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683 ARTIGO ARTICLE Avaliação do desempenho da atenção básica no Estado de São Paulo Care performance assessment of primary health care services in the State of São Paulo 1 Departamento de Medicina Social, Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Rua Dr. Cesário Motta Jr., 61/5 o andar, Vila Buarque, 0122-010 São Paulo SP. [email protected] 2 Departamento de Medicina Social, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto. 3 Departamento de Medicina Preventiva, Faculdade de Medicina, USP. Nelson Ibañez 1 Juan S. Yazle Rocha 2 Paulo Carrara de Castro 1 Manoel Carlos Sampaio de Almeida Ribeiro 1 Aldaisa Cassanho Forster 2 Maria H. D. Novaes 3 Ana Luiza d’Avila Viana 3 Abstract The objective of this article is to pre- sent the results of the care performance assess- ment of primary care services in a selected sample of municipalities with more than 100 thousand inhabitants in the State of São Paulo. These mu- nicipalities were grouped into clusters. Patients and primary care providers from traditional units and Family Health Programs (FHP) were inter- viewed using specific questionnaires which cov- ered the eight dimensions of primary care. Regard- ing the assessment made by Patients and Com- panions, the general index obtained was 50%, which in a way qualifies it as not very satisfacto- ry. As for the analysis by dimensions, there is a greater level of satisfaction in the clusters with more favorable social indicators in all the studied dimensions except for the Services Available and Community Advising. Regarding the assessment made by primary care providers in traditional units and FHP, the primary care providers who work in the FHP evaluate the performance as bet- ter. In municipalities with less favorable social in- dicators, it is possible to evidence that the dimen- sions of linkages, services available, family focus- ing and community advising were better assessed by the FHP providers. Key words Primary care, Performance assess- ment, Family Health Program Resumo O objetivo do artigo é apresentar os re- sultados da avaliação de desempenho da atenção nos serviços de Atenção Básica numa amostra se- lecionada de municípios do Estado de São Paulo com mais de 100 mil habitantes agrupados em clusters, por meio de questionários específicos abordando oito dimensões da atenção básica. A avaliação feita por usuários e acompanhantes aponta o índice geral de 50%, o que qualifica co- mo pouco satisfatória. Quanto à análise por di- mensões há maior nível de satisfação nos clusters com indicadores sociais mais favoráveis em todas as dimensões estudadas, com exceção de elenco de serviços e orientação comunitária. Em relação à avaliação dos trabalhadores da saúde de unida- des tradicionais e PSF, mostrou que os profissio- nais que trabalham no PSF avaliam o desempe- nho como sendo melhor. Nos municípios com indi- cadores sociais menos favoráveis é possível eviden- ciar que as dimensões vínculo, elenco de serviços, enfoque familiar e orientação comunitária foram mais bem avaliadas pelos profissionais do PSF. Palavras-chave Atenção Básica, Avaliação de desempenho, Programa de Saúde da Família

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Avaliação do desempenho da atenção básica no Estado de São Paulo

Care performance assessment of primary health care services in the State of São Paulo

1 Departamento deMedicina Social, Faculdadede Ciências Médicas daSanta Casa de São Paulo.Rua Dr. Cesário Motta Jr.,61/5o andar, Vila Buarque,0122-010 São Paulo [email protected] Departamento deMedicina Social,Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto.3 Departamento deMedicina Preventiva,Faculdade de Medicina, USP.

Nelson Ibañez 1

Juan S. Yazle Rocha 2

Paulo Carrara de Castro 1

Manoel Carlos Sampaio de Almeida Ribeiro 1

Aldaisa Cassanho Forster 2

Maria H. D. Novaes 3

Ana Luiza d’Avila Viana 3

Abstract The objective of this article is to pre-sent the results of the care performance assess-ment of primary care services in a selected sampleof municipalities with more than 100 thousandinhabitants in the State of São Paulo. These mu-nicipalities were grouped into clusters. Patientsand primary care providers from traditional unitsand Family Health Programs (FHP) were inter-viewed using specific questionnaires which cov-ered the eight dimensions of primary care. Regard-ing the assessment made by Patients and Com-panions, the general index obtained was 50%,which in a way qualifies it as not very satisfacto-ry. As for the analysis by dimensions, there is agreater level of satisfaction in the clusters withmore favorable social indicators in all the studieddimensions except for the Services Available andCommunity Advising. Regarding the assessmentmade by primary care providers in traditionalunits and FHP, the primary care providers whowork in the FHP evaluate the performance as bet-ter. In municipalities with less favorable social in-dicators, it is possible to evidence that the dimen-sions of linkages, services available, family focus-ing and community advising were better assessedby the FHP providers.Key words Primary care, Performance assess-ment, Family Health Program

Resumo O objetivo do artigo é apresentar os re-sultados da avaliação de desempenho da atençãonos serviços de Atenção Básica numa amostra se-lecionada de municípios do Estado de São Paulocom mais de 100 mil habitantes agrupados emclusters, por meio de questionários específicosabordando oito dimensões da atenção básica. Aavaliação feita por usuários e acompanhantesaponta o índice geral de 50%, o que qualifica co-mo pouco satisfatória. Quanto à análise por di-mensões há maior nível de satisfação nos clusterscom indicadores sociais mais favoráveis em todasas dimensões estudadas, com exceção de elenco deserviços e orientação comunitária. Em relação àavaliação dos trabalhadores da saúde de unida-des tradicionais e PSF, mostrou que os profissio-nais que trabalham no PSF avaliam o desempe-nho como sendo melhor. Nos municípios com indi-cadores sociais menos favoráveis é possível eviden-ciar que as dimensões vínculo, elenco de serviços,enfoque familiar e orientação comunitária forammais bem avaliadas pelos profissionais do PSF.Palavras-chave Atenção Básica, Avaliação dedesempenho, Programa de Saúde da Família

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Apresentação

Este artigo se insere na série de estudos realiza-dos no Brasil a partir do projeto proposto peloMinistério da Saúde – “Monitoramento e Ava-liação do Projeto de Expansão e Consolidaçãodo Saúde da Família (Proesf) para o Desenvol-vimento de Estudos Avaliativos – Linhas de Ba-se – de Municípios” (Estudo I) e “Estudo Amos-tral do Impacto do Proesf” (Estudo II).

O estudo envolvendo os 62 municípios commais de 100 mil habitantes no Estado de SãoPaulo foi desenvolvido por um consórcio coor-denado pela Faculdade de Medicina da USP,envolvendo mais cinco instituições de ensino epesquisa (Faculdade de Medicina de RibeirãoPreto/USP; Cealag – Departamento de Medici-na Social FCMSCSP; Cedec; Fundação Vanzo-lini/USP; UFRJ).

Introdução

Na análise da trajetória histórica da AtençãoPrimária em Saúde (APS) no Brasil nos últimasdécadas, Fausto1 identifica três fases na ação go-vernamental e produção de conhecimentos. Umaprimeira, centrada no desenvolvimento de pro-gramas docente-assistencial e de extensão decobertura e estudos pioneiros sobre medicinapreventiva e análise de programas orientadospelos princípios da medicina comunitária. Nasegunda fase a perspectiva da ação se deslocapara os sistemas locais de saúde e definição deprincípios e estratégias para a reforma sanitá-ria, e os estudos enfocam mais a democratização,universalização e descentralização no campo dasaúde, com uma retração nos estudos da APS. Afase mais recente se caracteriza por dois mo-mentos, com um foco inicial na descentraliza-ção das ações de saúde e proposição de progra-mas seletivos inseridos na atenção primária e oposterior desenvolvimento do Programa de Saú-de da Família como estratégia de reorientação domodelo de atenção do Sistema Único de Saúde(SUS), que passa e ter ênfase na atenção primária.

Levcovitz et al.2 observam, referenciando-se às novas políticas de reorientação do mode-lo de atenção a partir do PSF e aos dilemas en-frentados no processo de desenvolvimento des-tas, o crescimento dos estudos sobre o próprioprograma e a discussão mais ampliada sobre avigilância à saúde.

No entanto, uma revisão sobre as publica-ções científicas sobre APS no Brasil no período

de 1990 a 2001 mostra que, apesar do cresci-mento no número de estudos, apenas 9% des-tes discutem a APS na perspectiva do sistemade saúde, sendo a maioria com enfoque clínicoou de serviços de saúde3.

