autonomia da vontade privada e testamento vital: a

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AUTONOMIA DA VONTADE PRIVADA E TESTAMENTO VITAL: A POSSIBILIDADE DE INCLUSÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO Ana Cláudia Corrêa Zuin Mattos do Amaral * Éverton Willian Pona ** RESUMO A possibilidade apresentada pelas ciências médicas de prolongamento da vida contribuiu para que, cada vez menos, as pessoas estejam preparadas para encarar a morte, atribuindo à vida a sacralidade e inviolabilidade em qualquer circunstância. Essa reverência à vida pode colocar indivíduos em situações críticas, como nos casos em que uma pessoa já diagnosticada como portadora de doença incurável permanece viva porque ligada a inúmeros aparelhos, padecendo, por vezes de sofrimentos físicos e psíquicos. Não terminar a vida em semelhante estado é prerrogativa do indivíduo. Sua capacidade de autodeterminação e sua liberdade deverão permitir que o mesmo escolha as condições do seu final de vida. Considerando tais circunstâncias, então, é que se propõe a possibilidade de um indivíduo, gozando de suas plenas faculdades mentais, dispor antecipadamente acerca das escolhas terapêuticas a serem adotadas na fase terminal de sua vida, podendo inclusive, recusar-se a receber tratamento que prolongue inútil e indefinidamente a sua existência. Tais disposições antecipadas de vontade devem ser respeitadas caso o paciente não possa mais decidir pessoalmente sobre a continuidade dos tratamentos por encontrar-se inconsciente. Conhecido como testamento vital ou “living will” dos americanos, esse instituto é reflexo maior do respeito à autonomia da vontade do indivíduo e sua inclusão no ordenamento jurídico é de grande importância para o direito brasileiro. Palavras-Chave: Autonomia. Testamento vital. Direito brasileiro. ABSTRACT The opportunity presented by medical science to extend the life contributed to that, fewer and fewer people are prepared to face death, giving life to the sacredness and inviolability under all circumstances. That reverence for life can put people in critical situations, as when a person already diagnosed as a carrier of incurable disease remains alive because linked to numerous appliances, suffering at times of physical and psychological suffering. Do not finish their lives in similar condition is prerogative of the individual. His ability to self-determination and their freedom should allow it to choose the conditions of its end of life. Given such circumstances, then, is that it proposes the possibility of an individual, enjoy their full mental faculties, have advance about the therapeutic choices to be adopted in the terminal stage of his life, and may even refuse to receive treatment that prolongs useless and its existence indefinitely. These arrangements advance the will must be respected if the patient can not personally decide on the most continuity of care by finding was unconscious. Known as vital testament or "living will" of Americans, that institute is a reflection of greater respect for the autonomy of the will of the individual and their inclusion in the legal system is of great importance to the Brazilian Law. Keywords: Autonomy. Living will. Brazilian law. * Doutoranda em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Mestre em Direito Civil pela UEL. Professora da Graduação e Pós-Graduação Lato Sensu da Universidade Estadual de Londrina – Paraná ** Graduando do 3º ano do Curso de Direito da Universidade Estadual de Londrina – Paraná. Revista do Direito Privado da UEL – Volume 1 – Número 3 – www.uel.br/revistas/direitoprivado

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Page 1: AUTONOMIA DA VONTADE PRIVADA E TESTAMENTO VITAL: A

AUTONOMIA DA VONTADE PRIVADA E TESTAMENTO VITAL: A

POSSIBILIDADE DE INCLUSÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO

BRASILEIRO

Ana Cláudia Corrêa Zuin Mattos do Amaral*

Éverton Willian Pona**

RESUMO

A possibilidade apresentada pelas ciências médicas de prolongamento da vida contribuiu para que, cada vez menos, as pessoas estejam preparadas para encarar a morte, atribuindo à vida a sacralidade e inviolabilidade em qualquer circunstância. Essa reverência à vida pode colocar indivíduos em situações críticas, como nos casos em que uma pessoa já diagnosticada como portadora de doença incurável permanece viva porque ligada a inúmeros aparelhos, padecendo, por vezes de sofrimentos físicos e psíquicos. Não terminar a vida em semelhante estado é prerrogativa do indivíduo. Sua capacidade de autodeterminação e sua liberdade deverão permitir que o mesmo escolha as condições do seu final de vida. Considerando tais circunstâncias, então, é que se propõe a possibilidade de um indivíduo, gozando de suas plenas faculdades mentais, dispor antecipadamente acerca das escolhas terapêuticas a serem adotadas na fase terminal de sua vida, podendo inclusive, recusar-se a receber tratamento que prolongue inútil e indefinidamente a sua existência. Tais disposições antecipadas de vontade devem ser respeitadas caso o paciente não possa mais decidir pessoalmente sobre a continuidade dos tratamentos por encontrar-se inconsciente. Conhecido como testamento vital ou “living will” dos americanos, esse instituto é reflexo maior do respeito à autonomia da vontade do indivíduo e sua inclusão no ordenamento jurídico é de grande importância para o direito brasileiro.

Palavras-Chave: Autonomia. Testamento vital. Direito brasileiro.

ABSTRACT

The opportunity presented by medical science to extend the life contributed to that, fewer and fewer people are prepared to face death, giving life to the sacredness and inviolability under all circumstances. That reverence for life can put people in critical situations, as when a person already diagnosed as a carrier of incurable disease remains alive because linked to numerous appliances, suffering at times of physical and psychological suffering. Do not finish their lives in similar condition is prerogative of the individual. His ability to self-determination and their freedom should allow it to choose the conditions of its end of life. Given such circumstances, then, is that it proposes the possibility of an individual, enjoy their full mental faculties, have advance about the therapeutic choices to be adopted in the terminal stage of his life, and may even refuse to receive treatment that prolongs useless and its existence indefinitely. These arrangements advance the will must be respected if the patient can not personally decide on the most continuity of care by finding was unconscious. Known as vital testament or "living will" of Americans, that institute is a reflection of greater respect for the autonomy of the will of the individual and their inclusion in the legal system is of great importance to the Brazilian Law.

Keywords: Autonomy. Living will. Brazilian law.

* Doutoranda em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Mestre em Direito Civil pela UEL. Professora da Graduação e Pós-Graduação Lato Sensu da Universidade Estadual de Londrina – Paraná** Graduando do 3º ano do Curso de Direito da Universidade Estadual de Londrina – Paraná.

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1 INTRODUÇÃO

Com a evolução da medicina, aperfeiçoada por técnicas e medicamentos capazes de

prolongar a vida de uma pessoa acometida por uma doença tida como incurável, surge a

questão que se permeia quando a tecnologia médica, aliada à obstinação terapêutica, mantém

vivos indivíduos que já não mais querem ou não podem mais viver, seja porque deliberada e

conscientemente abdicam de sua vida por não entendê-la como digna de qualquer interesse,

seja porque o estado de sua doença já corrompeu a atividade cerebral a tal ponto que se torna

irreversível, sendo sustentados apenas em virtudes dos aparelhos aos quais se encontram

ligados.

Questionar-se-á aqui acerca da autonomia da vontade do indivíduo para se auto-

determinar dispondo antecipadamente a respeito das opções médicas a serem seguidas quando

o mesmo já não mais possa decidir por si próprio. Levantar-se-á a questão se o indivíduo pode

ou não, em nosso ordenamento jurídico, valer-se de um documento chamado testamento vital,

quando ainda goze de suas faculdades mentais, para, caso eventualmente seja acometido por

doença incurável que o leve ao estado vegetativo irreversível, optar pelo fim de sua vida, pela

não continuidade de tratamentos fúteis e sem resultado prático visível.

Perscrutar-se-á até que ponto, no direito brasileiro, pode-se defender a autonomia da

vontade do paciente, principalmente quando em jogo bens jurídicos supostamente

indisponíveis, como é o caso da vida humana.

Princípios basilares do ordenamento jurídico como a dignidade da pessoa humana, a

autonomia da vontade, e a autodeterminação moral se entrecruzam e da ponderação dos

mesmos é que, quiçá, poder-se-á apontar para a adoção do instituto do testamento vital no

nosso corpo de normas jurídicas.

2 TESTAMENTO VITAL

2.1 Contexto para sua Compreensão

Entender a expressão “testamento vital” como empregada nesse escrito requer uma

compreensão maior do que a simples idéia do ato pelo qual uma pessoa dispõe de seus bens

para depois de sua morte. Compreender a exata noção que abaixo se delineará exige que o

leitor detenha conhecimento do atual estado das ciências biomédicas e do elevado grau de

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desenvolvimento das tecnologias empregadas no cotidiano de tais ciências.

