aultura e suas transformações 119 - policiamilitar.mg.gov.br · descubra mais 117 bibliogrfi 117...
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6 • SUMÁRIO6 •
Capítulo 4 – trabalho e mudanças sociais 89O trabalhador e o trabalho 90
O sentido do trabalho 91
Organização do trabalho no século XX 95
Trabalhador: a chave dos sistemas flexíveis de produção? 100
Novo perfil do trabalhador 102
O trabalho é central na vida em sociedade contemporânea? 105O trabalho em crise 105
Os sindicatos e seus desafios na atualidade 107
O labirinto do mercado de trabalho 110Desigualdades no mercado de trabalho: questões de gênero e étnico-raciais 112
Diálogos interdisciplinares 115
Revisar e sistematizar 116
Descubra mais 117
Bibliografia 117
Capítulo 5 – a cultura e suas transformações 119Comunicação e cultura 120
O que é cultura? 122Cultura e civilização 124O relativismo cultural 126
Nós e os outros 127
Diversidade cultural na sociedade brasileira 132As dinâmicas culturais 136
Mudanças culturais na sociedade global 137
Indústria cultural e práticas sociais 140
A cultura que se mundializa 142
Diálogos interdisciplinares 145
Revisar e sistematizar 146
Descubra mais 146
Bibliografia 147
Capítulo 6 – Sociedade e religião 149A religião como instituição social 150
A religião na visão dos autores clássicos da Sociologia 153Auguste Comte 153Émile Durkheim 154Max Weber 154Karl Marx 155
A religião em tempos de globalização 156
Fundamentalismo religioso 159Desfazendo mitos 160
Conflitos religiosos no mundo 161
A religiosidade no Brasil 164
Diálogos interdisciplinares 167
Revisar e sistematizar 168
Descubra mais 168
Bibliografia 169
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EstudarEmos nEstE capítulo:
que o significado e as características do trabalho variam conforme o tempo e as diferentes organizações sociais. Na so-
ciedade ocidental, por exemplo, a moderna racionalização teve como consequência o aumento da produtividade, do
controle e da subordinação do trabalhador ao processo produtivo. Com as inovações tecnológicas propiciadas pela mi-
croeletrônica, a robótica e a informática, as empresas reestruturam sua produção, introduzindo novas formas de gestão
da mão de obra. Disso resultaram a redução, em diversos setores, do contingente de trabalhadores empregados e a
ampliação dos lucros, às quais se somaram outras formas de flexibilização resultantes das políticas neoliberais. Essas
mudanças implicam alterações no perfil dos trabalhadores e novos desafios às organizações sindicais.
Capítulo 4
Trabalho e mudanças sociais
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90 • capítulo 4
O trabalhador e o trabalho
Eu às vezes fico a pensar
Em outra vida ou lugar
Estou cansado demais
Eu não tenho tempo de ter
O tempo livre de ser
De nada ter que fazer
É quando eu me encontro perdido
Nas coisas que eu criei [...]
Eu acordo pra trabalhar
Eu durmo pra trabalhar
Eu corro pra trabalhar
VALLE, Marcos; VALLE, Paulo Sérgio.
Capitão de indústria. In: OS PARALAMAS do Sucesso.
9 Luas. EMI, 1996. 1 CD.
A letra dessa música nos alerta para o fato de o trabalho poder criar um conflito entre o ser, o ter e o fazer. Muitas dessas questões decorrem de pro-blemas históricos da formação do país e do sistema capitalista. Outras medi-das, mais recentes, como o estabelecimento de metas diárias e prêmios por produtividade, aperfeiçoam os métodos de controle sobre o trabalhador que, intensif icando sua atividade, aumenta a produtividade das empresas; ou seja, em menor tempo e com menos recursos, cresce a produção.
Por estar intensamente integrado ao trabalho, o trabalhador tende a dei-xar de lado aspectos importantes de sua vida, como sugere a música: “Eu não tenho tempo de ter / O tempo livre de ser”. Essa sobrecarga de trabalho não leva em conta as necessidades do indivíduo e de sua família.
Considere-se, por exemplo, as empregadas e os empregados domésticos que pernoitam em seus locais de trabalho, distanciando-se de seus familia-res; ou, ainda, os caminhoneiros que f icam mais de 24 horas sem dormir para cumprir os prazos das entregas e garantir a rentabilidade das empresas que os contratam, pondo em risco suas próprias vidas e as de outros.
Hoje em dia, principalmente nas metrópoles, além de cumprirem a jor-nada normal de trabalho, muitos trabalhadores carregam o notebook (ou uti-lizam o computador pessoal) para terminar tarefas em casa. Os contatos por e-mail ou telefone celular também os mantêm conectados à empresa. O re-frão da música revela essa imposição da rotina de trabalho que interfere nas outras atividades: “Eu acordo pra trabalhar / Eu durmo pra trabalhar / Eu corro pra trabalhar”.
A letra da música remete também às incertezas que rondam o trabalha-dor, seu trabalho e sua vida: “É quando eu me encontro perdido / Nas coisas que eu criei”. As condições de trabalho reduzem o espaço da criati-vidade, do livre pensar, do aperfeiçoamento, e parecem impedir o traba-lhador de viver plenamente. Elas podem levar a um trabalho alienado, aquele em que o trabalhador não se reconhece no produto do seu traba-lho nem consegue apreender o processo de produção como um todo. Ele não se vê como semelhante a outros trabalhadores e não se identif ica com eles. A teoria da alienação, desenvolvida originalmente por Karl Marx, nos
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Trabalho e mudanças sociais • 91
mostra que o trabalhador não se apropria de toda a riqueza que gera no
processo produtivo.
Na imagem ao lado vemos
um pai estadunidense
dividindo-se entre os
cuidados com o filho e as
atividades de trabalho. Essa
imagem exemplifica como
os computadores
ampliaram as
possibilidades de trabalho
para além do espaço da
empresa. Foto de 2010.
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O geógrafo britânico David Harvey (1935-) alerta que, nas condições de
produção capitalista, a socialização do trabalhador envolve o controle social
amplo das suas capacidades físicas e mentais. Ou seja, o controle do traba-
lho, utilizado para f ins de acumulação, envolve elementos organizados não
somente no local de trabalho como fora dele, estimulando a familiarização
do trabalhador com os objetivos da empresa e convencendo-o a participar e
a cooperar com o processo produtivo, estratégias típicas das novas formas de
gestão do trabalho.
O sentido do trabalho
A origem latina da palavra trabalho está rela-
cionada ao tripalium, instrumento de suplício
composto por três estacas. Isso porque, ao longo
da História, o trabalho tem sido relacionado a
esforço físico e cansaço e, em muitas sociedades,
ele constituiu uma obrigação à qual os seres hu-
manos deveriam se submeter. Atualmente, o tra-
balho é necessário para que se obtenha, em tro-
ca, uma remuneração que permita ter uma vida
digna. Mas trabalho é só isso?
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Inicialmente, o tripalium era um
instrumento utilizado na agricultura,
sendo apenas posteriormente
empregado com fins de tortura. Na
foto de 2012, uma réplica.
hh suplício: tortura, punição corporal.
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92 • capítulo 4
O signif icado atribuído ao ato de trabalhar tem variado ao longo do
tempo. Nas antigas Grécia e Roma, por exemplo, a base da mão de obra era
escrava, constituída geralmente por prisioneiros de guerra ou escravizados
por dívida. O trabalho manual era considerado indigno pelas elites, que
usavam os escravos para a produção, dedicando seu tempo às atividades in-
telectuais, políticas e artísticas. Naquelas duas sociedades também não exis-
tia remuneração para o trabalho intelectual, político e artístico. Os proprie-
tários de terras e escravos, que acumulavam riqueza, tornavam-se mecenas
dos intelectuais, f ilósofos e artistas, ou seja, sustentavam-nos com seus bens
para que continuassem produzindo pensamento, obras de arte, peças de
teatro, etc. O trabalho político, por sua vez, era realizado pelos mecenas e
pelos intelectuais, f ilósofos e artistas. Também é importante ressaltar que as
mulheres, salvo exceções, eram excluídas tanto do trabalho político quanto
da f ilosof ia, da arte e da intelectualidade.
Na Idade Média, a sociedade europeia era hierarquizada e os trabalhado-
res, chamados servos, estavam na posição mais baixa da estrutura social. Isso
signif ica que sua função era trabalhar para que as camadas sociais mais altas,
a nobreza e o clero, pudessem se dedicar a outras atividades, como as bata-
lhas e os compromissos ligados à religião. Naquela época, nas sociedades
feudais europeias, o que depois Marx chamou de meios de produção (ou seja,
as ferramentas e recursos necessários para produzir qualquer coisa, desde
alimentos até objetos, máquinas, etc.) já se encontravam concentrados nas
mãos de alguns poucos homens, que transmitiam esses bens por meio de
herança aos f ilhos homens e/ou dotes de casamento aos que desposassem
suas f ilhas. A maioria da população trabalhava para esses proprietários, numa
relação de dominação de classe da qual somos ainda herdeiros.
O momento histórico de transição do regime feudal para o modo de
produção capitalista, incluindo os contextos revolucionários estudados no
capítulo 2, marcou uma fase de profundas transformações institucionais
que resultaram no chamado capitalismo industrial.
Durante a constituição do capitalismo industrial, no século XVIII, f ir-
mou-se o trabalho assalariado, reservado aos indivíduos que não dispunham
de posses (leia-se: de meios de produção). Por isso, eles precisavam vender
ou alugar sua força de trabalho – energia despendida para realizar ativida-
des – em troca de uma remuneração que garantisse seu sustento. No entan-
to, o pagamento que o trabalhador recebe não corresponde ao valor daqui-
lo que ele produziu. Essa diferença, que é apropriada pelo detentor dos
meios de produção, é denominada mais-valia por Marx.
Aos poucos, essa transformação envolveu toda a estrutura da sociedade
que, sendo capitalista, mercantiliza, ou seja, transforma em mercadoria mui-
tas de suas relações sociais, incluindo as de trabalho. O capitalismo, como
um sistema de organização da produção material baseado na propriedade
privada, conjuga capital e trabalho. O capital é o conjunto dos bens e meios
de produção (como as máquinas, as ferramentas, os equipamentos, a terra,
as instalações, o dinheiro, etc.) que são valorizados e multiplicados graças ao
trabalho, físico e/ou mental, realizado por aqueles que, desprovidos dessas
coisas, apenas dispõem de sua força como moeda de troca. Por isso, dizemos
que o trabalho incorpora valor aos bens, ou seja, por meio do trabalho o ser
humano transforma a natureza e a si próprio.
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Trabalho e mudanças sociais • 93
A noção de que o trabalho é uma atividade dignif icante foi construída
historicamente. Na clássica obra A ética protestante e o espírito do capitalismo, Max
Weber mostra de que forma tais ideias impulsionaram o capitalismo em países
protestantes. Antes da Reforma protestante, o catolicismo não valorizava o
trabalho da forma como ele é valorizado hoje. Independentemente de traba-
lhar ou não trabalhar (sustentar-se com o trabalho dos outros, como faziam os
monarcas absolutistas e a nobreza, por exemplo), as pessoas ganhariam o Pa-
raíso, após sua morte, dependendo da relação que tivessem com a prática re-
ligiosa institucionalizada. Com a Reforma protestante, surgiu a ideia de que o
acúmulo de riqueza ao longo da vida garantiria um lugar no céu. Essa mudan-
ça de valores foi acompanhada da luta dos grupos burgueses para se f irmarem
na sociedade. O acúmulo de riquezas e a ascensão social por meio do trabalho
são frutos da mesma disputa. Essa ideologia do trabalho contribuiu e contri-
bui ainda para que os detentores do capital mantenham privilégios.
a sociedade moderna ficou conhecida como a sociedade do trabalho, ou
seja, que se institui e se organiza pelo e para o trabalho.
Por esse motivo, muitos sociólogos discutem hoje se a verdadeira emanci-
pação dos indivíduos não estaria mais ligada ao ócio, ao lazer e ao tempo livre
do que a um domínio maior do próprio trabalho (“desalienação”) e à reali-
zação social pelo trabalho. O francês Paul Lafargue (1842-1911), que, curio-
samente, era genro de Marx, publicou no f inal do século XIX um livro, O
direito à preguiça, criticando justamente o que chamava de “culto ao trabalho”
por parte dos trabalhadores e de alguns f ilósofos socialistas, como seu sogro.
Cerca de um século mais tarde, o antropólogo político francês Pierre Clas-
tres (1934-1977) publicou a famosa obra A Sociedade contra o Estado. Analisan-
do sociedades consideradas “primitivas”, ele recusa a ideia de que o caminho
tomado pelas sociedades europeias, no que diz respeito à concentração de
bens, propriedades privadas e poder econômico e político, seja “natural” e se
aplique à humanidade como um todo. Clastres ressalta que, em diversas socie-
dades estudadas por etnógrafos na Antropologia, o entendimento do “traba-
lho” e da “produção” são tais que não existe nem o trabalho individual nem o
Ao lado, xilogravura de
Heinrich Leutemann, do
século XIX, que mostra a
alimentação de escravos
romanos. Na Antiguidade,
o trabalho manual era
considerado indigno para
as classes dominantes.
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Trabalho e mudanças sociais • 95
Organização do trabalho no século XX
As crises econômicas, que de tempos em tempos assolam a sociedade
capitalista, promovem alterações nas formas de produzir e de controlar o
trabalho. Em parte do século XX, predominou em nossa sociedade, ainda
que não de modo uniforme, um sistema específ ico de produção denomina-
do fordismo.
O fordismo consiste em um sistema de produção em massa cuja palavra-
-chave é padronização (tanto das tarefas quanto do produto). Esse sistema
que articula inovações técnicas e organizacionais visando à otimização da
produção e ao consumo em massa foi empregado por Henry Ford (1863-
-1947) em sua fábrica de automóveis, sediada em Detroit (Estados Unidos),
nas primeiras décadas do século XX. Por meio da criação de linhas de mon-
tagem, nas quais os operários f icavam parados enquanto as peças se movi-
mentavam em esteiras rolantes, cada trabalhador executava apenas uma eta-
pa do processo de trabalho.
O taylorismo, sistema ao qual o fordismo é constantemente associado, foi
desenvolvido pelo engenheiro norte-americano Frederick Winslow Taylor
(1865-1915), no início do século XX, também com vistas a otimizar a produ-
ção. Os trabalhadores são treinados para a alta produtividade mediante o uso
ef iciente do tempo, a divisão de atividades, a separação entre concepção e
execução das tarefas, a economia de movimentos exercidos em cada função.
Essa racionalização científ ica do tempo e dos movimentos leva à especializa-
ção e à intensif icação do ritmo de trabalho.
O consagrado f ilme de Charles Chaplin, Tempos modernos, retrata de ma-
neira instigante o trabalho de tipo fordista-taylorista, ao mesmo tempo que
demonstra suas consequências para os indivíduos.
hh otimização: forma de obter melhores
condições para algo. No contexto de
produção, significa produzir mais em
menos tempo ou com menos recursos.
O filme Tempos modernos (1936), de Charles Chaplin, expressa uma crítica à produção fordista, que torna o
trabalho repetitivo, monótono e alienante.
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96 • capítulo 4
Nos anos 1960 e 1970, ocorreram importantes mudanças no âmbito do trabalho. Para adaptarem-se às oscilações do mercado, as empresas implan-taram um conjunto de inovações tecnológicas (derivadas da informática e da robótica) e organizacionais que alteraram a maneira de gerir o trabalho.
A introdução de máquinas, equipamentos, programas, processos e novas formas de administrar os empregados levou à diminuição geral dos custos, a um maior controle sobre os trabalhadores e à redução de mão de obra utili-zada – correspondendo ao que se convencionou chamar produção enxuta. Nesse modelo de produção, de origem japonesa, também denominado toyotismo, o processo de trabalho é fl exibilizado: a mão de obra é multifun-cional, ou seja, deve se adequar a diferentes funções; há controle visual da produção, com a supervisão de todas as etapas, buscando a qualidade do produto f inal; e a produção é estabelecida segundo a demanda e a necessi-dade de produtos personalizados. Inaugura-se um tempo de grande fl exibi-lidade não apenas na produção, mas também nas relações sociais e do traba-lho, nas bases econômicas e geográf icas.
Essa reorganização da produção, baseada na inovação de equipamentos, na fl exibilidade de tempo e de mão de obra, na redução do custo e no con-trole da qualidade, é denominada reestruturação produtiva. Desenvolvida nos países centrais nas décadas de 1970 e 1980, ela chegou ao Brasil com intensidade nos anos 1990, período marcado por ajustes políticos e sociais nas relações de trabalho. É importante conhecer as alterações que aconte-cem nas relações de trabalho, uma vez que essas se compõem de um conjun-to de leis e normas sociais que regulam a compra e a venda da força de tra-balho e também os confl itos que delas resultam.
A maneira de produzir transitou da rigidez das formas de organização taylorista-fordistas, nas quais cada homem detinha um posto de
trabalho e uma máquina, para a fl exibilização na produção, no trabalho e nos mercados. Isso não signif ica que a pro-
dução fordista tenha desaparecido. Essas formas de produção coexistem e, muitas vezes, em uma mesma
empresa, combinam-se elementos do fordismo, do taylorismo e de sistemas fl exíveis de produção.
Presente na indústria e nos serviços, a pro-dução fl exível acontece por encomenda, uti-
liza técnicas que produzem mais em menos tempo e com menor número de traba-
lha dores, diferenciando-se da produ -ção fordista, que é baseada na pro-
du ção em massa e com altos níveis de estoque. Algumas dessas mu-
danças podem ser vistas noquadro a seguir, em que são comparadas as principais ca-racterísticas dos dois sistemas de produção, em países de ca-pitalismo avançado.
Salmo Dansa/Arquivo da editora
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Trabalho e mudanças sociais • 97
O sistema de produção taylorista-fordista e o sistema de produção flexível
Aspectos
considerados
Sistema taylorista-fordista de produção
Predominante no período de 1930 a 1970
Sistema de produção flexível
Predominante a partir da década de 1970
Mercado – Objetiva o consumo de massa – Objetiva atingir nichos específicos de mercado
Produção – Produção em massa
– Rigidez e controle das etapas
– Integração vertical, ou seja, todas as partes do
produto são fabricadas na mesma empresa
– Utilização de mão de obra intensiva
– Produção especializada
– Produção flexível em relação à organização e ao
trabalho
– Terceirização: transferência de parte da produção
para outras empresas, constituindo redes
integradas de empresas
– Redução dos postos de trabalho
Organização do
trabalho
– Tarefas mecânicas, fixas e bem definidas
– Hierarquização de cargos e salários
– Fixação do trabalhador no posto de trabalho,
exercendo uma única função
– Disciplinarização e controle do trabalhador
– Contrato de trabalho formal por tempo
indeterminado
– Flexibilidade e multifuncionalidade
– Redução das hierarquias internas
– Trabalho em equipe; rodízio de tarefas, funções
genéricas
– Intensificação do controle sobre o trabalhador
por meio de equipamentos e autocontrole
– Diversificação das formas de contrato de trabalho
(autônomo, por produção, por tempo
determinado, etc.)
Inovações
técnicas e
organizacionais
– Administração científica e centralizada
da produção
– Linhas de montagem e esteiras rolantes no
processo produtivo
– Produção em série
– Separação entre a concepção e a execução do
trabalho
– Administração científica
– Organização da produção com tecnologia de
base microeletrônica e células de produção
associadas à linha de montagem
– Produção por demanda
– Automação e robotização; integração entre
empresas
– Relativa integração entre concepção e execução
do trabalho; responsabiliza o trabalhador pelos
equipamentos e pela qualidade do produto;
programas de participação do trabalhador
(círculos de qualidade, sugestões, etc.)
Fábricas – Grandes estruturas de produção exigem elevados
investimentos
– Concentração da produção em um único espaço
– Concentração da produção e das decisões
– Fábricas espalhadas pelos mercados mundiais
– Reorganização do espaço físico das empresas
– Descentralização da produção, apenas com
decisões centralizadas na matriz
Perspectiva do
trabalhador
– Emprego estável, protegido
– Distribuição dos ganhos de produtividade por
meio dos salários
– Grandes contingentes de trabalhadores
– Rígido controle de tarefas
– Remuneração salarial regular
– Crescimento da subcontratação e da consultoria
– Redução do número de trabalhadores protegidos,
o que causa a precarização do trabalho
– Novas formas de organização industrial e retorno
de formas antigas, como trabalho em domicílio,
por tempo parcial, entre outras
– Intensificação do ritmo de trabalho
– Novas ferramentas de controle do trabalho
– Introdução de formas de remuneração variáveis,
como prêmios por produtividade e participação
nos resultados
Adaptado de: HARVEY, David. Condição pós-moderna. São Paulo: Loyola, 1993; CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
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98 • capítulo 4
Embora a forma como é organizada a produção não dependa do Estado,
este exerce um papel no desenvolvimento da economia. Assim, no sistema
taylorista-fordista de produção há maior intervenção do Estado na econo-
mia: ele regulamenta as negociações entre capital e trabalho, oferece forma-
ção técnica ao trabalhador e regula as atividades capitalistas e de interesse
nacional. Quando a produção se tornou mais flexível, o Estado tendeu a
reformular seu papel, buscando atrair investimentos externos e legislar pela
desregulamentação e/ou flexibilização das relações de trabalho.
Os sistemas flexíveis reduzem os estoques ao aprimorarem a logística
interna e externa das empresas, por meio da organização de transportes e
de abastecimento. Com essa reestruturação da produção, o capital se prepa-
ra para enfrentar crises, concorrência, oscilações econômicas e impasses téc-
nicos, além de poder regular o uso da força de trabalho em face de tantas
mudanças. Essa flexibilização pode ser compreendida como:
[...] a possibilidade de alteração da norma como forma de ajustar as condições
contratuais, por exemplo, a uma nova realidade, a partir da introdução de inovações
tecnológicas ou de processos, que podem ser negociados legitimamente entre os
atores sociais ou impostos pelo poder discricionário da empresa, ou ainda através
da atuação do Estado. Assim, em princípio, a flexibilidade pode significar a depres-
são dos direitos com a finalidade de redução dos custos. Por outro lado, ela pode ser
uma forma de adaptar as equipes e os processos produtivos às inovações tecnoló-
gicas ou à mudança de estratégia da empresa, investindo e capacitando os recursos
humanos ou até melhorando as condições de trabalho.
KREIN, José Dari. O aprofundamento da flexibilização das relações de trabalho no Brasil nos anos 90.
Campinas: Ed. da Unicamp, 2001, mimeo. (Dissertação de Mestrado). p. 28.
Ser flexível signif ica realizar diferentes tarefas e fabricar diversas merca-
dorias na mesma linha de produção, como quando variados modelos de
carros são produzidos simultaneamente. Aliás, a indústria automobilística e
o setor bancário são exemplos de ra-
mos em que foram implantados siste-
mas flexíveis de produção. Na indústria
de veículos, a introdução de equipa-
mentos de microeletrônica e robótica
trouxe para os trabalhadores maior
responsabilização pelo processo de tra-
balho e pelos resultados da produção.
A informatização do trabalho agilizou
as atividades bancárias, fazendo com
que um mesmo funcionário concen-
trasse mais tarefas.
A revolução microeletrônica possi-
bilitou a informatização do controle da
produção, a agilização das compras e
do fluxo f inanceiro, além da gestão
planejada de todos os recursos, incluin-
do o chamado “recurso humano”.
hh logística: área que se ocupa do plane-
jamento e da organização dos proces-
sos envolvidos em uma dada operação.
hh discricionário: isento de restrições,
independente de regras.C
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Funcionários trabalham em linha de montagem de fábrica de automóveis em
Chongqing, na China, em 2012. Atualmente, em muitas fábricas do setor
automotivo, parte dos trabalhadores é substituída por máquinas e robôs.
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Trabalho e mudanças sociais • 99
O uso desses sistemas tecnológicos integrados permite controlar a pro-
dução com acelerada comunicação e transferência de dados em tempo real.
a chamada terceira Revolução tecnológica, ocorrida nos anos 1970,
automatizou o trabalho e introduziu a informática e a robótica, desenvolvendo
a capacidade de acumular, armazenar, processar e distribuir informações.
Outro recurso bastante comum nos dias de hoje, a comunicação on-line
permite que o capital seja investido e transferido de diversas partes do mun-
do em tempo real, o que o torna mais volátil. Tal cenário, denominado
f inanceirização do capital, indica que o capital f inanceiro exerce um papel
supervalorizado na sociedade contemporânea: ele movimenta os negócios e
gera riquezas, sem necessariamente aumentar a produção de bens.
As políticas governamentais dos países em desenvolvimento, influencia-
das pela ideologia política neoliberal, procuraram atrair recursos vindos dos
países mais ricos (via bolsa de valores) para o seu
desenvolvimento nas últimas décadas do século
XX. Esses investimentos externos nem sempre
foram aplicados na produção de bens e de servi-
ços locais, desvinculando-se da necessidade de
criar empregos, distribuir renda e ampliar o
mercado consumidor. Com isso, ocorreu maior
concentração de riqueza, com uma minoria da
população consumindo parte signif icativa da
produção e a maioria tendo acesso restrito aos
bens produzidos.
Brendan McDermid/Reuters/Latinstock
Corretores trabalham na Bolsa de
Valores de Nova York, nos Estados
Unidos, em fevereiro de 2013.
Neoliberalismo
O neoliberalismo é um movimento político e teóri-
co que concebe a sociedade assentada na liberdade
dos indivíduos e de funcionamento do mercado. Inspi-
rado no liberalismo clássico, que defende um capitalis-
mo livre de regras, o neoliberalismo rejeita a interven-
ção do Estado na economia e valoriza a superioridade
do mercado na vida social, incentivando a concorrên-
cia e a liberdade de iniciativa como mecanismos capa-
zes de assegurar a soberania do consumidor, o cresci-
mento da riqueza e o desenvolvimento humano.
Considerado como ideologia política da classe
que detém o capital na globalização, o neoliberalismo
não implica “negar” o papel central do Estado na eco-
nomia capitalista, mas reconstituí-lo segundo a lógica
das corporações transnacionais, analisa o sociólogo
brasileiro Giovanni Alves. Nesses termos, cabe ao Esta-
do manter o equilíbrio entre os preços das mercado-
rias e dos salários e atentar para temas como a redu-
ção dos gastos públicos.
