autismo . atitudes e representações dos pais,

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  • 7/31/2019 Autismo . atitudes e representaes dos pais, ...

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    Outubro de 2010

    Carolina da Conceio Silva Braga

    UMinho|2010

    Carolina

    da

    Conceio

    Silva

    Braga

    Universidade do Minho

    Instituto de Educao

    Perturbaes do Espectro do Autismo e

    Incluso: atitudes e representaes dos

    pais, professores e educadores de infncia

    PerturbaesdoEspectrodoAutismoeIncluso:atitudese

    representaesdospais,professoreseeducadoresdeinfncia

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    Dissertao de MestradoMestrado em Educao Especial -rea de Especializao em Dificuldades deAprendizagem Especficas

    Trabalho realizado sob a orientao da

    Professora Doutora Ana Maria Serrano

    Universidade do Minho

    Instituto de Educao

    Outubro de 2010

    Carolina da Conceio Silva Braga

    Perturbaes do Espectro do Autismo e

    Incluso: atitudes e representaes dos

    pais, professores e educadores de infncia

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    autorizada a reproduo integral desta tese apenas para efeitos de investigao,mediante declarao escrita do interessado/a que a tal se compromete.

    Universidade do Minho, ___/___/______

    Assinatura: ________________________________________________

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    AGRADECIMENTOS

    Agradeo a todos aqueles que, de alguma forma, contriburam para a realizao

    desta dissertao:

    minha orientadora e conterrnea, a Professora Doutora Ana Maria Serrano, e

    aos professores que acreditaram em mim ao longo de todo o meu percurso acadmico

    minha ex-professora de Francs, ex-orientadora de estgio, sempre amiga e

    recentemente desaparecida, a Professora Clara Sobral, da Escola Secundria Jos

    Falco, e a todas as pessoas que no se conformam com o constante e desconfiam doacaso, aceitando desafios e disso fazendo pontes para construir novos caminhos e

    formas de ensinar.

    Aos amigos que me apoiaram, dando-me fora para continuar

    A todos os colegas e pais do Agrupamento Vertical de Escolas do Amial que to

    prontamente se disponibilizaram para responder aos questionrios e com quem troquei

    ideias to teis sobre o assunto

    Ao meu marido e minha filha, a quem privei algumas horas da minha

    companhia

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    RESUMO

    A presente investigao foi desenvolvida com vista a uma melhor compreenso

    das atitudes e representaes sociais de pais, professores e educadores de infncia face

    incluso das crianas e jovens com PEA. Considerou-se tambm importante verificar a

    existncia de conhecimentos por parte dos inquiridos acerca das PEA e constatar a sua

    concordncia ou discordncia acerca da incluso dessas crianas.

    De natureza quantitativa, este estudo foi desenvolvido com sujeitos que integram

    a comunidade educativa de uma escola pblica do Porto e os dados recolhidos por meio

    de um questionrio construdo especificamente para esse efeito.

    A formao especializada, a experincia de trabalho com crianas e jovens com

    PEA e a situao profissional so aspectos que parecem influenciar positivamente o

    conhecimento das PEA.

    No que diz respeito concordncia ou discordncia dos inquiridos quanto

    incluso dos alunos com PEA, grande parte concorda, sendo recorrente a referncia da

    necessidade de implicar um acompanhamento constante da educao especial.

    Quanto s atitudes e representaes sociais perante a incluso de alunos com

    PEA, os educadores de infncia revelaram-se mais favorveis e os pais menos

    favorveis. Os sujeitos que tm experincia de trabalho com alunos com PEA, os quetm formao especializada e os professores contratados apoiam mais a incluso.

    Assim, este estudo vem corroborar a importncia da experincia que advm do

    contacto junto de crianas e jovens com PEA para uma melhor compreenso dos

    mesmos. Assim como a pertinncia da formao especializada, que permite uma

    actualizao de conhecimentos e uma maior proximidade com as questes relacionadas

    com as NEE, tendo tambm em conta que as licenciaturas e a actual formao contnua

    de professores tendem, cada vez mais, a incluir disciplinas sobre esses assuntos.

    Palavras-chave: Perturbaes do Espectro do Autismo; Incluso; Atitudes;

    Representaes Sociais; Pais; Professores; Educadores.

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    ABSTRACT

    This research was designed with a view to a better understanding of attitudes and

    social representations among parents, teachers and preschool teachers regarding the

    inclusion of children and adolescents with ASD. It also seemed important to assess the

    level of inquired awareness of ASD and to measure their agreement or disagreement

    with the inclusion of such children.

    This is a quantitative study carried out among members of the teaching

    community in a state school in Porto and the information was collected by means of a

    questionnaire designed specifically for that purpose.

    With regard to awareness of ASD, work experience with ASD children and

    adolescents, and professional situation are aspects which appear to influence positively

    on awareness of ASD.

    Regarding whether subjects agree or disagree with inclusion of ASD pupils,

    great part agrees, being recurrent the reference that the process requires the presence at

    all times of Special Needs staff.

    On the matter of whether subjects agree or disagree with the inclusion of ASD

    pupils, preschool teachers proved to be more in favour and parents less so. Those with

    experience of working with ASD pupils, those with special training and temporaryteachers are more in favour of inclusion.

    This study therefore emphasizes the importance of the experience acquired from

    contact with ASD children and adolescents in gaining a better understanding of them, as

    well as the relevance of special training which enables people to update their knowledge

    and better famialiarize themselves with related matters such as SEN, now that degree

    and teachers training courses tend more and more to include these topics.

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    NDICE

    CAPTULO I INTRODUO........................................................................................ 1

    1 Formulao do problema ............................................................................................. 1

    2 - Contextualizao do estudo.......................................................................................... 3

    3 Objectivos do estudo.................................................................................................... 6

    4 - Variveis, questes e hipteses .................................................................................... 7

    5 Operacionalizao de termos ....................................................................................... 9

    6 - Delimitao e limitaes do estudo............................................................................ 11

    7 Importncia do estudo................................................................................................ 12

    CAPTULO II REVISO DA LITERATURA ........................................................... 14

    1 As perturbaes do espectro do autismo.................................................................... 14

    1.1 A evoluo histrica do autismo.......................................................................... 19

    1.2 A etiologia do autismo......................................................................................... 22

    1.3 A epidemiologia do autismo ................................................................................ 29

    1.4 As perturbaes associadas.................................................................................. 32

    1.5 A trade de perturbaes de Lorna Wing ............................................................. 33

    1.6 O diagnstico das perturbaes do espectro do autismo ..................................... 35

    1.7 O diagnstico diferencial .................................................................................... 40

    1.8 Os modelos de interveno ................................................................................. 43

    2 Os percursos da incluso............................................................................................ 51

    3 Atitudes ...................................................................................................................... 61

    4 Representaes sociais............................................................................................... 67

    CAPTULO III METODOLOGIA............................................................................... 711 Desenho da investigao............................................................................................ 71

    2 Amostra...................................................................................................................... 75

    3 Caracterizao da amostra ......................................................................................... 76

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    CAPTULO IV APRESENTAO E ANLIDE DOS RESULTADOS................. 79

    1 Apresentao dos resultados ...................................................................................... 79

    2 Consistncia interna................................................................................................... 89

    3 Discusso dos resultados............................................................................................ 90

    CAPTULO V CONCLUSES E RECOMENDAES .......................................... 96

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS .......................................................................... 100

    ANEXOS .......................................................................................................................... 111

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    LISTA DE ABREVIATURAS

    NEE Necessidades Educativas Especiais

    PEA Perturbaes do Espectro do Autismo

    ASD - Autism Spectrum Disorders

    APPDA - Associao Portuguesa para as Perturbaes do Desenvolvimento

    e Autismo

    PGD Perturbaes Globais do Desenvolvimento

    APA Associao de Psiquiatria Americana

    QI Quociente de Inteligncia

    ICD - International Classification of Diseases

    DSM - Diagnostic and Statistical Manual

    PDSI - Perturbao Desintegrativa da Segunda Infncia

    PGDSOE - Perturbao Global do Desenvolvimento Sem Outra

    Especificao

    SA - Sndrome de Asperger

    TEACCH - Treatment and Education of Autistic and Related Communication

    Handicapped Children

    PEI - Programa Educativo IndividualAVEA - Agrupamento Vertical de Escolas do Amial

    ABA - Anlise Comportamental Aplicada

    PEP-R - Psychoeducational Profile Revised

    DEC - Division for Early Childhood

    DIR-model - Developmental Individual Differences Relationship-based model

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    NDICE DE QUADROS

    Quadro:

    1 Factores que diferenciam o autismo de outras PEA...................................................... 36

    2 DSM-IV Critrios de diagnstico da perturbao autista e da PGD .......................... 37

    3 Representao dos sub-grupos, segundo a relao com a criana/jovem...................... 77

    4 Formao especializada................................................................................................. 77

    5 Tipo de formao especializada .................................................................................... 78

    6 Experincia de trabalho com alunos com PEA ............................................................. 78

    7 Situao profissional .................................................................................................... 79

    8 Conhecimento das PEA ................................................................................................ 79

    9 Concordncia ou discordncia com a incluso de alunos com PEA............................. 79

    10 Frequncias absolutas e relativas das respostas ao questionrio ................................. 80

    11 ANOVA One-Way (sub-grupos conhecimento) ...................................................... 81

    12 Estatsticas descritivas (sub-grupos conhecimento) ................................................. 81

    13 T Student para amostras independentes (experincia de trabalho).............................. 81

    14 Estatsticas descritivas (experincia de trabalho) ........................................................ 82

    15 T Student para amostras independentes (formao especializada) ............................. 82

    16 Estatsticas descritivas (formao especializada)........................................................ 82

    17 T Student para amostras independentes (situao profissional).................................. 83

    18 Estatsticas descritivas (situao profissional) ............................................................ 83

    19 ANOVA One-Way (sub-grupos atitudes e representaes) ..................................... 84

    20 Estatsticas descritivas (sub-grupos atitudes e representaes)................................ 84

    21 T Student para amostras independentes (experincia de trabalho).............................. 85

    22 Estatsticas descritivas (experincia de trabalho) ........................................................ 85

    23 T Student para amostras independentes (formao especializada) ............................. 86

    24 Estatsticas descritivas (formao especializada)........................................................ 87

    25 T Student para amostras independentes (situao profissional).................................. 88

    26 Estatsticas descritivas (situao profissional) ............................................................ 88

    26 Consistncia interna..................................................................................................... 89