É preciso ater-se à idéia de que, com o avanço da medicina e das demais ciências da

saúde e a potência dos aparelhos utilizados nos tratamento de doenças e na manutenção da

vida, hoje, indivíduos doentes, sem chances de efetiva recuperação, permanecem “vivos”, a

respirar, ainda que artificialmente, mantidos por uma infinidade de aparelhos.

As UTIs tornam-se cada dia mais sofisticadas e, se antes a vida tinha um ciclo

natural e o médico cuidava para que não houvesse a interrupção precoce desse ciclo,

hodiernamente é bem possível manter um indivíduo “vivo” por vinte ou mais anos, mesmo

que seu corpo dê sinais de que a “vida” não mais lá habita, porque a parafernália médico-

tecnológica reproduz a vida física enquanto metabolismo, objetivando-se afastar a morte a

qualquer custo.

Diante de tais avanços e das condições nas quais atualmente os indivíduos têm vivido

a própria morte, reacenderam discussões acerca de questões como a validade da manutenção

da vida a qualquer custo, ainda que isso cause ao paciente dores infindáveis; se não estar-se-ia

prejudicando a qualidade de vida em beneficio de sua quantidade com tal atitude; se não têm

os indivíduos o direito de morrer da forma que lhes pareça menos sofrível, mais dignamente;

se indivíduo tem autonomia para determinar-se e optar pela morte quando sua vida não mais

lhe pareça viável na situação em que se encontra; se estamos prolongando de fato a vida ou

apenas e tão-somente adiando a morte; se é dever da medicina sustentar indefinidamente a

vida; se é dever usar toda a munição disponível no tratamento de um doente terminal ou pode-

se interromper o tratamento.

É, pois, nesse contexto que deve ser entendido o testamento vital: diante dos avanços

da medicina e tecnologia que permitem o prolongamento indeterminado da vida de pacientes

terminais, cuja sobrevivência é mantida por aparelhos inúmeros, tendo por conseqüência a dor

e o sofrimento do indivíduo. É no contexto de respeito à dignidade e autonomia do paciente

que se pode pensar na adoção de tal documento no ordenamento brasileiro.

2.2 Conceito

A boa doutrina pátria aponta um conceito para o testamento:

Testamento é ato personalíssimo, unilateral, gratuito, solene e revogável, pelo qual alguém, segundo norma jurídica, dispõe, no todo ou em parte, de seu patrimônio para depois de sua morte, ou determina providências de caráter pessoal ou familiar (DINIZ, 2002, p. 1204).

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Tem-se assim, que o testamento é uma forma de disposição da vontade do individuo,

em relação a seus bens e outras questões mais que podem não dizer respeito ao patrimônio,

estabelecendo diretrizes a serem seguidas para depois de sua morte. Vê-se, dessa forma,

tratar-se de negócio jurídico, unilateral, personalíssimo, revogável, gratuito e solene.

Como negócio jurídico que é, para ser realizado exige-se do indivíduo, capacidade.

Dispõe a respeito o art. 1860 do Código Civil que “além dos incapazes, não podem testar os

que, no ato de fazê-lo, não tiverem pleno discernimento”. Podem, entretanto, testar, os

maiores de dezesseis anos, segundo o que dispõe o parágrafo único do citado artigo.

Venosa (2003, p. 142), por sua vez, destaca que além dos menores de 16 anos, não

tem capacidade para testar tanto o demente como aquele que testou sob fugaz estado de

alienação, estando sob efeito de alucinógeno que seja capaz de tolher o discernimento, ou

ainda sob influência do estado etílico que leva à perda de tal capacidade.

Importante salientar, como bem lembra a doutrina (VENOSA, 2003, p. 142;

RODRIGUES, 1993, p. 107; PEREIRA, 1982, p. 137), ser a capacidade exigida apenas e tão

somente no momento da feitura do testamento, sendo, desta forma, indiferente, que o

indivíduo antes do ato não conte com o necessário discernimento ou que venha a perdê-lo

posteriormente, fatos esses que não viciam o instrumento de vontades.

O negócio jurídico testamentário representa manifestação da autonomia privada no

âmbito das relações patrimoniais do direito de família e sucessório.

Um testamento vital, por sua vez, é um documento com diretrizes antecipadas – da

mesma forma que o testamento comum – realizado por uma pessoa em uma situação de

lucidez mental para ser levado em conta quando, por causa de uma doença, já não seja

possível expressar sua vontade1.

Por meio desse documento, a “pessoa determina, de forma escrita, que tipo de

tratamento ou não tratamento deseja para a ocasião em que se encontrar doente, em estado

incurável ou terminal, e incapaz de manifestar sua vontade” (BORGES, 2005).

Cristina Sanchez Lopes (2002), professora da Universidade de Alicante escreve que

os testamentos vitais são documentos por meio dos quais uma pessoa suficientemente capaz

pode estabelecer, antecipadamente, que medidas e tratamentos quer que se lhe apliquem

quando não possa mais expressar sua vontade pessoalmente, podendo ainda, designar um

representante para que tome esse tipo de decisão em seu lugar.

Sá (2005, p. 36) em rápida menção, afirma que “o living will ou ‘testamento em vida’

1Definição apresentada pelo site <http://boasaude.uol.com.br/lib/Show Doc.cfm?LibDocID=3737&ReturnCatID=1800>. Acesso em: 01 ago 2008.

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pretende estabelecer os tratamentos médicos indesejados, caso o paciente incorra em estado

de inconsciência ou em estado terminal”.

Pessini (apud RAMOS, 2003, p. 88) classifica o testamento vital como “disposições

dadas em vida por uma pessoa acerca das escolhas terapêuticas que serão implementadas na

fase final de sua vida”.

Por sua vez, Juana Teresa Betancor (apud MOTA, 2007) define-o como

Instrumento jurídico no qual os indivíduos capazes para tal, em sã consciência, expressem sua vontade acerca das atenções médicas que deseja receber, ou não, no caso de padecer de uma enfermidade irreversível ou terminal que lhe haja conduzido a um estado em que seja impossível expressar-se por si mesmo.

A denominação do documento varia, de modo a ser chamando também de

documento de vontades antecipadas, living will, testamento em vida, testamento biológico e

ainda de testament de vie (BORGES, 2005).

Conclui-se, desta forma, ser o testamento vital um documento jurídico redigido por

uma pessoa quando plenas as suas faculdades mentais, por meio do qual dispõe

antecipadamente a sua vontade quanto aos tratamentos a serem ou não empregados caso

advenha situação na qual não possa mais expressar suas intenções em virtude do estado de

saúde em que se encontre, podendo ainda servir de instrumento para a nomeação de terceiro

para tomar a decisão quanto aos tratamentos utilizados e ainda dispor acerca da doação ou não

de órgãos. Por meio desse documento o indivíduo manifesta a sua vontade de não ser mantido

vivo em condições que considere indignas, cuja qualidade da vida já não mais pode ser

preservada diante da batalha travada para vencer a morte.

Assegura-se através desse documento a "morte digna" no que se refere à assistência e

ao tratamento médico ao qual será submetido um paciente em condição física ou mental

incurável ou irreversível.

Em geral, as instruções desse testamento aplicam-se sobre uma condição terminal,

sob um estado permanente de inconsciência ou um dano cerebral irreversível que não

possibilita à pessoa a recuperação da capacidade para tomar decisões e expressar seus desejos

futuros. É então quando o testamento vital estabelece que o tratamento a ser aplicado limita-se

às medidas necessárias para manter o conforto, a lucidez e aliviar a dor (incluindo as que

podem ocorrer como conseqüência da suspensão ou interrupção do tratamento).

Há diferença pontual entre o testamento como conhecemos e o testamento vital,

mormente quanto à produção de seus efeitos, pois, enquanto um testamento destina seus

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efeitos a serem produzidos apenas depois da morte do testador, com disposições de caráter,

em geral, patrimonial, o testamento vital, ao contrário, destina-se a produzir efeitos antes do

falecimento, sendo suas disposições relativas aos direitos da personalidade e autonomia do

indivíduo.

2.3 Breve Escorço Histórico

O instituto do testamento como hoje o conhecemos tem sua origem no direito

romano (VENOSA, 2003, p. 128-131). O testamento vital tem história mais recente.

Historicamente temos que, em 1967, a Sociedade Americana para Eutanásia propôs o

testamento vital (living will) como documento de cuidados antecipados, pelo qual os

indivíduos poderiam registrar sua vontade quanto às intervenções médicas para manutenção

da vida, sendo que em 1969, um advogado de Chicago chamado Luis Kutner sugeriu um

modelo de documento no qual o próprio indivíduo declarava que, se entrasse em estado

vegetativo, com impossibilidade segura de recuperar suas capacidades físicas e mentais,

deveriam ser suspensos os tratamentos médicos. Kutner sugeriu, ainda, que o testamento vital

satisfizesse a quatro finalidades: primeira, em processos judiciais, a necessidade de se ter em

conta a diferença entre homicídio privilegiado por relevante valor moral (a compaixão) e o

homicídio qualificado por motivo torpe; segunda, a necessidade legal de permitir, ao paciente,

o direito de morrer por sua vontade; a terceira, a necessidade de o paciente expressar seu

desejo de morrer, ainda que incapaz de dar seu consentimento na ocasião; quarta, para

satisfazer às três primeiras finalidades, dever-se-ia dar, ao paciente, garantias necessárias de

que sua vontade fosse cumprida (KUTNER apud CLEMENTE; PIMENTA, 2006).