No Brasil, as ideias neoliberais passaram a ter in-
fluência nas políticas governamentais na década de
1990, inaugurando um novo padrão de desenvolvi-
mento capitalista identificado principalmente com
um conjunto de medidas econômicas, como a redu-
ção da atividade econômica do Estado (por meio da
privatização de empresas estatais), a abertura comer-
cial, a reestruturação das políticas sociais e a desregu-
lamentação financeira e do mercado de trabalho.
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100 • capítulo 4
Com relação ao capitalismo f inanceiro com forte caráter especulativo
que tem prevalecido, vale lembrar que, no f inal dos anos 2000, a economia
mundial sofreu um forte abalo provocado pela crise f inanceira e imobiliária
ocorrida nos Estados Unidos. As consequências nos anos seguintes atingi-
ram os países da União Europeia e os chamados emergentes, desdobrando-
-se numa grave crise político-econômica com reflexos em diferentes setores,
levando milhões de trabalhadores de todos os níveis de escolaridade e qua-
lif icação ao desemprego.
hh especulativo: que se aproveita da
oscilação do mercado financeiro para
obter lucro rápido.
Orlando Pedroso/Arquivo da editora
a partir dos anos 1980, a política econômica neoliberal avançou em muitas
partes do mundo visando garantir amplas liberdades ao mercado, o que, em
contrapartida, afetou a regulação do trabalho.
Trabalhador: a chave dos sistemas flexíveis de produção?
A tendência de flexibilizar a produção, o trabalho e os produtos perpas-
sa todas as esferas da sociedade e a própria vida dos indivíduos, do mercado
de trabalho aos padrões de consumo, analisa André Gorz. Com o intuito de
atingir outros mercados, surgem novos setores de produção e as empresas
intensif icam os investimentos em inovações comerciais, tecnológicas, mer-
cadológicas e organizacionais, aspectos fundamentais do fenômeno que Da-
vid Harvey denomina acumulação flexível.
As condições de trabalho tornam-se precárias devido à redução do
número de trabalhadores contratados e a sua incorporação como terceiriza-
dos à cadeia produtiva – nome dado ao conjunto de unidades que atuam de
forma integrada na produção, distribuição e comercialização das mercado-
rias. Os trabalhadores flexíveis têm menor remuneração e os empresários se
desobrigam de alguns encargos sociais, contratando-os sem proteção nem
garantias de estabilidade no cargo ou assistência social. Os estagiários exem-
plif icam esses trabalhadores que podem ser dispensados mais facilmente
pelas empresas, que os contratam, muitas vezes, em substituição a trabalha-
dores efetivos com melhores condições salariais.
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Trabalho e mudanças sociais • 101
Terceirização
Terceirização é o recurso mediante o qual uma empresa (em geral, de grande porte) transfere a res-ponsabilidade de serviços ou de atividades produti-vas para uma empresa “terceira”. Essas atividades po-dem ser feitas no interior da empresa contratante ou fora dela.
Em geral, as terceirizadas assumem funções auxi-liares nas empresas contratantes, como limpeza, segu-rança, cozinha, transporte, ou fornecem componentes prontos (por exemplo, fornecendo peças para uma indústria automotiva). Porém, muitas vezes há a ter-ceirização da atividade-fim, ou seja, a atividade funda-mental da empresa contratante. É o que acontece, co-mo exemplifica o sociólogo brasileiro Sandro Ruduit Garcia, quando uma empresa prestadora de serviços
de telecomunicações transfere para outras empresas as tarefas de instalação de terminais telefônicos.
Reflexo da pressão, cada vez maior no capitalismo contemporâneo, pela redução de gastos e aumento de lucros, a terceirização contribui para a precarização das condições de trabalho e de salários. Em alguns ca-sos, as terceirizadas oferecem salários abaixo da média a seus funcionários, a fim de se mostrarem competiti-vas e serem contratadas. Em outros, para dar contor-nos de legalidade ao trabalho de indivíduos sem regis-tro, as contratantes exigem que o trabalhador abra uma empresa, a qual teria seus serviços contratados. Nesses casos, além de ficar desprovido dos direitos trabalhistas, o trabalhador precisa arcar com as despe-sas de manutenção de uma empresa.
A legislação trabalhista brasileira assegura uma série de direitos: carteira de trabalho assinada, exames médicos de admissão e demissão, repouso se-manal remunerado, salário pago até o quinto dia útil do mês, licença-mater-nidade, aviso prévio de trinta dias (em caso de demissão), seguro-desempre-go e outros. Porém, devido à pressão das empresas, nas últimas décadas do século XX, os governos do Brasil e de outros países criaram medidas para adequar o trabalho à produção flexível, alterando, para isso, os direitos do trabalhador. Sob influência do neoliberalismo, de crises econômicas e do índice de desemprego, os setores empresariais passaram a acusar o Estado de “excesso de proteção ao trabalhador”, tomando isso como obstáculo para novos negócios.
As políticas de trabalho neoliberais adotadas traduziram-se numa série de leis e medidas favoráveis à flexibilização dos contratos de trabalho, dando maior liberdade às empresas para determinar as condições de contratação, de remuneração, de utilização e mesmo de demissão da mão de obra do trabalha-dor. Esse processo atingiu os trabalhado-res brasileiros de maneira contundente, principalmente nos anos 1990.
Como consequência da flexibilização das relações de trabalho, diminuiu a prote-ção social do trabalhador e aumentaram a instabilidade e a insegurança no mercado de trabalho, com alterações na previdên-cia social, no auxílio-saúde e em outros be-nefícios. Alguns direitos trabalhistas previs-tos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) – como 13º- salário, descanso sema-nal remunerado, férias, salário-família e outros – se mantêm regulados pelo Estado.
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A carteira de trabalho é o documento em que fica registrado o contrato formal de trabalho no Brasil. Foto de 2010.
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102 • capítulo 4
A Justiça do Trabalho continua a regular e a f iscalizar as relações de traba-
lho, embora certos direitos consagrados já sejam negociados entre empre-
gado e empregador, como é o caso da jornada de trabalho, da hora extra
e dos salários. Exemplos de fl exibilização são a modalidade de contratação
por prazo determinado e a adoção do sistema de compensação de horas
extras por meio de uma lei de 1998, que permite que as horas trabalhadas
fora do expediente sejam computadas em um banco de horas, para poste-
rior compensação.
Horas extras e banco de horas
Pela CLT, as horas trabalhadas além de oito horas diárias são caracterizadas como horas extras. Nessa condição, está previsto o pagamento de 50% a mais
do valor normal da hora-trabalho de segunda-feira a sábado e, aos domingos ou feriados, o acréscimo pas-sa a 100%. Para evitar esse pagamento adicional, as
empresas computam essas horas a mais para serem compensadas na forma de folgas, nos momentos de queda da produção. É um modo de estender a jornada de trabalho quando cresce a demanda e de diminuí-la em épocas de pouco movimento, expondo os trabalha-dores às chamadas forças do mercado.
Novo perfil do trabalhador
Na atualidade, além de realizar as tarefas que lhe cabem diretamente,
muitos trabalhadores se ocupam com a manutenção dos equipamentos
que usam para trabalhar, observam as metas estabelecidas pela empresa,
assumindo o compromisso de concretizá-las, cooperam com os colegas
da equipe e também são corresponsáveis pela qualidade f inal do produ-
to, cujo controle se inicia já na concepção do processo de produção. Pa-
ra atender a esses requisitos, valoriza-se um novo perf il de trabalhador,
escolarizado e com conhecimento tecnológico. São-lhe cobradas habili-
dades como trabalhar bem em equipe, adaptar-se facilmente às mudan-
ças, ser criativo, mostrar empenho e iniciativa para resolver imprevistos,
além de acompanhar as mudanças na produção de bens e na prestação
de serviços.
Nesse contexto, as exigências das empresas quanto à formação dos prof is-
sionais aumentaram e a preferência recai, em sua maioria, sobre prof issio-
nais com conhecimentos de informática e domínio de língua estrangeira.
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Direitos trabalhistas que eram garantidos aos trabalhadores há muito tempo hoje não são mais tão certos, como podemos observar na charge de Bruno Galvão, de 2008.
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Trabalho e mudanças sociais • 103
Para alguns trabalhos é exigida formação superior. A busca de qualif ica-ção e de formação permanentes é até incentivada pelas empresas que, estra-tegicamente, selecionam os trabalhadores com mais credenciais, ainda que o cargo ou função não necessite disso. Algumas formas de as empresas pes-quisarem sobre jovens talentos para prof issões de nível universitário é a sele-ção deles na condição de estagiários e a contratação de trainees, prof issionais formados que passam por “aprendizado em serviço”, concorrendo com os efetivos em busca de vagas.
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Na imagem, jovens de Belo Horizonte, Minas Gerais, em aula de informática, em 2011. Nos dias de hoje, os trabalhadores precisam se capacitar constantemente para conseguir (e manter) um posto razoável no mercado de trabalho formal.
Com o objetivo de aumentar a produção, as empresas adotam progra-mas, como sistemas de controle de qualidade, sistemas de melhoria contí-nua e treinamentos comportamentais, que favorecem o trabalho em equipe e o atingimento de metas corporativas. Durante esses programas e treina-mentos os trabalhadores dão sugestões, testam suas habilidades e realizam projetos. Essas modernas técnicas de gestão do trabalho convocam o traba-lhador a aderir às estratégias mercadológicas da empresa e a assumir suas tarefas como uma missão.
Na prática, isso faz com que os trabalhadores precisem desempenhar várias tarefas: o bancário, por exemplo, que antes era operador de caixa, agora também vende seguros, títulos e produtos f inanceiros, sendo exigidos dele, para tanto, habilidades de venda, capacidade de gerenciamento, com-preensão do mercado f inanceiro e aptidão para oferecer atendimento per-sonalizado, além do cumprimento de metas.
Charge de Bruno Galvão retratando a multifuncionalidade exigida dos trabalhadores nos dias atuais. Charge de 2010.
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104 • capítulo 4
Sob influência das estratégias flexíveis de trabalho praticadas pelas em-
presas, o funcionário precisa desenvolver novas competências, qualif icar-se
constantemente, estar física e emocionalmente saudável e engajar-se nos ob-
jetivos da organização. Reforça-se, assim, a chamada individualização no tra-
balho, processo que transfere para o trabalhador a responsabilidade de
manter-se empregado.
A nova geração de trabalhadores multifuncionais trabalha mais horas e
em um ritmo mais intenso. O controle do tempo de trabalho, agora, está
incorporado aos equipamentos e às máquinas, nas empresas e fora delas. Os
trabalhadores podem ser chamados a qualquer momento para tarefas de
emergência, disponibilizando seu tempo livre para o trabalho. Essa nova
modalidade emergiu com o advento dos computadores e da internet e a
popularização das linhas telefônicas móveis: é o teletrabalho.
A precarização do trabalho signif ica, entre outras coisas, instabilidade
em suas condições gerais e mudanças na atividade laboral, como ritmos in-
tensif icados, aumentos exagerados da jornada diária, situações física e psico-
logicamente extenuantes para o trabalhador. Também caracterizam o traba-
lho precário a introdução de novas regras salariais, como a remuneração
variável, que combina um salário f ixo e um ganho extra variável, de acordo
com a produtividade do funcionário. Há ainda as alterações contratuais
que, ao facilitarem os trâmites e a burocracia para a demissão de emprega-
dos, como é o caso dos chamados temporários, aumentam a sensação de
insegurança no trabalhador.
Teletrabalho: mais trabalho?
No contexto da Revolução Industrial, o trabalho
realizado pelo trabalhador em sua casa era uma mo-
dalidade amplamente difundida. Todos os membros
da família se envolviam na produção das mercado-
rias, ainda que não estivessem diretamente ligados
a ela. As fronteiras entre trabalho e família quase
inexistiam.
Devido à concentração do capital, à expansão
da grande indústria, à ampliação do trabalho assa-
lariado e às conquistas trabalhistas, o trabalho em
domicílio tenderia a desaparecer. O espaço do tra-
balho já não se confundia com a moradia do traba-
lhador: instrumentos de trabalho, máquinas e equi-
pamentos integravam o ambiente próprio para as
atividades laborais – o escritório, a fábrica, a loja, a
oficina, etc.
Entretanto, desde as últimas décadas do século
XX, essa distância física foi quebrada com o avanço
das tecnologias de informação e comunicação (TICs):
surgiram os trabalhadores a distância, conectados ao
negócio por meio dos computadores, muitas vezes
instalados em domicílio.
A ideia de trabalho eletrônico data dos anos 1970,
quando a crise do petróleo trouxe a necessidade de
economizar combustível e a preocupação com os des-
locamentos para o local da empresa. O teletrabalho
era apresentado com as vantagens de maior convi-
vência familiar.
Por demandar competências específicas do tra-
balhador, alterações nas formas contratuais, no horá-
rio e no tempo de trabalho, e não apenas no local, o
teletrabalho apresenta-se como a flexibilização por
excelência, sobretudo do vínculo do emprego e de
suas garantias. Diversas pesquisas discutem as van-
tagens e as desvantagens dessas “novas” formas de
trabalho.
É importante ressaltar que o teletrabalho é mais
comum em ocupações ligadas ao trabalho intelectual,
em geral executado pelas classes médias e altas da so-
ciedade brasileira. Ele pressupõe que o trabalhador
tenha infraestrutura em sua casa, como internet via
banda larga e um computador pessoal dedicado ao
trabalho, além do domínio da língua escrita e de re-
cursos da informática.
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Trabalho e mudanças sociais • 105
O trabalho é central na vida em sociedade contemporânea?
As mudanças no mundo do trabalho nas últimas décadas levaram cientis-tas sociais europeus a questionar se o trabalho ainda detinha uma posição central na organização da vida social. Para alguns, como o alemão Jürgen Habermas, conceitos como trabalho e capital tinham perdido espaço para ou-tros como informação e conhecimento. Habermas considera que é o plano do sim-bólico (propiciado pela comunicação) que organiza a vida social na contem-poraneidade, enquanto o trabalho garantiria apenas a subsistência.
Essa posição foi rejeitada por autores como o sociólogo brasileiro Ricar-do Antunes (1953-). Para ele, o trabalho ainda é essencial para a organiza-ção da sociedade, pois continua sendo responsável pela produção tanto de riquezas (apropriadas pelos capitalistas) quanto de sentido simbólico (para os trabalhadores).
As transformações decorrentes das novas tecnologias também levaram pensadores a questionar o futuro do trabalho material. Autores como os italianos Antonio Negri (1933-) e Maurizio Lazzarato (1955-) e o norte-ame-ricano Michael Hardt (1960-) acreditam que as características dos sistemas flexíveis de produção permitem a libertação do trabalho material. Para eles, nas formas flexíveis o trabalhador, sem a incumbência de tarefas mecânicas do fordismo-taylorismo, pode intervir diretamente no processo de trabalho e recuperar sua autonomia.
o trabalho é um dos principais fatores estruturantes das relações sociais, e
compartilha essa condição com outras dimensões da vida, como o consumo
e o lazer.
Vale destacar, porém, as duas principais críticas a essa visão. A primeira, feita por pensadores marxistas, é a de que o trabalhador flexível é ainda mais explorado e gera uma mais-valia ainda maior para o capitalista. A se-gunda é a de que nem mesmo nos países do capitalismo central, como os Estados Unidos, o Japão e os da Europa Ocidental, o trabalho material está perto de desaparecer – vide setores como a construção civil.
hh O trabalho em crise
É fato que a sociedade contemporânea continua se estruturando, em boa medida, pelo trabalho organizado socialmente. O desenvolvimento de moder-nas tecnologias de automação, comunicação e de informática reduziu o uso do trabalho humano, mas não o substituiu. Em alguns casos, por sinal, gerou a necessidade de novas funções assalariadas, como nas áreas de tecnologia da informação, informática e serviços. Continuamos a ser uma sociedade produ-tora de mercadorias, bens e serviços que são trocados continuamente.
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Acima, charge de Jean sobre a crise mundial e o desemprego.
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106 • capítulo 4
Persiste, no entanto, a preocupação com o futuro do trabalho. Basta
notar a diminuição do número de trabalhadores formais em um mundo em
que a população dobrou em pouco mais de 20 anos, para se ter ideia do
cenário atual. Enquanto o tempo de trabalho se estende para alguns poucos
trabalhadores multifuncionais, milhões de outros indivíduos f icam desem-
pregados. De que viverão as pessoas que não encontrarão emprego quando
os sistemas flexíveis de trabalho predominarem?
Desenha-se, assim, um quadro de desemprego estrutural, ou seja, resul-
tante das mudanças na estrutura mesma da economia. Nas situações de de-
semprego estrutural, o número de pessoas sem emprego mantém-se, no lon-
go prazo, muito acima da quantidade de vagas disponíveis.
Esse processo não se limita à esfera industrial e urbana. Pelo contrário:
no campo, a mecanização agrária e o desenvolvimento de técnicas e insu-
mos visando aumentar a produtividade na agricultura e na pecuária f izeram
com que se produzisse cada vez mais com cada vez menos trabalhadores.
O Brasil, grande produtor e exportador de produtos agropecuários, foi um
dos países mais afetados por esse processo.
Enquanto os grandes proprietários de terras contratam menos traba-
lhadores porque investem em tecnologia e maquinário, os pequenos pro-
prietários veem-se sem condições de compe-
tir com os grandes produtores, pois não têm
como f inanciar máquinas e insumos. Assim,
nas últimas décadas, milhares de trabalhado-
res rurais e pequenos agricultores trocaram
o meio rural pela busca por emprego nas
médias e grandes cidades.
Trabalho, emprego e desemprego
Os termos trabalho e emprego são usados, mui-
tas vezes, como sinônimos, mas nem sempre isso é
correto.
Emprego se refere ao vínculo de trabalho em
qualquer tipo de atividade econômica; designa o pos-
to ocupado por um trabalhador que realiza atividade
remunerada formal, regulamentada, e que pode ser
assalariado, autônomo ou prestador de serviços. Tra-
balho é qualquer atividade que transforme a natureza
ou produza bens e serviços, independentemente da
existência de contrato formal.
Segundo essa distinção entre trabalho e empre-
go, podemos interpretar a realidade que vivemos da
seguinte forma: enquanto o emprego, mais estável e
seguro, típico da era fordista, tende a decrescer em
termos relativos (quando comparado ao crescimento
do emprego precário e instável), pode-se afirmar que
o trabalho não corre o risco de desaparecer, já que se
trata da condição para a reprodução da própria vida,
segundo Karl Marx.
Desemprego é a situação em que não existem va-
gas remuneradas suficientes para o total de trabalha-
dores disponíveis e que estão em busca de emprego.
Em períodos de crise econômica, o decréscimo do em-
prego pode acontecer de forma rápida e atingir gran-
des dimensões, mesmo em países desenvolvidos, co-
mo aconteceu com os países europeus em período
recente.
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Colheitadeiras em plantação de soja no
município de Campo Novo do Parecis, Mato
Grosso, em 2012. As máquinas reduziram a
necessidade de mão de obra no campo.
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Trabalho e mudanças sociais • 107
pausa para rEflEtir
Leia os fragmentos abaixo e depois responda por escrito às questões propostas.
TexTO 1
O processo da reengenharia nas corporações está apenas começando e o de-
semprego já está aumentando [...]. Um levantamento recente de desenvolvimento
e de tendências tecnológicas nos setores agrícola, industrial e de serviços sugere
que o mundo quase sem trabalhadores está se aproximando rapidamente e pode
chegar muito antes de a sociedade ter tempo suficiente, tanto para discutir a abran-
gência de suas implicações quanto para preparar-se para seu impacto total.
RIFKIN, Jeremy. O fim dos empregos. São Paulo: Makron Books, 1995. p. 113.
TexTO 2
Em resumo, parece que, como tendência geral, não há relação estrutural siste-
mática entre a difusão das tecnologias da informação e a evolução dos níveis de
emprego na economia como um todo. Empregos estão sendo extintos e novos em-
pregos estão sendo criados, mas a relação quantitativa entre as perdas e os ganhos
varia entre empresas, indústrias, setores, regiões e países em função de competitivi-
dade, estratégias empresariais, políticas governamentais, ambientais, ambientes
institucionais e posição relativa no mercado global.
CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. 3. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2000. v. 1. p. 284.
1. Os autores têm posições semelhantes? O que os aproxima e o que os distingue?
2. Pensando na realidade social brasileira, como você avalia essas duas teses?
3. Levando em consideração tudo o que vimos até agora no capítulo, você diria que
os seres humanos podem viver sem trabalho? Por quê?
Os sindicatos e seus desafios na atualidade
O trabalhador contemporâneo vive no contexto de transição do trabalho
regulamentado e duradouro para formas de negação do trabalho-emprego,
sua escassez e precarização. Essa situação é reforçada por múltiplas estratégias
que individualizam o trabalhador: ele se torna flexível, clandestino, desloca-
do de estruturas sindicais de defesa, com reduzidos direitos sociais e políticos.
Os sindicatos – entidades nascidas para organizar os trabalhadores, encami-
nhar suas reivindicações e representar seus interesses junto aos empregadores
– tiveram seu poder de pressão reduzido. As mudanças no mundo do trabalho,
decorrentes das políticas neoliberais, interromperam o processo de conquista
de direitos e de ampliação da cidadania no país. Assim, hoje os sindicatos en-
frentam desaf ios para garantir os direitos já alcançados pelos trabalhadores.
Trabalhadores metalúrgicos no
Paraná fazem paralisações e
discutem melhoria de salário
durante assembleia realizada em
2011, em São José dos Pinhais.
Albari Rosa/Gazeta do Povo/Futura Press
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108 • capítulo 4
São desaf ios sindicais: combinar estratégias de proteção do emprego e
melhoria das condições de trabalho; responder ao cenário de flexibilidade
e estimular a construção de identidades coletivas; posicionar-se com relação
à reestruturação produtiva e garantir a negociação coletiva, ou seja, a regu-
lação conjunta, entre empresários e trabalhadores, dos termos e das condi-
ções do emprego.
Um dos problemas enfrentados pela organização sindical é que ela tem
representado majoritariamente os trabalhadores efetivos ou formais, isto é,
aqueles que têm vínculo formal, carteira de trabalho assinada, pertencendo
of icialmente a determinada categoria ou empresa.
Há, porém, um segmento não organizado do mercado de trabalho, ou
seja, que está na informalidade. Os trabalhadores desse grupo, que estão nas
pequenas empresas ou trabalham por conta própria, vivem sem registro e/
ou remuneração f ixa e direitos trabalhistas, são facilmente substituídos e
f icam mais tempo desempregados. No Brasil, em 2011, 45,4% dos trabalha-
dores brasileiros em idade produtiva estavam na informalidade, de acordo
com o IBGE – índice bem menor que o de 55,3%, constatado dez anos an-
tes, mas ainda assim muito elevado.
Muitos dos trabalhadores informais encontram-se submetidos a péssimas
condições de trabalho e recebem baixíssimos salários. Esse é o caso dos car-
voeiros, no Brasil, e de trabalhadores de outros setores, alguns dos quais vi-
vendo em regime semelhante ao de escravidão em pleno século XXI.
Já os trabalhadores terceirizados não dispõem, via de regra, de represen-
tação sindical, pois operam para uma empresa que pode ser uma prestadora
de serviços ou produtora de partes do produto.
A redução das vagas de emprego e as no-
vas condições de trabalho f izeram crescer a
competição entre os trabalhadores, o que
levou alguns sindicatos a aglutinar diferen-
tes interesses. Trata-se de uma tentativa de
conter o avanço da precarização do traba-
lho, incorporar os trabalhadores informais e
ajustar a agenda para defender questões
mais amplas da sociedade, como a previdên-
cia, a saúde e a ecologia.
Flagrante de trabalho escravo contemporâneo
em oficina de confecção na cidade de São Paulo,
em 2011. A falta de oportunidades ou de
condições de disputar uma vaga de trabalho
formal leva alguns trabalhadores a se
submeterem a condições de trabalho precárias,
desumanas e inseguras.
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um dos maiores desafios dos trabalhadores e
de suas organizações é universalizar os
direitos, uma vez que os instrumentos de
flexibilização do trabalho aumentaram as
desigualdades sociais.
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Trabalho e mudanças sociais • 109
pEsquisa
Reúnam-se em grupos e realizem a atividade proposta a seguir.
1. Discutam o que é trabalho informal.
2. Façam uma lista das atividades informais que vocês conhecem.
3. Entrevistem três trabalhadores que se encontram na informalidade. Para isso uti-
lizem as perguntas sugeridas abaixo:
– Que tipo de trabalho você realiza? Especif ique algumas das atribuições desse
trabalho.
– Você já trabalhou com carteira assinada? Por quanto tempo? Em caso positivo:
por que saiu desse emprego?
– Qual o seu grau de instrução? Fez algum curso de qualif icação?
4. Após a entrevista, elaborem um pequeno relatório sobre o que descobriram.
Conversem com os demais grupos e, com base nos dados colhidos por todos,
apontem propostas e sugestões para mudar a realidade encontrada.
Recomendação:
Para fazer a entrevista, leve caneta e caderno. Identif ique-se como aluno do colé-
gio e pergunte se o entrevistado pode conceder-lhe um tempo para responder a
uma pesquisa sobre trabalho informal. Não esqueça de agradecer ao f inal.
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Vendedores ambulantes oferecem
bananas a motoristas em trecho
urbano da BR-116, em Jequié, na
Bahia, em 2013.
Charge de 2011 retratando o sindicato
como entidade responsável por
proteger e garantir os direitos do
trabalhador.
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110 • capítulo 4
O labirinto do mercado de trabalho
Quantas vezes perguntaram a você: o que vai ser quando crescer? Para
qual curso vai prestar vestibular? Que prof issão gostaria de exercer? Muitas
vezes, as respostas a essas questões expõem a indecisão dos jovens sobre qual
prof issão escolher. Atualmente, quem tem uma formação ou uma carreira
única perde espaço no mercado de trabalho em favor daqueles com trajetó-
rias prof issionais mais complexas, em razão das mudanças ocorridas no âm-
bito do trabalho.