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    NDICE DE FIGURAS

    Figura:

    1 Representao do Modelo de patamar comum.............................................................. 28

    2 A desordem prottipo e as outras desordens ................................................................. 42

    3 Distribuio dos sujeitos da amostra, por gnero.......................................................... 76

    4 Distribuio dos sujeitos da amostra, por escales etrios............................................ 76

    5 Distribuio dos sujeitos da amostra, por tempo de servio.......................................... 77

    6 Distribuio dos sujeitos da amostra, por habilitaes literrias................................... 78

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    CAPTULO I - INTRODUO

    1 - FORMULAO DO PROBLEMA

    Estudos epidemiolgicos apresentam uma prevalncia de aproximadamente 1 em

    cada 200 indivduos com alguma perturbao do espectro do autismo (PEA)1, sendo esta

    quatro vezes maior em meninos do que em meninas (Klin, 2006). Realizou-se um estudo

    sobre autismo (que recebeu o Prmio Pfizer de investigao clnica 2005) cujos resultados

    revelaram, pela primeira vez, dados fidedignos da prevalncia de crianas e jovens com

    autismo em Portugal. A prevalncia mdia de 0,92 por cada mil, o que equivale a dizer

    que uma em cada mil crianas portuguesas apresenta PEA. De acordo com esse estudo,

    verifica-se um nmero crescente de crianas com autismo diagnosticadas em Portugal, o

    que se relaciona tambm com um melhor conhecimento da doena (Oliveira, 2005).

    Essa constatao e o facto de as actuais polticas de incluso levarem at s escolas

    regulares, da rea de residncia mais prxima, a criana com necessidades educativas

    especiais (NEE), nomeadamente com PEA, remetem-nos para grandes e decisivas

    adaptaes no que respeita a qualidade das respostas educativas, quer materiais, quer

    humanas, apontando para uma mudana de paradigma no atendimento pessoa com NEE. preciso criar condies para as que escolas normais possam aplicar a filosofia de

    incluso, explica Guiomar Oliveira, em 2007, aquando de um congresso organizado pela

    APPDA (Associao Portuguesa para as Perturbaes do Desenvolvimento e Autismo).

    Tendo em conta essa necessidade e depois de inmeras conversas com pais, professores e

    educadores de infncia que, subitamente, passaram a conviver e a trabalhar com crianas e

    jovens com PEA, admitindo o seu desconhecimento e dificuldades sentidas na prtica,

    desencadeou-se um interesse pessoal em aprofundar esta questo.Este estudo prope-se verificar a existncia de conhecimentos por parte dos pais,

    professores e educadores de infncia acerca das PEA, e investigar as atitudes e

    representaes sociais dos mesmos perante a incluso desses alunos. Como tal, poder

    proporcionar reflexes importantes que contribuam para um processo de incluso e de

    ensino-aprendizagem mais eficaz.

    1 Ser considerado PEA o contnuo de manifestaes na sua totalidade. Sempre que se utilizar a palavra autismopretende-se aqui atribuir o mesmo significado.

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    A nossa amostra constituda por um grupo de pais, professores e educadores de

    infncia do Agrupamento Vertical de Escolas do Amial, no Porto, sendo que os docentes

    exercem funes no ensino pr-escolar, no 1, 2 e 3 ciclos, no apoio scio-educativo e na

    educao especial, num contexto escolar pblico.

    A inevitabilidade de um acompanhamento adequado da criana com autismo

    implica a urgncia do conhecimento desta perturbao do desenvolvimento, bem como a

    necessidade de uma reflexo por parte dos pais, professores e educadores de infncia

    relativamente sua incluso.

    Para que as escolas se tornem mais inclusivas, necessrio que assumam e

    valorizem os seus conhecimentos e as suas prticas, que encarem a diferena como um

    desafio e uma oportunidade para a criao de novas situaes de aprendizagem, que sejamcapazes de inventariar o que est a impedir a participao de todos, que se disponibilizem

    para utilizar os recursos disponveis e para gerar outros, utilizando uma linguagem

    acessvel a todos.

    Numa escola inclusiva todos tm lugar, so aceites, apoiam e so apoiados pelos

    seus colegas, e outros membros da comunidade escolar, ao mesmo tempo que vem as suas

    necessidades educativas serem satisfeitas (Stainback & Stainback, citados por Odom,

    2007: 17).Sendo assim, a incluso com sucesso s ser possvel quando a escola for capaz de

    se adequar com recursos e metodologias que respondam competentemente s necessidades

    educacionais de todos os alunos, promovendo as capacidades de cada indivduo, aspecto

    crucial para a incluso e participao activa na sociedade e para a realizao de

    aprendizagens significativas (Ainscow & Ferreira, 2003).

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    2 - CONTEXTUALIZAO DO ESTUDO

    A partir de meados de 1960, novos conceitos e prticas comearam a ser

    introduzidos no mbito das respostas educativas a dar s crianas e jovens com NEE

    (Dunn, 1968; Deno, 1970, citados por Gonzlez, 1993). Uma filosofia de cariz humanista,

    preocupada com os direitos humanos, a grande mobilidade das pessoas, o alargamento da

    escolaridade obrigatria e a consequente diversificao dos seus pblicos trouxeram para a

    discusso educativa o papel e as funes da escola.

    A experincia adquirida com a integrao escolar e toda a reflexo que a mesma

    gerou sobre a escola ajudaram a desencadear o movimento da incluso que pretende

    promover o sucesso pessoal e acadmico de todos os alunos, numa escola inclusiva. Omovimento a favor da incluso foi fortemente impulsionado pela Declarao de Salamanca

    (UNESCO, 1994), aprovada por representantes de vrios pases e organizaes

    internacionais, entre os quais Portugal, sublinhando a necessidade de a integrao ser

    acompanhada pela prestao de um servio educativo de qualidade.

    Incluso a palavra que hoje pretende definir igualdade, fraternidade, direitos

    humanos ou democracia (Wilson, 2000). A incluso escolar, na sua origem, centra-se nas

    pessoas com NEE e insere-se nos grandes movimentos contra a excluso social, como ocaso da emancipao feminina, tendo como princpio a defesa da justia social, celebrando

    a diversidade humana. Como tal, deve contemplar todas as crianas e jovens com NEE

    (Ainscow & Ferreira, 2003).

    A educao inclusiva parte do pressuposto de que todos os alunos esto na escola

    para aprender e, por isso, participam e interagem uns com os outros, independentemente

    das dificuldades mais ou menos complexas que possam evidenciar e s quais cabe escola

    adaptar-se, nomeadamente porque esta atitude constitui um desafio que cria novas

    situaes de aprendizagem para todos os intervenientes da comunidade escolar. Nesse

    sentido, a diferena um valor e a escola um lugar que proporciona interaco de

    aprendizagens significativas a todos os seus alunos, baseadas na cooperao e na

    diferenciao inclusiva (Ainscow, 1998).

    No entanto, trabalhar com todos os alunos, ainda que em cooperao com a

    educao especial e outros tcnicos, no uma tarefa linear, que possa ser implementada

    sem uma retaguarda de suporte que ajude reflexo sobre o processo. Na ausncia de

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    apoio s dificuldades que vo sentindo, as escolas vo respondendo como sabem e como

    podem a situaes cada vez mais diversificadas (Silva, 2004).

    Alguns resultados tm mostrado que os professores se sentem desconfortveis,

    inseguros e ansiosos quando tm de lidar com alunos diferentes (Vayer & Rocin;

    Sprinthall & Sprinthall; Glat; Bruce & Bergen, citados por Silva, 2001) e, nesse sentido, a

    sua resistncia incluso poder estar relacionada com a falta de preparao que dizem ter

    e com o desconhecimento relativo a algumas NEE (Scruggs & Mastropieri, 1996; Correia,

    1997; Ainscow, 1998; Correia & Martins, 2000; Glat, citado por Pletsch, 2009; Bruce &

    Bergen, citados por Silva, 2009).

    Os alunos com PEA, devido sua singularidade, podem gerar aos pais, professores,

    educadores de infncia e outros interlocutores no processo educativo sentimentos deangstia e mal-estar. Porm, afirmar que sua aprendizagem singular no significa dizer

    que eles no possam aprender. Kupfer (2001: 67) deixa isso claro ao afirmar que essas

    crianas exibem (...) qualidades intactas, ilhas de inteligncia, ou seja, so capazes de

    aprender em maior ou menor grau, dependendo da sua posio singular. Dessa forma,

    importante que o professor acredite nas capacidades desses alunos e invista na sua

    aprendizagem (Powell, 2001).

    Tratando-se de pessoas com PEA, o desafio para a escola toma uma proporoainda maior, uma vez que a manifestao dos comportamentos estereotipados um dos

    aspectos que assume maior relevo no mbito social, representando um entrave significativo

    para o estabelecimento de relaes entre as mesmas e o seu ambiente. Torna-se provvel,

    portanto, que a exibio desses comportamentos traga implicaes qualitativas nas trocas

    interpessoais que ocorrero nas salas de aula, pois, sobretudo as atitudes mais inesperadas

    e bizarras, sempre atraram a ateno das pessoas, despertando temor e desconfiana

    (Omote, 1996).As representaes sociais em jogo no processo de incluso revelam aqui toda a sua

    importncia. Sendo teorias do senso comum, construdas colectivamente, elas influenciam

    as nossas prticas sociais. Nas palavras de Abric (1998: 28), a representao funciona

    como um sistema de interpretao da realidade que rege as relaes dos indivduos com o

    seu meio fsico e social, determinando os seus comportamentos e prticas.