Muitas foram as tentativas de se institucionalizar e regulamentar tal possibilidade nos

diversos estado americanos, todas, porém, restaram improfícuas. A primeira delas foi uma

iniciativa de Walter Sackett, na Flórida, em 1968. Entretanto, foi somente em 1972 nos EUA,

que este documento teve reconhecido o seu valor legal, surgindo com o Natural Death Act, na

Califórnia. Assim, o testamento vital passou a ser um documento comum a ser incorporado às

leis de morte natural (CLEMENTE; PIMENTA, 2006).

Posteriormente, outro período de normatização merece destaque, com a promulgação

na Califórnia da primeira lei sobre a morte natural, que vigeu até o ano de 1991, com a

entrada em vigor da lei federal sobre a autodeterminação do paciente. Destaque merece o fato

que foi justamente nesse período que o mundo foi mobilizado com os famosos casos de Karen

Ann Quinlan (1976) e Nancy Cruzan (1990), nos quais justamente se discutia acerca da

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possibilidade da retirada dos aparelhos, com a Justiça exigindo comprovações de que essa era

a vontade das pacientes (CLEMENTE; PIMENTA, 2006).

Após o ano de 1991 a doutrina médica, filosófica e jurídica passou a debater sobre a

autonomia do paciente frente à escolha de vida e morte, acerca da possibilidade de

autodeterminação, da manifestação livre e consentida de vontade, do consentimento

informado na relação entre médico e paciente.

Vê-se, deste modo, que, com a entrada em vigor, em 1º de dezembro de 1991, do

PSDA – Patient Self-Determination Act -, nos Estados Unidos, o testamento vital foi

confirmado como documento jurídico válido, pois

[...] reconheceu a autonomia privada do paciente, inclusive para recusar tratamento médico. Os centros de saúde, quando da admissão do paciente, registram suas opções e objeções a tratamentos em caso de incapacidade superveniente de exercício pela própria autonomia – são as ‘advance directives’ – previstas nessa lei (SÀ, 2005).

Na Alemanha, intensas têm sido as discussões acerca da inclusão no testamento vital

no ordenamento civil.

No 66º Encontro da Associação dos Profissionais de Direito da Alemanha, realizado

em Stuttgart em 2006, a então ministra da Justiça daquele país, Brigitte Zypries, defendeu a

inclusão do testamento vital na legislação alemã, sob a ótica de que o cidadão tem o direito de

determinar os tratamento e procedimentos médicos que poderão ser utilizados em caso de

doença terminal.2

Na Europa, em 7 de julho de 2005 foi aprovada a lei 6/2005, que regulamentou a

Declaração de Vontade Antecipada, outro denominação para o testamento vital, no estado

autônomo de Castilla-La Mancha.

Frisa-se, por oportuno, não haver em nosso país legislação específica tratando sobre

o tema do testamento vital, mas da leitura do ordenamento conjuntamente com os princípios

da autonomia privada do individuo, da autodeterminação de sua vontade e também da

dignidade da pessoa humana pode-se oferecer uma solução à essa lacuna jurídica.

2.4 Requisitos para a Confecção do Testamento Vital

Como documento jurídico, o testamento vital, assim como o testamento comum,

deve obedecer alguns requisitos a fim de que se permita sua elaboração.

2 Notícia disponível em:< http://www.dw-world.de/dw/article/0,2144,2180639,00.html> acesso em 01 ago 2008.

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Nos Estados Unidos, país no qual se aceita a sua confecção, exige-se que a pessoa

seja maior e capaz; que o documento seja assinado perante duas testemunhas independentes, e

que seus efeitos sejam válidos apenas após 14 dias de sua assinatura, sendo manifestação

revogável a qualquer tempo. Sua “validade” é de aproximadamente 5 anos, e exige-se a

caracterização da fase terminal do doente atestada por dois médicos (CLEMENTE;

PIMENTA, 2006).

As características deste documento são as mesmas do testamento comum, ou seja,

trata-se igualmente de ato jurídico (ou negócio jurídico) unilateral, personalíssimo, revogável,

gratuito e solene. Primeiro, porque representa a manifestação da vontade do indivíduo para a

produção de efeitos jurídicos. Personalíssimo porque somente o indivíduo pode realizá-lo, lhe

sendo vedada a outorga de poderes para a confecção. Revogável, uma de suas principais

características, pois, para que se leve a cabo as disposições nele contidas, mister sejam

incontestes as vontades do testador, podendo o mesmo, a qualquer momento, revê-las, revogá-

las. Gratuito por não impor ônus e obrigações a quaisquer pessoas; e solene, devido à

exigência do registro do documento, como garantia da segurança jurídica.

Desta feita, para que se possa manifestar a vontade de não ter iniciado um

tratamento, ou que o mesmo seja interrompido em caso de se estar em estado vegetativo

irreversível, propõe-se, com base nos exemplo já existentes em outros países, sejam

preenchidos os seguintes requisitos:

Capacidade. O primeiro e fundamental requisito para confeccionar o testamento é

que o indivíduo seja capaz. A capacidade aqui exigida é a aquela da qual não dispõem aqueles

enunciados nos art. 4 e 5 do Código Civil. Ou seja, requer-se capacidade plena para a prática

dos atos da vida civil. Exclui-se a possibilidade aberta pelo parágrafo único do artigo 1860 do

Codex para os maiores de 16 anos testarem, atribuindo-se somente aos indivíduos que já

tenham atingido a maioridade civil a capacidade para deixarem um testamento vital3.

Maria Berenice Dias (2005, p. 210) faz a menção que o documento deve ser

elaborado por pessoa plenamente capaz, respaldando a posição já definida.

Ainda, Roxana Borges (2005), ao comentar acerca da sua viabilidade nos Estados

Unidos diante da promulgação do Natural Death Act na década de 1970, destaca a exigência

de ser documento assinado por pessoa maior e capaz.

Consciência. Exige-se também que o indivíduo esteja consciente do ato praticado.

Essa consciência é exigida no momento da assinatura do testamento, impedindo assim, a

3Afirmação realizada com base nas informações obtidas junto ao texto “Declaracion de voluntades antecipadas (testamento vital). Disponível em: <http://www.jccm.es/sanidad/volprinci.html>. Acesso em: 01 ago 2008.

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feitura do mesmo por pessoas em estado de inconsciência, demência, ou que tenham a

capacidade de raciocínio lógico-consciente reduzida por qualquer meio.

Caso fosse permitido a uma pessoa com estado de consciência reduzido elaborar um

testamento vital, de fato não estaríamos respeitando sua autonomia, posto não estar sua

vontade sendo livremente manifestada, mas sim pela influência de qualquer substância ou

circunstância que lhe tenha tornado inconsciente.

Manifestação inequívoca da vontade. A intenção do paciente deve ser inequívoca e

claramente manifestada. Não podem pairar dúvidas acerca das providências indicadas pelos

indivíduos com suas advance directives.

Presença de testemunhas. Seguindo o exemplo dado pelos Estados Unidos, há de se

incluir entre os requisitos a presença de testemunhas no momento da assinatura, as quais

devem, de igual modo, assiná-lo. A exigência quanto ao número, no mínimo devem ser duas,

o que de forma alguma impede um a número maior de testemunhas presenciarem a elaboração

e assinatura do documento.

Presença de um notário. Para que se dê maior garantia de validade, é de grande valia

seja o testamento, se não realizado por meio de escritura pública, apresentado a registro

perante um tabelião, que, com a fé conferida pela lei, assegura a veracidade e validade de

documento.

Eficácia apenas depois de 14 dias da assinatura. Por motivos de segurança jurídica,

importante que se estabeleça um período de espera para o testamento passar a ser válido, e

como na lei americana, o período sugerido é de 14 dias.

Prazo razoável de validade. A fim de se preservar a vontade do indivíduo,

possibilitando sua alteração, de bom alvitre que o documento tenha prazo de validade,

devendo ser renovado de quando em quando.

