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Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes Departamento de Linguística, Letras Clássicas e Vernáculas Curso de Graduação em Letras Prof. Bruno Dallari METÁFORA E METONÍMIA Camila Dias Manoel Fevereiro/2013 Este breve trabalho tem como objetivo analisar, a partir dos objetos selecionados - quais sejam: o conto “Cemitério de Elefantes”, de Dalton Trevisan, e “Poema de Sete Faces”, de Carlos Drummond de Andrade -, os conceitos de metáfora e metonímia, duas grandes articulações da linguagem, na esteira dos estudos lacanianos (baseados na teorização de Jackbson) suscitados, por sua vez, da contribuição pioneira de Saussure aos estudos lingüísticos e de semiologia. Os textos a que fazemos referência são notórios justamente por apresentar claramente, cada um a seu modo, as figuras de linguagem propostas. Ademais, a ideia principal é a de que o artista, a partir da estrutura onde se baseia o significante, serve-se da língua para exprimir algo diferente daquilo que aparentemente quer dizer. No se que refere à metáfora, partiremos da noção básica de arbitrariedade de Saussure, uma vez que a

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Universidade Federal do ParanáSetor de Ciências Humanas, Letras e ArtesDepartamento de Linguística, Letras Clássicas e VernáculasCurso de Graduação em LetrasProf. Bruno Dallari

METÁFORA E METONÍMIA

Camila Dias ManoelFevereiro/2013

Este breve trabalho tem como objetivo analisar, a partir dos objetos selecionados

- quais sejam: o conto “Cemitério de Elefantes”, de Dalton Trevisan, e “Poema de Sete

Faces”, de Carlos Drummond de Andrade -, os conceitos de metáfora e metonímia, duas

grandes articulações da linguagem, na esteira dos estudos lacanianos (baseados na

teorização de Jackbson) suscitados, por sua vez, da contribuição pioneira de Saussure

aos estudos lingüísticos e de semiologia.

Os textos a que fazemos referência são notórios justamente por apresentar

claramente, cada um a seu modo, as figuras de linguagem propostas. Ademais, a ideia

principal é a de que o artista, a partir da estrutura onde se baseia o significante, serve-se

da língua para exprimir algo diferente daquilo que aparentemente quer dizer.

No se que refere à metáfora, partiremos da noção básica de arbitrariedade de

Saussure, uma vez que a associação de semelhança básica do conto de Trevisan, entre

bêbados e elefantes, é produzida única e exclusivamente pela mente do autor, ou seja,

não há, na realidade objetiva, relação de similaridade entre as duas idéias, mas sim seu

estabelecimento dentro do ambiente literário do conto.

Trevisan estabelece a seguinte relação: assim como o elefante, que vaga atrás de

alimento e água e, quando está para morrer, abandona seus pares para entrar no céu dos

elefantes sozinho, o bêbado também vive atrás de restos de comida e cachaça, tem pés

inchados e pesados, e morre sozinho, tal qual o animal. Em termos saussurianos,

diríamos que a relação é de sucessão e diacronia, já Lacan vai apontá-la como de

similaridade, onde existe um deslocamento de uma coisa pela outra (Freud o analisa na

interpretação dos sonhos).

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Por sua vez, Drummond utiliza-se do recurso metonímico em vários versos do

poema referido. Bem se sabe, por exemplo, que casas não têm a capacidade de espiar

ninguém, quem espia são as pessoas dentro das casas. Tampouco há manequins que

apresentam apenas pernas dentro dos bondes, mas pessoas cujas pernas são objeto de

percepção e maior atenção do eu-lírico. Neste casos, uma palavra é empregada no lugar

de outra não por arbitrariedade subjetiva do poeta, mas justamente porque existe, de

fato, uma contigüidade (na linguagem saussuriana, simultaneidade ou sincronicidade)

lógica no mundo concreto entre as idéias, entre casas, janelas e pessoas que as habitam,

ou entre pernas e seres humanos. Se na interpretação dos sonhos, Freud percebe quando

um elemento contém em si uma situação mais ampla, Lacan vai chamar essa

condensação de processo metonímico.

A metáfora também cabe no poema devido à aproximação entre as sete

“estrofes” e as sete “faces” dos sentimentos do poeta, e entre as janelas das casas e os

olhos. Como bem aponta Jung em “O Homem e seus símbolos”, o corpo humano é

muitas vezes representado sob a forma de uma casa, inclusive como imagem onírica. Se

esses mesmos recursos podem aparecer nos sonhos, é possível inferir que o inconsciente

poderia funcional como linguagem simbólica.

A partir da leitura de “Iconografia de Abeé Pierre”, Barthes acaba ilustrando

uma substituição do “real” pelo “imaginário”, quando mostra que a barba, por exemplo,

pode ter valores diferentes dependendo do contexto, e que, no caso, a justiça real é

substituída por signos de caridade (como barba, cajado, sandálias, etc). Diante das

abordagens saussurianas e da conseguinte escola estruturalista formada a partir delas,

nota-se o caráter relevante da teoria da autonomia ontológica da linguagem, sendo esta,

apesar de também fazer parte do social, do biológico e do psicológico/cognitivo,

considerada apesar desses fatos, não podendo, portanto, ser reduzida a tais termos, mas

vista sob a sua unidade autônoma, que estabelece uma lógica própria. Os termos, ou

signos, terão valores diferentes dependendo do lugar onde estejam, e estão suscetíveis,

portanto, à mudança, dependendo do desejo das pessoas por este ou aquele símbolo, ou

seja, há um consumo simbólico, onde os signos funcionam sós, independentes do real.

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