    Apesar do ntido progresso em relao s atitudes e s prticas de segregao do

    passado, as formas de participao social e educativa s responderam em parte aos direitos

    das pessoas com NEE, na medida em que exigiam pouco da sociedade (Silva, 2009). Em

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    termos educativos, a investigao a este propsito veio comprovar que o comportamento

    dos alunos com NEE muda em funo das expectativas das pessoas que cuidam deles e,

    tambm, quando interagem com pares a quem, por sua vez, vo modificar o

    comportamento (Sameroff & Mackenzie; Zipper, citados por Bairro, 2004). Actualmente

    pretende-se que a aprendizagem se faa com a ajuda do professor, mas tambm com o

    grupo e no grupo dos pares, no contexto ao qual pertence cada um dos indivduos a educar,

    valorizando os saberes e as experincias de todos, com o seu nvel de funcionalidade, numa

    perspectiva ecolgica de desenvolvimento (Vygotsky; Bronfenbrenner, citados por

    Bairro, 2004).

    Os modelos ecolgico-sistmicos e transacionais vieram revelar que o desenvolvimento

    humano s se entende e evolui de forma contextualizada, o que sustenta a fundamentaodo modelo inclusivo de educao, na medida em que as crianas aprendem, sobretudo

    quando se actua sobre o meio ambiente por forma a que encontrem oportunidades de

    aprendizagem ricas, adultos envolventes e pares estimulantes e organizadores. (apud, 2004:

    14).

    Em suma, as atitudes e as representaes sociais de pais, professores e educadores

    de infncia podero influenciar as prticas inclusivas junto dos alunos com PEA. E quanto

    mais as pessoas, de um modo geral, souberem acerca das PEA (caractersticas, estilos de

    comportamento, etc.) uma melhor qualidade dos servios de educao para essas crianas

    se verificar no que respeita o seu atendimento nas escolas regulares.

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    3 OBJECTIVOS DO ESTUDO

    Este estudo tem como ncleo central a investigao das atitudes e representaes

    sociais de pais, professores e educadores face incluso de jovens e crianas com PEA, e

    como principais objectivos:

    - verificar a existncia de conhecimentos por parte dos pais, professores e

    educadores de infncia acerca das PEA;

    - constatar a concordncia ou discordncia por parte dos pais, professores e

    educadores de infncia acerca da incluso de crianas e jovens com PEA;

    - analisar a existncia de relaes entre o conhecimento das PEA e as variveis

    independentes scio-demogrficas consideradas no estudo;

    - analisar a existncia de relaes entre as atitudes e representaes sociais face

    incluso de alunos com PEA e as variveis independentes scio-demogrficas consideradas

    no estudo;

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    4 VARIVEIS, QUESTES E HIPTESES DE ESTUDO

    As variveis independentes do estudo (variveis scio-demogrficas e variveis

    relacionadas com as prticas educativas) foram definidas em funo dos objectivos da

    investigao e da anlise estatstica que se pretende desenvolver: relao com a

    criana/jovem (pai, me, professor ou educador de infncia), formao especializada,

    experincia ou no de trabalho com crianas com PEA e situao profissional.

    As variveis dependentes consideradas no presente estudo so: o conhecimento

    evidenciado acerca as PEA e as representaes sociais e atitudes de pais, professores e

    educadores de infncia perante a incluso de crianas e jovens com PEA.

    Tendo em conta a reviso da literatura realizada, foram definidas as seguintes

    hipteses de estudo, de acordo com as questes de investigao.

    Questo 1

    Os sujeitos da amostra apresentam conhecimentos acerca das PEA.

    A partir desta questo fizemos derivar as seguintes hipteses:

    Hiptese 1 Prevem-se diferenas significativas ao nvel do conhecimento das

    PEA, entre o grupo dos pais, professores e educadores de infncia.

    Hiptese 2 Prevem-se diferenas significativas ao nvel do conhecimento das

    PEA entre os inquiridos, tendo em conta a experincia de trabalho com crianas e jovenscom PEA.

    Hiptese 3 Prevem-se diferenas significativas ao nvel do conhecimento das

    PEA entre os inquiridos, tendo em conta a formao especializada.

    Hiptese 4 Prevem-se diferenas significativas ao nvel do conhecimento das

    PEA entre os inquiridos, tendo em conta a situao profissional.

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    8

    Questo 2

    Os sujeitos da amostra revelam atitudes e representaes sociais favorveis quanto

    incluso de crianas e jovens com PEA.

    A partir desta questo fizemos derivar as seguintes hipteses:

    Hiptese 1 Prevem-se diferenas significativas ao nvel das atitudes e

    representaes sociais quanto incluso de crianas e jovens com PEA, entre o grupo dos

    inquiridos (pais, professores e educadores de infncia).

    Hiptese 2 Prevem-se diferenas significativas ao nvel das atitudes e

    representaes sociais quanto incluso de crianas e jovens com PEA entre os inquiridos,

    tendo em conta a experincia de trabalho com crianas e jovens com PEA.

    Hiptese 3 Prevem-se diferenas significativas ao nvel das atitudes e

    representaes sociais quanto incluso de crianas e jovens com PEA entre os inquiridos,

    tendo em conta a formao especializada.

    Hiptese 4 Prevem-se diferenas significativas ao nvel das atitudes e

    representaes sociais quanto incluso de crianas e jovens com PEA entre os inquiridos,

    tendo em conta a situao profissional.

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    9

    5 OPERACIONALIZAO DE TERMOS

    Incluso

    A incluso, enquanto valor, defende o direito de todas as crianas,

    independentemente das suas diversas capacidades, participarem activamente em contextos

    naturais nas suas comunidades (DEC, citado por Odom, 2007: 17).

    A incluso implica o atendimento de alunos com NEE nas escolas das suas

    residncias e, sempre que possvel, nas turmas regulares, onde devem receber todos os

    servios educativos adequados, tendo em conta as suas caractersticas e necessidades,

    contando-se, para tal, com o apoio de outros profissionais e dos pais. Deve ser, portanto,

    um processo dinmico que se proponha responder s necessidades de cada um dos alunos,

    provendo-lhes uma educao apropriada que considere trs nveis de desenvolvimento

    essenciais: acadmico, scio-emocional e pessoal (Nielsen, 1999; Correia, 2008).

    Perturbaes do Espectro do Autismo

    O autismo inclui-se no grupo das Perturbaes Globais do Desenvolvimento

    (PGD). Este conjunto de perturbaes caracterizado por um dfice grave em diversas

    reas do desenvolvimento: 1) competncias sociais; 2) competncias de comunicao ou 3)pela presena de comportamentos, interesses e actividades estereotipados. Os dfices

    qualitativos que definem estas perturbaes so claramente inadequados para o nvel de

    desenvolvimento do sujeito ou para a sua idade mental e afectam a forma como ele v o

    mundo e como aprende atravs das prprias experincias. (Marques, 2000; Siegel, 2008).

    O termo perturbaes do espectro do autismo (PEA) usado como sinnimo de

    autismo, referindo-se a um distrbio orgnico, que se manifesta como anomalias

    cognitivas,lingusticas e neurocomportamentais. Trata-se da perturbao mais frequente deum conjunto de perturbaes que, partilhando numerosos aspectos da sndrome central,

    no correspondem aos critrios exigidos para esse diagnstico. De facto, considera-se a

    existncia de um espectro de perturbaes, a que alguns autores chamaram de PEA. O

    autismo integra em si uma variedade de perturbaes, nomeadamente: Perturbao de Rett,

    Perturbao Desintegrativa da Segunda Infncia (PDSI), Perturbao de Asperger ou

    Sndrome de Asperger (SA) e Perturbao Global do Desenvolvimento Sem Outra

    Especificao (PGDSOE).

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    10

    Atitude

    Como noo, atitude significa um acto, uma postura do corpo ou o sentido de um

    propsito. Mas, como conceito, a atitude representa um esquema mental que efectua a

    mediao entre o pensamento e o comportamento.

    Atitude uma maneira de ser do sujeito, relativa ao modo de encarar uma realidade.

    A atitude consiste num processo de conscincia individual que determina actividades

    reais ou possveis do indivduo no mundo social (Thomas & Zananiecki, citados por

    Lima, 1993: 188). Trata-se de um estado de preparao mental ou neural, organizado

    atravs da experincia, e exercendo uma influncia dinmica sobre as respostas individuais

    a todos os objectos ou situaes com que se relaciona (Allport, citado por Lima, 1993:

    188). Ajzen defende que atitude uma predisposio para responder de forma favorvelou desfavorvel a um objecto, pessoa, instituio ou acontecimento (citado por Lima,

    1993: 188). Analisadas as vrias definies, percebe-se que atitude uma predisposio

    adquirida para reagir de certa maneira (uma tendncia para responder de forma positiva ou

    negativa, favorvel ou desfavorvel) a pessoas, grupos sociais, objectos e factos.

    Representao social

    Os indivduos no se limitam a receber e a processar informao, so tambmconstrutores de significados e teorizam a realidade social. Segundo Moscovici (citado por

    Vala, 2002: 458), as representaes sociais so um conjunto de conceitos, proposies e

    explicaes, criados na vida quotidiana no decurso da comunicao interindividual. So o

    equivalente, na nossa sociedade, aos mitos e sistemas de crenas das sociedades

    tradicionais e podem ainda ser vistas como a verso do senso comum. Jodelet (citadopor

    Vala, 2002: 458) define a representao social como uma modalidade de conhecimento

    elaborada e partilhada, como um objecto prtico e contribuindo para a construo de umarealidade comum a um conjunto social.

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    11

    6 DELIMITAO E LIMITAES DO ESTUDO

    A busca e a aquisio de direitos iguais est, cada vez mais, presente na sociedade e

    as prticas inclusivas devem ser uma presena em ambientes educacionais.

    O nosso estudo visa a investigao das atitudes e representaes sociais de pais,

    professores e educadores de infncia face incluso de alunos com PEA, bem como o

    entendimento dos mesmos relativamente s PEA. Como no era vivel o acesso a todas as

    escolas do pas, restringimos o nosso campo de anlise para trabalharmos com maior

    profundidade e rapidez. Seria interessante, em investigaes futuras, alargar estudos desta

    natureza a outros agrupamentos do pas, para proceder a anlises comparativas.

    Neste sentido, o estudo efectuado centra-se numa escola pblica portuguesa, perto

    da nossa rea de residncia, da qual conhecamos a sua realidade e que nos proporcionava

    uma amostra alargada quanto ao grupo etrio e nvel de ensino ministrado, desde o pr -

    escolar at ao 3 ciclo do ensino bsico.