Devem-se acrescentar ainda, fora os requisitos do ato de realizar o testamento vital,

outras condições a serem preenchidas no momento de se dar cumprimento nas disposições

nele contidas. Bem apresentados são os apontamentos de Rachel Sztajn, ao defender a

possibilidade da prática eutanásica:

Em qualquer das hipóteses devem estar presentes os seguintes requisitos: a) paciente portador de moléstia incurável, segundo o estágio de conhecimento da ciência médica e cujo quadro clínico seja irreversível; b) paciente em fase terminal; c) paciente experimentando sofrimento intenso; d) pessoa que livremente possa manifestar-se ou que tenha se manifestado progressivamente sua vontade de não receber tratamento extraordinário e e) respeito à vontade do sujeito sempre que os primeiros requisitos se apresentarem (SZTAJN, 1999, p. 152).

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A condição de paciente terminal deve, de qualquer forma, ser atestada por médicos e

para a autora são passíveis de retirada nesse caso, os meios extraordinários (não curativos) de

tratamento, e sua aceitação está ligada às questões de autonomia da vontade do paciente.

3 AUTONOMIA DA VONTADE PRIVADA

3.1 Etimologia do Termo

Antes de tudo cumpre, invariavelmente, fazermos um breve apontamento sobre o

espectro de intelecção do signo autonomia, que segundo a melhor semântica é a:

Faculdade de se governar a si mesmo. Direito ou faculdade de se reger (uma nação) por leis próprias. Liberdade ou independência moral ou intelectual. [...] Condição pela qual o homem pretende escolher as leis que regem sua conduta (FERREIRA,1999, p. 236).

Em sua etimologia, autonomia provém do grego, resultado da composição do

pronome reflexivo com posição atributiva, autós (próprio, a si mesmo) com o substantivo

nomos (lei, norma, regra). Para os gregos, veio a significar a capacidade de cada Cidade-

Estado se auto-governar, com base em suas próprias leis e preceitos; dos cidadãos decidirem

como achavam melhor fazer. Era o pleno direito à liberdade política e econômica. Por outro

lado significava a recusa à subjugação a um rei, a um tirano, a grupos oligárquicos, a

afirmação do ser-cidadão e a negação do ser-escravo. Era uma qualidade inerente ao ser-

cidadão. Destaque-se que nem todos possuíam então, essa prerrogativa autônoma, mas apenas

e tão-somente aqueles considerados cidadãos.

Esse conceito tem sido utilizado ao longo do tempo e da história, e a filosofia

Kantiana foi de fato precursora de sua utilização para o tratamento de questões pertinentes à

moralidade e à ética.

A bioética e também o biodireito muito se valem desse conceito para a

fundamentação de seus princípios e regras. Associando-o à noção da vontade do indivíduo

como criadora de normas morais vê-se que as grandes discussões hodiernas sobre questões

bioéticas versam sobre a autonomia do indivíduo para decidir sobre sua própria vida e, quiçá,

sobre sua morte.

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3.2 Origens da Autonomia e o Pensamento Canônico

Da análise da significação do termo, vemos suas raízes fincadas desde há muito na

Grécia Antiga e, de diversas formas e por diferentes visões, o termo está ligado a significados

como independência, liberdade, auto-regulamentação de condutas, autogoverno.

A história mostro serem muitos os confrontos entre a liberdade e a opressão, entre a

autonomia e um poder impositivo absoluto. O indivíduo ora tem sua autonomia tolhida por

um inimigo mais forte, ora por um estado absoluto e intervencionista.

A autonomia, ainda que subjugada em muitos momentos em suas diversas formas de

manifestação, esteve, no entanto, presente nas épocas em que o humanismo alçava seu

esplendor e à medida que o pensamento político-filosófico evoluiu e caminhou-se para os idos

dos Séculos XVII e XVIII, com a sucessão e acontecimentos como a Renascença, os

movimentos de Reforma e Contra-Reforma e por último o Iluminismo. Os ideais da filosofia

contratualista ganharam expressão, e segundo tais ideais a legitimação das leis advinham da

vontade dos indivíduos manifestada por meio de um pacto, um contrato social.

Vemos, nesses séculos, a aproximação da autonomia e da vontade que, como

sabemos, foram contrapostas aos ideais religiosos da época, cujos dizeres e dogmas eram leis

e herege era aquele quem ousava questioná-los.

3.3 Autonomia da Vontade e Autonomia Privada

O século XVII representou, na história da humanidade, a culminação de um processo

em que se subverteu a imagem que o homem tinha de si próprio e do mundo. Com a clara

perda de poder por parte da Igreja Católica, principalmente após as mudanças provocadas

pelo Renascimento e a Reforma Protestante e com a emergência de uma classe burguesa,

determinou-se a produção de uma nova realidade cultural, científica, política e filosófica.

Essa transformação, o jurista inglês Henri Sumner Maine (apud RODRIGUES

JUNIOR, 2004, p. 116) simplificou na frase “a história do Direito consiste num progresso

que, partindo do ‘status’, conseguiu chegar ao contrato”.

Tal colocação vem a significar que se anos antes, a posição social, a origem, a

ancestralidade, as tradições eram determinantes em relação ao lugar ocupado pelo indivíduo

na sociedade, com as novas idéias, o contrato passa a ocupar posição central e a vontade se

torna fonte de direitos. A liberdade e a igualdade a que todos compartilham permitem aos

indivíduos promover a mudança de sua relação para com os demais e com toda a sociedade.

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A partir de então, a autonomia passa a exercer influência por demais relevante no

modelo jurídico ocidental moderno, com destaque aos dois séculos seguintes, séculos XVIII e

XIX.

A expressão autonomia da vontade utilizada agora, nos tempos contemporâneos, é

brilhantemente veiculada pelo filósofo alemão, Immanuel Kant, por muitos tratado como

precursor da referida expressão. Para o pensador, a autonomia da vontade trata-se de uma

prerrogativa que a vontade humana possui de ser a lei para si mesma. Assim as escolhas do

indivíduo devem ser tais que as máximas dessas escolhas possam ser compreendidas,

simultaneamente como leis universais, no ato de querer. Assim, é livre o individuo para

determinar-se por sua vontade, contudo, sua vontade só pode ser válida se passível de

universalização, tal como imperativo categórico (KANT, 1997, p. 85).

Nessa linha, a influência francesa na difusão desse conceito fez surgir a primeira

concepção de autonomia da vontade de caráter subjetivo ou individualista (RODRIGUES

JUNIOR, 2004, p. 118). Os homens lutaram para ter garantida a sua liberdade, sua igualdade.

A Revolução Francesa os levou às armas e as revoluções burguesas da Inglaterra colocaram a

classe que ascendeu (a burguesia) no poder. Uma vez conquistada a liberdade e igualdade,

como direitos fundamentais do homem, precisavam os indivíduos que lhes fosse reconhecida

a liberdade de criar o seu direito. A partir de então, a autonomia da vontade elevou-se à

categoria de princípio de Direito e fonte de relações jurídicas.

O que se critica nos conceitos trazidos pela visão francesa de autonomia da vontade é

a limitação dessa autonomia pelo que a lei assim determinasse. A vontade dos indivíduos

estaria autorizada a ter força pelo ordenamento jurídico, tanto que os códigos do Século XIX

em geral traziam em seu bojo o que se poderia entender como autonomia da vontade.

Assim, a redução da autonomia da vontade à mera derivação do individualismo,

seguida então, do pensamento pós I Guerra Mundial, a Grande Depressão de 1929, a ascensão

dos regimes totalitários, resultou na dilaceração da base do Direito Civil na autonomia da

vontade, e pois, no contrato, tendo em vista que culmina com a ascensão de um Estado

intervencionista no campo das relações particulares. A autonomia da vontade transmuta-se

agora, ao menos quanto ao nome, passando a ser chamada autonomia privada, revelando um

poder normativo conferido pela lei aos indivíduos, que o exerceriam nos limites e em razão

desta mesma lei, representando um poder conferido pelo Estado aos indivíduos

(RODRIGUES JUNIOR, 2004, p. 119-121).

Essa permissão dada ao individuo torna-se princípio fundamental, umas das bases do

ordenamento, mas, para se evitar os abusos, o mesmo Estado que concede uma faculdade é

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obrigado a limitá-la, em relação a que deve-se estar sempre atento para que, de abusos

individuais não passemos à opressão estatal (AZEVEDO apud RODRIGUES JUNIOR, 2004,

p. 122).

Francisco Amaral (1999), diz-nos integrar a autonomia privada o quadro das fontes

do direito e reconhece terem os particulares poder de estabelecer normas jurídicas. A

autonomia privada é hoje sim, princípio fundamental do Direito Privado diante da sociedade

pós-industrial, complexa e pluralista em que vivemos, na qual a Biotecnologia e as conquistas

da Medicina causaram uma revolução e surgiram desafios para os quais o Direito é

insuficiente como resposta. Lembra ainda que a

Autonomia privada é o poder jurídico dos particulares de regularem, pelo exercício de sua própria vontade, as relações de que participam, estabelecendo o seu conteúdo e a respectiva disciplina jurídica, por muitos considerada como sinônimo de autonomia da vontade (AMARAL, 1999).

