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AULAS 15 E 16 DIREITOS FUNDAMENTAIS IX. DIREITOS FUNDAMENTAIS a) Conceituação b) Concepções c) Natureza e classificação d) Princípio da máxima efetividade e) Características f) Gerações dos direitos fundamentais g) Diferença entre direitos fundamentais e garantias fundamentais h) Eficácia horizontal e eficácia vertical i) Dimensão objetiva e dimensão subjetiva j) Colisão autêntica, colisão imprópria, colisão com redução bilateral e unilateral, e colisão excludente l) Fundamento dos direitos fundamentais m) Direitos fundamentais da pessoa jurídica n) Limitações dos direitos fundamentais o) Normas de envio e rol exemplificativo p) O tratado internacional e sua incorporação ao sistema jurídico brasileiro q) Direitos fundamentais específicos r) Garantias fundamentais específicas s) Direitos sociais t) Direitos de nacionalidade u) Direitos políticos v) Partidos políticos

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AULAS 15 E 16 – DIREITOS FUNDAMENTAIS IX. DIREITOS FUNDAMENTAIS a) Conceituação b) Concepções c) Natureza e classificação d) Princípio da máxima efetividade e) Características f) Gerações dos direitos fundamentais g) Diferença entre direitos fundamentais e garantias fundamentais h) Eficácia horizontal e eficácia vertical i) Dimensão objetiva e dimensão subjetiva j) Colisão autêntica, colisão imprópria, colisão com redução bilateral e unilateral, e colisão excludente l) Fundamento dos direitos fundamentais m) Direitos fundamentais da pessoa jurídica n) Limitações dos direitos fundamentais o) Normas de envio e rol exemplificativo p) O tratado internacional e sua incorporação ao sistema jurídico brasileiro q) Direitos fundamentais específicos r) Garantias fundamentais específicas s) Direitos sociais t) Direitos de nacionalidade u) Direitos políticos v) Partidos políticos

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Capítulo DIREITOS FUNDAMENTAIS

a) Conceituação

A humanidade lutou muito para se chegar à atual evolução. Lutou contra o absolutismo, contra a Inquisição, contra ditaduras, e toda uma série de eventos que marcaram a restrição dos direitos do homem e da sociedade. Portanto, para se chegar a cada um dos direito elencados na Constituição, é preciso ter em mente a luta que a humanidade travou para que eles, pelo menos, ficassem expressos no texto constitucional. A luta continua, para que eles saem do papel, porque agora a maior preocupação é com a efetivação, com a concretização constitucional. Muitas vezes o termo “direitos fundamentais” é utilizado com outros significados, como “liberdades públicas”, “direitos humanos”, “direitos humanos fundamentais”, “liberdades fundamentais”, “direitos do homem”, “direitos públicos subjetivos”, “direitos civis e políticos” e tantos outros que querem significar, na verdade, as conquistas basilares da humanidade em benefício do homem. A única distinção a ser feita é entre os termos “direitos fundamentais” e “direitos humanos”, já que direitos fundamentais são os direitos humanos consagrados e positivados internamente em determinado país, via de regra pela Constituição, e “direitos humanos” são direitos relacionados aos valores liberdade e igualdade positivados internacionalmente. Há quem prefira encarar a distinção entre “direitos humanos” e “direitos fundamentais” não de forma geográfica, mas sim de forma jusnaturalista ou positivista: “direitos humanos” seriam aqueles naturalmente pertencentes ao ser humano, independentemente de estar ou não positivado no ordenamento jurídico internacional (caráter jusnaturalista), e “direitos fundamentais” seriam aqueles positivados no ordenamento jurídico (caráter positivista). De forma geral, a conceituação de direitos fundamentais deve passar necessariamente por três requisitos: a) essencialidade para o homem e para a sociedade; b) constitucionalização; c) ligação com a dignidade humana. Assim, tanto melhor conceituar direito fundamental como aquele direito que, de tão importante para o homem e para a sociedade, está previsto diretamente na Constituição, e visa propiciar, no mínimo, a dignidade humana.

b) Concepções de direito fundamental

A doutrina identifica quatro concepções ideológicas sobre os direitos fundamentais:

jusnaturalista, positivista, idealista e realista.

Para a concepção jusnaturalista, os direitos fundamentais do homem são imperativos do

direito natural, e existem antes mesmo da estruturação estatal. Não haveria, então, nem mesmo

necessidade de previsão positiva, porque os direitos não podem ser negados.

A concepção positivista, pelo contrário, entende que os direitos do homem são faculdades

concedidas pela lei, e não pela natureza das coisas. Não havendo previsão no direito positivo, ter-se-á

expectativa de direito, e não direito em si.

A concepção idealista, por seu turno, entende que os direitos do homem são ideias

abstratas, que nascem do imaginário e que vão sendo absorvidas pela realidade ao longo do tempo.

Já para a concepção realista, os direitos do homem não nascem do imaginário e são

absorvidos com o tempo. Muito ao contrário, os direitos fundamentais do homem são resultados reais das

lutas sociais e políticas travadas na história. Para se chegar a eles, quase sempre há um rasto de sangue e

muita luta por trás.

c) Natureza e classificação

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Como visto, os direitos fundamentais são a consagração dos direitos do homem no plano interno. Por isso, devem estar previsto na Constituição, como de fato estão na CF/88 no Título II (“Dos Direitos e Garantias Fundamentais”). Neste Título, existe uma classificação positivada, inserta nos seguintes Capítulos: a) Capítulo I – direitos individuais; b) Capítulo I – direitos coletivos; c) Capítulo II – direitos sociais; d) Capítulo III – direitos de nacionalidade; e) Capítulo V - direitos políticos.

Além desta classificação positivada, existem classificações doutrinárias, dentre as quais a mais citada é a classificação seguinte: a) direitos de defesa: caráter negativo, porque exige uma abstenção do Estado (Constituição-garantia), para que ele não se intrometa arbitrária e despropositadamente na autonomia do homem; b) direitos de prestação: caráter positivo, porque exige uma prestação do Estado para o homem atingir a felicidade. O Estado tem o dever de agir para interferir na sociedade, quando isto for necessário para proteger os bens jurídicos, seja pela intervenção indireta ou jurídica, como na expedição de normas, seja pela intervenção direta ou material, pela intervenção policial ou pela prestação direta das necessidades básicas de saúde, educação e segurança; c) direitos de participação – direito do cidadão de participar na governança da coisa pública.

d) Princípio da máxima efetividade (eficiência ou interpretação efetiva)

“A Constituição Federal não é Deus”. Por isso, ela não pode, pela simples inclusão de um direito, ter eficácia plena e alterar o mundo dos fatos. Fosse assim, cada país vivia em um paraíso. Deste modo, quando a Constituição de 1988 diz, claramente, que “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata” (§1º do art. 5º), não quer dizer que a dignidade humana será sempre respeitada, que o detento não sofrerá nas prisões e que ninguém passará fome. Sendo isto inconteste, a doutrina adotou o princípio da máxime efetividade, ao entender que o § 1º deve ser entendido como uma norma principiológica, influenciando o intérprete a atribuir aos direitos fundamentais um sentido que, em cada caso, tenha a maior efetividade possível. Portanto, os direitos fundamentais previstos na Constituição (individuais, coletivos, sociais, de nacionalidade e políticos), força o intérprete a dar um sentido que possa dar aos mesmos otimização, mesmo sem alterar o conteúdo. Por exemplo: se for possível fazer uma interpretação conforme a Constituição, em um dispositivo que envolve direitos fundamentais, o sentido a ser dado à norma deve dar otimização a ela.

e) Características

Os direitos fundamentais têm as seguintes características básicas: Historicidade: se por trás de cada direito há um rastro, senão de sangue, pelo menos de

luta, é evidente que o direito fundamental é um direito histórico. Se são históricos, os direitos fundamentais não são naturais, como defende o jusnaturalismo;

Inalienabilidade: são direitos que não se pode transferir para outrem, nem negociados e nem disponibilizados, já que não se trata de direito patrimonial;

Imprescritibilidade: não são atingidos, nunca, pela prescrição. Se são próprios do ser humano, perder a exigibilidade seria perder a própria característica humana;

Irrenunciabilidade: o seu titular não pode renunciar um direito fundamental; pode, sem dúvida, deixar de exercê-lo, mas não pode dispor dos mesmos de forma definitiva (não se pode exigir que um doente em estado terminal aceite a eutanásia). É costume dizer que a irrenunciabilidade não é absoluta, porque em alguns casos é possível renunciar algum direito fundamental, como é o caso de renunciar à integridade física, para fazer doação de rim para parente;

Universalidade: são universais porque tratam de valores aceitos no mundo inteiro, como a liberdade, a vida e a dignidade humana;

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Relatividade: nada na vida é absoluto, porque até a morte suscita indagações. O direito também não é e nem pode ser absoluto, porque é preciso, em vários casos, limitá-lo, mesmo em se tratando de um direito fundamental. O direito fundamental da liberdade pode ser limitado, a bem da sociedade;

Proibição do retrocesso: se o direito fundamental foi conquistado, não pode mais ser extirpado. Existem até aqueles que nem o poder constituinte originário poderá retroceder, para acabar com um direito fundamental conquistado na ordem constituinte anterior;

Interdependência: não há choque irremediável entre os direitos fundamentais, porque eles devem se relacionar permanentemente para atingirem suas finalidades;

Complementaridade: a interpretação de um direito fundamental deve levar em conta os outros direitos fundamentais. Não se interpreta um direito fundamental isoladamente. Observações sobre as características

A validez universal não pressupõe uniformidade em cada Estado, já que a extensão de cada direito do homem, em determinado Estado, depende de diversos fatores sociais, religiosos, econômicos e políticos.

Direitos fundamentais não são absolutos. Existem aqueles que entendem, porém, que o direito de não ser escravizado seria um direito absoluto, assim como o direito de não sofrer penas cruéis.

O STF entende que a proibição de pena de caráter perpétuo se estende à área administrativa (RE 154.134/SP; MS 1.119), e que não é permitida a extradição para cumprimento de pena de caráter perpétuo, daí porque a extradição só pode ser deferida se o Estado requerente assumir, formalmente, o compromisso de comutar a pena de prisão perpétua em pena não superior à duração máxima admitida na lei penal do Brasil (Ext. 855).

A verdadeira indisponibilidade seria em relação ao direito à vida biológica, a preservação das condições normais de saúde física e mental e a liberdade para tomar decisões livremente

São aceitos atos jurídicos de limitação a alguns direitos fundamentais, para efetivar contratos, como a liberdade de expressão, que pode ser limitada pela não-divulgação de segredos obtidos pelo desenvolvimento de algum trabalho ou profissão. É o caso, também, da doação de órgãos, que restringe o direito à integridade física, e a impossibilidade de professar a liberdade religiosa em lugares inadequados (pregar catolicismo em Igreja Evangélica, ou vice-versa, por exemplo – pode o pregador ser retirado do recinto).

Direitos fundamentais já consagrados não poderiam ser eliminados, em face da aplicação do princípio da proibição do retrocesso. Assim, se a lei concede um direito, não pode retroagir para eliminá-lo. A doutrina não é unânime. Canotilho dá exemplo que equivale, no Brasil, ao seguro-desemprego: se a lei criou o seguro-desemprego, não pode vir outra lei e extinguí-lo, podendo, quando muito, limitá-lo e dar novos contornos, mas nunca acabar com o núcleo essencial deste direito já conquistado.

Ainda é possível identificar outra característica, que seria a vinculação dos Poderes Públicos e a aplicabilidade imediata.

Discute-se se a vinculação aos direitos fundamentais poderia fazer com que o Executivo deixasse de aplicar uma lei, por considerá-la inconstitucional em face de algum direito fundamental. Existe posicionamento do STF, antes da CF/88, no sentido da possibilidade de negar, o Executivo, a aplicação de lei que ele considere inconstitucional, desde que motivado adequadamente, inclusive com Súmula (STF, 347), permitindo que o TCU aprecie a inconstitucionalidade das leis e dos atos do poder público, para cumprimento das suas atribuições. Este posicionamento existia quando as possibilidades de declarar a inconstitucionalidade da lei eram remotas, até porque, desde 1965, quando foi instaurado o controle abstrato de constitucionalidade, o monopólio da ação direta de

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inconstitucionalidade na pessoa do Procurador-Geral da República. Hoje, com a ampliação desta legitimidade, inclusive para Chefes do Executivo, parece que a tendência é negar o controle por parte do Executivo, pois deverá utilizar a prerrogativa e buscar a inconstitucionalidade pelos caminhos normais (ADI no STF ou nos TJ´s). Em relação ao Prefeito, por ele não ter legitimidade para propor ADI no STF, pode ser que para ele continue a possibilidade de não aplicar lei inconstitucional, desde que por escrito se justifique adequadamente e dê publicidade, sob pena de crime de responsabilidade prevista no Decreto-Lei 201, art. 1º, XIV. De todo modo, o entendimento é o de que o agente administrativo, ao se deparar com inconstitucionalidades, devem comunicar o caso aos superiores, e não deixar de aplicar a lei aparentemente inconstitucional, salvo em casos excepcionais quando a aplicação da lei poderá por em risco a vida ou a integridade física de alguém.

Em relação à aplicabilidade imediata, é preciso enfatizar que esta aplicabilidade visa afastar a prorrogação de aplicação de algum direito fundamental, como se fosse necessária a complementação legislativa, o que causaria muitos perigos, como ocorreu com o Nazismo. Assim, a aplicabilidade imediata caracterizam as normas constitucionais definidoras de direitos fundamentais como normas de caráter preceptivo, isto é, elas são determinações para cumprimento imediato, que exigem respeito dos Poderes Públicos, podendo, então, possibilitar a proteção junto ao Judiciário. A aplicabilidade imediata, entretanto, não se confunde com a eficácia plena (vide classificação das normas constitucionais), porque há normas constitucionais que tratam de direitos fundamentais que são normas de eficácia contida e até limitada. Assim, o §1º do art. 5º (“As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”) deve ser analisada “cum grano salis”, levando-se em consideração a divisão da eficácia das normas constitucionais em plena, contida e limitada, até porque existem direitos fundamentais de índole social, muito embora, sem dúvida, existe um “plus”, no sentido de forçar uma interpretação sempre favorável à eficácia plena. Não por outro motivo a doutrina entende que este §1º seria uma norma-princípio, porque contém um princípio geral, abstrato, portanto sem conter uma ordem direta, mas ao mesmo tempo contém uma preponderância imperativa, para exigir maior eficácia possível.

f) Gerações dos direitos fundamentais

A característica da historicidade dos direitos fundamentais fez com que a doutrina, analisando a histórica como um todo, percebesse que os direitos surgiram paulatinos, e em cada fase houve uma intensidade por certos tidos de direito, em uma natural evolução. Estas fases são, na verdade, gerações, que são assim divididas:

f.1) Direitos fundamentais de 1ª geração (liberdade)

Surgidos no século XIX, são conhecidos como direitos civis e políticos. Ligados à liberdade, que surgiram em oposição ao Estado para limitar seus poderes absolutos, tendo por influência direta as revoluções francesa e norte-americana. Exigia do Estado uma abstenção, daí o caráter negativo. Seu titular é o indivíduo, e são conhecidos como direitos negativos, ou direitos de defesa. Exemplos: liberdades físicas, liberdades de expressão, liberdades de consciência, direitos de propriedade privada, direitos da pessoa acusada e as garantias de direitos (“habeas corpus”, mandado de segurança, mandado de injunção, “habeas data”). f.2) Direitos fundamentais de 2ª geração (igualdade)

Surgidos no século XX, estão ligados à igualdade, já que se referem aos direitos sociais, econômicos e culturais conquistados pela luta do proletariado (saúde, educação, segurança, habitação, cultura, esporte etc.). Visam a igualdade material (na lei). Têm caráter positivo, porque exigem uma prestação do Estado, e não só uma abstenção, para que sejam reduzidas as desigualdades. Seu titular é a coletividade. São conhecidos como direitos positivos ou direitos de prestação. f.3) Direitos fundamentais de 3º geração (fraternidade)

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A consciência de que o mundo, cada vez mais, estava se dividindo até perigosamente entre nações desenvolvidas e nações subdesenvolvidas, surge a consciência de que o mundo precisa de solidariedade, de fraternidade. O mundo não pode ser tão dividido assim. Daí porque os principais direitos de 3ª geração são os direitos ao desenvolvimento, a paz, o meio ambiente, a autodeterminação dos povos, à comunicação, ao patrimônio comum e histórico da humanidade. Seu titular é o gênero humano.

f.4) Direitos fundamentais de 4ª geração

São direitos relacionados ao futuro da sociedade, com o futuro da própria cidadania, como é o caso do direito à democracia, à informação e ao pluralismo. Referem-se à possibilidade de regulamentação jurídica da globalização política. Se a sociedade, um dia, ter como um grande problema o lixo ou a espionagem espacial, que interferirá no conteúdo das informações, na restrição da utilização da Internet? Alguns falam em direitos fundamentais de 5ª geração, considerando como tais os direitos cibernéticos, em especial os fatores jurídicos que envolvem a Internet e os satélites.

g) Diferença entre direitos e garantias fundamentais

Não basta declarar um direito; é preciso garantir que ele seja efetivado. Daí porque é costume dizer que o direito são declarações positivadas na lei, e garantias são formas, meios, caminhos para que estes direitos sejam postos em prática.