    Na nossa perspectiva, pode constituir uma determinada limitao deste estudo o

    facto de se ter realizado uma abordagem quantitativa para medir atitudes e representaes

    sociais face a crianas e jovens com PEA. Compreender se so efectivamente

    implementadas, exigiria um estudo de natureza qualitativa, o que no se enquadrava nestembito, devido sua natureza global.

    O questionrio, que constitui o instrumento de recolha de dados, pode colocar

    entraves ao tratamento da informao pertinente para o desenho, aferio e avaliao dos

    dados. Este foi desenvolvido de acordo com a finalidade definida, procurando-se a maior

    objectividade possvel e uma ntima articulao com os objectivos de cada fase do estudo.

    Depois de apresentada a discusso dos resultados, ser feita referncia a algumas

    limitaes da investigao realizada, que sugerem algumas reservas no que concerne ainterpretao e a generalizao dos dados apresentados.

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    7 IMPORTNCIA DO ESTUDO

    A filosofia inclusiva apresenta um conjunto de vantagens para a criana com e sem

    NEE, entre as quais o desenvolvimento de atitudes positivas perante a diversidade, a

    aquisio de ganhos no desenvolvimento acadmico e social, a preparao para a vida na

    comunidade e a contrariedade dos efeitos negativos da excluso (Bailey; Odom; Guralnick,

    citados por Correia & Serrano, 2000; Camargo & Bosa, 2009). Para tal, pais, professores e

    educadores de infncia devem promover as interaces e a comunicao, as amizades e as

    trocas dirias, valorizando os aspectos acadmicos, mas tambm o aspecto scio-

    emocional e a cidadania, potenciando uma melhor e mais abrangente preparao e

    adaptao vida comunitria e activa (Wolfberg, Zercher, Lieber, Capell, Matias, Hanson

    & Odom, 1999).

    Ao rever o material respeitante incluso de crianas com PEA, tanto em artigos

    cientficos como em projectos de aplicao, ponto assente que uma educao inclusiva

    fundamental para potenciar as possibilidades e gerar condies para atingir as metas que se

    propem para cada criana, potenciando o seu equilbrio e desenvolvimento pessoal,

    capacitando ao mximo as suas habilidades, orientando o seu entendimento e adaptao

    vida humana e social (Volkmar, Lord, Bailey, Schultz & Klin, 2004; Cacciari, Lima &Bernardi, 2005; Jordan, 2005; SantAna, 2005).

    Kristen, Brandt & Connie (2003) examinaram o relacionamento entre professores

    do ensino regular e alunos com autismo, e observaram que, quando os professores

    percebiam mais positivamente a sua relao com os alunos com autismo, o ndice de

    problemas de comportamento dessas crianas era menor e elas estavam mais includas

    socialmente na sala de aula.

    Rivire (1998) acredita que a educao inclusiva a medida mais eficaz no queconcerne a educao de crianas e jovens com PEA, considerando que o processo

    educativo no s envolve a prpria criana, mas tambm a sua famlia, profissionais da

    educao e comunidade educativa envolvente. Como tal, imprescindvel promover um

    conhecimento mais concreto das atitudes e representaes sociais dos pais, professores e

    educadores de infncia, para se caminhar no sentido do aperfeioamento das prticas

    implcitas na educao de crianas com PEA.

    So inmeras as questes que problemticas como as PEA (entre outras) levantam anvel da prtica a que obrigam, sobretudo se a escola tiver em conta que esta no deve ser

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    desenvolvida descontextualizada do projecto de vida que se pretende para cada um desses

    alunos, de acordo com as suas potencialidades, as possibilidades das famlias e a

    capacidade de resposta que as escolas tm. E nesse sentido, importante ouvir os pais, os

    professores e os educadores para perceber as dificuldades com que se confrontam, que so

    prprias de cada contexto onde ocorrem.

    Como tal, o estudo das atitudes e representaes sociais face incluso de crianas

    e alunos com PEA integra uma estratgia que pretende contribuir para pr em evidncia e

    reflectir sobre as questes subjacentes incluso dos mesmos, envolvendo os principais

    participantes ao longo do processo em que decorre, aspirando-se incrementao de

    atitudes mais informadas e positivas por parte de toda a comunidade educativa.

    Equacionar um problema ou devolver os dados para que sejam repensados, tendoem vista a sua reformulao, so processos enriquecedores para todos, porque permitem

    troca, partilha e reflexo sobre preocupaes muito prprias, ajudando a compreend-las

    melhor. As diferentes atitudes e representaes podem constituir um excelente ponto de

    partida para perceber a diferena, o valor que a mesma encerra e a importncia da sua

    desmistificao, fundamental para atenuar receios e mitos socialmente construdos. Podem

    ainda servir para inspirar segurana relativamente a prticas que necessariamente tm de

    ser implementadas, no sentido de termos uma escola para todos na sua verdadeira acepo,que responda aos seus alunos de acordo com as potencialidades e capacidades de cada um.

    Este trabalho constitudo por cinco captulos.

    O primeiro captulo refere-se introduo do estudo, que caracteriza o assunto a

    estudar, especificando a estrutura da investigao.

    No segundo captulo, respeitante reviso da literatura, traamos uma abordagem

    da perspectiva histrica do autismo e apresentamos os aspectos relativos s caractersticas,

    etiologia e epidemiologia do autismo, caracterizando os critrios de diagnstico e osmodelos de interveno mais divulgados. No segundo ponto da reviso da literatura,

    abordaremos o conceito de incluso, de atitude e de representao social.

    No terceiro captulo, procedemos descrio dos aspectos metodolgicos da

    investigao realizada, cujos resultados sero apresentados, analisados e discutidos ao

    longo do quarto captulo.

    No quinto captulo, apresentamos as concluses do estudo, procurando tecer

    algumas reflexes e recomendaes, nomeadamente, no que respeita a possveis e futuras

    investigaes.

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    CAPTULO II REVISO DA LITERATURA

    1 AS PERTURBAES DO ESPECTRO DO AUTISMO

    As PEA consistem numa perturbao severa do neurodesenvolvimento e

    manifestam-se atravs de dificuldades muito especficas da comunicao e da interaco,

    associadas a dificuldades em utilizar a imaginao, em aceitar alteraes de rotinas e

    exibio de comportamentos estereotipados e restritos. Estas perturbaes implicam um

    dfice na flexibilidade de pensamento e uma especificidade no modo de aprender que

    comprometem, em particular, o contacto e a comunicao do indivduo com o meio

    (Jordan, 2000).

    Cada vez mais se reconhece que muitas perturbaes do neurodesenvolvimento

    ficam melhor caracterizadas se forem integradas no espectro do autismo. Essencialmente, a

    expresso perturbaes do espectro significa que existem muitas variantes e expresses

    parciais de uma dada perturbao em pessoas com risco biolgico e familiar semelhantes,

    da a designao de perturbaes do espectro do autismo (Murphy, Bolton, Pickles,

    Fombonne, Piven & Rutter, 2000).

    As questes relativas ao autismo, como o estudo da sua psicopatologia, apoiosteraputicos, direitos, equipamentos e recursos de suporte, nem sempre foram vistas do

    mesmo modo ao longo do desenvolvimento das diversas cincias da sade. Em sculos

    passados, as crianas e adultos com problemas desse tipo, na grande maioria dos casos,

    eram rejeitadas, votadas ao abandono ou, quando muito, asiladas (Pereira, 1998).

    O autismo surge antes dos 3 anos de idade, em dois possveis perodos de pico. A

    maioria das crianas comea a manifestar alteraes no desenvolvimento nos 2 primeiros

    anos de vida. Em casos raros pode ocorrer depois dos 2 anos de idade, mas sempre antesdo terceiro ano de vida. Os sintomas do autismo, especialmente os comportamentos

    repetitivos e estereotipados, parecem aumentar durante alguns anos aps o incio, atingindo

    habitualmente um pico na idade pr-escolar, e comeam a estabilizar ou declinar durante a

    idade escolar. de referir que a maioria dos sujeitos com PEA evolui com a passagem do

    tempo (Ozonoff, Rogers & Hendren, 2003).

    Uma pessoa com autismo tem, na maior parte das vezes, uma aparncia fsica

    normal, no entanto apresenta dificuldades muito especficas em trs reas do seu

    desenvolvimento: limitao grave no desenvolvimento de interaces sociais recprocas;

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    limitao grave do desenvolvimento da comunicao (no s a linguagem oral, mas

    tambm expresses faciais, gestos, postura corporal, entre outras); e uma limitao da

    variabilidade de comportamentos (Gillberg, 2005).

    De uma forma generalizada a afectao nestas reas traduz-se, na prtica, em

    dificuldades significativas para aprender de forma convencional. Pode manifestar-se, entre

    outras, atravs de: falta de motivao; dificuldade na compreenso de sequncias e de

    consequncias; dfice cognitivo especfico; problemas de concentrao e ateno;

    alteraes na descriminao/processamento auditivo e na compreenso de instrues

    fornecidas oralmente; falta de persistncia nas tarefas; dificuldade em aceitar mudanas e

    em compreender as regras instintivas da interaco social; alteraes de sensibilidade

    dor, a sons, a luzes ou ao tacto; grande reduo da capacidade imaginativa e de fantasiar;interesses restritos; alteraes de sono, viglia ou particularidades do padro alimentar

    Todas as dificuldades referidas, no mbito das PEA, em contexto educativo, so

    consideradas NEE de carcter permanente (Mesibov, Adams & Klinger, 1997; Peeters,

    1998; Hewitt, 2006).

    As caractersticas que descreveremos a seguir so baseadas no trabalho de Mesibov,

    Adams & Klinger, (1997), Peeters (1998) e Hewitt (2006), visando um melhor

    entendimento do comportamento, da interaco social e da linguagem do indivduo comautismo.

