autonomia e ação coletiva: a história de pessoa e as conquistas da comunidade caldeirões ii

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Autonomia e Ação Coletiva: A história de Pessoa e as conquistas da comunidade Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas Ano 8 • nº896 Junho/2014 Itapipoca O agricultor Raimundo Rodrigues Pessoa é daqueles homens que você tem a sensação de já ter visto em algum lugar, em alguma conversa informal pelas ruas de Itapipoca, talvez na barbearia do centro, no sindicato dos trabalhadores rurais ou pelas feiras. Pessoa, como é mais conhecido na região, é presidente da associação de moradores da comunidade Caldeirões II, que fica há cerca de 20 km de Itapipoca. Pessoa chegou à comunidade há 23 anos, naquela época tudo era diferente, como ele mesmo diz: “aqui na minha casa só tinha mato e promessa de político, aí eu construí essa casinha aqui e começamos a nos reunir pra formar a associação”. Desde o início o agricultor já sabia que, organizados, os moradores conseguiriam ter mais voz para lutarem por melhorias na localidade. Foi através da mobilização que a comunidade unida conseguiu que fossem instalados 500 postes de iluminação, significando uma vitória para a associação. “Começamos a batalhar por esse projeto e conseguimos, taí, são quase 500 postes, e não veio só pro Caldeirões II não, foi pro I também”, conta Pessoa lembrando as dificuldades em dialogar com governos e empresas, “Eu fiquei à frente desse projeto, dei umas 30 viagens para Itapipoca e fui até Fortaleza, lá na Chesf (Companhia Hidro Elétrica do São Francisco) e deu certo”, diz com orgulho o agricultor. Mesmo com a chegada da energia elétrica, outros desafios vinham se apresentando para a comunidade Caldeirões II, a escassez de água vinha prejudicando a produção dos agricultores e havia algumas promessas de construção de açudes e poços, mas que pareciam distantes demais para os anseios da comunidade. Nesse período Pessoa conhece os projetos desenvolvidos pela Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) através do trabalho desenvolvido pelas entidades que executavam o Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC) e Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2) na região, o agricultor logo se informou como sua comunidade, também, poderia ter acesso aos projetos. “Hoje graças a Deus todo mundo tem a primeira cisterna e alguns já tem a segunda e nosso objetivo é que todas as casas tenham a segunda água também”, conta Pessoa com orgulho o resultado do esforço . Caldeirões II Pessoa e Maria das Dores Pessoa, Maria das Dores e Railton

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Através da história da familia de Pessoa, líder comunitário, vamos conhecer um pouco das conquistas da comunidade Caldeirões II em Itapipoca.

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Page 1: Autonomia e Ação Coletiva: A história de Pessoa e as conquistas da comunidade Caldeirões II

Autonomia e Ação Coletiva:

A história de Pessoa e as conquistas da comunidade

Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas

Ano 8 • nº896

Junho/2014

Itapipoca

O agricultor Raimundo Rodrigues Pessoa é daqueles homens que você tem a sensação de já ter visto em algum lugar, em alguma conversa informal pelas ruas de Itapipoca, talvez na barbearia do centro, no sindicato dos trabalhadores rurais ou pelas feiras. Pessoa, como é mais conhecido na região, é presidente da associação de moradores da comunidade Caldeirões II, que fica há cerca de 20 km de Itapipoca.

Pessoa chegou à comunidade há 23 anos, naquela época tudo era diferente, como ele mesmo diz: “aqui na minha casa só tinha mato e promessa de político, aí eu construí essa casinha aqui e começamos a nos reunir pra formar a associação”. Desde o início o agricultor já sabia que, organizados, os moradores conseguiriam ter mais voz para lutarem por melhorias na localidade. Foi através da mobilização que a comunidade unida conseguiu que fossem instalados 500 postes de iluminação, significando uma vitória para a associação. “Começamos a batalhar por esse projeto e conseguimos, taí, são quase 500 postes, e não veio só pro Caldeirões II não, foi pro I também”, conta Pessoa lembrando as dificuldades em dialogar com governos e empresas, “Eu fiquei à frente desse projeto, dei umas 30 viagens para Itapipoca e fui até Fortaleza, lá na Chesf (Companhia Hidro Elétrica do São Francisco) e deu certo”, diz com orgulho o agricultor.