Reconhece então, o autor, que diante do estágio em que se encontra a nossa

sociedade, a autonomia privada tem destaque e merece regulamentação do Direito, enquanto

sua fonte, mormente no que tange à questões ligadas ao avanço da medicina, como tratado no

presente artigo.

3.4 Autonomia, Autodeterminação e Bioética

Da evolução dos conceitos, passou a interessar mais ao Direito Privado o conceito de

autodeterminação, mais abrangente do que o de autonomia privada, o qual

[...] seria um poder juridicamente reconhecido e socialmente útil, de caráter ontológico, baseado numa abertura do homem para o mundo e suas experiências e solicitações sensíveis ou não. O plano da autodeterminação estaria no poder de cada individuo gerir livremente a sua esfera de interesses, orientando a sua vida de acordo com as suas preferências (RIBEIRO apud RODRIGUES JUNIOR, 2004, p. 126) – grifo do autor.

Deste modo, a autodeterminação abrangeria não somente a autonomia privada, mas

também as escolhas individuais quanto à ideologia, o partido político, à religião, à opção

sexual e ao direito de renunciar a própria vida (RODRIGUES JUNIOR, 2004, p. 127).

Heck (2007, p. 218-219) usa a alegoria do cavalo-de-tróia principialista para referir-

se ao conceito bioético de autonomia. Vai, então, dizer que a autonomia:

Corteja descaradamente o livre-arbítrio como expressão da capacidade humana

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adquirida para deliberar e exercer escolha de ações, bem como separar subrepticiamente a congruência estabelecida por Kant entre moralidade e autonomia. De acordo com a visão bioética, uma conduta merece ser vista como autônoma, quando passa pelo crivo do consentimento livre, ou seja, autonomia consiste em discernir acerca do seu próprio bem e tomar decisões isentas de paternalismo, amparadas com um consentimento informado [...] A autonomia bioética limita-se a incorporar na bioética o direito moral do paciente de tomar decisões próprias, mesmo que com isto o individuo esteja neutralizando orientações benéficas prescrita pelos médicos. (HECK, 2007, p. 219).

Há de se destacar dessa forma, que o principio do respeito à pessoa, ou princípio da

autonomia, de certo modo resulta da evolução dos conceitos de autonomia da vontade

desenvolvido por Kant e da idéia de autodeterminação do indivíduo, sendo, de fato, central na

Bioética.

John Stuart Mill (apud GOLDIM, 2000) é tido como referencial teórico do principio

da autonomia ao afirmar que “sobre si mesmo, sobre seu corpo e sua mente, o indivíduo é

soberano”.

Na Bioética então, o respeito à autonomia do paciente é a valorização das

considerações sobre as opiniões e escolhas dos indivíduos, de modo a não obstruir suas ações

a menos que sejam elas prejudiciais a outras pessoas. Deve-se respeitar a liberdade de escolha

do paciente, seu direito de autodeterminação, de manifestação livre de sua vontade, de sua

privacidade.

O fundamento maior para a adoção do testamento vital no nosso ordenamento

resulta, pois, da autonomia da vontade privada do indivíduo, ou seja, o paciente determina-se

pela sua vontade, única e exclusivamente, sem sofrer qualquer coerção externa, de modo que

essa sua vontade manifesta passa a ter valor jurídico, tendo em vista ser a autonomia privada

fonte produtora de normas jurídicas, e do respeito ao Princípio da Dignidade da Pessoa

Humana, previsto no art. 1º, inciso III, da Constituição da República Federativa do Brasil, de

1988, assim como, dos princípios bioéticos da Autonomia, da Beneficência e da Justiça, os

quais surgiram com a nova ciência, com a nova ética resultante dos avanços da medicina e da

tecnologia quando se trata do prolongamento da vida.

Entretanto, a adoção de tal documento em nosso ordenamento enfrenta resistência e

suas possibilidades e perspectivas serão tratadas no tópico que segue.

4 POSSIBILIDADE DE INCLUSÃO DO TESTAMENTO VITAL NO

ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO E OS DILEMAS RELIGIOSOS,

ÉTICOS E JURÍDICOS

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4.1 Sacralidade, Valor Intrínseco e Inviolabilidade da Vida

A argumentação sobre o direito à vida e à morte digna ou a “boa morte”, como é o

caso de quando se defende o testamento vital, tem cada vez mais se intensificado e

conclamado à discussão médicos, juristas, teólogos, filósofos e leigos.

Argumento recorrente contra qualquer possibilidade de retirada de aparelhos,

suspensão de tratamentos, e também mais contundentemente contra a eutanásia ativa é a

questão da santidade da vida. De um lado estão os que acreditam que a vida, por ser resultado

de um sopro divino só pode ser retirada por disposição do criador, ao passo que do outro,

posicionam-se aqueles que entendem pertencer a vida a cada um, com total e irrestrito poder

de disposição, inclusive na decisão de quando e como morrer (SZTAJN, 1999, p. 147).

Essa orientação de santidade da vida tem origem na tradição judaico-cristã, segundo

a qual, Deus, ao criar o homem à sua imagem e semelhança, fê-lo como administrador e não

proprietário de sua própria vida, de seu próprio corpo, o que, por conseqüência, não lhe dá o

direito de dispor do ambos (RAMOS, 2003, p. 79).

Leo Pessini e Christian Barchifontaine, ao tratarem da questão da sacralidade da vida

afirmam:

A ética da sacralidade da vida utiliza um discurso parentético [exorta algo que é conhecido e intelectualmente claro]. A vida é considerada propriedade de Deus, dada ao homem para administrá-la. É um valor absoluto que só a Deus pertence. O ser humano não tem nenhum direito sobre a vida própria e alheia. As exceções no respeito à vida são concessões de Deus. O princípio fundamental é a da inviolabilidade da vida (PESSINI; BARCHIFONTAINE, 1995, p. 265).

Em vertente oposta, os autores destacam entenderem muitos que:A vida é um dom recebido, mas que fica à disposição do indivíduo, daquele que o recebe, com a tarefa de valorizá-lo qualitativamente. O ser humano é o protagonista, e o princípio fundamental é o do valor qualitativo da vida (PESSINI; BARCHIFONTAINE, 1995, p. 265).

Analisando a crescente secularização da história e dos valores individuais, e

constando que hodiernamente caminha-se para uma dessacralização da vida, concluem:

Essa tese [a da sacralidade da vida] encerra um conceito tacanho de Deus e uma visão mesquinha e desconfiada do homem. É necessário superar a visão do ser humano como mero administrado e entendê-lo como protagonista da vida (PESSINI; BARCHIFONTAINE, 1995, p. 265).

O raciocínio a ser desenvolvido é o de que o direito à vida seria mais um “direito

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sobre a vida” dando ao indivíduo o poder de dela dispor, não podendo, entretanto, sofrer

limitação ou violação por parte de terceiros, mas sendo completo o poder do indivíduo sobre a

mesma. Tal entendimento seria decorrência da escola jusnaturalista, segundo idéias de

Thomaz Hobbes de que se teria o direito sobre a própria vida, mas não sobre a vida dos

outros, tanto que o suicídio não seria reprovável e o valor da vida estaria dependente da

decisão de cada sujeito, por meio de manifestação livre e desimpedida (SZTAJN, 1999, p.

149).

O jurista americano Ronald Dworkin ao tratar do tema do aborto e da eutanásia traça

considerações importantes quanto ao valor intrínseco da vida.

Minha posição é que quando a única justificação do Estado para proibir o exercício de uma liberdade importante for a proteção de um valor separado com um dimensão religiosa, então o Estado não tem o direito de proibir, não interessa o motivo em questão (DWORKIN apud DUTRA, 2007, p. 60).

O autor americano distingue dois fundamentos quando trata do assunto: o

fundamento derivado ao qual vinculam-se interesses e o fundamento separado, ao qual

vincula-se o valor intrínseco do bem. Segundo o fundamento derivado, determinado bem

jurídico deve ser protegido porque o ordenamento já atribuiu a ele certa qualificação jurídica,

sobre a qual transitam direitos e interesses, ao passo que o fundamento separado trata da

valoração independente, no caso, a vida humana tem valor intrínseco simplesmente por ser

vida e não porque se atribui a ela qualquer interesse ou direito.

O professor Delamar José Volpato Dutra, discorrendo sobre o pensamento de

Dworkin afirma que o problema em relação ao valor intrínseco da vida é que ele está ligado

ao pensamento religioso e segue demonstrando que, conforme o autor americano, em algumas

ocasiões o valor intrínseco de algo não coincide com o valor derivado.

“Na proibição da eutanásia não coincide, pois se pode pensar que morrer é no melhor

interesse da pessoa [fundamento derivado], mas mesmo assim ofender o valor intrínseco da

vida [fundamento separado]” (DWORKIN apud DUTRA, 2007, p. 62).

