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Liliana Maria do Vale Costa Gonçalves Avaliação do pH Salivar em Pacientes Submetidos a Radioterapia à Região de Cabeça e Pescoço Universidade Fernando Pessoa - Faculdade de Ciências da Saúde PORTO, 2015

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Liliana Maria do Vale Costa Gonçalves

Avaliação do pH Salivar em Pacientes Submetidos a Radioterapia

à Região de Cabeça e Pescoço

Universidade Fernando Pessoa - Faculdade de Ciências da Saúde

PORTO, 2015

Liliana Maria do Vale Costa Gonçalves

Avaliação do pH Salivar em Pacientes Submetidos a Radioterapia

à Região de Cabeça e Pescoço

Universidade Fernando Pessoa - Faculdade de Ciências da Saúde

PORTO, 2015

Liliana Maria do Vale Costa Gonçalves

Avaliação do pH Salivar em Pacientes Submetidos a Radioterapia

à Região de Cabeça e Pescoço

_______________________________________________________

(Liliana Maria do Vale Costa Gonçalves)

Trabalho apresentado à Universidade Fernando Pessoa

como parte dos requisitos para obtenção do grau de

Mestre em Medicina Dentária

i

Resumo

A disfunção das glândulas salivares, como sequela da Radioterapia (RT) traduz-se

geralmente em hipofunção salivar e consequente diminuição do pH. Este estudo avaliou

o comportamento do pH salivar num grupo de 35 indivíduos submetidos a RT com

fracionamento convencional, por tumores malignos da região de cabeça e pescoço. O

acompanhamento foi obtido através de três avaliações a cada indivíduo. A primeira

avaliação foi realizada antes do tratamento, a segunda após 15 sessões de tratamento e a

última depois de terminado o tratamento. O pH salivar foi determinado através de

indicadores de alaranjado de metilo e azul de bromotimol, colocados na face dorsal da

língua. A média do valor de pH registada antes do tratamento foi 6,69. A medição

intermédia demonstrou diminuição do valor de pH da saliva para 6.37, baixando para

6,31 até ao final do tratamento (p>0,05). Estes resultados demonstraram que a RT, no

tratamento de tumores da cabeça e do pescoço, parece reduzir o pH salivar, sendo este

valor dose-dependente.

Palavras-chave: Neoplasia de cabeça e pescoço; Glândulas salivares; Hipossalivação;

pH; Saliva; Radioterapia.

ii

Abstract

The dysfunction of the salivary glands, as an effect of radiotherapy (RT), usually

generates a salivary hypofunction and subsequent decrease of the pH value. This study

aimed to evaluate the salivary pH behaviour in a group of 35 individuals under RT with

conventional fractionation, for malignant tumours of the head and neck regions. The

follow-up was obtained through three assessments to each individual. The first

evaluation was conducted before treatment, the second one after 15 treatment sessions

and the last one at the end of the treatment. The salivary pH was determined by methyl

orange indicator and bromothymol blue indicator placed on the dorsal surface of the

tongue. The average pH recorded before the treatment was 6.69. The intermediate

measurement showed a diminution of the saliva pH value to 6:37, dropping to 6.31 by

the end of treatment (p> 0.05). These results revealed that the RT for the treatment of

tumours of the head and neck regions appears to reduce the salivary pH value, which is

dose-dependent.

Keywords: Head and neck cancer; Salivary glands; Hyposalivation; pH; Saliva;

Radiotherapy.

iii

Índice

Índice de Gráficos .......................................................................................................... viii

Índice de Tabelas ............................................................................................................. ix

Siglas e abreviaturas .......................................................................................................... x

I. Introdução ..................................................................................................................... 1

I.1. Objeto principal do trabalho (Tema) ........................................................................ 1

I.2. Motivação ................................................................................................................. 1

I.3. Objetivos .................................................................................................................. 2

I.4. Hipótese.................................................................................................................... 2

I.5. Critérios de inclusão ................................................................................................. 3

I.6. Critérios de exclusão ................................................................................................ 3

I.7. Métodos utilizados ................................................................................................... 3

II. Desenvolvimento .......................................................................................................... 5

II.1. Variáveis epidemiológicas associadas à patologia oncológica de cabeça e

pescoço.................................................................................................................... 5

II.2. Sistema TNM .......................................................................................................... 6

II.3. Anatomia das glândulas salivares ........................................................................... 8

II.3.i. Glândulas salivares major ............................................................................... 9

II.3.ii. Glândulas salivares minor............................................................................. 10

II.4. Fisiohistologia das glândulas salivares ................................................................. 11

II.4.i. Porção secretora ou ácino ............................................................................. 11

II.4.ii. Células mioepiteliais ..................................................................................... 13

II.4.iii. Sistema de ductos ......................................................................................... 13

II.5. Saliva ..................................................................................................................... 14

II.5.i. Composição da saliva ................................................................................... 15

II.5.ii. Funções da saliva .......................................................................................... 16

II.6. Fluxo salivar .......................................................................................................... 20

II.6.i. Variação do fluxo salivar .............................................................................. 22

II.7. Capacidade tampão e regulação do pH salivar ..................................................... 24

II.8. Radioterapia no tratamento de tumores malignos de cabeça e pescoço................ 26

II.8.i. Interação da radiação ionizante com a matéria ............................................. 27

II.8.ii. Conceitos fundamentais em radiobiologia .................................................... 28

iv

II.8.ii.a) Efeitos somáticos e efeitos genéticos .................................................. 29

II.8.ii.b) Efeitos estocásticos e efeitos determinísticos ...................................... 29

II.8.ii.c) Efeitos agudos e efeitos crónicos ........................................................ 30

II.8.iii Tipos de órgãos ............................................................................................. 30

II.8.iv. Efeitos adversos agudos induzidos pela RT em patologia oncológica de

cabeça e pescoço .................................................................................................. 30

II.8.v. Dose e fracionamento da RT em patologia oncológica de cabeça e

pescoço ............................................................................................................... 32

II.9. Fisiologia da disfunção glandular radioinduzida .................................................. 33

II.10. Impacto da RT no fluxo salivar ........................................................................... 37

III. Resultados ................................................................................................................... 41

IV. Discussão .................................................................................................................... 47

V. Conclusão .................................................................................................................... 54

VI. Bibliografia ................................................................................................................. 56

v

Índice de Gráficos

Gráfico 1: Incidência e mortalidade dos cancros mais frequentes em Portugal no ano de

2012, para ambos os sexos e todas as idades, onde se incluem localizações como a

cavidade oral, laringe e faringe.......................................................................................... 6

Gráfico 2: Relação entre a dose média e o fluxo salivar estimulado baseline e o período

de follow-up ..................................................................................................................... 38

Gráfico 3: Valor de pH inicial ......................................................................................... 43

Gráfico 4: Valor de pH após 15 frações .......................................................................... 44

Gráfico 5: Valor de pH final ............................................................................................ 44

vi

Índice de Tabelas

Tabela 1: Categorias do estadiamento TNM em tumores da região de cabeça e pescoço,

de acordo com a AJCC ...................................................................................................... 7

Tabela 2: Estadio TNM nos tumores malignos de cabeça e pescoço. ............................... 8

Tabela 3: Principais componentes da saliva, respetivas funções e ações ........................ 20

Tabela 4: Alguns fatores que influenciam o débito salivar ............................................. 23

Tabela 5: Critérios de toxicidade aguda radioinduzida nas glândulas salivares, segundo a

classificação do RTOG .................................................................................................... 31

Tabela 6: Localização do tumor primário........................................................................ 41

Tabela 7: Estadio T .......................................................................................................... 42

Tabela 8: Estadio N ......................................................................................................... 42

Tabela 9: Valor de pH médio, de acordo com a dose mediana na parótida direita ......... 45

Tabela 10: Valor de pH médio, de acordo com a dose mediana na parótida esquerda ... 46

Tabela 11: Valor de pH médio, de acordo com a dose mediana no conjunto das

parótidas........................................................................................................................... 46

vii

Índice de Figuras

Fig.1: Anatomia de estruturas orofaciais ......................................................................... 10

Fig. 2: A, Representação das unidades secretórias. B, secção histológica de uma

glândula salivar normal. Aparência normal dos ductos (ponta da seta) e ácinos (setas)

com magnificação x10. .................................................................................................... 12

Fig. 3: Unidade básica das glândulas salivares e respetiva secreção ............................... 14

Fig. 4: Componentes da saliva ......................................................................................... 15

Fig.5: Radiossensibilidade de vários tecidos ................................................................... 32

viii

Siglas e Abreviaturas

3D CRT - Three-Dimensional Conformal Radiotherapy

ADN - Ácido desoxirribonucleico

AJCC - The American Joint Committee on Cancer

ATP - Adenosina Trifosfato

CHART - Continuous Hyperfractionated Accelerated Radiotherapy

Gy - Gray

HPV – Papiloma Vírus Humano

IARC - International Agency for Research on Cancer

IMRT – Intensity Modulated Radiotherapy

IPOP – Instituto Português de Oncologia do Porto

LINAC - Linear Particle Accelerator

MV - Megavoltagem

NCCN - National Comprehensive Cancer Network

NCRP - National Council on Radiation Protection & Measurements

NTCP - Normal Tissue Complication Probability

QT - Quimioterapia

RMN – Ressonância Magnética Nuclear

RT - Radioterapia

TC – Tomografia Computorizada

TNM – T – Tumor; N – Gânglios regionais; M – Metástases

UFP – Universidade Fernando Pessoa

VMAT – Volumetric Modulated Arc Therapy

Avaliação do pH Salivar em Pacientes Submetidos a Radioterapia à Região de Cabeça e Pescoço

1

I. Introdução

As modalidades terapêuticas utilizadas na abordagem de tumores da região de cabeça e

pescoço incluem a cirurgia, radioterapia (RT) e quimioterapia (QT). A RT, cujo agente

terapêutico é a radiação ionizante, tem como objetivo destruir células neoplásicas

através da ionização no meio onde incide, tornando-o eletricamente instável e sensível

ao dano. A RT, contudo, não é seletiva, pois não possui a capacidade de diferenciar as

células normais das células malignas, o que a torna tóxico para o organismo. Esta

modalidade, quando aplicada na região de cabeça e pescoço, dependendo da dose total,

da dose por fração, volume de tratamento e do uso concomitante de QT, pode produzir

alterações reversíveis e irreversíveis nos tecidos normais. Os efeitos nocivos mais

frequentes são aqueles que ocorrem nas glândulas salivares, ossos, dentes, mucosa,

músculos e articulações. Estes efeitos combinam a perda celular e o dano na

vascularização local, resultando em mucosite, dermatite, infeções orais oportunistas,

xerostomia, hipossalivação, hipogeusia, halitose, osteorradionecrose, fibrose e trismo.

Atualmente, sabe-se que doses de radiação entre 10 e 15 Gy são capazes de alterar o

funcionamento das glândulas salivares humanas.

I.1. Objeto principal do trabalho (Tema)

Neste trabalho pretendeu-se abordar a possível associação entre a RT no tratamento de

tumores da cabeça e pescoço e a alteração do pH (potencial de hidrogénio) salivar

durante as semanas de tratamento, pelo impacto que esta abordagem terapêutica tem na

saúde oral em geral e na função salivar em particular.

I.2. Motivação

A Medicina Oral Oncológica é uma área importante em Medicina Dentária, razão pela

qual a autora se decidiu a estruturar o seu trabalho científico dentro da temática.

A hipossalivação é uma das sequelas mais frequentes nos pacientes com tumores

malignos da região de cabeça e pescoço tratados com RT. Esta condição é caracterizada

pela redução qualitativa e quantitativa do fluxo salivar, habitualmente associada à

Avaliação do pH Salivar em Pacientes Submetidos a Radioterapia à Região de Cabeça e Pescoço

2

diminuição do pH salivar. Estas alterações fisiológicas podem contribuir para o

aparecimento de dificuldades na mastigação, deglutição, fonação, aumento na

prevalência de infeções (candidíase, cárie e doença periodontal), dor, perda de peças

dentárias, osteonecrose e halitose. A literatura científica ainda oferece dúvidas quanto

ao mecanismo radioinduzido da variação do pH salivar durante as semanas de

tratamento. Pelo elevado índice de pacientes com neoplasias de cabeça e pescoço

submetidos a RT de altas doses com campos de radiação extensos, verificou-se a

necessidade de investigar possíveis alterações no valor de pH desses pacientes, bem

como fatores associados, para que, após a investigação, se possam fornecer dados para

programas de prevenção, reabilitação oral e minimização das disfunções. A integração

do Médico Dentista na equipa multidisciplinar para o tratamento oncológico pode

beneficiar o controlo do risco associado ao paciente.

I.3. Objetivos

O objetivo principal deste trabalho foi determinar o pH salivar em pacientes com

tumores malignos da região de cabeça e pescoço, durante os tratamentos de RT. Os

objetivos específicos deste estudo foram:

1. Conhecer as implicações da alteração do pH salivar na saúde oral.

2. Estudar as relações entre a hipofunção salivar e o valor de pH salivar.

3. Avaliar se o pH salivar é dependente da dose mediana (de RT) nas parótidas.

I.4. Hipótese

H0: A alteração do pH salivar como efeito secundário não surge em pacientes

submetidos a RT de cabeça e pescoço, durante as semanas de tratamento.

H1: A alteração do pH salivar como efeito secundário surge em pacientes submetidos a

RT de cabeça e pescoço, durante as semanas de tratamento.

Avaliação do pH Salivar em Pacientes Submetidos a Radioterapia à Região de Cabeça e Pescoço

3

I.5. Critérios de inclusão

Doentes submetidos a RT à área de cabeça e pescoço, que concordaram com a

participação no estudo.

I.6. Critérios de exclusão

Doentes menores de 18 anos.

