das situações, procedeu-se ao cálculo dos

respectivos coeficientes de atrito e ângulos de atrito, dada a proximidade dos coeficientes de atrito entre

a primeira e segunda séries (tabela 4.3).

Avaliação da força de atrito em função da carga nor mal (Vi = 1,29 m/min )

Sem lubrificação Com lubrificação FN (N)

Fa1 (N) Fa2 (N) µ1 µ2 β (º) Fa1 (N) Fa2 (N) µ1 µ2 β (º)

10.30 2.83 2.85 0.27 0.28 15.37 0.84 1.08 0.08 0.11 5.33 29.89 5.14 5.41 0.17 0.18 9.92 1.96 1.77 0.07 0.06 3.57 45.55 8.53 8.26 0.19 0.18 10.48 3.15 3.31 0.07 0.07 4.06 64.22 10.03 11.32 0.16 0.18 9.64 1.80 1.80 0.03 0.03 1.61 72.06 12.64 13.15 0.18 0.18 10.20 2.93 1.77 0.04 0.02 1.87

106.38 19.53 19.17 0.18 0.18 10.20 3.33 2.46 0.03 0.02 1.56 160.58 27.87 27.95 0.17 0.17 9.64 2.22 1.40 0.01 0.01 0.65 225.19 38.36 38.21 0.17 0.17 9.64 2.40 2.00 0.01 0.01 0.56

Média 0,19 0,19 10,64 Média 0,04 0,04 2,4

Tabela 4.3 – Quadro resumo dos valores do coeficiente e ângulo de atrito nos ensaios de avaliação da força de atrito

em função do carregamento normal.

A figura 4.8 representa o conjunto de valores obtidos, na qual se pode visualizar a evolução da força de

atrito.

À medida que a carga aumenta, foi curioso constatar que o coeficiente de atrito segue uma lei de

proporcionalidade aproximadamente constante (µ = 0,19), de acordo com a tabela 4.3, para a situação de

interface seca. Isto explica-se com base da aplicabilidade do modelo de atrito de Coulomb, uma vez que

não foram introduzidas pressões, ao nível da interface, que deformassem plasticamente o pino. Nesta

situação houve apenas deformação elástica das asperezas que acabaram por aumentar a área aparente

da interface, e por sua vez a força de atrito, de acordo com o aumento da carga, de um modo linear [22],

[88].

53

Figura 4.8 – Evolução da força de atrito em função do carregamento normal para ambas as condições de

lubrificação. Note-se que a amplitude do ângulo de atrito permanece aproximadamente igual, à medida que se

aumenta o carregamento (β’ ≈ β’’), em condições de interface seca.

Da mesma forma, os valores de µ obtidos com este processo (para a mesma condição de lubrificação)

coincidiram, de certo modo, com os obtidos no ensaio de anel (0,202 ≈ 0,19). Significando então que

mesmo assim não se conseguiram recriar as condições que vigoram no escoamento da apara na face de

ataque da ferramenta de corte.

Quando se procedeu à lubrificação da interface e à aquisição de novos dados relativos a essa condição,

constatou-se que o coeficiente de atrito decaiu com o aumento da carga. Isto devido ao facto de a força

de atrito se manter aproximadamente constante à medida que foi aumentado da carga, apesar de causar

algumas oscilações (Fa1 e Fa2), quiçá provocadas pela influência do aumento de temperatura (não

controlada), introduzida pelo aquecimento do equipamento (motor e variador de frequência), na

viscosidade cinemática do lubrificante.

Este caso de evolução do atrito, que pode ser erraticamente confundido com o modelo de atrito constante

de Prandtl (figura 4.8), é gerado devido ao facto de na interface vigorar um regime hidrodinâmico, isto é,

devido à acção do lubrificante, não se efectivou o contacto previsto entre as asperezas do pino e do

disco. Isto porque, neste processo foi induzida uma velocidade de escoamento, ao contrário do ensaio de

anel, onde não foi introduzida nenhuma velocidade na interface (para além da de deformação), assim

como não houve pressurização do lubrificante de modo que este impedisse o contacto entre as

superfícies.