Assim, é possível fazer várias correlações entre alguns direitos e suas garantias: a) para o direito de ir e vir (liberdade de locomoção), temos a garantia do “habeas corpus”;

b) para o direito contra o abuso de autoridade (direito líquido e certo), temos a garantia do

mandado de segurança;

c) para o direito de obter dados pessoais junto ao Poder Público e retificá-los, temos a

garantia do “habeas data”;

d) para o direito de não ser ofendido na honra, temos a garantia de proposição de ação de

indenização proporcional ao agravo;

e) para os direitos coletivos, temos as garantias do mandado de segurança coletivo,

mandado de injunção coletivo e da ação popular.

Ainda se fala na diferença entre direitos, garantias e remédios constitucionais, porque os

remédios seriam uma espécie das garantias, visando dar mais celeridade na resposta estatal, pelo

Judiciário, diante do eventual ferimento a valores fundamentais, visando efetivá-los com mais intensidade.

Remédios seriam, então, o “Habeas Corpus”, o Mandado de Segurança, o Mandado de Segurança Coletivo,

a Ação Popular, o “Habeas Data” e o Mandado de Injunção.

O Direito de Petição, assim, seria uma garantia constitucional, mas não seria um remédio

constitucional, assim como o princípio da legalidade e a ação de indenização proporcional ao agravo.

h) Eficácia horizontal e eficácia vertical

Eficácia vertical é a eficácia dos direitos humanos na relação cidadão-Estado; eficácia horizontal, ou eficácia privada, ou eficácia perante terceiros, ou ainda eficácia externa, é a eficácia na relação cidadão-cidadão. Na eficácia horizontal, existem duas teses: a) eficácia horizontal mediata (ou indireta) - a eficácia dos direitos fundamentais só teria aplicação entre particulares se não houver outra norma jurídica que possa ser aplicada no caso. Os direitos fundamentais, então, seriam subsidiários, verdadeiros soldados de reserva. Na verdade, os defensores

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desta teoria negam a aplicação direta dos direitos fundamentais nas relações privadas, porque acabaria suprimindo a autonomia da vontade e desfigurando o Direito Privado; b) eficácia horizontal imediata (ou direta) – a eficácia dos direitos fundamentais incidiria

diretamente nas relações privadas, independentemente da existência de outra norma jurídica aplicável ao

caso; não há necessidade de mediação do legislador. Mesmo esta tese (eficácia horizontal direta) defende

que deverá haver uma ponderação, para que a autonomia da vontade privada não fique totalmente

desfigurada.

O STF (RE 201819/RJ, Rel. Min. Ellen Gracie, Rel. Min. Gilmar Mendes para o acórdão, 2ª Turma, DJ 27.10.2005), acatou a eficácia horizontal, e, ao que se vê, eficácia horizontal imediata. No caso, a associação particular sem fins lucrativos expulsou de seus quadros um sócio, sem o devido processo legal, daí porque julgou:

“SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. UNIÃO BRASILEIRA DE COMPOSITORES. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM

GARANTIA DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES

PRIVADAS. RECURSO DESPROVIDO. I. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. As violações a direitos fundamentais não ocorrem somente no âmbito das relações entre o cidadão e o Estado, mas igualmente nas relações travadas entre pessoas físicas e jurídicas de direito privado. Assim, os direitos fundamentais assegurados pela Constituição vinculam diretamente não apenas os poderes públicos, estando direcionados também à proteção dos particulares em face dos poderes

privados”.

i) Dimensão objetiva e dimensão subjetiva A dimensão objetiva observa que os direitos fundamentais não asseguram apenas o direito subjetivo do indivíduo, porque vai além, exigindo obrigações objetivas do Estado e se fixando, de modo estável, no ordenamento jurídico. Por isso, é correto dizer que os direitos fundamentais iluminam as tarefas dos órgãos judiciários, legislativos e executivos, irradiando seus espíritos para dar o tom aos comportamentos dos agentes públicos, e dando um caráter especial ao ordenamento jurídico. A dimensão subjetiva enfatiza e dá importância aos direitos subjetivos e efetivos que o indivíduo tem em face dos direitos fundamentais, para que ele valorize, com base nestes direitos, a sua vida, a sua liberdade, a sua integridade física, e os possa exercer em face do Estado. Por isso, quando se pensa em dimensão subjetiva dos direitos fundamentais, pensa-se nas consequências em benefício do cidadão, que passa a ter o direito subjetivo de exigir uma ação ou omissão do Estado e do outro cidadão. Na dimensão objetiva, pensa-se nas consequências em benefício de toda a sociedade, que passa a contar, de modo objetivo, com um ordenamento jurídico protetivo neste sentido, inclusive contra direitos fundamentais individuais, daí sua eficácia horizontal. Assim, sempre que se estudam as relações, obrigações, deveres e problemas que surgem do direito fundamental para o indivíduo, haverá uma dimensão subjetiva, e sempre que se estudam as consequências para o Estado e para toda a comunidade, a dimensão será objetiva. Em função da dimensão objetiva, é preciso entender possível as limitações aos direitos fundamentais em face da coletividade, como ocorre com a imposição do uso de cinto de segurança, a proibição do uso de drogas, do discurso de ódio nos meios de comunicação e do aborto de anencéfalo, a vacinação e o ensino obrigatórios, além da proibição de curandeirismo e da prática do “trottoir” (exposição do corpo, nas ruas, para aliciamento de clientes para a prostituição). Esta dimensão objetiva, portanto, é um fundamento legítimo para aplicar, via de regra, a teoria externa, no sentido de que os direitos fundamentais podem ser restringidos pela atividade do legislador infraconstitucional, que lhe dará seus contornos definitivos. Com a explosão de direitos fundamentais, ocorrida após revoluções e queda do Estado absolutista, apareceram aqueles de 1ª geração, onde se valorizava a liberdade individual e, assim, expulsava a atuação arbitrária do Estado, exigindo-lhe uma abstenção. A primeira dimensão, como se percebe, foi a subjetiva, mas os direitos fundamentais, especialmente após a 2ª Guerra Mundial, começaram a ser valorizados na sua dimensão objetiva, porque eles não podem mais ser utilizados apenas para proteger o cidadão contra as investidas estatais; devem ir além, para serem considerados valores jurídico-objetivos com eficácia em todo o ordenamento jurídico, como diretrizes de atuação para todos os órgãos públicos, verdadeiras exigências de procedimentos para benefício da população.

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Merece destaque dizer que não há uma divisão entre direitos fundamentais objetivos e direitos fundamentais subjetivos, uma vez que cada um deles pode ser utilizado no âmbito objetivo ou no subjetivo, a depender da situação concreta e do panorama vislumbrado na ocasião da sua aplicação. Se a aplicação, então, revelar a necessidade de proteger o indivíduo, a sua dimensão subjetiva é que se aflorou; se, por outro lado, o direito fundamental revelar-se próprio para a proteção da vida social, inclusive para fins de exigências dirigidas ao Estado, a dimensão objetiva é que influenciou na sua incidência real e concreta. Por certo, quando o direito fundamental à intimidade e à vida privada sobrepõe-se ao direito à informação e à liberdade jornalística, em caso de colisão, pode-se dizer que foi a sua dimensão subjetiva que se mostrou mais razoavelmente consentânea de ser aflorada.

j) COLISÃO AUTÊNTICA, COLISÃO IMPRÓPRIA, COLISÃO COM REDUÇÃO BILATERAL,

COLISÃO COM REDUÇÃO UNILATERAL E COLISÃO EXCLUDENTE

É possível que o exercício de um direito constitucional fundamental acabe colidindo com o exercício de outro direito. Se a colisão existe na relação indivíduo-indivíduo, isto é, se há colisão de um titular de direito fundamental com outro titular, há colisão autêntica. Se a colisão existe na relação indivíduo-sociedade, isto é, se o exercício de um direito fundamental pelo seu titular colidirá com os bens jurídicos da sociedade, há colisão imprópria. Em ambos os casos, a solução se dá com base no juízo de ponderação, baseado no princípio da proporcionalidade. Entretanto, a utilização desta ponderação acaba gerando o que se conhece como colisão bilateral, colisão unilateral e colisão excludente. Se a solução do conflito, para compatibilizá-los, for a utilização de juízos comparativos de ponderação dos interesses envolvidos, reduzindo proporcionalmente o âmbito de aplicação dos dois direitos fundamentais, dá-se a colisão com redução bilateral. Exemplo: direito de construção x direito de vizinhança. Alguém pretende construir, e o vizinho embarga a obra, alegando o prejuízo ao sossego durante o dia e o sono, durante à noite. É possível manter os dois direitos, e a obra pode seguir com delimitação, pelo juiz (em alguns casos, a própria lei diz como se deve construir), dos horários para a realização da construção. Se a solução do conflito, para compatibilizá-los, for a utilização de juízos comparativos de ponderação dos interesses envolvidos, reduzindo proporcionalmente o âmbito de um deles, dá-se a colisão com redução unilateral. Exemplo: direito ao acesso ao Judiciário x direito ao contraditório e à ampla defesa. É possível haver, neste caso, liminares e tutelas de urgência sem ouvida da outra parte, postergando o direito à ampla defesa e ao contraditório para um momento posterior. Reduz-se o âmbito do direito de defesa, mas não o exclui. Se a solução do conflito, entretanto, for a exclusão de um deles, em virtude de ser o confronto reciprocamente excludente do exercício do outro, dá-se a colisão excludente. Neste caso, o princípio da proporcionalidade indica qual o direito que, na situação concreta, está ameaçado de sofrer lesão mais grave caso venha a ceder ao exercício do outro, e por isso merece prevalecer. Exemplos: a) direito à imagem x direito à informação. Se a sociedade tem o direito à informação sobre o câncer, e o portador desta enfermidade tem direito à intimidade, haverá colisão se a empresa jornalística tencionar publicar foto sua, para informar o tipo novo de câncer de pele. Neste caso, os benefícios para a sociedade são menores que os prejuízos à imagem do portador do câncer, e o direito à informação será excluído; b) direito à imagem x direito à informação. Se a sociedade tem direito à informação sobre determinado local, a empresa jornalística poderá estampar a foto de quem está neste local, se a foto for ampla. Os benefícios para a sociedade serão maiores que os eventuais prejuízos de quem aparece no local, sem destaque. Exclui-se o direito à imagem; c) direito à intimidade x direito à honra. Exemplo: STF, RCL 2.040-DF, rel. Min. Néri da Silveira, 21.2.2002 (caso Glória Trevi): STF autorizou e determinou a realização de exame de DNA na placenta da cantora mexicana Glória Trevi, mesmo contra sua vontade, para descobrir quem é o pai, “fazendo a ponderação dos valores constitucionais contrapostos" (princípio da proporcionalidade), considerou a possibilidade de uma lesão mais grave ao direito à honra e à imagem dos servidores e da Polícia Federal, atingidos pela declaração de a extraditanda haver sido vítima de estupro carcerário, divulgada pelos meios de comunicação, do que ao direito à intimidade e à vida privada da extraditanda,

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visto que o exame de DNA pode ser realizado sem invasão da integridade física da extraditanda ou de seu filho”. Min. Maurício Correa: “Opondo-se aos direitos fundamentais da reclamante existem os direitos fundamentais dos 60 agentes que têm seus direitos também afetados porque estão sob suspeita”; Minisro Celso de Mello: “a garantia constitucional à intimidade não tem caráter absoluto, pois necessidades públicas podem restringir direitos individuais em benefício da comunidade, com combate aos atos ilícitos ressaltados”. Ministro Carlos Velloso: “Imagem e honra da Polícia Federal estariam abaladas com as declarações feitas pela cantora Glória Trevi, sem falar da exposição a que ficaram submetidas todas as instituições nacionais e o próprio país”.

O legislador poderá prever como se dará a solução para os conflitos de direitos fundamentais?

Luís Roberto Barroso responde a questão da seguinte forma (“Conflitos entre direitos fundamentais, in Lições de Direito Constitucional em homenagem ao jurista Celso Bastos, Saraiva, 2005, André Ramos Tavares et al, pp. 331/333):

“Situação diversa se coloca, porém, quando o legislador procura arbitrar diretamente colisões entre direitos. Como se afirmou acima, uma regra que estabeleça uma preferência abstrata de um direito fundamental sobre outro não será válida por desrespeitar o direito preterido de forma permanente e violar a unidade da Constituição. O legislador, portanto, deverá limitar-se a estabelecer parâmetros gerais, diretrizes a serem consideradas pelo intérprete, sem privá-lo, todavia, do sopesamento dos elementos do caso concreto e do juízo de equidade que lhe cabe fazer. Mesmo nas hipóteses em que se admita como legítimo que o legislador formule uma solução específica para o conflito potencial de direitos fundamentais, sua validade em tese não afasta a possibilidade de que se venha a reconhecer sua inadequação em concreto. Um exemplo, respaldado em diversos precedentes judiciais, ilustrará o argumento. Como é de conhecimento geral, existem inúmeras leis que disciplinam ou restringem a concessão de tutela antecipada ou de medidas cautelares em processos judiciais. A postulação de uma dessas providências, initio litis, desencadeia uma colisão de direitos fundamentais, assim identificada: de um lado, o direito ao devido processo legal – do qual decorreria que somente após o procedimento adequado, com instrução e contraditório, seria possível que uma decisão judicial produzisse efeitos sobre a parte; e, de outro, o direito de acesso ao Judiciário, no qual está implícita a prestação jurisdicional eficaz: deve-se impedir que uma ameaça a direito se converta em uma lesão efetiva. Pois bem, a legislação não apenas estabelece requisitos específicos para esse tipo de tutela (fumus boni iures e periculum in mora), com impõe, em muitos casos, restrições à sua concessão, em razão do objeto do pedido ou do sujeito em face de quem se faz o requerimento. Nada obstante, o entendimento que prevalece é o de que a lei não pode impor solução rígida e abstrata para esta colisão, assim como para quaisquer outras. E ainda quando a solução proposta encontre respaldo constitucional e seja em tese válida, isso não impedirá o julgador, diante do caso concreto, de se afastar da fórmula legal se ela produzir uma situação indesejada pela Constituição. Há um interessante julgado do Supremo Tribunal Federal (STF, DJ 29.06.90, ADInMC 223-DF, Rel. Min. Paulo Brossard) sobre o tema. Em ação direta de inconstitucionalidade, pleiteava-se a declaração de inconstitucionalidade da Medida Provisória n. 173/90, por afronta ao princípio do acesso à justiça e/ou da inafastabilidade do controle judicial. É que ela vedava a concessão de liminar em mandados de segurança e em ações ordinárias e cautelares decorrentes de um conjunto de dez outras medidas provisórias, bem como proibia a execução das sentenças proferidas em tais ações antes de seu trânsito em julgado. No julgamento da ação direta de inconstitucionalidade, o Supremo Tribunal Federal julgou improcedente o pedido. Vale dizer: considerou constitucional em tese a vedação. Nada obstante, o acórdão fez a ressalva de que tal pronunciamento não impedia o juiz do caso concreto de conceder a liminar, se em relação à situação que lhe competisse julgar não fosse razoável a aplicação da norma proibitiva. O raciocínio subjacente é o de que uma norma pode ser constitucional em tese e inconstitucional em concreto, à vista das circunstâncias de fato sobre as quais deverá incidir. Antes de prosseguir, cabe resumir o que foi exposto neste tópico. A colisão de direitos fundamentais é um fenômeno contemporâneo. A colisão de direitos fundamentais é um fenômeno contemporâneo e, salvo indicação expressa da própria Constituição, não é possível arbitrar esse conflito de forma abstrata, permanente e inteiramente dissociada das características do caso concreto. O legislador não está impedido de tentar proceder a esse arbitramento, mas suas decisões estarão sujeitas a um duplo controle de constitucionalidade: o que se processa em tese, tendo em conta apenas os enunciados normativos envolvidos, e, em seguida, a um outro, desenvolvido diante

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do caso concreto e do resultado que a incidência da norma produz na hipótese. De toda sorte, a ponderação será a técnica empregada pelo aplicador tanto na ausência de parâmetros legislativos de solução como diante deles, para a verificação de sua adequação ao caso. O tópico seguinte, portanto, dedica algumas notas ao tempo da ponderação.”