Doentes com história de parotidectomia e/ou submandibulectomia.

Doentes em que, por limitação anatómica, fisiológica ou patológica, não fosse possível

recolher amostras.

Doentes com tumores das glândulas salivares major.

I.7. Métodos utilizados

Tratou-se de um estudo prospetivo no qual foram avaliados e acompanhados pacientes

com neoplasias malignas da região de cabeça e pescoço, submetidos a RT no Instituto

Português de Oncologia do Porto (IPOP), selecionados de forma aleatória.

Este estudo foi iniciado após o protocolo ser submetido à apreciação e aprovação pela

Comissão de Ética da Universidade Fernando Pessoa (UFP) e pela Comissão de Ética

do IPOP. Todos os doentes sujeitos ao estudo concordaram com a participação na

investigação, após assinarem o consentimento informado livre e esclarecido.

A amostra foi classificada quanto às variáveis do paciente (idade, género, histologia do

tumor, estadio do tumor, localização do tumor, pH salivar inicial, pH salivar durante a

RT e pH final), dados dosimétricos (dose total, dose por fração, dose mediana nas

parótidas) e dados do tratamento (técnica de tratamento utilizada e terapêuticas

associadas).

Todos os dados referidos, com exceção do valor de pH, foram recolhidos através de

consulta do processo clínico. O pH salivar foi determinado pela aplicação de

indicadores alaranjado de metilo e azul de bromotimol, que permitiram a diferenciação

de valores de meia unidade entre 5 e 9. O doente foi instruído a não deglutir durante

Avaliação do pH Salivar em Pacientes Submetidos a Radioterapia à Região de Cabeça e Pescoço

4

dois minutos, mantendo o indicador na face dorsal da língua. Decorrido esse tempo, o

indicador foi removido da boca e comparado o sistema de cores obtido com a escala de

cores. A primeira recolha de pH foi efetuada antes dos pacientes iniciarem o tratamento.

Passadas 15 frações, realizou-se a segunda avaliação e a última efetuou-se após o último

tratamento, num total de três avaliações por doente.

A recolha de informação foi realizada no período entre janeiro e maio de 2015. O

tratamento e a análise estatística foram efetuados recorrendo ao programa estatístico

SPSS (v.17).

Nos testes estatísticos realizados durante o processo de investigação, nomeadamente o

teste de χ2 e T-student para amostras independentes, utilizou-se um nível de confiança

de 95%, considerando a rejeição da hipótese nula sempre que o α (erro tipo I) foi menor

que 0.05 (p-value).

Avaliação do pH Salivar em Pacientes Submetidos a Radioterapia à Região de Cabeça e Pescoço

5

II. Desenvolvimento

II.1. Variáveis epidemiológicas associadas à patologia oncológica de cabeça e

pescoço

Os dados apresentados pela International Agency for Research on Cancer (IARC),

relativos a 2012, mostraram 14,1 milhões de novos casos de cancro, 8,2 milhões de

mortes por cancro e 32,6 milhões de pessoas a viver com cancro 5 anos após o

diagnóstico, em todo o mundo. Relativamente a Portugal, a taxa de incidência nesse ano

foi de 48855 (International Agency for Research on Cancer, 2012; Registo Oncológico

Regional do Norte, 2012).

A patologia oncológica de cabeça e pescoço representa cerca de 10% dos tumores

malignos a nível mundial, podendo afetar diferentes áreas anatómicas. Em média, 40%

dos casos ocorre na cavidade oral, 25% na laringe, 15% na faringe, 7% nas glândulas

salivares e 13% nos restantes locais. A análise dos casos de tumores da cavidade oral

(língua, gengivas, palato, pavimento da boca e trígono retromolar) e da orofaringe

(amígdalas, parede faríngea e base da língua) registados entre 1998 e 2007 em Portugal

permitiu perceber que houve um aumento da incidência de cancro nestas regiões, sendo

a cavidade oral o local mais afetado (Gráfico 1) (International Agency for Research on

Cancer, 2012; Registo Oncológico Regional do Norte, 2007).

Apesar de os homens continuarem a ser os principais afetados, o cancro da área de

cabeça e pescoço está a aumentar entre as mulheres portuguesas, a um ritmo superior a

4%/ano, sobretudo em áreas aparentemente relacionadas com a infeção do vírus do

papiloma humano (HPV). (Monteiro et al., 2013; Registo Oncológico Regional do

Norte, 2007)

Avaliação do pH Salivar em Pacientes Submetidos a Radioterapia à Região de Cabeça e Pescoço

6

Gráfico 1: Incidência e mortalidade dos cancros mais frequentes em Portugal no ano de 2012, para ambos

os sexos e todas as idades, onde se incluem localizações como a cavidade oral, laringe e faringe (Fonte:

http://globocan.iarc.fr).

II.2. Sistema TNM

O Sistema TNM é uma classificação definida pelo The American Joint Committee on

Cancer (AJCC), que avalia a extensão de neoplasias malignas, nomeadamente

carcinomas, com base em três categorias (AJCC Cancer Staging Manual, 2010):

T - extensão do tumor primário

N - ausência ou presença e a extensão de metástases em gânglios regionais

M - ausência ou presença de metástases à distância

Nos tumores malignos da região de cabeça e pescoço, as divisões e subdivisões de

algumas categorias oferecem maior especificidade (Tabela 1).

Avaliação do pH Salivar em Pacientes Submetidos a Radioterapia à Região de Cabeça e Pescoço

7

Tabela 1: Categorias do estadiamento TNM em tumores da região de cabeça e pescoço, de acordo com a

AJCC.

T - Tumor Primário

Tx Tumor primário não avaliado

T0 Não há evidência de tumor primário

Tis Carcinoma in situ

T1 Tumor com 2 cm ou menos na sua maior dimensão

T2 Tumor com mais de 2 cm e até 4 cm na sua maior dimensão

T3 Tumor com mais de 4 cm na sua maior dimensão

T4 Tumor que invade estruturas adjacentes

N - Gânglios Regionais

Nx Gânglios regionais não avaliados

N0 Ausência de metástase em gânglios regionais

N1 Metástase num gânglio homolateral, com 3cm ou menos na sua maior

dimensão

N2

Metástase num gânglio homolateral, com mais de 3 cm e até 6 cm na

sua maior dimensão (N2a); ou em múltiplos gânglios homolaterais,

nenhum deles com mais de 6 cm na sua maior dimensão (N2b); ou em

gânglios bilaterais ou contralaterais, nenhum deles com mais de 6 cm na

sua maior dimensão (N2c)

N3 Metástase em gânglios com mais de 6 cm na sua maior dimensão

M - Metástase à Distância

Mx Presença de metástase à distância não avaliada

M0 Ausência de metástase à distância

M1 Metástase à distância

A Tabela 2 refere-se ao agrupamento das diferentes categorias (T, N e M) em estadios,

que tem como base o impacto de cada uma dessas categorias na sobrevida/prognóstico

da doença (AJCC Cancer Staging Manual, 2010).

Avaliação do pH Salivar em Pacientes Submetidos a Radioterapia à Região de Cabeça e Pescoço

8

Tabela 2: Estadio TNM nos tumores malignos de cabeça e pescoço.

Estadio TNM em cancro de cabeça e pescoço

Estadio 0 Tis N0 M0

Estadio I T1 N0 M0

Estadio II T2 N0

M0

M0

M0

M0

Estadio III

T3

T1

T2

T3

N0

N1

N1

N1

M0

M0

M0

M0

Estadio IVA

T4a

T4a

T1

T2

T3

T4a

N0

N1

N2

N2

N2

N2

M0

M0

M0

M0

M0

M0

Estadio IVB T4b

Qualquer T Qualquer N3

M0

M0

Estadio IVC Qualquer T Qualquer N M1

Adaptado do National Comprehensive Cancer Network (NCCN); Practice guidelines in oncology; head

and neck cancers. Disponível em www.nccn.org/.

II.3. Anatomia das glândulas salivares:

Ao longo da história, as glândulas salivares têm sido tópico de interesse e de numerosas

pesquisas. Em 160 AC, Galen descreveu a posição das glândulas salivares e respetivos

ductos. Em 1543, Vesalius publicou uma descrição anatómica detalhada das glândulas

salivares numa monografia entitulada De Humani Corporis Fabrica. Antes do século 17

pensava-se que as glândulas salivares serviam apenas como órgãos transportadores de

resíduos, cuja função era a extirpação de espíritos malignos do cérebro a partir do

sangue. A dedicação de cientistas como Boredu, Ludwig, Langley, Haller, Heidenhain,

Avaliação do pH Salivar em Pacientes Submetidos a Radioterapia à Região de Cabeça e Pescoço

9

Mueller, Baylis, Bernard e Pavlov permitiram o melhor conhecimento da

anatomofisiologia das glândulas salivares (Cummings, 2011).

A saliva é segregada a partir de três pares de glândulas major (maiores) e numerosas

salivares minor (menores). As glândulas salivares major são constituídas pelas

parótidas, submandibulares e glândulas sublinguais. As glândulas salivares minor

encontram-se na mucosa do lábio, língua, palato e faringe (Gray, 2000; Cummings,

2011).

II.3.i. Glândulas salivares major

Parótidas:

As parótidas são as maiores glândulas, estão localizadas uma de cada lado da face, na

fossa retromandibular, anteriores ao pavilhão auricular e anterior ao

esternocleidomastoideu (Fig. 1). Cada uma é dividida em lobo superficial e lobo

profundo pelo nervo facial. A saliva produzida é secretada através dos ductos de Stenon.

Este ducto percorre superficialmente o masseter, passa 1 cm abaixo do arco zigomático,

perfura o músculo bucinador e acaba na papila parotídea ao nível do 2º molar superior.

Quanto à vascularização, as glândulas parótidas são irrigadas por ramos das artérias

carótidas externa e temporal superficial. A drenagem venosa é efetuada para a veia

jugular externa (Gray, 2000; Cummings, 2011).

Submandibulares:

As glândulas submandibulares encontram-se na parte posterior do triângulo

submandibular, medialmente ao ângulo mandibular, parcialmente protegidas pelo corpo

da mandíbula (Fig. 1). A saliva é secretada através dos ductos de Wharton, que são

anteriores e mediais às glândulas sublinguais. Os ductos submandibulares apresentam

proximidade com a musculatura supra-hióideia, ou seja, os ductos originam-se na

porção glandular situada entre os músculos milo-hióideo e hioglosso. Além disso, cada

ducto submandibular passa profundamente e depois superficialmente ao nervo lingual.

As aberturas desses ductos para a cavidade oral consistem em três orifícios agrupados

em duas pequenas papilas, facilmente visíveis ao lado do freio lingual, na carúncula

sublingual. O aporte sanguíneo das glândulas submandibulares provém do ramo

submentoniano da artéria facial (Gray, 2000; Cummings, 2011).

Avaliação do pH Salivar em Pacientes Submetidos a Radioterapia à Região de Cabeça e Pescoço

10

Sublinguais:

As glândulas sublinguais são as menores dos três pares das glândulas salivares major e

encontram-se entre os músculos da cavidade oral. Apresentam uma localização mais

profunda, no pavimento da boca e inferiormente à língua (Fig. 1). Encontram-se

separadas das glândulas submandibulares pelo músculo milo-hióideu. Estas glândulas

secretam saliva através dos ductos de Bartholin. São irrigadas pelas artérias sublingual e

submentoniana, ramos das artérias lingual e facial, respetivamente (Gray, 2000;

Cummings, 2011).

Fig.1: Anatomia de estruturas orofaciais.

(Fonte: https://www.netterimages.com/salivary-glands-labeled-anatomy-atlas-4e-general-anatomy-frank-

h-netter-4396.html)

II.3.ii. Glândulas salivares minor

As glândulas salivares menores ou acessórias são um conjunto de 400 a 500 pequenas

glândulas dispersas por toda a mucosa oral, exceto na gengiva e porção anterior do

palato duro. São elas:

I) Acessórias labiais

II) Acessórias jugais

III) Acessórias sublinguais ou glândulas de Rivinus

Avaliação do pH Salivar em Pacientes Submetidos a Radioterapia à Região de Cabeça e Pescoço

11

IV) Acessórias palatinas

V) Acessórias do palato mole e úvula

VI) Acessórias glossopalatinas

VII) Acessórias do espaço retromolar

VIII) Acessórias linguais:

i. Glândulas de Blandim e Nuhn

ii. Glândulas de von Ebner

iii. Glândulas da base da língua (Gray, 2000; Cummings, 2011).

II.4. Fisiohistologia das glândulas salivares

A unidade básica da glândula salivar é composta por um ácino, um ducto intercalado e

outro de excreção (Fig. 2A e B).

II.4.i. Porção secretora ou ácino

O ácino apresenta um lúmen central, rodeado por células polarizadas e delimitadas por

uma membrana plasmática com dois polos distintos, um basolateral e um apical. Estes

dois domínios são funcionalmente e fisicamente separados por junções de hiato que

conectam células adjacentes imediatamente abaixo da área luminal (Nanci, 2003; Ross e

Pawlina, 2005; Cummings, 2011).

Os ácinos são classificados como serosos, mucosos ou mistos (Fig. 2). Em geral, as

células serosas produzem proteínas e glicoproteínas, muitas das quais exercem função

enzimática e antimicrobiana. A principal função das mucinas é lubrificar, formar uma

barreira protetora e agregar microorganismos, como será apresentado posteriormente

(Nanci, 2003; Ross e Pawlina, 2005; Cummings, 2011).