β’

β'’

54

Nestas condições de regime hidrodinâmico, o atrito deixa de ser gerado devido à interacção entre dois

corpos e passa a ser causado devido às propriedades do lubrificante em contacto com os dois materiais

(aço e chumbo), tais como a viscosidade cinemática e a densidade. Daí o facto dos coeficientes de atrito

não estarem, de todo, de acordo com os obtidos no ensaio do anel, uma vez que, embora utilizando o

mesmo lubrificante, este foi incapaz de reter a interacção directa entre o anel e a superfícies da prensa

que o comprimem.

4.3.2 Evolução do atrito com o incremento da veloci dade relativa

Do mesmo modo que se procedeu nos ensaios de verificação da evolução do atrito, em função da carga

normal, também aqui se começou por adquirir os valores da força de atrito para depois calcular o

coeficiente e ângulo de atrito. Para estes resultados foi realizada uma única série de ensaios, para cada

uma das duas situações de lubrificação. Como tal, fixou-se o valor da carga aplicada e procedeu-se ao

aumento de velocidade de rotação do disco entre cada uma das leituras, de acordo com a tabela 4.4.

Evolução do atrito com a variação da velocidade ( FN = 72,06 N)

Sem lubrificação Com lubrificação Velocidade (m/min ) Fa (N) µ β (º) Fa (N) µ β (º)

1.29 12.64 0.166 9.44 1.77 0.023 1.33 4.17 10.54 0.139 7.89 2.08 0.027 1.56 6.94 11.56 0.152 8.64 2.12 0.028 1.60

11.11 12.96 0.170 9.67 1.86 0.024 1.40 16.66 14.44 0.190 10.75 2.12 0.028 1.60 22.22 15.54 0.204 11.55 1.62 0.021 1.22 27.77 15.98 0.210 11.87 1.47 0.019 1.11 33.33 16.41 0.216 12.18 1.20 0.016 0.90 38.88 16.92 0.222 12.54 1.20 0.016 0.91 44.43 17.82 0.234 13.19 1.06 0.014 0.80

Tabela 4.4 – Quadro resumo dos valores do coeficiente e ângulo de atrito nos ensaios de avaliação da força de atrito

em função do incremento da velocidade da interface.

Com os resultados deste segundo conjunto de ensaios, conseguiu-se obter a representação gráfica que

descreve o comportamento e evolução da força de atrito (figura 4.9).

55

Influência da Velocidade na Força de Atrito (F N = 72,06 N )

0

2

4

6

8

10

12

14

16

18

0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50

Velocidade linear (m/min)

For

ça d

e A

trito

(N

)

Com Lubrificação

Sem Lubrificação

Figura 4.9 – Evolução da força de atrito em função do incremento da velocidade para ambas as condições de

lubrificação.

Este conjunto de ensaios teve como finalidade classificar o lubrificante utilizado (Lactuca MS 7000), isto

é, de acordo com as limitações do equipamento, definir uma gama de velocidades óptima para operar

com este lubrificante. Como referido anteriormente, não é possível recriar os regimes de cargas nem de

velocidades que se reproduzem no corte ortogonal, pelo que a partir deste conjunto de ensaios apenas

pode ser inferida, de forma qualitativa, a influência da velocidade de corte, que no processo é da ordem

de 102 m/min.

Para os ensaios realizados em condições de interface seca, constata-se que a força de atrito tem

tendência a aumentar, uma vez que as asperezas de ambas as superfícies interagem de forma mais

vigorosa (devido ao mecanismo de stick – slip) [23].

Aquando da lubrificação da interface era esperado que os valores da mesma força seguissem um rumo

completamente independente do aferido com a interface seca, uma vez que o regime de lubrificação se

torna hidrodinâmico, e se acentua com o incremento de velocidade. A confirmação chegou após a

interpretação dos resultados obtidos, que foram implementados no mesmo gráfico (figura 4.9). Como

pode observar, a força de atrito, no caso da interface lubrificada, tende a diminuir à medida que a

velocidade aumenta, ao contrário do que acontece com a outra condição de lubrificação. No entanto, não

foi possível obter um valor mínimo isolado de entre os ensaios realizados, de modo a definir uma zona

óptima.