    De uma forma generalizada, entre as caractersticas marcantes do autismo clssico,

    salienta-se:

    - As competncias de interaco so limitadas, sendo difcil manter contacto visual,

    uma conversa, socializar e partilhar (mesmo com a famlia prxima);

    - Actuam nos seus ambientes, podem aprender habilidades, alguns podem aprender

    a usar a linguagem, mas apresentam limitaes na capacidade de atribuir sentido sexperincias. O seu mundo consiste numa srie de experincias e demandas sem relao

    umas com as outras, enquanto os temas, conceitos, razes ou princpios subjacentes so,

    para eles, tipicamente obscuros. Este grave prejuzo na atribuio de sentido est

    provavelmente relacionado com outras dificuldades cognitivas graves;

    - A focalizao excessiva em detalhes, com hipersensibilidade aos estmulos

    ambientais, percebendo quando os objectos do seu ambiente foram mudados e conseguindo

    ver pequenos fragmentos. A resposta a uma carga excessiva de estmulos pode tomar a

    forma de um movimento de baloio do corpo ou de tapar os ouvidos com as mos;

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    - A preferncia por actividades repetitivas e estereotipadas, como a construo de

    torres com mdulos, ou a arrumao de objectos em longas filas, sem uma ideia concreta

    acerca do modo mais adequado de usar um brinquedo ou objecto especfico;

    - O fascnio por objectos que podem ser manipulados atravs de movimentos

    repetitivos, particularmente por aqueles que podem ser postos a girar;

    - O desejo obsessivo pela conservao da uniformidade, incluindo as rotinas.

    Quando as rotinas so inesperadamente alteradas, regista-se uma perturbao extrema. Boa

    capacidade de memorizao das rotinas;

    - O acentuado atraso ou a notria dificuldade na aquisio da linguagem, usando-a

    de forma no comunicativa;

    - Dificuldade em prestar ateno ao que os professores querem por estaremconcentrados em sensaes que consideram mais interessantes e importantes. Alm do

    mais, os focos de ateno mudam rapidamente de uma sensao para outra. Normalmente,

    as fontes de distraco para crianas de nvel funcional mais baixo so visuais. Os

    estmulos auditivos so tambm fonte de distraco. Um aluno pode ouvir um rudo que o

    professor no pode ouvir, sendo incapaz de se concentrar. So tambm facilmente

    distrados por estimulao interna, tais como o interesse pelos objectos preferidos. So

    distrados por processos cognitivos internos, tais como rimar, contar, calcular ou recitarfactos que tenham memorizado. Independentemente da fonte de distraco, as pessoas com

    autismo tm uma grande dificuldade em interpretar a importncia da estimulao externa e

    dos pensamentos que os bombardeiam. Alguns deles olham, movem-se, e exploram

    constantemente, como se todas as sensaes fossem igualmente novas e excitantes. Outros

    lidam com este bombardeamento, aparentemente,bloqueando a maior parte da estimulao

    circundante, ficando preocupados com um tipo muito limitado de objectos;

    - Independentemente do nvel cognitivo, tm maior dificuldade com conceitoslingusticos simblicos ou abstractos do que com factos e descries objectivas. No

    autismo cada palavra significa apenas uma coisa, com prejuzo das conotaes adicionais

    ou associaes subjacentes. mais fcil entender factos ou conceitos isolados do que

    combinar conceitos, ou integr-los com informaes relacionadas, particularmente quando

    eles parecem ser contraditrios;

    - As habilidades de organizao so difceis para pessoas com autismo porque

    exigem, ao mesmo tempo, a capacidade de concentrao, tanto na tarefa imediata, quanto

    no resultado pretendido. Neste tipo de foco duplo, os indivduos que respondem a detalhes

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    especficos e individuais no se do bem. Sequncia algo difcil para eles, porque requer

    habilidades similares. comum executarem uma srie de actos numa ordem ilgica e

    contra produtiva, que parecem no perceber;

    - Aprendem, frequentemente, comportamentos numa situao, mas tm grande

    dificuldade em transferi-los para uma outra situao, generalizando. Podem concentrar-se

    na viso do fio de linha que esto balanando enquanto atravessam uma rua, e no perceber

    a aproximao de um autocarro a chegar;

    - Grande persistncia na procura de objectos, experincias ou sensaes desejadas.

    Estes comportamentos impulsivos, que se assemelham aos sintomas do transtorno

    obsessivo-compulsivo, podem ser muito difceis para as outras pessoas;

    - Tendem a apresentar altos nveis de ansiedade e esto frequentemente frustrados.Uma parte desta ansiedade provavelmente atribuvel a factores biolgicos. Alm disso, a

    ansiedade pode ser resultado das constantes confrontaes com o ambiente que

    imprevisvel e opressivo. Devido s suas limitaes cognitivas, as pessoas com autismo

    tm dificuldade em entender o que esperado deles e o que est a acontecer em redor. A

    ansiedade e a agitao so reaces compreensveis diante desta constante incerteza e das

    significativas dificuldades em estabelecer a comunicao;

    - A alterao dos sistemas de processamento sensorial, existindo pessoas comautismo com preferncias alimentares muito invulgares, que utilizam o tempo para olhar os

    seus dedos em movimento, ou atentos a ouvir sons no usuais muito perto do ouvido para

    poder tambm sentir as vibraes. Sabemos que as pessoas com autismo no respondem a

    sons da mesma forma que os outros, causando a ideia de que so surdos, quando tm

    perfeita acuidade auditiva. Alguns parecem confundir o sentimento de ser beliscado com o

    de receber ccegas, ou parecem no sentir dor alguma;

    Autismo provm da palavra gregaAutos que significa Prprio/Eu eIsmo que traduzuma orientao ou estado. Daqui resulta o termo autismo que, em sentido lato, pode ser

    definido como uma condio ou estado de algum que aparenta estar invulgarmente

    absorvido em si prprio (Marques, 2000).

    De acordo com Oliveira (2007), o autismo um distrbio orgnico que resulta de

    disfuno cerebral precoce, com sequelas crnicas, manifestando-se clinicamente como

    anomalias no neurodesenvolvimento e no comportamento. Caracteriza-se por uma trade

    semiolgica de alteraes na interaco social, na comunicao e no comportamento.

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    Segundo Wetherby & Prizant (2000), o autismo uma perturbao

    neuropsiquitrica grave, caracterizada por dfices significativos na comunicao e na

    interaco social, assim como comportamentos estereotipados e repetitivos.

    Em suma, o universo do autismo uma realidade complexa que engloba conceitos

    distintos, mas que se cruzam em determinados pontos. A evoluo que se tem verificado ao

    longo do tempo relativamente sua terminologia tem convergido para um melhor

    esclarecimento da perturbao, embora seja necessrio ter em conta que as caractersticas

    identificadas no esto presentes em todos os indivduos, nem se manifestam sempre do

    mesmo modo.

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    1.1 A EVOLUO HISTRICA DO AUTISMO

    O termo autismo foi usado pela primeira vez, em 1911, por Eugene Bleuler, para

    designar um conjunto de distrbios do pensamento, que estava presente nos doentes com

    esquizofrenia, implicando a perda de contacto com a realidade e uma grande dificuldade

    em comunicar com os demais (Pereira, 1998; Gillberg, citado por Oliveira, 2007).

    Dcadas mais tarde, o pedopsiquiatra americano Leo Kanner focou a sua ateno

    num conjunto de crianas que achava ter em comum particularidades clnicas distintas, at

    ento no descritas. Assim, em 1943, num trabalho intitulado Autistic disturbances of

    affective contact, descreveu uma nova sndrome, denominada autismo infantil, que

    combinava obsesses, estereotipias, graves alteraes de linguagem e dificuldades nocontacto e comunicao interpessoal, observveis logo no primeiro ano de vida, sendo,

    primeira vez, distinguida da esquizofrenia (Rutter & Schopler, 1987; Frith, 1989; Holmes,

    1997; Hewitt, 2006).

    Um ano depois, Hans Asperger, pediatra austraco, descreveu o mesmo tipo de

    perturbaes em crianas com melhores capacidades verbais, num trabalho intitulado

    Autistic Psycopathy in Childhood, classificando a sndrome de Asperger, um dos

    diagnsticos mais conhecidos dentro das PEA. O texto de Asperger, escrito em alemo nofinal da segunda guerra mundial, foi muito menos divulgado que o de Kanner, tendo sido

    quase ignorado at a dcada de 1980. S se tornou acessvel ao pblico em geral no incio

    dos anos 80, quando foi traduzido para ingls pela primeira vez e referido por Lorna Wing

    no seu trabalho de investigao sobre o autismo e os seus condicionalismos (Hewitt, 2006;

    Cumine, Leach & Stevenson, 2008).

    Kanner e Asperger nunca se encontraram e desconheciam por completo o trabalho

    um do outro, mas descreveram, quase simultaneamente, dois grupos de crianas com

    perturbaes idnticas que ambos interpretaram e designaram como autismo. A

    coincidncia na escolha do nome central que utilizaram para designar a perturbao

    reflecte a crena comum de que a dificuldade de adaptao social dessas crianas a

    caracterstica mais importante desta problemtica. Vrios investigadores compararam as

    teorias de Asperger com as primeiras comunicaes de Kanner e verificaram a existncia

    de semelhanas significativas entre as crianas descritas por ambos, sobretudo uma

    tendncia para manterem interesses obsessivos ou invulgares, uma preferncia pelas

    rotinas, um contacto visual muito pobre, estereotipias verbais e comportamentais, uma

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    procura constante de isolamento, interesses especiais referentes a objectos e

    comportamentos bizarros, bem como a surpresa de ambos com o ar aparentemente normal

    das crianas que observavam (Marques, 2000; Hewitt, 2006; Wing, citado por Cumine et

    al, 2008).

    Apesar de todas estas concordncias, existem duas reas de grande divergncia

    entre os dois autores. A primeira refere-se s capacidades lingusticas, uma vez que

    Asperger afirmou que as crianas estudadas falavam fluentemente, pelo facto de terem

    desenvolvido uma linguagem gramatical durante a infncia, embora no fosse utilizada

    para efeitos de comunicao interpessoal. Pelo contrrio, Kanner observou que trs dos

    seus onze pacientes no falavam e que os restantes no usavam a linguagem para

    comunicar. A segunda refere-se s capacidades de aprendizagem. Kanner acreditava queessas crianas aprendiam mais facilmente atravs de rotinas e mecanizaes, enquanto

    Asperger mencionava que os seus pacientes aprendiam mais facilmente se produzissem

    espontaneamente e sugeria que eles eram pensadores do abstracto (Wing, 1988).