As glândulas parótidas são glândulas exócrinas acinosas compostas enquanto que as

submandibulares e as sublinguais apresentam adenómeros mistos, com produção

mucosserosa, embora a última seja predominantemente mucosa. Relativamente às

glândulas salivares menores, são geralmente mucosas, com excepção das glândulas de

Avaliação do pH Salivar em Pacientes Submetidos a Radioterapia à Região de Cabeça e Pescoço

12

von Ebner, que apresentam produção serosa (Fig.3) (Nanci, 2003; Ross e Pawlina,

2005; Cummings, 2011).

As células dos ácinos serosos têm forma piramidal e núcleos basais redondos. O

citoplasma é denso, com grânulos de secreção basófilos ricos em proteínas, preparados

para libertar o seu conteúdo para o lúmen acinar. O número destes grânulos varia de

acordo com a fase da atividade secretora, diminuindo após um período de secreção e

acumulando após um período de síntese.

Os ácinos mucosos apresentam um lúmen de maiores dimensões do que os ácinos

serosos e as células que rodeiam o lúmen têm um citoplasma claro, núcleos basais

achatados e mucigénio (precursor da mucina) (Fig. 2).

As células mucosas são encontradas em redor do lúmen dos ácinos, enquanto que as

serosas são encontradas próximas à base dos ácinos.

Cada ácino está rodeado por uma camada de células mioepiteliais, que por sua vez é

delimitada por uma membrana basal distinta (Nanci, 2003; Ross e Pawlina, 2005;

Cummings, 2011) (Fig. 2A e B).

Fig. 2: A, Representação das unidades secretórias. B, secção histológica de uma glândula salivar normal.

Aparência normal dos ductos (ponta da seta) e ácinos (setas) com magnificação x10. (Fonte: Ganong WF.

Review of Meical Physiology. New York, McGraw Hill; 1999; 473)

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13

II.4.ii. Células mioepiteliais

As células mioepiteliais são células não secretoras alongadas ou em forma de estrela,

com longas ramificações que circundam o ácino e os ductos proximais (Fig. 2). Estas

células apresentam junções de hiato e miofilamentos, que lhes conferem capacidade de

expulsão de secreções pré-formadas e propriedades contrácteis (Nanci, 2003; Ross e

Pawlina, 2005; Cummings, 2011).

II.4.iii. Sistema de ductos

O ácino é contíguo com o ducto intercalado, uma estrutura oca revestida por uma

camada única de pequenas células cúbicas (Fig. 2A e B). A camada de células

mioepiteliais rodeia esta porção de células cúbicas alinhadas, semelhante aos ácinos. Os

ductos intercalados continuam como ductos estriados, revestidos por células cilíndricas

e com microvilosidades na sua superfície luminal. As células ductais têm estrias basais

proeminentes formadas por invaginações da membrana plasmática. As características de

alta energia dessas células sugerem que elas estão envolvidas no transporte de iões e

água. Os ductos estriados levam a ductos excretores, revestidos por duas camadas de

epitélio, uma camada de células achatadas que rodeiam o lúmen ductal e uma camada

exterior de células cilíndricas (Fig. 3) (Nanci, 2003; Ross e Pawlina, 2005; Cummings,

2011).

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14

Fig. 3: Unidade básica das glândulas salivares e respetiva secreção.

Legenda: Barra vermelha corresponde a células serosas; Barra amarela corresponde a células mucosas.

Adaptado de https://www.studyblue.com/notes/note/n/maap-1-study-guide-2012-13-

georgefbhanna/deck/9714356

II.5. Saliva

A saúde e conforto da mucosa orofaríngea e dos dentes dependem de uma quantidade e

qualidade de saliva adequadas.

A saliva consiste numa secreção complexa formada através de processos de transporte

ativo que ocorrem na unidade secretora, sob controlo neuronal. O ácino é o local de

formação do fluido e da maioria (~85%) das proteínas exócrinas. O componente fluido

deriva do leito vascular local sob a forma de uma solução isotónica, secretada para o

lúmen acinar. Esta secreção primária atravessa o sistema ductal antes de se libertar na

cavidade oral. A maioria do sódio (Na+) e cloro (Cl

-) na secreção principal é reabsorvida

no ducto e uma pequena quantidade de potássio (K+) e bicarbonato (HCO3

-) é secretada.

Algumas proteínas são adicionadas ao fluido salivar à medida que este atravessa o ducto

secretor. No momento em que a saliva entra na cavidade oral, torna-se hipotónica

(Dawes, 1987; Ferguson et al., 1989; Cummings, 2011).

Avaliação do pH Salivar em Pacientes Submetidos a Radioterapia à Região de Cabeça e Pescoço

15

II.5.i. Composição da saliva

A saliva presente na cavidade oral, chamada de saliva total, é constituída por água

(99%) e por uma mistura complexa de eletrólitos e macromoléculas. Esta mistura inclui

secreções de todas as glândulas salivares (maiores e menores), produtos do metabolismo

da flora oral, células microbianas, células epiteliais que sofreram descamação, restos

alimentares, células sanguíneas, secreções creviculares gengivais e secreções de origem

respiratória (Fig. 4). As concentrações de cada componente variam a nível intra e

interindividual (Dawes, 1987; Ferguson et al., 1989; Cummings, 2011).

Fig. 4: Componentes da saliva.

A quantidade de substâncias orgânicas encontradas na saliva é de 0,5%,

aproximadamente, sendo que as proteínas compõem a maioria desses componentes

(~0.25%) (Dawes, 1987; Ferguson et al., 1989; Cummings, 2011). As mais

frequentemente encontradas são a mucina, a amilase, a urease, a lisozima, a anidrase

carbónica, o tiocianato e a glicose.

Algumas enzimas salivares, como a α-amilase, a lipase, a ribonuclease e as oxidases

iniciam a digestão e ajudam na limpeza da mucosa oral e dentes de restos de alimentos.

Saliva

Glândulas Salivares

- Água; Proteínas;

Eletrólitos; Moléculas

orgânicas

Microbiota

- Bactérias;

Vírus; Fungos

Células de

revestimento

- Queratinócitos

Substâncias

extrínsecas

- Restos de alimentos;

Dentifricos e soluções

bochecho

Outros fluídos

- Secreções nasais

e brônquicas

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16

A amilase salivar tem como principal função o aumento da taxa de dissolução do amido.

A lisozima, a lactoferrina, a cistitina, a defensina, a apolactoferrina, as imunoglobulinas

(principalmente a IgA), as proteínas ricas em prolina, as peroxidases e as aglutininas são

proteínas importantes na proteção contra substâncias nocivas ingeridas e contra infeções

por microorganismos. A mucina e a estaterina facilitam o transporte de minerais num

estado supersaturado. A anidrase carbónica participa na manutenção da homeostasia do

pH salivar através da reação CO2 + H2O <=> HCO3- + H

+. A glicose, embora presente

em quantidade reduzida, é o principal substrato que, na via glicolítica, explica a

formação do ácido láctico, relacionado com o processo bioquímico da cárie dentária. A

urease hidrolisa a ureia, responsável pelo aparecimento da amónia (NH3) na saliva. Esta

substância, como é básica, eleva o pH salivar, o que favorece a formação de tártaro pela

precipitação de sais de Ca2+

.

Relativamente aos componentes inorgânicos, estes podem-se dividir em duas

categorias: aniões (Cl-, H2PO4

-, HPO4

2-, HCO3

-(CO2), SO4

2-, S

- e Fl

-) e catiões (K

+, Na

+,

Ca2+

, NH4 e Mg2+

). Os mais frequentemente encontrados são: Cl-, cálcio (Ca

2+), fosfato

(PO43-

) e HCO3-

(Dawes, 1987; Ferguson et al., 1989; Tenovuo, 1989; Cummings,

2011).

A composição salivar varia de acordo com o fluxo, natureza e duração do estímulo,

composição plasmática e com o período do dia no qual é feita a recolha (Dawes, 1987;

Ferguson et al., 1989; Tenovuo, 1989; Nanci, 2003; Cummings, 2011). De acordo com

Ericson (1959), o principal fator que afeta a composição salivar é o fluxo, assim como a

duração do estímulo.

II.5.ii. Funções da saliva

Os componentes da saliva são multifuncionais e têm papéis sobreponíveis na realização

dessas tarefas (Navazesh e Kumar, 2008). A partir do estudo das funções da saliva,

pode-se perceber o papel fundamental desse fluído para a saúde oral e,

consequentemente, para a qualidade de vida de um indivíduo. As funções salivares

podem ser organizadas em cinco categorias principais, com o objetivo principal de

manter a homeostasia:

(1) Lubrificação e proteção;

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17

(2) Auxílio na digestão e clivagem enzimática;

(3) Capacidade tampão e clearance salivar;

(4) Atividade antibacteriana;

(5) Mediação de sensações (paladar).

1. A saliva é um emulgente que reveste as estruturas da cavidade oral e orofaringe,

lubrificando e criando uma barreira protetora contra substâncias irritantes produzidas na

placa bacteriana (enzimas proteolíticas e hidrolíticas) e agentes químicos. Os

subcomponentes da saliva com as melhores propriedades de lubrificação e hidratação

das estruturas orais são as mucinas, seguidas das proteínas ricas em prolina. As mucinas

salivares concentram-se sobre a mucosa oral, pela sua baixa solubilidade, viscosidade

elevada e capacidade adesiva. A barreira de proteção obtém-se pela ligação das mucinas

e das proteínas ricas em prolina a moléculas de água (Nanci, 2003).

2. A saliva participa em todos os momentos da digestão oral e, pela sua função de

humidificação e lubrificação dos alimentos, facilita a mastigação e a transformação do

bolo alimentar a ser deglutido. Na mastigação, a saliva serosa tem maior influência,

enquanto que no paladar e na deglutição a saliva mucosa tem maior importância. Como

referido anteriormente, as enzimas que mais auxiliam na tarefa digestiva são as

ribonucleases, lipases, oxidases e a amilase. Por ação química, a amilase salivar inicia a

digestão dos hidratos de carbono ingeridos ao catalisar a hidrólise da ligação glicosídica

α 1,4, transformando o amido em glicose, dando origem ao bolo alimentar. A amilase

salivar mantém-se ativa em meios com pH neutro sendo inativada em meios com pH

ácido, como o suco gástrico (Ferguson et al., 1989).

3. A capacidade tampão da saliva neutraliza os ácidos que se acumulam na placa

bacteriana, inibindo a formação da cárie dentária. Esta capacidade deve-se aos

subcomponentes proteicos e inorgânicos da saliva. A estaterina, mucina, histatina,

cistatina e proteínas ricas em prolina formam uma película de proteção por ligação à

hidroxiapatite na superfície do dente. Esta película protege os dentes da

desmineralização, favorece a remineralização e limita a agressão à superfície mineral.

Existem vários sistemas tampão, baseados, fundamentalmente, nos iões HCO3- e PO4

3-

(Ericsson, 1959; Dawes, 1987; Ferguson et al., 1989; Kavanagh et al., 1998).

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18

4. A saliva contém ambos os agentes imuno-mediados e não imuno-mediados que

auxiliam na proteção de estruturas da cavidade oral. O principal mediador imunológico

da saliva é a IgA e, em menor extensão, a IgG e a IgM. A principal acção da IgA é

proteger o organismo contra os vírus que invadem o trato aerodigestivo. Estudos

demonstraram que as moléculas de IgA também possuem capacidade de união a

streptococcus mutans, facilitando, dessa forma, a agregação e a fagocitose de bactérias

da cavidade oral. Pela agregação que provoca, evita a adesão bacteriana aos tecidos

duros e moles orais, diminuindo o risco de cárie desses indivíduos. A IgG tem a

capacidade de causar lise bacteriana, embora isto represente um mecanismo

antibacteriano de menor relevância (Ericsson, 1959; Tenovuo, 1989; Kavanagh et al.,

1998). Os componentes não imunológicos incluem várias proteínas, como a lactoferrina,

lisozima, peroxidase, aglutininas e mucinas, conferindo à saliva um efeito bactericida ou

bacteriostático. A lisozima pode ativar autolisinas bacterianas capazes de destruir os

componentes da parede celular, provocando a sua autólise. Em 1999, Dowd adicionou

que a lisozima pode alterar o metabolismo da glicose em bactérias sensíveis,

contribuindo para a eliminação bacteriana. Uma outra característica dessa enzima

refere-se à sua capacidade de união à hidroxiapatite dentária e, dessa forma, exercer um

papel antimicrobiano na superfície dentária. A apolactoferrina também apresenta

atividade antimicrobiana pela sua afinidade ao ferro (Fe). Cada molécula une-se a dois

átomos de Fe (lactoferrina) e elimina o Fe livre dos fluidos e das áreas inflamadas. Tal

facto permite eliminar os danos provocados pelos radicais livres e diminuir a

disponibilidade ou utilização desse metal pelos microrganismos patogénicos,

conferindo-lhe efeito bacteriostático. Distinta da sua propriedade quelante, esta proteína

também é detentora de efeito bactericida irreversível contra vários microrganismos,

como o streptococcus mutans, através da sua ligação direta à superfície bacteriana. O

sistema peroxidase encontrado na saliva humana é composto por duas enzimas: a

peroxidase (produzida pelas células acinares glandulares) e a mieloperoxidase (com

origem nos leucócitos do sulco gengival). As principais funções deste sistema são a

atividade antimicrobiana e a proteção das proteínas e células contra a toxicidade do

peróxido de hidrogénio. As aglutininas podem interagir com as bactérias e formar

agregados com as mesmas, facilitando a remoção desses microrganismos da cavidade

oral durante a deglutição. As mucinas executam função antibacteriana através da

modulação da adesão de microrganismos às superfícies dos tecidos orais. A mucina

adsorve fortemente ao dente e, assim, contribui para a película de esmalte, o que protege

Avaliação do pH Salivar em Pacientes Submetidos a Radioterapia à Região de Cabeça e Pescoço

19

o dente do ácido produzido pelas bactérias durante o metabolismo dos açúcares.