Como o lubrificante utilizado é geralmente utilizado em processos de corte por arranque de apara,

espera-se que este valor mínimo seja obtido para valores de velocidade da ordem da utilizada nestes

processos, embora não possa ser previsto na utilização deste equipamento, que apenas pode reproduzir

aproximadamente metade desse valor.

56

4.3.3 Influência do mecanismo da adesão

Até ao momento, em termos comparativos, pôde verificar-se que ao nível dos processos experimentais

(ensaio do anel e pino no disco) houve congruência no que diz respeito aos resultados. Ambos os

processos visaram obter as grandezas da força de atrito entre o binómio chumbo – aço, para diferentes

condições de interface, dos quais foi possível obter uma concordância aceitável, como previsto, os

valores obtidos no ensaio de anel são superiores ao do pino no disco.

No entanto, foram testados os mesmos materiais no próprio processo de corte, obtendo-se resultados

bastante distanciados dos obtidos experimentalmente com o ensaio do anel e do pino no disco. Pôde

então concluir-se que algo variou quando se passou do processo de corte para os métodos

experimentais independentes, que se prendeu com o facto da geração de novas superfícies [77], que é

geralmente acompanhada de uma grande actividade química que promove a atracção entre a superfície

virgem e a face de ataque da ferramenta, normalmente conhecida por força de adesão.

É com base neste princípio que se decidiu fazer uma alteração ao nível do disco do equipamento e

introduzir uma lâmina que possibilitasse, a cada passagem, efectuar um pequeno corte na secção do

pino. Foram adquiridos dados da força de atrito antes (1), durante (2) e imediatamente após o corte do

pino (3), de maneira a estudar a influência do fenómeno inerente ao contacto entre superfícies virgens

(figura 4.10). Para tornar perceptível este efeito operou-se, novamente, com uma velocidade de 1,29

m/min.

Numa primeira abordagem ao caso que intervém superfícies virgens, fez-se um primeiro ensaio em no

qual a carga normal dependeu apenas do peso próprio do braço e respectivo contrapeso (FN = 9,55 N).

como pode ser visto através da leitura do gráfico respectivo (figura 4.10 a) a influência não é perceptível,

ou seja, não há variação na leitura da força de atrito antes e depois passagem sobre a lâmina. Quando

se procedeu ao mesmo ensaio, agora com uma carga cerca de 10 vezes superior (FN = 106,4 N)

constatou-se, imediatamente após o corte surtiu um aumento extraordinário da força de atrito, que

passou de cerca de cerca de 20 N para 50 N (superior a 100%), para a mesma carga. Este facto serviu

para confirmar que no processo de corte por arranque de apara, o atrito é altamente influenciado com a

geração das superfícies virgens ao longo do processo, introduzida nos fundamentos teóricos. Para tornar

mais perceptível este efeito, construída uma tabela (4.5) onde se pode ver a variação, ao nível do atrito,

nesta interface, mantendo as condições, quer de carga quer de lubrificação.

57

Figura 4.10 – Avaliação da influência do mecanismo da adesão na força de atrito para um carregamento normal de a)

9,55 N e b) 106,4 N.

1

2

1

2

b)

a)

3

3

1

2

3

Antes do corte

Durante a passagem sobre a lâmina (corte)

Após o corte

∆Fa

58

Posição ���� (1) – Antes do corte (3) – Após o corte Variação Fa (N) ≈ 20 ≈ 50 ∆Fa ≈ 30

µ 0,189 0,472 ∆µ ≈ 0,283 = µa β (º) 10,70 25,27 ∆β ≈ 14,57

Tabela 4.5 – Valores da variação da força coeficiente e ângulo de atrito devido à ocorrência do fenómeno da adesão

(relativo à figura 4.8 b).