Ao se referir a este tema, Almeida et al.4 di-zem que se podem identificar quatro tipos depesquisas: 1) estudos de caso, incluindo tesesde doutorado ou mestrado, sobre a implemen-tação de um programa específico ou de umapolítica de atenção básica; 2) grandes pesquisassobre a implementação do Programa de Saúdeda Família (PSF) em vários municípios (que éa maioria); 3) pesquisas sobre o funcionamen-to de um serviço específico ou processo de tra-balho na atenção básica, como trabalho em equi-pe, ou ainda atenção a uma doença especifica;e 4) análises históricas sobre o desenvolvimen-to da política de atenção básica ou de progra-mas especiais (principalmente o Programa deAgentes Comunitários de Saúde – Pacs e PSF).

A compreensão da atenção básica está per-meada pelas dimensões econômica, políticas eculturais inerentes ao campo da saúde. Por estemotivo, buscar o seu significado no âmbito dapolítica de saúde exige um resgate histórico epolítico de sua conformação, o que nos permi-te capturar sua representação à luz dos diferen-tes atores sociais, seus interesses e finalidades,em diferentes contextos e épocas.

No Brasil, uma das raízes da atenção pri-mária em saúde está relacionada ao movimen-to da medicina preventiva, desencadeado commaior vigor a partir da reforma do ensino mé-dico norte-americano, nos anos 40.5

Partindo de uma abordagem integral, a me-dicina preventiva propôs uma atenção em queo indivíduo sob assistência médica deveria serconsiderado a partir das interfaces sociais, cul-turais de sua realidade. A atenção médica, emsua fase inicial, deveria se fazer mais próximado ambiente sociocultural dos indivíduos e fa-mílias, o que respaldaria sua intervenção para aprevenção e controle do adoecimento. Esta con-cepção será fundamental para formar a basedas práticas de atenção primária em saúde, con-jugando duas questões essenciais: a atenção quese faz em primeiro lugar e que se faz mais pró-xima do cotidiano, do ambiente socioculturaldos indivíduos e das famílias.

O conjunto de idéias formulado pela medi-cina preventiva influenciou de maneira impor-tante uma série de medidas e propostas deatenção primária em saúde, principalmente apartir dos anos 60. Formou-se, então, uma cul-

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tura sobre os diferentes momentos da atenção,em que a atenção primária se localiza na fase ini-cial do cuidado, antecedendo e definindo uma sé-rie de outros cuidados que deverão ser ofertadospor outros níveis de atenção mais complexos.

A atenção primária em saúde surge, por-tanto, de um movimento de formação médicae só posteriormente será remetida ao campo decompetências dos serviços de saúde e a organi-zação de suas ações. Sob o signo da medicinapreventiva, a medicina comunitária fundamen-tou e desenvolveu a atenção primária atravésde programas docente-assistenciais, concilian-do formação médica e ações de saúde com acomunidade. Estas experiências provocaramuma extensa reflexão a respeito da insuficiênciae desigualdade na distribuição e uso dos recur-sos em saúde, principalmente no que se refereà exclusão dos grupos sociais mais vulneráveis.

Se os anos 60 foram marcados pela disse-minação do ideário da medicina preventiva edas práticas de atenção primária oriundas prin-cipalmente do meio acadêmico, os anos 70 sedestacaram pela institucionalização de progra-mas nessa linha. É assim que a atenção primá-ria ganha espaço na agenda governamental,tendo a Organização Mundial da Saúde (OMS)como uma das principais agências difusorasdeste ideário, juntamente com outros organis-mos de cooperação internacional, culminandocom a Conferência de Alma-Ata em 1979, emque a APS foi considerada a principal estraté-gia para se atingir o objetivo de “Saúde para to-dos no ano 2000”6.

Os programas de extensão de cobertura fo-ram os principais mecanismos de veiculação damedicina comunitária e, nessa perspectiva, aatenção primária era interpretada como umconjunto de ações elementares que todos osserviços de saúde, até os mais simples, deve-riam estar capacitados para prover. No centrodestas ações estava a atenção médica, e a execu-ção das práticas de promoção da saúde era fun-damentalmente promovida por pessoas vincu-ladas às próprias comunidades, treinadas pelosprofissionais de saúde.

O histórico das abordagens nesta área apon-ta a emergência da atenção como mecanismode ampliação de acesso aos serviços indispen-sável para a manutenção da saúde dos indiví-duos. Como primeiro nível de atenção deve co-nectar-se a outros níveis do cuidado, pressu-pondo uma rede integrada de serviços de saú-de. Por outro lado, a institucionalização das prá-ticas de atenção primária, desde seus primór-

dios, está associada à resposta governamentalpara enfrentamento do custo da assistência mé-dica, focada na aplicação de maior racionalida-de no uso dos serviços de saúde de forma a tor-ná-los mais produtivos, menos custosos e maisabrangentes.

Os aspectos econômicos, políticos e ideoló-gicos que permeiam as práticas no campo dasaúde produziram distintas interpretações eabordagens sobre o significado da atenção bá-sica nos diferentes sistemas de saúde. Além des-ses aspectos, o termo “primário”, que tem cu-nhado a noção de atenção básica, traz em si di-ferentes possibilidades explicativas, o que pro-voca confusão, ambigüidade e falta de consen-so em torno de seus propósitos.

Estas questões intrínsecas às característicasda atenção básica têm implicações importantesna forma como os sistemas de saúde enfrentame encaminham suas ações. Tarimo & Webster7

relacionam diferentes definições e formas deinterpretação sobre atenção básica desenvolvi-da ao longo do tempo e em diferentes lugares,as quais, para os autores, significam interpreta-ções incompletas ou até mesmo errôneas a res-peito dos princípios fundamentais do cuidadoprimário em saúde.

De acordo com os autores, cuidado primá-rio em saúde pode ser entendido:1. somente como community-based health ca-re, sem a perspectiva de alteração nos demaisníveis do sistema de saúde, como requereria umaabordagem mais ampla da atenção primária;2. principalmente como primeiro nível de con-tato dos indivíduos e comunidades com o sis-tema de saúde, com pouca ênfase aos princípiossubjacentes aos cuidados primários em saúde;3. somente para os pobres nos países em de-senvolvimento, que não dispõem de recursospróprios para acessar serviços médicos;4. como núcleo de um conjunto de serviços desaúde, sendo estabelecido um “mínimo” de ati-vidades consideradas essenciais que o sistemade serviços de saúde deve prover, podendo ha-ver a exclusão de outros elementos importan-tes para o cuidado em saúde;5. dirigido somente para áreas rurais, com in-tervenções simples, low-tech, feitas por traba-lhadores de limitado conhecimento e treinamen-to, fazendo oposição aos médicos, hospitais eao uso de tecnologias modernas;6. como um cuidado de baixo custo, visto co-mo um caminho relativamente barato para de-senvolver sistemas de saúde, principalmente empaíses pobres.

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Considerando a diversidade de sistemas deserviços de saúde existentes, Vuori, apud Star-field,8 apresenta quatro diferentes pontos decompreensão sobre a atenção básica: um con-junto de atividades, um nível de assistência,uma estratégia de organização do sistema deserviços e uma filosofia. Para a autora, as cita-das interpretações sobre a atenção básica nãosão excludentes e podem coexistir em um mes-mo sistema de saúde. A autora parte da com-preensão de que não existe uma única forma dedelimitação das práticas primárias em saúde.Mas, a atenção primária, ao se apresentar co-mo um conjunto de funções combinadas, é ex-clusiva e caracteriza este nível de atenção. Éuma abordagem que forma a base e determinao trabalho de todos os outros níveis do sistemade saúde, organizando e racionalizando o usode todos os recursos, tanto básicos como espe-cializados, direcionados para a promoção, ma-nutenção e melhora da saúde. Macinko e Star-field9 elaboraram a seguinte definição para aten-ção primária: Aquele nível de um sistema de ser-viço de saúde que funciona como porta de entra-da no sistema, atendendo a todas as necessidadese problemas de saúde da pessoa (não direciona-das apenas para a enfermidade), ao longo dotempo, fornece atenção para todas as condições,exceto as muito incomuns ou raras, e coordenaou integra os outros tipos de atenção fornecidosem algum outro lugar ou por terceiros. Assim, édefinida como um conjunto de funções que, com-binadas, são exclusivas da atenção primária... Aatenção primária aborda os problemas mais co-muns da comunidade oferecendo serviços de pre-venção, cura e reabilitação... Ela integra a aten-ção quando existem múltiplos problemas de saú-de... É a atenção que organiza e racionaliza o usode todos os recursos, tanto básicos como especia-lizados, direcionados para a promoção, manu-tenção e melhora da saúde.