Distintas formas heterotípicas de mucina contêm outras proteínas salivares, como a

amilase, proteínas ricas em prolina, estaterina e histatinas. A função antimicrobiana da

mucina, promovido pela agregação e clearance bacteriano, está fortemente relacionada

com a capacidade tampão (Ericsson, 1959; Tenovuo, 1989; Kavanagh et al., 1998).

5. A saliva e os seus subcomponentes desempenham um papel adicional na

perceção do paladar. O principal papel da saliva no paladar é a solubilização de

partículas de alimentos ingeridos, transporte de substâncias e proteção das papilas

gustativas. A saliva neutraliza os ácidos, que de outra forma produziriam um gosto

amargo, ao se ligar e neutralizar substâncias com sabor amargo. Finalmente, a saliva

evita a desidratação dos recetores gustativos, garantindo a manutenção do sabor a longo

prazo.

A saliva apresenta ainda o efeito de reparação e génese, por possuir fatores de

crescimento (Nanci, 2003; Ross e Pawlina, 2005).

A Tabela 3 mostra os componentes salivares da saliva, as suas principais funções e

ações.

Avaliação do pH Salivar em Pacientes Submetidos a Radioterapia à Região de Cabeça e Pescoço

20

Tabela 3: Principais componentes da saliva, respetivas funções e ações.

Função Ação Componentes salivares

Proteção Lubrificação Mucinas, proteínas ricas em prolina, água

Limpeza Água

Isolamento

térmico/químico Mucinas

Antimicrobiana Barreira física Mucinas

Defesa imune IgA, IgG, IgM

Defesa não-imune Defensinas, lisozima, lactoferrina, peroxidade, mucinas,

aglutininas, estaterina, proteínas ricas em prolina

Fator de

crescimento Epidermal Growth Factor (EGF), Nerve Growth Factor (NGF)

Integridade da

mucosa Mucinas, eletrólitos, água

Capacidade tampão Bicarbonato, fosfato, proteínas

Remineralização Cálcio, fosfato, estaterina, proteínas ricas em prolina

Digestão Amilase, lipase, ribonuclease, protéases, água e mucinas

Paladar Água, anidrase carbónica

Fala Água, mucinas

II.6. Fluxo salivar

A secreção salivar está sobre controlo do sistema nervoso autónomo, sendo que os

nervos simpáticos e parassimpáticos trabalham de maneira complexa e conjunta.

a. Ação do sistema parassimpático

Este sistema de controlo tem origem no bulbo cerebral, nos chamados núcleos salivares

superior e inferior. Os núcleos possuem íntima relação com os neurónios motores dos

nervos glossofaríngeo e facial. As fibras motoras do glossofaríngeo saem do núcleo

salivar inferior e inervam as glândulas parótidas. As fibras motoras do nervo facial

emergem do núcleo salivar, através do nervo lingual, passam posteriormente à corda do

tímpano e inervam as glândulas submandibular e sublingual. Considerando os nervos da

corda do tímpano e glossofaríngeo como integrantes do sistema parassimpático, a

excitação desse sistema determina a estimulação da glândula salivar através do aumento

da velocidade na formação da saliva, do consumo de oxigénio e da irrigação sanguínea

da glândula. A taxa de metabolismo e o fluxo de sangue para as glândulas salivares é

Avaliação do pH Salivar em Pacientes Submetidos a Radioterapia à Região de Cabeça e Pescoço

21

elevada, proporcional à taxa de saliva segregada. Em perspetiva, o fluxo de sangue para

uma glândula salivar em secreção máxima é aproximadamente 10 vezes maior do que o

fluxo de sangue para uma massa igual de músculo esquelético em contração ativa (Gray,

2000; Cummings, 2011).

b. Ação do sistema simpático

O sistema simpático estimula a contratilidade das células mioepiteliais, que envolvem

as regiões responsáveis pela produção de saliva. O resultado dessa estimulação é a

expulsão da saliva pré-formada, aumentando transitoriamente o fluxo salivar. Alguns

instantes depois, o fluxo salivar começa a diminuir devido à redução da irrigação

sanguínea determinada pela vasoconstrição simpática. Sendo assim, quando há uma

hiperatividade simpática a boca fica seca e a deglutição fica mais difícil.

As fibras simpáticas, quando estimuladas, produzem um aumento do fluxo da saliva

aquosa (associada a ácinos serosos). A estimulação das fibras parassimpáticas origina a

produção de saliva mucosa espessa (associada a ácinos mucosos). Assim, as glândulas

parótidas possuem, maioritariamente, controlo nervoso simpático, enquanto que as

submandibulares, sublinguais e a maioria das glândulas salivares menores apresentam

inervação simpática e parassimpática (Gray, 2000; Nanci, 2003; Cummings, 2011).

O fluxo salivar é denominado não estimulado quando nenhum estímulo externo ou

farmacológico é utilizado e estimulado quando a secreção é promovida por estímulos

mecânicos, gustatórios ou por agentes farmacológicos (Kavanagh et al., 1998).

O fluxo salivar no estado não estimulado é produzido principalmente pelas glândulas

submandibulares (71%), com a parótida a contribuir 25% e as glândulas sublinguais 3-

4% do fluxo, respetivamente. Logo, a estimulação das fibras eferentes parassimpáticas

produz o maior fluxo salivar capaz de se obter de uma glândula (Cummings, 2011).

A saliva estimulada deriva maioritariamente das glândulas parótidas (60%-65%) mas,

uma vez estimuladas as glândulas salivares minor, as contribuições relativas à parótida e

às submandibulares são invertidas e a glândula parótida diminui em dois terços o seu

fluxo salivar (Kavanagh et al., 1998).

Avaliação do pH Salivar em Pacientes Submetidos a Radioterapia à Região de Cabeça e Pescoço

22

As funções antimicrobiana e de lubrificação são mantidas principalmente pela saliva

não estimulada. A estimulação da saliva resulta num maior clearance dos detritos orais

e agentes nocivos (Kavanagh et al., 1998).

As taxas de fluxo salivar são altamente variáveis. De acordo com Dawes (1987) e

Tenovuo (1989), o intervalo de fluxo salivar não estimulado normal é ≥0,25≤0,35

ml/min e, no estado estimulado, ≥1,0≤3,0 ml/min, totalizando uma secreção média

diária de 1000-1500 ml. Nanci (2003), por sua vez, definiu o fluxo em repouso nos 0,2-

04 ml/min e o estimulado entre 2 e 5 ml/min. De facto, os estudos que abordaram a

hipofunção das glândulas salivares salientaram a dificuldade na definição do intervalo

crítico que separa uma pessoa com função normal daqueles com hipofunção da glândula

salivar, para taxas de fluxo salivar não estimulado.

II.6.i. Variação do fluxo salivar

A saliva é secretada de forma contínua. Essa secreção basal ou de repouso é

responsável pela lubrificação constante da mucosa oral. Há, entretanto, uma permanente

modificação do fluxo e da qualidade da saliva, de acordo com os estímulos que agem

sobre as glândulas salivares:

(1) Térmicos (calor/frio),

(2) Mecânicos (mastigação) e

(3) Químicos (gustativo e olfactivo).

(1) Kavanagh et al. (1998), após avaliarem mensalmente o fluxo salivar de um

grupo de 43 crianças, residentes numa região com clima temperado, durante 10

meses, concluíram que a variação no fluxo salivar foi inversamente associada à

temperatura ambiente, ou seja, quanto maior a temperatura, menor foi o fluxo

salivar encontrado.

(2) No caso de mastigação unilateral, as glândulas do lado mais utilizado respondem

com mais secreção do que as do lado menos utilizado. A estimulação do fluxo

salivar com a mastigação é uma resposta reflexa mediada por recetores na

mucosa oral que estimulam o núcleo salivar. Este, por sua vez, aumenta a

Avaliação do pH Salivar em Pacientes Submetidos a Radioterapia à Região de Cabeça e Pescoço

23

estimulação parassimpática das glândulas salivares, resultando num aumento do

fluxo salivar. Esse aumento é diretamente proporcional à força mastigatória.

(3) A sensação gustativa agradável produzida pelos alimentos é o estímulo mais

potente para o centro salivar, provocando um aumento do fluxo salivar até 10

vezes. A saliva é secretada em pequenas quantidades mas, a presença ou

lembrança de certos alimentos, pode levar à formação de grandes quantidades de

saliva. Os sabores ácidos provocam aumento do fluxo salivar, enquanto sabores

doces são menos estimulantes. O olfato é o mais fraco dos estimuladores do

centro salivar (Navazesh, 2008).

Variados autores defendem que 80-90% da produção diária de saliva é resultante de

estimulação principalmente gustatória e mastigatória (Gray, 2000; Cummings, 2011).

No entanto, muitos outros fatores podem influenciar o fluxo salivar (Tabela 4).

Tabela 4: Alguns fatores que influenciam o débito salivar.

Ritmo circadiano

Fatores psíquicos (dor, depressão e antecipação de alimentos/fome)

Medicamentos (quimioterapêuticos/antineoplásicos, antidepressivos, diuréticos, anti-

histamínicos, narcóticos)

Distenção gástrica

Irritantes na mucosa oral

Próteses dentárias mal adaptadas

Doenças locais ou sistémicas (Diabetes Mellitus, artrite reumatóide, Síndrome de Sjögren

Hormonas

RT à região de cabeça e pescoço

Isolar e estudar o efeito de um fator específico é muitas vezes difícil, porque muitos

destes estímulos trabalham de forma conjunta para afetar o débito salivar.

Fisiologicamente, à medida que o fluxo salivar diminui, a concentração das proteínas

salivares aumenta e a concentração dos componentes inorgânicos varia. De acordo com

Avaliação do pH Salivar em Pacientes Submetidos a Radioterapia à Região de Cabeça e Pescoço

24

a literatura publicada, com o aumento do fluxo salivar há uma diminuição na

concentração de PO43- e um aumento na concentração de iões Ca

2+ na saliva (Kavanagh

et al., 1998; Navazesh e Kumar, 2008). Ferguson et al. (1989) defenderam que, embora

a concentração de Ca2+

aumente com o aumento do fluxo salivar, ela tende a

permanecer constante em altas taxas de fluxo.

II.7. Capacidade tampão e regulação do pH salivar

De acordo com Ericsson (1959), as condições patológicas mais frequentes e importantes

que envolvem os dentes são dependentes das alterações do pH da cavidade oral.

O valor de pH pode ser determinado através do método colorimétrico ou eletrométrico.

Na electrometria utiliza-se um potenciómetro que mede a concentração de hidrogénio

(H+), através da diferença de potencial elétrico entre duas soluções indicadoras. Embora

complexo, a determinação do pH através do método eletrométrico parece ser o método

de escolha em testes salivares.

Pela simplicidade dos testes colorimétricos, tem sido relatado na literatura a utilização

destes testes pelo médico dentista no consultório. No entanto, a avaliação do pH final,

feita visualmente através de uma escala de cor, torna o método subjetivo e menos

preciso (Ericsson, 1959; Dowd, 1999).

De acordo com os valores apresentados por Nanci (2003), a saliva total tem um pH

entre 6,78 e 7,4 e contém vários sistemas tampão. A capacidade tampão da saliva é a

propriedade da saliva resistir a mudanças de pH, mantendo o pH constante. É conferida

pelos sistemas tampão mucinato/mucina, HPO2-

4/H2PO-4 e, principalmente, pelo HCO

-

3/H2CO3, que bloqueiam o excesso de ácidos e bases. A concentração deste último varia

de forma proporcional com o fluxo salivar, determinando um pH salivar mais alcalino

com o aumento do débito salivar (Ericsson, 1959; Dowd, 1999).

O sistema HCO3- é mais importante em saliva recolhida após estimulação mecânica e é

responsável por, aproximadamente, 85% da capacidade tampão salivar na faixa de pH

Avaliação do pH Salivar em Pacientes Submetidos a Radioterapia à Região de Cabeça e Pescoço

25

entre 6.8-7.2. O sistema PO43-

contribui para a capacidade tampão no fluxo salivar não

estimulado e apresenta um pH de capacidade máxima de 6,1-6,3. Logo, uma saliva não

estimulada apresenta, à partida, um valor de pH mais ácido, quando comparado com o

estimulado, pela concentração de PO43-

(Ericsson, 1959; Dowd, 1999).

Pela interação dinâmica do dente com o meio oral e pela parceria da capacidade tampão

com os iões Ca2+

e PO43-

, como referido, o objetivo de manter um pH salivar neutro

interfere na homeostase da estrutura dentária (Ericsson, 1959).

Se se mantiver um pH salivar maior que 5,5, a composição da saliva em Ca2+

e PO43-

supera (supersaturado) o produto de solubilidade da hidroxiapatita. A tendência físico-

química é o dente ganhar Ca2+

e PO43-

do meio oral. Deste modo, o pH 5,5 é chamado de

crítico, pois até este limite o produto iónico das concentrações de Ca2+

e PO43-

na saliva

da maioria dos indivíduos é maior do que a dos iões em equilíbrio de uma suspensão de

hidroxiapatite (Ericsson, 1959; Dowd, 1999).

Quando se atinge um pH oral menor que 5,5, a composição da saliva em Ca2+

e PO43-

torna-se inferior (subsaturado) em relação ao produto de solubilidade da hidroxiapatite,

e, deste modo, a tendência físico-química é o esmalte perder Ca2+

e PO43-

para o meio

oral, na tentativa de atingir um novo estado de equilíbrio. Como consequência, ocorre

dissolução do esmalte, através de um fenómeno de desmineralização (Ericsson, 1959;

Dowd, 1999).

De forma dinâmica, o pH pode voltar ao normal, ocorrendo remineralização do esmalte.