Hoje, o jovem tem dif iculdade para se inserir no mercado de trabalho,
especialmente no primeiro emprego, por não ter experiência (assunto que
será retomado no capítulo 10, sobre a juventude). As empresas costumam
exigir também uma formação mínima, que inclui, pelo menos, o Ensino Mé-
dio completo. Esses requisitos visam selecionar prof issionais qualif icados que
estão disponíveis no mercado de trabalho. Esse é o nome dado ao arranjo de
instituições sociais, econômicas, jurídicas e políticas que possibilita a compra
e venda da força de trabalho, ou seja, dos indivíduos aptos ao trabalho.
o mercado de trabalho é complexo e depende de muitos fatores:
da necessidade e disponibilidade de mão de obra até a criação de postos de
trabalho; da diversidade nas relações entre as empresas de diferentes níveis
à posição do país no cenário econômico global.
Com o aumento da concorrência entre os
trabalhadores, os salários tendem a ser rebaixa-
dos e os menos preparados são excluídos. O tra-
balhador com mais anos de estudo tem mais
chances de conseguir um emprego formal, em-
bora isso não garanta bons salários, e com frequ-
ência as pessoas têm exercido funções não com-
patíveis com sua formação. A proporção de
estagiários tem aumentado, mas ainda faltam
empregos efetivos.
As saídas para um mercado de trabalho in-
certo não se apresentam de imediato. O desen-
volvimento econômico, ainda que represente
condição necessária para a geração de empre-
gos, não é suf iciente para tal, e há setores que
geram relativamente poucos empregos. Os pos-
tos de trabalho praticamente não correspondem
mais a funções delimitadas, pois essas são exerci-
das por prof issionais de áreas e prof issões distin-
tas que aplicam seus conhecimentos e habilida-
des em tarefas complexas.
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Ao lado, trabalhadores de empresa de reatores em Varginha, no estado
de Minas Gerais, em foto de 2010. Atualmente, profissionais de áreas e
formações distintas desempenham funções diversificadas, embora
tenham sido contratados para uma atividade específica.
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Trabalho e mudanças sociais • 111
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A tendência tem sido o trabalho executado por equipes multidisciplina-
res e trabalhadores polivalentes. A polivalência de um trabalhador signif ica
que ele opera várias máquinas ao mesmo tempo ou realiza múltiplas tarefas
simultâneas, como programação, preparação, limpeza e inspeção de uma
máquina ou célula de trabalho. Grupos de trabalhadores são responsáveis
por etapas da produção, além de cobrarem e executarem metas de qualida-
de e de produtividade f ixadas pela empresa.
Diante desse quadro, surgem experiências alternativas, como a do tra-
balho solidário, que implica autonomia de tarefas, reciprocidade e solida-
riedade em empreendimentos econômico-sociais e públicos. Nele, os laços
sociais são valorizados, pois o objetivo é atender aos interesses coletivos,
num modelo de produção mais voltado para a colaboração que para a con-
corrência. Feiras solidárias, cooperativas populares, redes de solidariedade,
moeda social, banco comunitário e organizações em assentamentos agrá-
rios são algumas das atividades da economia solidária, no Brasil.
A economia solidária contribui para a democratização da economia
por sua dupla dimensão – a econômica e a política –, na medida em que
os cidadãos se mobilizam para construir sua independência econômica
por meio da associação e de cooperação, e que somente a ação pública é
capaz de estabelecer direitos e def inir normas de uma redistribuição da
riqueza que reduza desigualdades, como af irma o sociólogo francês Jean-
-Louis Laville.
dEbatE
Leia o trecho abaixo, escrito em 1937 pelo jornalista e escritor inglês George Orwell
(1903-1950), e observe como se retrata o indivíduo desempregado nessa época.
Depois, reunidos em grupos, discutam e respondam às questões propostas.
Tomei consciência do problema do desemprego em 1928. [...] As classes médias
ainda falavam “desses preguiçosos que vivem de subsídios”, dizendo que “todos es-
ses homens podiam encontrar trabalho se quisessem”; e, naturalmente, essas opi-
niões infiltravam-se na própria classe operária. Lembro-me do choque e do espanto
que senti quando convivi pela primeira vez com vagabundos e mendigos, ao desco-
brir que uma proporção razoável, talvez um quarto, desses seres, que me haviam
ensinado a considerar como parasitas desavergonhados, eram afinal jovens minei-
ros e operários têxteis respeitáveis que encaravam o seu destino com a expressão
perdida de um animal apanhado numa armadilha. Simplesmente não compreen-
diam o que lhes acontecera. Tinham sido trazidos ao mundo para trabalhar e, de
repente, tudo se passava como se nunca mais viessem a ter a mínima hipótese de
encontrar trabalho. Nestas condições, era inevitável sentirem-se, numa primeira fa-
se, perseguidos por um sentimento de fracasso pessoal. Era a atitude que prevalecia
entre os desempregados [...]. Era um desastre que acontecia a você como indivíduo
e a culpa era sempre sua [...]. Quando um quarto de milhão de mineiros estão de-
sempregados, faz parte da ordem das coisas que Alf Smith, mineiro a viver nas rue-
las esconsas [da cidade inglesa] de Newcastle, fique sem trabalho. Não passa de um
indivíduo entre um quarto de milhão, um dado estatístico. Enquanto Bert Jones,
que mora na casa em frente, estiver empregado, Alf Smith será irremediavelmente
levado a sentir-se desonrado, a considerar-se um falhado. Daí o terrível sentimento
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112 • capítulo 4
de impotência e de desespero, talvez um dos piores males do desemprego – muito
pior do que qualquer privação, pior do que a desmoralização causada pela ociosi-
dade forçada, e pouco melhor do que o lamentável estado de degenerescência físi-
ca dos filhos de Alf Smith, nascidos quando ele já era subsidiado pelo PAC [sigla em
inglês para Comitê de Assistência Pública].
ORWELL, George. O caminho para Wigan Pier. Lisboa: Antígona, 2003. p. 116-118.
1. Quais são as constatações de Orwell ao deparar com a questão do desemprego na
Grã-Bretanha da década de 1920?
2. Como era visto o desempregado no contexto da crise capitalista europeia do iní-
cio do século XX? Na sua opinião, essa imagem é condizente com a realidade ou
trata-se de uma visão preconceituosa e estereotipada?
3. Agora, converse com seus colegas e responda: essa visão sobre o desempregado
ainda é comum nos dias de hoje? Por quê?
hh Desigualdades no mercado de trabalho: questões de gênero e étnico-raciais
Você já percebeu que em algumas prof issões predominam mulheres e
que certas atividades costumam f icar a cargo dos homens? Observe também
como em determinados nichos do mercado de trabalho os afrodescenden-
tes são maioria. O que produz essa participação desigual dos segmentos so-
ciais no mercado de trabalho?
A desigualdade social não se dá somente entre empregados e desempre-
gados, trabalhador formal e informal, qualif icado e não qualif icado, com
altos ou baixos salários, trabalhadores experientes ou jovens buscando o
primeiro emprego, trabalhadores efetivos ou terceirizados, patrões e empre-
gados. Outras formas de desigualdade, historicamente construídas, envol-
vem a diversidade de gênero, raças e etnias.
No século XVIII, por exemplo, o trabalho de mulheres e crianças era uti-
lizado nas fábricas na Europa, assim como o dos homens, mas o valor da remu-
neração delas era inferior. Embora as mulheres sempre tenham trabalhado,
principalmente as mais pobres, no século XX a mão de obra feminina entrou
maciçamente no mercado de trabalho: no período das duas guerras mundiais,
para suprir a escassez de mão de obra, e após a década de 1970, com o cresci-
mento da indústria, dos serviços e o surgimento de novas tecnologias.
Contribuíram também para inserir a mulher no mercado de trabalho os
movimentos feministas e a chamada liberação feminina, propiciada pelo
uso da pílula anticoncepcional, que permitiu o planejamento familiar, entre
outros fatores. Dados da Organização Mundial do Trabalho (OIT) mostra-
ram que em 2005 as mulheres já eram 45% da mão de obra no mundo e que
essa proporção era maior nas famílias com rendas mais baixas, devido à ne-
cessidade de melhorar suas condições de vida.
As mulheres representam mais da metade da população do Brasil, que
era de 191 milhões de habitantes, em 2010, segundo o IBGE. De acordo
com o Censo 2010, 37,3% das famílias têm mulheres como responsáveis,
embora elas recebam, na média, salários inferiores aos dos homens.Filip
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Trabalho e mudanças sociais • 113
Além de desvantagem na remuneração, elas
enfrentam também o problema da dupla (ou tri-
pla) jornada, pois trabalham fora, trabalham em
casa (cuidando dos f ilhos e dos afazeres domésti-
cos) e, muitas vezes, ainda frequentam cursos com
vistas a melhorar sua carreira e remuneração.
A desigualdade na distribuição das tarefas do-
mésticas ainda é enorme: dados da Pesquisa Na-
cional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2011
mostram que, entre as mulheres acima de 18 anos
empregadas no mercado de trabalho, 89,4% tam-
bém se ocupavam dos afazeres domésticos, en-
quanto apenas 47% dos homens na mesma situa-
ção o faziam. Entre os homens que se encontravam
fora do mercado de trabalho, somente 45,5% se
responsabilizavam por atividades domésticas.
Pesquisas apontam que 28% das mulheres trabalhadoras no país se con-
centram em algumas áreas do setor de prestação de serviços: saúde, educa-
ção, comércio, serviços comunitários, domésticos e pessoais. Algumas prof is-
sões são consideradas, pelo senso comum, “tipicamente” femininas:
trabalhadoras domésticas, enfermeiras, prof issionais responsáveis pelo aten-
dimento ao público, cuidadoras de crianças e de idosos. Além disso, as mu-
lheres ocupam cargos mais baixos em prof issões valorizadas, sendo raras
entre diretorias de grandes empresas, por exemplo.
Habilidades como coordenação motora f ina, paciência, concentração,
boa observação, dedicação, atenção e exercício simultâneo de várias tarefas
são tradicionalmente atribuídas às mulheres, como se fossem características
do gênero feminino. Isso é um mito, uma vez que tais habilidades podem ser
desenvolvidas por qualquer um e foram adquiridas nas relações sociais his-
tóricas entre homens e mulheres.
As relações de gênero influenciam a inserção no mercado de trabalho,
afetando a atividade da mulher. De modo geral, é maior o desemprego entre
as mulheres do que entre os homens. Segundo a Pnad 2011, elas compunham
59% da população brasileira desocupada, ou seja, sem trabalho, mas que esta-
va à procura de um. A mesma pesquisa indica que a taxa de desocupação en-
tre mulheres era de 9,9%, enquanto entre homens era de 5,3%. A taxa, tanto
para homens como para mulheres, era mais alta entre a população negra.
Linha de produção de ovos de
Páscoa em fábrica de
chocolate, em São Paulo, na
qual predomina a mão de obra
feminina. Foto de 2009.
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Marido e esposa dividem afazeres domésticos em Itaporã, Mato
Grosso do Sul. Cenas como essa ainda são pouco comuns nos lares
brasileiros, de acordo com dados da Pnad 2011. Foto de 2012.
Wesylle Santana Silveira/Acervo do fotógrafo
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114 • capítulo 4
Outras distinções e desequilíbrios no mercado de trabalho se baseiam em fatores étnico-raciais. A escravização de africanos e descendentes até o f inal do século XIX e as dif iculdades de integração social e econômica im-postas aos libertos, após a abolição, demarcaram uma herança histórica de desigualdades. Associou-se a cor da pele à condição de escravos e a determi-nadas funções. Dessa forma, a discriminação social foi reforçada, embora seja veiculada uma imagem do Brasil como uma democracia racial. A forma velada de racismo dif iculta seu combate e impede a meta de participação igualitária desse segmento no mercado de trabalho. A temática das desigual-dades é trabalhada com mais detalhes no capítulo 1.
Mecanismos de discriminação étnico-racial no país se revelam na dinâmica
do mercado de trabalho.
A população negra está mais sujeita ao desemprego, permanece mais tempo em busca de trabalho e costuma ocupar postos de menor prestígio e remuneração e na base da hierarquia das empresas. Pesquisas indicam que, quando estão empregados, os afrodescendentes ganham menos que os tra-balhadores brancos, mesmo quando têm idêntica formação, e também são maioria no setor informal.
Pesquisa do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioe-conômicos (Dieese) realizada em 2010 mostra que a população negra brasi-leira tem uma trajetória desfavorável para se manter ou ascender no empre-go, quando comparada com a dos não negros no trabalho principal, nas principais Regiões Metropolitanas. Aproximadas, as taxas de desemprego por cor, entre 2007 e 2010, indicam um maior número de desempregados negros. Em função da pobreza de parte dessas famílias, a entrada dos jovens no mercado de trabalho costuma ser precoce, dif icultando a conclusão dos estudos de nível básico e o ingresso no ensino superior ou em cursos de qualif icação. Em razão do trabalho precário exercido, muitas vezes infor-mal, os negros precisam permanecer mais tempo trabalhando devido aos entraves para obter o direito de aposentadoria.
Leia, a seguir, uma análise do economista Marcio Pochmann (1962-) sobre a discriminação no mercado de trabalho brasileiro.
A variação, entre 1992 e 2002, da taxa de desemprego da população branca de
baixa renda (49,5%) é pouco maior que a verificada para a população negra nessa
faixa (46,7%). Nas classes de maior rendimento, ocorreu justamente o contrário, ou
seja, a desigualdade entre as raças na variação do desemprego foi ampliada. Assim,
o desemprego dos negros de renda alta, entre 1992 e 2002, aumentou 68%, enquan-
to o dos brancos dessa classe de rendimento cresceu 46,2%. De acordo com o com-
portamento do desemprego, pode-se observar que a discriminação racial alcançou
novas formas de manifestação, ainda mais sofisticadas. A taxa de desemprego dos
negros pobres cresceu menos, uma vez que estes tenderam a estar associados, em
geral, às ocupações mais precárias, enquanto o desemprego dos negros de média e
alta renda explodiu, provavelmente porque, em um contexto de escassez de empre-
gos especializados, o preconceito racial atuou como um requisito decisivo na contra-
tação. Assim, a discriminação racial passou a excluir de ocupações mais nobres aque-
les que, depois de muito esforço, haviam alcançado maior renda e escolaridade.
POCHMANN, Marcio. Desempregados do Brasil. In: ANTUNES, Ricardo (Org.). Riqueza e miséria do trabalho no Brasil.
São Paulo: Boitempo, 2006. p. 64-65.
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Trabalho e mudanças sociais • 115
A segmentação do mercado de trabalho e as diversas formas de discrimi-
nação estão associadas à má distribuição da renda e à falta de políticas sociais
que valorizem o trabalhador. Existem, porém, cada vez mais políticas públi-
cas de cotas e outras ações af irmativas que visam ampliar o acesso a bens ou
serviços essenciais para a parcela menos favorecida da população, promoven-
do uma participação mais efetiva desses segmentos nas esferas de poder da
sociedade. Essas políticas de inserção, embora amenizem o problema, con-
centram-se nas consequências e não na causa do problema. A criação de mais
vagas em universidades públicas e os programas públicos de f inanciamento
da educação são formas capazes de compensar, em parte, as dif iculdades de
acesso da população em geral à educação de qualidade, por exemplo.
pausa para rEflEtir
Leia o trecho abaixo, sobre o mito de Sísifo, e depois res-
ponda à questão.
Por ter enganado Tânatos, deus da morte, sucessivas
vezes, Sísifo foi condenado, por toda eternidade, a em-
purrar uma pedra para o topo de uma montanha e, lá do
alto, soltá-la de volta para baixo, repetindo o processo
ininterruptamente. Com isso, tornou-se um símbolo do
trabalho humano feito em vão.
Adaptado de: GUIA visual da mitologia no mundo. São Paulo: Abril, 2010. p. 171.
•Com base nos temas abordados no capítulo, em especial
o conceito de trabalho alienado, responda: de que modo
o mito de Sísifo manifesta-se na vida cotidiana dos traba-
lhadores?
Neste vaso grego datado do século IV a.C., Sísifo é
representado cumprindo sua sina: empurrar inutilmente
uma pedra que sempre voltará a rolar montanha abaixo.
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diálogos intErdisciplinarEs
Produção de um conteúdo artístico-lúdico com base na comparação de conceitos li-
gados à palavra “trabalho” na Sociologia, na Filosof ia e na Física. [As disciplinas tra-
balhadas em conjunto são Língua Portuguesa, Arte, Sociologia, Filosof ia e Física.]
Você certamente já ouviu falar muito em “trabalho”. Ao longo do capítulo 4, você
pôde conhecer a abordagem sociológica para esse conceito. Ela não é a única. Com-
pare as seguintes def inições de “trabalho”, dadas por três diferentes disciplinas:
Sociologia/Ciências Sociais
O trabalho é uma relação social produtiva submetida às exigências técnicas e mate-
riais da produção. Portanto, o trabalho deve ser explicado no âmbito das especificidades
de uma dada sociedade. Para Marx, por exemplo, o trabalho assalariado objetivado é o
trabalho da época capitalista. Fonte: SPURK, Jan. A noção de trabalho em Karl Marx. In: MERCURE, Daniel; SPURK, Jan (Org.).
O trabalho na história do pensamento ocidental. Petrópolis: Vozes, 2005.
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116 • capítulo 4
Filosof ia
Para o filósofo alemão Jürgen Habermas, o trabalho é uma ação racional com respei-
to a fins, por meio da qual homens e mulheres se apropriam da natureza em busca da
sobrevivência e interagem comunicativamente entre si.
Fonte: HABERMAS, Jürgen. Técnica e ciência enquanto ideologia. In: Textos escolhidos. v. XLVIII. São Paulo: Abril Cultural, 1975. p. 310-311. (Os Pensadores)
Física
Realizar trabalho em Física implica a transferência de energia de um sistema para
outro e, para que isso ocorra, são necessários uma força e um deslocamento adequados.
Fonte: DOCA, Ricardo Helou; BISCUOLA, Gualter José; VILLAS BÔAS, Newton. Física. São Paulo: Moderna, 2010.
Utilizando sua criatividade, escolha um dos projetos a seguir para realizar indivi-
dualmente ou em grupo:
a) escrever um poema;
b) escrever uma paródia de uma música famosa;
c) compor uma música e sua letra;
d) escrever, ensaiar e apresentar uma cena curta (esquete) de teatro;
e) fazer um vídeo curta-metragem de um minuto;
f) elaborar, escrever o roteiro e gravar um programa de rádio;
g) fazer uma obra de artes visuais (pintura, desenho, instalação);
h) elaborar uma história em quadrinhos, charge ou tira;
i) tirar fotograf ias, selecioná-las e realizar uma exposição.
O seu projeto deve estabelecer uma comparação ou relação entre as três def inições
apresentadas anteriormente. Quando todos os projetos estiverem prontos, organizem
uma sessão para apresentá-los aos colegas de sala ou aos demais alunos da escola.
Caso tenha outra ideia de projeto artístico-lúdico para trabalhar o tema, converse
com o professor sobre a possibilidade de realizá-la.
rEvisar E sistEmatizar
1. Pode-se dizer que as relações de trabalho permanecem as mesmas ao
longo da História? Justif ique sua resposta utilizando exemplos.
2. Descreva as principais características do fordismo e do taylorismo e iden-
tif ique elementos deles na organização do trabalho na indústria brasileira.
3. Indique algumas implicações dos sistemas flexíveis de produção para o
mercado de trabalho.
4. Explique as razões do crescimento do desemprego, nas últimas décadas,
no mundo.
5. Analise a permanência de antigas formas de discriminação e desigual-
dades no trabalho.
conceitos-chave:
Trabalho, trabalho alienado, mais-valia, mundo do trabalho, força de trabalho, capital, relações de trabalho, fordismo, taylorismo, toyotismo, flexibilização, financeirização, cadeia produtiva, reestruturação produtiva, neoliberalismo, mercado de trabalho, emprego, desemprego, precarização do trabalho, sindicato, trabalho solidário, informalidade.
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Trabalho e mudanças sociais • 117
dEscubra mais
As Ciências Sociais na biblioteca
ANTUNES, Ricardo (Org.). Riqueza e miséria do trabalho no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2006.
Tendo como tema principal o trabalho e o sindicalismo no Brasil atual, e tomando por base
pesquisas recentes, os autores buscam compreender as transições por que tem passado o
trabalho urbano.
DOWBOR, Ladislau. O que acontece com o trabalho? São Paulo: Senac-SP, 2002.
Leitura com discussões atuais sobre as macrotendências de mudanças no trabalho. Acompanha
breve glossário.
HOLZMANN, Lorena. O trabalho no cinema (e uma socióloga na plateia). Porto Alegre: Tomo Editorial,
2012.
Valendo-se do cinema como meio de comunicação, são comentados alguns filmes que tratam do
trabalho, seus conflitos e mudanças.
As Ciências Sociais no cinema
Coisas belas e sujas, 2002, Inglaterra, direção de Stephen Frears.
Com base na história de um médico nigeriano e uma jovem turca, em Londres, o filme discute a
situação daqueles que lá trabalham ilegalmente.
Eles não usam black-tie, 1981, Brasil, direção de Leon Hirszman.
Na conjuntura do final da década de 1970, o filme retrata a angústia pessoal e de cunho político
do trabalhador em participar do movimento grevista no ABC paulista.
Roger & eu, 1989, Estados Unidos, direção de Michael Moore.
Documentário que relata o fechamento de onze fábricas de automóveis na cidade de Flint (EUA),
que deixou dezenas de milhares de pessoas sem trabalho.
Tempos modernos, 1936, Estados Unidos, direção de Charles Chaplin.
Filme clássico do cinema mudo que se tornou uma referência também por retratar a sociedade
industrial do início do século XX, em que prevalecia o sistema fordista de produção.
As Ciências Sociais na rede
Ministério do Trabalho e do Emprego. Disponível em: <www.mte.gov.br>. Acesso em: 28 abr. 2013.
Portal do Ministério disponibiliza dados, estatísticas e notícias sobre trabalho, emprego e renda.
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Disponível em: <www.ibge.gov.br>. Acesso em:
28 abr. 2013.
Apresenta dados sobre o mundo do trabalho no Brasil.
Instituto Observatório Social. Disponível em: <www.observatoriosocial.org.br>. Acesso em: 28 abr. 2013.
Traz informações sobre o panorama do trabalho e dos salários, do mercado de trabalho e da
organização dos trabalhadores no Brasil.
Organização Internacional do Trabalho (OIT). Disponível em: <www.oitbrasil.org.br>. Acesso em: 28 abr.
2013.
O site traz informações atualizadas sobre temas como diálogo social, emprego, gênero e raça,
proteção social, trabalho escravo e forçado, trabalho infantil, além de normas e convenções do
trabalho e publicações.
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Disponível em: <www.ipea.gov.br/portal>. Acesso em:
28 abr. 2013.
Informações atualizadas e resultados de pesquisas sobre a realidade socioeconômica brasileira.
bibliografia
ALVES, Giovanni. O novo (e precário) mundo do trabalho: reestruturação produtiva e crise do sindicalismo. São
Paulo: Fapesp/Boitempo Editorial, 2000.
ANTUNES, Ricardo (Org.). Riqueza e miséria do trabalho no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2006.
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Paulo: Cortez; Campinas: Ed. da Unicamp, 1995.
CACCIAMALI, Maria Cristina; TATEI, Fábio. A transposição do umbral da universidade; o acesso das mulheres,
pretos e pardos no ensino superior e a persistência da desigualdade. São Paulo: LTr, 2012.
CARDOSO, Adalberto Moreira. Trabalhar, verbo transitivo: destinos profissionais dos deserdados da indústria
automobilística. Rio de Janeiro: Ed. da FGV, 2000.
Fernanda Montenegro e
Gianfrancesco Guarnieri em
cena do filme Eles não usam
black-tie (1981), dirigido por
Leon Hirszman.
Leo
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Capa do livro Riqueza e miséria
do trabalho no Brasil, de Ricardo
Antunes (ed. Boitempo).
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WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Pioneira, 1967.
Capa do livro Capitalismo
desorganizado, de Claus Offe (ed. Brasiliense).
Rep
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ução
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rasilie
nse
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ução
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usp
Capa do livro Trabalho flexível,
empregos precários?, organizado por Nadya Araújo Guimarães, Helena Hirata e Kurumi Sugita (Edusp).
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Capítulo 5
A cultura e suas transformaçõesEstudarEmos nEstE capítulo:
a cultura, um aprendizado social que compreende a produção de bens materiais e simbólicos. Trataremos sobre a
diversidade cultural na sociedade brasileira, e veremos que a identidade cultural envolve a experiência e a consciên-
cia de pertencer a um coletivo. Todos produzem cultura, e os grupos sociais minoritários produzem culturas pró-
prias, alternativas ou contra-hegemônicas. Desde que se firmou a sociedade de massas, nossos hábitos culturais
também passaram a ser influenciados pelos meios de comunicação de massa. Ao analisar o novo sistema tecnoló-
gico de comunicação da sociedade global, aprenderemos como ele pode aproximar grupos geograficamente distan-
tes e, ao mesmo tempo, aprofundar as diferenças sociais, sinal de que a cultura é um fenômeno heterogêneo.
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120 • capítulo 5
Comunicação e cultura
Se você é um usuário da internet ou de jogos eletrônicos, saiba que par-
ticipa de uma nova cultura – a “cultura virtual do real”, assim denominada
pelo sociólogo espanhol Manuel Castells (1942-). A realidade virtual é a ge-
ração de um mundo artif icial com base na relação ser humano-máquina,
cuja meta é envolver todos os sentidos do usuário. Acompanhemos a narra-
tiva sobre uma mulher, no Japão, que destina algum tempo do seu dia para
vivenciar outra identidade em um cenário de um mundo paralelo. Que cul-
turas emergirão dessas realidades vividas virtualmente?
O mundo de Mariko Ito, de 32 anos, moradora de Tóquio, usuária de Habitat,
essa cidade japonesa de dez mil habitantes, que não se encontra no mapa, porque
é uma cidade virtual fabricada pela Fujitsu e lançada na rede Nifty-Serve, em 1990.
Mariko Ito vai à Habitat ciberespacial, por uma ou duas horas todos os dias, porque,
diz ela, “é fantástico, lá, posso ser outra pessoa”. Lá, Mariko pode escolher sua roupa,
sua aparência e seu sexo, optando entre os 1 100 rostos possíveis, depois de ter se
registrado como avatar ou residente. Atravessando o espelho da tela e entrando, do
outro lado, num mundo ciberespacial, Mariko torna-se um avatar, isto é, uma reen-
carnação, ou uma metamorfose. Parece ficção, mas é realidade virtual.