Portanto, o legislador poderá dar alguns contornos para que a solução da colisão de direitos fundamentais sejam decididos pelo Judiciário, e estes contornos devem ser flexíveis, meros apontamentos gerais, sem possibilidade de determinação específica de como será a decisão do Judiciário.

Isto é assim porque a técnica da ponderação, que é a técnica utilizada para fazer valer o princípio da proporcionalidade na resolução dos conflitos entre princípios e direitos constitucionais, e aceita pacificamente na doutrina e na jurisprudência, existe justamente para que se pondere as circunstâncias do caso concreto, e só depois desta ponderação é que o julgador deverá verificar qual direito tem mais peso para aquele caso concreto.

Deste modo, não há como o legislador substituir o julgador, porque, muito embora seja necessário existirem parâmetros abstratos e gerais, não há como fixar tais parâmetros com tanta capilaridade que acabe substituindo o julgador no seu papel.

O que seria o duplo controle de proporcionalidade?

O Prof. Luís Barroso já descreveu este duplo controle, mas é preciso enfatizar. Em relação ao princípio da proporcionalidade, o duplo controle seria aquele que, em primeiro lugar, haveria uma análise do princípio da proporcionalidade para se saber se a lei, em abstrato, feriu direitos fundamentais e, depois de verificada a constitucionalidade, precisaria passar por uma segunda etapa, para verificar se, no caso concreto, este princípio foi ferido. Haveria, então, um duplo controle: um abstrato, para atestar a constitucionalidade da lei, e um concreto, para aferir se a aplicação da lei no caso concreto poderá ferir o princípio da proporcionalidade. Gilmar Mentes et al (op. cit., p. 327), dá exemplo alemão: é possível que a lei dê ampla liberdade de imprensa para se noticiar fatos delituosos, sendo a lei abstratamente considerada constitucional. Entretanto, se no caso concreto há repetição de notícia sobre o fato delituoso ocorridos no passado, durante anos a fio, não mais coberta pelo interesse da atualidade, pode ser proibida porque se coloca em risco o processo de ressocialização do autor do delito. Outro caso seria o crime de batatela: a lei poderá considerar crime, por exemplo, o furto (“subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel”), o que é natural, mas se determinada pessoa furta de uma caixa de fósforo, ou algo insignificante, a previsão abstrata desta conduta é possível, mas no caso concreto a norma poderá deixar de ser aplicada, em função da análise das circunstâncias do caso concreto. O duplo controle de proporcionalidade é, claro, um duplo controle de constitucionalidade, baseado especificamente na análise do fundamento da razoabilidade. Poderia haver, da mesma forma, duplo controle de constitucionalidade sem que se analise o princípio da proporcionalidade, dentro da mesma ideia de análise abstrata e concreta da norma em face de outros dispositivos, valores, preceitos e/ou princípios constitucionais.

l) Fundamento dos direitos fundamentais - derivação de 1º e 2º graus

É corriqueira e correta a afirmação de que a dignidade da pessoa humana não é um direito fundamental, mas sim um atributo inerente a todo ser humano. É possível que somente o ser humano tenha a noção de dignidade. Por isso, a dignidade do ser humano é o fundamento dos direitos fundamentais. Existem três direitos fundamentais básicos, que se relacionam e se derivam intensamente com a dignidade humana: direito à vida, à liberdade e à igualdade. Nestes três casos, diz-se que há uma derivação intensa da dignidade humana, derivação esta chamada de derivação de 1ª grau. Os outros direitos fundamentais, como não se relacionam tão intensamente com a dignidade humana, são chamados de direitos de derivação de 2ª grau.

m) Direitos fundamentais da pessoa jurídica

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Hoje está superada a ideia de que direitos fundamentais só existem para a pessoa física. Eles também são destinados para a pessoa jurídica, porque muitos deles podem e devem ser invocados naturalmente, como é o caso do direito à igualdade, direito de propriedade, sigilo de correspondência, inviolabilidade do domicílio e os direitos adquiridos, além daqueles destinados especificamente para a pessoa jurídica, com não ingerência no estado no funcionamento das associações (art. 5º, XVIII, XIX). Existem direitos fundamentais, como a garantia da não-prisão como regra, destinados à pessoa física. E as pessoas jurídicas de direito público, são detentoras de direitos fundamentais?

Esta dúvida se intensificou durante o tempo porque os direitos fundamentais nasceram justamente para brecar a atividade estatal (direitos de 1ª geração), atividade esta que é cometida em nome das pessoas jurídicas de direito público. Na verdade, não existe uma resposta definitiva, porque não se pode analisar, de forma genérica, a destinação dos direitos fundamentais para as pessoas jurídicas de direito público, justamente porque são destinados para as pessoas físicas e jurídicas particulares, mas existem direitos fundamentais que podem ser utilizados pela pessoa jurídica de direito público, como é o caso da ampla defesa nos processos judiciais, o direito ao juiz natural. Não há como negar, entretanto, que para tais pessoas, tem aplicação os direitos fundamentais processuais, e não propriamente materiais.

n) limitações dos direitos fundamentais

No Brasil, a CF/88 não estabeleceu, de forma expressa como na Constituição da Alemanha e na Constituição de Portugal, os chamados “limites dos limites”, que seriam os limites para que o legislador limitasse os direitos fundamentais. É dizer, não há, no corpo da CF/88, norma expressa dispondo até onde pode ir o legislador infraconstitucional, no trabalho de contornar e limitar os direitos fundamentais. Veja, por exemplo, o que dizem os itens 1, 2 e 3 do art. 18 da Constituição Portuguesa, e

nos itens 1, 2, 3 e 4 do art. 19 da Constituição Alemã:

“Art. 18

1. Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas. 2. A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. 3. As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.”

“Art. 19. 1. Quando, segundo esta Lei Fundamental, um direito fundamental for restringido por lei ou em virtude de lei, essa lei será aplicada de maneira geral e não apenas para um caso particular. Além disso, a lei deverá especificar o direito fundamental afetado e o artigo que o prevê. 2. Em hipótese nenhuma um direito fundamental poderá ser afetado em sua essência. 3. Os direitos fundamentais se aplicarão igualmente às pessoas jurídicas nacionais, na medida em que a natureza desses direitos o permitir. 4. Quem tiver seus direitos lesados pelo Poder Público poderá recorrer à via judicial. Não havendo foro especial, o recurso deverá ser encaminhado à Justiça comum. Este parágrafo não interferirá no disposto na segunda frase do § 2 do artigo 10.”

A omissão de disposição expressa na CF/88 não significa, entretanto, que não existam tais

limites, porque, no Brasil, eles são implícitos. Daí que, no Brasil, existem os “limites dos limites” de modo

implícito, daí serem considerados “limites imanentes”, ou “limites implícitos”. Estes limites imanentes

decorrem da própria Constituição, e referem-se à proibição de diminuir sensivelmente o direito

fundamental por obra do legislador infraconstitucional, de modo que há uma proteção ao núcleo essencial

ao direito fundamental, que só pode ser restringido de maneira excepcional e sempre respeitando o

princípio da proporcionalidade. As principais limitações à possibilidade de limitar os direitos fundamentais

(“limites dos limites”), decorrem da necessidade de lei e da aplicação do princípio da proporcionalidade.

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Teoria do núcleo essencial Como se pode notar, existe a teoria do núcleo essencial, que defende a intangibilidade dos

núcleos essenciais dos direitos fundamentais, de modo que nem mesmo o legislador infraconstitucional

poderá legislar para destruir o espírito do direito fundamental, isto é, afetar sensivelmente o benefício nele

traduzido, mesmo que possa dar contornos restritivos complementares, ou impor certas condições para

seu exercício.

É muito citada a decisão do STF no HC 82.959-7, que julgou inconstitucional, por maioria

mínima (6 x 5), o §1º do art. 2º da Lei dos Crimes Hediondos (Lei 8.072/90), que impunha o cumprimento

da pena em regime integralmente fechado (o §1º foi modificado pela Lei 11.464/07, impondo apenas o

início da pena em regime fechado). Neste caso, o cumprimento em regime integralmente fechado feria o

núcleo essencial do princípio da individualização da pena.

Teorias absoluta, relativa, objetiva e subjetiva Na defesa do núcleo essencial, surgem duas teorias. A teoria absoluta e a teoria relativa.

Para a teoria absoluta, o núcleo essencial está a salvo de qualquer interferência legislativa,

porque é uma unidade substancial autônoma, com espaço livre de intervenção estatal. A teoria relativa

defende que o núcleo essencial não é estático, porque só poderá ser revelado pela análise do caso

concreto, de modo que existiria um mínimo de proteção que está a salvo de qualquer interferência, mas há

espaço para restrições, a depender da análise prática da situação (a própria ideia de “núcleo” pressupõe

elemento central e elementos acidentais/periféricos). Para a teoria absoluta, o conteúdo essencial é fixo,

imutável, porque é autônomo; para a teoria relativa, o direito fundamental possui uma parte fixa, a salvo

de qualquer interferência (núcleo essencial), mas existe uma parte possível de restrição, porque ele não é

autônomo.

Ainda se fala em teoria objetiva, no sentido de que o direito fundamental não pode ser

retirado do ordenamento jurídico, é dizer, a intangibilidade do direito fundamental significa que a limitação

quer dizer que o legislador não pode retirá-lo do mundo jurídico, porque a proteção é da sociedade, e não

propriamente da pessoa individual; e em teoria subjetiva, que defende a impossibilidade de limitar um

direito subjetivo determinado, isto é, não pode eliminar um benefício para o beneficiário do direito

fundamental.

Teorias externa e interna Ainda no tema das restrições dos direitos fundamentais, existem duas teorias que precisam

ser citadas. Uma defende que a restrição está fora do direito, em um lugar externo a ele, daí porque a lei

seria este lugar externo. Trata-se da teoria externa. Ela entende, então, que há uma relação lógica e

necessária entre o direito individual e a restrição a tal direito, restrição esta que deve ser imposta para

preservar os bens coletivos, porque há que se levar em conta a dimensão objetiva do direito fundamental.

Para a teoria externa, portanto, há viabilidade para se impor restrições aos direitos fundamentais.

Por outro lado, a teoria interna defende que tanto o direito quanto a limitação a tal direito

está em uma só previsão. Quando um dispositivo constitucional prevê um direito, neste mesmo dispositivo

deve ser encontrada a possibilidade de limitação. O limite ao direito fundamental, então, está no seu

próprio conceito, internamente a ele, não havendo que se falar em possibilidade de se criar externamente

as restrições, porque os limites estão no próprio direito (para a teoria interna, não pode se falar em

restrição, e sim em limite imanente ao direito). Daí porque, quando houver dúvida de até quando se pode ir

para se estabelecer limites a um direito fundamental, a dúvida existe, na verdade, sobre a extensão do

conceito do direito fundamental, e não sobre a extensão da liberdade do legislador infraconstitucional. Para

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a teoria interna, não há como estabelecer restrições aos direitos fundamentais, porque os limites, se

existirem, estão no seu próprio conteúdo.

Da teoria interna, decorre outra, que na verdade só complementa seu sentido, que é a

teoria da interpretação. Entende ela que as limitações aos direitos fundamentais não poderia ser feita pelo

legislador, e sim pelo intérprete, porque tais limites estão no conteúdo do direito fundamental, que precisa

ser bem compreendido.

Posição jurídica definitiva e não-definitiva

Diante das teorias externas e internas, os direitos fundamentais exercem posição jurídica definitiva?

Com se viu, se se adota a teoria externa, os direitos fundamentais podem ser restringidos

por obra do legislador infraconstitucional, que assim agirá em uma atividade externa ao direito

fundamental. Neste caso, o direito fundamental exerceria uma posição jurídica não definitiva. Se se adota a

teoria interna, os direitos fundamentais exercem posição jurídica definitiva, porque não há espaço para

atividades externas do legislador infraconstitucional, para impor restrições. Definitivo, assim, no sentido de

que não há mais o que se considerar para definir o contorno do direito fundamental. Não-definitivo, então,

seria no sentido de que o contorno final do direito fundamental precisaria passar pela análise não só do

direito fundamental em si, mas das restrições impostas pelo legislador.

É possível dizer que a CF/88 adotou, por regra, a teoria externa. Isto é assim porque previu,

em uma grande quantidade de dispositivos, a possibilidade de restrição dos direitos fundamentais por obra

do legislador infraconstitucional. Inúmeros são os exemplos:

a) art. 5º, VII: “é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas

entidades civis e militares de internação coletiva”. A lei, em uma atividade externa, é quem dirá como será

feita a assistência religiosa, dando contornos da sua efetivação e podendo, então, estabelecer os limites e

as condições;

b) art. 5º, XXVIII: “são assegurados, nos termos da lei: a) a proteção às participações

individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades

desportivas; b) o direito de fiscalização do aproveitamento econômico das obras que criarem ou de que

participarem aos criadores, aos intérpretes e às respectivas representações sindicais e associativas”. Estes

direitos fundamentais, veja, são assegurados nos termos dos contornos dados pela lei, em uma nítida

atividade externa que independe, para tal atividade, da pesquisa sobre o conteúdo destes direitos;

c) art. 5º, XV: “é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo

qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens”. O direito de livre

trânsito alfandegário pode ser limitado nos casos previstos na lei, e não nos casos previstos internamente

no próprio direito constitucional;

d) art. 5º, LVIII: “o civilmente identificado não será submetido a identificação criminal, salvo

nas hipóteses previstas em lei”. Este é um caso clássico de utilização da teoria externa, porque a própria

Constituição está prevendo, com muita clareza, que as limitações ao direito de não ser identificado

criminalmente, serão impostas pelo legislador.

e) art. 5º, XIII: “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as

qualificações profissionais que a lei estabelecer”. As qualificações profissionais a serem exigidas dependem

de uma correta análise do dispositivo, ou fica para que o legislador as defina? Neste caso, apesar da menor

liberdade do legislador, porque ele não pode estabelecer qualificações desproporcionais que afete o

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próprio direito ao trabalho, continua ele com o poder de definir as qualificações, novamente em uma

atividade externa que não pressupõe a análise das eventuais limitações insertas no conteúdo do inciso.