Com a realização deste ensaio, as condições de interface inerentes ao atrito, durante o processo de corte

por arranque de apara, deixam de ter a índole paradoxal que se vem a arrastar ao longo dos anos de

estudo deste tema. De acordo com a variação do coeficiente de atrito apresentada na tabela, foi possível

determinar a componente relativa ao fenómeno da inclusão das superfícies virgens nos ensaios, de

acordo com a equação 2.1.

Para esta carga, só a presença de superfícies virgens já contribui com mais de metade do valor da

componente total do coeficiente de atrito (µ). Se esta tendência de aumento se mantiver, à medida que a

força normal for aumentada (uma vez que para cargas inferiores, o efeito não se faz sentir – figura 4.8 a),

quando se atingem pressões de deformação ao nível da face de ataque da ferramenta (da grandeza de

ks > 100 Mpa – chumbo [86]) este fenómeno terá ainda maior relevância para a componente total do

coeficiente de atrito. A pressão normal máxima (pmáx) que pode ser reproduzida na interface (equação

4.3) com o equipamento de pino no disco é excessivamente inferior a ks, de modo que se torna muito

difícil fazer uma comparação viável e quantitativa em termos de carga normal, embora se tenha

conseguido reconhecer o importante contributo deste fenómeno.

MPaF

ppino

máxNmáx 48,4

8

19,2254422

)( =×

×=

×

×=

πφπ (4.3)

É por este conjunto de razões que os processos experimentais, independentes do próprio processo,

raramente conseguem recriar os mecanismos e fenómenos que intervêm no corte, e o valor do

coeficiente de atrito medido no corte não é excessivo mas sim efectivo, mesmo que seja superior ao valor

limite estipulado pelo critério de von Mises ( ≤µ 0,58) [88] ou até mesmo, superior à unidade [7].

Como pode ser verificado, os fenómenos relacionados com a presença de superfícies virgens

manifestam-se durante um curtíssimo período de tempo após o corte, cerca de 0,5 segundos (figura 4.9

b), no entanto é tempo de sobra para, no corte por arranque de apara, ser estabelecida a interface na

face de ataque, uma vez que as velocidades de operação são da ordem dos 102 m/min, para os

processos de corte convencionais.

59

Embora as novas superfícies fiquem imediatamente sujeitas à oxidação do ar após a sua formação, no

caso da apara, quase nada se entrepõe entre a fractura do material e o contacto com a ferramenta, pelo

que o atrito nesta situação tem uma forte componente devida, acima de tudo, a uma forte adesão.

A tabela 4.6 agrupa todos os coeficientes e ângulos de atrito, em condições de atrito seco, verificados ao

longo dos ensaios experimentais levados a cabo neste trabalho.

Processo µ β (º) Corte ortogonal 0,77 37,60 Ensaio de Anel 0,20 11,40 Pino no disco (subcap. 4.3.1) 0,19 10,64 Pino no disco (subcap. 4.3.3) 0,47 25,27

Tabela 4.6 – Resumo dos valores dos coeficientes e ângulos de atrito determinados ao longo dos processos

utilizados neste trabalho.

O que distingue cada um dos processos utilizados não é a possibilidade de existir falhas ou imprecisões

dos equipamentos, mas sim a capacidade, ou não, de concorrer com todos os parâmetros e fenómenos

que coexistem na interface entre a apara e a face de ataque da ferramenta de corte. O importante é

aceitar a complexidade de toda a envolvente que domina a ciência da tribologia aplicada aos processos

de atrito e tentar compreendê-la, reproduzindo o maior número de parâmetros envolvidos.

60

61

5 Conclusões e trabalhos futuros

O problema da optimização do corte por arranque é de difícil resolução, daí ter sido dedicado à causa

mais de um século de suposições, investigações e propostas de modelos analíticos, sendo uns mais

refutados e outros mais aclamados por parte da Comunidade Científica. Para tal, a solução passa pela

divisão do problema em partes, começando pelo estudo completo de cada fenómeno isolado, passando

pela análise da deformação plástica, do atrito e da fractura e, só depois, implementar novas soluções de

um modo mais global. Posto isto, o trabalho experimental da presente dissertação foi realizada em

condições longe das usuais da operação, no entanto, foram as condições que proporcionaram a melhor

análise e compreensão do desenvolvimento dos fenómenos em causa, eliminando a influência dos

parâmetros tais como a velocidade do corte e temperatura no processo.