    Mesmo com o rigor das descries feitas pelos autores, o autismo no mereceu

    muita ateno da comunidade mdica e, em 1954, Kanner descreve o autismo como uma

    psicose, j que no existiam dados laboratoriais que o comprovassem. Na poca, observou

    que as famlias denotavam uma sofisticao e uma dificuldade nas relaes interpessoais,usando o termo refrigerao emocional para descrever principalmente a relao entre a

    me e o filho com autismo. Assim, durante os anos de 1950 e 1960, a comunidade mdica

    passou a acreditar, erroneamente, que o autismo era uma perturbao psicolgica e

    resultava da suposta relao no afectiva da me com o filho. Vrias geraes de mes

    foram injustamente recriminadas, acrescentando-lhes dificuldade de terem um filho com

    autismo, a culpabilidade de serem elas as responsveis (Filipe, 2005).

    Rutter (citado por Garca & Rodrguez, 1997), no seu estudo com gmeosverdadeiros e gmeos falsos com autismo, demonstrou no s a origem biolgica do

    autismo, como a contribuio da origem gentica do mesmo. Sendo o autismo uma

    perturbao do neurodesenvolvimento, a criana nasce com autismo, porm, a causa ou as

    causas especficas ainda no so completamente conhecidas.

    Por volta dos anos 80, surgiu um conceito mais alargado de autismo, passando a ser

    descrito como PEA, quando Lorna Wing, psiquiatra inglesa e me de uma criana com

    autismo, incluiu a sndrome de Asperger neste grupo e descreveu a trade de caractersticas

    que auxiliam no diagnstico clnico at hoje. Em 1979, Wing e Gould, aps um estudo

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    sobre crianas com autismo, referiram que os indivduos com autismo apresentam dfices

    especficos em trs reas: comunicao, socializao e imaginao, o que ficou conhecido

    por Trade de Incapacidades de Wing (Wing & Gould, 1979; Pereira, 1998). Em 1986,

    Baron-Cohen, Leslie e Frith criticaram a posio de Wing por argumentar que os trs

    sintomas enumerados se reduzem a uma s perturbao de processamento (cognitivo)

    central, descrita como falha do mecanismo de desdobramento de maturao relativamente

    tardia (Leal, 1996).

    Foi Rutter que, em 1978, atravs de uma vasta reviso da literatura, props que o

    autismo fosse concebido como uma perturbao do desenvolvimento e diagnosticado

    atravs da trade de dificuldades que prevalece at aos dias actuais interaco social,

    comunicao, padres restritos e repetitivos de comportamentos, interesses e actividades.Com a evoluo das pesquisas cientficas, os investigadores chegaram concluso que o

    autismo no uma perturbao de contacto afectivo, mas sim uma perturbao do

    desenvolvimento (Kuperstein, 2005).

    Em 1989, Frith resume o autismo como uma deficincia mental especfica,

    susceptvel de ser classificada nas Perturbaes Pervasivas do Desenvolvimento,

    afectando, qualitativamente, as interaces sociais recprocas, a comunicao verbal e no

    verbal, a actividade imaginativa e expressando-se atravs de um repertrio restrito deactividades e interesses (Pereira, 1998).

    O termo autismo surgiu oficialmente pela primeira vez, em 1975, no ICD-9

    (International Classification of Diseases), e foi categorizado como uma psicose da infncia.

    At ento, o DSM-I (Diagnostic and Statistical Manual) e o DSM-II, respectivamente em

    1952 e 1968, referiam-se apenas esquizofrenia de tipo infantil (Marques, 2000).

    A ICD-10, em 1993, refere-se ao autismo como um transtorno global do

    desenvolvimento caracterizado por um desenvolvimento anormal ou alterado, manifestadoantes da idade de 3 anos e apresentando uma perturbao caracterstica do funcionamento

    em cada um dos trs domnios seguintes: interaces sociais, comunicao,

    comportamento focalizado e repetitivo.

    Actualmente, o termo autismo usado para se referir a um espectro de sndromes

    com caractersticas em comum ou Perturbaes Globais do Desenvolvimento, de acordo

    com o DSM-IV-TR (2002) ou ainda Perturbaes do Espectro do Autismo (Oliveira, 2006;

    Siegel, 2008).

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    1.2 A ETIOLOGIA DO AUTISMO

    Vrios tm sido os estudos desenvolvidos na tentativa de contribuir para a

    explicao da etiologia do autismo, no havendo, contudo, consenso nem certezas (;Pereira, 1998, 1999; Ballone, 2002; Marques, 2002).

    Nas dcadas de 1940 e 1950, Kanner acreditava que a causa do autismo residia nos

    problemas de interaco da criana com os pais. Vrias teorias de inspirao psicanaltica

    culpabilizavam os pais, em especial as mes, por no saberem dar respostas afectivas aos

    seus filhos. Esse perodo foi dramtico e levou algumas mes a tratamento psiquitrico e,

    em extremo, ao suicdio.

    A partir dos anos 60, a investigao cientfica, baseada sobretudo em estudos decasos de gmeos e nas doenas genticas associadas ao autismo (X Frgil, esclerose

    tuberosa, fenilcetonria, neurofibromatose e diversas anomalias cromossmicas), mostrou

    a existncia de um factor gentico multifactorial e de diversas causas orgnicas

    relacionadas com a origem do autismo (Marques, 2002).

    O desnimo comprovado com os resultados das intervenes de natureza

    psicanaltica, assim como a descoberta da associao do autismo a factores orgnicos,

    nomeadamente o elevado nmero de problemas peri-natais, epilepsia e outras evidnciasde perturbaes neurolgicas e neuroqumicas, vieram contribuir para pr em causa as

    teorias que defendiam a causalidade de factores parentais na etiologia do autismo (Rutter,

    & Shopler, 1987).

    Actualmente, sabe-se que, na maior parte das vezes, a sua origem multifactorial,

    apresenta um base neurobiolgica e pode coexistir com outras perturbaes, no entanto em

    grande nmero de casos ainda no possvel determinar qual ou quais os factores que

    desencadeiam um quadro clnico de autismo (Marques, 2002).

    A investigao sugere que as PEA so fortemente influenciadas por factores

    genticos. Hornig e Lipkin (citados por Ozonoffet al, 2003) referem que o rpido aumento

    da prevalncia difcil de explicar de um ponto de vista estritamente gentico, j que a

    frequncia dos genes presumidamente envolvidos pouco se modificariam na populao

    num perodo de cerca de 30 anos. Isto levou a que se sugerisse que a exposio a

    substncias desconhecidas no ambiente, especialmente as que so mais comuns

    actualmente do que h 30 anos, possam interagir com a susceptibilidade gentica e

    desencadear o autismo, podendo, desta forma, ser a causa exclusiva ou interferir na

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    manifestao e gravidade da perturbao. A lista de possveis causas inclui agora as

    imunizaes, os metais pesados, os agentes infecciosos e os qumicos txicos. provvel

    que esta lista aumente at que as causas e tratamentos do autismo sejam mais conhecidos.

    Oliveira (2007) relata-nos que ainda esto a decorrer vrios trabalhos ao nvel do

    estudo etiolgico, ou seja, das causas do autismo. A autora acrescenta que as PEA so

    situaes graves, com prognsticos no muito favorveis. Por isso, convm conhecermos

    as causas o mais brevemente possvel para que possamos prevenir. Apesar de ainda haver

    grandes dvidas nesta rea, refere que h trs dcadas todos os casos de autismo no

    tinham diagnstico etiolgico. Na sua investigao identificou a causa em 20% dos casos:

    5% apresentavam cromossomopatias, 4,2% sofriam de doenas da cadeia respiratria

    mitocondreal (dfice na produo de energia), 2,5% sofriam de doenas monognicas (X frgil), 3,3% tinham outras sndromes genticas, 3,3% tinham doenas infecciosas, 0,8%

    apresentavam displasia septo-ptica e 0,8% apresentavam encefalopatia hipxico-

    isqumica.

    So vrias as teorias que procuram explicar o problema da causa do quadro clnico

    do autismo, salientando-se as Teorias Psicogenticas, as Teorias Biolgicas e as Teorias

    Cognitivas, na perspectiva de Pereira (1999), Ballone (2002) e Marques (2002).

    1.2.1 TEORIAS PSICOGENTICAS

    Esta perspectiva fundamenta-se nas teorias psicanalticas que defendem que as

    crianas com autismo so normais no momento do nascimento, mas que, devido a factores

    familiares (pais frios e pouco expressivos), o desenvolvimento afectivo das crianas fica

    afectado, provocando um quadro de autismo (Borges, 2000; Duarte, Bordin & Jensen,

    2001).Kanner, em 1943, j considerava o autismo como uma perturbao do

    desenvolvimento, sugerindo a possibilidade de existncia de uma componente gentica

    que, com o passar do tempo, se revelou correcta. Contudo, foi o prprio Kanner quem

    especulou relativamente possibilidade dos pais contriburem para o distrbio (Pereira,

    1999; Marques, 2000).

    Em 1967, Bettelheim desenvolveu a teoria das mes frigorfico, na qual se

    entendia que as crianas desenvolviam autismo como uma resposta desadaptativa a um

    ambiente ameaador e no carinhoso por parte da me (Borges, 2000; Marques, 2000).

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    Apenas na dcada de 70 surgiram outros estudos que se contrapunham aos

    resultados at ento obtidos. Um dos aspectos prende-se com a anlise de crianas que

    eram vtimas de maus-tratos, bem como actos de negligncia, em que se verificou que as

    experincias vivenciadas por essas crianas no determinavam quadros de autismo (Duarte

    et al, 2001).

    No descurando o facto de esta leitura psicanaltica ter trazido contributos para a

    anlise da etiologia do autismo, certo que actualmente se considera que a mesma trouxe

    efeitos nefastos para as famlias dessas crianas que carregaram a culpa de serem os

    autores de tais alteraes nos filhos (Borges, 2000; Duarte et al, 2001).