O Estado pode defender valores intrínsecos de algo, mas não o pode fazer em casos

que isso implique um grande impacto sobre as pessoas em particular, quando houver

desacordo sobre tal valor, estando a comunidade dividida sobre o que tal valor requer, não

podendo então o Estado ditar o que requer o valor intrínseco e quando nossas convicções

sobre como e porque a vida humana tem valor intrínseco for muito mais fundamental para a

nossa personalidade moral do que as convicções sobre outros valores intrínsecos, ou seja,

quando envolver algo pessoal ou religioso (DUTRA, 2007, p. 63).

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“Uma verdadeira percepção da dignidade deve apelar para a liberdade e não para a

coerção penal, a fim de impor um ponto de vista de alguma maioria sobre os demais

indivíduos em questões tão cruciais como a vida e a morte” (DUTRA, 2007, p. 64).

Desta forma, se o valor intrínseco da vida liga-se, como afirma Dworkin, a questões

religiosas, ao assegurar aos indivíduos, como faz o Estado Brasileiro, o direito à liberdade de

crença, como estatuído nos incisos VI e VII da Constituição Federal, muito embora o

preâmbulo to Texto Magno faça referência a Deus, não pode o Estado determinar como deve

ser respeitado o valor intrínseco da vida de cada indivíduo.

Ademais, “a santidade não confere direitos” (KERSTING apud HESK, 2007, p.

226). A vida somente é intrinsecamente valiosa “se o seu valor é independente do que as

pessoas de fato gostam ou querem ou precisam ou é bom para elas” (DWOKIN apud HESK,

2007, p. 226).

Diante disso não se pode afirmar ter a vida valor absoluto posto que o nosso

ordenamento jurídico comporta valorações de tal bem jurídico.

O código penal não considera crime a tentativa de suicídio frustrada. E permite ainda

o aborto em determinados casos, como quando há risco de vida para a gestante (art. 128, I) e

quando a gravidez resulta de estupro (art. 128, II).

Também não há crime se a conduta é praticada em estado de necessidade, legítima

defesa, ou estrito cumprimento do dever legal (art. 23, I, II, III).

Houve relativização do valor intrínseco da vida, de modo até tal valor, supostamente

absoluto, ceder espaço à honra da mulher violada, ao direito que mesma tem de não gerar um

filho resultado de ato violento e tão reprovável como é o estupro.

A própria diferença entre a pena cominada para o aborto e para o homicídio revela a

inconsistência com a sacralidade, com a inviolabilidade, com o valor intrínseco da vida.

4.2 O Direito à Vida e o Dever de Viver

A Constituição da República, em seu artigo 5º consagra o direito a inviolabilidade da

vida. Pergunta-se: o direito à vida compreende também o direito à morte, ou a inviolabilidade

assegurada pela Constituição gera um dever do indivíduo em continuar vivo, ainda que

intoleráveis sejam as circunstâncias em que tal vida é mantida? Tal garantia determina a

indisponibilidade do direto à vida criminalizando o suicídio assistido e a eutanásia? Rachel

Sztajn assevera que:

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A resposta deve ser negativa. O que o preceito constitucional faz é tutelar um bem jurídico, a vida, sem alcançar a vontade de morrer e a faculdade de provocar a própria morte. A norma protege a vida contra ação de terceiros, daí porque o induzimento ao suicídio é tipificado como conduta delitual. A autonomia na escolha de entre viver ou não deve ser absoluta, resultar da manifestação livre e informada, sem interferência externa de qualquer ordem, especialmente do médico ou do Estado (SZTAJN, 1999, p. 152).

Argumenta-se ser o direito à vida prescrição destinada a assegurar ao indivíduo que

ninguém atente contra sua vida, a qual é inviolável. É também destinada ao Estado, o qual tem

a obrigação de garantir a inviolabilidade da vida dos cidadãos, provendo-lhes a segurança e as

condições mínimas para o desenvolvimento pleno da vida de cada indivíduo, mas não

destinado ao próprio indivíduo, impondo-lhe o dever de continuar vivo em quaisquer

circunstâncias.

Se a sociedade muitas vezes tem o poder de exigir determinadas posturas dos

indivíduos para respeito do dito interesse social, neste caso, tal interesse fica restrito frente ao

interesse individual, por se tratar de matéria a qual atinge direta e exclusivamente a pessoa e,

ainda que se argumente com base na inexistência do direito de morrer, não há igualmente, o

direito a obrigar uma pessoa a permanecer viva em qualquer circunstância (SZTAJN, 1999, p.

152).

Assim, na opinião da professora Roxana Borges (2005) “é assegurado o direito (não

o dever) à vida, e não se admite que o paciente seja obrigado a se submeter a tratamento”.

Diante disso, por não ser obrigado a continuar vivo, perfeitamente possível a escolha

do paciente anteriormente mesmo à própria doença, em não receber tratamento caso se

encontre em estado vegetativo no qual não possa mais expressar sua vontade.

4.3 A Autonomia do Paciente como Fundamento do Testamento Vital

A autonomia é fundamento do testamento vital.

Este documento, enquanto testamento, resulta da vontade do individuo, apenas e tão

somente, e aqui se manifesta a autonomia da vontade. Enquanto capaz de estabelecer normas

jurídicas a serem observadas pelos demais indivíduos, reveste-se da autonomia privada, fonte

do direito, apta a produzir efeitos jurídicos. E enquanto princípio bioético, representa o

respeito ao paciente, o respeito à pessoa humana.

Resta agora, invocar o substrato legal a embasar a autonomia do paciente enquanto

permissiva da confecção do testamento vital.

Não há no Brasil, como nos Estados Unidos, ou mesmo em Castilla-La Mancha,

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norma a regulamentar a possibilidade de confecção do documento. O que se deve fazer é

conjugar a interpretação das nossas diversas normas, e daí se extrair a possibilidade ou não da

adoção do testamento vital no ordenamento brasileiro.

A Constituição da República, em seu artigo 5º, IV, VI e VIII assegura o denominado

princípio da autodeterminação moral, garantidor da liberdade dos indivíduos pensarem e

orientarem sua conduta da forma que lhes pareça apropriada, baseada em qualquer que seja a

crença ou a convicção.

A Declaração Universal dos Direitos do Homem de igual modo assegura a liberdade

de pensamento, consciência, religião, opinião e expressão (ONU, 1948).

Comentando essas questões, expõe Edílson Farias (apud FREDERICO JUNIOR,

2006):

Sob este aspecto, em torno das dimensões internas e externas da liberdade de consciência e de crença, gravitam a liberdade de crer ou de não crer (liberdade de religião e a liberdade ideológica), a liberdade de manifestação pública das crenças ou convicções pessoais (a liberdade de culto) e o direito de se comportar de acordo com as suas crenças religiosas e convicções pessoais (direito de objeção de consciência).

Mesmo diante da ausência de determinação expressa na Constituição quanto direito

de se comportar consoante as convicções pessoais de cada um, seria contraditório o Estado

assegurar a liberdade de crença e tolher posteriormente o direito de se pautarem os indivíduos

segundo suas crenças e convicções.

Portanto, as convicções de cada indivíduo devem ser levadas em consideração

quando da análise da possibilidade do individuo escolher entre a vida em condições que não

considera plausíveis e a morte, serena a apaziguar sua dor, tendo em vista o que lhe é

constitucionalmente garantido.

Além disso, o Código Civil dispõe em seu artigo 15 que “ninguém pode ser

constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou intervenção

cirúrgica”. Tal artigo é clara expressão da autonomia do paciente frente aos tratamentos a lhe

serem ministrados. O profissional da saúde deve respeitar sempre a vontade do paciente.

Maria Helena Diniz (2002, p. 31) afirma ser direto básico de qualquer paciente a não

sujeição, contra sua vontade, a tratamento, bem como reconhece também ser o direito de não

aceitar continuidade terapêutica, o que significa poder o paciente exigir a suspensão dos

tratamentos que lhe estejam sendo empregados.

O Conselho da Justiça Federal propôs alteração no citado dispositivo legal com

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vistas a substituir a expressão “com risco de vida”, de modo a evitar o absurdo entendimento

de que, sem risco de vida, poderia ser uma pessoa submetida a tratamento médico,

argumentação, por óbvio, insustentável. Outrossim, recusar tratamento médico por qualquer

motivo ou ainda sem motivo é uma das mais elevadas manifestações da liberdade pessoal e

deveria ser resguardado sem qualquer condicionamento.

A Constituição Federal em seu artigo 5º também traz o corolário do princípio da

liberdade, quando estabelece que ninguém poderá ser obrigado a fazer ou deixar de fazer

alguma coisa senão em virtude de lei (inciso II) e que ninguém poderá ser submetido à tortura

ou a tratamento degradante (inciso III).