SANTOS, Laymert. Considerações sobre a realidade virtual. In: FERREIRA, Leila (Org.). A Sociologia no horizonte do século XXI.
São Paulo: Boitempo, 2002. p. 113-114.
hh avatar: é uma palavra derivada de
avatara, que significa ‘descida do céu à
Terra’ em sânscrito, antiga língua in-
diana. Atualmente, a palavra tem sido
largamente utilizada nos meios de co-
municação e na informática para de-
signar personagens que são criadas
virtualmente à semelhança de seu
criador (o usuário desses programas e
jogos de computador), possibilitando
sua “entrada” no mundo virtual.
Na foto ao lado, cena do filme
Avatar, dirigido por James
Cameron (Estados Unidos, 2009)
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lgação
A concentração de conhecimentos tecnológicos, instituições, empresas e
mão de obra qualif icada dá ensejo à era da informática, na expressão de
Castells. Os novos sistemas de comunicação transformam o espaço e o tem-
po, reintegrando-os em redes funcionais na cultura moderna.
As alterações em ritmo acelerado nos meios de comunicação contribuí-
ram para transformar o nosso estilo de vida, o modo de nos relacionarmos,
produzirmos, consumirmos, de vivermos e até de morrermos. Essas grandes
mudanças resultaram, segundo alguns historiadores e sociólogos, de uma
Revolução Tecnológica que ocorreu na metade do século XX. Originada
nos Estados Unidos e centrada na informação, esta revolução surgiu a partir
de inovações na microeletrônica, como o circuito integrado, o microproces-
sador e o microcomputador.
Filipe Rocha/Arquivo da editora
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A cultura e suas transformações • 121
Os sistemas de comunicação modif icam nossa vida. Quem dispõe de te-
lefone ou internet já não precisa mais se deslocar f isicamente para falar com
pessoas, pagar contas bancárias, comprar ou vender produtos. Transações
antes feitas entre duas ou mais pessoas agora são mediadas por máquinas. A
ligação entre os mercados do mundo em tempo real também só foi possível
com as tecnologias de informação. O sistema f inanceiro internacional habi-
ta o ciberespaço – aquele espaço virtual em que se dá a comunicação entre
indivíduos e grupos sem a presença física –, e pode ser responsável por crises
e mudanças com desdobramentos globais imediatos. Mesmo que uma pes-
soa não utilize os meios de comunicação virtuais, seu cotidiano está ligado
de alguma forma a eles.
Você já entrou em uma agência bancária e observou seu movimento? A
pessoa se despoja de seus pertences metálicos para passar pela porta girató-
ria; depois, retira uma senha que lhe dá acesso a um atendente apenas se
pretender abrir uma conta-corrente ou resolver um problema específ ico,
porque quase todos os demais serviços podem ser realizados por meio de
máquinas eletrônicas. Retirar e depositar dinheiro, pagar con-
tas, verif icar saldos: todas essas atividades, a partir dos anos
1990, passaram a ser realizadas diretamente entre o cliente e
a máquina.
As sociedades humanas se produzem e reproduzem em um
ambiente simbólico por meio do processo de socialização, co-
mo estudamos no capítulo 3 deste livro. Isso signif ica que in-
ternalizamos sistemas de signos produzidos culturalmente, co-
mo é o caso da linguagem, da escrita, dos números, etc.,
ajustando-nos aos padrões de comportamento vigentes. Em
toda relação que os seres humanos estabelecem com o seu en-
torno, modif icando-o – das árvores fazem móveis, com os me-
tais elaboram utensílios domésticos, em uma roda de batuque
compõem músicas, produzem meios para se comunicar, por
exemplo –, eles criam uma cultura plena de signif icados que
dá sentido à sua existência, af irma o antropólogo polonês Bro-
nislaw Malinowski (1884-1942).
As tecnologias da informação e da
comunicação contemporâneas
permitem conciliar atividades de
lazer e de trabalho, comunicar-se
com familiares e amigos a
distância, registrar momentos de
lazer, resolver pendências como
pagamentos em tempo real,
entre outras facilidades.
Data desconhecida.
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Atualmente, é possível efetuar o pagamento de
uma fatura bancária ou consultar a movimentação
financeira utilizando o celular. Foto de 2011.
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122 • capítulo 5
As conversas cotidianas, as coisas sobre as quais falamos, o modo de nos
relacionarmos com fatos como nascimento, crescimento e morte são cultu-
ra. A maneira de prepararmos as refeições e lidarmos com os alimentos, o
modo como trabalhamos, nos vestimos, nos divertimos, as músicas que ouvi-
mos, os f ilmes a que assistimos, enf im, o relacionamento com aquilo que
nos rodeia: tudo que pode ser aprendido e ensinado faz parte da cultura.
Mas, af inal, o que podemos entender por cultura?
O que é cultura?
Geralmente, quando falamos em cultura, a primeira ideia que nos vem à
mente é algo relacionado ao teatro, à música, à literatura, à pintura, à escul-
tura e a outras áreas das artes. Mas também são considerados como elemen-
tos culturais de grande relevância as festas tradicionais, as lendas, o folclore
e os costumes de um povo. Seu signif icado abrange ainda os meios de comu-
nicação de massa, como a televisão, o rádio, a mídia impressa, a internet, o
cinema, etc. Cultura, portanto, não se resume às manifestações artísticas, às
tradições e aos hábitos de uma dada coletividade. Na Sociologia e na Antro-
pologia, o conceito de cultura também está relacionado aos conhecimentos,
às ideias e às crenças de uma sociedade e/ou das diversas sociedades.
Vinda do verbo latino colere, Cultura era o cultivo e o cuidado
com as plantas, os animais e tudo que se relacionava com a terra;
donde, agricultura. Por extensão, era usada para referir-se ao cuida-
do com as crianças e sua educação, para o desenvolvimento de
suas qualidades e faculdades naturais; donde, puericultura. O vo-
cábulo estendia-se, ainda, ao cuidado com os deuses; donde, culto
[na antiga Grécia]. A Cultura [...] era o cuidado com a terra para
torná-la habitável e agradável aos homens, era também o cuidado
com os deuses, os ancestrais e seus monumentos, ligando-se à me-
mória e, por ser o cuidado com a educação, referia-se ao cultivo do
espírito. Em latim, cultura animi era o espírito cultivado para a ver-
dade e a beleza, inseparáveis da Natureza e do Sagrado.
CHAUI, Marilena. Conformismo e resistência: aspectos da cultura popular no Brasil.
São Paulo: Brasiliense,1986. p. 11.
O termo cultura foi aplicado em português por bastante tempo como si-
nônimo de erudição, mas não existe diferença em termos de importância
entre a chamada “alta cultura” e as expressões culturais populares, pois am-
bas (cada uma a seu modo) são criadas e cultivadas pela participação efetiva
do ser humano na sociedade. Foi pensando dessa forma que o antropólogo
britânico Edward Tylor (1832-1917) concebeu cultura como a totalidade de
conhecimento, crença e expressão emocional, à qual se somam as regras
estabelecidas, os hábitos, comportamentos e habilidades adquiridas no con-
vívio dos membros de uma sociedade.
tudo que pode ser aprendido e ensinado faz parte da cultura. Em toda relação
que os seres humanos estabelecem com o seu entorno, modificando-o, eles
criam uma cultura plena de significados que dá sentido à sua existência.
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Os hábitos alimentares também são manifestações
culturais. Na foto acima, feijoada completa, prato muito
apreciado da culinária brasileira.
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A cultura e suas transformações • 123
Os nossos gostos, por exemplo, não são determinados antes do nasci-
mento; ao contrário, resultam das relações que estabelecemos com os ou-
tros indivíduos e com o meio em que vivemos. Eles são construídos cultural-
mente no contínuo processo de interação social, o qual se dá pela
comunicação e pela ação recíproca entre os indivíduos e os grupos sociais.
Assim, aprendemos a gostar de rock, de f ilmes de ação, de sair com os amigos
e até de consumir certos tipos de alimentos em vez de outros.
Alguns entendimentos são fundamentais para o estudo da cultura. Os
três principais axiomas sobre esta esfera da vida em sociedade, para as Ciên-
cias Sociais, são:
•A cultura é uma característica do ser humano como ser social;
•A cultura é adquirida, um comportamento aprendido, como um patrimô-
nio social;
•Por meio da cultura se estabelece uma parte da relação ser humano-socie-
dade-mundo.
Assim como outras dimensões da vida social são interpretadas de dife-
rentes maneiras, também a cultura é estudada por diferentes visões e meto-
dologias. Acompanhemos as interpretações que alguns cientistas sociais fa-
zem do fenômeno cultural que, por ser heterogêneo, durável, mas em
contínua transformação, teve muitas tentativas de def inições.
Cultura: algumas leituras teóricas
Metodologia Representantes
Funcionalismo
(as instituições sociais
são vistas pela função
que desempenham
para estabilizar a
sociedade)
Para o antropólogo polonês Bronislaw Malinowski (1884-1942) e para o antropólogo inglês Radcliffe-Brown (1881-1955):
- a cultura designa o modo de vida das diversas comunidades; as necessidades humanas são universais e toda cultura cria instituições para atendê-las, desde as necessidades primárias às emocionais e aquelas das atividades econômicas e políticas.
Para o antropólogo estadunidense Ralph Linton (1893-1953):
- a cultura é um fenômeno universal e diferencia os grupos.
Estruturalismo
(as culturas se
estruturam por
padrões implícitos)
Para o antropólogo francês Claude Lévi-Strauss (1908-2009):
- a cultura é uma forma universal da linguagem pela qual os seres humanos buscam diferenciar-se da
natureza e apresenta variações baseadas em pares de oposições (discrição e excesso, cru e cozido,
etc.).
Estrutural-
-funcionalismo
(as estruturas sociais
delimitam a cultura)
Para os sociólogos estadunidenses Talcott Parsons (1902-1979) e Robert Merton (1910-2003):
- a cultura de um povo ganha sentido na rede de relações sociais;
- sociedade e cultura são partes interdependentes do sistema social.
Tendências recentes
(há relações entre os
fenômenos)
Para o antropólogo estadunidense Alfred Kroeber (1876-1960), numa linha de pensamento relativista da Antropologia Cultural, misturam-se na cultura os elementos materiais e os ideológicos com o declínio das crenças mágicas; assim, ele argumenta que a cultura progride, evolui.
O historiador britânico Edward Thompson (1924-1943), ao fazer a crítica ao materialismo histórico radical, entende a cultura como resultado das experiências comuns das pessoas (herdadas ou partilhadas), presentes em tradições, sistemas de valores, ideias e formas institucionais.
O sociólogo britânico Anthony Giddens (1938-) vê, na cultura, a interdependência de aspectos intangíveis (subjetivos), como ideias, crenças e valores, e aspectos tangíveis (objetivos), como os objetos produzidos pelo ser humano, suas técnicas e tecnologias, trabalho, moradia, etc.
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124 • capítulo 5
A cultura é um nível particular da realidade social muito importante, pois suas dimensões objetiva e subjetiva não se contrapõem, ao contrário, elas se complementam e estão relacionadas numa organicidade vital. O fa-zer, o saber, o conviver dos seres humanos produzem padrões particulares de estar na sociedade; produzem cultura. Cultura, portanto, não se aplica a um grupo, ou a este ou àquele segmento social, mas está em nível global, dada a amplitude do campo da experiência existencial.
hh Cultura e civilização
Em seu livro O processo civilizador, o sociólogo Norbert Elias defende que, mais do que pela “natureza humana”, o ser humano se def ine por meio da relação com o outro – ou seja, ele se faz humano e se torna membro da hu-manidade. Incompleto e dependente, até no aspecto biológico, ao nascer, o ser humano se humaniza porque necessita da família e das relações sociais típicas do seu grupo para se constituir. Ele depende, portanto, de seu con-texto cultural e social.
Nesse sentido, é a cultura de uma sociedade que def ine os parâmetros do bem e do mal, do justo e do injusto, do lícito e do ilícito. Envolto nessa relação com sua cultura, o indivíduo pode se adaptar, se sujeitar ou se rebe-lar. Ainda segundo Elias, os ocidentais, por exemplo, nem sempre se com-portaram da maneira como o fazem hoje: alguns atributos que considera-mos típicos do indivíduo “civilizado” resultaram de lentas transformações, por meio das quais suas condutas, comportamentos e costumes foram sendo condicionados socialmente. Então, civilização e cultura coincidem? Aliás, o que signif ica exatamente civilização?
A partir do século XVIII, [...] o termo Cultura articula-se, ora positiva ora negati-
vamente, com o termo Civilização. Este, derivando-se do latim cives e civitas, referia-
-se ao civil como homem educado, polido e à ordem social (donde o surgimento da
expressão Sociedade Civil). Entretanto, Civilização possuía um sentido mais amplo
que civil. Significava, por um lado, o ponto final de uma situação histórica, seu aca-
bamento ou perfeição, e, por outro lado, um estágio ou uma etapa do desenvolvi-
mento histórico-social, pressupondo, assim, a noção de progresso.
CHAUI, Marilena. Conformismo e resistência: aspectos da cultura popular no Brasil.
São Paulo: Brasiliense, 1986. p. 11-12.
Alguns cientistas sociais def inem os termos civilização e cultura como si-nônimos, outros os distinguem. É o caso de Norbert Elias, para quem civili-zação é a consciência que as sociedades ocidentais têm em relação a si pró-prias, ou seja, um termo que designa as alterações especif icamente ocidentais em dimensões de relacionamento e criatividade, como os costumes, a tecno-logia e o conhecimento científ ico.
O historiador inglês Eric Hobsbawm (1917-2012) concebe como socie-dade “civilizada” aquela que determina regras e comportamentos de contro-le para seus membros e para os de outras sociedades. Desse tipo de prática pode-se citar o imperialismo do século XIX e início do XX, o qual nada mais era do que a supremacia de caráter territorial, cultural e f inanceiro exercida por uma nação sobre outra. Nessa época, os europeus def iniam a si mesmos
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A cultura e suas transformações • 125
como “civilizados”, em oposição aos povos considerados por eles “selvagens”
– os africanos, os asiáticos e os latino-americanos, ou seja, todos aqueles con-
siderados diferentes deles.
Esse discurso da superioridade europeia caracterizava o outro (o dife-
rente) como algo fora do padrão, tornando-o um inimigo a ser vencido.
Como analisa o antropólogo brasileiro Carlos Brandão (1940-), o argumen-
to utilizado era o de que os outros povos precisavam também se tornar parte
da “civilização”. O texto abaixo, do escritor britânico Joseph Kipling (1865-
-1936), ilustra como era vista essa “missão” europeia com relação aos povos
considerados não civilizados:
A nós – não aos outros – incumbe um dever precioso: levar a luz e a civilização
aos lugares mais distantes do mundo. Despertar a alma da Ásia e África para as
ideias morais da Europa; dar a milhões de homens, que sem isso não conheceriam a
paz, nem a segurança, essas condições prévias do progresso humano.
KIPLING, Joseph apud COMBLAIN, José. Nação e nacionalismo. São Paulo: Duas Cidades, 1965. p. 240.
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Na foto ao lado, da década de 1910, habitantes da atual República dos Camarões trabalham em plantação de café. Alguns povos do continente africano foram explorados pelos europeus visando atender aos interesses destes.
Tendo em vista que o ser humano se coloca no mundo, o vê e o interpre-
ta pela perspectiva da cultura em que se insere, uma tendência comum em
nossa sociedade tem sido naturalizar o nosso próprio modo de vida como se
fosse o único correto, tomando-o como padrão de análise na comparação
com outras culturas. Tal atitude é denominada etnocentrismo. Esse compor-
tamento explica a sensação de estranhamento causada por hábitos e valores
diferentes daqueles com os quais estamos acostumados e que são preconiza-
dos por nossa cultura. Conforme nos diz o antropólogo brasileiro Roque
Laraia (1932-):
O fato de que o homem vê o mundo através de sua cultura tem como conse-
quência a propensão em considerar o seu modo de vida como o mais correto e o
mais natural. Tal tendência, denominada etnocentrismo, é responsável em seus
casos extremos pela ocorrência de numerosos conflitos sociais.
LARAIA, Roque. Cultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Zahar, 1988. p. 75.
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126 • capítulo 5
hh O relativismo cultural
Para evitar visões distorcidas e etnocêntricas sobre o “outro” – como a
expressa na citação de Kipling, anteriormente, – a Antropologia propõe
uma análise sobre aquele que é diferente de nós fundada no chamado rela-
tivismo cultural. Relativizar culturalmente signif ica que, ao falarmos sobre
outros povos e grupos, precisamos antes nos indagar: como concebemos a
sociedade da qual fazemos parte? Podemos def inir outros povos e culturas
como primitivos ou arcaicos, civilizados ou não? Quais parâmetros seriam
utilizados para tal def inição? Até que ponto uma classif icação desse tipo se-
ria adequada, ou tendenciosa?
Cabe refletir e entender que outras sociedades ou grupos sociais têm
concepções e valores diferentes dos nossos acerca da vida e do mundo, por
exemplo – nem melhores, nem piores. Isto pode ser explicado por inúme-
ros fatores inter-relacionados, fruto das distintas experiências e de uma com-
plexa teia de relações sociais, constituídas historicamente no âmbito de cada
cultura.
Nossa perspectiva cultural (a educação do nosso olhar) normalmente
está relacionada com o lugar social ocupado por nós e as relações estabele-
cidas com os demais, na sociedade. O modo como vemos o mundo, aprecia-
mos as coisas de forma valorativa e moral, nossos comportamentos sociais e
até posturas corporais são produtos de uma herança cultural, analisa Laraia.
As Ciências Sociais, em especial a Antropologia, ao ampliar nosso conhe-
cimento acerca de outras culturas e suas expressões, nos ajudam a relativizar
nossa visão de mundo. Em outras palavras, fazem refletir sobre as diferenças
entre as diversas culturas e aprimoram a perspectiva por meio da qual per-
cebemos e interpretamos a própria cultura. Esse processo também nos ensi-
na que muitos comportamentos e visões de mundo que nos parecem “natu-
rais” ou “biológicos” na verdade são produtos da cultura, já que variam em
diferentes grupos e sociedades.
O reconhecimento da existência do outro, de culturas de diferentes
grupos, povos e sociedades (a alteridade), implica a experiência do conta-
to com outras culturas, a aceitação das diferenças. Essa é uma forma de
desvendar alguns aspectos da nossa cultura que antes nos passavam des-
percebidos.
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Compreendendo outras culturas, podemos passar a compreender melhor as
nossas próprias. [...]. Cada sociedade humana é única, mas as instituições que ela
compreende são variações de temas que são compartilhados por todas. Aprenden-
do alguma coisa sobre estas variedades podemos aprender a nos ver no contexto
etnográfico; podemos passar a ver que nossas soluções para os problemas comuns
da vida em comunidade não são as únicas possíveis. Assim, aprendendo a impor-
tância prática das crenças de feitiçaria para os Azande [grupo étnico do Norte da
África Central, República Democrática do Congo], o ocidental pode vir a compreen-
der algo de seu próprio passado; não faz muito tempo que os europeus ocidentais
também acreditavam em feiticeiras e as destruíam quando eram descobertas.
BEATTIE, John. Introdução à Antropologia Social. São Paulo: Companhia Editora Nacional/Edusp, 1971, p. 322.
hh alteridade: do latim alteritas (‘outro’),
indica a condição daquilo que é dife-
rente, distinto.
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A cultura e suas transformações • 127
•A leitura deste fragmento da obra de John Beattie (1915-1990), antropólogo so-cial irlandês, nos faz pensar sobre o aprendizado da convivência e do respeito in-tercultural. Pesquise e apresente na turma alguns traços de outras culturas que se aproximam da nossa. Discutam sobre os contrastes e semelhanças no modo de viver desses povos.
Nós e os outros
A diversidade cultural diz respeito às distintas maneiras segundo as quais sociedades e grupos sociais se organizam e se relacionam entre si e com a natureza. Vivências em outras sociedades, leituras variadas, viagens, f ilmes retratando diferentes costumes podem se constituir em instrumentos que nos permitem refletir sobre o quanto somos diferentes ou iguais em relação a outros povos e culturas. Constatada a coexistência e a convivência de dife-rentes culturas, cabe às Ciências Sociais não apenas estudá-las e compará-las de maneira a evidenciar as diferenças nos modos de vida, mas favorecer a reflexão sobre a própria sociedade, seus valores e costumes.
Tantas são as culturas quantos são os povos, os grupos sociais e as etnias existentes. Para além da diversidade de culturas, porém, as relações entre as diferentes culturas são marcadas pela desigualdade. Os interesses e as visões de mundo são distintos, gerando tensões no âmbito das sociedades e certa hierarquização entre povos e nações decorrentes de disputas de fundo político e econômico. Essa diferenciação social está explicitada, muitas vezes, na busca por emprego, nos diferentes locais de moradia, na necessidade de povos se deslocarem e/ou se abrigarem em acampamen-tos. Esses são apenas exemplos de conflitos de interesses que podem impli-car a luta por um espaço físico e cultural com os quais os grupos sociais se identif icam culturalmente.
Em decorrência de processos históricos de dominação e migração, entre outros, ocorrem também processos de interação cultural que implicam difu-são e reconf iguração da cultura, traços ou manifestações culturais espe-cíf icos. É como se sociedades distintas convivessem no interior de um mesmo grande grupo social. O resultado da influência cumulativa e da imbricação entre diferentes culturas pode ser identif icado no trecho a seguir.
O cidadão norte-americano desperta num leito construído segundo padrão
originário do Oriente Próximo, mas modificado na Europa Setentrional, antes de ser
transmitido à América. Sai debaixo de cobertas feitas de algodão cuja planta se tor-
nou doméstica na Índia; ou de linho ou de lã de carneiro, um e outro domesticados
no Oriente Próximo; ou de seda, cujo emprego foi descoberto na China. Todos estes
materiais foram fiados e tecidos por processos inventados no Oriente Próximo. Ao
levantar da cama faz uso dos “mocassins” que foram inventados pelos índios das
florestas do Leste dos Estados Unidos e entra no quarto de banho cujos aparelhos
são uma mistura de invenções europeias e norte-americanas, umas e outras recen-
tes. Tira o pijama, que é vestuário inventado na Índia, e lava-se com sabão, que foi
inventado pelos antigos gauleses, faz a barba, que é um rito masoquístico que pa-
rece provir dos sumerianos ou do antigo Egito.
LINTON, Ralph. Apud LARAIA, Roque. Cultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Zahar, 1988. p. 110.
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128 • capítulo 5
A interação cultural gera novas formas de identidade cultural. A consciên-cia de pertencer a determinado grupo social – seja por caracteres comuns de gênero ou de origem étnica, seja por interesses específ icos, prof issão, atividades realizadas, crenças e costumes semelhantes – aproxima os indiví-duos em determinada sociedade, levando à formação de agrupamentos de diversos tamanhos. Nesse sentido, a identidade cultural é aquela marca ca-racterística de um grupo social que partilha um ideal, valores, costumes e comportamentos formados ao longo da sua história.
A identidade cultural de um grupo (independentemente de seu tamanho) é de extrema importância para seu reconhecimento social e político e assenta--se em ideias e representações sociais. Ao se defrontarem, os grupos sociais podem desenvolver ideias de aceitação ou não de outros grupos, provocando disputas. Um exemplo é o f ilme brasileiro Cidade de Deus, inspirado no roman-ce de mesmo nome escrito pelo jornalista Paulo Lins e que se baseia em notí-cias de jornais sobre a comunidade carioca que batiza as obras. O protagonista Buscapé encontra-se em diferentes crises de identidade cultural. Por um lado, ele é morador da Cidade de Deus, pobre e negro. Quando começa a trabalhar no jornal, passa a conviver com pessoas brancas da classe média do Rio de Ja-neiro. Em vários momentos do f ilme ele se questiona se deveria “f icar de um lado ou de outro”, se deveria se identif icar mais com um grupo ou outro.
É a partir da nossa identidade cultural que construímos a ideia de “eu”, “nós” e “outros”. A forma como o fazemos muitas vezes constrói fronteiras sociais ligadas à classe socioeconômica, à raça, ao gênero, ou mesmo a ou-tros fatores como o bairro onde moramos, os programas de TV de que gos-tamos, o tipo de roupa que preferimos, etc. Por meio destes e de muitos outros elementos combinados, identif icamos “semelhantes” e “outros” nas pessoas com quem compartilhamos a vida social. Algumas dessas fronteiras sociais, aliadas a tendências etnocêntricas que reproduzimos até hoje – em-bora tenham sido mais populares antes do século XX –, formavam as chama-das “teorias” sociais racistas.
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Protagonista do filme Cidade de
Deus, Buscapé (interpretado por
Alexandre Rodrigues) se vê em
crise de identidade depois que
começa a conviver com uma
realidade muito diferente daquela
em que cresceu.
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A cultura e suas transformações • 129
No decorrer do colonialismo do século XIX, emergiram diversas “teorias” racistas que tomaram a forma de “teorias sociais”, uma vez que os países euro-peus precisavam do aval da ciência para justif icar suas ações imperialistas na África e na Ásia, bem como as ações pregressas, durante a colonização das Amé-ricas, quando os europeus subjugaram indígenas e negros, forçando-os ao tra-balho doméstico e na lavoura. Nestes casos, as teorias sociais racistas desobriga-vam os grupos dominantes europeus de tratarem como humanos os indígenas e negros escravizados, uma vez que não eram considerados “semelhantes”, e sim “inferiores”. Vejamos algumas dessas “teorias”, que hoje são totalmente rechaça-das e recusadas pelas Ciências Sociais, pois não têm validade científ ica alguma; declaravam-se teorias, mas sempre foram ideologias.
Bases teóricas do racismo – século XIX
Denominação Justificativa
Arianismo
Classifica uma população em “limpos
de sangue” e “infectos”
Justificava a desigualdade entre os seres humanos e advertia contra o cruzamento das
raças. Um de seus teóricos foi o filósofo francês Joseph Gobineau (1816-1882), que
distinguiu os semitas dos arianos, os quais seriam física, moral e culturalmente
superiores. Essa teoria foi apropriada no século XX em defesa da superioridade
germânica e induziu as experiências do Terceiro Reich, na Alemanha.
Darwinismo social
Defende a sobrevivência dos mais
aptos
Inspirados na teoria da seleção natural das espécies, do naturalista britânico Charles
Darwin (1809-1882), teóricos sociais buscaram aplicar a mesma ideia à sociedade
humana, afirmando que só os mais capazes sobreviveriam.