    Uma outra crtica diz respeito a que a maioria dos investigadores desta abordagem

    se limitava a observar as relaes entre os pais e as crianas aps estar instalada aperturbao pelo que no existe um suporte emprico para a noo de que o autismo seja

    originado pelos padres das interaces familiares desviantes.

    1.2.2 - TEORIAS BIOLGICAS

    As investigaes posteriores, que dizem respeito s PEA, revelaram indcios de

    que, nesta perturbao, existiria uma origem neurolgica de base.Dos relatos existentes, constata-se a associao do autismo com vrios distrbios

    biolgicos (incluindo paralisia cerebral, rubola pr-natal, toxoplasmose, infeces por

    citomegalovrus, encefalopatia, esclerose tuberculosa, meningite, hemorragia cerebral,

    fenilcetonria, e vrios tipos de epilepsia) e, partindo destas concepes, actualmente

    aceita-se que o autismo resulta de uma perturbao de determinadas reas do sistema

    nervoso central, afectando a linguagem, o desenvolvimento cognitivo e intelectual, e a

    capacidade em estabelecer relaes (Pereira, 1999; Borges, 2000; Bosa & Callias, 2000;Marques, 2002).

    Em 1991, um estudo realizado por Steffenfurg refere que 90% da sua amostra

    apresentava evidncias de dano cerebral, com uma variedade de problemas. Com os

    avanos do estudo cerebral houve lugar para o desenvolvimento progressivo de estudos

    biolgicos acerca do autismo, o que tem vindo a alterar as teorias etiolgicas. So estudos

    que incidem em reas diversas como a gentica, com famlias de gmeos, na

    neurofisiologia, sobre a disfuno cortical e subcortical, na neuroqumica, sobre os

    neurotransmissores e os pptideos, nos estudos metablicos, nos factores imunolgicos e

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    nas complicaes pr-natais, pri e ps-natais (Folstein & Rutter; Ornitz; Gillberg, citados

    por Marques, 2000).

    Para Bosa & Callias (2000), Borges (2000), Marques (2002), Pereira (1998, 1999),

    do conjunto de teorias biolgicas, destacam-se as seguintes: Teorias genticas (sndrome

    do cromossoma X frgil); Anomalias biolgicas (esclerosetuberculosa, fenilcetonria no

    tratada, rubola, encefalite); Teoria da disfuno cerebral do hemisfrio esquerdo; Teorias

    imunolgicas.

    1.2.3 - TEORIAS COGNITIVAS

    Ainda que o autismo seja definido em termos comportamentais, tem-se assistido primazia das caractersticas cognitivas que se sobrepem aos sintomas afectivos e

    comportamentais. Em 1964, Rimland desenvolveu uma das primeiras teorias, na qual

    pretendeu verificar se as crianas com autismo falhavam na associao dos estmulos

    recebidos com a memria, como resultado de experincias anteriores (Bosa & Callias,

    2000; Marques, 2000). Em 1970, os trabalhos de Hermelin e OConner deram o impulso

    definitivo a essas investigaes, pretendendo identificar o dfice cognitivo bsico

    subjacente s alteraes fundamentais no autismo (Lippi, 2005). Ritvo, em 1976, tornou-seum dos autores pioneiros a considerar a sndrome autstica como uma desordem do

    desenvolvimento, causada por uma patologia do sistema nervoso central, bem como a

    salientar os dfices cognitivos do autismo (Pereira, 1999; Borges, 2000; Marques, 2000).

    Na perspectiva desses autores, as pessoas com autismo armazenavam as

    informaes verbais de forma neutra, sem as analisar, atribuir significado ou reestruturar,

    pelo que os seus estudos lhes permitiram evidenciar uma das limitaes mais importante e

    especfica do autismo: a incapacidade de avaliar a ordem, a estrutura e a reutilizao dainformao. Revelam-se, pois, incapazes de extrair regras ou de estruturar experincias

    tanto nos domnios verbal ou no verbal, o que torna compreensvel a sua notria

    dificuldade em realizar tarefas orientadas por leis complexas como a linguagem e as

    interaces sociais (Pereira, 1999; Happ, 2003, Frith & Happ, 2006).

    Uma capacidade que todos parecemos ter o facto de conseguirmos pensar no que

    pensam as outras pessoas, e at pensarmos no que elas pensam sobre aquilo que ns

    pensamos. Cumine et al (2006) explanam que, em termos psicolgicos, isto descrito

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    como a capacidade para apreciar o facto de outras pessoas terem estados de esprito,

    propsitos, necessidades, desejos e convices, que podem ser diferentes dos nossos.

    Nos anos 80, surge a Teoria da Mente, pela mo de autores como Uta Frith, Alan

    Leslie e Baron-Cohen que consideram a trade de incapacidades comportamentais

    presentes no autismo resultado de um impedimento fundamental da competncia humana

    de ler a mente dos outros, pelo que pretenderam identificar os nveis fundamentais

    responsveis pelos dfices sociais no autismo, como falha no mecanismo mental de

    metacognio, aquele que coordena o pensar sobre o pensamento (Baron-Cohen, 1990;

    Bosa & Callias, 2000; Marques, 2000; Lippi, 2005).

    Aplicada ao autismo, esta teoria sugere que as crianas afectadas por uma

    perturbao desta natureza falham ou atrasam-se no desenvolvimento da competncia dereconhecer os pensamentos dos outros. Assim, refere que estas crianas esto limitadas em

    certas competncias sociais, comunicativas e imaginativas. Acrescenta, porm, que esta

    incapacidade em desenvolver a conscincia de que as outras pessoas possuem uma mente

    prpria, implica uma incapacidade de auto-conscincia e provoca nestes indivduos uma

    grave alterao nas relaes inter-pessoais (Happ, citado por Marques, 2000).

    Jordan & Powell (1997) evidenciaram as implicaes da limitao da Teoria da

    Mente, detalhadas do seguinte modo:- Dificuldade em prever o comportamento de terceiros, dando origem ao medo e a

    evitar dos outros, uma vez que no entendem os seus propsitos nem os motivos que

    justificam o seu comportamento;

    - Dificuldade em explicar o prprio comportamento e em compreender que ele

    afecta o que os outros pensam ou sentem, dando origem a uma falta de conscincia ou

    motivao para agradar;

    - Dificuldade em compreender as emoes (as suas e as duas outros), o que podeconfigurar uma possvel ausncia de empatia;

    - Dificuldade em ter em conta o que as outras pessoas sabem ou podem saber,

    originando uma linguagem pedante ou incompreensvel, com limitaes em reagir ao nvel

    do interesse do interlocutor;

    - Dificuldade em compreender o fingimento e em distinguir os factos da fico.

    Estas limitaes, implcitas na Teoria da Mente, afectam a capacidade da criana

    para interagir socialmente na sala de aula e no ambiente escolar mais alargado.

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    Em 1989, Uta Frith sugeriu que no possvel explicar alguns aspectos do

    funcionamento do autismo apenas pela Teoria da Mente por exemplo, a insistncia na

    semelhana, a ateno ao detalhe em detrimento da globalidade, a insistncia na rotina, as

    preocupaes obsessivas e a existncia de capacidades especiais. Assim, esta autora

    explicou o Dfice de Coerncia Central como a incapacidade para reunir informaes

    dispersas de modo a construir um significado de nvel superior. Para as crianas que

    processam normalmente as informaes, existe uma tendncia para dar sentido s situaes

    e aos acontecimentos de acordo com o contexto.

    Cumine et al (2006), mencionam as implicaes do Dfice de Coerncia Central:

    - Foco de ateno idiossincrtico;

    - Imposio da sua prpria perspectiva;- Preferncia por aquilo que conhecido;

    - Falta de ateno para novas tarefas;

    - Dificuldade em escolher e atribuir prioridades;

    - Dificuldades de organizao pessoal, de materiais e experincias;

    - Dificuldade em estabelecer associaes, generalizar capacidades e conhecimentos;

    Outra teoria avanada para justificar as limitaes do autismo a do Dfice da

    Funo Executiva. Em 1966, Luria definiu a Funo Executiva como a capacidade paramanter um determinado conjunto de comportamentos organizados em cadeia, dirigidos

    para a resoluo de problemas e, por isso, apropriados para atingir um objectivo

    subsequente. Sally Ozonoff, em 1995, salienta a limitao frequente desta funo em

    pessoas com PEA. O comportamento das pessoas com autismo , muitas vezes, rgido,

    inflexvel e persistente. So frequentemente impulsivos e dificilmente contm uma

    resposta. Podem ter amplos conhecimentos, mas tm dificuldade em aplicar correctamente

    esses conhecimentos. Muitas vezes parecem to concentrados nos detalhes que noconseguem ver a imagem global (Cumine et al, 2008).

    Segundo os mesmos autores, as implicaes que se esperam que ocorram devido ao

    Dfice da Funo Executiva so a dificuldade em se aperceberem das emoes,

    dificuldades de imitao e dificuldades no jogo simblico faz de conta.

    A compreenso das teorias cognitivas actuais aumenta a nossa compreenso das

    crianas com autismo e clarificam a percepo das suas implicaes pedaggicas.

    unnime que existem condies mdicas variadas que podem predispor o

    desenvolvimento de uma patologia desta natureza. Como tentativa de resoluo deste

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    enigma, Cohen e Bolton (citados por Marques, 2000) apresentaram um modelo pois

    existem vrias causas (algumas no identificadas) provavelmente responsveis pelas reas

    do crebro lesadas e que provavelmente seriam as reas responsveis pelo normal

    desenvolvimento da comunicao, do funcionamento social e do jogo. possvel que

    exista uma associao com o dfice mental, uma vez que as condies mdicas tambm

    afectam os sistemas cerebrais, necessrios ao normal desenvolvimento intelectual.

    Figura 1 Representao do modelo de patamar comum.

    Fonte: Adaptado por Cohen & Bolton, 1993, citado por Marques, C. (2000). Perturbaes do

    Espectro do Autismo. Ensaio de uma Interveno Construtivista e Desenvolvimentista com Mes.

    Coimbra: Quarteto Editora, p. 69.