A capacidade da saliva manter o ambiente oral supersaturado relativamente à

hidroxiapatite oferece um ambiente de proteção à estrutura dentária, onde a tendência é

o esmalte ganhar Ca2+

e PO43-

do meio oral (Ericsson, 1959; Dowd, 1999).

Avaliação do pH Salivar em Pacientes Submetidos a Radioterapia à Região de Cabeça e Pescoço

26

II.8. Radioterapia no tratamento de tumores malignos de cabeça e pescoço

Segundo linhas de orientação internacionais, a RT constitui um tratamento de eleição

para neoplasias de cabeça e pescoço. A RT pode ser de intuito radical ou ser

complementar à cirurgia, combinada ou não com quimioterapia, dependendo do estadio

(Constine et al., 2008).

A RT é uma técnica terapêutica que recorre a feixes de radiação ionizantes para o

tratamento de lesões malignas ou benignas. No tratamento de um tumor maligno, uma

dose pré-calculada de radiação é aplicada a um volume alvo, com o intuito de irradiar e

destruir todas as células tumorais, com o menor dano possível às células normais

circunvizinhas, à custa das quais se fará a regeneração da área irradiada. Não obstante

aos benefícios inerentes à utilização da RT, no que refere ao controlo local, o dano

causado nos tecidos normais circundantes pode ser severo (Constine et al., 2008; Hoppe

et al., 2010; International Atomic Energy Agency, 2010; Santos e Medeiros., 2011). O

plano de RT ótimo será aquele capaz de responder a duas premissas:

I) A dose prescrita deve ser a suficiente para que se consiga uma elevada

probabilidade de controlo tumoral;

II) O dano induzido nos tecidos normais circundantes deve ser mínimo, por

forma a não alterar a sua arquitetura ou funcionalidade.

Na RT, o planeamento do tratamento inicia-se com a aquisição de imagens por

Tomografia Computorizada (TC), onde se obtém a informação anatómica do doente.

Segue-se o cálculo dosimétrico, baseado em algoritmos matemáticos, que estima a dose

recebida pelo tumor e estruturas adjacentes, a partir da reconstrução das imagens de TC.

O tratamento propriamente dito, efectua-se num acelerador linear (LINAC).

É na base deste planeamento que se insere a evolução da RT, orientada sobretudo pelo

uso dos computadores no planeamento do tratamento e no próprio débito da radiação.

Uma das primeiras fases desta nova geração baseia-se no aparecimento da Radioterapia

Conformada Tridimensional (Three-Dimensional Conformal Radiation Therapy -

3DCRT), possibilitada pela aquisição de imagens 3D pela TC e/ou pela Ressonância

Magnética Nuclear (RMN), ambas também produtos da geração computorizada.

Avaliação do pH Salivar em Pacientes Submetidos a Radioterapia à Região de Cabeça e Pescoço

27

Nos anos 90 surgiu a Intensity-Modulated Radiation Therapy (IMRT), técnica cuja

modulação da intensidade da radiação implica que a fluência da radiação varie ao longo

do campo, permitindo a administração da radiação com um nível muito mais elevado de

conformação do alvo e maior poupança de tecidos e/ou órgãos em risco (23). Mais

recentemente, surgiu uma evolução da IMRT que combina a conformação da dose por si

proporcionada com a rapidez de um tratamento em arco, a Volumetric Modulated Arc

Therapy (VMAT) (Constine et al., 2008; Verbake et al., 2009; Hoppe et al., 2010).

II.8.i. Interação da radiação ionizante com a matéria

As radiações ionizantes transferem a sua energia para os tecidos biológicos ou para

organismos vivos sobre o qual atuam, gerando um conjunto de eventos desde o primeiro

momento de interacção, resultando em danos biológicos:

i. Fase física: tem a duração de uma fração de segundo e caracteriza-se pela

deposição de energia na célula, provocando a ionização.

ii. Fase físico-química: tem a duração também na ordem das frações de segundo e

caracteriza-se pela lesão a macromoléculas vitais à célula ou pela cisão das

moléculas de água, das quais resultam radicais livres que também provocam lesões

nas macromoléculas.

iii. Fase química: na qual as lesões bioquímicas podem tornar-se potencialmente letais.

iv. Fase biológica: resposta do organismo à exposição dos produtos químicos da

irradiação.

A radiação ionizante ao colidir com os átomos do tecido com que interage provoca a

libertação de eletrões. Estes eletrões podem afetar a molécula de ácido

desoxirribonucleico (ADN), incapacitando a célula de se reparar. Este efeito designa-se

de efeito direto da radiação (International Atomic Energy Agency, 2010).

As radiações também podem provocar danos à célula indiretamente. Neste caso, as

radiações interagem com outras moléculas ou átomos da célula (sobretudo com

moléculas de água) produzindo radicais livres. Os radicais livres são moléculas sem

carga e com um eletrão desemparelhado na última camada, tornando-os bastante

instáveis e reativos. Estes radicais livres têm a capacidade de provocar lesões a nível

Avaliação do pH Salivar em Pacientes Submetidos a Radioterapia à Região de Cabeça e Pescoço

28

molecular e, apesar do seu curto período de vida, podem difundir-se pela célula e causar

danos nas células vizinhas (Constine et al., 2008; International Atomic Energy Agency,

2010).

II.8.ii. Conceitos fundamentais em radiobiologia

A radiobiologia estuda a sequência de eventos que se seguem à absorção da energia, do

esforço do organismo para compensar os efeitos daí decorrentes e dos danos que podem

vir a ser produzidos, numa combinação de duas disciplinas: física da radiação e

biologia.

As radiações ionizantes depositam uma certa quantidade de energia ao atravessar o

material biológico, podendo gerar inúmeras e diferentes situações:

As células são capazes de reparar os danos, funcionando normalmente;

O dano pode ser irreversível, levando à morte da célula;

A célula é danificada, no entanto, mantém a integridade reprodutiva; por

sua vez, as células filhas apresentam lacunas nos seus componentes,

provocando a sua morte;

A célula pode ser afetada de tal forma que não morre mas sofre

modificações. Estas células ao reproduzirem-se transmitem a mutação para

os seus descendentes, o que poderá significar o começo de patologia

oncológica (Suntharalingam et al., 2010).

Assim, o dano provocado às células pela radiação pode ser classificado em três

categorias (Suntharalingam et al., 2010):

Dano letal: irreversível, irreparável e conduz à morte celular;

Dano subletal: pode ser reparado em horas a não ser que seja adicionado um

outro dano subletal, conduzindo desta forma a um dano letal;

Dano potencialmente letal: pode ser reparado se as células tiverem a

possibilidade de permanecer num estado de não-divisão.

Quanto ao tipo de célula atingida e à quantidade de energia depositada, os efeitos

biológicos da radiação podem ser classificados em (Suntharalingam et al., 2010):

Avaliação do pH Salivar em Pacientes Submetidos a Radioterapia à Região de Cabeça e Pescoço

29

Efeitos somáticos;

Efeitos genéticos;

Efeitos estocásticos;

Efeitos determinísticos.

II.8.ii.a) Efeitos somáticos e efeitos genéticos

Os efeitos somáticos são os danos provocados nos indivíduos pelas diferentes

exposições ao longo da sua vida. Apresentam-se apenas nas pessoas que sofreram a

irradiação, não surgindo nas gerações posteriores (Suntharalingam et al., 2010).

Os efeitos hereditários ou genéticos estão relacionados com as mutações genéticas que

as radiações podem provocar e que poderão surgir nos descendentes do indivíduo que

sofreu a irradiação (Suntharalingam et al., 2010).

II.8.ii.b) Efeitos estocásticos e efeitos determinísticos

Segundo o National Council on Radiation Protection and Measurements (NCRP) os

efeitos estocásticos são aqueles cuja probabilidade de ocorrência aumenta com o

aumento da dose, no entanto, a sua gravidade não depende da dose. Como exemplos,

existem a radiocarcinogénese e os efeitos genéticos. Não existe um limiar de dose para

os verdadeiros efeitos estocásticos, porque estes efeitos surgem em células individuais e

porque assume-se que existe sempre uma pequena probabilidade de ocorrer estes efeitos

mesmo para pequenas doses. Por outras palavras, este tipo de efeito nunca apresenta

uma probabilidade de ocorrência igual a zero (Suntharalingam et al., 2010).

Nos efeitos determinísticos, segundo o NCRP, a gravidade do efeito provocado aumenta

com o aumento da dose e verifica-se usualmente acima de um limiar de dosagem. Como

exemplos pode-se referir a perda de funções de órgãos, fibrose, alterações sanguíneas,

entre outras. Assim sendo, este tipo de eventos ocorre caso o dano provocado nas

células do tecido seja representativo de doses superiores a um determinado limite,

associado a morte celular (Suntharalingam et al., 2010).

Avaliação do pH Salivar em Pacientes Submetidos a Radioterapia à Região de Cabeça e Pescoço

30

II.8.ii.c) Efeitos agudos e efeitos crónicos

Como resposta à radiação, os tecidos saudáveis podem desenvolver dois tipos de efeitos

secundários: agudos e/ou tardios. Os agudos desenvolvem-se durante ou até poucas

semanas após o tratamento e os tardios surgem meses ou anos após o término do

tratamento. Embora cada órgão possa desenvolver os dois tipos de dano, pode ser mais

propenso a um ou outro tipo de resposta. O desenvolvimento de cada tipo de dano

encontra-se dependente de inúmeros fatores, de entre os quais se podem destacar

parâmetros associados ao tratamento como a dose total, dose por fração, número de

frações, intervalo entre frações, volume de tratamento, distribuição de dose, taxa de

dose, uso concomitante de outras terapias ou parâmetros biológicos, dos quais são

exemplo o órgão irradiado, a idade e a presença de fatores de risco associados (Constine

et al., 2008).

II.8.iii. Tipos de órgãos

Os órgãos podem apresentar dois tipos de arquitetura, sendo, em função disso,

classificados como órgãos em paralelo ou órgãos em série. Os órgãos são classificados

em série quando a lesão ocorre numa pequena porção do órgão, inviabilizando a sua

função. Um órgão é denominado em paralelo quando é composto por várias

subunidades e a lesão de uma subunidade compromete apenas a função orgânica nessa

área, permanecendo as restantes funcionais. Para análise dosimétrica em RT, utiliza-se

como parâmetro de análise valores de dose máxima (Dmax) para órgãos organizados em

série e parâmetros dose-volume e dose mediana (Dmed) quando considerados órgãos

cuja organização é em paralelo (Constine et al., 2008).

II.8.iv. Efeitos adversos agudos induzidos pela RT em patologia oncológica de

cabeça e pescoço

Os rápidos avanços nas técnicas de RT possibilitaram uma maior poupança dos tecidos

normais. No entanto, a maioria dos doentes tratados com doses curativas desenvolvem

efeitos agudos ao tratamento, o que requer a intervenção de um apoio multidisciplinar

especializado. A maioria destes efeitos assume um comportamento gradual e

Avaliação do pH Salivar em Pacientes Submetidos a Radioterapia à Região de Cabeça e Pescoço

31

temporário. Iniciam-se, na sua grande maioria, entre a primeira e segunda semanas de

tratamento e prolongam-se até 2-4 semanas após os tratamentos (Santos e Medeiros,

2011).

Por se tratar de uma área complexa, os danos nos tecidos da região de cabeça e pescoço

geram complicações graves, fortemente associadas à diminuição da qualidade de vida

do doente (Ortholan et al., 2010).

Vários estudos têm demonstrado o aumento dos efeitos agudos em doentes que estejam

a realizar RT com QT concomitante (Langendijk et al., 2008).

Os efeitos agudos mais frequentemente observados na literatura atual em doentes

submetidos a RT à região de cabeça e pescoço foram: eritema, descamação, mucosite,

hipossalivação, xerostomia, alteração da consistência salivar, disgeusia, disfagia,

odinofagia, rouquidão e infeções orais oportunistas. Na Tabela 5 encontram-se descritos

os graus de toxicidade aguda para as glândulas salivares, apresentados pelo Radiation

Therapy Oncology Group (RTOG) (Cox et al., 1995).

Tabela 5: Critérios de toxicidade aguda radioinduzida nas glândulas salivares, segundo a classificação do

RTOG.

Grau 0 Grau 1 Grau 2 Grau 3 Grau 4

Glândula

salivar

Sem

alterações

Secura

ligeira/ saliva

ligeiramente

espessa/ sabor

metálico/

aumento do

consumo de

líquidos às

refeições

Secura

moderada a

total/ saliva

muito

espessa/

disgeusia

marcada

--------------

Necrose

aguda da

glândula

salivar

Avaliação do pH Salivar em Pacientes Submetidos a Radioterapia à Região de Cabeça e Pescoço

32

II.8.v. Dose e fracionamento da RT em patologia oncológica de cabeça e

pescoço

Como foi referido, a RT quando administrada à região de cabeça e pescoço pode

produzir complicações ao nível de vários tecidos, que se podem manifestar durante e/ou

após completar o tratamento.

Cada tipo celular apresenta uma radiossensibilidade característica, sendo afetado com

diferente severidade e em diferentes fases da terapia. Os grupos celulares com grande

proporção de células em fase de duplicação (frequência de mitoses à qual se submetem)

são considerados os mais radiossensíveis, pois o seu ADN está mais exposto à radiação.

Assim, a radiossensibilidade tecidular é maior em tecidos indiferenciados e/ou com

proliferação rápida, quando comparados com aqueles bem diferenciados e de

proliferação lenta. Os dados apresentados por permitiram afirmar que as glândulas

salivares são bastante radiossensíveis (Fig.5) (Rubin e Casarett, 1968; Redman, 2008).

Fig.5: Radiossensibilidade de vários tecidos. Adaptado de Rubin e Casarett, 1968.