Evolucionismo social
Trabalha com o conceito de evolução
da humanidade, dividindo os
indivíduos em categorias, como
selvageria, barbárie e civilização
Essa teoria pensava a espécie humana como única, com desenvolvimento desigual e
diferentes formas de organização. Para seus teóricos, a sociedade europeia tinha
atingido o progresso, ponto máximo da evolução – a “civilização” –, enquanto povos
“menos evoluídos” eram considerados “primitivos”. Um representante deste
pensamento foi o filósofo inglês Herbert Spencer (1820-1903).
Eugenia
Defende a pureza das raças
Inspirada na proposta do cientista inglês Francis Galton (1822-1911), defendia a
seleção, pelo Estado, de jovens saudáveis e fortes, aptos para procriar seres mais
capazes. Acreditando ser possível a “purificação” da raça, essa teoria chegou a propor a
esterilização de doentes, criminosos, judeus e ciganos. Essas ideias inspiraram as
terríveis experiências pseudocientíficas do Terceiro Reich na Alemanha.
Essas correntes de pensamento desenvolvidas no século XIX tiveram reper-cussão social, com desdobramentos políticos entre as nações, no século XX. Em diversos momentos, a adesão dos brancos a tais ideias dif icultou a acei-tação da diversidade étnica e cultural, ratif icando a ideia de que o outro (não branco) é ameaçador, estranho, estrangeiro, diferente.
As descobertas dos horrores provocados durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) – com os campos de concentração e a eliminação de judeus, ciganos e doentes – não foram suf icientes para derrotar o precon-ceito e o racismo. Na Europa, sobretudo nos anos 1980, com o aumento da imigração vinda das ex-colônias, reemergiram nacionalismos de caráter conservador, fundados no racismo, na intolerância e na xenofobia. Quan-do a sensação de pertencimento (o sentimento coletivo de pertencer a uma nação, a um grupo social, partilhar um sistema de valores, experiên-cias, tradições e a mesma língua) se torna exacerbada, muitas formas de violência vêm à tona.
hh xenofobia: nome dado ao senti-
mento de ódio ou aversão ao que
é estrangeiro.
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130 • capítulo 5
No Brasil, o período de escravidão também era embasado nestas “teorias”.
Na época, diversas fontes supostamente “científ icas” defendiam que os negros
eram “naturalmente” mais fortes do que os brancos e, portanto, “forjados” pa-
ra o trabalho braçal. As mesmas “teorias” defendiam que eles não seriam hu-
manos, mas uma sub-raça, e por este motivo não teriam direitos como os bran-
cos. Embora a abolição da escravidão no Brasil tenha acontecido em 1888,
políticas racistas continuaram a ser colocadas em prática pelo Estado. Um
exemplo de política racista foram os acordos de imigração, feitos com países
europeus para trazer imigrantes e “branquear” a população. Com a força de
trabalho semiescrava branca dos imigrantes, os proprietários de terra não pre-
cisavam pagar salários aos seus ex-escravos, coisa que eles se recusavam a fazer,
podendo pagar salários àqueles que eles julgavam dignos disso – seus “seme-
lhantes” brancos. Os escravos libertos f icaram à margem da sociedade, e os
imigrantes brancos recém-chegados tinham mais direitos sociais que eles, po-
dendo inclusive comprar terras quando acumulassem algum dinheiro, coisa
que era vetada socialmente aos negros. Ou seja, os proprietários de terra recu-
savam-se a vendê-las a negros, priorizando os imigrantes europeus brancos.
Essas “teorias” desempenharam o papel de ideologias, que têm, entre
suas f inalidades políticas e econômicas, a dominação, o controle e a subor-
dinação de indivíduos e grupos sociais.
Ideologia e cultura
Muitas manifestações culturais são expressões
da ideologia, um conceito importante e polêmico.
Ele expressa um fenômeno que ocorre no plano das
ideias e pensamentos sobre a realidade material.
A palavra ideologia tem muitos sentidos e foi
criada, em 1801, pelo filósofo francês Destutt de
Tracy (1754-1836), que a empregou como ciência das
ideias (fatos da consciência). Ideologia também pode
designar uma doutrina, um conjunto de ideias que
infl uencia grupos sociais, legitimando formas de
ação: doutrinas econômicas, políticas, filosóficas, etc.
Em meados do século XIX, Marx e Engels deram
ao termo sua concepção política. Presente no dia a
dia, a ideologia justifica as posições que assumimos e
nos dá sua visão das relações sociais. Ela se manifesta
nas representações sociais, em palavras, sentimentos
e condutas que se cristalizam nas crenças, nas reli-
giões, na filosofia, no direito, na política, etc.
Ao instaurar essas crenças, a ideologia sustenta a
dominação social, estudada no capítulo 1, porque ela
explica o fato de a sociedade ser de um modo e não
de outro, valendo-se de justificativas convenientes
aos que ocupam postos de mando. Com isso, ela faci-
lita a aceitação dessa realidade desigual, legitima de-
terminadas posições políticas e justifica práticas so-
ciais que reproduzem as relações de dominação.
Cartaz de propaganda ofi cial do governo militar brasileiro,
veiculado em 1976. A ideologia nos dá a visão que as classes
dominantes querem que tenhamos, para ocultar ou dissimular os
fatos da realidade.
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A cultura e suas transformações • 131
Mesmo nos dias de hoje, minorias populacionais no mundo todo enfren-
tam a discriminação e os ataques de grupos racistas, oriundos da não aceita-
ção da diferença e de uma visão deturpada de superioridade cultural que
desrespeita o outro. No Brasil, apesar da linha de pensamento sociológico
que, nos anos 1930, cunhou o mito de existir uma “democracia racial” –
uma sociedade multirracial e livre de preconceitos –, indígenas e negros
ainda são alvos de discriminação social, bem como os nordestinos que mi-
graram devido ao contexto econômico desfavorável em seus estados de ori-
gem, especialmente na segunda metade do século XX.
No f inal do século XX, as questões étnico-religiosas e os conflitos cultu-
rais ganharam espaço novamente na esfera pública. O antropólogo estadu-
nidense Clifford Geertz (1926-2006) observou como algumas identif icações
do tipo “sou indiano” ou “sou xiita” se difundiram em várias partes do mun-
do. Como cada indivíduo pertencente a um grupo com cultura própria tem
sua concepção desse grupo e do sentimento de pertencimento a ele, pode-
-se dizer que essa construção mental depende mais de fatores coletivos gru-
pais do que somente do indivíduo. Dessa forma, uma pessoa geralmente se
identif ica não só por seu nome e sobrenome, mas também por meio de
marcadores coletivos/sociais, como nacionalidade (brasileiro), prof issão
(socióloga), fenótipo ou aparência física (negro, ruiva), etc. Nossa associa-
ção com estes marcadores também acontece pelo contexto em que nos
identif icamos. Se estamos num grupo apenas de brasileiros, muito provavel-
mente não nos identif icaremos com esse marcador.
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Transporte de um comboio de negros,
aquarela de Johann Moritz Rugendas que
retrata um comboio de escravos durante
parada em um rancho no interior do Brasil
do século XIX. O viés racista da sociedade
brasileira nos períodos colonial e imperial
deixou resquícios em formas de
discriminação racial vistas na atualidade.
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ck A descoberta dos horrores provocados nos
campos de concentração, por exemplo, não
foi suficiente para derrotar o preconceito e o
racismo. Na foto colorizada ao lado, Hitler
durante comício em Dortmund, Alemanha,
na década de 1930.
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132 • capítulo 5
Encontro com ciEntistas sociais
A identidade cultural também tem um propósito político, muitas vezes. No caso
dos países que foram colonizados, como o Brasil, a criação de uma identidade cultu-
ral nacional teve e tem um papel fundamental para que o Estado se f irme após a in-
dependência. Em muitos países da América Latina, a identidade cultural dos povos
formou o Estado. No Brasil, num processo “de cima para baixo”, o Estado se instituiu
antes que houvesse uma identidade nacional popular. No início do século XX, mui-
tos sociólogos, intelectuais e pensadores brasileiros dedicaram-se a investigar a cul-
tura brasileira, perguntando-se o que teríamos de específ ico em nossa identidade, o
que nos tornaria brasileiros. Também foram feitos esforços em vários governos (co-
mo no Estado Novo de Getúlio Vargas) para instaurar símbolos de uma cultura na-
cional. Uma das obras clássicas da Antropologia brasileira, O povo brasileiro (1995),
de Darcy Ribeiro (1922-1997), investiga a trajetória de nossa identidade cultural
nacional. Leia um trecho da conclusão desta obra, abaixo, e depois responda às
questões no caderno.
Nós, brasileiros, [...] somos um povo em ser, impedido de sê-lo. Um povo mesti-
ço na carne e no espírito, já que aqui a mestiçagem jamais foi crime ou pecado.
Nela fomos feitos e ainda continuamos nos fazendo. Essa massa de nativos oriun-
dos da mestiçagem viveu por séculos sem consciência de si, afundada na ninguen-
dade. Assim foi até se definir como uma nova identidade étnico-nacional, a de bra-
sileiros. Um povo, até hoje, em ser, na dura busca de seu destino. [...] É de assinalar
que, apesar de feitos pela fusão de matrizes tão diferenciadas, os brasileiros são,
hoje, um dos povos mais homogêneos linguística e culturalmente e também um
dos mais integrados socialmente da Terra. Falam uma mesma língua, sem dialetos.
Não abrigam nenhum contingente reivindicativo de autonomia, nem se apegam a
nenhum passado. Estamos abertos é para o futuro.
RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. p. 410. (Cia. de Bolso)
1. O Brasil é um país culturalmente muito diverso. Você consegue dar exemplos de
diversidade cultural entre bairros, cidades, regiões do país? Que costumes são si-
milares e diferentes entre esses lugares que você conhece? (Se você nunca tiver
saído da sua cidade, pense nas pessoas que já conheceu que vinham de outros
locais, ou nas coisas que vê na televisão, no cinema, nos jornais e livros.)
2. Que características identificam você como brasileiro/a? Será que estas caracterís-
ticas são comuns a todos os brasileiros e brasileiras?
3. Segundo Darcy Ribeiro, os esforços para construir no Brasil uma identidade cul-
tural nacional teriam dado certo? Qual a sua opinião, pensando na realidade
brasileira dos dias de hoje?
Diversidade cultural na sociedade brasileira
O Brasil é uma nação pluriétnica e multicultural, composta por diversas
formas de organização social em diferentes grupos. Podemos observar essa
diversidade e suas variações, por exemplo, entre os proprietários de terras,
os dirigentes e os representantes políticos, os moradores das favelas nas
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A cultura e suas transformações • 133
grandes cidades, a população jovem que cursa o Ensino Médio em escolas
públicas. Neste país com indivíduos tão diferentes entre si – pela cor da pe-
le, pela classe social a que se integram, pela região onde moram, pela gera-
ção a que pertencem, etc. – existem um racismo difuso e uma discriminação
velada, porém efetivos. Esses sentimentos perpassam as relações sociais, seja
no trabalho, seja na escola, e se expressam na intolerância cotidiana e na
não aceitação da diferença, seja ela de cor de pele, de comportamento, de
costumes ou de aparência.
Desconsiderar a diversidade cultural, muitas vezes, nos impede de perce-
ber que a desigualdade social e a discriminação restringem o acesso aos bens
materiais e culturais por amplos setores da população. Desencadeadas pelo
preconceito e pela concentração de renda (e de poder), novas formas de
exclusão social derivam hoje do desemprego, do trabalho precário, das exi-
gências da tecnologia informacional, próprias do moderno processo de pro-
dução capitalista.
Devido à desigualdade social marcante no Brasil, surgem diferentes con-
cepções e representações da realidade nacional. A cultura, assim como os
códigos de conduta e de sobrevivência entre as populações marginalizadas
– moradores de rua, de comunidades de baixa renda, desempregados –,
expressam modos de vida muito particulares. O caso das comunidades in-
dígenas brasileiras é signif icativo para pensarmos na marginalização de
certas culturas.
Durante muitos séculos, os indígenas não foram respeitados em seus costu-
mes e no seu direito ao uso das terras. Os povos indígenas que sobreviveram ao
genocídio causado pela colonização foram limitados a espaços onde não con-
seguem viver sua cultura de forma plena. A falta de respeito à sua cultura tam-
bém faz com que empresas multinacionais e fazendeiros se aproveitem ilegal-
mente de suas terras, muitas vezes acabando com a sustentabilidade dos
recursos naturais que as tribos utilizariam como forma de subsistência.
Na foto ao lado, indígenas da
Reserva Raposa Serra do Sol,
em Roraima, protestam em
frente ao Congresso Nacional
(Brasília), em 2008, pela
demarcação de suas terras.
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134 • capítulo 5
A Constituição brasileira de 1988 garante a demarcação das terras in-dígenas com o objetivo de reverter algumas injustiças e proporcionar condições de subsistência para o modo de vida de suas populações, embora o conflito com fazendeiros e representantes do agronegócio seja constante. Ainda que muitos de seus traços culturais estejam presentes em nosso cotidiano e seja signif icati-va a sua contribuição para o desen-volvimento do país, a participação desses povos em nossa história conti-nua pouco valorizada pela maioria das pessoas.
Um processo semelhante ocor-reu com os negros escravizados, cuja chegada ao Brasil se relaciona aos
processos de escravização e deportação de pessoas da África para a América. Na visão do antropólogo Carlos Brandão, esse grupo étnico também foi “educado” pelos europeus, ou seja, tornado “igual” para melhor servir aos interesses dos grandes proprietários de terra. Aos africanos trazidos e a seus descendentes foram impostas a língua e a religião dos colonizadores para que pudessem entender as ordens recebidas e obedecer.
Muitas vezes as culturas do branco, ou seja, dos europeus e seus descen-dentes foram (e são) julgadas superiores às outras, o que resultou no passa-do e no presente em diversas formas de resistência à dominação cultural. Um episódio histórico de 1835, na Bahia, ilustra uma resistência, a dos Malês, escravos africanos de religião muçulmana, dispostos a abolir a domi-nação dos senhores brancos. A revolta foi duramente reprimida pelas for-ças of iciais.
A importância dos africanos e seus descendentes para a história do Bra-sil, como alertam diversos estudos culturais, precisa ser reconhecida e valo-rizada. Os registros de sua trajetória, de sua cultura e de seu trabalho – fun-damentais para nossa economia – estão muito aquém da riqueza e da diversidade de sua participação. Visando reparar essa situação e expor o preconceito existente na nossa sociedade, alguns sociólogos se dedicaram ao tema, como foi o caso de Florestan Fernandes, em A integração do negro na
sociedade de classes (1964), e de Octavio Ianni, com As metamorfoses do escravo (1962) e Raças e classes sociais no Brasil (1966). Esses estudos mostram que o preconceito e o racismo têm raízes em condições sociais históricas.
Os direitos conquistados na legislação por esses grupos não têm sido suf icientes para constituir uma sociedade de justiça e democracia. Basta lembrar que a discriminação é considerada crime desde a Constituição de 1988, mas nem por isso ela deixou de existir. Em seus artigos 215 e 216, por exemplo, a Constituição discorre sobre a possibilidade de regulariza-ção de terras para as comunidades remanescentes de quilombos, reco-nhecendo a propriedade def initiva sobre elas, desde que ocupadas por
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Índios Kuikuro em festa do Kuarup na aldeia Afukuri, no Parque Indígena do Xingu, em 2012.
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A cultura e suas transformações • 135
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Acima, descendentes de japoneses no monumento em homenagem ao Centenário da Imigração Japonesa, concebido pela artista plástica
Tomie Ohtake e instalado no Aeroporto Internacional de Guarulhos (SP). Foto de 2008.
descendentes de escravos. Porém, como no caso das terras indígenas,
muitos processos de regularização demoram anos para serem concluídos,
devido à pressão de grupos econômicos.
Ainda que indivíduos e famílias pertencentes aos grupos denomina-
dos minorias estejam conseguindo galgar posições valorizadas social e
economicamente pela conquista de um emprego formal ou de melhores
condições de vida, superando preconceitos, barreiras econômicas e cultu-
rais, os dados estatísticos brasileiros revelam a persistência da desigualda-
de social racial.
O racismo é uma construção histórica que resiste no campo simbólico,
ou seja, nas ideias que as pessoas têm sobre “ser negro” e “ser branco”. Os
estudos sobre esse tema sugerem que o combate ao preconceito precisa
ser enfrentado pelo Estado por meio da educação e de políticas af irmati-
vas, com o objetivo de desenvolver a cidadania plena, isto é, com todos os
direitos sociais e políticos assegurados, como veremos no capítulo 7.
a construção de uma identidade nacional está ligada à ideia de
pertencimento a um território, a um país ou a um povo. assim, as diferenças
culturais estão presentes na formação da sociedade.
Há, no mundo atual, intenso imbricamento cultural entre as realidades
locais e a global. O diverso e o diferente se ampliam para além das questões
étnico-raciais. As demais culturas estrangeiras, especialmente as europeias e
a estadunidense, influenciam na constante transformação da cultura brasi-
leira, seja pela presença do imigrante em nossa história, seja pelo desen-
volvimento do mercado de consumo – moda, tecnologia, artes,
conhecimentos variados – e dos meios de comunicação de massa.
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136 • capítulo 5
dEbatE
A cultura brasileira deve tributo aos primeiros habitantes das nossas terras e, no
entanto, até hoje há dif iculdades para garantir aos povos indígenas os direitos que
lhes foram assegurados pela Constituição brasileira de 1988. A matéria jornalística
abaixo é um convite a essa reflexão. Depois da leitura, em equipe, discutam a ques-
tão colocada.
[...] na Amazônia, a Funai resgatou em agosto [de 2007] dois índios isolados
no meio de uma área tomada pela extração ilegal de madeira, na região mais
violenta do Brasil [Colniza, em Mato Grosso]. Falantes da língua tupi kawahib,
chamados de piripkuras, são os últimos sobreviventes de massacres perpetra-
dos ao longo dos últimos 20 anos. Nunca haviam feito contato tão próximo com
sertanistas da fundação [Funai]. Viviam escondidos, à espreita do movimento de
madeireiros [...]. Ao contrário do resto de seu povo, os índios, que atendem pe-
los nomes de Tucan, com cerca de 50 anos, e Mande-I, com mais ou menos 35,
conseguiram desenvolver estratégias de sobrevivência extremamente sofistica-
das para uma vida sem contato em uma floresta.
MILANEZ, Felipe; ALCâNTARA, Araquém. Contato na selva. Especial de CartaCapital, 31 out. 2007. p. 10.
•Por meio desse texto f ica claro que, muito além do direito de expressão da pró-
pria cultura, os indígenas estão sendo privados de outros direitos básicos, previs-
tos por nossa Constituição. Pensando sobre isso, discorra em algumas linhas sobre
a integração dos povos indígenas na construção do Brasil.
hh As dinâmicas culturais
Ao observarmos nosso país, podemos nos perguntar: de onde vêm nosso
modo de vida, nossos hábitos, os objetos do dia a dia? Por que o Brasil se
apresenta tão diverso regionalmente?
A ocupação das terras pelos colonizadores, o uso de mão de obra africana
e indígena e a vinda de imigrantes a partir do século XIX trouxeram contri-
buições que f izeram a diversidade cultural do país. Com os imigrantes euro-
peus e asiáticos, entre outros, vieram costumes, tradições, manifestações artís-
ticas, culinárias, crenças e ritos religiosos de suas culturas de origem, além de
conhecimentos próprios de suas ocupações prof issionais, como agricultores,
marceneiros, ourives, comerciantes, artesãos, artistas, construtores, operários
que eram. Muitos desses imigrantes também contribuíram com a própria or-
ganização dos trabalhadores e de seus movimentos associativos, quando o Bra-
sil, antes um país de base econômica predominantemente rural, transitava
para uma economia urbano-industrial.
o convívio de povos tão diferentes em regiões diversas é responsável pela
variedade de características culturais no cenário nacional.
As migrações internas propiciaram não apenas crescimento econômico
como trocas e o aprendizado intercultural. Esses fluxos de população ocor-
reram em diversos momentos e por razões distintas, como evasão das regiões
semiáridas devido às secas, modernização da agricultura, criação e transporte
de gado, expansão da fronteira agrícola, exploração dos recursos minerais,
entre outras atividades.
Palê Zuppani/Pulsar Imagens
Acima, em Juazeiro, na Bahia,
vaqueiro vestindo roupa
tradicional: o gibão. Foto de
2008. Os diferentes trajes
usados, conforme as regiões do
país, revelam traços culturais
específicos de determinados
grupos sociais.
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A cultura e suas transformações • 137
As migrações, porém, não ocorreram sem conflitos. Muitas foram as dis-
putas e as dif iculdades por que passaram os migrantes: enfrentamentos com
o poder local, a luta pela terra, a procura por trabalho, os problemas de adap-
tação às regiões receptoras, a exploração do trabalho. Os nordestinos que fo-
ram para São Paulo e para os estados da Amazônia; os gaúchos e catarinenses
instalados no sudoeste do Paraná; os sulistas nos estados de Rondônia e Mato
Grosso; os paulistas e mineiros no norte do Paraná e no Rio de Janeiro; são
exemplos que reconf iguram a diversidade dos costumes e das tradições.
Essa dinâmica cultural é resultado do movimento da sociedade e nela
interfere. Ela leva a culinária, os valores, as tradições artísticas, os modos de
vida típicos de uma região para outra. Por exemplo, o pão de queijo, o chur-
rasco, a tapioca, a polenta, a pizza, o vatapá, a feijoada, o quibe e outros qui-
tutes são elementos portadores de identidade cultural.
O mesmo intercâmbio cultural ocorre com manifes-
tações como o bumba meu boi, a Festa do Divino, o fan-
dango, entre outras, quando levadas de seus locais de
origem para outras regiões. Quando se pensa em cultura,
é preciso considerar as influências mútuas e de como
elas coexistem e subsistem.
A cultura e sua relação com as classes sociais é um te-
ma recorrente nas Ciências Sociais, gerando muitos e ca-
lorosos debates, como estudado no capítulo 1. Para a psi-
cóloga brasileira Ecléa Bosi, a cultura formada por
expressões típicas e espontâneas vindas do povo articula
uma concepção do mundo que é diferente das visões da
elite, a chamada cultura erudita. A f ilósofa Marilena
Chaui (1941-) pondera que, quando determinada prática
cultural é def inida como “popular”, ela assimila as divi-
sões da sociedade em classes e tende a ocultar as ideias
dominantes.
Não é possível def inir manifestações culturais de mo-
do fragmentado, pois os diversos grupos coexistem e ex-
pressam sua visão de mundo e representações sociais com
base também nas relações estabelecidas com os demais. A
crítica social da literatura de cordel no Nordeste brasileiro
é um exemplo disso. Outro exemplo se refere à capoeira,
criada pelos africanos escravizados no Brasil colonial. Co-
mo uma dança/luta, ela está diretamente relacionada à
oposição estabelecida entre escravos e seus senhores.
Mudanças culturais na sociedade global
Como produtores e consumidores de cultura, os grupos socioculturais se
diferenciam e podem reproduzir simbolicamente as relações de poder vigen-
tes, e até contestar determinadas formas culturais no interior de sua comuni-
dade e da sociedade. De que modo distinguimos uma comunidade de uma
sociedade, ainda mais quando as relações entre as realidades locais e a global
tendem a ser mais intensas e interinfluentes?
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Literatura de cordel no Mercado de Artesanato Paraibano,
em João Pessoa (PB). Foto de 2008.
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138 • capítulo 5
O desenvolvimento da sociedade moderna mostrou que as relações so-
ciais tendem a mesclar o que é comum (partilhado em pequenos grupos)
com o que se apresenta na extensão da sociedade. Comunidade também
pode se referir, genérica e idealmente, a um modelo de vida coletiva, não
necessariamente delimitado no espaço geográf ico (caso das comunidades
que não estão próximas, mas se apoiam), que apresentam interesses comuns
e ligações afetivas.
O processo de globalização, visto no capítulo 1, no que se refere às diver-
sas culturas, apresenta uma ambivalência: por um lado, pode representar
algum risco para as identidades culturais de variados grupos sociais locais
quando em contato ou sob o domínio de uma outra cultura (certa tendên-
cia de homogeneização); por outro, a diversidade tende a se reaf irmar tam-
bém, seja pela via de resistência, seja pelo uso de suas tecnologias (como a
internet) para a difusão de suas manifestações.
De fato, com a globalização emergiu o debate sobre “cultura global”.
Alguns autores consideram que a globalização levaria à homogeneização
cultural. No entanto, as relações em sociedade são mais complexas. Não
podemos af irmar que há uma cultura global de modo def initivo nem que a
globalização padronizou os povos culturalmente, já que estes se apropriam
da “cultura global” de várias formas.
Na contramão das mudanças acarretadas pela globalização, alguns gru-
pos sociais tendem a criar resistências à homogeneização da cultura. A ques-
tão da identidade desponta como um elemento-chave nesse processo de
af irmação. As minorias sociais alimentam a ideia de identidade para buscar
reconhecimento e inserção social quando grandes transformações as atin-
gem e menosprezam seus modos de vida ou suas “comunidades”.
As minorias sociais não são def inidas pela questão numérica, mas pelas
dif iculdades impostas a esses grupos no acesso às instâncias de poder e pela
situação discriminatória e excludente em que se encontram. Por exemplo,
o número de indivíduos que se consideram negros e pardos no Brasil, se-
gundo o IBGE, corresponde proporcionalmente à população que se diz
branca. Entretanto, se comparados aos brancos, apresentam reduzida pre-
Comunidade e sociedade
O sociólogo alemão Ferdinand Tönnies foi o pri-
meiro a empregar o termo comunidade, contrapon-
do-o ao conceito de sociedade, dentro da tradição
sociológica de classificar os fenômenos sociais.
Segundo Tönnies, comunidade refere-se a uma
coletividade na qual é alto o grau de coesão com base
em valores, interesses, normas e costumes partilhados
pelos indivíduos e grupos que a integram. Em termos
físico-territoriais, comunidade corresponde a um
agrupamento cujos laços de vizinhança, consanguini-
dade e/ou étnicos criam condições de afinidades en-
tre os membros.