Existem, entretanto, alguns direitos fundamentais que não estão abertos expressamente à

atuação do legislador infraconstitucional, como nestes casos analisados. A atuação do legislador, onde não

houvesse previsão explícita, deveria partir, necessariamente, da compreensão do direito constitucional,

para entender quais os limites que ele mesmo permite que o legislador faça. Se a Constituição, ao prever

um direito constitucional, não prever que o legislador poderá operar para dar os contornos restritivos, é

porque está exigindo uma correta interpretação do direito fundamental para possibilitar uma limitação

apenas proporcional, razoável, dentro do seu conteúdo, para que seu núcleo essencial não possa ser

destruído. Estaremos, então, em uma seara sensível e perigosa, porque a interpretação da Constituição

cabe apenas ao STF, e não ao legislador, porque o Tribunal que é seu Guardião. Assim, nesta interpretação,

o legislador acabaria invadindo uma função do STF (vide, a seguir, a atividade do legislador para dar

contornos no caso de conflito de direitos fundamentais). Daí porque a teoria interna é de difícil

sedimentação.

De todo modo, se existirem direitos fundamentais previstos na Constituição de 1988 sem

que haja previsão de atuação explícita do legislador (“na forma da lei”; “nos termos da lei”; “nos casos

previstos em lei”; “a lei regulará”; “a lei estabelecerá” etc.), ou então com previsão de casos onde a própria

Constituição delimita a atuação do legislador, estabelecendo, taxativamente, as hipóteses de restrição,

teria aplicação a teoria interna. Um exemplo que se poderia retirar da CF/88 seria o art. 5º, XII (“é inviolável

o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas,

salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de

investigação criminal ou instrução processual penal”): neste caso, a própria Constituição teria explicitado os

casos onde é possível restringir os direitos fundamentais de sigilo de correspondência, das comunicações

telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas (somente por ordem judicial e para fins de

investigação criminal ou instrução processual penal). Entretanto, poder-se-ia alegar que não há, no caso,

aplicação da teoria interna porque a CF/88, ao falar em “nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer”,

acaba dando liberdade para o legislador estabelecer não os fins da restrição, mas efetivamente os casos

onde poderá haver limitação, como de fato ocorreu no art. 2º da Lei 9.296/96 (“Não será admitida a

interceptação de comunicações telefônicas quando ocorrer qualquer das seguintes hipóteses: I - não houver

indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal; II - a prova puder ser feita por outros meios

disponíveis; III - o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção”.

Veja que, de fato, houve liberdade para o legislador, porque ele poderia, por exemplo, dizer

que só poderia haver interceptação telefônica apenas para os crimes hediondos, os crimes contra o

patrimônio público e os crimes contra a vida, mas, dentro da sua liberdade de conformação, preferiu prever

outros casos, alargando os casos de restrição.

Neste mesmo dispositivo constitucional (art. 5º, XII), existem muitos defensores de que a

única hipótese de atuação restritiva do legislador seria para o caso de interceptação telefônica, porque as

expressões “no último caso” se referem ao caso do sigilo das comunicações telefônicas, e não aos casos

excepcionais, onde não há outra opção (que é a posição, aliás, do STF). Considerando, então, que as

expressões realmente têm o sentido de remeter ao caso dos sigilos das comunicações telefônicas, como

poderiam ser limitados os direitos aos sigilos de correspondência e das comunicações telegráficas e de

dados? A única hipótese, para quem assim entende, seria adotar a teoria interna e encontrar nos próprios

direitos (direito ao sigilo de correspondência, comunicações telegráficas e de dados), isto é, em seus

próprios conceitos, as possibilidades de limitações. Quando a Lei 7.210/84 (LEP), previu que o direito de

sigilo de correspondência poderia ser suspenso ou restringido mediante ato motivado do diretor do

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estabelecimento (art. 41, p. Único), com a ratificação do STF (que entendeu que seria possível à

administração penitenciária interceptar a correspondência remetida pelos sentenciados, em casos

excepcionais e atendendo a segurança pública, a disciplina prisional ou a ordem jurídica - STF, HC 70.814),

haveria aí, então, uma possibilidade de restrição que não decorreria da determinação constitucional

externa, mas sim de uma determinação constitucional interna ao próprio direito de sigilo de

correspondência, porque tal direito contém em seu conceito, internamente, a limitação de não poder ser

exercido contra a segurança pública, a disciplina prisional e a ordem jurídica.

Reserva legal simples e qualificada, e direito fundamental sem reserva legal

Por fim, ainda no tema das restrições dos direitos fundamentais, interessante notar que a

teoria externa faz surgir a restrição pela atividade externa do legislador, como vimos, e esta restrição pode

ser feita de modo mais intenso ou de modo mais limitado. É dizer: a liberdade conferida para o legislador

restringir os direitos fundamentais pode ser maior ou menor, porque a liberdade de conformação

concedida pela Constituição ao legislador pode ser pequena/contida/ restringida, ou pode ser

grande/expansiva. Quando a liberdade de conformação, para estabelecer as restrições, for maior, dá-se o

que se convencionou chamar de reserva legal simples; quando a liberdade é menor, existe reserva legal

qualificada.

Por isso que, no caso da reserva simples, o legislador tem fundamental importância, porque

acaba dando maiores contornos ao direito, e sua atividade assume papel de grande importância, seja

porque substancializa o direito fundamental, seja porque dá condições procedimentais para seu exercício.

Na reserva qualificada, a Constituição já delimita o trabalho do legislador, dando as condições, os fins e até

os meios que serão utilizados, daí porque o legislador terá menos liberdade.

Aquele caso do inciso XII do art. 5º, por exemplo, seria um caso de reserva legal qualificada,

porque ali a liberdade de conformação é restringida, e o legislador não pode dizer quais os fins que servirá a

quebra do sigilo telefônico.

Também no caso do art. 5º, XIII, como vimos anteriormente, há reserva qualificada, porque

os casos exigidos de qualificação, para exercício de ofício, trabalho ou profissão, não podem ser

desproporcionais, e o legislador, então, deverá ter cuidado para estabelecer estes casos, sob pena de ferir o

núcleo essencial da liberdade de trabalho.

Por outro lado, existem diversos dispositivos (sendo maioria, aliás), que dão maior liberdade

(art. 5º, VI, VII, XV, XXIV, XXVI, XXVII, XXVIII, XXIX, XXXIII, XLIII, XLV, XLVI, LVIII) (exemplos dados por Gilmar

Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco, Curso de Direito Constitucional, Saraiva,

2007, pp. 296 e ss.).

Estes autores ainda citam os direitos fundamentais sem expressa previsão legal, quando a

Constituição não explicita a possibilidade de intervenção legislativa, quando então o legislador não poderia

ir além dos limites definidos no próprio âmbito de proteção do direito. Citam a liberdade religiosa, a

inviolabilidade do domicílio e a inviolabilidade de correspondência escrita. Parece possível afirmar, então,

que no caso da inexistência de expressa previsão legal, há aplicação da teoria interna.

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o) NORMAS DE ENVIO1 E ROL EXEMPLIFICATIVO

O parágrafo 2º do art. 5º da nossa Constituição diz o seguinte: “Os direitos e garantias

expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados,

ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.

Com esta “cláusula aberta”, percebe-se que a Constituição complementa os direitos e

garantias fundamentais previstos no art. 5º, enviando o intérprete e o aplicador da Constituição aos outros

direitos e garantias que decorram logicamente do regime, do sistema, isto é, do conteúdo geral da nossa

Constituição, e também dos tratados internacionais que a República Federativa do Brasil participa. Então, a

Constituição determina, expressamente, que o rol de direitos fundamentais expressos no art. 5º é

meramente exemplificativo, porque não os encerram, havendo outros espalhados no próprio corpo da

Constituição. Daí porque alguns consideram que tais normas são “normas de envio”, muito embora não

sejam expressões comumente utilizadas.

Na verdade, o legislador constituinte originária havia indicado duas “normas de envio”:

a) genéricas, sem especificação, porque decorrem dos principais valores constitucionais

(não houve indicação de quais seriam). Estas poderiam ser chamadas, também, de normas de envio

internas, porque decorrentes da estrutura interna dos princípios e do regime da própria Constituição de

1988;

b) específicas, decorrentes dos Tratados Internacionais em que a República Federativa do

Brasil seja parte (houve indicação específica dos Tratados Internacionais). Estas, por sua vez, poderiam ser

chamadas de normas de envio externas, porque decorrem não da estrutura interna da Constituição de

1988, e sim dos tratados internacionais.

O Supremo Tribunal Federal especificou duas “normas de envio genéricas/internas”: as

normas constitucionais referentes ao cidadão contribuinte e ao cidadão eleitor. Isto se deu porque o STF

definiu como garantias individuais, aquelas previstas no art. 16 (princípio da anterioridade eleitoral) e no

art. 150, III, “b” (princípio da anterioridade tributária), ambos da CF/88, acabando por se transformar em

cláusula pétrea (art. 60, §4º, IV), não podendo ser alteradas pelo legislador constituinte derivado

reformador. Veja que estas garantias (art. 16 e art. 150, III, “b”), estão espalhadas no corpo da Constituição,

fora, portanto, do rol do art. 5º.

Na ADI 939-7/DF2, Rel. Min. Sydney Sanches, o STF entendeu que a Emenda Constitucional

n. 03, de 17.03.1993, não poderia excluir o então Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira –

IPMF, das restrições do princípio da anterioridade, isto é, ele não poderia ser cobrado para o ano de 1993,

vez que a proteção da “não-surpresa” contido no princípio é uma garantia individual ao cidadão

contribuinte e, sendo assim, tal princípio se revela uma cláusula pétrea. Neste caso, como se vê, o STF

1 Veja no Capítulo V, alínea “e”, p. 66, a observação de Canotilho sobre o “reenvio constitucional”, que seria uma

espécie de chamado do legislador constitucional ao legislador infraconstitucional para que este complemente as normas constitucionais produzidas. 2 No julgamento desta ADI, o Ministro Carlos Velloso considerou que os direitos e garantias sociais, assim como

aqueles atinentes à nacionalidade e aos direitos políticos, também seriam outras espécies de direitos fundamentais individuais espalhados pela Constituição.

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entendeu que o princípio da anterioridade tributária é uma garantia individual decorrente dos princípios da

Constituição, mesmo não estando previsto expressamente no art. 5º da CF/88.

No mesmo tino, na ADI 3.685/DF, Rel. Min. Ellen Gracie, o STF deu interpretação conforme

para o art. 1º da Emenda Constitucional 52, de 08.03.2006. Esta Emenda surgiu no início de 2006 para que,

nas eleições gerais daquele ano marcadas para outubro, não houvesse necessidade das coligações eleitorais

regionais seguirem as coligações eleitorais nacionais entre os Partidos Políticos. Em suma: a EC 52/06

alterou o §1º do art. 17, da CF/88, para acabar com a chamada “verticalização das coligações partidárias”, e

permitir que, nas eleições de outubro de 2006, os partidos nos Estados não seguissem as coligações feitas

pelos partidos no âmbito federal. Entretanto, o STF disse que o princípio da anterioridade eleitoral do art.

16 da CF/88 não assegurava, apenas, uma garantia contra a lei ordinária, mas também contra o próprio

legislador constituinte reformador, porque ela, a garantia, estava incluída no rol das garantias individuais,

sendo, portanto, uma cláusula pétrea (art. 60, §4º, IV).

Assim, diante de uma possível interpretação inconstitucional (“a EC 52/06 se aplica para as

eleições de 2006”) e outra constitucional (“a EC 52/06 não se aplica para as eleições de 2006”), deu

interpregação conforme a Constituição para imprimir apenas o sentido constitucional, acabando por

contrariar a intenção clara do legislador constituinte derivado reformador, desejoso, naquela época, pela

aplicação das modificações para as eleições que se avizinhavam3.

p) O TRATADO INTERNACIONAL E SUA INCORPORAÇÃO AO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO

A incorporação dos Tratados Internacionais ao ordenamento jurídico nacional ganhou nova

dimensão constitucional com a inclusão, pela EC 45, de 30 de dezembro de 2004 (“Reforma do Judiciário”),

do §3º ao art. 5º da CF/88: “Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem

aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos

membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”.

Este novo vetor constitucional inserido pelo Poder Constituinte (no caso, o Reformador),

provocou novas visões pela doutrina e pelo próprio STF, e, evidentemente, algumas consequências

importantes. Merece, portanto, três apontamentos específicos: o primeiro, em relação aos procedimentos

da incorporação dos tratados internacionais no sistema jurídico nacional; o segundo, em relação às

consequências para a hierarquia das normas brasileiras; e o terceiro, em relação às teorias monista e

dualista.

p.1) Os procedimentos de incorporação e algumas observações

Muito embora o tema seja mais adequadamente relacionado ao Direito Internacional

Público, é importante analisar como se dá o processo de internação dos atos internacionais aos sistema

jurídico nacional, também chamado de internalização, incorporação ou ainda recepção dos tratados

internacionais, uma vez que existem consequências para alguns temas próprios do Direito Constitucional.

3 Este caso é um bom exemplo de que, entre a intenção do legislador (“mens legislatoris”/interpregação originalista) e

a intenção da lei (“mens legis”/interpretação não originalista), deve-se optar pela intenção da lei (no caso, da norma constitucional).

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Esta recepção é necessária porque o Brasil, como se verá adiante, adota a teoria dualista; se

adotasse a teoria monista, este procedimento seria desnecessário, vez que tal teoria entende que há uma

automática adoção, por todos os países, dos atos jurídicos internacionais que tratam dos direitos humanos.

Basicamente, o iter procedimental de incorporação é este:

Inicialmente, ocorre a participação da República Federativa do Brasil no acordo internacional. Esta participação é feita pela prévia negociação4 e posterior assinatura do Presidente da República no ato, pois é ele que, como Chefe de Estado, representa a República Federativa do Brasil (art. 84, VIII, CF/885);

O ato internacional (geralmente “Tratado” ou “Convenção”), é submetido ao Congresso Nacional, para que este o referende. A ratificação se dá por meio de Decreto Legislativo (art. 49, I, CF/88 e arts. 172, II, “c”, 213, II, 376, do RISENADO), que é promulgado pelo Presidente do Senado (o art. 48, XXVIII, do RISENADO). Este referendum, portanto, acaba autorizando o Presidente da República a promulgá-lo;

o referendo do Congresso autoriza o Presidente da República a praticar o último ato do procedimento de incorporação, que é a promulgação do ato internacional por meio de Decreto Presidencial. Só a partir da publicação do Decreto é que ocorre a incorporação ao sistema jurídico nacional (passa a ter “executoriedade interna”).

Controle preventivo e concentrado de constitucionalidade pelo Judiciário?

O procedimento de incorporação revela, inicialmente, uma situação não analisada

comumente pela doutrina, que é a possibilidade do Poder Judiciário fazer o controle preventivo e

concentrado de constitucionalidade.