O Gray (Gy) é a unidade utilizada para medir o total da dose absorvida (1 Gy =

1Joule/kg). A dose específica para cada paciente depende da localização, estadio e

histologia do tumor, ficando ao critério do radioncologista as decisões terapêuticas. No

tratamento de tumores malignos da região de cabeça e pescoço com intuito adjuvante, as

doses variam tipicamente entre 50 e 66 Gy e, 70 Gy num tratamento radical. A RT é

administrada de forma fracionada, dividindo-se a dose total em iguais frações diárias,

realizando-se, em média, um total de 28 a 35 aplicações, uma vez por dia, cinco dias por

semana, ao longo de 5-7 semanas. O fracionamento contribui para a reparação de danos

subletais das células normais e para o aumento da sensibilidade do tumor à radiação

Avaliação do pH Salivar em Pacientes Submetidos a Radioterapia à Região de Cabeça e Pescoço

33

pela redistribuição no ciclo celular. Por conseguinte, uma dose fracionada nas glândulas

salivares não é equivalente a uma fração única com a mesma dose total (Constine et al.,

2008; Santos e Medeiros, 2011).

II.9. Fisiologia da disfunção glandular radioinduzida

A RT, quando aplicada na região de cabeça e pescoço, pode produzir alterações

reversíveis e irreversíveis nas glândulas salivares.

A radiobiologia define o alfa (α) como sendo a radiossensibilidade intrínseca das

células, ou seja, o número de células mortas (esterilizadas), de uma forma "não-

reparável". O beta (β) representa a porção reparável do dano da radiação, exigindo no

mínimo 6 horas para ocorrer reparação completa. Logo, numa relação α/β baixa, o β

deve ser grande, significando que a capacidade de reparação é grande, assim como o

tempo para a realizar. Isto indica que o ciclo celular é longo e que a proliferação

tecidular é lenta, desencadeando reações mais tardias. Franzen et al. demonstraram em

ratos uma proporção α/β alta, de ≈20 Gy para efeitos precoces nas glândulas parótidas.

A experiência clínica do grupo Continuous hyperfractionated accelerated radiotherapy

(CHART) sugeriu que o hiperfracionamento (aumento do número de frações diárias

mas a mesma dose/dia) tem um efeito protetor no que diz respeito a efeitos tardios,

consistente com uma relação α/β baixa. No entanto, em macacos rhesus, a redução do

número de células acinares às 16 semanas após RT foi pior no grupo CHART,

comparativamente ao fracionamento convencional (1,8-2 Gy/dia), consistente com uma

razão α/β relativamente elevada. Assim, parece que os efeitos agudos têm um elevado

rácio α/β e os tardios (dependendo da recuperação das células estaminais) têm uma

baixa relação α/β (Franzen et al., 1992; Franzel et al., 2006; Deasy et al., 2010).

Através da análise de modelos biológicos, as consequências radioinduzidas mais

frequentemente observadas foram reduções significativas no débito salivar, perda de

peso glandular e perda de áreas acinares (Berk et al., 2005; Dijkema et al., 2010).

O mecanismo de dano radioinduzido nas glândulas salivares foi analisado

cuidadosamente por diversos autores. Em ambas as glândulas salivares, humanas e de

Avaliação do pH Salivar em Pacientes Submetidos a Radioterapia à Região de Cabeça e Pescoço

34

modelos biológicos, os ácinos serosos foram os mais instáveis quando sujeitos a

radiação. O dano nestas células tem sido atribuído à geração de radicais livres por

intermédio de iões metálicos, como o cobre (Cu), Fe, manganésio (Mn) e zinco (Zn),

contidos nas suas proteínas secretoras. Parece, no entanto, que a maioria dos danos ao

ADN exigiria que estes iões estivessem em estreita proximidade com o núcleo (Konings

et al., 2006; Dijkema et al., 2010).

Uma vez que as células acinares serosas são responsáveis por ~80% do débito da

glândula parótida e pela secreção de água e proteínas, o dano radioinduzido resulta na

diminuição do débito salivar. A diminuição na produção salivar que surge durante os

primeiros dias após uma baixa dose única ou as primeiras doses fracionadas não é

aparentemente devido à morte imediata, mas à disfunção generalizada das células

acinares, porque os danos causados no ADN não são suficientemente graves para causar

a morte imediata das células. No entanto, os danos reparados de forma indevida podem

ser o suficiente para interferir com a atividade proliferativa futura ou causar a morte

tardia (Deasy et al., 2010).

A baixas doses (6-16 Gy), pode ocorrer regeneração após o dano ou sobrevivência da

inervação secretora e das células acinares mas, quando se aplicam doses altas (≥60 Gy),

o ácino seroso da glândula parótida praticamente desaparece e pouca ou nenhuma

regeneração ocorre. A explicação mais plausível para a fraca recuperação das células

acinares após RT de altas doses é que estas células e os seus progenitores sofrem

depleção por mitoses repetidas, na tentativa de substituição celular (Deasy et al., 2010).

Num estudo efectuado por Braam et al. (2005), um subgrupo de indivíduos cujas

glândulas salivares receberam doses de RT inferior a 25 Gy, ocorreu recuperação da

função salivar 12-24 meses após o tratamento. No entanto, alguns indivíduos

apresentaram hipofunção glandular permanente ou crónica, atribuída à perda e

substituição das células acinares serosas por tecido fibrótico.

A degeneração e necrose que ocorre nos ácinos das glândulas mucosas sublinguais e

submandibulares são menos extensas e pode ocorrer alguma regeneração (Leslie e

Dische, 1994).

Avaliação do pH Salivar em Pacientes Submetidos a Radioterapia à Região de Cabeça e Pescoço

35

Parecem existir razões adicionais para a perda funcional das glândulas salivares,

induzida pela radiação, como danos à inervação, vasos sanguíneos e estroma (Leslie e

Dische, 1994).

Na literatura publicada aparece referida a ocorrência de edema e perda de vesículas em

terminações nervosas, em glândulas submandibulares de ratos, 70 dias após a

administração de doses únicas de 20, 25 ou 30 Gy. Este dano foi interpretado como

suficiente para causar a perda de estimulação, contribuindo para a morte de células

acinares (Leslie e Dische., 1994).

Em estudos publicados foi observado que, após tratamentos de cancro da tiróide com

iodo 131 (I131), o endotélio dos vasos sanguíneos foi suscetível a danos causados pela

radiação, comprometendo o fornecimento sanguíneo. Ocorreu também espessamento

dos componentes da matriz extracelular em resposta a doses elevadas. Estas alterações

estromais podem restringir a difusão de nutrientes, minerais essenciais e oxigénio (O2)

para as células do parênquima e afetar adversamente as tentativas de regeneração e de

sobrevivência das células acinares (Roesink et al., 2005; Ortholan et al., 2010).

O estudo anatomopatológico de peças cirúrgicas de pacientes submetidos a altas doses

(9-20 Gy) no tratamento de tumores malignos na faringe revelou infiltração neutrofílica

e eosinofílica, nos tecidos intersticiais dos tecidos acinares serosos. Foram também

observadas células necróticas nos ductos (Stephens et al., 1989; Bussels et al., 2004).

Depois da RT à região de cabeça e pescoço, alguns autores mostraram que o limiar de

sabor aumenta no primeiro mês mas recupera para valores basais normais 6 meses após.

Estes resultados indicam que as células neuroepiteliais (responsáveis pelo sabor),

terminações nervosas, ou ambos, foram destruídos ou danificados pela radiação

(Stephens et al., 1986; Stephens et al., 1989; Ortholan et al., 2010).

Clinicamente, durante o período agudo pode surgir edema das glândulas salivares após a

administração de uma dose de radiação elevada. Estas alterações são,

predominantemente, devido a um aumento da permeabilidade dos capilares e pode

ocorrer tão cedo quanto 4 horas após. Durante um curso de RT fracionada, no entanto,

este efeito é menos pronunciado (Robar et al., 2007; Osorio et al., 2008). Alguns

Avaliação do pH Salivar em Pacientes Submetidos a Radioterapia à Região de Cabeça e Pescoço

36

autores indicaram que uma dose única de 1-4 Gy resultaria em hiperamilasemia, num

período de 24 a 72 horas, com um pico de atividade entre as 9 e 48 horas. Durante este

período, o aumento do nível de amílase pode ser tanto como 10 a 20 vezes acima dos

níveis pré-irradiação, dependendo do fluxo salivar. Como seria previsível, a excreção

urinária da amilase também aumenta (Leslie e Dische, 1992).

Durante o período subagudo (3-6 meses após RT), os sialogramas sugerem diminuição

do preenchimento dos ductos e, usando citrato de gálio 67, foi possível observar

algumas mudanças inflamatórias, até 8 meses pós-radiação. Por ser um órgão em

paralelo, assumiu-se que, uma vez esterilizada a população de células estaminais, em

determinada porção, se daria a repopulação por parte das subunidades circundantes, na

tentativa de estabelecer o tamanho e função iniciais (Leslie e Dische, 1992; Lee et al.,

2012).

A presente literatura refere que, na fase crónica, ocorre atrofia glandular (Osorio, 2008).

No entanto, Robar el alli relataram essa ocorrência no decorrer do tratamento. Com base

na TC semanal de 15 pacientes, descreveram que as glândulas parótidas irradiadas

atrofiaram durante a RT, presumivelmente devido à perda de células. Estes autores

observaram diminuição do tamanho global da glândula parótida de, aproximadamente 1

mm/semana, resultando em deslocamentos médios de 4-6mm, durante o curso total da

RT (Robar et al., 2007).

Para além dos mecanismos de lesão radioinduzidos, associados ao dano salivar, foram

ponderadas mais duas hipóteses. A primeira teoria formula a hipótese do dano decorrer

de processos de apoptose celular. Embora muitas vias de sinalização intracelular

envolvidas na regulação da apoptose sejam semelhantes, há diferenças celulares e

tecidulares específicas que podem, em parte, explicar a radiossensibilidade das

glândulas salivares. Uma molécula importante na regulação da radiossensibilidade é o

p53, que está intrinsecamente envolvido na reparação de danos do ADN, interrupção do

ciclo celular e apoptose. A administração de 5 Gy de radiação ionizante pode induzir a

ativação da transcrição do p53 e a apoptose de células acinares salivares de ratos in vitro

e in vivo (Stephens et al., 1992; Hoebers et al., 2008; Redman, 2008).

Avaliação do pH Salivar em Pacientes Submetidos a Radioterapia à Região de Cabeça e Pescoço

37

A segunda teoria baseia-se em estudos in vitro, que demonstraram que alterações no

microambiente celular (pelo contacto com células necróticas) se relacionam mais com o

desenvolvimento de efeitos secundários, do que a exposição à radiação propriamente

dita. Estas investigações foram complementadas por outras que demonstraram que

células não irradiadas colocadas em contacto com células irradiadas, desenvolveram

efeitos tardios típicos de células expostas à radiação. Tais dados sugerem a necessidade

de se analisar o comprometimento da função de um órgão, não apenas em função do

dano nele infligido mas também nos tecidos circundantes expostos (Stephens et al.,

1992; Hoebers et al., 2008; Redman, 2008).

II.10. Impacto da RT no fluxo salivar

As reduções persistentes do fluxo salivar, que sugerem disfunção glandular, foram

relatadas em vários estudos.

Devido à baixa taxa de turnover das células das glândulas salivares (o tempo de divisão

celular é 60-120 dias) seria expectável que o dano ao nível destas estruturas ocorresse

tardiamente (≥ 60 dias) mas, como já foi referido, os danos ao nível das glândulas

salivares podem surgir na primeira semana de tratamento pela disfunção das células

serosas (Gráfico 2) (Nagler, 1998; Li et al., 2005; Konings et al., 2006; Li et al., 2007).

Avaliação do pH Salivar em Pacientes Submetidos a Radioterapia à Região de Cabeça e Pescoço

38

Gráfico 2: Relação entre a dose média e o fluxo salivar estimulado baseline e o período de follow-up.

(Fonte: Li, Y., et al. (2007). The impact of dose on parotid salivary recovery in head and neck cancer

patients treated with radiation therapy. International Journal of Radiation Oncology Biology Physics,

67(3), pp. 660–669.)

Da análise do Gráfico 2 é percetível a redução da função da glândula parótida a partir

dos 10-15 Gy e que quanto maior a dose de exposição, maior a redução do fluxo salivar

sendo que, esta redução se torna mais evidente para doses superiores a 25 Gy. Para

doses superiores a 40 Gy ocorre uma redução grave da função da glândula. O mesmo

estudo demonstrou que para doses acima dos 25 Gy a recuperação do fluxo salivar

tornou-se menos significativa, não se observando recuperação total do fluxo salivar para

nenhum dos doentes estudados. Foi ainda possível concluir que, com o evoluir do

período de follow-up houve recuperação, sendo esta mais ou menos evidente.

Há investigações que sustentam que a glândula salivar parótida, por não ser homogénea,

é mais suscetível à hipofunção/disfunção quando a sua porção mais craniana é

danificada (Konings et al., 2006). Dados histológicos revelaram que, por serem

essencialmente compostas por células pós-mitóticas, as células parenquimatosas e

Avaliação do pH Salivar em Pacientes Submetidos a Radioterapia à Região de Cabeça e Pescoço

39

ductais (das glândulas) são relativamente resistentes aos efeitos determinísticos da

radiação. Todavia, os ductos excretores da parótida são compostos por células

vegetativas intermitóticas e, consequentemente, mais radiossensíveis. Sabe-se, da

anatomia, que, na porção craniana, se localizam os ductos secretores da referida

glândula, podendo explicar a sua maior sensibilidade à radiação. Estes estudos

experimentais sugeriram que, a maior influência da parte craniana no comprometimento

do fluxo salivar se deve à lesão de vasos sanguíneos, ductos e neurónios (Konings et al.,

2006). Em 7 dos 15 indivíduos estudados por Bussels et al. (2004), houve uma perda

significativa de função em doses baixas (10-15 Gy), correspondente à porção craniana

da glândula.