Esta tese foi direccionada com o objectivo de avaliar quantitativamente a força de atrito durante o

processo de corte por arranque de apara na interface gerada entre a face de ataque da ferramenta de

corte e a apara resultante da deformação plástica implícita ao processo. O trabalho consistiu da aferição

de valores verdadeiros das forças totais que intervêm no corte, que depois foram comparados com

valores experimentais, com base na realização de ensaios que permitiram obter uma caracterização

independente do próprio processo.

Realizados que estão todos os ensaios propostos, somos levados a concluir que a força de atrito não

deve ser avaliada apenas com base nas propriedades dos materiais envolvidos, mas também a partir do

amplo leque de possibilidades alvitrado pela multidisciplinaridade da natureza das superfícies. Embora

sejam sugeridos quatro mecanismos básicos que impulsionam o atrito, no corte por arranque de apara, o

que mais se reflecte é, sem dúvida, o da adesão, com uma contribuição (experimentalmente

determinada) superior a 50% do coeficiente de atrito global. Não faz sentido apontar, por exemplo, o

mecanismo da fractura de camadas de óxidos como outro capital contribuinte, uma vez que, no corte, a

interface é preenchida por uma área de superfície virgem, isenta destes. O contributo de cada

mecanismo varia de caso para caso.

Pode também concluir-se que os processos experimentais que utilizam a modelação de elementos finitos

como ferramenta têm com certeza inúmeras vantagens, embora fiquem aquém da realidade. Esta tem

como finalidade aproximar, de um modo monitorizado e simples, a realidade dos processos. No entanto

esta aproximação pode transformar-se em discrepância; foi o caso do ensaio de anel. Não se quer,

porém, por em questão a utilidade deste tipo de ensaio, embora seja menos indicado para se poder

representar uma lei do atrito no corte por arranque de apara, da forma como está estruturado.

62

A justificação para tal continua a ser a mesma, isto é, não é possível recriar as condições do processo de

corte de acordo com as leis dos materiais, mas sim à luz de toda a envolvente relativa à natureza das

superfícies. Por exemplo, no ensaio do anel, já existe, certamente, uma forte componente derivada da

oxidação da superfície, contrapondo o processo de corte.

O futuro da avaliação das condições de interface deverá passar por fazer uma nova revisão dos

parâmetros com os quais se deve, na realidade, jogar no processo. Sem descorar os regimes de

aplicação da carga, deverão ser tomados, talvez em maior conta, os fenómenos relativos à criação de

novas superfícies bem como da natureza das mesmas.

O equipamento de pino no disco utilizado neste trabalho deverá ser alvo de uma revisão mais extensa,

tendo em conta que se trata de um protótipo. Para a implementação de uma estrutura final deverá ser

realizado um conjunto de alterações.

De um modo geral, esta investigação ficou retida com a realização de ensaios sobre o comportamento do

chumbo em condições particulares, dado à sua aproximação ao modelo rígido – perfeitamente plástico.

Como tal, propõe-se que sejam realizados novos ensaios em novos materiais, sobre novas condições, de

modo a que se possa refinar a análise do corte ortogonal, nomeadamente as condições de atrito. Poderá

ser feita uma aplicação experimental utilizando o próprio torno, para conseguir recriar os níveis reais de

velocidade.

Como foi verificado quer na revisão bibliográfica, quer nos ensaios, o valor do coeficiente de atrito pode

ser superior ao admissível pelas propriedades referentes a um dado material. Devido à importância do

atrito no processo, é necessário, numa fase posterior, encontrar um novo modelo de atrito que consegue

descrever com exactidão a sua evolução no processo.

E também é de grande interesse conseguir gerar um código deste novo modelo e aplicar num programa

de simulação em MEF, nomeadamente o I-CUT, desenvolvido pela STM.

63

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