Como se sabe, a doutrina aceita o controle preventivo de constitucionalidade pelo

Judiciário, porém apenas pelo modelo difuso (ou concreto, incidental, via de exceção ou norte-americano),

vez que os parlamentares, ao se sentirem prejudicados em cada caso concreto, estão legitimados a

impetrar medidas judiciais no STF para que a tramitação do projeto de lei ou projeto de emenda

constitucional não fira a Constituição. Neste caso, o STF, se for o caso, poderá impor a paralisação do

projeto que tramita no âmbito do Parlamento, fazendo, então, um controle prévio de constitucionalidade,

pela via difusa.

Entretanto, como o procedimento de incorporação dos Tratados Internacionais acaba

passando pelas três fases básicas citadas, a norma só será definitivamente criada, no sentido de que só

existirá no ordenamento jurídico brasileiro, quando houver a publicação do Decreto do Presidente da

República. Antes do Decreto Presidencial, o ato internacional ainda não tem executoriedade porque os

procedimentos prévios são etapas necessárias para que tenha força cogente em nosso país.

4 Antes da assinatura no ato internacional há, evidentemente, uma fase anterior, que é a fase de negociação, onde as

partes conhecem os termos e analisam a viabilidade política, social, econômica, cultural e até jurídica (especialmente pela compatibilidade com a Constituição). Em face do art. 1º do Regimento Interno do Ministério das Relações Exteriores, aprovado pelo Decreto 5.979/06, esta fase é de responsabilidade precípua de tal Ministério. 5 No Direito Internacional, é conhecida a figura do plenipotenciário, que é aquele que substitui a figura do Presidente

para representá-lo, passando a ter plenos poderes para assinar o Tratado. Esta figura ocorre no caso do Brasil, em face do que consta no art. 2º, 1, “c”, e art. 7º da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 22.05.1969, aprovada que foi pelo Congresso Nacional (Decreto Legislativo 496, de 17 de julho de 2009) e promulgado pela Presidência (Decreto Presidencial 7.030, de 14.12.2009).

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O que se pergunta é: pode ser proposta ação direta de inconstitucionalidade contra o

Decreto Legislativo aprovado pelo Congresso Nacional, que ratifica o Tratado Internacional, antes mesmo

da publicação do Decreto Presidencial?

Como se sabe, o Decreto Legislativo é uma norma originária, prevista no art. 59, VI, da

Constituição, o que por si só possibilita ser objeto de ADIN, já que é um ato normativo único, dotado de

abstração e generalidade, e que ainda é capaz de produzir algo importante no mundo jurídico e no mundo

dos fatos, ao permitir o início do procedimento, no Executivo, para que seja elaborado e publicado o

Decreto Presidencial. No STF, já foram aforadas ADIN´s contra Decretos Legislativos, sem maiores

problemas quanto a este objeto6.

Dentro desta visão, possível admitir que o Judiciário poderia fazer o controle preventivo e

concentrado de constitucionalidade, considerando não o controle preventivo do processo legislativo em si,

mas sim do processo específico e complexo de incorporação dos tratados internacionais. O STF, então,

impediria a incorporação, é dizer, faria um controle prévio com força de impedir a executoriedade do ato

internacional no Brasil.

Necessidade de ato do Presidente da República para incorporação dos Tratados Internacionais sobre Direitos Humanos? A aprovação destes deve ser sempre com observância do rito da emendas constitucionais?

Com o advento do novo parágrafo 3º ao art. 5º da Constituição de 1988, podem ocorrer

entendimentos nestes termos:

a) os tratados internacionais gerais, que não tratem de direitos humanos e que não são

submetidos ao procedimento de aprovação de emendas constitucionais, precisam de Decreto Presidencial

para serem incorporados ao sistema jurídico nacional. Entretanto, os tratados internacionais sobre direitos

humanos, submetidos ao mesmo procedimentos de emendas constitucionais, não precisariam mais do

Decreto Presidencial, porque o referido parágrafo 3º prevê um procedimento específico, que não inclui a

participação do Presidente da República, até porque as emendas constitucionais são promulgadas pelas

Mesas do Senado e da Câmara, e não pelo Presidente;

b) os tratados internacionais sobre direitos humanos só podem ser incorporados no

ordenamento jurídico brasileiro se forem observadas as mesmas regras de formação de emendas

6 Neste sentido, ADI 1903/RR, Rel. Min. Ricardo Lewandowisk, DJe 65, publicado em 11.04.2008 (LEXSTF 30, n. 355,

2008, pp. 76-85), proposta contra o Decreto Legislativo 009/98, da Assembleia Legislativa de Roraima, que dispunha sobre a indicação de vagas de Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (ação improcedente); ADI 1.533/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 17-09-2004, p. 52 (LEXSTF 27, n. 313, 2005, pp. 61-84), proposta contra o Decreto Legislativo 111/96, da Câmara Legislativa do Distrito Federal, que determinava sustação de atos normativos do Executivo que exorbitava seu poder regulamentar (ação improcedente); ADI 2.585/SC, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ 06-06-2003, p. 30, proposta contra o Decreto Legislativo 18.224/01, da Assembleia Legislativa de Santa Catarina, que fixava os subsídios do Governador, dos Vice-Governador, dos Secretários de Estado e do Procurador-Geral do Estado (ação procedente). Existem algumas ADI´s contra Decretos Legislativos que não foram conhecidas porque os Decretos não tinham abstração e generalidades, vez que com claros efeitos concretos: ADI 1.937-MC QO/PI, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 31-08-2007, p. 29, proposta contra o Decreto Legislativo 121/98, da Assembleia Legislativa do Estado do Piauí, que determinada a reintegração de servidores públicos que teriam aderido ao Programa de Incentivo ao Desligamento Voluntário do Servidor Público Estadual; ADI 3.573/DF, Rel. Min. Carlos Brito, Rel. para o acórdão, Min. Eros Grau, DJ 19-12-2006, p. 35, proposta contra o Decreto Legislativo n. 788/05, do Congresso Nacional, que autorizava o Poder Executivo a implantar o aproveitamento hidroelétrico Belo Monte no trecho do Rio Xingu/PA. Lembre-se que o próprio STF alterou sua jurisprudência, e passou a considerar possível as ADI´s terem como objeto as leis formais (produzidas por meio de processo legislativo), mesmo que tenham efeitos concretos: ADI/MC 4.048/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe 157, publicado em 22.08.2008, proposta contra Medida Provisória 205/2007, que era norma orçamentária para abrir crédito extraordinário (também ADI/MC 4.049/DF).

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constitucionais (aprovação em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos

dos respectivos membros)7.

Nenhum destes posicionamentos devem ser observados, data vênia. A posição da alínea “a”

não está sendo adotada na prática. Veja o caso do único Tratado Internacional de Direitos Humanos que,

até o presente momento (agosto de 2010), foi aprovado na mesma forma das emendas constitucionais, não

prescindiu do Decreto Presidencial. Trata-se da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com

Deficiência e seu Protocolo Facultativo, que foi assinado pela República Federativa do Brasil em 30 de

março de 2007, em Nova York/EUA, ratificado pelo Congresso Nacional pelo Decreto Legislativo 186, de 09

de julho de 2008, e finalmente promulgado pelo Presidente da República por meio do Decreto 6.949, de 25

de agosto de 2009 (DOU de 26.8.2009). Aliás, parece que não há qualquer indicativo de que, no caso, houve

uma exceção ao procedimento tradicional adotado anteriormente. A exceção deveria ter sido prevista na

EC 45/04, no sentido de que não seria mais necessário, para o caso, o ato presidencial final, ou então uma

menção expressa no sentido de que a aprovação pelo Congresso Nacional bastaria para que o ato

internacional teria executoriedade interna.

A posição da aliena “b” não deve ser seguida por uma razão muito simples: o §3º do art. 5º

diz claramente que somente os TIDH´s que forem aprovados da mesma forma que as emendas

constitucionais, é que terão equivalência a estas. Desta forma, ao fazer referência aos Tratados que forem

aprovados desta forma, logicamente está vislumbrando e permitindo aqueles outros que eventualmente

venha a ser aprovados sem seguir o procedimento das emendas constitucionais. Por outro lado, está claro

que o legislador constituinte derivado reformador quis dar uma opção ao Parlamento brasileiro, que

poderá, diante de um tratado internacional sobre direitos humanos, escolher pela incorporação, porém não

no mesmo nível da Constituição de 1988. Por outro lado, se fosse obrigatória a incorporação dos TIDH´s

apenas da mesma forma que as emendas constitucionais, seria um desestímulo ao Congresso, que muitas

vezes preferia não incorporá-los diante da maior rigidez do procedimento.

Constituição brasileira variada?

Na classificação quanto à forma (p.18), vimos que a nossa Constituição é escrita e

codificada, vez que as normas constitucionais brasileiras estão expostas de modo missivo e ainda afuniladas

em um único texto. Porém, se determinado país opta pela não concentração de normas constitucionais (por

exemplo: os direitos e garantias fundamentais estão previstos na Lei Constitucional X; os Poderes da

República e suas competências estão descritos na Lei Constitucional Y; a forma de governo e de estado,

assim como a organização político-administrativa do Estado, estão detalhados na Lei Constitucional W), a

sua Constituição será variada (ou não codificada).

Agora, considerando que os tratados internacionais sobre direitos humanos geralmente

possuem em si uma lógica, com concatenação de valores sistematizados, representando verdadeiras

compilações de normas, e considerando, também, que com o passar do tempo o Brasil vai, inevitavelmente,

incorporando vários tratados sobre os diferentes temas de direitos humanos, a tendência é que ocorra uma

variação constitucional. Por isso, o intérprete e aplicador da Constituição brasileira não deverá se dirigir

apenas ao texto constitucional aprovado em 1988, porque necessariamente terá que concatenar todas as

normas constitucionais que tratam de determinado assunto, estando elas onde estiverem.

7 Neste sentido, SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Uma teoria geral dos direitos

fundamentais na perspectiva constitucional. 10ª edição, Porto Alegre, Livrara do Advogado, 2009, pág. 130.

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Um bom exemplo disto, atualmente, é a questão dos portadores de deficiência. O

intérprete e o aplicador das normas constitucionais, no Brasil, não pode mais observar apenas as normas

sobre esta matéria dispostas na Constituição de 1988 (arts. 7º, XXXI; 23, II; 24, XIV; 37, VIII; 40, §4º, I; 201,

§1º; 203, IV e V; 208, III; 227, §1º, II e §2º e 244), porque, para compreender bem esta questão, deve

necessariamente interpretar todas as normas com aquelas dispostas na já mencionada Convenção

Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo (Decreto 6.949/09).

p.2) Hierarquia das normas jurídicas brasileiras. Hans Kelsen e a posição do STF (RE

466.343 e HC 87585)

Hans Kelsen protagonizou um grande avanço no estudo do Direito, ao encarnar sua Teoria

Pura do Direito. Apesar de em nenhum momento ele ter se referido a alguma “pirâmide”, o fato é que os

estudiosos que o sucederam trataram de verificar em sua obra uma verdadeira fixação doutrinária

piramidal da normas jurídicas, verticalizando o ordenamento jurídico. Ao enfatizar que a Constituição de

um país era a norma ápice do ordenamento jurídico, dando validade para todas as demais, que contra ela

não poderia existir, Kelsen acabou criando uma pirâmide hierárquica no seguinte sentido:

1 - CONSTITUIÇÃO FEDERAL

2 - LEIS

3 - DECRETOS, PORTARIAS ETC.

Esta “pirâmide kelsiana” se consolidou no espírito constitucional do mundo todo, e no Brasil

não poderia ser diferente. De modo que haveria dois tipos de normas: a) normas de nível constitucional; b)

normas de nível legal.

Entretanto, recentemente, o Min. Gilmar Mendes levantou uma tese que foi agraciada com

a simpatia dos demais Ministros do STF. No julgamento do Recurso Extraordinário 466.343-SP (Relator o

Min. Cezar Peluso), entendendo que os tratados internacionais de direitos humanos possuem status

normativo supralegal, se forem incluídos no ordenamento jurídico nacional sem as exigências de

aprovação da emenda constitucional, como é o caso do Pacto de San José da Costa Rica.

O Min. Gilmar Mendes disse, com todas as letras:

“Entendo que, desde a ratificação, pelo Brasil, sem qualquer reserva, do Pacto Internacional

dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos –

Pacto de San José da Costa Rica (art. 7º, 7), ambos no ano de 1992, não há mais base legal

para prisão civil do depositário infiel, pois o caráter especial desses diplomas internacionais

sobre direitos humanos lhes reserva lugar específico no ordenamento jurídico, estando

abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna. O status normativo supralegal

dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil, dessa forma, torna

inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou posterior

ao ato de ratificação. Assim ocorreu com o art. 1.287 do Código Civil de 1916 e com o

Decreto-Lei nº 911/1969, assim como em relação ao art. 652 do Novo Código Civil (Lei nº

10.406/2002)” (negritamos).

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Este posicionamento acabou sendo acatado quando do julgamento do “Habeas Corpus” n.

87.585-TO, no dia 03.12.20088, que tratava da prisão de um depositário infiel. Isto quer dizer que,

atualmente, a “pirâmide de Kelsen”, na visão do Supremo Tribunal Federal, está alterada, dividindo-se as

normas da seguinte maneira: a) normas de nível constitucional; b) normas de nível supralegal; c) normas de

nível legal.

É possível, então, fazer a seguinte observação, a respeito da normatividade dos tratados

internacionais aprovados no Brasil:

NORMAS CONSTITUCIONAIS (Constituição Federal, Emendas Constitucionais e Tratados

Internacionais sobre Direitos Humanos aprovados como as Emendas Constitucionais);

NORMAS SUPRALEGAIS (Tratados Internacionais sobre Direitos Humanos inseridos no

ordenamento jurídico brasileiro sem as formalidades de aprovação de uma Emenda Constitucional, antes ou depois da EC 45/04);

NORMAS LEGAIS (Seriam as normas originárias do art. 59 da Constituição, com exceção das

emendas constitucionais: lei complementar, lei ordinária, lei delegada, medida provisória, decreto legislativo e resolução)

Inclua-se, ainda, as NORMAS SECUNDÁRIAS, que seriam os atos do Executivo para

regulamentar a lei, como Decretos, Atos Regimentais, Portarias, Provimentos etc.. “Secundárias” porque se

originam da lei, e não diretamente da Constituição.

Assim, é preciso dizer que:

Se se tratar de Tratado sobre direitos humanos, e for aprovado por 3/5, em dois turnos, em cada Casa do Congresso (Câmara e Senado), nos termos do art. 5º, §3º, da CF/88, e promulgado pelo Presidente da República, entra no ordenamento jurídico nacional com força de norma constitucional, como se emenda constitucional fosse (lembre-se que somente se se tratar de Tratados sobre direitos humanos);

Se se tratar de Tratado sobre direitos humanos, porém sem que ocorra a aprovação por 3/5 e em dois turnos em cada Casa do Congresso, não tem a natureza de emenda constitucional, mas entram com natureza supralegal, e servem de vetores interpretativos para as normas constitucionais, integrando o próprio conteúdo material das normas constitucionais (STF, RE 466343/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes)9;

8 É preciso ressaltar que não se trata de uma posição firme do STF, uma vez que houve apertada votação de 4 x 3. Os

Ministros Celso de Mello, Cezar Peluso, Ellen Gracie e Eros Grau foram além, porque qualificaram os TIDH´s, não aprovados na forma das EC´s, com status constitucional, e não com status supralegal. O Min. Marco Aurélio se absteve de pronunciar-se sobre esta questão. De todo modo, parece que a “subida de status” dos tratados que já estavam incorporados no sistema jurídico brasileiro, seria de competência do legislador constituinte reformado: somente a EC 45/04 é que poderia dispor, expressamente, que os tratados internacionais sobre direitos humanos já vigentes no Brasil teriam status constitucional. 9 Portanto, qualquer tratado internacional sobre direitos humanos, independentemente da forma da sua aprovação,

desde que cumprido os requisitos mínimos para ingressar no ordenamento brasileiro, são superiores às leis ordinárias brasileiras. E os tratados internacionais que não tratam de direitos humanos, aprovados na mesma forma que as emendas constitucionais? Eles entram no ordenamento jurídico brasileiro com força de norma constitucional? A redação do §3º do art. 5º da CF/88 induz à resposta negativa, pois parece clara a intenção do legislador constituinte reformador, ao dar natureza de norma constitucional apenas aos tratados internacionais sobre direitos humanos, e não aos demais que não pareceram de importância tal a elevá-los ao status constitucional. Temas diversos que não os direitos humanos, portanto, para ter status de norma constitucional, devem ter início no Congresso Nacional brasileiro, não devendo ser construídos e deliberados pela comunidade internacional.