Tais incisos, enquanto garantidores da liberdade individual, permitem ao paciente

fazer uso de sua autonomia para decidir acerca da continuação de seu tratamento, posto não

haver lei a impor o dever de continuar vivo.

Outro passo de grande importância no respeito à autonomia do paciente foi a

elaboração, em 1988, do Código de Ética Médica.

Se antes toda e qualquer decisão relativa a tratamentos a serem empregados eram

tomadas exclusivamente pelos médicos, hoje as decisões médicas devem ser precedidas de

prévia consulta aos pacientes, de modo que a vontade do paciente está no centro das decisões.

É chamado consentimento livre e informado. As decisões são tomadas em conjunto, entre a

equipe médica e o paciente.

O artigo 6º do referido Código dispõe que o médico “jamais utilizará seus

conhecimentos para gerar sofrimento físico ou moral”. O artigo 46, por sua vez, dispõe ser

vedado ao médico “efetuar qualquer procedimento médico sem o esclarecimento e

consentimento prévios do paciente ou de seu responsável legal” e também o artigo 48 não

permite ao médico “exercer sua autoridade de maneira a limitar o direito do paciente de

decidir livremente sobre a sua pessoa ou seu bem-estar” (BRASIL, 1988b).

Vejamos o que nos ensina Rachel Sztajn a respeito de autodeterminação e

consentimento do paciente:

Pode-se entender que a autodeterminação venha a impedir que terceiros imponham a alguém a obrigação de viver e que, portanto, exista direto à morte voluntária. Autodeterminação liga-se à capacidade e a consentimento informado com o que se passa ao plano da autonomia individual, um dos pilares da bioética atual. Aceitando que pacientes possam recusar terapêuticas, especialmente as extraordinárias e não curativas, fica mais simples aceitar-se que tenham direito à morrer, escolhendo morrer com dignidade, com menos sofrimento, morrer melhor, ou morrer a boa morte . [...] O Respeito à autonomia do paciente é principio fundamental encontra amparo no

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Código de Ètica Médica (SZTAJN, 1999, p. 151/153).

O Estado de São Paulo, por meio da Lei nº. 10.241/1999, reconhecendo a autonomia

do paciente, deu-lhe a possibilidade, em seu artigo 2º, incisos XXIII e XXI, de recusar

tratamentos dolorosos ou extraordinários para tentar prolongar inutilmente a vida, permitindo-

lhe ainda escolher o local de sua morte, ou seja, se prefere continuar sob os cuidados médicos

ou recolher-se ao aconchego dos seus familiares para viver sua morte.

Tal legislação, mais do que nunca, vem amparar a possibilidade de o paciente dispor

antecipadamente acerca dos tratamentos que gostaria ou não que fossem empregados na sua

terapêutica.

Recentemente, o Conselho Federal de Medicina editou uma Resolução, a de nº.

1.805/2006, a qual dispunha:

Art. 1º. É permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente em fase terminal, de enfermidade grave e incurável, respeitada a vontade da pessoa ou de seu representante legal.§1º O médico tem a obrigação de esclarecer ao doente ou a seu representante legal as modalidades terapêuticas adequadas para cada situação.§2º A decisão referida no caput deve ser fundamentada e registrada no prontuário.§3º É assegurado ao doente ou a seu representante legal o direito de solicitar uma segunda opinião médica. Art. 2º. O doente continuará a receber todos os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, assegurada a assistência integral, o conforto físico, psíquico, social e espiritual, inclusive assegurando-lhe o direito da alta hospitalar (BRASIL, 2006).

Importante demonstrar aqui excertos retirados da exposição de motivos da

promulgação de tal resolução:

[...] A ética médica tradicional, concebida no modelo hipocrático, tem forte acento paternalista.[...] Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) e novas metodologias criadas para aferir e controlar as variáveis vitais ofereceram aos profissionais a possibilidade de adiar o momento da morte.[...] Tamanho é o arsenal tecnológico hoje disponível que não é descabido dizer que se torna quase impossível morrer sem a anuência do médico.[....] O poder de intervenção do médico cresceu enormemente, sem que, simultaneamente, ocorresse uma reflexão sobre o impacto dessa nova realidade na qualidade de vida dos enfermos. Seria ocioso comentar os benefícios auferidos com as novas metodologias.[...] Se para os últimos, com freqüência, pode-se alcançar plena recuperação, para os crônicos pouco se oferece além de um sobreviver precário e, às vezes, não mais que vegetativo. [...] Até quando avançar nos procedimentos de suporte vital? Em que momento parar e, sobretudo, guiados por que modelos de moralidade? Aprendemos muito sobre tecnologia de ponta e pouco sobre o significado ético da vida e da morte. [...] Despreparados para a questão, passamos a praticar uma medicina que subestima

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o conforto do enfermo com doença incurável em fase terminal, impondo-lhe longa e sofrida agonia. Adiamos a morte às custas de insensato e prolongado sofrimento para o doente e sua família. [...] Deixamos de cuidar da pessoa doente e nos empenhamos em tratar a doença da pessoa, desconhecendo que nossa missão primacial deve ser a busca do bem-estar físico e emocional do enfermo, já que todo ser humano sempre será uma complexa realidade biopsicossocial e espiritual. [...] A obsessão de manter a vida biológica a qualquer custo nos conduz à obstinação diagnóstica e terapêutica. [...] ‘Distinta da eutanásia é a decisão de renunciar ao chamado excesso terapêutico, ou seja, a certas intervenções médicas já inadequadas à situação real do doente, porque não proporcionais aos resultados que se poderiam esperar ou ainda porque demasiado gravosas para ele e para a sua família. Nestas situações, quando a morte se anuncia iminente e inevitável, pode-se em consciência renunciar a tratamentos que dariam somente um prolongamento precário e penoso da vida’.[...] No Brasil, há muito o que fazer com relação à terminalidade da vida. [...] Diante dessas afirmações, torna-se importante que a sociedade tome conhecimento de que certas decisões terapêuticas poderão apenas prolongar o sofrimento do ser humano até o momento de sua morte, sendo imprescindível que médicos, enfermos e familiares, que possuem diferentes interpretações e percepções morais de uma mesma situação, venham a debater sobre a terminalidade humana e sobre o processo do morrer. [...] A atuação busca a prevenção e o alívio do sofrimento, através do reconhecimento precoce, de uma avaliação precisa e criteriosa e do tratamento da dor e de outros sintomas, sejam de natureza física, psicossocial ou espiritual (BRASIL, 2006).

A resolução, que permite ao médico praticar a ortotanásia, ou seja, a suspensão,

mediante consentimento, de meios de prolongamento inútil da vida, marca um avanço na

mentalidade e abre caminho para o respeito à autonomia do paciente e sua dignidade na hora

da morte. Entretanto, encontra-se suspensa por força de decisão liminar concedida nos autos

de Ação Civil Pública nº. 2007.34.00.014809-3, movida pelo Ministério Público Federal e em

trâmite perante a 14ª Vara Federal do Distrito Federal.

Deve-se destacar ainda quais as intenções de alteração constantes do Anteprojeto de

Reforma da Parte Especial do Código Penal Brasileiro, que tratam da eutanásia, alterando o

artigo 121 do referido Código.

Art. 121 (...)Eutanásia§ 3º. Se o autor do crime é cônjuge, companheiro, ascendente, descendente, irmão ou pessoa ligada por estreitos laços de afeição à vítima, e agiu por compaixão, a pedido desta, imputável e maior de dezoito anos, para abreviar-lhe sofrimento físico insuportável, em razão de doença grave e em estado terminal, devidamente diagnosticados:Pena – reclusão, de dois a cinco anos.Exclusão de ilicitude§ 4º. Não constitui crime deixar de manter a vida de alguém por meio artificial, se previamente atestada por dois médicos a morte como iminente e inevitável, e desde que haja consentimento do paciente ou, em sua impossibilidade, de cônjuge, companheiro, ascendente, descendente ou irmão. – grifo nosso.4

4 Texto disponível em: <http://www.cfemea.org.br/pdf/anteprojetocodigopenal.pdf>. Acesso em: 03 ago 2008.

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Vê-se, então, caminhar a legislação brasileira para ao menos refutar a obstinação

terapêutica, de modo a possibilitar de escolha ao paciente, valorizando assim sua vontade e

respeitando sua dignidade.

Peter Singer (apud RAMOS, 2003, p. 84-85) afirma impor o princípio da autonomia

a permissão aos sujeitos racionais viverem sua própria vida de acordo com sua decisão

autônoma, livre de qualquer coerção ou interferência. Ressalta que se um sujeito toma uma

decisão de forma autônoma, ainda que seja de morrer, o respeito à sua autonomia nos levará a

ajudá-lo a por em pratica a sua decisão.