Outro aspecto importante levantado pordiferentes autores relaciona-se à seletividadeque caracteriza a atenção primária no cenáriode crise econômica da década de 1980 e a emer-gência dos governos neoliberais nos países de-senvolvidos, de onde derivam boa parte dasagências que apóiam projetos de ajuda ao de-senvolvimento de países pobres, o que colabo-rou para a disseminação de programas seleti-vos de atenção primária.10

As políticas de ajuste estrutural e as idéiassobre reforma do Estado traziam como alvo aredução de gastos públicos, o que influenciouno arrefecimento das generosidades entre na-

ções e na escolha de projetos de mais baixo cus-to e de curto prazo a serem financiados. A per-petuação da situação de crise econômica mun-dial nos anos 90 acirrou a tensão entre custo equalidade dos sistemas de saúde. Muitos paísesencaminharam mudanças na condução de suapolítica, tornando-se a questão da eficiência edo bom desempenho dos sistemas de saúde apedra de toque das reformas propostas.

Neste cenário, o “paradigma da economia dasaúde”, baseado nos princípios da focalizaçãoe da seletividade, ganhou destaque na agendados organismos de cooperação internacional epassou a orientar a ação de instituições como oBanco Mundial, principal difusor dessas idéias.

O Banco Mundial defendia a idéia de “ces-tas básicas” de serviços de saúde, sugerindo queo setor público deveria prover um conjuntomínimo de ações essenciais aos que não pudes-sem arcar individualmente com os gastos emsaúde. A cesta era composta tipicamente porações classificadas como tecnologias simples ede alto impacto, como vacinação, pré-natal,ações de promoção e prevenção da saúde, ouseja, o mesmo conjunto de ações que compõema atenção primária desde sua origem. As de-mais ações em saúde, especialmente aquelas dediagnóstico e terapia que implicam maior cus-to, deveriam ser ofertadas pelo setor privado11.

Embora se considere a diversidade de pro-postas para o setor de saúde entre os países, emtermos gerais as reformas que vêm ocorrendoem muitos sistemas nacionais são motivadaspor alguns pontos centrais: a questão dos cus-tos da assistência médica, a busca por maior efi-ciência dos sistemas de saúde e a questão dadescentralização das atividades e responsabili-dades compartilhadas entre as esferas governa-mentais, o setor privado e os indivíduos. Estasreformas trazem alterações importantes na for-ma de alocação de recursos na área de assistên-cia médica com vistas à redução dos gastos comatenção hospitalar, ao uso racional de recursostecnológicos mais especializados e maior incre-mento das ações de promoção e prevenção am-bulatorial, domiciliar e comunitária, tipicamen-te enfatizadas na atenção primária12.

Além da preocupação com os resultadosem saúde, é importante dizer que o resgate daatenção primária se situa na atual questão deviabilidade dos sistemas de saúde. Os crescen-tes custos da atenção à saúde têm levado gover-nos e instituições privadas que atuam no setor,tanto em países desenvolvidos ou em vias dedesenvolvimento, a experimentar reformas em

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seus sistemas colocando a atenção primária co-mo ponto central para melhorar a capacidadede resposta dos serviços de saúde, buscandoprevenir os problemas de saúde ou tratá-los demaneira mais efetiva. O outro lado da moeda éa busca por melhores resultados na reduçãodas internações hospitalares ou na redução douso de procedimentos terapêuticos mais sofis-ticados, que implicam maior custo para o siste-ma de saúde13.

A atenção básica como componente estra-tégico da organização dos serviços de saúde de-penderá, portanto, da capacidade de articula-ção dos recursos essenciais para o enfretamen-to de problemas de saúde em todos os seus ní-veis de complexidade. Nesta direção, uma ou-tra lógica de construção do sistema de saúdeprecisa ser assumida de forma que possibilitemaior flexibilidade das suas estruturas organi-zacionais em cada território e de um aporte tec-nológico que se aproxime, o quanto for possível,das necessidades apresentadas pela população.

No Brasil, também, são apresentadas dife-rentes interpretações para a APS. Os cuidadosprimários de saúde, ao assumirem, na primeirametade da década de 1980, um caráter de pro-grama de medicina simplificada para os pobresde áreas urbanas e rurais, em vez de uma estra-tégia de reorientação do sistema de serviços desaúde, acabou por afastar o tema do centro dasdiscussões à época14.

Ainda hoje, persiste a acepção de programafocalizado, apesar da “superioridade conceitualda versão da Atenção Primária como estratégiade reformulação de todo o sistema de saúde”15.Pragmaticamente, pode-se adotar a conceitua-ção de estratégia para o reordenamento do ní-vel de atenção primária, com potencial de cata-lisar o reordenamento dos outros níveis.

O Ministério da Saúde brasileiro definiu aatenção básica, em 1999, como um conjunto deações, de caráter individual ou coletivo, desen-volvidas no primeiro nível de atenção dos sis-temas de serviços, voltadas para a promoção dasaúde, prevenção dos agravos, tratamento ereabilitação. Na literatura analisada, como jáfoi referido, são escassas as pesquisas voltadaspara avaliação organizacional ou de desempe-nho da AB, e uma visão crítica dos mecanismosinstitucionais de monitoramento e avaliação daAB. Tanto o Pacto da Atenção Básica quanto oSistema de Informação a Atenção Básica (Siab)não podem ainda ser considerados sistemasde avaliação de desempenho nem de monito-ramento do conjunto de ações desenvolvidas

em unidades de atenção básica, sejam elas refe-ridas a equipes PSF ou não. Há necessidade deinstrumentos ágeis e efetivos para uma avalia-ção organizacional e de desempenho da AB emnível local diante dos atuais instrumentos go-vernamentais existentes.

A estratégia do estudo desenvolvido nosmunicípios de São Paulo a partir do projetoproposto pelo Ministério da Saúde foi utilizarpara uma amostra dos municípios de São Pau-lo os mesmos instrumentos elaborados no tra-balho já citado de Almeida et al. considerandoas seguintes dimensões:

Acesso: envolve a localização da unidade desaúde próxima da população a qual atende, ohorário e os dias em que está aberta para aten-der, e o grau de tolerância para consultas não-agendadas.

Porta de entrada: implica acesso e uso doserviço a cada novo problema pelos quais aspessoas buscam atenção à saúde;

Vínculo (ou longitudinalidade): pressupõea existência de uma fonte regular de atenção eseu uso ao longo do tempo. Assim a unidadede atenção primária deve ser capaz de identifi-car a população adscrita, bem como os indiví-duos dessa população, que deveriam receberatendimento na unidade, exceto quando fornecessário realizar uma consulta especializadaou fazer um encaminhamento. Além disso, ovínculo da população com a unidade de saúdedeveria estar refletido em fortes laços interpes-soais que refletissem a cooperação mútua en-tre as pessoas da comunidade e os profissio-nais de saúde;

Integralidade (ou elenco de serviços): im-plica que as unidades de atenção primária de-vem estabelecer arranjos para que o pacientereceba todo tipo de serviço de atenção à saúde.Isto inclui o encaminhamento para consultasespecializadas (nível secundário), serviços ter-ciários, internação domiciliar e outros serviçoscomunitários;

Coordenação (ou integração dos serviços):pressupõe alguma forma de continuidade, sejapor parte do atendimento pelo mesmo profis-sional, seja por meio de prontuários médicos,ou ambos, além do reconhecimento de proble-mas anteriores e novos e do encaminhamentoe acompanhamento do atendimento em ou-tros serviços especializados. Por exemplo, osproblemas observados em consultas anterioresou pelos quais houve algum encaminhamentopara outros profissionais especializados deve-riam ser avaliados nas consultas subseqüentes;

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Enfoque familiar: pressupõe a considera-ção do indivíduo em seu ambiente cotidiano,quando a avaliação das necessidades de saúdedeve considerar o contexto familiar e a exposi-ção a ameaças à saúde de qualquer ordem, alémdo enfrentamento do desafio dos recursos fa-miliares limitados. Resulta do alcance da inte-gralidade e da coordenação;

Orientação para a comunidade: implica oreconhecimento de que todas as necessidadesde saúde da população ocorrem num contextosocial determinado, que deve ser conhecido etomado em consideração;

Formação profissional: pressupõe que aatenção básica seja uma área de “especialização”que requer formação específica. Requer que osprofissionais de saúde sejam capacitados paradesempenhar suas funções segundo as dimen-sões mencionadas anteriormente.