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    1.3 A EPIDEMIOLOGIA DO AUTISMO

    A primeira impresso que Kanner teve de que o autismo era mais frequente nos

    homens do que nas mulheres mostrou-se verdadeira, tendo sido relatada uma relao de 4

    homens para 1 mulher na maioria das amostras (Fombonne, 2002). Porm, a sua sugesto

    de que se tratava de uma perturbao que surgia em famlias de elevado nvel

    socioeconmico e xito mostrou-se incorrecta. Assim, Dyches (citado por Ozonoff et al,

    2003) refere que, actualmente, o autismo ocorre em todos os nveis socioeconmicos, em

    todas as culturas e em todos os grupos raciais e tnicos.

    H alguma evidncia de que as meninas tendem a ser mais severamente afectadas, o

    que pode ser devido tendncia de meninas com autismo apresentarem um QI mais baixo

    do que os meninos (Lord & Schopler, 1985; Wing, citado por Bosa, 2000).

    O primeiro estudo epidemiolgico sobre o autismo foi realizado por Victor Lotter,

    em 1966. Nesse estudo, procedeu-se ao relato de um ndice de prevalncia de 4,5 em 10

    000 crianas, em toda a populao de crianas de 8 a 10 anos, de Middlessex, um condado

    a noroeste de Londres (Klin, 2006).

    Actualmente, verifica-se que de 16,8 por 10 000 (Chakrabarti & Fombonne,

    2005). As possveis razes para o grande aumento na prevalncia estimada do autismo edas condies relacionadas so:

    1) A adopo de definies mais amplas de autismo (resultante do reconhecimento

    do autismo como um espectro de condies);

    2) Maior consciencializao, entre os clnicos e na comunidade, sobre as diferentes

    manifestaes de autismo;

    3) Melhor deteco de casos sem deficincia mental (maior consciencializao

    sobre o Sndrome de Asperger, por exemplo);4) O incentivo para que se determine um diagnstico que permita a elegibilidade

    para os servios proporcionados para esse diagnstico (tal como aconteceu nos EUA, como

    resultado das alteraes na lei sobre educao especial);

    5) A compreenso de que a identificao precoce (e a interveno) maximizam um

    desfecho positivo (estimulando assim o diagnstico de crianas jovens e encorajando a

    comunidade a apoiar uma criana com autismo);

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    6) A investigao com base populacional (que expandiu amostras clnicas referidas

    por meio do sistemtico pente-fino na comunidade em geral procura de crianas com

    autismo que, de outra forma, poderiam no ser identificadas).

    importante enfatizar que o aumento nos ndices de prevalncia do autismo

    significa que mais indivduos so identificados como tendo esta ou outras condies

    similares. Isso no significa que a incidncia geral do autismo tenha aumentado.

    Embora a taxa de prevalncia desta perturbao tenha vindo a sofrer oscilaes,

    decorrentes de uma maior sensibilidade no diagnstico desta patologia e de um crescente

    desenvolvimento de instrumentos mais precisos, estima-se que cerca de 5 em cada 10 000

    crianas apresentem um diagnstico de autismo, mas que cerca de 21 em cada 10 000

    apresentem PEA (Klin, 2006; Charman, 2002; Marques, 2000).Em Portugal, num estudo realizado acerca da epidemiologia de crianas com PEA

    em idade escolar, a prevalncia total, em Portugal Continental, de 9,2 e, nos Aores, de

    15,6 por cada 10 000 crianas. Outro dos aspectos descobertos por esta investigao que

    o autismo tem uma menor expressividade na regio Norte, (0.92 por cada 1000 crianas),

    em comparao com o Centro, Sul e Aores, (1.5 por cada 1000 crianas). Segundo

    Guiomar Oliveira, este factor poder dever-se a causas genticas e ambientais. A

    investigadora aponta a possibilidade de a influncia rabe, mais centrada no Centro e Suldo Pas, poder ser um dos factores (Oliveira, 2005).

    Actualmente, o autismo atinge 0,2% da populao em geral e, portanto, cinco a

    dez vezes mais comum do que se acreditava nos anos de 1960 e 1970, atingindo mais os

    rapazes do que as raparigas na proporo 4:1 (Gillberg, 2005).

    A crena de aumento na incidncia levou ideia que estava a ocorrer uma epidemia

    de autismo e que o nmero de indivduos estava a crescer em nmeros alarmantes.

    Contudo, at hoje, no existem evidncias convincentes de que isso seja verdadeiro e osriscos ambientais potenciais, que hipoteticamente seriam motivadores de tal epidemia

    (como os programas de vacinao), no receberam nenhuma validao emprica de estudos

    em grande escala, realizados na Escandinvia, no Japo e nos EUA, entre outros.

    Um achado interessante, envolvendo tanto as amostras clnicas quanto as

    epidemiolgicas, foi o de que a maior incidncia de autismo em meninos do que em

    meninas varia em funo do grau de funcionamento intelectual. Alguns estudos relataram

    propores de at 6,0 ou mais homens para cada mulher, em indivduos com autismo sem

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    dfice cognitivo, ao passo que as propores entre os que tinham dfice cognitivo de

    moderado a grave eram de 1,5 para 1.

    Ainda no est claro porque as mulheres tm uma menor representao na faixa

    sem dfice cognitivo. Uma possibilidade que os homens possuam um limiar mais baixo

    de disfuno cerebral do que as mulheres, ou, ao contrrio, de que um prejuzo cerebral

    mais grave poderia ser necessrio para causar autismo numa menina. De acordo com essa

    hiptese, quando uma pessoa com autismo for uma menina, ela ter maior probabilidade de

    apresentar um dfice cognitivo grave. Vrias outras hipteses foram propostas, incluindo a

    possibilidade de que o autismo seja uma condio gentica ligada ao cromossoma X (o que

    torna os homens mais vulnerveis), mas actualmente os dados ainda so limitados para

    possibilitar quaisquer concluses (Klin, 2006).

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    1.4 AS PERTURBAES ASSOCIADAS

    Dentro das PEA existe um conjunto de problemas frequentemente observados, mas

    que no so considerados elementos essenciais para o estabelecimento do diagnstico.

    Segundo Gillberg (2005), a variante do Autismo Clssico est associada ao dfice

    cognitivo em cerca de 80% dos casos, mas considerando o espectro como um todo, isto ,

    incluindo o Sndrome de Asperger e o Autismo Atpico, de apenas 15%. Por conseguinte,

    o autor relata que a maioria das pessoas com PEA no tem o QI abaixo de 70, o que

    muito importante do ponto de vista do planeamento educacional.

    Segundo o DSM-IV-TR (APA, 2002), os indivduos com perturbaes desta

    natureza tendem a apresentar um vasto leque de sinais comportamentais, incluindo

    hiperactividade, restries a nvel da capacidade de ateno, impulsividade, agressividade,

    comportamentos de auto-agresso e, particularmente nas crianas, birras muito frequentes

    (Marques, 2000).

    Gillberg (2005) refere que, considerando o espectro como um todo, a epilepsia est

    associada s PEA em 7 a 10% dos casos, mas a percentagem sobe para os 35% quando

    falamos apenas em Autismo Clssico. Tambm Gauderer (1997) relatou que

    aproximadamente metade das crianas com comportamento autista sofria igualmente dealguma outra condio grave afectando o sistema nervoso central, tal como espasticidade

    ou epilepsia.

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    1.5 A TRADE DE PERTURBAES DE LORNA WING

    Enquanto a comunicao de Asperger permanecia desconhecida, as observaes de

    Kanner sobre a natureza do autismo eram objecto de debates e de investigao intensa.

    Wing e Judith (citados por Marques, 2000) definiram o autismo como uma sndrome que

    apresenta comprometimentos em trs importantes domnios do desenvolvimento humano:

    na interaco social, na comunicao e na imaginao e compreenso social. Essa trade de

    perturbaes no desenvolvimento, denominada Trade de Lorna Wing, ficou

    mundialmente conhecida e passamos sua explanao com maior detalhe.

    As perturbaes na interaco social referem-se ao comprometimento na

    habilidade de reconhecer os outros seres humanos como tendo caractersticas mais

    interessantes e, potencialmente, mais gratificantes do que o ambiente fsico. A perturbao,

    desde o mais grave isolamento, varia de tentativas para evitar e ignorar o contacto fsico ou

    social com outros, at formas mais brandas, em que as pessoas procuram activamente o

    contacto social, porm de forma unilateral e inadequada (Wing, 1997).

    J as alteraes na comunicao dizem respeito a dificuldades de emisso e de

    compreenso de sinais sociais no verbais, pr-verbais e verbais, diminuio do prazer de

    conversar e, num nvel mais complexo, diminuio do desejo de falar sobre sentimentos ede trocar experincias (apud, 1997).

    Quanto s limitaes na habilidade da imaginao e compreenso social, esto

    relacionadas com a inabilidade de identificar o sentido e o objectivo dos comportamentos

    dos outros. Consequentemente, a imitao dos comportamentos sociais, quando ocorre,

    tende a ser mecnica e extremamente associada ao contexto em causa. Tal

    comprometimento interfere tambm na capacidade de desenvolver a brincadeira de faz de

    conta, pois esta implica o acto de imaginar-se em lugares e papis diferentes, de vivenciarpensamentos e sentimentos existentes apenas num plano imaginrio. Devido a essas

    dificuldades, a brincadeira de faz de conta da criana com autismo assume padres

    estereotipados e repetitivos (apud, 1997).

    De um modo geral, a trade de perturbaes est associada a padres repetitivos de

    actividade, sendo essencial esta recorrncia para o diagnstico de uma perturbao no

    espectro do autismo. Refere-se a padres incomuns de actividades escolhidas

    repetidamente, pela prpria criana. As manifestaes variam muito, mas as alternativasso limitadas, com tendncias marcantes para actividades estereotipadas. No entanto, cabe

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    salientar que a ocorrncia de comportamentos repetitivos isoladamente, no suficiente

    para o diagnstico de autismo. Por exemplo, crianas com dfice sensorial podem

    apresentar estereotipias e comportamentos ritualizados, sem, contudo, apresentarem

    comprometimentos nas demais reas da trade.

    Nem sempre os critrios apresentados por Kanner correspondiam a muitos casos

    observados, porm, existia uma invariabilidade nas trs reas acima referidas. Isto fez com

    que Wing. Inicialmente, adoptasse o term