Há autores que sugerem que, durante o planeamento dos tratamentos, se deve tentar

minimizar a dose de radiação em ambas as parótidas. Quando não é possível proteger

ambas as glândulas, tenta-se limitar o mais possível a dose na glândula contralateral à

localização do tumor ou área de maior risco de doença, para assegurar pelo menos uma

porção funcionante no processo de produção salivar. Contudo, Li et al. (2007),

afirmaram que, em geral, parece não haver compensação na produção salivar pela

glândula contralateral.

Considerando as glândulas como órgãos em paralelo, utiliza-se a Dmed na parótida

como parâmetro de análise dosimétrica em RT, para a previsão da redução da produção

salivar. O grupo Quantitative Analysis of Normal Tissue Effects in the Clinic

(QUANTEC) sugere como parâmetros:

I) dose mediana inferior a 20 Gy em pelo menos uma das glândulas parótidas;

II) dose mediana inferior a 25 Gy em ambas as parótidas (Moiseenko et al.,

2012).

Relativamente às glândulas salivares submandibulares, ocorre diminuição acentuada da

produção salivar para doses superiores a 39 Gy. Neste intervalo de dose, a recuperação

da função salivar estimulada é modesta mas bastante reduzida quando considerado o

fluxo salivar não estimulado (Murdoch-Kinch et al., 2008; Ortholan et al., 2010).

A maioria dos dados recolhidos sugere uma maior radiorresistência das glândulas

submandibulares quando comparadas com as parótidas, já que, embora o dano se tenha

Avaliação do pH Salivar em Pacientes Submetidos a Radioterapia à Região de Cabeça e Pescoço

40

desenvolvido em períodos semelhantes aos das parótidas, as submandibulares são

expostas a maiores doses de radiação. Contudo, outros autores consideram que as

diferenças não são significativas (Burlage et al., 2001; Jellema et al., 2007; Murdoch-

Kinch et al., 2008).

Avaliação do pH Salivar em Pacientes Submetidos a Radioterapia à Região de Cabeça e Pescoço

41

III. Resultados

O total de indivíduos que participaram neste estudo foi 35 (34 do género masculino e 1

do género feminino), com idades compreendidas entre os 40 e 81 anos (mediana = 59

anos).

Relativamente à localização do tumor primário, a laringe foi a mais frequente (31,4%),

seguida pela hipofaringe (14,3%) e orofaringe (14,3%). A localização menos frequente

foi a nasofaringe (5,7%) (Tabela 6).

Tabela 6: Localização do tumor primário.

Local Tumor 1º

Seios perinasais n 3

% 8,6%

Nasofaringe n 2

% 5,7%

Orofaringe n 5

% 14,3%

Laringe n 11

% 31,4%

Hipofaringe n 5

% 14,3%

Mets cervicais 1º oculto n 3

% 8,6%

Cavidade Oral n 6

% 17,1%

O tipo histológico mais prevalente foi o carcinoma espinocelular, com 92%, seguido do

adenocarcinoma nos restantes 8% da amostra.

Do total da amostra, 42,9% (n=15) dos indivíduos tinham tumores classificados como

T4, 28,6% dos doentes (n=10) tinham tumores T3 e 20% (n=7) tinham tumores T2. Dos

indivíduos estudados, 8,6% (n=3) apresentava tumores classificados como T0 (todos os

Avaliação do pH Salivar em Pacientes Submetidos a Radioterapia à Região de Cabeça e Pescoço

42

indivíduos com diagnóstico de metástases cervicais de tumor primário oculto). Nenhum

doente apresentou tumor T1 (Tabela 7).

Tabela 7: Estadio T.

Estadio T

T0 n 3

% 8,6%

T1 n 0

% ,0%

T2 n 7

% 20,0%

T3 n 10

% 28,6%

T4 n 15

% 42,9%

Relativamente ao estadio ganglionar da AJCC, 48,6% dos indivíduos (n=17) foram

estadiados como N2a-b e 22,9% (n=8) como N0 (Tabela 8).

Tabela 8: Estadio N.

Estadio N

0 n 8

% 22,9%

N0 n 2

% 5,7%

N1 n 1

% 2,9%

N2a-b n 17

% 48,6%

N2c n 6

% 17,1%

N3 n 1

% 2,9%

Avaliação do pH Salivar em Pacientes Submetidos a Radioterapia à Região de Cabeça e Pescoço

43

Relativamente ao estadio M, nenhum indivíduo da amostra apresentava metástases à

distância (M1).

Todos os doentes foram submetidos a RT com fotões de energia 6 Megavolt (MV), pela

técnica VMAT. A dose total de radiação administrada variou entre 50 e 70 Gy,

fracionada em doses de 1.8 a 2.1 Gy/dia. Do total da amostra, 88,6% (n=34) dos

indivíduos efetuaram QT concomitante.

A avaliação da média do pH inicial, registada antes do tratamento, foi 6,69. Após a

aplicação de 15 frações, a média do pH baixou para 6,37. Na última avaliação, obtida

depois de terminado o tratamento, a média do pH foi 6,31 (Gráficos 3, 4 e 5).

Gráfico 3: Valor de pH inicial.

Avaliação do pH Salivar em Pacientes Submetidos a Radioterapia à Região de Cabeça e Pescoço

44

Gráfico 4: Valor de pH após 15 frações.

Gráfico 5: Valor de pH final.

Observou-se um indivíduo com pH salivar dentro da chamada faixa de pH crítico

durante as três avaliações.

Avaliação do pH Salivar em Pacientes Submetidos a Radioterapia à Região de Cabeça e Pescoço

45

As Tabelas 9, 10 e 11 mostram o valor de pH médio, com base na dose mediana

recebida pelas parótidas, definida pela QUANTEC. Os doentes com dose mediana na

parótida direita superior a 20 Gy apresentaram 6,731, 6,308 e 6,231 de valor médio do

pH na avaliação inicial, à 3ª semana e final, respetivamente. Os doentes com dose

mediana na parótida direita inferior a 20 Gy apresentaram 6,556, 6,506 e 6,5 de valor

médio do pH na avaliação inicial, à 3ª semana e final, respetivamente. As diferenças

encontradas não foram estatisticamente significativas (p>0,05) (Tabela 9).

Tabela 9: Valor de pH médio, de acordo com a dose mediana na parótida direita.

Os doentes com dose mediana na parótida esquerda superior a 20 Gy apresentaram 6,7,

6,38 e 6,26 de valor médio do pH na avaliação inicial, à 3ª semana e final,

respetivamente. Os doentes com dose mediana na parótida esquerda inferior a 20 Gy

apresentaram 6,65, 6,35 e 6,45 de valor médio do pH na avaliação inicial, à 3ª semana e

final, respetivamente. As diferenças encontradas não foram estatisticamente

significativas (p>0,05) (Tabela 10).

Dmediana

Parótida direita (Gy) N Média

Valor

p

pH inicial ≥ 20,0 26 6,731

0,481 < 20,0 9 6,556

pH 3ª semana ≥ 20,0 26 6,308

0,328 < 20,0 9 6,506

pH final ≥ 20,0 26 6,231

0,187 < 20,0 9 6,500

Avaliação do pH Salivar em Pacientes Submetidos a Radioterapia à Região de Cabeça e Pescoço

46

Tabela 10: Valor de pH médio, de acordo com a dose mediana na parótida esquerda.

Dmediana

Parótida esquerda (Gy) N Média

Valor

p

pH Inicial ≥ 20,0 25 6,700

0,836 < 20,0 10 6,650

pH 3ª semana ≥ 20,0 25 6,380

0,903 < 20,0 10 6,350

pH final ≥ 20,0 25 6,260

0,429 < 20,0 10 6,450

Os doentes com dose mediana superior a 25 Gy, no conjunto das parótidas,

apresentaram 6,738, 6,357 e 6,167 de valor médio do pH na avaliação inicial, à 3ª

semana e final, respetivamente. Os doentes com dose mediana em ambas as parótidas

inferior a 25 Gy apresentaram 6,607, 6,393 e 6,536 de valor médio do pH na avaliação

inicial, à 3ª semana e final, respetivamente. As diferenças encontradas não foram

estatisticamente significativas (p>0,05) (Tabela 11).

Tabela 11: Valor de pH médio, de acordo com a dose mediana no conjunto das

parótidas.

Dmediana

Ambas Parótidas (Gy) N Média

Valor

p

pH Inicial > 25,0 14 6,738

0,555 < 25,0 21 6,607

pH 3ª semana > 25,0 14 6,357

0,875 < 25,0 21 6,393

pH final > 25,0 14 6,167

0,09 < 25,0 21 6,536

Avaliação do pH Salivar em Pacientes Submetidos a Radioterapia à Região de Cabeça e Pescoço

47

IV. Discussão

O aumento do ganho terapêutico, isto é, o incremento do diferencial entre o controlo

tumoral e os efeitos secundários, é o principal objetivo das terapias oncológicas.

Atualmente, a RT no tratamento de tumores malignos da região de cabeça e pescoço

está associada a uma elevada morbilidade, com impacto na qualidade de vida do doente

(Constine et al., 2008; Santos e Medeiros, 2011).

A manifestação dos efeitos agudos radioinduzidos pode ser influenciada por diversos

fatores, nomeadamente, fatores inerentes ao próprio paciente (radiossensibilidade

intrínseca) ou fatores externos ao doente (técnica de RT utilizada, fracionamento, dose,

volume de tratamento, área irradiada e terapias associadas) (Lett et al., 1994).

Os vários estudos efetuados revelaram que os principais mecanismos de danos celulares

radioinduzidos são a morte celular e o dano na microvascularização e inervação locais.

(Stephens, 1986; Stephens, 1989; Nagler, 1998; O’Connell et al., 1999; Limesand,

2009)

Quando as glândulas salivares são submetidas ao stress causado por elevadas doses de

radiação, não só ocorre disfunção das células acinares como também um declínio na

capacidade proliferativa e na diferenciação funcional das células sobreviventes. Está

também descrito que ocorre atrofia glandular e alterações dos ductos salivares, afetando

tanto a composição como o volume da saliva. (Henson et al., 1999; Li, 2005; Dirix et

al., 2006; Robar et al., 2007; Hoebers et al., 2008)

Como as glândulas salivares, principalmente a parótida, são frequentemente irradiadas,

numerosos estudos têm definido limites de dose para as glândulas parótidas, com o

intuito de minimizar os efeitos secundários. Entre 1994 e 1997, na Universidade de

Michigan, realizou-se o primeiro ensaio clínico com a RT conformal a poupar porções

das parótidas durante a irradiação da região de cabeça e pescoço. Este e estudos

posteriores demonstraram que é possível poupar as glândulas parótidas, utilizando

técnicas de IMRT ou VMAT (Chao et al., 2001; Eisbruch et al., 2001; Dijkema et al.,

Avaliação do pH Salivar em Pacientes Submetidos a Radioterapia à Região de Cabeça e Pescoço

48

2008; Murdoch-Kinch et al., 2008; Hey et al., 2009; Verbakel et al., 2009; Beetz et al.,

2012). No presente estudo, todos os indivíduos foram tratados com a técnica VMAT.

No estudo realizado, a média de pH registada antes do tratamento de RT foi 6,69,

baixando para 6,37 após 15 frações (pH intermédio) e para 6,31 depois de terminado o

tratamento (pH final).

Na avaliação por subgrupos, e baseada nas linhas de orientação oferecidas pela

QUANTEC, embora não haja uma relação estatisticamente significativa (p>0,05),

parece haver uma tendência para ocorrer uma diminuição mais acentuada do valor de

pH durante a RT nos doentes que recebem uma dose superior a 20 Gy numa parótida

isolada ou superior a 25 Gy no conjunto das duas parótidas, o que está de acordo com a

literatura publicada (Tabelas 9, 10 e 11).

Vários autores demonstraram que os efeitos laterais nas glândulas parótidas são dose-

dependente, isto é, quanto maior a dose recebida pelo órgão, mais severos são os danos

agudos e tardios (Roesink et al., 2005; Li, 2007; Deasy et al., 2010; Houweling et al.,

2010; Ortholan et al., 2010).

Com base na QUANTEC, doses medianas superiores a 20 Gy em cada uma das

glândulas parótidas ou 25 Gy no conjunto das parótidas, podem provocar disfunção do

órgão a longo prazo (Moiseenko et al., 2012).

Bussels et al. (2004), através de cintigrafia da glândula parótida, combinada com

Single-Photon-Emission Computed Tomography (SPECT), estimaram que a dose

mediana que resulta na perda de 50% da fração de secreção salivar foi 22,5 Gy.

Eisbruch et al. (1999) e Li et al. (2007) definiram que a exposição diária deve ser

mantida nos 2 Gy, aproximadamente, com uma dose cumulativa de 24-26 Gy para

permitir a recuperação da função salivar.

Através da análise de modelos Normal Tissue Complication Probability (NTCP), alguns

estudos verificaram que a irradiação da glândula parótida com doses superiores a 38-40

Gy acarreta uma probabilidade de 50% de complicações irreversíveis aos 5 anos (Beetz

et al., 2012; Lee et al., 2012).

Avaliação do pH Salivar em Pacientes Submetidos a Radioterapia à Região de Cabeça e Pescoço

49

A diferente radiossensibilidade das porções craniana e caudal da parótida não foi

avaliada neste estudo pela dificuldade na delimitação em imagens de TC de

planeamento (sem contraste).