Metodologia

Fizeram parte do estudo os municípios locali-zados no Estado de São Paulo que possuemmais de 100 mil habitantes (total de 62), nosquais as estratégias de implantação do Progra-ma Saúde da Família assumem característicasdiferenciadas. O município de São Paulo, porpossuir características muito diferentes e pró-prias com relação aos demais, foi analisado àparte e não integra o contexto desta pesquisa.

Definição dos municípios

A primeira etapa consistiu em definir cate-gorias de municípios nas quais se pudesse clas-sificá-los, de acordo com determinadas carac-terísticas e que permitissem compor gruposhomogêneos. Nesta etapa foram consideradosos 62 municípios que integram o campo de es-tudo da pesquisa.

Nessa categorização foram utilizados basi-camente dois indicadores: o Índice de Respon-sabilidade Social (IPRS) do Estado de São Pau-lo e a complexidade da rede ambulatorial domunicípio.

O IPRS é um indicador desenvolvido pelaFundação Seade por solicitação da AssembléiaLegislativa do Estado de São Paulo.

Esse indicador preserva as três dimensõesmais utilizadas na maioria dos indicadores dedesenvolvimento humano – renda, escolarida-de e longevidade. Além disso, procurou certasespecificidades, a mais importante das quais a

construção de uma tipologia de municípios quepermitia identificar, simultaneamente, o está-gio de desenvolvimento de um determinadomunicípio nas três dimensões consideradas.Esse tipo de indicador, apesar de não ser passí-vel de ordenação, permite um maior detalha-mento das condições de vida existentes no mu-nicípio. Pode-se verificar que 88% dos municí-pios se encontram nos grupos 1 e 2 do IPRS,que se caracterizam por apresentarem a rique-za municipal alta, e indicadores sociais (escola-ridade e longevidade) bons no grupo 1 e maisdesfavoráveis no grupo 2. Já que para a maioriados municípios a dimensão riqueza não dife-rencia os municípios, definiu-se que os muni-cípios seriam agrupados em duas categorias,considerando-se somente os indicadores so-ciais mais favoráveis e menos favoráveis. Paratanto, foram agregados os grupos 1 e 3 paraformar a primeira categoria e os grupos 2, 4 e5, para formar a outra. A tabela 1 apresenta es-sa agregação.

A outra variável empregada para formaçãodos grupos de municípios foi a quantidade daprodução ambulatorial do SUS apresentadapor município para 2004 segundo grupo deprodução, disponibilizada pelo Datasus. Osgrupos de produção ambulatorial foram agre-gados segundo a complexidade dos procedi-mentos.

Para cada município, as porcentagens daprodução ambulatorial em baixa, média e altacomplexidade no total da produção desse mu-nicípio foram calculadas, desconsiderando-seos medicamentos e acompanhamentos de pa-cientes na alta complexidade. A partir desseconjunto de dados, foi feita uma análise de con-glomerados com o objetivo de gerar três gru-pos homogêneos segundo as porcentagens deprodução ambulatorial por complexidade. Oresultado dessa análise permitiu classificar osmunicípios conforme a tabela 2.

A partir da combinação dos indicadores an-teriormente descritos, foram elaborados os clus-ters da pesquisa (grupos homogêneos de muni-cípios segundo algumas características ante-riormente especificadas) assim denominados:1. Baixa complexidade e Indicadores sociaismenos favoráveis (15 municípios)2. Média complexidade e Indicadores sociaismenos favoráveis (12 municípios)3. Alta complexidade e Indicadores sociaismenos favoráveis (8 municípios)4. Baixa complexidade e Indicadores sociaismais favoráveis (5 municípios)

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de saúde que atuam nas UBS e o dos usuáriosdos serviços.

As estratégias de estudo adotadas foram:1. Trabalhadores de saúde: foram entrevista-dos considerando-se dois estratos – os que com-põem as equipes de Saúde da Família e os queatuam nas UBS tradicionais – com o intuito decomparar os resultados das avaliações dos tra-balhadores entre os dois tipos de estratégias deatenção básica. O questionário é composto de92 questões específicas sobre aspectos da aten-ção básica correspondentes aos indicadores deatenção básica mais utilizados.2. Usuários de serviços: foram entrevistados osusuários e acompanhantes de serviços em to-das as UBS, independentemente da estratégiade atenção, com o objetivo de avaliar os servi-ços prestados pela rede em geral. Os questioná-rios para usuários contêm cerca de 100 pergun-tas, a maioria das quais usadas no questionáriopara profissionais. Há também algumas ques-tões sobre demografia e saúde, abrindo-se apossibilidade de cotejar esses dados com aque-les oriundos da experiência do cliente no mo-mento da atenção.

A cada entrevistado (usuário ou profissio-nal) foram explicadas as diferentes opções deresposta, para que se identificasse a distância

5. Média complexidade e Indicadores sociaismais favoráveis (9 municípios)6. Alta complexidade e Indicadores sociaismais favoráveis (13 municípios)

Desta forma, os municípios escolhidos fo-ram sorteados em cada estrato.

Instrumentos utilizados

O questionário utilizado para a avaliaçãodos usuários é uma adaptação dos instrumen-tos componentes do Primary Care AssessmentTool (PCAT), elaborado inicialmente na Uni-versidade de John Hopkins8 e direcionado paraa análise de aspectos relacionados à atençãoprimária em países industrializados e validadono Brasil em estudo realizado para a avaliaçãoda rede básica do município de Petrópolis.

Existem quatro tipos de questionários paraserem aplicados, de acordo com a avaliação quese pretende fazer: para os gestores da rede, paraos profissionais que atuam nas unidades, paraos usuários e para acompanhantes de usuários.Neste estudo, foram utilizados os três últimos,já que os gestores foram pesquisados em outrocomponente desta pesquisa. Desta forma, suaaplicação foi dirigida para colher dados paraanálise de dois universos: o dos trabalhadores

Tabela 1Critérios para agrupar os municípios segundo o IPRS 2002.

Grupos Grupos do Nº de municípios % de municípiosIPRS 2002

Indicadores sociais menos favoráveis 2 e 4 e 5 35 56,5Indicadores sociais mais favoráveis 1 e 3 27 43,5Total 62 100,0

Fonte: Pesquisa Proesf, 2005.

Tabela 2Critérios para classificação em grupos de municípios, segundo a porcentagem da produção apresentada por complexidade.

Complexidade Porcentagem da produção de baixa complexidade Nº de municípiosdo município no total da produção apresentada1

Baixa maior que 63% 20Média entre 50% e 63% 21Alta entre 20% e 50% 21Total 62

Fonte: Pesquisa Proesf, 2005.1 Exclusive os medicamentos e acompanhamento a pacientes.

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relativa entre cada resposta. Os entrevistadoresexplicaram aos entrevistados que cada respostapossuía um significado numérico (nunca=0;quase nunca=1; algumas vezes=2; muitas vezes =3; quase sempre=4; sempre=5) corresponden-do ao número de vezes que, numa semana típi-ca, o evento perguntado teria acontecido.

Seleção de entrevistados e tamanho da amostra

Para a pesquisa com os trabalhadores dasUBS foi estabelecido como critério de inclusão,para todos os médicos e enfermeiros, a atuaçãona unidade por pelo menos seis meses.