Mesmo com a chegada da energia elétrica, outros desafios vinham se apresentando para a comunidade Caldeirões II, a escassez de água vinha prejudicando a produção dos agricultores e havia algumas promessas de construção de açudes e poços, mas que pareciam distantes demais para os anseios da comunidade. Nesse período Pessoa conhece os projetos desenvolvidos pela Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) através do trabalho desenvolvido pelas entidades que executavam o Programa Um Milhão de

Cisternas (P1MC) e Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2) na região, o agricultor logo se informou como sua comunidade, também, poderia ter acesso aos projetos. “Hoje graças a Deus todo mundo tem a primeira cisterna e alguns já tem a segunda e nosso objetivo é que todas as casas tenham a segunda água também”, conta Pessoa com orgulho o resultado do esforço .

Caldeirões II

Pessoa e Maria das Dores

Pessoa, Maria das Dores e Railton

Page 2: Autonomia e Ação Coletiva: A história de Pessoa e as conquistas da comunidade Caldeirões II

Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas Articulação Semiárido Brasileiro – Ceará

Para o agricultor, a cisterna de primeira água garante a todos os moradores dos Caldeirões II água de qualidade pra beber durante todo o ano e com a chegada da segunda água a produção se diversificou e garantiu alimentação de qualidade para as famílias da localidade.

Maria das Dores, esposa de Pessoa, trabalha na escola municipal e destaca o impacto desses projetos na vida das famílias e na escola,

principalmente pelo acesso a alimentação de qualidade, livre de agrotóxicos, produzidos de maneira agroecológica. “Lá na escola as crianças tinham pavor de legumes (risos), aí eu comecei a levar alguns produtos daqui couve, berinjela. Mando as meninas da cozinha prepararem bem batidinho, o resultado foi mais que positivo, além de ser saudável, eles passaram a consumir mais esses produtos”, fala Maria das Dores. Para ela o processo de construção das cisternas, com os cursos e capacitações, foi importante para a construção de novos conhecimentos: “aprendi sobre essa questão de cuidar da cisterna pra manter a água sempre limpa, as capacitações então, nelas a gente sempre escuta coisa nova, assim como nos intercâmbios, onde os agricultores mais experientes sempre ensinam coisas novas”.

A Comunidade Caldeirões II fortaleceu sua história e vem construindo, através da força do coletivo, um lugar melhor de se viver, deixando pra trás as marcas de tempos difíceis. “Só quem entrava num banco atrás de empréstimo eram os senhores, nós, os pobres, nem tínhamos condições de chegar num banco e hoje, com os projetos, nós fizemos casas, produzimos alimentação de qualidade que alimenta maior parte do brasileiro”, conta Pessoa. O agricultor sabe que ainda existem diversas dificuldades, mas prefere acreditar no futuro, na força que vem do esforço coletivo e de uma nova fase das politicas públicas voltada para atender a necessidades dos agricultores e agricultoras. “Nós vivemos muitos anos de atraso, muitos governos que não fizeram nada por nós, mas parece que agora não esqueceram a gente que é pobre”, fala com firmeza Maria das Dores.

Raimundo Pessoa e Maria das Dores têm três filhos, Raniere, Railton e Raiane que já estão envolvidos em outras atividades como projetos ambientais e demais atividades da agricultura familiar. A comunidade Caldeirões II tem boa parte de sua economia voltada para produção de mandioca e seus derivados , já a outra se apoia na comercialização de caju.

O casal tem consciência que com a união das famílias e a ação direta junto a associação, a voz deles tem mais força. Pessoa agora sorri fácil e sabe que algumas dificuldades foram vencidas e que conviver com o Semiárido é também se organizar, resistir e produzir.

Realização Apoio

Pessoa e a Cisterna Enxurrada

Pessoa e Maria das Dores em seu Quintal