4.4 Dignidade Humana e Qualidade de Vida: pelo Direito à Morte Digna

Existe hoje, segundo Antonio Junqueira de Azevedo (2002, p. 12-13), duas visões do

principio da dignidade da pessoa humana, uma denominada insular, que predomina, e outra

que ele chama de relativa à nova ética, a qual defende. A concepção predominante é fundada

no homem como razão e vontade, segundo uns, e como autoconsciência, segundo outros,

culminando num entendimento de que a dignidade da pessoa humana seria a autonomia

individual, a qualidade de vida (AZEVEDO, 2002, p. 14).

Tal preceito é destacado na Declaração Universal dos Direitos Humanos, em suas

primeiras palavras: “Considerando que o reconhecimento da dignidade é inerente a todos os

membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da

liberdade, da justiça e da paz no mundo” e em seu primeiro artigo: 1º. “Todos os homens

nascem livres e iguais em dignidade e direitos” (ONU, 1948) e se encontra presente em

diversas constituições ao redor do mundo.

Entre nós, foi consagrado como fundamento da República, no art. 1º, III, da

Constituição Federal.

Representa assim o mínimo existencial de respeito ao ser humano, de modo a limitar

a atuação do estado e dos demais indivíduos, pois tudo o que atinge o ser humano em sua

esfera mais fundamental como a vida, a honra, a integridade física, liberdade, igualdade há de

ser taxado de inconstitucional, pois afrontará a dignidade do ser humano.

Borges (2005) ensina que:

A concepção de dignidade da pessoa humana que nós temos liga-se à possibilidade de a pessoa conduzir sua vida e realizar sua personalidade conforme sua própria consciência, desde que não sejam afetados direitos de terceiros. Esse poder de autonomia também alcança os momentos finais da vida da pessoa.

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Moraes (1999, p. 47) lembra que

A dignidade é um valor espiritual em oral inerente à pessoa que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos.

Esse princípio dá ensejo à utilização da expressão “morrer com dignidade”, ligando

a qualidade da vida do indivíduo às suas capacidades e condições de vida.

Dignidade vem designar a capacidade de decidir e agir por sim mesmo, que denominamos autonomia e autodeterminação, independência, e a qualidade da imagem que se oferece de si mesmo ao outro. [...] Onde a visão clássica da dignidade humana reforça o valor inalienável da pessoa e uma postura de respeito, a linguagem ‘morte com dignidade’ leva a afirma uma ‘perda da dignidade’ que só uma morte voluntária antecipada poderia evitar (VESPERIEN apud PESSINI, 2004, p. 136).

Nesse campo de atuação bioético então, a dignidade passa a representar a visão que

cada indivíduo tem de si mesmo e de suas condições de vida, refletindo a liberdade de cada

pessoa de julgar quais circunstâncias as afetam não podendo qualquer outro fazer isso em seu

lugar. Está diretamente ligada à caracterização que Dworkin faz do valor intrínseco da vida,

dependente das condições pessoais de cada indivíduo.

Trata-se de respeitar, como propunha Kant, o indivíduo com um fim em si mesmo, e

nunca como um meio, protegendo-o sempre contra as violações que afrontem o seu mínimo

invulnerável, sendo vedada a sua instrumentalização para a obtenção de qualquer fim que

seja, ainda que esse fim reflita-se no prolongamento da vida do ser humano, mas contra sua

vontade.

No contexto do direito de morrer, depara-se com situações nas quais o indivíduo é

posto em segundo plano e os tratamentos nele empregados são tidos como fins em si mesmos,

e a intenção não é de evitar a morte, mas, apenas e tão somente, de prolongar a vida.

Situações como essa, definidas como obstinação terapêutica, ou distanásia, ou seja,

quando “se dedica a prolongar o máximo a quantidade de vida humana, combatendo a morte,

o último e grande inimigo” (PESSINI, 2004, p. 218); quando já não mais se mostra possível a

recuperação, grande parte das vezes impingindo sofrimentos inúmeros ao paciente com

medidas desproporcionais, afrontam diretamente à dignidade do ser humano transformado em

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paciente, retirando-lhe a chance de viver a sua morte como melhor lhe aprouver.

Jussara Meirelles e Eduardo Didonet Teixeira ponderam que

É possível entender que o acharnement subverte o direito à vida e, com certeza, fere o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, assim como o próprio direito à vida. Se a condenação do paciente é certa, se a morte é inevitável, está sendo protegida a vida? Não, o que há é postergação da morte com sofrimento e indignidade [...] Se vida e morte são indissociáveis, e sendo esta última um dos mais elevados momentos da vida, não caberá ao ser humano dispor sobre ela, assim como dispõe sobre a sua vida? (MEIRELLES; TEIXEIRA apud BORGES, 2005).

A escolha pela quantidade de vida em detrimento de sua qualidade fere o âmago do

principio constitucional da dignidade da pessoa humana e a submissão a tratamentos

contrários à vontade do paciente reflete desrespeito à sua liberdade de escolha, à sua

autonomia.

Deve-se primar pela qualidade de vida, noção que inclui respeito à dignidade,

condição física adequada, autonomia, bem estar de modo amplo que, repercutindo na relação

médico-paciente, afasta o caráter paternalista consoante o atual modelo de autonomia das

pessoas, cuja decisão deve ser respeitada pelo médico (RAMOS, 2003, p. 79-80).

Do conflito entre o direito à vida, tido como absoluto e inviolável, e a autonomia do

paciente, o direito de tomar as próprias decisões relatavas à sua vida ou morte, enquanto

princípios fundamentais que são, deve-se ponderar, e a dignidade humana há de figurar como

balança, pois reúne em si todos os direitos fundamentais do homem, tendo-se por

constitucional a permissão para que uma pessoa disponha antecipadamente, enquanto plenas

suas capacidades mentais, não querer ser mantida viva em condições as quais considera

indignas, sustentada por um sem número de aparelhos.

Não permitir tal disposição, condenando antecipadamente os indivíduos a serem

mantidos vivos a qualquer custo, atenta contra sua dignidade.

Afirmam Jean-Louis Baudouin e Danielle Blondeau (1993, p. 97-98) que,

incontestavelmente, o Testamento Vital é um nobre e louvável esforço de humanização e uma

tentativa de reapropriação da morte, porque possui como objetivo último a preservação da

dignidade humana no fim da vida.

5 CONCLUSÃO

A utilização dos conceitos de autonomia da vontade, já se mostra ultrapassado pela

ciência jurídica e permeado de conotações negativas associadas ao subjetivismo, ao

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individualismo egoísta e impede a real compreensão do princípio da autonomia privada,

núcleo fundamental do Direito Privado e merecedor de tutela constitucional, uma vez que

indispensável à autodeterminação e à própria responsabilidade da pessoa humana. A

autonomia privada reflete-se no Direito Civil, em uma de suas formas, por meio do

testamento.

O caráter evolutivo dessa sociedade e a capacidade que o indivíduo tem de aprender,

de assimilar conhecimento, e adaptar-se, refletiu na evolução das ciências médicas e

biotecnologias, a tal ponto de que a morte, antes parte da vida e evento certo na existência

humana, pôde ser controlada e até mesmo adiada, muitas vezes, por tempo indeterminado.

Devido essa possibilidade de manipulação da morte e em virtude da sacralização e reverência

indiscriminada à vida, por vezes indivíduos são mantidos, contra sua vontade, ligados a

aparelhos e lhes são ministrados tratamento inúteis que somente lhes prolongam a vida a custo

de tormentoso sofrimento. Defendendo-se o direito que as pessoas têm de não terminarem a

vida em semelhantes condições é que propusemos a possibilidade da inclusão no ordenamento

jurídico brasileiro de um documento denominado de testamento vital, um instrumento de

vontades antecipadas, fruto da autonomia e autodeterminação do individuo, mediante o qual,

gozando de suas plenas capacidades mentais, dispõe acerca da terapêutica a ser utilizada em

caso de a mesma quedar-se em estado vegetativo persistente, podendo inclusive recusar a ser

reanimada ou exigir que não a mantenham viva liga a aparelhos, prolongando-se inutilmente o

momento de sua morte. Pode ainda, designar pessoa que tome decisões como esta caso o

estado que se encontra não permita que expresse sua vontade.

Diante da existência do aludido documento em legislações como a estadunidense,

defende-se a inclusão do mesmo no ordenamento brasileiro tendo em vista principalmente que

a Constituição traz em seu corpo a garantia da autonomia da vontade, da autodeterminação

moral, e da dignidade da pessoa humana, principio basilar do ordenamento, que somente pode

ser respeitado em situações de vida e morte se preservado a liberdade individual de escolha de

cada indivíduo, pois a vida só é intrinsecamente valiosa enquanto é possível ao indivíduo

vivê-la do modo que lhe pareça mais digna e condizente com seus valores.

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