Nos dois questionários, o entrevistado res-ponde a perguntas cujas respostas estavam es-tabelecidas em escala ordinal, à qual se atribuiuum valor entre zero e cinco. As respostas foramsomadas e o valor médio das respostas de todasas perguntas para cada dimensão e o total fo-ram calculados por pessoa entrevistada. Os da-dos para a análise desenvolvida foram as mé-dias e intervalos de confiança calculados paraos clusters e para as dimensões.

Para o universo de usuários, foram entre-vistados aqueles que ao menos uma vez já ti-nham sido atendidos na UBS anteriormente,incluindo as três categorias de usuários para apesquisa: adultos, adultos acompanhantes decrianças e adultos acompanhantes de deficien-tes para os quais foram utilizados questioná-rios adaptados.

Quanto ao tamanho da amostra foram ado-tados dois planos. Para os trabalhadores foramentrevistados todos os médicos e enfermeirosque atuavam na unidade quando se tratava deUBS tradicional e apenas os médicos e enfer-meiros das equipes da Saúde da Família nosoutros casos. Foram escolhidas UBS sem equi-pes de Saúde da Família e com equipes de Saú-de da Família, em acordo com a direção da Se-cretaria Municipal de Saúde, considerando-secomo parâmetros de escolha: as unidades se si-tuarem em áreas da cidade com situação so-cioeconômica semelhante; serem unidades con-sideradas de melhor padrão relativo de atendi-mento; e apresentarem a mais baixa rotativida-de de servidores. Nas unidades onde só haviaSaúde da Família, todos os médicos e enfermei-ros das equipes foram entrevistados. Nas situa-ções em que a unidade não era exclusiva paraSaúde da Família (unidades mistas), foram en-trevistados somente os médicos e enfermeirosque compõem as equipes de Saúde da Família.

Para os usuários foi desenvolvido um planopara a amostra com base em conglomerados,considerando um α de 5%, um β de 20% e oerro amostral de 10%, através dos seguintesprocedimentos:1. O sorteio dos usuários foi realizado emduas etapas. Numa primeira, para os municí-pios mais populosos, sortearam-se UBs quecomporiam a amostra. Para os demais, todas asUBS foram incluídas no estudo. Na segundaetapa, o número de usuários a ser entrevistadofoi definido de acordo com a proporção deatendimentos do mês no posto. Através de umalista feita no início do período de atendimentoe que incluía todos aqueles que estivessem naunidade para prestação de algum de seus servi-ços e com uma planilha com uma tabela de nú-meros aleatórios a ser utilizada como base parao sorteio, os entrevistadores definiram os usuá-rios a serem incluídos no estudo.2. O número de usuários atendidos durante omês de junho de 2005 serviu como base para ocálculo do volume de entrevistas a serem feitasem cada unidade. As entrevistas foram realiza-das em dois períodos, pela manhã (das 8 às 12horas) e à tarde (das 13 às 17 horas), preferen-temente em dias diferentes da semana. O fatode se obedecer à proporção de atendimentospara compor a amostra, tanto com relação àUBS, quanto também ao período, elimina a ne-cessidade posterior de se considerar o peso re-lativo de cada unidade amostral e realizar asponderações compensatórias para ajustar osresultados.

Quanto aos resultados, foram desenhadosplanos de análise diferentes para cada aborda-gem feita. O aplicativo utilizado para as análi-ses estatísticas foi o SPSS 13.0. No que se refereaos profissionais, a principal comparação foifeita considerando os valores das dimensões eos totais encontrados no modelo PSF e no mo-delo tradicional intra-estrato e o teste estatísti-co utilizado foi não paramétrico de Kruskall-Wallis & Kish L16.

Para a análise dos usuários, calcularam-seas médias intra-estrato, as quais foram compa-radas com as médias do estrato 6 para cada di-mensão, pois este é o que apresenta os melho-res indicadores do IPRS e de complexidade darede. Para esta análise foi considerado o planocomplexo de amostragem, utilizando-se a esta-tística Wald F para a verificação da significân-cia estatística na comparação dos escores mé-dios obtidos17, 18.

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Apresentação dos resultados

A análise dos dados da pesquisa foi feita sobduas perspectivas distintas. Na primeira, consi-derando o fato de que tanto os usuários dasunidades de saúde, quanto seus acompanhan-tes foram entrevistados com a finalidade de seavaliar o nível de satisfação da atenção básica,sem destaque para o PSF, as investigações se di-rigiram principalmente para a obtenção dosescores médios alcançados em cada cluster e ascomparações entre eles, de modo a indicar di-ferenças significativas no geral e em cada di-mensão estudada. Na outra, a análise de satis-fação dos profissionais atuantes na rede dire-cionou-se para as comparações entre aquelesque atuam em unidades tradicionais e nos queatuam em unidades com PSF, buscando apon-tar, dentro de cada cluster, as diferenças exis-tentes ou não entre os escores médios em cadadimensão.

Há um aspecto importante a ressaltar quese refere ao fato de que, como o questionárioestá organizado em dimensões com quantida-de diferente de perguntas, foi promovido umajuste dos escores, relacionando os valores cal-culados com a máxima pontuação que poderiaser obtida em cada dimensão. Sendo assim, aapresentação das tabelas e gráficos e sua res-pectiva análise também são feitas em termospercentuais denominados de escores médiosajustados.

Usuários e acompanhantes

A amostra de usuários e acompanhantes foianalisada em conjunto, com intuito de avaliaro nível de satisfação relativa à atenção básicaprestada pela rede de unidades públicas de saú-de. Tendo como base os parâmetros apresenta-

dos na metodologia, o número total de entre-vistados foi de 2.923, proporcionalmente cal-culado pelo volume de atendimentos diáriosrealizados pelos serviços municipais.

A tabela 3 apresenta uma descrição sumá-ria das características gerais da amostra de usuá-rios e acompanhantes.

A maioria dos entrevistados foi do sexo fe-minino, com média de idade de 45 anos parausuários e 32 anos para os acompanhantes, fa-to que somado ao grau de escolaridade (apro-ximadamente 1 a cada 4 usuários tem o pri-meiro grau completo e entre os acompanhan-tes isso só ocorre em 3% dos casos) infere umasituação social em que o papel feminino é nu-clear no grupo familiar no cuidado à saúde. Emrelação a bens de consumo, mais de 70% pos-suem telefone (fixo ou móvel) e só um terçotem carro. Tais números refletem o grande aces-so que têm a esses bens mesmo as populaçõessituadas na periferia econômica e social do sis-tema. Quanto aos serviços públicos básicos,mais de 95% dos entrevistados, nos dois gru-pos, tinham acesso à água encanada, coleta deesgoto e de lixo, assim como, na mesma propor-ção, possuíam banheiro dentro do domicílio,um resultado esperado em função do porte dosmunicípios estudados.

Como já foi mencionado na metodologia, aanálise das respostas dadas pelos usuários eacompanhantes foi elaborada calculando-se asmédias e intervalos de confiança para cada clus-ter fazendo as comparações entre clusters, to-mando como referência o cluster 6. Para a ob-tenção das estatísticas, as entrevistas dos usuá-rios e dos acompanhantes dos municípios com-ponentes de cada cluster foram agregadas.

Os valores dos escores médios e os respecti-vos intervalos de confiança foram calculados eestão apresentados nos gráficos 1 e 2.

Tabela 3Características gerais da amostra dos usuários e acompanhantes segundo sexo, idade, escolaridade e bens de consumo. Estado de São Paulo, 2005.

Característica Índice Usuários Acompanhantes

Sexo Feminino 73,6% 51,2%Idade (anos) Média 45,6 32,3

Desvio-padrão 16,8 10,7Escolaridade 1o grau completo ou mais 28,8% 3,0%Telefone Sim 78,8% 71,2%Carro Sim 35,6% 33,8%

Fonte: Pesquisa Proesf, 2005.

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Gráfico 1Escores médios totais por cluster, Estado de São Paulo, 2005.

Gráfico 2Escores médios totais ajustados por cluster, Estado de São Paulo, 2005.