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Se se tratar de Tratados que não sejam sobre direitos humanos, independentemente da forma como é aprovado, equiparam-se às leis infraconstitucionais brasileiras (STF, ADI-MC 1480, Rel. Min. Celso de Mello). Aplicam-se, neste caso, os critérios hierárquico (lei superior revoga lei inferior), temporal (lei posterior revoga lei anterior) e especial (lei especial revoga lei geral), para resolução de algum conflito de tal Tratado com alguma lei interna brasileira. Assim, se o tratado internacional, que não trata de direitos humanos, for aprovado no Brasil, sobre determinado tema, e este tema já tiver sido tratado por uma lei interna, esta lei interna, sendo anterior, estará revogada; se a lei interna surgir posteriormente à aprovação do tratado internacional no Brasil, a lei interna prevalecerá (lei posterior revoga lei anterior).

Em função desta situação, a doutrina começa a ventilar algumas questões que podem ser

exigidas em concurso público:

Leis ordinárias brasileiras incompatíveis com os tratados internacionais sobre direitos humanos não aprovados na formalidade das emendas constitucionais, não são revogadas, porque continuam em vigor. São, na verdade, “derrogadas”, porque perdem a validade;

A validade das leis ordinárias brasileiras depende de dupla análise de compatibilidade: análise perante os tratados internacionais sobre direitos humanos (TIDH´s)e também perante a Constituição Federal. Por isso, para terem validade, é preciso que as leis brasileiras tenham “dupla compatibilidade vertical”;

Há possibilidade, a partir da reforma da pirâmide de Kelsen, não só do controle de constitucionalidade, mas também do controle de convencionalidade, quando o parâmetro de controle é algum TIDH aprovado sem as formalidades da aprovação de EC. É que, além de analisar se uma lei está de acordo com a Constituição, é preciso analisar se ela está de acordo com os TIDH´s.

Entretanto, o controle de convencionalidade só poderia ocorrer pela via difusa/concreta,

uma vez que o controle de constitucionalidade pressupõe um parâmetro de controle que tenha status

constitucional, e os TIDH´s, aprovados sem as formalidades de aprovação de ED, têm, como se viu do

posicionamento do STF, status supralegal, sem esquecer que as normas constitucionais que tratam do

controle concentrado/abstrato de constitucionalidade, falam em “inconstitucionalidade” (art. 102, I, “a”,

§2º, art. 103, §§1º, 2º, 3º), e não em “inconvencionalidade”, com escusas pelo neologismo.

Da mesma forma, não seria possível propor arguição de descumprimento de preceito

fundamental – ADPF de uma lei em face de um TIDH, porque a Constituição fala em ADPF no caso de

preceito fundamental “decorrente desta Constituição” (art. 102, §1º), e não “decorrente de Tratados

Internacionais”. Isto não impede que o STF venha dar interpretação bem expansiva para a possibilidade de

ADIN, ADC e ADPF, para incluir como parâmetro de controle também os TIDH´s, mas, frise-se, seria uma

interpretação muito expansiva em face do que dispõe a Constituição.

p.3) Teorias monista e dualista

Estas duas teorias analisam a relação de ordenamentos jurídicos existentes no mundo.

Monismo é, segundo nossos dicionários, o “sistema filosófico que, por oposição ao dualismo ou ao

pluralismo, admite que tudo, no Universo, é redutível a uma única realidade ou substância.”

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Esta concepção, quando levada para o campo jurídico, entende que todas os ordenamentos

jurídicos do mundo são redutíveis a um só. A teoria monista, então, defende que tanto o Direito

Internacional quanto o Direito Interno de cada país constituem um só ordenamento jurídico, que é a origem

tanto das normas internacionais quanto das nacionais, daí porque os tratados internacionais sobre direitos

humanos não precisariam ser incorporados ao sistema jurídico nacional, até porque “as normas definidoras

dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata” (art. 5º, §1º). É o entendimento de Hans

Kelsen, conforme se depreende do seguinte trecho da “Teoria Pura do Direito”: "Se esta norma, que

fundamenta os ordenamentos jurídicos de cada um dos Estados, é considerada como norma jurídica positiva

- e é o caso, quando se concebe o direito internacional como superior a ordenamentos jurídicos estatais

únicos, abrangendo esses ordenamentos de delegação - então a norma fundamental- no sentido específico

aqui desenvolvido, de norma não estabelecida, mas apenas pressuposta- não mais se pode falar em

ordenamentos jurídicos estatais únicos, mas apenas como base do direito internacional".

O monismo ainda dá margem para uma cisão interna, porque uns entendem que o Direito

Internacional é desdobramento do Direito Interno, tendo este a supremacia; outros entendem que o

Direito Interno é desdobramento do Direito Internacional, sendo este supremo; e ainda outros entendem

que ambos se equivalem, e o eventual conflito deverá ser solucionado por critérios próprios, como o da

revogação da lei mais antiga pela mais recente.

A teoria dualista, por sua vez, separa claramente o ordenamento jurídico internacional do

nacional. O internacional (externo) seria a reunião dos tratados e das demais normas e critérios que

regulam o relacionamento entre os países, e o nacional (interno) seria a reunião da Constituição e das

demais leis do país (os dois ordenamentos regulam realidades próprias e distintas). Deste modo, a norma

internacional só teria vigência no ordenamento nacional se este a recepcionasse, por compatibilidade, e a

ratificasse, não podendo valer sem tal ratificação. E se o país descumprisse a norma internacional, não teria

qualquer consequência interna, pois só poderia sofrer consequências em nível internacional.

Portanto, independentemente do novo parágrafo 3º do art. 5º, a CF/88 adota a teoria

dualista, até porque o acatamento dos tratados internacionais é ato jurídico complexo, já que precisam de

referendum do Congresso Nacional e promulgação pelo Presidente da República, como vimos e como, aliás,

entende o STF no RE 80.004. Este novo parágrafo intensificou o relacionamento com o ordenamento

jurídico externo, colocando-o no mundo jurídico brasileiro com status de emenda constitucional (ou de

norma supralegal, como foi visto), não tendo o condão de mudar o enfoque teórico, até porque ratificou a

necessidade de seguir rito específico para ser incorporado.

O que ocorre, nos dias atuais, é cada vez mais uma aproximação com o monismo, no

sentido de valorizar as normas internacionais, seja pelo estímulo para que os países adotem as regras

internacionais, seja pela elevação de status das normas internacionais, quando elas entrarem no

ordenamento nacional, como ocorreu com o §3º do art. 5º da nossa Constituição, que fez com que os

TIDH´s pudessem ter status constitucional, se aprovados como as EC´s. Inclua-se também os fenômenos da

Internet, da Globalização, dos Blocos Econômicos, da submissão ao Tribunal Penal Internacional, assim

como a transformação da Europa por mecanismos uníssonos de relacionamento jurídico, político e social,

como ocorre com a União Europeia.

q) DIREITOS FUNDAMENTAIS ESPECÍFICOS

A Constituição de 1988 é pródiga em direitos fundamentais. Só o art. 5º contém uma gama imensa de dispositivos que estipulam direitos e garantias fundamentais, todos eles ligados, de alguma forma, aos direitos do caput: vida, liberdade, igualdade, segurança e propriedade.

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Assim, importante a leitura atenta da Constituição, para se observar como o problema brasileiro não é, e parece que nunca foi, de previsão de direitos; o problema é a realização deles. À frente, algumas observações sobre alguns dos direitos e garantias fundamentais. q.1) Direito à vida A vida biológica começa na concepção (fecundação do óvulo pelo espermatozoide). O Pacto de São José da Costa Rica, incorporado ao ordenamento jurídico do Brasil como lei ordinária pelo Decreto 678, de 06.11.1992, diz que o direito à vida deverá ser protegido por lei a partir da concepção (art. 4º, I). Como nenhum direito é absoluto, até o direito à vida pode ser relativizado. Esta relativização pode ser legal (é o caso do aborto legal – CP, art. 128, I , II) ou judicial (autorização do aborto de anencéfalo e aborto de feto sem possibilidade de vida extra-uterina, e autorização para o adepto a Testemunha de Jeová para não receber transfusão de sangue, mesmo em risco de vida – a jurisprudência, entretanto, parece tender para valorização do direito à vida, em detrimento do direito à liberdade religiosa, autorizando a transfusão de sangue a contragosto). Posição no aborto de anencéfalo: o STF entende que não é possível interrupção da gravidez de fetos anencéfalos. Em julho de 2004, o Min. Marco Aurélio tinha dado uma liminar favorável ao aborto, mas o Plenário cassou a liminar por 7 x 4. Porém, mandou suspender todos os processos criminais abertos contra as grávidas e os profissionais de saúde que participaram de tais abortos (ADPF-QO 54, Rel. Min. Marco Aurélio, Pleno, DJ 31.08.2007): “Pendente de julgamento a arguição de descumprimento de preceito fundamental, processos criminais em curso, em face da interrupção da gravidez no caso de anencefalia, devem ficar suspensos até o crivo final do Supremo Tribunal Federal”. Eros Grau, Cezar Peluso, Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes, Ellen Gracie, Carlos Velloso e Nelson Jobim foram contra a interrupção. Marco Aurélio, Carlos Britto, Celso de Mello e Sepúlveda Pertencem foram favoráveis. A própria Constituição relativiza o direito à vida, ao permitir a pena de morte em caso de guerra declarada (art. 5º, XLVII). q.2) Princípio da igualdade O princípio da isonomia garante tratamento igualitário para pessoas em situações iguais, e tratamento desigual para pessoas em situações diferentes. É que ele visa impedir distinções, discriminações e privilégios arbitrários e odiosos. Assim, a lei pode implementar diferenciações, mas tais diferenciações não podem ser desproporcionais, e só são constitucionais se forem baseadas em ponderações razoáveis. Não por outro motivo a própria Constituição trata diferentemente o homem da mulher (art. 7º, XX, 40, III, “a” e “b”, 143, §2º, 201, §7º, I e II e a legislação infraconstitucional privilegia o idoso e a criança. Igualdade formal e igualdade material – há diferenciação. Igualdade formal é igualdade perante a lei, que é concedida no tratamento igual dentro de uma mesma categoria essencial. O termo “formal” aí quer dizer uma situação genérica diante da lei, e não uma situação prática. Por isso, difere da igualdade material, que significa na busca pela diminuição da desigualdade social substancial (igual acesso à arte, à comida, ao lazer, às comodidades, à informação cultural etc.). A igualdade material exige prestações do Estado, para que ele tome medidas para as desigualdades sociais diminuem, e a formal exige uma abstenção, para que o Estado não trate os cidadãos de modo ilegitimamente desigual. Qual igualdade trata a CF/88? Consagra a igualdade formal, mas dá caminhos para se chegar à igualdade material. É possível ações afirmativas? Ações afirmativas são medidas especiais de incrementação por parte do Estado, com o objetivo de eliminar as desigualdades existentes entre grupos ou parcelas da sociedade que, em razão da discriminação sofrida historicamente, se encontram em situação desvantajosa na distribuição das oportunidades. A “cota” para Universidade, por exemplo, é uma ação afirmativa, mas também o é a “cota” para mulheres em partidos políticos (art. 10, §3º, da Lei 9.504/97). Pelo que se depreende do texto constitucional, é constitucional a consagração de ações afirmativas, porque o intuito da igualdade material é justamente a prestação, por parte do Estado, de ações para diminuir a desigualdade social, estando expresso que é objetivo fundamental a redução das desigualdades sociais (art. 3º, III). O STF entende que o Edital de concursos públicos pode estabelecer limitações em razão da altura, idade ou sexo, inclusive com Súmula (683: “O limite de idade para a inscrição em concurso público só se legitima em fade do art. 7º, XXX, da Constituição, quando possa ser justificado pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido”). Estas limitações precisam estar previstas em lei que define o

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concurso (STF, AI AgR 460.131/DF) e razoabilidade da exigência, em decorrência lógica da natureza das atribuições do cargo (STF RMS 21.046). A CF/88 estabelece o critério da maior idade para o desempate na votação para o cargo de Presidente (art. 77, §5º). Natural, então, que este critério valha para outros desempates, como em concurso público, promoção por merecimento etc. (STF, MS 24.509/DF). q.3) Direito à liberdade (de crença, de pensamento, de comunicação, de locomoção, de reunião, de profissão e de informação) Concepção formal e material – há diferenças. A concepção formal da liberdade tange-se à liberdade geral de ação, dando ao cidadão direito de fazer o que não estiver proibido, impedindo o Estado de limitá-la despropositadamente. A concepção material da liberdade refere-se a um critério de ponderação no caso de colisão ou conflito, dando-se liberdade para buscar em outros princípios a solução para o caso. A liberdade de expressão do pensamento é consagrada na Constituição, com o contraponto da vedação ao anonimato (art. 5º, IV). A vedação ao anonimato, entretanto, não proíbe a validade da delação anônima e dos serviços de disque-denúncia. Nestes casos, cumpre à autoridade diligenciar, de forma cautelosa, diante da possível veracidade da informação, para, se for o caso, reunir indícios para instaurar formalmente o inquérito policial e desvincular da denúncia anônima (STF, MS 24.369/DF e Inquérito n. 1957/PR). Em relação à liberdade de consciência, de crença, de culto e de organização religiosa (5º, VI), é importante afirmar que a liberdade de consciência é mais ampla que a de crença, já que pode alguém não ter crença alguma com base na sua consciência. Para garantir igualdade entre as Igrejas, a CF/88 previu no art. 19, I, os chamados princípios, e definitivamente consagrou o Estado laico (ou não confessional). Nenhum direito é absoluto. Assim, todas as garantias previstas no inciso XII do art. 5º (“é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”) são relativas. Correspondência é a transmissão de mensagem verbal por meio de comunicação escrita (cartas, telegramas, fax). O e-mail é protegido. O Estado de Defesa e o Estado de Sítio (art. 136, §1º, I, “b”, art. 139, III) restringe o direito ao sigilo das correspondências. Se a correspondência estiver sendo utilizada para acobertar práticas ilícitas, pode ser quebrado (STF, HC 70.814/SP). O direito ao sigilo de correspondência revogou o art. 240, §1º, “f”, do Código de Processo Penal, que permitia a apreensão de cartas na busca domiciliar. Dados referem-se aos dados fiscais, bancários e telefônicos. Havendo indícios de prática de delito, podem ser quebrados (STF, Pet. 2805/DF). Tais dados são protegidos, via de regra, por mandado de segurança, e não por “habeas corpus”, e podem ser quebrados pelas CPI´s. O STF, em sua composição majoritária (MS 21.729/DF), entende que o Ministério Público poderá requisitar dados diretamente às instituições financeiras (somente dados bancários, e não dados fiscais e telefônicos). A LC 105/200110, regulamentada pelo Decreto 3.724/2001, prevê que a Secretaria da Receita Federal e seus agentes, assim como Banco Central e Comissão de Valores Mobiliários, possam 10