Por ser um representante da Sociologia clássica,
Tönnies conceitua sociedade contrapondo-a ao con-
ceito de comunidade. Assim, ele classifica sociedade
como um fenômeno em que há relações contratuais,
regidas por interesses econômicos, culturais, políticos,
tomando por modelo a sociedade industrial, da qual
as fábricas, as organizações e o Estado moderno são as
principais expressões.
A análise de Tönnies exclui, porém, outros mode-
los de sociedade, sendo, portanto, eurocêntrica. Ela
nos serve aqui para compreender o contexto em que
vivemos hoje, e não para generalizações.
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A cultura e suas transformações • 139
Resistência e culturas alternativas
Muitas vezes, grupos considerados minorias sociais
propõem culturas alternativas ou formas diferenciadas
de expressão, criando processos de resistência e afirma-
ção. Alguns exemplos desse tipo de manifestação são o
movimento hip-hop e o funk, entre outros.
O funk carioca surgiu na década de 1970 com os
denominados bailes “da pesada”, festas populares com
potentes equipamentos de som. Seu impacto decorre
do fato de reunirem milhares de jovens para encon-
tros musicais e dançantes. Os grupos de “funkeiros”,
antes concentrados no Rio de Janeiro, difundiram-se
para outras regiões do país.
Hip-hop é um movimento social com traços de
cultura de rua, definição que enfatiza seu caráter
contestador, que procura mostrar a cidade em seus
diversos aspectos. Os jovens que o integram consi-
deram-no uma filosofia de vida que difunde a “voz da
periferia”. Mediante suas narrativas, propõem a revi-
talização do espaço urbano com práticas que propi-
ciam a criação de grupos artísticos e políticos. O hip-
-hop tem várias manifestações em artes distintas,
como o grafite, o rap ou a dança break, embora não
se limite a elas.
Ao contestarem as organizações dominantes e os
mecanismos de dominação cultural, esses movimen-
tos constroem identidades coletivas baseadas em rei-
vindicações, aspirações e desejos comuns.
sença em funções socialmente mais valorizadas e com melhores salários. Co-
locadas em situações como essas, sobretudo por fatores históricos, tais mino-
rias enfrentam dif iculdades em manter ou melhorar sua condição
socioeconômica e em expressar suas tradições culturais.
Muitas manifestações culturais alternativas são consideradas contra-
-hegemônicas, por serem reações à cultura dominante e à sua visão do
mundo. Hegemonia cultural é o conceito utilizado pelo cientista político
italiano Antonio Gramsci para designar a dominação de uma classe social
sobre outra fundada na ideologia e, portanto, no convencimento (e não
na coerção).
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DJ toca em baile funk da comunidade Rocinha, na capital do Rio
de Janeiro, em março de 2012.Apresentação de hip-hop em galeria no centro de São Paulo (SP),
em 2009.
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140 • capítulo 5
Indústria cultural e práticas sociais
Nos dias de hoje, as culturas são influenciadas tanto pelos costumes locais
como por comportamentos que, em certa medida, tendem a uniformizar as
expressões culturais pelo mundo. Contudo, apesar de sofrerem modif icações,
as diferentes culturas locais não desaparecem. A cultura é um processo social
refeito e renovado continuamente. Analisemos como isso ocorre.
Os hábitos culturais são influenciados por modismos, imposições e estí-
mulos ao consumo, que é um comportamento social ligado ao estilo de vida
na sociedade contemporânea e envolve aquisição, troca ou obtenção de ser-
viços e bens materiais ou simbólicos, supondo seu uso, gozo e fruição.
O consumo na atualidade é proporcionado por um sistema flexível de
produção e de ampla circulação de mercadorias e tem provocado mudanças
nos hábitos culturais e nos espaços de comercialização. Desse modo, nos free
shops, shopping centers, parques temáticos, nas redes de hipermercados, cida-
des turísticas, no mercado virtual on-line, o consumo ocorre sem fronteiras
para a origem das mercadorias e o tempo de funcionamento é liberado ao
ritmo da acumulação capitalista.
Certos gostos e hábitos são associados pela publicidade a determinadas
faixas etárias; outros, aos mundos “masculino” ou “feminino”; alguns se
constituem como preferências prof issionais; há ainda a diferenciação decor-
rente da renda e das classes sociais. Isso mostra que o consumo é diferencia-
do e os produtos e serviços são destinados a públicos determinados, segundo
o que a cultura hegemonicamente atribui a cada grupo social. Segundo o
sociólogo francês Pierre Bourdieu, em nossos tempos a posição econômica
não necessariamente garante a distinção social. Sendo assim, muitas vezes
recorremos ao gosto, associado à classe socioeconômica, como forma de nos
distinguirmos de uns e nos identif icarmos com outros grupos.
A formação de hábitos e práticas culturais não é igual para todos os seg-
mentos sociais, sendo diferenciada culturalmente (e não biologicamente) por
fatores como idade, etnia, sexo, ocupação prof issional, pertencimento a as-
sociações, organizações, agrupamentos def inidos e outros. A variedade de
perf is pode ser observada quando nos referimos, por exemplo, ao segmento
social de “jovens estudantes da escola pública brasileira”.
Os hábitos culturais recebem influência dos meios de comunicação de
massa em sua formação e transformação, devido à sua possibilidade de co-
municação com milhões de pessoas para informar, entreter e educar. A tele-
visão, o rádio, o jornal impresso, o cinema, etc. são considerados veículos de
ampla difusão porque atingem a massa, ou seja, uma quantidade indetermi-
nada de indivíduos que, de maneira anônima e difusa no espaço-tempo,
congrega-se numa mesma atividade e/ou interesse. Quando se refere à pro-
dução industrial e/ou ao consumo, o termo faz referência a algo que busca
atingir a maioria da população. Esse potencial quantitativo também está nas
expressões “massa revolucionária” ou “democracia de massas”.
Normalmente, no Brasil, os conteúdos veiculados pelos meios de comu-
nicação de massa são def inidos pelas emissoras, privadas ou estatais, e repro-
duzem a ideologia e os interesses dos grupos que os administram. O rádio,
hoje em dia, é um meio que se conjuga a outras atividades, como ao trajeto
de automóvel entre a residência e o trabalho, e é muito ouvido por aqueles
hh hábitos culturais: são manifesta-
ções e costumes que dão significado às
práticas sociais de grupos da popula-
ção. Uma parte desses hábitos se for-
ma pela maneira como os indivíduos
utilizam seu tempo, no modo de con-
viver e agregar prazer àquilo que fa-
zem e nas relações que estabelecem.
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A cultura e suas transformações • 141
que exercem atividades solitárias e isoladas. A televisão, por sua vez, é cons-
tante em moradias, lanchonetes e até nas salas de espera de consultórios
médicos, funcionando também como mediadora de transações comerciais
de objetos e serviços. Já o cinema, um hábito cultural ainda restrito a alguns
segmentos sociais, tem se popularizado por meio dos aparelhos de DVD, das
locadoras de f ilmes e de sua exibição em canais de TV.
Esses meios de comunicação e outros mais são representativos da indústria
cultural, um termo empregado pela primeira vez, em 1947, pelos sociólogos
alemães Max Horkheimer e Theodor Adorno, para dizer que a produção ar-
tística e cultural veiculada pelos meios de comunicação de massa insufla o
consumo por ser transformada em mercadoria. Os produtos culturais – publi-
cações impressas, DVDs e f ilmes, obras de arte, composições musicais, etc. – se
assemelham assim, de certa forma, aos produtos industriais.
A sociedade contemporânea institui uma cultura do lazer padronizada
pelos meios de comunicação de massa. Essa aproximação da cultura com o
produto industrial estimula o público a esperar por próximos lançamentos
– de músicas, f ilmes, equipamentos de som e imagem – que se tornam bens
rapidamente obsoletos. Logo, a cultura tem, na atualidade, sua face mais
visível na forma de bens e serviços e, muitas vezes, nem percebemos sua di-
mensão de uma produção acumulada, transmitida, herdada socialmente,
como nos alerta o texto do crítico literário Alfredo Bosi (1936-):
[...] ficamos irritados quando falta luz. Aí telefonamos para reclamar que está
faltando luz. Parece que é um dever que os outros nos forneçam esse milagre. São
realmente poucos os que podem entender todo o mecanismo que vem desde as
águas da represa até os fios da nossa casa e produz para nós o fenômeno da luz.
Digo que todos esses exemplos ilustram a ideia de que ter cultura é possuir uma
alta soma de objetos da civilização. É uma ideia (ou uma atitude) que nos barbariza;
no fundo, somos bárbaros no sentido de que usamos os bens, mas não consegui-
mos pensá-los. No entanto, cultura é vida pensada. [...] Em vez de tratar a cultura
como uma soma de coisas desfrutáveis, coisas de consumo, deveríamos pensar a
cultura como o fruto de um trabalho. Deslocar a ideia de mercadoria a ser exibida
para a ideia de trabalho a ser empreendido. Acho que é essa a ideia-chave, o projeto
que eu diria recuperador.
BOSI, Alfredo. Cultura como tradição. In: Cultura brasileira: tradição/contradição. Rio de Janeiro: Jorge Zahar/Funarte, 1987. p. 38.
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Os hábitos culturais são influenciados pelos meios de comunicação de massa. Ao lado, consumidores em loja de eletrodomésticos aproveitam para assistir à televisão. Foto de 2009.
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142 • capítulo 5
O pensamento expresso por Bosi nos mostra que a cultura é fruto do
empenho acumulado de diversas gerações e de vários grupos sociais que dela
participam de diferentes formas – produzem, compartilham e reproduzem
cultura, em seus aspectos materiais e imateriais. O autor nos diz mais: ele nos
convida a pensar a cultura como trabalho de muitas gerações.
A cultura que se mundializa
A produção de bens de consumo se tornou flexível, como estudamos no
capítulo 4, quando foram introduzidos, na década de 1970, processos de
automação e inovações na organização do trabalho, responsáveis pela redu-
ção do tempo de produção e do tempo de consumo. Essas transformações
levam à mundialização da cultura, analisada pelo sociólogo brasileiro Rena-
to Ortiz (1947-) como um acontecimento histórico, no qual as formações
nacionais rompem com as realidades locais e as tradições regionais. Nesse
processo chamado de desenraizamento cultural, algumas referências socio-
culturais são retiradas dos indivíduos.
A cultura que ganha ares de fenômeno mundializado desestabiliza a tra-
dição, destituindo-a de seu papel legitimador das práticas e concepções de
mundo tradicionais. A cultura se torna flexível.
Para designar esse grande processo sociocultural que não é homogêneo
nem se explica territorialmente, mas impõe uma nova lógica de tempo e
espaço, o sociólogo brasileiro Octavio Ianni emprega a expressão “moderni-
dade-mundo”, que é a sociedade global, o world system, onde as relações dos
universos micro e macrossocial, entre as dimensões local e global, são inten-
sas, mútuas e extensivas.
Na transição do século XX para o XXI, uma cultura mundializada, sob efeito
das comunicações e da informatização, atravessa as fronteiras nacionais. o
consumo passa a ser seu traço dominante.
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Consumidores fazem
compras de Natal em
shopping de Belo
Horizonte, Minas Gerais.
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A cultura e suas transformações • 143
Determinadas práticas culturais – como o esporte, a moda, os estilos de
penteados, as compras, os jogos, os rituais sociais – nivelam a cultura dos
setores sociais, sobrepondo hierarquias sociais e extrapolando as fronteiras
físicas e sociais, avalia o crítico literário inglês Steven Connor (1955-). Isso
signif ica que as esferas do cultural, do social e do econômico deixam de ser
distinguíveis umas das outras. O rock é um exemplo de fenômeno de influên-
cia global que unif ica gostos, mas se combina com uma pluralidade de esti-
los, de mídias e de identidades étnicas espalhadas pelo mundo.
A nova conf iguração da cultura transnacionalizada, por ultrapassar fron-
teiras, aproxima grupos distantes geograf icamente, mas também aprofunda
distâncias sociais pela desigualdade no acesso a bens materiais e simbólicos.
São múltiplos os processos socioculturais que atravessam territórios e ocea-
nos, mesclando culturas. Assim, modos de ser, agir, sentir, pensar e imaginar
já não se encontram distantes, provocando um “etnocentrismo às avessas”,
segundo o sociólogo Renato Ortiz. Chamamos contradições sociais às diver-
gências e contraposições existentes nas relações sociais dentro da sociedade
capitalista.
O processo de transculturação – pelo qual as diferentes culturas transitam
entre as nações – tem criado novas conf igurações com elementos de várias
culturas, mantendo aspectos locais, tribais, regionais e nacionais, ou seja, pro-
voca a ocidentalização, a orientalização, a africanização, a indigenização. Co-
mo exemplo, basta observar as pulseiras de adorno que usamos, o nosso corte
de cabelo, a linguagem com que nos comunicamos usualmente. Essas mani-
festações fazem surgir expressões sociais sincréticas, mistas, que vão acentuan-
do traços culturais ao mesmo tempo que reinterpretam a realidade social a
que se referem.
Nossa sociedade sofre as consequências de um modo de vida em que
persiste um desenvolvimento desigual, em que tudo é comercializado, em
que a técnica domina as energias naturais, submetendo o ser humano à ló-
gica determinista das máquinas no trabalho, nas famílias, nos bancos, nos
edifícios, na infraestrutura da vida urbana.
Album/Latinstock
Centenas de fãs assistem
a show de Elvis Presley,
em 1957.
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144 • capítulo 5
Solidariedade social
Originalmente, o conceito de solidariedade foi
pensado pelo sociólogo francês Émile Durkheim co-
mo laços de coesão social, conforme o tipo de so-
ciedade, que visam à sua integração. Assim, nas so-
ciedades ditas simples, nas quais os indivíduos e
grupos são mais semelhantes e intercambiáveis,
prevaleceria a solidariedade mecânica, enquanto
na sociedade industrial moderna, com a divisão do
trabalho social, a solidariedade orgânica responde-
ria pela diferenciação e interdependência entre in-
divíduos e grupos.
Organizados institucionalmente, indivíduos e gru-
pos cumpririam diferentes funções ou necessidades
sociais, mantendo a vida social estável e em harmonia.
Devido à maior densidade das relações nas sociedades
complexas, surgiram outros sentidos para solidarieda-
de, entre eles, o sentimento de comunhão de interes-
ses, por instalar a reciprocidade nas relações sociais.
São muitas as ambivalências da trajetória histórica da ciência, da técnica, da
economia, da urbanização, da tecnologia, da burocracia e, mesmo, de uma
individualização generalizada.
Em termos culturais, a sociedade moderna tende a ser individualizadora,
af irma o sociólogo alemão Ulrich Beck (1944-). Ele concebe a individualiza-
ção provocada pelo processo de modernização contínua e inacabada da nossa
sociedade, na qual indivíduos e grupos são chamados a participar, mas não há
redes de segurança socialmente construídas. Assim, o individualismo cresce à
medida que as relações sociais são renegociadas cotidianamente e os indivídu-
os vendem sua força de trabalho cada qual separadamente.
Valorizadas excessivamente, a razão e a autonomia individual são fontes
do comportamento individualista, que se fecha a iniciativas da coletividade.
Pode-se dizer que a mercantilização da vida tem sufocado manifestações so-
lidárias. Mas essa solidariedade de resistência em moldes mais coletivos não
é o mesmo fenômeno tratado pela Sociologia.
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Ao lado, moradores da aldeia Kaxinawá em Santa Rosa do
Purus, no Acre, fronteira com o Peru, em campanha social para
registrar os cidadãos acrianos. Foto de 2009. As sociedades são
afetadas por culturas próximas às suas, como o que acontece
em regiões de fronteira, mas também são influenciadas
internacionalmente em razão do acesso digital e da comunicação,
que torna próximo o que antes era distante.
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A cultura e suas transformações • 145
Diante disso, o f ilósofo Edgar Morin propõe a adoção de uma “política
de civilização”. O que vem a ser essa política?
Uma política de civilização propõe tomar consciência das ameaças à vida
física e psíquica do ser humano em sociedade, vencer o pensamento compar-
timentado, individualista, construir resistências e deter o ritmo desenfreado
do progresso a qualquer custo, a
necessidade da modernização
contínua. Morin convida-nos a
utilizar os aspectos positivos das
ciências, das técnicas, do Estado
em prol de avançar em solidarie-
dade e ética.
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Cortejo de encerramento da
Mostra Artística da Teia Brasil
2010 – Tambores Digitais, em
Fortaleza, capital do Ceará.
Eventos como esse valorizam a
diversidade e a solidariedade
nas manifestações culturais.
diálogos intErdisciplinarEs
Considerando o exposto neste capítulo, formem equipes e escolham uma das se-
guintes pesquisas aqui propostas, sobre diversidade cultural e etnocentrismo. Para
enriquecer sua pesquisa e ampliar seus conhecimentos sobre a nossa e outras cultu-
ras, vocês devem pesquisar na internet e consultar os livros de Sociologia, História e
Geograf ia (peçam orientação aos professores dessas disciplinas, sobre os sites a se-
rem consultados e outras dúvidas e, se possível, reúnam algumas ilustrações).
pEsquisa 1
O Brasil é conhecido por abrigar grande diversidade cultural, devido ao seu proces-
so de colonização, aos movimentos migratórios, internos e externos, ao tamanho de
seu território e às diferenças regionais, entre outros fatores. Pesquisem e elaborem
uma síntese sobre os costumes, as tradições, as influências e contribuições das etnias
que povoaram o Brasil, especif icamente a sua região (cidade ou estado), procuran-
do identif icar traços dessas culturas e o contexto histórico e geográf ico em que se
inserem.
pEsquisa 2
No passado e na atualidade, registram-se alguns conflitos sociais (interculturais), de
caráter etnocêntrico, que envolvem questões étnicas e/ou religiosas. Para conhecer
mais, escolham um destes fenômenos/eventos históricos e pesquisem sobre: o tipo
de conflito, denominação e grupos envolvidos; o contexto histórico e geográf ico em
que se insere; sua origem e principais motivações; implicações sociais e econômicas.
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146 • capítulo 5
rEvisar E sistEmatizar
1. Estabeleça as diferenças entre cultura e civilização.
2. Destaque as bases das ideologias racistas e explique suas distinções.
3. Que processos levam à formação de uma identidade cultural?
4. Em que consiste o etnocentrismo?
5. Quais concepções sobre cultura aprofundam as desigualdades sociais?
Justif ique.
6. O que você entende por diversidade cultural? Cite alguns exemplos
deste fenômeno e como ele se apresenta no Brasil.
7. Estabeleça uma relação entre hábitos culturais, meios de comunicação
de massa e indústria cultural.
dEscubra mais
As Ciências Sociais na biblioteca
ORWELL, George. Dias na Birmânia. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.Um madeireiro inglês reflete sobre demonstrações de racismo na ex-colônia britânica.
SANTOS, José Luiz dos. O que é cultura. São Paulo: Brasiliense, 1984.O autor analisa de modo abrangente o conceito e as visões de cultura.
As Ciências Sociais no cinema
Matrix, 1999, Estados Unidos, direção de Andy e Larry Wachowski.Um hacker descobre que máquinas dotadas de inteligência artificial dominam a humanidade.
Quilombo, 1984, Brasil, direção de Cacá Diegues.Escravos fugidos das plantações canavieiras do Nordeste, no século XVII, organizam uma república livre, o Quilombo dos Palmares, que sobreviveu por mais de 70 anos.
Serras da desordem, 2008, Brasil, direção de Andrea Tonacci.Índio Carapiru, expulso de sua aldeia natal, no Maranhão, segue um périplo de perda de identidade.
As Ciências Sociais na rede
Cultura Afro-Brasileira. Disponível em: <www.suapesquisa.com/temas/cultura_afro_brasileira.htm>.Acesso em: 23 nov. 2012.Site com informações diversas sobre a cultura, arte, religião e história afro-brasileira.
Memorial do Imigrante. Disponível em: <www.memorialdoimigrante.org.br/>. Acesso em: 23 nov. 2012.Site com várias informações sobre os imigrantes vindos para nosso país.
Povos Indígenas no Brasil. Disponível em: http://pib.socioambiental.org/pt> Acesso em: 11 dez. 2012.Site aborda questões atuais das culturas indígenas Bororo, Kayapó, Xingu, Yanomami, Guarani, Kaiowá e outras.
conceitos-chave:
Cultura, civilização, identidade cultural, diversidade cultural, ideologia, visão de mundo, representações sociais, comunidade, sociedade, minorias sociais, etnocentrismo, indústria cultural, massa, consumo, desenraizamento cultural, distinção social, solidariedade.
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A cultura e suas transformações • 147
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EstudarEmos nEstE capítulo:
a religião, que também é uma instituição social. Veremos que a modernidade traz alterações para o papel da religião,
mas não a descaracteriza como fenômeno social. Debateremos o significado do crescimento das religiões e o sentido da
religiosidade contemporânea, no mundo e no Brasil. Indagaremos também se existe alguma relação entre o funda-
mentalismo religioso e a globalização, além de analisar a natureza de alguns conflitos em diferentes partes do mundo,
noticiados cotidianamente como de origem religiosa. Compreender a real natureza de tais conflitos, sob a óptica das
Ciências Sociais, está entre os objetivos da discussão deste capítulo.
Capítulo 6
Sociedade e religião
149
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150 • CAPítulo 6
DIA NACIONAL DE COMBATE À INTOLERÂNCIA RELIGIOSA
Com apoio da Fundação Cultural Palmares, Comissão de Combate à Intolerância Religiosa
lança livro e DVD sobre o tema
Cerca de 300 participantes – religiosos das mais diversas vertentes, além de
autoridades governamentais – prestigiaram o lançamento do livro e do DVD Ca-
minhando a gente se entende, realizado na última segunda-feira, 23/1 [de 2012],
no auditório Gilberto Freyre, no Palácio Gustavo Capanema, no Rio de Janeiro.
[...]
O lançamento do livro integrou as comemorações pelo 21 de janeiro – Dia
Nacional de Combate à Intolerância Religiosa. [...]
O babalaô Ivanir dos Santos, interlocutor da CCIR e mediador da solenidade,
anunciou que, com esse evento, o objetivo da Comissão era “compartilhar mo-
mentos de refl exão sobre o sentido da liberdade religiosa”.
Disponível em: <www.cultura.gov.br/site/2012/01/24/caminhando-a-gente-se-entende>. Acesso em: 7 nov. 2012.
Em dezembro de 2007 foi of icializada, no Brasil, a Lei n. 11 635, que criou o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa. A comemoração na data de 21 de janeiro lembra o enfrentamento do preconceito e as for-mas de estimular a sociedade a valorizar a diversidade religiosa. Você imagi-na qual foi a razão que levou à criação dessa data? Pensando na realidade mundial, considera necessário esse tipo de ação?
Você deve se lembrar de estudos nas aulas de História em que o papel determinante da religião, em diferentes períodos, era destacado tanto na vida íntima das pessoas quanto nas relações políticas e econômicas da socie-dade. Será que isso mudou? É possível que o avanço da Ciência e seus des-dobramentos na vida social tragam consigo o declínio da religião? Em sua opinião, as pessoas hoje estão mais ou menos descrentes em uma esfera di-vina? Podemos atribuir à religião a responsabilidade por alguns dos grandes confl itos ocorridos na atualidade? Existe alguma relação entre globalização e fundamentalismos? Como as Ciências Sociais analisam o papel da religião nas relações sociais contemporâneas? Essas são algumas das indagações ana-lisadas neste capítulo.
As Ciências Sociais desmitif icam ideias, concepções e preconceitos acerca das relações sociais e dos acontecimentos políticos, culturais, econômicos e religiosos. Por meio do processo de desnaturalização, ela demonstra que fe-nômenos aparentemente naturais têm caráter social e histórico, isto é, são produtos de relações sociais contextualizadas no tempo e no espaço. Seguin-do tal linha de pensamento, vamos analisar a religião como instituição social.
Valendo-se das teorias para explicar a dimensão social (como vimos no capítulo 2), a Sociologia procura compreender quais elementos da realidade empírica e histórica e quais do pensamento lógico justif icam (“tornam natu-ral”) um modo de ser de uma sociedade, de um grupo e mesmo de uma classe
A religião como instituição social
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social. De um lado, a religião é um fenômeno vivido muitas vezes sem questio-namentos, de forma aparentemente espontânea, pelos indivíduos e grupos sociais em sua rotina; de outro lado, a religião é passível de explicação cien-tíf ica como um acontecimento presente em muitas sociedades; nesse caso, é um fenômeno social. O trabalho da Sociologia é “desnaturalizar” os fenôme-nos sociais, problematizando-os e mostrando sua origem, seus elementos constitutivos e suas relações com outros fenômenos. Émile Durkheim diria que a religião é um fato social por ser observável e assimilada pelos indivíduos e grupos, existindo na extensão de uma determinada sociedade.
O termo religião vem do latim religare e signif ica ‘algo que liga o ser hu-mano ao sagrado’. Para o antropólogo Clifford Geertz, a religião é uma das dimensões da cultura, consistindo em um sistema de símbolos que propi-ciam intensas motivações aos indivíduos. Sua existência social tem por base a vontade de crer das pessoas e a construção de uma manifestação coletiva vinda dessa crença.
A religião é considerada uma instituição social por ser constante ao lon-go da nossa história e exercer um padrão de controle na sociedade e uma programação da conduta individual. Dessa forma, ela apresenta característi-cas próprias das instituições sociais: é socialmente coercitiva, é exterior aos indivíduos, possui objetividade e historicidade, detém autoridade moral.
A religião é um dos principais objetos de estudo das Ciências Sociais. Para a
Sociologia, ela é um fenômeno social, ainda que trate de algo não palpável
ou visível: a ligação do indivíduo com o sagrado.
O surgimento das religiões relaciona-se à vontade humana de explicar questões como a origem do Universo, o mistério da vida e da morte, a rela-ção entre indivíduo e natureza, a possibilidade de transcendência, a consti-tuição da matéria e do espírito, as dimensões do natural e do sobrenatural.
De acordo com o sociólogo francês Jean Baechler (1937-), o fenômeno religioso é um impulso que impele o indivíduo a superar sua condição hu-mana para se abrir a algo que o supera e ao mesmo tempo o engloba, seja esse “algo” imanente, ou seja, manifesto concretamente, seja transcendente, além da experiência concreta. Revelam-se, então, as produções sociais da religião – agrupamentos, ritos, crenças, costumes, regras de conduta – por meio das quais os seres humanos procuram a harmonia de sua existência.