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Observa-se que há uma tendência de au-mento dos valores médios, mesmo que em pe-quena escala, relacionado à escala de melhorqualificação do cluster, com exceção do cluster2. Todavia, os valores obtidos em relação aosescores ajustados mostram que a proporçãodas pontuações médias está próxima de 50%, oque se pode considerar um nível de satisfaçãointermediário para todos os clusters em relaçãoao potencial de alcance dos escores.

Os mesmos cálculos foram feitos para cadadimensão do estudo envolvendo os 11 municí-pios, com a intenção de avaliar os escores sim-ples e ajustados obtidos.

A tabela 4 revela os valores médios e inter-valos de confiança por dimensão. Nos escoressimples observa-se que há pouca variação dosvalores em cada dimensão, já que os intervalossão pequenos. Quando se dirige a análise paraos escores ajustados, aparecem quais as dimen-sões que alcançaram os melhores percentuaisde satisfação. A Porta de entrada, que enfoca acapacidade da unidade em dar resposta a novasdemandas ou recorrências, o Vínculo, que serefere à condição da unidade em ser uma fonteregular de atenção, e Profissionais de saúde,que trata da relação direta dos usuários e acom-panhantes com os profissionais de saúde, apre-sentam os melhores percentuais. O Enfoque fa-miliar, que trata do contexto de vida dos usuá-rios, e a Orientação comunitária, a Coordena-ção e a Acessibilidade, que envolve o interessedos serviços pelos problemas coletivos da co-munidade usuária, tiveram os menores percen-tuais. De certa forma, numa análise mais glo-bal, as dimensões que envolvem a atenção dire-ta na unidade de saúde são mais bem avaliadas

do que as outras cuja essência requer mudan-ças mais profundas na cultura e comportamen-to dos serviços. Convém lembrar que, com al-gumas exceções, os municípios participantesdo estudo possuem baixos percentuais de co-bertura do PSF e têm seu modelo de atençãobásica baseado em unidades tradicionais deatendimento.

De modo geral, as médias ajustadas dos es-cores têm percentuais mais elevados nos clus-ters mais bem qualificados, o que ratifica decerta forma a melhor condição dos municípiosmais desenvolvidos em prestar serviços de saú-de. No entanto, isso não acontece em duas di-mensões: no Elenco de serviços, que consideraa integralidade da atenção prestada, e na Orien-tação comunitária, na qual os valores assumemuma variação inversa aos demais. Uma inferên-cia possível, uma vez que os clusters com indi-cadores sociais mais favoráveis e com diferen-tes gradações de complexidade da rede tenhamà disposição outros tipos de serviço suplemen-tares que acabem conformando serviços menospreocupados com essas duas dimensões. Ouainda que os municípios menos desenvolvidosse preocupariam relativamente mais com açõese atividades externas com algum caráter coleti-vo. Isso mereceria uma análise mais aprofun-dada, já que os escores ajustados apresentamvariações pequenas e os detalhes a respeito dasformas de prestação são bastante numerosos.

Os gráficos de 3 a 10 ilustram as mesmastendências dos clusters por dimensão separada-mente.

A análise estatística das diferenças dos es-cores médios simples de cada dimensão foi fei-ta comparando-se cada um dos clusters com o

Tabela 4Médias e intervalos de confiança simples e ajustados por dimensão. Estado de São Paulo, 2005.

Dimensões Valores simples Valores ajustados (%)Média inferior superior Média inferior superior

Acessibilidade 30,71 30,08 31,35 46,5 45,6 47,5Porta de entrada 15,41 15,13 15,69 85,6 84,1 87,2Vínculo 45,69 45,11 46,28 76,2 75,2 77,1Elenco de serviços 74,17 72,46 75,88 56,2 54,9 57,5Coordenação 44,71 43,34 46,07 41,4 42,5 45,2Enfoque familiar 12,58 12,07 13,09 41,9 40,2 43,6Orientação comunitária 11,72 11,01 12,43 32,6 30,6 34,5Profissionais de saúde 26,64 26,22 27,06 74,0 72,8 75,2Total 261,63 255,42 267,83 53,8 53,0 55,3

Fonte: Pesquisa Proesf, 2005.

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Gráfico 3Médias e intervalos de confiança ajustadas para Acessibilidade por cluster.

Gráfico 4Médias e intervalo de confiança ajustados para Porta de Entrada por cluster.

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Gráfico 5Médias e intervalo de confiança ajustados para Vínculo por cluster.

Gráfico 6Médias e intervalos de confiança ajustados para Elenco de Serviços por cluster.

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Gráfico 7Médias e intervalos de confiança ajustados para Coordenação por cluster.

Gráfico 8Médias e intervalos de confiança ajustados para Enfoque Familiar por cluster.

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Gráfico 9Médias e intervalos de confiança ajustados para Orientação Comunitária por cluster.

Gráfico 10Médias e intervalos de confiança ajustados para Profissionais de Saúde por cluster.

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cluster 6. Os resultados dos testes estão resumi-dos na tabela 5.

De início, ao analisar os totais dos escoresmédios por cluster, não há diferença significati-va em nenhuma das combinações em relaçãoao cluster 6, o que já havia de certa forma alu-dido no início dos resultados já que a diferençanumérica entre os escores foi pequena.

Quanto às comparações considerando asdimensões há certo padrão de diferenças en-contradas, pois nos clusters 1, 2 e 3, para Aces-sibilidade, Porta de entrada e Profissionais desaúde ocorre diferença significativa entre os es-cores médios simples. O mesmo se repete paraVínculo, com exceção do cluster 3. Para os mu-nicípios menos qualificados pode-se dizer quehá menor satisfação dos usuários quanto à lo-calização, facilidade de atendimento, regulari-dade e com o trato dos profissionais de saúde.Podem-se reiterar afirmações anteriores de queo nível de satisfação é menor quando se abordaa atenção prestada exclusivamente na unidadede saúde. Como o conjunto dos municípios quecompõem esses clusters é quase todo da regiãoda Grande São Paulo é fundamental consideraro processo e a realidade metropolitana comoimportante fator condicionante na satisfaçãodos usuários dos serviços.

Há diferença significativa na comparaçãodo cluster 4 no que se refere ao enfoque fami-liar, que poderia ser atribuído a um baixo esco-re médio alcançado por um dos municípioscomponentes do cluster e que mereceria um es-tudo mais detalhado.

Para as demais comparações tomando asoutras dimensões, apesar de não haver diferen-ça significativa entre os clusters no modelo pro-

posto, é importante ressaltar que os valoresmédios ajustados dos escores giram ao redor de50%, o que pode ser considerado um padrãobaixo do nível de satisfação dos usuários em re-lação à atenção básica desses municípios.

Trabalhadores em saúde

A tabela 6 apresenta a amostra final de pro-fissionais entrevistados pela pesquisa. O núme-ro de entrevistados variou em função dos crité-rios de amostragem que levou em considera-ção tanto a cobertura de PSF no município, aqual no geral era baixa, quanto a comparabili-dade das regiões dos dois tipos de unidades bá-sicas amostradas, PSF e tradicional. Além dis-so, em determinados clusters houve uma gran-de dificuldade de acessar estes profissionais.Assim, o número de profissionais entrevistadosnos clusters 4, 5 e 6 foi pequeno, 13, 15 e 9 en-trevistas, respectivamente, o que implica umbaixo poder para os testes de significância esta-tística aplicados nestas análises. Em outras pa-lavras, a não detecção de diferenças estatísticaspode apenas refletir o pequeno tamanho daamostra para estes clusters.

Estes profissionais estavam em média exer-cendo a função há doze anos, o que indica umarazoável experiência. A grande maioria dos en-trevistados era de médicos (64%), seguido porenfermeiros (19%), prevalecendo, também, osexo feminino (63%).

A análise da qualidade da atenção primáriasegundo profissionais privilegiou a compara-ção PSF-UBS tradicional dentro de cada di-mensão e cluster de municípios. As tabelas 7 e 8detalham estas comparações.

Tabela 5Valores de P para estatística Wald na comparação dos valores médios por dimensão entre os clusters,tomando como referência o cluster 6. Estado de São Paulo, 2005.