Veja o que diz a LC 105/01: “Art. 1º § 3º Não constitui violação do dever de sigilo: I – a troca de informações entre instituições financeiras, para fins cadastrais, inclusive por intermédio de centrais de risco, observadas as normas baixadas pelo Conselho Monetário Nacional e pelo Banco Central do Brasil; II - o fornecimento de informações constantes de cadastro de emitentes de cheques sem provisão de fundos e de devedores inadimplentes, a entidades de proteção ao crédito, observadas as normas baixadas pelo Conselho Monetário Nacional e pelo Banco Central do Brasil; III – o fornecimento das informações de que trata o § 2º do art. 11 da Lei no 9.311, de 24 de outubro de 1996; IV – a comunicação, às autoridades competentes, da prática de ilícitos penais ou administrativos, abrangendo o fornecimento de informações sobre operações que envolvam recursos provenientes de qualquer prática criminosa; V – a revelação de informações sigilosas com o consentimento expresso dos interessados; VI – a prestação de informações nos termos e condições estabelecidos nos artigos 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º e 9 desta Lei Complementar. Art. 2º O dever de sigilo é extensivo ao Banco Central do Brasil, em relação às operações que realizar e às informações que obtiver no exercício de suas atribuições. § 1º O sigilo, inclusive quanto a contas de depósitos, aplicações e investimentos mantidos em instituições financeiras, não pode ser oposto ao Banco Central do Brasil:

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requisitar, ter acesso e uso às operações e serviços das instituições financeiras. Várias ADI´s foram propostas sem que houvesse liminar impedindo tal acesso. O STF chegou a confirmar esta possibilidade quando do julgamento da AC 33 MC/PR, sob a alegação de que não era o caso de quebra de sigilo ou da privacidade, mas apenas de transferência de dados sigilosos de um órgão para outro, devendo os dois manterem o sigilo sob pena de responsabilização, até porque, se a Receita tinha e ainda tem poderes para ter acesso ao conjunto maior, que é a totalidade do patrimônio dos contribuintes, poderia ter acesso também ao conjunto menor, que seria apenas aos dados de movimentação bancária. Porém, o STF voltou atrás, quando julgou o RE 389808/PR, Rel. Min. Marco Aurélio (j. em 15.12.2010), para dar provimento e concluir que a Receita Federal não pode ter acesso direto a dados bancários da empresa recorrente. Diversos foram os fundamentos para tal conclusão: a) violação da dignidade humana (CF, art. 1º, III) e da segurança jurídica, uma vez que o acesso aos dados por alguém que não é equidistante como o Estado-Juiz, poderá submeter o cidadão a atos extravagantes e atingir sua dignidade; b) preservação da inviolabilidade da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas (CF, art. 5º, XII); c) necessidade de autorização judicial, como forma de respeito ao princípio da inafastabilidade da jurisdição (CF, art. 5º, XXXV); d) supremacia da Constituição sobre a LC 105/01; e) importância de se preservar o Judiciário e reforçar a reserva de jurisdição. Com todo respeito que merece o STF, parece que houve um equívoco, porque negar acesso aos dados bancários das empresas que atuam no sistema financeiro é negar a existência da própria Receita Federal, do Banco Central e da Comissão de Valores Mobiliários, máxime porque a LC 105/01 não trata de violação de sigilo bancário, mas apenas de troca de informações, mantidos os sigilos. Se isto é via que pode causar abusos, não há dúvida, mas isto não pode ser fundamento para impedir o trabalho do Poder Público. Se levada às últimas consequências esta posição do STF, a Receita Federal não poderá, por exemplo, consultar os dados fiscais e as declarações dos contribuintes, para fins de proceder à famosa “malha fina”, ou verificar incorreções, fraudes e quejando (afinal, quem não pode o menos não pode o mais). Da mesma forma, este novo posicionamento teria o condão de modificar a posição adotada no MS 21.729/DF, que autorizou o Ministério Público de fazer requisições para os Bancos, visando ter acesso aos dados bancários (não seria quebra de sigilo bancário, para ter acesso à movimentação financeira, mas para conhecer dos contratos realizados pelo investigado e se tem relação com o Banco). De toda forma, foi a posição do STF, adotada por composição majoritária. Interceptação telefônica ocorre quando se grava a conversa, e não se confunde com os dados telefônicos, que são valor da conta, hora da chamada, números que foram discados e recebidos, horário das ligações. Pode ser quebrado pelas CPI´s os dados (art. 58, §3º), mas não pode fazer interceptação telefônica. A interceptação telefônica (gravação da conversa sem que os interlocutores saibam) só pode ocorrer com autorização judicial (não pode o MP e nem as CPI´s), e nas hipóteses específicas da Lei 9.296/96. O art. 5º, XII é norma de eficácia limitada, de modo que todas as interceptações telefônicas feitas antes da Lei 9.296 foram ilícitas. A doutrina dos frutos da árvore envenenada (ilicitude por derivação) (concatenação de provas lícitas com base em uma prova inicialmente ilícita) é mais aplicada na inicial interceptação telefônica feita ilicitamente. A interceptação telefônica colhida ilicitamente não pode, sequer, ser divulgada por I – no desempenho de suas funções de fiscalização, compreendendo a apuração, a qualquer tempo, de ilícitos praticados por controladores, administradores, membros de conselhos estatutários, gerentes, mandatários e prepostos de instituições financeiras; II – ao proceder a inquérito em instituição financeira submetida a regime especial. § 2º As comissões encarregadas dos inquéritos a que se refere o inciso II do § 1º poderão examinar quaisquer documentos relativos a bens, direitos e obrigações das instituições financeiras, de seus controladores, administradores, membros de conselhos estatutários, gerentes, mandatários e prepostos, inclusive contas correntes e operações com outras instituições financeiras. § 3º O disposto neste artigo aplica-se à Comissão de Valores Mobiliários, quando se tratar de fiscalização de operações e serviços no mercado de valores mobiliários, inclusive nas instituições financeiras que sejam companhias abertas (...) § 6º O Banco Central do Brasil, a Comissão de Valores Mobiliários e os demais órgãos de fiscalização, nas áreas de suas atribuições, fornecerão ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF, de que trata o art. 14 da Lei no 9.613, de 3 de março de 1998, as informações cadastrais e de movimento de valores relativos às operações previstas no inciso I do art. 11 da referida Lei.”

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empresa jornalística (STF, Pet 2702/RJ, Rel. Min. Sepúlveda Pertence). Entretanto, para aplicação desta teoria, é preciso demonstrar que houve uma concatenação natural das provas subsequentes em função da colheita inicialmente ilícita. É preciso, então, um nexo de causalidade entre a prova ilícita e a prova posterior lícita, para que este esteja envenenada. Da mesma forma, a teoria não quer dizer que o processo e a sentença onde ocorreu a prova ilícita serão nulos, pois a concatenação é entre as provas, para nulificá-las, de modo que se a sentença se baseou em outras provas que não aquelas ilícitas, não haverá nulidade.

O art. 5º da Lei 9.296/96, que trata das interceptações telefônicas, diz: “A decisão será fundamentada, sob pena de nulidade, indicando também a forma de execução da diligência, que não poderá exceder o prazo de quinze dias, renovável por igual tempo uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova”. Diante deste dispositivo, o STF (RHC 8871/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, 2ª Turma, DJ 02.02.2007, p.160) entendeu que não se aplica a teoria dos frutos da árvore envenenada se houver uma autorização de 30 (trinta) dias consecutivos, e desta autorização acabar havendo colheita de provas posteriores (estas provas posteriores não estariam contaminadas pela autorização feita por prazo maior que o permitido na lei). No caso, aplicou-se o princípio da proporcionalidade para verificar que existiam outras provas que ajudavam na persecução criminal, e não apenas nas provas colhidas pela interceptação telefônica, mas de todo modo não houve contaminação, mesmo diante de uma autorização de 30 dias. No mesmo julgamento, o STF entendeu que pode haver tantas prorrogações quantas forem necessárias, não ficando vinculada a apenas uma só prorrogação, desde que sejam fundamentadas todas elas (no mesmo sentido, HC 83.515/RS, DJU 04.03.2005 e Inquérito 2424/RJ). De toda forma, a nova autorização (prorrogação), não pode ser mera formalidade, com despacho objetivo, porque só se justifica se houver fundamentação adequada diante de casos complexos. Caso contrário, haverá prova ilícita, com prejuízo a outras produzidas, em face da teoria dos frutos da árvore envenenada.

Se uma prova lícita for colhida posteriormente, por ocasião da prova ilícita colhida anteriormente, que revele outro crime que não aquele investigado, será possível continuar uma investigação contra este novo crime verificado? O Supremo Tribunal Federal parece responder esta indagação no seguinte precedente:

“(...)A QUESTÃO DA DOUTRINA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA ("FRUITS OF THE POISONOUS TREE"): A

QUESTÃO DA ILICITUDE POR DERIVAÇÃO. - Ninguém pode ser investigado, denunciado ou condenado com base, unicamente, em provas ilícitas, quer se trate de ilicitude originária, quer se cuide de ilicitude por derivação. Qualquer novo dado probatório, ainda que produzido, de modo válido, em momento subsequente, não pode apoiar-se, não pode ter fundamento causal nem derivar de prova comprometida pela mácula da ilicitude originária. - A exclusão da prova originariamente ilícita - ou daquela afetada pelo vício da ilicitude por derivação - representa um dos meios mais expressivos destinados a conferir efetividade à garantia do "due process of law" e a tornar mais intensa, pelo banimento da prova ilicitamente obtida, a tutela constitucional que preserva os direitos e prerrogativas que assistem a qualquer acusado em sede processual penal. Doutrina. Precedentes. - A doutrina da ilicitude por derivação (teoria dos "frutos da árvore envenenada") repudia, por constitucionalmente inadmissíveis, os meios probatórios, que, não obstante produzidos, validamente, em momento ulterior, acham-se afetados, no entanto, pelo vício (gravíssimo) da ilicitude originária, que a eles se transmite, contaminando-os, por efeito de repercussão causal. Hipótese em que os novos dados probatórios somente foram conhecidos, pelo Poder Público, em razão de anterior transgressão praticada, originariamente, pelos agentes da persecução penal, que desrespeitaram a garantia constitucional da inviolabilidade domiciliar. - Revelam-se inadmissíveis, desse modo, em decorrência da ilicitude por derivação, os elementos probatórios a que os órgãos da persecução penal somente tiveram acesso em razão da prova originariamente ilícita, obtida como resultado da transgressão, por agentes estatais, de direitos e garantias constitucionais e legais, cuja eficácia condicionante, no plano do ordenamento positivo brasileiro, traduz significativa limitação de ordem jurídica ao poder do Estado em face dos cidadãos. - Se, no entanto, o órgão da persecução penal demonstrar que obteve, legitimamente, novos elementos de informação a partir de uma fonte autônoma de prova - que não guarde qualquer relação de dependência nem decorra da prova originariamente ilícita, com esta não mantendo vinculação causal -, tais dados probatórios revelar-se-ão plenamente admissíveis, porque não

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contaminados pela mácula da ilicitude originária (...)”. (STF, RHC 90376/RJ, Rel. Min. Celso de Mello, 2ª Turma, DJ de 18.05.2007).

Portanto, qualquer prova colhida que houver um nexo de causalidade com a prova ilícita, não há como deixa de aplicar a ilicitude por derivação. É preciso investigar, portanto, a relação lógica entre a prova ilícita e as demais. Se a outra prova colhida posteriormente tiver sido colhida sem que ocorra um desencadeamento natural com a prova colhida ilicitamente, não se aplica a teoria. É preciso perceber, então, se o despertar do investigador ocorreu em função do colhimento da prova ilícita. Se ele só buscou a outra prova porque seu espírito foi motivado pela prova ilícita, haverá o nexo de causalidade. É dizer: se não fosse a prova ilícita, o investigador chegaria até a outra prova posteriormente colhida? Se o investigador iniciou sua busca probatória com base em outra circunstância que não a prova ilícita, a prova colhida será válida. Porém, se a busca foi iniciada por ocasião da prova ilícita, a outra prova estará fatalmente afetada, contaminada, envenenada pela prova ilícita.

Não é difícil imaginar situações: o investigador entra clandestinamente na casa do acusado, sem autorização judicial e sem nenhum flagrante, desastre ou necessidade de socorrer alguém (portanto, de modo ilícito). Descobre sua agenda e percebe que ele se encontra todas as quintas-feiras, às 02:00h da manhã, em determinado lugar, para passar as drogas. Sai da casa e, então, monta um flagrante. Este flagrante será ilícito porque derivou de uma prova ilícita (apesar da dificuldade de demonstrar, o fato imaginado serve bem para ilustrar a derivação da prova ilícita).

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O STF admite a prova emprestada: a prova colhida licitamente em um processo pode ser utilizado em outro. Assim, no Inq.-QO 2424/RJ, admitiu a prova colhida por escuta ambiental e interceptação telefônica, também no processo administrativo disciplinar instaurado contra o mesmo acusado; no Inq.-QO 2775/SP, deferiu requerimento do Presidente do Conselho de Ética e Decorro Parlamentar da Câmara dos Deputados, para compartilhamento de dados sigilosos (remessa de cópia dos autos com cláusula de sigilo), onde havia interceptações telefônicas autorizadas judicialmente, na intenção de subsidiar procedimento disciplinar instaurado contra parlamentar, mesmo que os elementos tinham sido levantados no bojo de inquérito criminal, ou de processo penal. Interessante notar que, neste caso (Inquérito 2775/SP), o STF acabou admitindo, contra a posição dos Ministros Marco Aurélio e Joaquim Barbosa, a utilização de interceptações telefônicas autorizadas judicialmente, para outros fins que não para persecução criminal.

Ainda persiste dúvida sobre a validade da interceptação telefônica realizada por um dos interlocutores, sem o conhecimento do outro. Entretanto, a prova vale se um dos interlocutores está fazendo uma investida criminosa (STF, HC 75.338/RJ, Rel. Min. Nelson Jobim, DJU 25.09.98), ou se a prova é utilizada para provar a inocência de alguém, e a autorização judicial pode ser prorrogada sucessivas vezes (STF, HC 83515/RS, Rel. Min. Nelson Jobim). (“A hipótese não configura a gravação da conversa telefônica própria por um dos interlocutores - cujo uso como prova o STF, em dadas circunstâncias, tem julgado lícito - mas, sim, escuta e gravação por terceiro de comunicação telefônica alheia, ainda que com a ciência ou mesmo a cooperação de um dos interlocutores: essa última, dada a intervenção de terceiro, se compreende no âmbito da garantia constitucional do sigilo das comunicações telefônicas e o seu registro só se admitirá como prova, se realizada mediante prévia e regular autorização judicial” – STF, HC 80949/RJ, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 1ª Turma). Estas “dadas circunstâncias” ditas pelo STF seriam aquelas já recordadas: a) quando um dos interlocutores está fazendo uma investida criminosa; e b) quando a prova é importante para prova a inocência de alguém. Assim, em princípio, a gravação de conversa por um dos interlocutores não vale como prova, salvo nestas hipóteses. Outra circunstância que está surgindo, e que legitima a prova colhida na gravação de um dos interlocutórios, é quando a prova serve contra agente público (valorização do princípio da moralidade e da publicidade em detrimento da privacidade). No STJ, é corriqueira a aceitação de gravação por um dos interlocutores, para todos os fins. Em relação à liberdade de informação, o STF tem um importante precedente que ajudar a resolver o constante conflito entre o direito à informação com o direito à intimidade (RE 208.685/RJ). Entendeu a STF que neste caso, utiliza-se o juízo de ponderação para concluir que o direito à informação deve prevalecer sempre que a informação for atual e relevante para a sociedade, e ser afastado quando houver abuso, como no caso de informação relativa à privacidade de uma pessoa sem que haja qualquer relevância social. q.5) Direito à privacidade O direito à privacidade é amplo, e engloba o direito à intimidade, vida privada, honra e imagem da pessoa. A privacidade pode ser compartilhada por pessoas próximas e ainda permanecerá inserida no direito à privacidade. Intimidade é ainda mais restritivo, pois diz respeito ao fundo da alma do ser humana, seus segredos. O direito à privacidade é o direito que fundamenta a ilicitude da gravação clandestina, por um dos interlocutores, da conversa telefônica (alhures foi informado que há dúvida sobre a validade de tal prova, e o STF parece entender que só vale se um dos interlocutores está investindo ilicitamente contra o outro, e quando a prova servir de prova para inocentar, e não para condenar). q.6) Direito à inviolabilidade do domicílio Este direito fez com que o poder fiscalizador da administração tributária perdesse o atributo da autoexecutoriedade, já que o fiscal não pode mais adentrar no estabelecimento ou escritórios sem o consentimento, para proceder a busca e apreensões (STF, HC 79.512/RJ). Precisa de autorização judicial.