Ainda segundo Baechler, o fenômeno religioso implica a ação de atores sociais, como os produtores, os gestores e os f iéis. Os gestores (líderes e di-rigentes religiosos) organizam, por meio das práticas religiosas, a difusão da fé entre os crentes, aqueles que buscam entrar em contato com a esfera di-vina. Já os responsáveis pela fonte original do conjunto de crenças religiosas são personagens místicos, como Jesus Cristo, Maomé, Buda, os primeiros antepassados, para citar exemplos do cristianismo, do islamismo, do budis-mo e de muitas religiões indígenas. Na def inição dos sociólogos Peter Berger e Thomas Luckmann, no processo de institucionalização social, isto é, no processo de repetição de uma ação que def ine um padrão de conduta so-cial, aceito e legitimado coletivamente por determinado grupo, os gestores lançam mão de práticas como crenças, gestos, formação de comunidades e regras de conduta.
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Uma crença pode se cristalizar em mitos, dogmas ou construções teoló-
gicas. Frutos da imaginação humana, em oposição ao componente racional,
os mitos são narrativas fantasiosas e alegóricas, geralmente ligadas à nature-
za, que revelam soluções para problemas existenciais e sociais, como o sofri-
mento. Os mitos estão presentes em todas as culturas e representam simbo-
licamente fenômenos humanos ou da natureza, como o mito da criação do
mundo. Quando assumem, em uma religião, o caráter de verdades doutri-
nárias a serem aceitas sem discussão, por serem consideradas de origem di-
vina, as crenças constituem dogmas. Já as construções teológicas são regras,
procedimentos e interpretações elaboradas, no decorrer do tempo, por
aqueles reconhecidos como intermediários entre a divindade e o mundo
profano. As bases de uma crença mobilizam as emoções e a sensibilidade
dos f iéis, traduzindo-se em práticas religiosas, tais como celebrações, dan-
ças, transes, sacrifícios, ritos, orações, gestos sistematizados, que são dirigi-
das a uma comunidade congregada por cerimônias, que marcam o tempo e
o espaço com simbolismo próprio.
As religiões [...] propõem regras de vida sob a forma de obrigações e de proibi-
ções. [...] Algumas são pontuais ou referem-se às consequências diretas de uma de-
terminada prescrição religiosa relativa a um determinado aspecto de uma dada
sociedade. Se, por exemplo, o judaísmo e o islã proíbem o consumo de carne de
porco, daí resulta que o porco está ausente das comunidades judaicas e muçulma-
nas. A partir do momento que o vinho é indispensável à celebração da missa, em
virtude de um dogma central do cristianismo, a vinha é cultivada nos países cris-
tãos. [...] podemos demonstrar, com base em documentos, que não há um único
domínio da vida social que não tenha sido afetado, mais ou menos decisivamente,
pela religião.
BAECHLER, Jean. Religião. In: BOUDON, Raymond (Org.). Tratado de Sociologia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995. p. 465.
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O orixá Oxóssi, representado
acima em aquarela de Teresa
Berlinck feita em 2011.
Detalhe de Cristo na cruz (c. 1632),
do pintor espanhol Diego
Velázquez.
Gravura de data desconhecida
representa o profeta Maomé,
fundador do islamismo, em
cena de combate.
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Esta ilustração chinesa, do
século XVIII, mostra Buda
sentado em cima de uma flor
de lótus.
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Sociedade e religião • 153
O fenômeno religioso tem, portanto, muitas facetas, e é heterogêneo
por se basear em diversas fontes de inspiração e interesses relacionados à
condição humana. Nas diferentes interpretações sobre sua existência, as re-
ligiões destacam-se por sua função moral, por consolidar costumes e pelo
caráter ideológico de suas ações, que procuram justif icar uma ordem social
como se ela fosse natural.
A religião na visão dos autores clássicos da Sociologia
Um dos desaf ios da So-
ciologia ao tratar do fenôme-
no religioso é que ele abarca
dois universos: o espaço pri-
vado, relativo à intimidade, e
o espaço público, que lhe dá
o caráter social. Os autores
clássicos voltaram seu olhar
para a religião como um fe-
nômeno social e procuraram
interpretá-lo.
hh Auguste Comte
A obra do francês Auguste
Comte, por exemplo, iden-
tif ica o fenômeno religioso
como um estágio relativa-
mente “primitivo” da evolu-
ção social e cultural da humanidade, que ele chama de “estado teológi-
co”. Nessa fase, o ser humano tenderia a passar, gradativamente, da
crença em muitos deuses (politeísmo) para a crença em um Deus único
(monoteísmo). Para elaborar tal teoria de caráter evolutivo, Comte pro-
cura demonstrar que a História é o desenvolvimento evolutivo-temporal
do espírito humano, entendendo que, após uma segunda fase, classif ica-
da por ele como metafísica, haveria um terceiro estágio, “mais aprimora-
do”, da humanidade, fundado na razão e na ciência. Veja abaixo o esque-
ma analítico de Comte.
“Lei dos três estados ou estágios”, de Auguste Comte
Estágios Características
TeológicoO ser humano acredita em muitos deuses e evolui para a crença em um só Deus (fase religiosa).
Metafísico Indagações ontológicas, acerca da origem do ser humano (fase filosófica).
PositivoEstágio mais evoluído da humanidade, correspondendo ao uso da razão e da política (fase científica).
Mulheres hindus seguram oferendas de água e leite para a deusa Shiva, uma das principais divindades do hinduísmo, durante o festival de Maha Shivratri, em fevereiro de 2012, em Jammu, no território da Caxemira administrado pela Índia. Milhares de hindus de diversas partes da Índia lotam os templos em celebração à deusa.
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hh Émile Durkheim
Já a abordagem funcionalista de Émile Durkheim considera o conteúdo das doutrinas e os sentimentos religiosos como impedimentos ao progresso. O autor propõe em seu livro As formas elementares da vida religiosa, de 1912, que uma das principais funções sociais da religião é de natureza moral, ou seja, manter a coesão social, a união dos seus membros, assegurando a esta-bilidade da sociedade por meio de relações harmoniosas.
Para Durkheim, a religião consiste em um sistema de crenças e de prá-ticas relativas ao sagrado que une indivíduos em uma comunidade moral, regida por princípios e valores específ icos. Defende ainda que seu funda-mento não está no sobrenatural ou na ideia de Deus, mas na distinção entre os conceitos de sagrado e profano. O sagrado indica uma realidade diferente, protegida, superior e separada do que é mundano (profano), na qual a coletividade projeta e objetiva a própria consciência religiosa e à qual presta reverência.
A religião satisfaz necessidades do ser humano, como a curiosidade, o desejo de segurança, a tendência à vida em comunidade, os problemas de consciência e o estabelecimento de normas. Nessa linha de pensamento, em sociedades tradicionais a religião organizava as relações sociais e o pró-prio tempo. Porém, à medida que essas sociedades se modernizaram e os conhecimentos científ icos ganharam mais espaço, a religião perdeu força como centro da vida social. Durkheim duvidava de que a religião, como um sistema de ideias que desempenharam ao longo da história um impor-tante papel de integração social, fosse um mero conjunto de ilusões. Para ele, o Direito, a moral e a própria ciência não somente nasceram da reli-gião como foram com ela confundidos por muito tempo.
Durkheim explica o fenômeno religioso pela garantia da ordem social,
ressaltando seu fundamento moral em diferentes culturas.
hh Max Weber
O pensamento do sociólogo alemão Max Weber segue uma linha distin-ta daquela de Durkheim. Weber via a religião como uma dimensão social depositária de signif icados culturais por meio dos quais indivíduos e coleti-vidades interpretavam sua condição de vida, construíam uma identidade e controlavam o ambiente como um todo.
Weber acreditava que a força da religião estaria em declínio, na medida em que a sociedade moderna se afastava das crenças fundadas em supersti-ções, religiões, costumes e hábitos ancestrais como um todo. Desse modo, enquanto nas sociedades tradicionais a religião e as crenças a ela relaciona-das eram centrais, na modernidade ocorria uma crescente racionalização e consequente afastamento do campo religioso, decorrentes do desenvolvi-mento da ciência, da tecnologia e da burocracia.
A esse processo de declínio do poder da religião nas diferentes dimen-sões da vida social, que passa a ser explicada também pela ciência, Weber denominou secularização. A secularização é a passagem de fenômenos que até então eram do domínio religioso ou sagrado para a esfera mundana, ou
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Chineses celebram o Ano-Novo
Chinês em Shangqiu, em
fevereiro de 2013. Embora
preservem as comemorações
culturais, religiosas e místicas
relacionadas ao seu tradicional
calendário lunar, os chineses
utilizam o calendário
gregoriano (ocidental e de base
solar) no dia a dia.
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Sociedade e religião • 155
seja, de certas representações do mundo e do lugar do
homem no mundo deixam de ser sagradas ou místicas
e ganham uma explicação racional, científ ica e técni-
ca. A secularização favoreceu o movimento histórico
ocorrido com as Revoluções Burguesas, como estuda-
do no capítulo 2, resultando na separação entre reli-
gião e Estado.
Weber, perguntando-se como as religiões afetavam
a economia, demonstra na obra A ética protestante e o es-
pírito do capitalismo, publicada em 1905, a proximidade
entre os valores apregoados pelo protestantismo e a
moral veiculada pela sociedade capitalista moderna.
Nessa obra, ele defende que o surgimento do “espírito
do capitalismo” – um conjunto de qualidades intelec-
tuais e morais indispensáveis à racionalização econô-
mica – foi possível graças a algumas qualidades exalta-
das e preconizadas pela religião protestante (a chamada
“ética protestante”), em especial a visão do lucro obti-
do por meio de trabalho racional como virtude.
hh Karl Marx
O pensador alemão Karl Marx concebia a religião como responsável pe-
la alienação do indivíduo na estrutura da produção material da sociedade
capitalista. Ele criou a famosa expressão “a religião é o ópio – ou lenitivo –
do povo”, que está no livro Crítica da filosofia do direito de Hegel, de 1844, no
qual af irma que a religião é uma forma de o ser humano se tornar alheio,
afastar-se da vida moderna. Considerava a religião uma expressão da imper-
feita consciência de si do homem: não do homem como indivíduo abstrato,
mas como homem social.
No livro A ideologia alemã, de 1845, Marx e seu colega Friedrich Engels
propunham a história como uma série de transformações sociais e materiais.
Nesse sentido, a religião era um obstáculo ao progresso e à emancipação
político-social, ou seja, à possibilidade de os homens organizados mudarem
as estruturas sociais.
Para o pensamento marxista, as religiões poderiam ocultar as forças de
mudança e encobrir os conflitos sociais ao tomá-los como desígnios divi-
nos, naturalizando-os. Ao fazer isso, a religião nega aos seres humanos a
capacidade de decidirem sobre si, seu destino, seu país, sua sociedade,
e de transformarem a realidade. A realidade pesquisada por Marx era a
luta de classes provocada por interesses materiais conflitantes; daí a sua
crítica de que toda ideologia (conceito estudado no capítulo 5), para rea-
lizar a f inalidade a que se propõe – satisfazer-nos com ideias em detrimen-
to do real conhecimento da realidade –, desenvolve-se com base em cren-
ças preexistentes a f im de mascarar a realidade social.
Ainda que dif iram em sua abordagem, pode-se perceber que esses quatro
autores clássicos – Comte, Durkheim, Weber e Marx – caracterizaram a reli-
gião como uma instituição de grande influência nas relações sociais ao longo
da história.
hh lenitivo: aquilo que abranda, que
acalma, que traz consolo.
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O banqueiro e sua esposa (1444), pintura de Quentin Metsys.
Antes da Reforma protestante, no século XVI, a usura era
considerada na Europa como contrária aos valores religiosos,
como se pode observar na tela: a mulher desvia o olhar da
Bíblia para ver as moedas.
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156 • CAPítulo 6
Encontro com os cIEntIstas socIaIs
Na Sociologia clássica prevaleceu a ideia de que a religião era uma força que decres-
cia na medida em que as sociedades atingiam a modernidade. Pensando sobre isso,
leia o trecho abaixo, escrito por Durkheim em 1893, e responda à questão a seguir.
Ora, se há uma verdade que a história pôs fora de dúvida é que a religião abarca
uma porção cada vez menor da vida social. Inicialmente, ela estende-se a tudo; tudo
que é social é religioso. Depois, pouco a pouco, as funções políticas, econômicas,
científicas desvinculam-se da função religiosa, constituem-se à parte e tomam um
caráter temporal cada vez mais patente. Deus, se assim nos podemos exprimir, que
no princípio estava presente em todas as relações humanas, retira-se delas progres-
sivamente; abandona o mundo aos homens e às suas disputas.
DURKHEIM, Émile. da divisão do trabalho social. São Paulo: Martins Fontes, 1977. p. 197.
•Com base nesse trecho, discuta com seus colegas o lugar que a religião ocupa nas
relações sociais na sociedade atual.
A religião em tempos de globalização
A expressão “desencantamento do mundo”, que consiste no movimento
pelo qual a esfera do sagrado vai sendo invadida por manifestações profanas
e explicações racionais, foi cunhada por Weber em sua análise sobre a rela-
ção entre religião e modernidade. A secularização das instituições e das re-
lações sociais, pela qual elas se desprenderam da explicação religiosa e se
tornaram laicas, a separação entre a Igreja e o Estado e a emergência da
ciência substituindo, aos poucos, o espaço ocupado pela magia fazem com
que a religião deixe de ser o elemento central de organização da sociedade.
Muitas vezes esse debate levou (e ainda leva) a discussões sobre um possível
“f im da religião”, reavivando o confronto entre revelação e razão para expli-
car a realidade social.
Hoje, diante de novas religiões, do fundamentalismo, dos confl itos re-
ligiosos e dos fanatismos, muitos autores defendem a ideia de que vivemos
um retorno ao sagrado. Porém, não se trata de um consenso. Na visão do
sociólogo brasileiro Renato Ortiz, por exemplo, a religião nunca deixou
de estar presente na sociedade. Nesse sentido, vale indagar se nos depara-
mos com o declínio, a transformação ou o renascimento da religiosidade,
como sugere o sociólogo polonês Zygmunt Bauman (1925-).
A ideia do f im da religião ou do seu enfraquecimento nas relações so-
ciais está associada, muitas vezes, à perspectiva positivista que prevê etapas
sucessivas de desenvolvimento na sociedade. Esse pensamento considera o
desenrolar da história como uma escala evolutiva crescente de aconteci-
mentos em direção ao progresso. Seguindo essa linha, diversas teorias con-
ceberam o término da religião como decorrência dos avanços científ icos e
consideraram as sociedades tradicionais “arcaicas”, por se orientarem pe-
los valores morais da religião. Entretanto, alguns pensadores refutam tal
opinião, como expõe o sociólogo francês Jean Baechler:
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O sociólogo polonês Zygmunt
Bauman, em retrato de 2010.
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Sociedade e religião • 157
[...] Normalmente, o progresso técnico contemporâneo deveria fazer recuar e
desaparecer o recurso à magia e à intercessão. Este “normalmente” proporciona-
-nos uma outra maiúscula, a maiúscula do Progresso. Com efeito, para o Homem,
a magia e o recurso aos deuses retrocederam perante a eficácia técnica. Hoje em
dia, o Homem recorre mais prontamente aos antibióticos do que aos amuletos, e
aos adubos químicos do que à bênção dos campos. Mas as coisas nem sempre são
assim tão simples. As técnicas eficazes podem ser inacessíveis. A eficácia nunca
vai a ponto de excluir o fracasso. Apesar de todos os progressos da Medicina, os
homens contraem doenças e acabam por morrer. Sobretudo, a vida de cada um é
dominada pela incerteza radical que afeta tudo aquilo que advém da ação: nin-
guém controla jamais o resultado nem as consequências de qualquer empreendi-
mento. Essa incerteza faz a fortuna das cartomantes, das quiromantes, dos faze-
dores de horóscopos, de todos os que prometem reduzir ou suprimir a incerteza
através de métodos que só podem ser irracionais, dado que a matéria tratada é
racionalmente incerta.
BAECHLER, Jean. Religião. In: BOUDON, Raymond (Org.). Tratado de Sociologia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995. p. 483.
A relação de contraposição comumente estabelecida entre religião e ciên-
cia tem sua base na ideia de que a fé se opõe à consciência científ ica, como
se a primeira f izesse parte da irracionalidade e a ciência se inserisse no ter-
reno do racional. Será que a ciência, em suas descobertas e aplicações, é
sempre racional? O capítulo 11, que discute meio ambiente, vai lhe permitir
refletir mais profundamente sobre isso.
Ao contrário do que haviam suposto alguns autores no passado, a socie-
dade industrial não trouxe necessariamente o desaparecimento da religião,
apenas limitou-a como forma de organização social. Podemos af irmar que
a modernidade abriu espaço para uma maior diversidade de práticas reli-
giosas. Prova disso é que as sociedades modernas globalizadas são conside-
radas multirreligiosas, ou seja, abrigam um número elevado de religiões
simultaneamente.
A modernidade-mundo não se organiza segundo princípios religiosos (o que
não significa que não existam países, por exemplo, no mundo árabe, onde o pre-
domínio da religião, como “consciência coletiva”, não tenha um peso capital). Ape-
sar do florescimento de novas crenças religiosas, da intensificação de uma religio-
sidade individualizada, da vitalidade de religiões que pareciam extintas, uma
constatação se impõe: o lugar que o universo religioso ocupava nas sociedades
tradicionais foi definitivamente remodelado pela modernidade. Entretanto, não se
pode deixar de entender que a ação das religiões num mundo globalizado adquire
uma outra configuração.
ORTIZ, Renato. Anotações sobre religião e globalização. Revista Brasileira de Ciências Sociais.
São Paulo, v. 16. n. 47, out. 2001, p. 64.
A consciência coletiva, citada por Ortiz, refere-se a valores, sentimen-
tos, crenças e tradições que são legitimados e repetidos ao longo das ge-
rações. Segundo Durkheim, a consciência coletiva exerce coerção sobre
as consciências individuais (ainda que, muitas vezes, de forma velada, por
ser tomada como um processo “natural”), reforçando hábitos, costumes e
representações sociais nas sociedades. Como fenômeno, a consciência co-
letiva é perceptível, sobretudo, nas sociedades tradicionais, nas quais indi-
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víduos e grupos são muito semelhantes e o controle social de uns sobre
outros é exercido mais diretamente. Nessas sociedades, segundo
Durkheim, a religião concentra essa pressão conformadora das consciên-
cias individuais para preservar a ordem social.
A globalização recente, estudada no capítu-
lo 1, como todo grande processo sociocultural,
gera desigualdades e diversidades entre grupos
e nações, pois não acontece com a mesma inten-
sidade e do mesmo modo em todos os lugares;
por outro lado, ela tende a homogeneizar os
comportamentos sociais espalhados pelo globo.
Nesse sentido, a religião passa a desempenhar
com mais intensidade um papel de resistência,
por ser uma dimensão que confere identidade
ao ser humano, ao reunir as pessoas e fornecer
um referencial comum aos grupos sociais. Uma
prática religiosa, por exemplo, cria af inidade de
pensamentos e permite compartilhar experiên-
cias entre os integrantes de um determinado
grupo social.
As crenças religiosas, enquanto “consciências coletivas”, aglutinam o que se en-
contrava antes disperso. [...] A memória é uma técnica coletiva de celebração das
lembranças, aproxima o passado, soldando os indivíduos no seio de uma mesma
comunidade. Ora, como tem sido apontado por inúmeros autores, a temática da
identidade transforma-se radicalmente com o processo de globalização. Ela se tor-
na crucial. A crise das identidades nacionais abre espaço para a explosão de identi-
dades étnicas, particulares, e até mesmo de dimensões identitárias mundializadas,
forjadas no seio de fluxos transnacionais de consumo.
ORTIZ, Renato. Anotações sobre religião e globalização. Revista Brasileira de Ciências Sociais. São Paulo, v. 16, n. 47, out. 2001, p. 65-66.
A difusão dos meios de comunicação favoreceu a expansão das religiões
e até a multiplicação de manifestações religiosas. Se antes a pregação era li-
mitada pelo espaço físico, hoje a comunicação on-line rompe essas barreiras.
As religiões puderam diversif icar seus meios de divulgação com emissoras de
rádio e televisão, CDs, editoras, revistas, vídeos, objetos religiosos e lembran-
ças, serviços de terapia e aconselhamento, imóveis e estruturas de marketing.
Segundo o sociólogo brasileiro Antônio Flávio Pierucci (1945-2012), esses
elementos se caracterizam como atividades econômicas desenvolvidas pelas
organizações religiosas para atingir públicos específ icos de adeptos/clientes.
Na era globalizada, os meios de comunicação não apenas permitem a
articulação das ações dos grupos religiosos como também as potencializam.
Nas últimas décadas do século XX, em meio aos avanços tecnológicos e
científ icos, à globalização e à disseminação mais intensa da informação, ve-
rif icamos o crescimento de algumas religiões e o avanço do fundamentalis-
mo religioso. Esse cenário desafia as Ciências Sociais a refletir sobre a exis-
tência, ou não, de um novo papel da religião na sociedade.
Danilo Verpa/Folhapress
Localizada em São Paulo, a
Cristoteca é um espaço
destinado aos jovens católicos
para apresentações de shows,
baladas de música eletrônica e
missas, que expressa uma
parcela da diversidade da
religiosidade no Brasil
contemporâneo. Foto de 2007.
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Sociedade e religião • 159
Fundamentalismo religioso
O fundamentalismo religioso foi re-
conhecido como fenômeno recentemen-
te, quando o termo passou a ser mais uti-
lizado pelos cientistas sociais. O sociólogo
britânico Anthony Giddens o descreve
como um movimento de adesão incondi-
cional a determinados valores e crenças,
cujos adeptos têm um entendimento lite-
ral dos seus livros sagrados. Nos casos
mais radicais, isso se reverte em meios
violentos para a imposição dessa leitura
ao restante da sociedade.
Na visão de Zygmunt Bauman, o radi-
calismo religioso resulta do desgaste dos
elementos que mantêm unida uma con-
gregação de f iéis, levando alguns grupos
a desejarem identif icar e eliminar aquilo
que pareça indiferente ou discordante
com relação ao conjunto de princípios
que professam.
Valores sociais como a fé, a conf iança e a capacidade de autoaf irmação
são oferecidos aos f iéis por meio de regras simples dos fundamentalistas, os
quais rejeitam, contudo, o diálogo com os que pensam de maneira diferente
da sua.
Para Bauman, o fascínio exercido pelo fundamentalismo provém de sua
promessa de “libertar” o indivíduo da autossuf iciência a que estava condena-
do, informando-o do que ele deve fazer, eximindo-o, de certa forma, da
responsabilidade sobre seus atos e ações. Assim, ele oferece uma “racionali-
dade alternativa” que se opõe às incertezas da vida e aos seus riscos.
O fundamentalismo pode vir associado a situações de desigualdade so-
cial por fornecer às populações pobres e injustiçadas um sentido já def inido
para a realidade vivida, a qual, sob outra visão, elas seriam incitadas a trans-
formar, segundo Bauman. Os despojados de hoje são indivíduos frustrados
diante da impossibilidade de consumir tudo o que a sociedade oferece os-
tensivamente, e os movimentos religiosos fundamentalistas denotam parte
do mal-estar da sociedade contemporânea, causado, entre outros fatores,
pelo desemprego e pelo desamparo social, por exemplo. Essa sociedade,
identif icada com a condição sociocultural do capitalismo contemporâneo,
aposta no consumo, no poder econômico-f inanceiro exacerbado; nela, tudo
se torna efêmero e fragmentado, prevalecendo a diversidade e a flexibilida-
de nos relacionamentos nas diversas instâncias sociais. Para explicar a insta-
bilidade da sociedade contemporânea, Bauman utiliza a metáfora do estado
de “liquidez” da matéria e denomina “realidade líquida” as mudanças re-
pentinas e estímulos constantemente renovados da presente fase da histó-
ria, que se apresenta imprevisível, indeterminada.
Ismoyo/Agência France-Presse
Manifestantes indonésios
reivindicam, em Jacarta, capital
do país, a expulsão da
população Ahmadiyah, um
grupo islâmico considerado
herético pelos mais ortodoxos.
A Indonésia é o país com a
maior concentração de
praticantes do islamismo. Foto
de 2011.
Sociologia_vu_PNLD15_149a170_C06.indd 159 5/28/13 8:42 AM
160 • CAPítulo 6
hh Desfazendo mitos
O fato de alguns ataques de grupos terroristas serem feitos em nome de
uma crença não signif ica que todos os adeptos daquela religião sejam terro-
ristas em potencial. Apenas alguns grupos apresentam reações fundamenta-
listas violentas diante do outro, daquele que é alheio ou discordante com
relação à sua crença religiosa.
Entre os estudos sobre o terrorismo, é preciso destacar aqueles que sina-
lizam para a situação de empobrecimento e marginalização de vastas popu-
lações em diversas partes do mundo, sobretudo após os anos 1990. Muitas
congregações religiosas assumem obrigações e deveres que foram abando-
nados pelo Estado, que, como temos visto ao longo dos capítulos, reduziu
seu papel no sistema de proteção social em tempos de neoliberalismo. As-
sim, outros fatores sociais e políticos também estão relacionados ao tema do
terrorismo, mostrando que suas motivações estão para além das questões
puramente religiosas.
Por vezes o terrorismo está relacionado ao fundamentalismo religioso, mas
convém lembrar que nem todos os atos terroristas têm uma motivação religiosa,
tal como o caso de grupos separatistas na Espa-
nha (como o ETA, movimento pela indepen-
dência do País Basco). Tampouco se deve asso-
ciar o terrorismo a religiões específ icas. O
historiador inglês Eric Hobsbawm (1917-2012)
relaciona o aumento da violência no mundo
atual com as guerras no f inal do século XX,
quando os Estados nacionais perderam em par-
te o monopólio do poder e da violência, os
quais mantinham os cidadãos mais passivos e
disciplinados, respeitadores dos limites estabe-
lecidos pelas leis. Como exemplo da intensif ica-
ção da violência social tem-se o caso do Sri
Lanka, cuja população, composta de uma maio-
ria budista e uma minoria hinduísta, hoje en-
volvida em sérios conflitos, antes tinha uma
convivência pacíf ica.