Dimensões/Cluster 1 2 3 4 5 6

Acessibilidade 0,015 0,002 0,001 0,988 0,742 ReferênciaPorta de entrada 0,000 0,000 0,000 0,351 0,063 ReferênciaVínculo 0,004 0,064 0,010 0,100 0,581 ReferênciaElenco de serviços 0,153 0,067 0,193 0,247 0,153 ReferênciaCoordenação 0,060 0,122 0,371 0,800 0,704 ReferênciaEnfoque familiar 0,287 0,202 0,131 0,005 0,947 ReferênciaOrientação comunitária 0,566 0,231 0,708 0,431 0,770 ReferênciaProfissionais de saúde 0,000 0,000 0,000 0,080 0,075 ReferênciaTotal 0,132 0,944 0,181 0,178 0,280 Referência

Fonte: Pesquisa Proesf, 2005.

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De um modo geral, os dados demonstramque os profissionais que trabalham no PSF ava-liam o seu desempenho como sendo melhor, oque se reflete em escores médios maiores. Alémdisso, sempre que houve diferença estatísticaentre os dois tipos de unidade, esta foi favorá-vel às unidades de PSF.

As diferenças entre PSF e unidade tradicio-nal foram mais evidentes nos clusters 1, 2 e 3,com cinco e seis dimensões apresentando dife-renças estatisticamente significantes. Os clus-ters 4 e 5 apresentaram ambos diferenças ape-nas em duas dimensões. Ao passo que no clus-ter 6 nenhuma diferença estatisticamente signi-ficante foi detectada. Mais uma vez cabe lem-brar o menor poder dos testes estatísticos nosclusters com menor número de entrevistados,não sendo, assim, adequado especificar as dife-renças internas a estes clusters. Desta forma, os

clusters 4, 5 e 6 serão discutidos apenas em re-lação às tendências gerais de PSF/UBS.

Em nenhum cluster houve diferença entrePSF e UBS tradicional nas dimensões de acessi-bilidade e porta de entrada, sendo que estasapresentam as menores diferenças relativas.

Por outro lado, as dimensões relativas aovínculo, ao elenco de serviços, ao enfoque fa-miliar e à orientação comunitária foram con-sistentemente mais bem avaliadas pelos profis-sionais de unidades PSF nos clusters 1, 2 e 3.

No cluster 1 as diferenças favoráveis ao PSF(maiores escores) ocorreram nas seguintes di-mensões: vínculo, elenco de serviços, coorde-nação, enfoque familiar, orientação comunitá-ria e profissionais de saúde.

No cluster 2 o desempenho das unidades dePSF também foi mais bem avaliado em relaçãoao vínculo, elenco de serviços, enfoque familiare orientação comunitária. Não houve diferen-ça, no entanto, na dimensão relativa aos profis-sionais de saúde.

O cluster 3 apresentou um comportamentosemelhante ao cluster 1 em relação à melhor ava-liação dos profissionais das unidades de PSF,em relação ao vínculo, ao elenco de serviços, aoenfoque familiar, orientação comunitária e pro-fissionais de saúde. Não houve diferença esta-tisticamente significante em relação à dimen-são que avalia a coordenação dos serviços.

Ressalte-se ainda que, quanto às questões re-lativas à auto-avaliação de confiança nas respos-tas (as respostas basearam-se em informaçõescom consulta de dados e relatórios e se não qualo grau de segurança que teriam essas informa-

Tabela 6Amostra de profissionais de saúde, por cluster.Estado de São Paulo, 2005.

Cluster Profissionais de saúden %

1 53 31,82 28 16,83 49 29,34 13 7,85 15 9,06 9 5,4Total 167 100,0

Fonte: Pesquisa Proesf, 2005.

Tabela 7Escore médio por dimensão, cluster e tipo de unidade (PSF/UBS), profissionais de saúde.Estado de São Paulo, 2005.

Dimensões Cluster 1 Cluster 2 Cluster 3 Cluster 4 Cluster 5 Cluster 6PSF UBS PSF UBS PSF UBS PSF UBS PSF UBS PSF UBS

Acessibilidade 26,0 26,8 25,3 24,7 25,9 24,9 29,7 31,6 27,0 29,0 22,5 19,9Porta de entrada 5,9 5,6 5,9 5,8 5,7 5,4 6,0 5,7 5,8 6,0 6,0 4,4Vínculo 38,4* 29,6 39,4* 33,2 35,7* 32,7 40,5* 31,6 41,8 39,3 40,5 31,0Elenco de serviços 126,1* 103,3 120,9* 94,5 124,8* 96,6 131,2 129,9 132,0* 103,7 128,5 94,9Coordenação 98,6* 84,7 96,9 87,5 93,6 86,8 97,3 88,1 102,2 97,3 98,0 78,1Enfoque familiar 21,4* 15,3 22,0* 15,6 20,9* 15,3 22,8* 15,7 24,0* 18,3 24,0 16,1Orientação comunitária 32,8* 20,6 31,4* 16,1 31,7* 15,8 35,3 25,6 39,3* 21,7 31,0 18,9Profissionais de saúde 23,0* 16,6 23,7 18,6 22,6* 16,1 23,0 18,9 24,3 22,0 22,5 21,3Auto-avaliação de confiança 9,6 8,4 11,3* 8,6 10,3* 8,2 7,7 10,1 11,8 10,7 12,0 8,3Total 381,8 310,9 376,8 304,6 371,2 301,8 393,5 357,2 408,2 348,0 385,0 292,9

Fonte: Pesquisa Proesf, 2005 (* p<0,05).

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Tabela 8Diferença relativa do escore médio entre tipo de unidade (PSF/UBS), dimensão e cluster,profissionais de saúde. Estado de São Paulo, 2005.

Dimensão Cluster 1 Cluster 2 Cluster 3 Cluster 4 Cluster 5 Cluster 6

Acessibilidade -0,8 0,6 1,0 -1,9 -2,0 2,6Porta de entrada 0,3 0,1 0,3 0,3 -0,2 1,6Vínculo 8,8 6,2 3,0 8,9 2,5 9,5Elenco de serviços 22,8 26,4 28,2 1,3 28,3 33,6Coordenação 13,9 9,4 6,8 9,2 4,9 19,9Enfoque familiar 6,1 6,4 5,6 7,1 5,7 7,9Orientação comunitária 12,2 15,3 15,9 9,7 17,6 12,1Profissionais de saúde 6,4 5,1 6,5 4,1 2,3 1,2Auto-avaliação de confiança 1,2 2,7 2,1 -2,4 1,1 3,7Total 70,8 72,2 69,4 38,5 60,0 92,1

Fonte: Pesquisa Proesf, 2005.

ções) feita pelos profissionais entrevistados, ape-nas os clusters 2 e 3 apresentaram diferenças es-tatisticamente significantes. Em ambos, os pro-fissionais do PSF tiveram melhor avaliação, em-bora a diferença relativa seja pequena.

Profissionais versus usuários

A avaliação dos serviços pelos profissionaismostrou-se, desta forma, um pouco distintadaquela feita pelos usuários. Estas diferençastornam-se mais evidentes quando são compa-rados os escores médios ajustados por dimen-são, o que pode ser avaliado no gráfico 11.

De um modo geral, as avaliações são coin-cidentes para acessibilidade, porta de entrada evínculo.

A acessibilidade foi avaliada de forma se-melhante tanto pelos profissionais, quanto pe-los usuários ficando num patamar apenas ra-zoável segundo o máximo de pontos possíveisdo instrumento para esta dimensão, isto é, apro-ximadamente 50% do total.

A porta de entrada é uma das dimensõescom melhor avaliação seja pelos profissionais,seja pelos usuários. Em ambos, ela se situa aci-ma dos 80% do valor total.

A dimensão relativa ao vínculo também tendea ser bem avaliada por profissionais e usuários.

Pode-se dizer que a dimensão de elenco deserviços é bem avaliada pelos profissionais desaúde, quase 80%, e razoavelmente pelos usuá-rios, quase 60%.

Coordenação e enfoque familiar apresen-tam diferença ainda maior entre usuários e pro-fissionais, com profissionais avaliando estas di-

mensões muito bem (por volta do 80%), ao pas-so que usuários avaliam que estas dimensõessão apenas 40% do total de pontos possíveis.

A orientação comunitária é também maisbem avaliada pelos profissionais, embora sejaapenas razoável para estes (60%) e ruim paraos usuários (40%).