As demais variáveis abordadas neste estudo, nomeadamente a idade, o género, o tipo

histológico e a localização anatómica do tumor primário, não mostraram qualquer tipo

de relação ou tendência associada ao valor de pH salivar.

A saliva humana não só lubrifica os tecidos orais, proporcionando funções orais como a

fala, a mastigação, a deglutição e a digestão, como também protege os dentes e as

superfícies das mucosas orais. Embora o presente estudo não tenha incluído a avaliação

quantitativa do débito salivar, a literatura publicada sugere que ocorre hipossalivação

durante e após o tratamento de RT, como resultado da disfunção glandular. Em conjunto

com as alterações da composição da saliva, estes dois factores têm sido apontados como

causa da alteração do pH durante os tratamentos de RT (Roesink et al., 2001; Dirix et

al., 2006; Jellema et al., 2007; Randall et al., 2013).

Os principais determinantes inorgânicos do valor de pH são o Ca2+

e o PO43-

. Uma

saliva não estimulada apresenta, à partida, um valor de pH mais ácido, quando

comparado com o estimulado, pela concentração de PO43-

na saliva não estimulada.

Pode existir variabilidade interindividual dos valores de pH pelas diferentes

concentrações de PO43-

e Ca2+

na saliva total (Dawes, 1987).

A diminuição do volume e qualidade da saliva total, para além de provocar desidratação

dos tecidos orais e alterar o pH salivar, pode alterar a ação protetora do efeito tampão

(Dawes, 1987).

Uma vez que a maior parte da capacidade tampão durante a mastigação e ingestão de

alimentos é devida ao sistema HCO3- (com base no equilíbrio HCO3

- + H

+ <=> CO2+

H2O), em situações normais, taxas de fluxo salivar elevadas combinadas com um

aumento da concentração de HCO3- na saliva, induzem aumento da capacidade tampão

e clearance da saliva. Em contrapartida, um baixo débito salivar combinado com um

baixo ou moderado efeito tampão indica fraca resistência salivar contra ataques

microbianos. Como consequência, os tecidos orais tornam-se mais suscetíveis a

Avaliação do pH Salivar em Pacientes Submetidos a Radioterapia à Região de Cabeça e Pescoço

50

infeções; a fala, a mastigação e a deglutição tornam-se difíceis e dolorosas; e os dentes

ficam fortemente suscetíveis à cárie, especialmente na região cervical (Wescott et al.,

1978; Vissink et al., 2003; Langendijk et al., 2008).

Vários autores defendem a análise do fluxo salivar, da capacidade tampão e do valor de

pH como factores preditivos do risco de desenvolvimento de cárie (Franzel et al., 2006;

Silva et al., 2009; Sreebny e Vissink, 2010).

A cárie dentária, segundo alguns autores, consiste na principal consequência da

acidificação do pH salivar, relacionada com alterações na quantidade e qualidade da

saliva (Nikiforuk et al., 1985; Dawes, 1987; Dowd, 1999; Aguiar et al., 2009).

Sabe-se que o dente interage dinamicamente com o meio oral, numa tentativa de

garantir o equilíbrio dos componentes inorgânicos. Quando o pH da placa bacteriana e

da saliva se encontra acima de 5,5, a saliva está supersaturada tanto em relação à

hidroxiapatite como à fluorapatite, ocorrendo formação desses dois cristais. A um pH

salivar e da placa entre 5,5 e 4,5, a saliva continua supersaturada em relação à

fluorapatite (ocorre formação desse cristal na superfície do esmalte), porém, subsaturada

em relação à hidroxiapatite e, consequentemente, ocorre dissolução deste na

subsuperfície do esmalte, dando início à lesão cariosa. A pH salivar e do fluido da placa

abaixo de 4,5, ocorre dissolução tanto da hidroxiapatite quanto da fluorapatite na

superfície do esmalte, causando erosão dentária. Assim, considera-se que a erosão e

cárie dentárias, caracterizadas pela dissolução dos tecidos duros dos dentes, são

causadas, principalmente, por uma diminuição no valor do pH do fluido que envolve as

peças dentárias (Karmiol et al., 1975; Anneroth et al., 1985; Nikiforuk et al., 1985;

Kielbassa et al., 2006; Aguiar et al., 2009; Silva et al, 2009). A desmineralização

dentária está, habitualmente, associada a piores propriedades mecânicas da estrutura

dentária (Franzel et al., 2006).

Na presente amostra, observou-se apenas um indivíduo com valores de pH salivar

dentro da chamada faixa de pH crítico (<5,5).

Deste modo, é essencial que a saliva apresente uma composição e fluxo que protejam a

estrutura dentária contra a desmineralização. Do ponto de vista da prevenção da cárie, o

Avaliação do pH Salivar em Pacientes Submetidos a Radioterapia à Região de Cabeça e Pescoço

51

Ca2+

e o PO43-

participam no equilíbrio dos tecidos dentários duros e líquido adjacente e

influenciam a constituição da estrutura dentária, porque ambos pertencem à unidade do

principal componente inorgânico do dente – a hidroxiapatite (Ca10(PO4)6(OH)2) (Dawes,

1987).

De acordo com literatura publicada, indivíduos com baixa concentração de Ca2+

na

saliva apresentam pH crítico e, consequentemente, são mais suscetíveis à

desmineralização do que indivíduos que apresentem maior concentração salivar desse

ião (Navazesh e Kumar, 2008; Sreebny e Vissink, 2010).

De acordo com Dawes (1987), a magnitude da diminuição do pH é determinada pela

quantidade de ácido produzido pelas bactérias e pela capacidade tampão, em que esta

última tenta neutralizar a acidez.

Ericsson (1959) avaliou 21 relatórios publicados até 1956 e concluiu que existe uma

relação inversa entre a capacidade tampão e a experiência de cárie.

Tenovuo (1987) indicou que o grau de resistência ao desafio cariogénico, oferecido pela

saliva, depende da atividade antimicrobiana, da capacidade de aglutinação de bactérias,

da habilidade de prevenir a adesão bacteriana à hidroxiapatite, do fluxo salivar, da

concentração de iões Ca2+

e PO43-

e da capacidade tampão, estando, estes últimos,

fortemente relacionados com o pH salivar. Segundo este autor, o fluxo salivar é o

parâmetro com maior impacto no desenvolvimento de cárie, referindo que quanto maior

for a quantidade de saliva segregada, maior será a proteção do indivíduo contra a acidez

e mais rapidamente ocorre diluição das substâncias na cavidade oral, aumentando o

clearance salivar.

Como já se mencionou, a concentração relativa do HCO3- influencia o pH oral, estando

diretamente envolvido na manutenção do valor de pH num intervalo de normalidade.

Nikiforuk (1985) adicionou que este ião é capaz de se difundir na placa bacteriana e

neutralizar os ácidos produzidos pelas bactérias.

Pela etiologia multifatorial da cárie, o conhecimento da sua génese, desenvolvimento e a

eficácia de fatores profiláticos possibilitou concluir que a saliva constitui um dos

Avaliação do pH Salivar em Pacientes Submetidos a Radioterapia à Região de Cabeça e Pescoço

52

principais sistemas de defesa do hospedeiro contra factores de virulência, garantindo o

equilíbrio entre a desmineralização e a remineralização dentárias.

No que, às lesões dentárias radioinduzidas diz respeito, estas são dominadas pelos danos

causados na fisiologia glandular. De acordo com resultados publicados pela literatura,

existem três níveis na dose-resposta: lesão dentária mínima para doses inferiores 30 Gy;

um aumento de 2-3x do dano causado, para doses entre 30 e 60 Gy; e um dano 10x

maior quando aplicadas doses superiores a 60 Gy. Com doses entre 30 e 60 Gy, o dano

foi unicamente relacionado com a disfunção das glândulas salivares e a perda dos seus

efeitos protetores. Para doses superiores a 60 Gy, os danos foram reportados como

sendo causados pela combinação do dano direto na estrutura dentária com a disfunção

glandular (Anneroth et al., 1985; Nikiforuk et al., 1985; Kielbassa et al., 2006; Aguiar et

al., 2009; Silva et al., 2009).

Como já referido, a hipofunção glandular, como complicação radioinduzida, tem grande

impacto na qualidade de vida dos pacientes, devendo-se, por isso, planear cuidados

orais e dentários a longo prazo. Sem cuidados orais adequados, os dentes ficam sujeitos

à destruição rápida pela cárie, necessitando de extrações, com risco elevado de necrose

do osso de suporte (Jellema et al., 2008; Shiboski et al., 2007; Langendijk et al., 2008).

Muitos estudos têm sugerido que os efeitos crónicos radioinduzidos podem ser a

consequência de danos agudos nas glândulas salivares. Sabendo-se que a

desmineralização é otimizada a um pH de 5-5,5, na ausência de medidas de controlo e,

como consequência da necrose acinar e da atrofia glandular, pode ocorrer xerostomia,

disgeusia, dificuldades na mastigação e deglutição, com agravamento de carências

nutricionais, predisposição a fendas e ulcerações mucosas, alterações na flora oral

(cáries), alterações esofágicas por acidificação do pH salivar, estomatopirose, halitose

(o pH é o principal regulador da halitose e a presença de hipossalivação favorece o

crescimento de bactérias anaeróbias, responsáveis pela halitose) e aumento do risco de

osteorradionecrose (Cox, 1995; Constine et al., 2008; Langendijk et al., 2008, Tolentino

et al., 2011).

O diagnóstico precoce de pacientes que apresentem um baixo pH salivar, associado ou

não a hipossalivação e/ou xerostomia radioinduzidos, permite que procedimentos

Avaliação do pH Salivar em Pacientes Submetidos a Radioterapia à Região de Cabeça e Pescoço

53

preventivos sejam corretamente implementados, evitando-se que ocorram danos

maiores nos dentes e nos tecidos orais (Vissink et al., 2010).

O efeito tampão, o fluxo e o pH na saliva não estimulada são pouco documentados e,

quando documentados, os valores obtidos em medições individuais são pouco

confiáveis, pela alta variabilidade de resultados (Kavanagh et al., 1998). Diversos

trabalhos publicados referiram variações em função de inúmeras variáveis (ritmo

circadiano, estado emocional, idade, dieta, disfunções em geral). Larsen et al. (1999),

após recolherem semanalmente saliva sem estimulação prévia de 11 estudantes de

medicina dentária, concluíram que, apesar das condições da recolha serem

padronizadas, a capacidade tampão, o pH salivar, assim como as concentrações de Ca2+

e PO4 apresentaram grande variação individual e os autores sugeriram que a

caracterização da saliva não deva ser baseada apenas numa única análise. Neste estudo,

apesar das condições de recolha terem sido as mesmas para todos os pacientes, a

variabilidade inerente à variável ‘pH salivar’ é um fator a considerar.

Relativamente à análise da presente amostra, o reduzido número de indivíduos, aliado à

subjetividade do teste colorimétrico, podem ter influenciado os resultados finais.

Embora o método de recolha colorimétrico seja subjetivo, tentou-se minimizar o

impacto dessa subjetividade através da avaliação das escalas de cor por um único

observador, com a mesma condição luminosa. O método eletrométrico, quando possível

realizar, deve ser adotado, por ter maior acuidade.

Avaliação do pH Salivar em Pacientes Submetidos a Radioterapia à Região de Cabeça e Pescoço

54

V. Conclusão

A RT é uma modalidade terapêutica estabelecida no tratamento de lesões malignas da

região de cabeça e pescoço, estando, todavia, associada a toxicidades agudas e tardias

marcadas.

Apesar de não serem um alvo terapêutico, as glândulas salivares, devido à sua

localização anatómica, recebem, frequentemente, elevadas doses de radiação. Da

exposição destas glândulas podem resultar inúmeras sequelas agudas, como por

exemplo, a hipossalivação, xerostomia, alteração do pH, alteração da composição

salivar e alteração da capacidade tampão, estando estas variáveis interligadas. Esta

perda funcional, progressiva e por vezes irreversível, desencadeia complicações orais

que podem ser definitivas, como a propensão a infeções orais, odinofagia, disfagia e

distúrbios na fala. Estas alterações originam um impacto negativo na qualidade de vida

dos pacientes.

Com base nos resultados obtidos pode-se considerar que a RT utilizada no tratamento

de tumores malignos da região da cabeça e pescoço parece induzir alterações sobre o pH

da saliva total humana, durante as semanas de tratamento. Verificou-se uma tendência

para a diminuição do pH ser dependente da dose mediana nas glândulas parótidas. As

diferenças encontradas não foram estatisticamente significativas. Estas alterações

agudas poderão ser de caráter transitório ou definitivo, facto que deverá ser estudado.

Com base na tendência obtida no presente estudo e pela literatura publicada, reitera-se a

necessidade de encontrar fatores dosimétricos, anatómicos ou biológicos, preditivos da

redução do fluxo e pH salivares.

Os doentes submetidos a RT à região de cabeça e pescoço devem ser sujeitos a um

seguimento rigoroso antes, durante e após os tratamentos, com o intuito de garantir a

higiene e saúde oral. A aplicação de protocolos preventivos podem garantir um aumento

na qualidade de vida dos pacientes.

Avaliação do pH Salivar em Pacientes Submetidos a Radioterapia à Região de Cabeça e Pescoço

55

Com base nos dados recolhidos propõe-se a realização de investigações futuras que

incluam:

1. Quantificar o fluxo salivar durante e após o tratamento;

2. Quantificar o pH meses/anos após o tratamento;

3. Analisar a alteração dimensional das glândulas parótidas durante o tratamento;

4. Investigar a existência de radiossensibilidades variáveis nos diferentes lobos da

glândula parótida;

5. Desenvolver investigações no que refere ao tratamento da hipofunção glandular.

Avaliação do pH Salivar em Pacientes Submetidos a Radioterapia à Região de Cabeça e Pescoço

56

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