Os ataques às Torres Gêmeas, em Nova
York, e ao prédio do Pentágono, sede do De-
partamento de Defesa dos Estados Unidos,
em Washington, ocorridos em 11 de setem-
bro de 2001, colocaram sob suspeita a reli-
gião islâmica e seus seguidores. Nesse contex-
to, o então presidente dos Estados Unidos,
George W. Bush, fez uma convocação inter-
nacional para a luta contra o terrorismo, na
forma de uma “cruzada” do Ocidente cristão
contra os muçulmanos do mundo. Desse mo-
do, generalizou-se a ideia de que o islamismo era sinônimo de terrorismo –
ideia reforçada pela mídia de grande circulação, o que gerou um aumento
da intolerância e da violência no mundo.
Sp
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A foto retrata o momento em que um avião se chocou com a torre sul do
World Trade Center, complexo comercial em Nova York, nos Estados
Unidos, e explodiu. Minutos antes, outro avião já havia colidido com a
torre norte. O ataque, ocorrido em 11 de setembro de 2001, foi atribuído
ao grupo fundamentalista islâmico Al-Qaeda.
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Sociedade e religião • 161
As manchetes acima, publicadas em diversas mídias no Brasil, desta-cam confl itos em que o caráter religioso está presente. Esses, entretanto, não são os únicos. Podemos citar também, por exemplo, as ações desenca-deadas pelo Exército Republicano Irlandês, o IRA, inseridas em uma dis-puta na Irlanda do Norte entre protestantes que desejam continuar inte-grados ao Reino Unido e católicos que querem a união com a República da Irlanda. A guerra entre palestinos e judeus, desde a criação do Estado de Israel, em 1948, também está relacionada (embora não se limite) à questão religiosa. Outro confl ito religioso ocorre entre Índia e Paquistão, pela posse da região da Caxemira, de maioria muçulmana, conf igurado como uma batalha entre hindus e muçulmanos. Em países africanos –
No século XX, nas duas guerras mundiais e, depois, nos confl itos ocor-ridos durante a Guerra Fria, houve desrespeito aos princípios convencio-nados entre a maioria dos Estados como os de uma “guerra civilizada” por meio das Convenções de Genebra de 1929 e 1949, segundo os quais a população civil deve ser protegida, os países neutros não podem ser ata-cados e os prisioneiros de guerra devem ter sua integridade física assegu-rada, entre outros cuidados. Muitas vezes o discurso do respeito às regras e aos valores não é cumprido e produz uma situação que Hobsbawm de-nomina “retorno à barbárie”, expressando atos criminosos que têm a po-pulação civil por alvo, como acontece nos ataques terroristas.
Af inal, como começa o terrorismo? Os terroristas alegam reagir em legítima defesa a um ataque anterior vindo da parte do Estado ou do sis-tema. Para os que praticam o terror, trata-se de um contra-ataque àquele que o privou de outra forma de reação, como a negociação. Veiculador de reivindicações nem sempre precisas, o terrorismo não deixa de ser uma estratégia política que usa a violência, física ou psicológica, em ataques a governos, a grupos políticos ou mesmo à população, criando um pavor incontrolável, o terror, que se expande além do círculo de suas vítimas.
Conflitos religiosos no mundo
Número de mortos por confl ito religioso em Mianmar chega a 112
Bomba mata três pessoas em reduto islâmico da Nigéria
Décimo monge tibetano ateia fogo ao corpo em
protesto na China
FOLHA Online, 26 out. 2012. Disponível em: <www1.folha.uol.com.
br/mundo/1175504-numero-de-mortos-por-confl ito-religioso-em-
mianmar-chega-a-112.shtml>. Acesso em: 3 abr. 2013.
O GLOBO, 20 fev. 2013. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/
mundo/bomba-mata-tres-pessoas-em-reduto-islamico-da-
nigeria-7632878>. Acesso em: 3 abr. 2013.
ESTADAO.com.br, 26 out. 2011. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/noticias/internacional,decimo-
monge-tibetano-ateia-fogo-ao-corpo-em-protesto-na-china,790716,0.htm>. Acesso em: 3 abr. 2013.
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162 • CAPítulo 6
especialmente República Democrática do Congo, Ruanda e Burundi –, nos anos 1990, violentos embates foram apresentados como de caráter étni co e/ou religioso.
Será que a Sociologia e a História permitem generalizar a denominação de tais conflitos como “guerras religiosas”? Até que ponto a religião é real-mente um fator determinante nesses episódios? Será que, por trás da justif ica-tiva da religião, não existem outras razões? Essas são questões que as Ciências Sociais buscam responder.
No conflito pela região da Caxemira (norte da Índia e do Paquistão), por exemplo, são comuns as referências a diferenças religiosas. A historiograf ia, porém, também aponta outros fatores como moti-vadores para os conflitos, como os problemas de-correntes do processo de colonização e as divisões incentivadas pela Inglaterra no período em que os indianos lutavam por sua independência.
No caso do conflito entre árabes e judeus na Palestina, vale assinalar que, apesar das guerras e da violência que o caracterizam nos dias de hoje, esses dois povos mantiveram relações harmonio-sas durante um longo período da história. Isso ocorreu, por exemplo, na época em que os ára-bes ocuparam a península Ibérica (711-1492), quando os judeus que lá viviam desfrutaram de liberdade religiosa e cultural. Outro exemplo são as pequenas colônias judaicas remanescentes no Oriente Médio que viviam em paz com a maioria muçulmana há menos de um século.
Hyderabad
Golfo de
Bengala
CAXEMIRA
NEPAL
70° L
10° N
0 510
km
1 020
CHINA
ÍNDIA
AFEGANISTÃO
PAQUISTÃO
BUTÃO
BANGLADESH
MIANMAR
SRI LANKA
IRÃ
O C E A N O Í N D I C O
Mar Arábico
Mumbai
Nova Délhi
Délhi
Kolkata
Zona contestada pela
Índia e pelo Paquistão
Zona contestada pela
Índia e pela China
O C E A N O Í N D I C O
Karachi
Islamabad
Posicionamento dos mísseis
balísticos
Instalações nucleares
Violências étnicas
Atentados terroristas
Adaptado de: Le Monde diplomatique, 2010. p. 212.
conflitos na caxemira (2010)
Port
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a ed
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Adaptado de: DUBY, Georges. Atlas Histórico Mundial. Madrid: Debate, 1989. p. 213.
Israel (1948-1949)
32° N
35° L
JORDÂNIA
SÍRIA
EGITO
ISRAEL
Mar
Morto
Mar Mediterrâneo
LÍBANO
CisjordâniaTelavive
Jerusalém
0 50
km
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Palestina sob domíniobritânico (até 1948)
Estado de Israel (1948)
Israel após conflitos de1949
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32° N
35° L
JORDÂNIA
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SÍRIA
EGITO
ISRAEL
Península
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Mar Mediterrâneo
LÍBANO
Golã
Cisjordânia
Telavive
GazaJerusalém
Suez
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Ocupação do sul do Líbanopor Israel (1982-2000)
Ofensivas em 1956(Guerra de Suez)
Territórios ocupados porIsrael por ocasião da Guerrados Seis Dias (1967)
Guerra do Yom Kippur (1973)
Mar
Morto
0 90
km
180
Adaptado de: DUBY, Georges. Atlas Histórico Mundial. Madrid: Debate, 1989. p. 214-215.
conflitos árabe–israelenses (1956-2000)
Allm
aps/
Arq
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Sociedade e religião • 163
Portanto, a intolerância religiosa ou pseudoétnica não parece suf iciente para explicar o conflito entre esses povos, pois se trata de uma questão gera-da por disputas políticas e fatores sociais e econômicos. O conflito tomou proporções maiores sobretudo a partir da criação do Estado de Israel (1948), do qual, após a Primeira Guerra Árabe-Israelense (1948-1949), os árabes palestinos foram expulsos.
Diante desses e de outros conflitos, não apenas religiosos, cabe destacar que a realidade social comporta múltiplas di-mensões – política, econômica, cultural, histórica – e um dos desaf ios do conhecimento científ ico consiste em montar os muitos quebra-cabeças de que é composta a história. Para isso, é necessário sempre ir além das aparências dos fatos e das in-terpretações prontas e, no caso de conflitos religiosos, observar o princípio do teórico militar prussiano Carl Clausewitz (1780--1831) de que toda guerra se subordina aos interesses políticos.
pEsquIsa
Em equipe, pesquisem sobre algum conflito tido como religioso ocorrido no século XX ou no XXI, levantando suas causas, batalhas e desdobramentos. Após a busca de informações (em livros, mídias im-pressas e na internet), o resultado da pesquisa de cada grupo deve ser apresentado para a turma. Fiquem atentos para outras motivações, de natureza econômica, social e/ou política, que colaborem para uma melhor compreensão do conflito selecionado.
Judeu ortodoxo caminha ao lado do muro em
torno do túmulo de Raquel, personagem bíblica,
em Belém. Erguido com o pretexto de proteger
as peregrinações judaicas ao templo, o muro é
um dos elementos estruturais de segregação da
Palestina. Foto de 2012.
Baz R
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ati
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Conflitos sociais
Para compreendermos melhor os contextos de
confronto entre grupos sociais inspirados por moti-
vos declarados como religiosos, é interessante nos
determos sobre o conceito sociológico de conflito
social. Não é simples defini-lo, pois o risco de con-
frontação entre adversários, indivíduos e/ou grupos
remete à natureza do próprio sistema social. Veja-
mos, então, algumas das diferentes concepções so-
ciológicas de ontem e de hoje.
O darwinismo social, elaborado pelo filósofo in-
glês Herbert Spencer, considerava o conflito um
ponto central, na medida em que acreditava na
“evolução” da sociedade como decorrente da “so-
brevivência do mais forte”. Já a vertente funcionalis-
ta, inaugurada por Durkheim, contrapõe consenso
e conflito. Embora reconheçam uma “dimensão con-
flitual” na sociedade, ou seja, uma tensão perma-
nentemente moderada pela solidariedade social
(vista no capítulo 5), os funcionalistas consideram
as situações conflituosas (conflitos étnico-raciais,
guerras, revoluções, etc.) disfuncionais, estados pa-
tológicos da sociedade que põem em risco a inte-
gração social.
Com Weber, o conflito social passa a ser visto co-
mo uma ação cotidiana, resultado de uma relação de
concorrência entre indivíduos. Na teoria weberiana,
como cada um tem a intenção de fazer triunfar sua
própria vontade, o conflito perde o seu caráter “pato-
lógico” e aplica-se a todo sistema social.
Para algumas teorias, os conflitos sociais são res-
ponsáveis pelas mudanças históricas centrais, como a
interpretação dialética de Marx da luta de classes. O
norte-americano Lewis Coser (1913-2003) faz uma
abordagem funcionalista do conflito, considerando-o
a mola para a renovação e a mudança da sociedade,
por gerar novas normas e novas instituições. Outro so-
ciólogo contemporâneo, o alemão Ralf Dahrendorf
(1929-2009), observa que a sociedade contemporâ-
nea vai institucionalizando o conflito, ou seja, emer-
gem instituições de regulação dos conflitos, em que
os parceiros se acertam e recorrem a mediações e for-
mas de conciliação próprias do mundo industrial.
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164 • CAPítulo 6
Algumas sugestões de temas de pesquisa são:•o conflito palestino-israelense;•o conflito entre indianos e paquistaneses na região da Caxemira;•o conflito entre católicos e protestantes na Irlanda do Norte;•a Revolução Iraniana e suas implicações no cenário atual do país;•os conflitos étnico-religiosos na região da ex-Iugoslávia nos anos 1990.
A religiosidade no Brasil
O Brasil é um Estado laico, ou seja, legalmente o Estado é independente e não está submetido aos desígnios de qualquer conf issão religiosa. Além disso, os cidadãos têm a garantia constitucional de poderem professar a re-ligião que desejarem, sem discriminações. Diz o inciso VI do artigo 5 da Constituição Brasileira: “É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na for-ma da lei, a proteção aos locais de culto e suas liturgias”.
No Brasil e no mundo, tem aumentado o número de grupos religiosos, que em sua maioria representam cisões nas denominações religiosas mais antigas. É o caso, na América Latina e no Brasil, da expansão de grupos de caráter protestante e pentecostal. Embora os católicos ainda sejam a maioria da população brasileira, a proporção com relação ao total caiu de 73,6% em 2000 para 64,6% em 2010, de acordo com o Censo Demográf ico 2010, do IBGE. Já os seguidores de denominações evangélicas, que representavam 15,4% da população em 2000, chegaram a 22,2% em 2010 – um aumento de cerca de 16 milhões de pessoas. Algumas pesquisas antropológicas discutem a tese de que a conversão a esses novos grupos religiosos seria, em parte, uma reação à situação de pobreza e de marginalidade da população.
km 0 610
45º O
OCEANOATLÂNTICO
0º
Trópico de Capricórnio
Equador
PI
SE
AL
RJ
AC
AM
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TO
BA
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GO
MT
PA
MS
PR
RS
SP
SC
MG
RRAP
ES
PE
PB
RN
De 9,7% a 15%
De 15,1% a 20%
De 20,1% a 30%
De 30,1% a 33,8%
Adaptado de: CENSO Demográfico 2010. Disponível em:
<www.censo2010.ibge.gov.br/apps/mapa>. Acesso em: 9 jan. 2013.
população evangélica no Brasil
por estado, em % (2010)
OCEANOATLÂNTICO
km 0 610
45º O
0º
Trópico de Capricórnio
Equador
MG
De 45,8% a 50%
De 50,1% a 65%
De 65,1% a 75%
De 75,1% a 85%
PI
SE
AL
RJ
AC
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CEMA
GO
MT
PA
MS
PR
RS
SP
SC
RRAP
ES
PE
PB
RN
Adaptado de: CENSO Demográfico 2010. Disponível em:
<www.censo2010.ibge.gov.br/apps/mapa>. Acesso em: 9 jan. 2013.
população católica apostólica romana
no Brasil por estado, em % (2010)
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Sociedade e religião • 165
O Censo 2010 também aponta um aumento do nú-mero de pessoas que se declaram sem religião, no mes-mo período, de 7,3% para 8% da população brasileira. Para a antropóloga brasileira Regina Novaes (1952-), uma explicação possível para esse crescimento, sobre-tudo entre os jovens, está menos relacionada ao ateís-mo e mais a formas de ligação com o sagrado e com o religioso desvinculadas de instituições religiosas. Essas formas se expressam numa espiritualidade individuali-zada e também na participação em manifestações cole-tivas, como festas religiosas e seus símbolos.
Ainda de acordo com o Censo, os seguidores da umbanda e do candomblé mantiveram-se em 0,3% em 2010, enquanto a população que se declara espírita passou de 1,3%, em 2000, para 2%, em 2010. Embora sejam contingentes populacionais pequenos, a presen-ça dessas religiões nas representações sociais e nas ma-nifestações culturais e artísticas no Brasil são signif ica-tivas, o que revela que sua influência vai além daqueles que se declaram adeptos desses grupos religiosos.
É recorrente a fala de que o Brasil é um país em que o sincretismo religioso está muito presente, ou seja, no qual elementos de cultos e doutrinas diferentes se com-binam e são reinterpretados. Para o antropólogo e soció-logo francês radicado no Brasil Pierre Sanchis (1928-), o sincretismo não é próprio do campo da religião, mas sim da cultura, e se dá no interior de uma relação desigual entre duas culturas ou duas religiões. Essa desigualdade é consequência de relações históricas de dominação de classe, dominação polí-tica ou hegemonia cultural, em que elementos de uma religião subjugada ou discriminada são incorporados às práticas religiosas dominantes. Assim sen-do, é preciso considerar a diferença entre declarações de identidade (associa-das à instituição religiosa), em geral captadas pelo Censo, e declarações de convicções (associadas à vivência e às crenças dos indivíduos).
No conjunto das manifestações religiosas brasileiras, a umbanda seria, segundo o sociólogo francês Roger Bastide, a expressão ideológica da inte-gração do negro à sociedade nacional. No período colonial e do Brasil Im-pério, a repressão dos colonizadores portugueses e luso-descendentes, pri-meiro, e das autoridades of iciais, depois, às religiões africanas e afro-brasileiras levaram os seus adeptos a fazerem adaptações para escapar da perseguição. Foi assim que entidades divinas como os orixás do povo ioruba e os inquices dos povos bantos foram associados a santos católicos, como, por exemplo, nas associações entre a orixá Iemanjá e a inquice Dandalunda com Nossa Senhora, ou entre a orixá Iansã e Santa Bárbara. A umbanda, fundada no século XX, resultou da sistematização de um processo maior de modif ica-ções, como a crença da manifestação de espíritos errantes em sessões medi-únicas e o abandono de rituais de sacrifício.
Já o candomblé é a mais difundida entre as religiões trazidas pelos grupos africanos para o Brasil, tendo preservado muitas das características originais, apesar das mudanças. Seus rituais costumam ser embalados por cantos, em
Fiéis durante lavagem das escadarias da Igreja do Senhor do
Bonfim, em Salvador, Bahia. Foto de 2009.
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166 • CAPítulo 6
terreiros, como são chamados os locais de culto aos orixás, onde se realizam
oferendas aos deuses e são feitas consultas espirituais. Tais locais são cuidados
e dirigidos por um pai (babalorixá) ou uma mãe (ialorixá) de santo.
As religiões dos indígenas brasileiros são tão diversas quanto são os po-
vos indígenas que habitam o território nacional, e muitas delas são ainda
hoje praticadas. Recentemente houve grande aumento de pesquisas que
oferecem aos etnólogos material para o melhor conhecimento da sociedade
brasileira. Estudos sobre os movimentos messiânicos no Brasil revelam, por
exemplo, a associação de personagens míticos e rituais de origem indígena
à sua ação política, como na Guerra do Contestado, região em disputa pelos
estados do Paraná e de Santa Catarina no início do século XX.
dEBatE
De que forma o sincretismo religioso está presente nas práticas sociais do brasileiro?
Segundo o que aprendemos neste capítulo, você diria que somos ou não um povo
religioso? Acompanhe a exposição do antropólogo brasileiro Roberto DaMatta
(1936-) e, em equipe, discutam o assunto.
Do mesmo modo que temos pais, padrinhos e patrões, temos também entida-
des sobrenaturais que nos protegem. E elas podem ser de duas tradições religiosas
aparentemente divergentes. Isso realmente não importa. O que para um norte-
-americano calvinista, um inglês puritano ou um francês católico seria sinal de su-
perstição e até mesmo de cinismo ou ignorância, para nós é modo de ampliar nossa
proteção. E também, penso, um modo de enfatizar essa enorme e comovente fé
que todos nós temos na eternidade da vida. Assim, essas experiências religiosas são
todas complementares entre si, nunca mutuamente excludentes. O que uma delas
fornece em excesso, a outra nega. E o que uma permite, a outra pode proibir. O que
uma intelectualiza, a outra traduz num código de sensual devoção. Aqui também
nós, brasileiros, buscamos o ambíguo e a relação entre esse mundo e o outro [...]
Assim, se no Natal vamos sempre à Missa do Galo, no dia 31 de dezembro vamos
todos à praia vestidos de branco, festejar o nosso orixá ou receber os bons fluidos
da atmosfera de esperança que lá se forma. Somos todos mentirosos? Claro que
não! Somos, isso sim, profundamente religiosos.
DAMATTA, Roberto. o que faz o Brasil, Brasil? Rio de Janeiro: Rocco, 1986. p. 115-116.
pausa para rEflEtIr
Quando tratamos de religião, estão em pauta questões referentes aos direitos huma-
nos, por serem eles inerentes a todas as pessoas, independentemente de sexo, na-
cionalidade, etnia, idioma, religião ou qualquer outra condição. As sociedades de-
vem garantir aos indivíduos e grupos sociais o direito à vida e à liberdade, o direito
ao trabalho e à educação, mediante o poder político organizado. Essas garantias ao
cidadão têm inspiração, por exemplo, na Declaração Universal dos Direitos Huma-
nos, um dos documentos básicos das Nações Unidas, assinada em 1948, logo após a
Segunda Guerra Mundial. A Declaração contém os direitos de todos os seres huma-
nos, mencionando, entre outros assuntos, a questão da religião. Acompanhemos
um excerto do texto original: artigos I, II e XVIII:
Sociologia_vu_PNLD15_149a170_C06.indd 166 5/28/13 8:42 AM
Sociedade e religião • 167
Declaração Universal dos Direitos Humanos
(Adotada e proclamada pela Resolução 217 A (III) da
Assembleia Geral das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948)
Artigo I.
Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dota-
dos de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fra-
ternidade.
Artigo II.
1. Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabe-
lecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo,
idioma, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, ri-
queza, nascimento, ou qualquer outra condição.
2. Não será também feita nenhuma distinção fundada na condição política, jurídi-
ca ou internacional do país ou território a que pertença uma pessoa, quer se trate de um
território independente, sob tutela, sem governo próprio, quer sujeito a qualquer outra
limitação de soberania.
Artigo XVIII.
Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência, religião; este di-
reito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa
religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou
coletivamente, em público ou em particular.
NAÇÕES Unidas. declaração dos direitos humanos. Disponível em: <http://unicrio.org.br/img/DeclU_D_HumanosVersoInternet.pdf>. Acesso em: 17 set. 2012.
1. O que af irma a Declaração Universal dos Direitos Humanos a respeito da religião?
2. Pelo que vemos diariamente nos noticiários e pelo que estudamos neste capítulo,
sabemos que existem manifestações de intolerância religiosa em diversas partes
do mundo. Na sua opinião, é possível conciliar liberdade religiosa, tolerância e
direitos humanos? Qual seria o papel do Estado em relação a essa questão?
dIálogos IntErdIscIplInarEs
Considerando o que você aprendeu neste capítulo, sugerimos que pro-
cure conhecer mais sobre as religiões afro-brasileiras, como segue:
1. Faça uma pesquisa na internet sobre as religiões afro-brasileiras (candomblé e
umbanda), seus símbolos, rituais e divindades, estabelecendo as semelhanças e
diferenças entre ambas, e escreva uma breve síntese. Finalize seu texto com um
comentário sobre o sincretismo religioso no Brasil e os locais em que há maior
presença das religiões afro-brasileiras no país.
2. Pesquise as músicas interpretadas por Clara Nunes e Maria Bethânia que fazem
referência a essas religiões. Selecione algumas dessas letras de música ou assista
aos clipes disponíveis na internet.
3. Apresente o material que conseguiu produzir em sua aula de:
•Sociologia, de forma a provocar um debate sobre religiões afro-brasileiras e a
noção de sincretismo religioso;
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168 • CAPítulo 6
•Língua Portuguesa, para analisar o texto produzido, do ponto de vista da estru-
tura, normatização e argumentação;
•Música/Arte, para estudar a composição musical, seu ritmo e forma de expressão;
•Geograf ia, para verif icar os estados do país onde as religiões afro-brasileiras
estão mais presentes.
rEvIsar E sIstEmatIzar
1. Como os chamados “autores clássicos” da Sociologia analisam o tema
da religião na modernidade?
2. Qual é a análise de Renato Ortiz sobre a religião na realidade atual?
Para o autor, é correto af irmar que ela está em declínio?
3. Por que a religião é considerada culpada por inúmeros conflitos, sobre-
tudo após os atentados de 11 de setembro de 2001, nos Estados Uni-
dos? Essa perspectiva de análise é correta? Justif ique sua resposta.
4. Relacione globalização, religião e fundamentalismo religioso.
5. Quais são as tendências apontadas por pesquisas recentes quanto ao
comportamento dos brasileiros com relação às práticas religiosas?
6. Pode-se observar ao longo da história, em períodos diversos, uma es-
treita relação entre o Estado e as religiões institucionalizadas. De que
forma essas instituições se influenciam nos dias de hoje?
conceitos-chave:
Religião, processo de desnaturalização, secularização, fundamentalismo religioso, fenômeno religioso, consciência coletiva, sagrado, institucionalização social, conflitos sociais, sincretismo religioso.
dEscuBra maIs
As Ciências Sociais na biblioteca
DEMANT, Peter. O mundo muçulmano. São Paulo: Contexto, 2004.
Essa obra trata do Islã, das suas origens à atualidade, além de conflitos que envolvem direta ou
indiretamente a religião islâmica.
PINSKY, Carla B.; PINSKY, Jaime. Faces do fanatismo. São Paulo: Contexto, 2004.
Essa reflexão mostra os vários tipos de fanatismos na realidade histórica e social, e que o religioso
é apenas um deles.
As Ciências Sociais no cinema
A árvore dos tamancos, 1978, Itália/França, direção de Ermanno Olmi.
História em uma aldeia italiana que mostra o papel da fé religiosa na vida simples dos
camponeses, entre a incerteza e o idealismo.
Domingo sangrento, 2001, Inglaterra, direção de Paul Greengrass.
Narra o início do confronto entre o IRA e o exército britânico, que provocou uma guerra civil.
O nome da rosa, 1986, Alemanha/França/Itália, direção de Jean-Jacques Annaud.
História escrita por Umberto Eco e adaptada para o cinema que possibilita refletir sobre o papel
da Igreja católica e sua relação com o conhecimento na Idade Média.
O pagador de promessas, 1962, Brasil, direção de Anselmo Duarte.
Filme clássico do cinema brasileiro que, sem se restringir à questão religiosa, revela o preconceito,
a intolerância e o dogmatismo na realidade social.
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Cartaz do filme O pagador de
promessas, dirigido por
Anselmo Duarte.
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Sociedade e religião • 169
As Ciências Sociais na rede
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Disponível em: <www.ibge.gov.br/home/presidencia/
noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=2170&id_pagina=1>. Acesso em: 6 nov. 2012.
No site do IBGE é possível acessar dados e estatísticas sobre as religiões no Brasil.
Retratos das Religiões no Brasil. Disponível em: <www.fgv.br/cps/religioes/inicio.htm>. Acesso em:
2 set. 2012.
Site ligado à Fundação Getúlio Vargas que traz informações e dados sobre as religiões no Brasil.
Atlântico Negro – na rota dos orixás. Disponível em: <www.youtube.com/watch?v=JYp6dM0dNxM>.
Acesso em: 6 nov. 2012.
Vídeo dirigido por Renato Barbieri sobre as religiões e os diversos tipos de cultos afro-brasileiros.
BIBlIografIa
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rod
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Capa do livro Globalização,
democracia e terrorismo, de Eric Hobsbawn (ed. Companhia das Letras).
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