Por fim, a dimensão relativa aos profissionaisde saúde é a única que, de forma consistente, émais bem avaliada pelos usuários do que pelosprofissionais entrevistados, sendo que em ambosatingem patamares relativos apenas razoáveis.

Considerações finais

Como considerações finais deste artigo, e querepresentam as primeiras tendências identifi-cadas nos resultados obtidos na pesquisa, apre-sentaremos um resumo dos principais resulta-dos encontrados. Teceremos depois alguns co-mentários que julgamos pertinentes à avalia-ção da organização e desempenho a partir dapercepção de usuários e profissionais.

Resumo dos principais resultados encontrados

Para a avaliação da Atenção Básica pelosUsuários e Acompanhantes:• como resultado geral, não há diferença nonível de satisfação entre os clusters estudados,ficando em 50% em média a percepção dosusuários quanto à atenção básica dos municí-pios estudados, o que de certa forma a qualifi-ca como pouco satisfatória;

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Gráfico 11Escores médios ajustados por dimensões e tipo de informante, 2005.

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Acessibilidade

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Elenco de serviços

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Profissionaisde saúde

Usuários Profissionais

• há maior cumprimento dos postulados daAtenção básica nos clusters com indicadores so-ciais mais favoráveis em todas as dimensões es-tudadas com exceção de Elenco de serviços eOrientação comunitária;• os valores dos escores relativos, com exce-ção de Porta de entrada, Vínculo e Profissio-nais de saúde giram ao redor de 50% ou me-nos, o que indica uma avaliação de intermediá-ria para ruim da prestação de serviços;• a comparação dos escores médios dos clus-ters em relação ao cluster 6 por dimensão mos-trou que ocorre diferença significativa nos clus-ters 1,2 e 3 para Acessibilidade, Porta de entra-da e Profissionais de saúde.

Para avaliação da atenção tradicional e PSFpelos trabalhadores da saúde:• os profissionais que trabalham no PSF ava-liam o desempenho como sendo melhor do quejulgam aqueles que trabalham em unidadestradicionais;• as dimensões relativas à Acessibilidade e àPorta de entrada mostraram-se semelhantestanto para os profissionais de PSF quanto deunidades tradicionais;• os clusters 1, 2 e 3 permitem evidenciar deforma consistente que as dimensões Vínculo,Elenco de serviços, Enfoque familiar e Orienta-ção comunitária foram mais bem avaliadas pe-los profissionais do PSF;

• usuários e profissionais têm opiniões seme-lhantes apenas em relação às dimensões de Aces-sibilidade, Porta de entrada e Vínculo;• profissionais tendem a avaliar melhor queos usuários todas as dimensões, exceto a dimen-são relativa aos profissionais de saúde.

A primeira consideração de ordem mais ge-ral aos resultados encontrados diz respeito aoagrupamento desses municípios pelos clustersdivididos nos grupos de indicadores menos emais favoráveis. Com algumas exceções, o pri-meiro grupo concentra os municípios perten-centes às regiões metropolitanas do Estado, on-de o processo de modernização incompleta temraiz numa migração de populações mais po-bres para áreas menos valorizadas, e, por issomesmo, carentes de infra-estruturas e serviçosurbanos essenciais19, 20. A dinâmica territorialpaulista auxilia na explicação da concentraçãodesses municípios com mais de 100 mil habi-tantes nas proximidades das regiões metropoli-tanas e com indicadores sociais que constatama precariedade das condições de vida de parteda população que aí reside. No caso específicoda região metropolitana de São Paulo, um do-cumento elaborado por técnico da SecretariaEstadual no final da década de 1970 já colocavaclaramente a desigualdade entre esta região e ointerior do Estado quanto à rede básica de ser-viços, propondo a construção de mais de 400unidades básicas de saúde e 40 hospitais geraispara essa região. Esse estudo serviu de base pa-ra a instituição do Programa Metropolitano deSaúde na década de 1980, parceria do Governoestadual e o Banco Internacional de Reconstru-ção e Desenvolvimento (Bird) resultando numforte investimento com a construção de 100Unidades Básicas de Saúde e cinco hospitais, adefinição de um novo modelo assistencial cen-trado na atenção básica e uma reforma estru-tural da secretaria redefinindo suas estruturasregionais21.

No grupo com indicadores sociais mais fa-voráveis encontram-se os municípios localiza-dos no interior do Estado, onde esse processodescrito foi menos intenso, criando condiçõesno processo de urbanização de uma capacida-de de resposta mais adequada no que diz res-peito aos serviços básicos.

O regaste histórico das políticas de saúdeno âmbito estadual mostra um ciclo positivopara a atenção básica na região metropolitanada década de 1980, com a incorporação de uni-dades e aumento de resolutividade dessa redecom as Ações Integradas de Saúde (AIS) e Sis-

Ibañ

ez,N

.et

al.

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Colaboradores

N Ibañez participou na concepção geral, pesquisa e reda-ção final; PC Castro e MCSA Ribeiro, na pesquisa e nametodologia; JSY Rocha, AC Forster, MHD Novaes e ALd’Avila Viana, na pesquisa e revisão.

tema Unificado e Descentralizado de Saúde(SUDS) e na década de 1990 um processo demunicipalização com modulações feitas pelasNOBs, com o aumento dos recursos federaispara os municípios, com a instância gestora es-tadual cada vez mais se eximindo de formularações para a atenção básica, voltando-se quaseque inteiramente para os níveis mais comple-xos da assistência, deixando a rede básica paraa gestão municipal, que com raras exceções nãoestava habilitada para esta tarefa22.

A adequação e a capacidade, por esses mu-nicípios, de desenvolver os novos programasPSF e Pacs encontradas nos resultados prelimi-nares deste trabalho são resultantes em grandeparte deste processo.

O segundo comentário diz respeito aos resul-tados encontrados nas diferentes dimensões pro-postas pelo estudo, não levando em considera-ção as diferenças observadas na comparação pe-los clusters, mas os valores ajustados obtidos emsi dos municípios na percepção dos usuários.

As três dimensões que atingem médias ajus-tadas acima de 70%, valor que pode ser consi-derado satisfatório, foram: a porta de entrada,o vínculo (ou longitudinalidade) e profissio-nais, independentemente dos clusters. Se aten-tarmos para suas definições e questões formu-ladas, encontraremos nexos entre essas três di-mensões caracterizadas pelo conhecimento dousuário dos profissionais, seu tempo de utiliza-ção desse tipo de serviço e a possibilidade dever suas necessidades mais imediatas serematendidas.

Quando se examinam as outras cinco di-mensões Acesso, Coordenação, Orientação co-munitária, Enfoque familiar e Elenco de servi-ços, estas se encontram em limites entre 35% e50% nas médias, valores que podemos chamarde insuficientes. Sem extrapolar na inferênciadestas dimensões, podemos dizer que estas seconstituem em pilares da concepção mais es-truturante e complexa da atenção básica nossistemas de saúde. No entanto, excetuando oAcesso, não são dimensões historicamente va-lorizadas nos serviços de saúde, não fazendoparte do aprendizado que a população cons-truiu nas suas relações com os serviços. Trans-formar essa experiência vivida requer forte eduradouro investimento não somente em ca-pacitação, mas um esforço de mudança cultu-ral de profissionais e gestores e sustentabilida-de das propostas implantadas. A análise da di-ferença de percepções encontradas entre usuá-rios e profissionais das dimensões estudadastambém reflete essa diferença nas expectativasquanto à atenção desenvolvida, e ela tem sidoobservada de forma recorrente na literatura23, 24.

Diante da escassez de estudos abrangentesnesta área e de instrumentos e processos paraavaliação de desempenho e organização da aten-ção básica, os dados e informações coletadosneste estudo que permitem abordagens analíti-cas múltiplas poderão contribuir de forma im-portante com novos conhecimentos a seremutilizados para as decisões nos diferentes níveisde gestão e no monitoramento e melhoria denossos serviços.

Ciên

cia & Saú

de C

oletiva,11(3):683-703,2006

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Referências

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Artigo apresentado em 27/02/2006Aprovado em 31/03/2006Versão final apresentada em 17/04/2006