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Assim como no direito à inviolabilidade das comunicações telefônicas, há reserva de jurisdição constitucional para o direito à inviolabilidade do domicílio. Isto quer dizer que somente o Judiciário poderá autorizar a quebra deste direito, não sendo permitido ao Ministério Público e nem às CPI´s. q.7) Direito à propriedade O direito à propriedade integra o direito público, vez que saiu da esfera exclusiva dos particulares e passou a ter seu regime fundamental tratado em sede constitucional. O Direito Civil trata das relações civis inerentes ao direito de propriedade. A função social da propriedade não é elemento de restrição ou limitação da propriedade; é elemento da sua estrutura, é pressuposto para exercer o direito de propriedade. Esta função não autoriza o legislador a suprimir o direito à propriedade, mas autoriza impor sanções caso não seja respeitada. É comum dizer que a propriedade pode ser limitada: pelas servidões, que limitam seu caráter exclusivo; pelas desapropriações, que limitam seu caráter perpétuo; pelas restrições, seu caráter absoluto. A CF/88 tem casos de limitação do caráter exclusivo do direito de propriedade (art. 5º, XXV – requisição civil, em caso de iminente perigo público; art. 139, VIII – requisição de bens quando decretado o estado de sítio com base comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa) (nestes casos constitucionais de requisição, a indenização só ocorrerá quando houver dano), e também casos de limitação do caráter perpétuo (desapropriação, 5º, XXIV, 22, II, 182, §4º, III, 184-185, 216, §1º, confisco, art. 243, e usucapião, art. 183, §1º).

A CF/88 prevê duas hipóteses para desapropriação sem indenização prévia em dinheiro (art. 182, §4º, III - desapropriação com pagamento em títulos da dívida pública de emissão previamente aprovado pelo Senado Federal, quando o proprietário de área incluída no plano diretor não promover o adequado aproveitamento de solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado; art. 184 – desapropriação “por interesse social, para fins de reforma agrária, de imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei”).

A CF/88, art. 185, veda a desapropriação em dois casos: pequena e média propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu proprietário não possua outra, e a propriedade produtiva.

Importante conhece a Súmula 668 do STF: “É inconstitucional a lei municipal que tenha estabelecido, antes da Emenda Constitucional 29/2000, alíquotas progressivas para o IPTU, salvo se destinada a assegurar o cumprimento da função social da propriedade urbana”. Esta Emenda 29 alterou a redação do §1º do art. 156, da CF/88, permitindo que a progressividade no tempo (art. 182, §4º, II) pudesse ser progressivo em razão do valor do imóvel e ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel.

A CF/88, art. 243, permite o confisco, que se diferencia da desapropriação-sanção porque nesta há indenização, mesmo por títulos da dívida pública ou títulos da dívida agrária, e naquela não há indenização alguma.

Não há usucapião contra imóveis públicos, urbanos ou rurais (art. 183, §3º, art. 191, parágrafo único).

r) GARANTIAS FUNDAMENTAIS ESPECÍFICAS r.1) Princípio da legalidade Garante a limitação do poder do Estado, porque o Legislativo deverá criar leis de acordo com os valores constitucionais. Princípio da legalidade é mais amplo que o princípio da reserva legal. Legalidade se refere às leis em geral que têm normatividade, inclusive aquelas não previstas no art. 59, como Portarias, Decretos, Instruções Normativas, limitando, assim, inclusive a Administração Pública

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(sentido amplo de lei), e reserva legal refere-se às leis formais emitidas pelo Poder Legislativo, como forma de garantir o cidadão (sentido restrito de lei). Assim, a reserva legal ocorre quando há uma especificação de algum assunto, pela Constituição, a ser tratado por alguma lei peculiar, como é o caso das leis complementares e das leis penais; quando não especificação da lei, e há um mandamento geral legal, estaremos diante do princípio da legalidade. Não por outro motivo, a Constituição, ao fazer referência à lei complementar, está se utilizando do princípio da reserva legal; da mesma forma, quando diz, no art. 5º, XXXIX, que “Não haverá crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”. Por outro lado, quando estipula, no art. 5º, II, que “ ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, está se utilizando do princípio da legalidade, o mesmo ocorrendo no art. 37, “caput”.

r.2) Princípio da não-retroatividade das leis (direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada).

Diferentemente da própria Constituição, que pode retroagir, caso disponha expressamente, até porque não pode haver direito adquirido contra o legislador constituinte originário (a CF/88 adota a retroatividade mínima, como já se observou), a Constituição de 1988 proíbe que a lei retroaja para prejudicar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Há dois casos em que a lei infraconstitucional poderá retroagir: a) lei penal e fiscal mais benéfica, que beneficiam o réu ou o contribuinte; b) lei interpretativa, já que se trata de uma interpretação autêntica que retroage à data da lei interpretada (porém sem gerar a consequência de prejuízo à trilogia ato jurídico perfeito, coisa julgada e direito adquirido). Direito adquirido Conceito legal: “Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo, ou condição pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem” (LICC, art. 6º, §2º). O STF tem posição segundo a qual a proteção constitucional se refere à garantia desses direitos (ato jurídico perfeito, coisa julgada e direito adquirido), e não ao conteúdo deles (emenda constitucional não poderia retirar a garantia do direito adquirido da Constituição, mas poderia mudar o seu conteúdo). Nesse sentido: STF, RE-AgR 463940/RS, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 1ª Turma, DJ 15.12.2007, p. 1270:

“EMENTA: CONSTITUCIONAL. PRECATÓRIO COMPLEMENTAR. INCIDÊNCIA DE JUROS DE MORA. COISA JULGADA. I. - Não-incidência de juros de mora no pagamento de precatório complementar. Precedentes do STF. II. - A Corte tem se orientado no sentido de que o conceito dos institutos do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada não se encontra na Constituição, mas na legislação ordinária (Lei de Introdução ao Código Civil, art. 6º). Assim, está sob a proteção constitucional a garantia desses direitos, e não seu conteúdo material” (RE 437.384-AgR/RS, Rel. Min. Carlos Velloso; AI 135.632-AgR/RS, Rel. Min. Celso de Mello). III. - Agravo improvido.” No mesmo sentido: RE-AgR 461286/MS, Rel. Min. Ricardo Lewandowski.

Muitos entendem que a lei infraconstitucional não poderia diminuir o poder de alcance dos direitos adquiridos, dos atos jurídicos perfeitos e das coisas julgadas, e o intérprete não precisaria ficar vinculado aos conceitos infraconstitucionais das ideias constitucionais. Entendem que isso é uma subversão do princípio da máxima efetividade das normas constitucionais, e que é a lei infraconstitucional que deve se adequar à Constituição, e não a Constituição às leis. Apesar desta razoável fundamentação, o STF, como se viu, não entende assim, pois repassou para o legislador infraconstitucional, em decisão recente, a possibilidade de conceituar e delimitar o conteúdo. O STF já consagrou que não existe direito adquirido contra o Poder Constituinte Originário, de modo que uma nova Constituição não encontra limites no plano jurídico, e os direitos adquiridos anteriores só serão resguardados se a própria Constituição dispuser (ADI 248/RJ). Ainda é duvidosa a limitação do Poder Constituinte Reformador aos direitos adquiridos. Emenda constitucional pode ferir direitos adquiridos? O STF parece caminhar pela impossibilidade.

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Antes da CF/88, existiram vários precedentes do STF entendendo que o inciso XXXVI do art. 5º, ao falar em lei (“a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”), se refere à lei formal, isto é, a lei infraconstitucional, e, portanto, não se trata de lei material, isto é, norma constitucional (RE 94.414/SP, RE 95.175, Repres. 895). Deste modo, não se poderia invocar direito adquirido contra emendas constitucionais. Atualmente, entretanto, parece que o STF tem posição contrária. Em relação à irredutibilidade de vencimentos, por exemplo, o STF declarou que “a Constituição assegurou diretamente o direito à irredutibilidade de vencimentos - modalidade qualificada de direito adquirido, oponível às emendas constitucionais mesmas” (MS 24875/DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Pleno, DJ 06.10.2006, p. 33). Recentemente, ao julgar a ADI 3104, Rel. Min. Cármen Lúcia, o STF entendeu que a reforma da previdência (EC 41, de 19.12.2003) constitucional porque não feriu direitos adquiridos. É dizer: as alterações da EC 41 são constitucionais porque seus termos não feriram direitos que já haviam sido incorporados ao patrimônio do servidor. Min. Cármen Lúcia: “Incide sobre ela o direito vigente no momento do seu reconhecimento formal, pelo que lei posterior não pode alterá-la em face do aperfeiçoamento do ato jurídico resguardado constitucionalmente em sua configuração e em seus efeitos, nos termos do art. 5º, inciso XXX, da Constituição Federal” (...) “Se ao tempo de aplicação das normas de transição da previsão normativa constitucional o interessado não tinha cumprido as condições exigidas, por óbvio não se há de cogitar de aquisição do direito como pretendido” . A Ministra destacou que não havia direito adquirido, já que os requisitos constitucionais ainda não haviam sido preenchidos por aqueles atingidos pela reforma: “Os critérios e requisitos para aquisição do direito à aposentadoria não se petrificam para os que – estando no serviço público a cumprir, no curso de suas atribuições, os critérios de tempo, contribuição, exercício das atividades, entre outros eleitos pelo constituinte – ainda não os tenham aperfeiçoado de modo a que não pudesse haver mudança alguma nas regras jurídicas para os que ainda não titularizam direito a sua aposentadoria”. A Min. Ellen Gracie, na mesma linha: “Entendo que, no caso, não se verificou qualquer agressão a direito adquirido”. Os Ministros que abriram divergência (Carlos Ayres Britto, Marco Aurélio e Celso de Mello) entenderam que havia ferimento a direito adquirido porque os servidores tinham direito adquirido em relação aos requisitos firmados anteriormente para se adquirir um direito (direito adquirido às condições de formação do direito adquirido), e não propriamente porque houve ferimento frontal a eventual direito já incorporado de acordo com os requisitos anteriores. No mesmo sentido foram as ADI´s 3105, 3128, 926-5 e 939-7. Portanto, parece acertado dizer que as emendas constitucionais não podem ferir direitos adquiridos anteriormente. Importante lembrar, entretanto, que o STF firmou posição de que o direito adquirido não pode ser invocado por quem tem expectativa de direito, como é o caso do servidor que entrou no serviço público sabendo que precisaria, por exemplo, de ter idade de 60 anos para se aposentar, e pouco tempo antes de completar esta idade, ser surpreendido com uma emenda constitucional que passe a exigir 65 anos. Neste caso, não pode ele exigir um suposto direito adquirido de se aposentar aos 60 anos, sob a alegação de que esta era a regra que valia. Frisem-se importantes posicionamentos do STF sobre o direito adquirido: 1) Não há direito adquirido a regime jurídico (STF, AI-AgR 603036, Rel. Min. Gilmar Mendes, 2ª Turma, DJ 27.09.2007; AI-ED 567722, Rel. Min. Gilmar Mendes, 2ª Turma, DJ 28.09.2007, p. 77; RE-AgR 387849, Rel. Min. Eros Grau, 2ª Turma, DJ 28.09.2007, p. 66).

O mais citado regime jurídico é o regime jurídico único dos servidores públicos federais – Lei 8.112/90. Assim, se um servidor tem direito a férias de 60 dias, a lei poderá alterá-la para 30 dias (dentro do mínimo previsto constitucionalmente). Da mesma forma, se o Advogado Público pode advogar na iniciativa privada, a lei pode passar a proibir tal advocacia; 2) Qualquer vantagem inserida na remuneração poderá ser modificada ou extinta, como Gratificação de Desempenho, desde que se preserve o valor nominal da remuneração

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Na verdade, esta afirmação é decorrente da anterior, que permite mudança no regime jurídico – “É da jurisprudência do Supremo Tribunal que não há direito adquirido a regime jurídico e que a garantia da irredutibilidade de vencimentos não impede a alteração de vantagem anteriormente percebida pelo servidor, desde que seja preservado o valor nominal dos vencimentos” – STF, AI-AgR 618777/RJ, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 1ª Turma, DJ 03.08.2007, p. 76; 3) “A garantia da irretroatividade da lei, prevista no art 5º, XXXVI, da Constituição da República, não é invocável pela entidade estatal que a tenha editado” (Súmula 654 do STF).

Se uma lei é editada, alterando os efeitos jurídicos de fatos ocorridos no passado, como mudar a forma de aposentadoria, de tempo de serviço para especial, o ente que editou a lei não pode invocar que esta lei não pode retroagir para mudar os efeitos dos fatos passados. Isto não quer dizer que não cabe ao Estado, com base no art. 5º, XXXVI, impugnar decisão que a tenha indevidamente aplicado a hipótese onde não haja direito adquirido a garantir (STF: “Correção monetária de contas vinculadas ao FGTS deferida por decisão judicial, com base no direito adquirido: ação rescisória proposta pela Caixa Econômica Federal, com fundamento em violação da norma do inciso XXXVI do art. 5º da Constituição Federal: possibilidade jurídica do pedido. 1. Consolidou-se a jurisprudência do Supremo Tribunal no sentido de que "a garantia da irretroatividade da lei, prevista no art. 5º, XXXVI, da Constituição da República, não é invocável pela entidade estatal que a tenha editado" (Súmula 654). 2. Daí não se extrai, porém, que, não possa o Estado impugnar em juízo, com base na referida norma constitucional do art. 5º, XXXVI, a decisão que a tenha indevidamente aplicado a hipótese onde não haja direito adquirido a garantir: precedentes. 3. De resto, é extremamente duvidoso que a premissa do acórdão se aplique à Caixa Econômica, quando litiga como gestora do FGTS” (STF, RE 415505/DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 1ª Turma, DJ 04.06.2004, p. 48); 4) “Ressalvada a revisão prevista em lei, os proventos da inatividade regulam-se pela lei vigente ao tempo em que o militar, ou o servidor civil, reuniu os requisitos necessários, inclusive a apresentação do requerimento, quando a inatividade for voluntária” (Súmula 359 do STF); 5) “A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial” (Súmula 473 do STF)

Vide arts. 53 e 54 da Lei 9.784/99: “Art. 53. A Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos”; “Art. 54: O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé); 6) A Constituição de 1988 adota a retroatividade mínima (vide tópico específico). Ato jurídico perfeito Ato jurídico perfeito é o ato praticado de acordo com as formalidades legais previstas (Art. 6º, §1º: “Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou”). O aperfeiçoamento do ato jurídico perfeito se dá com a sua consumação, e não com o seu exaurimento. O STF entende que o fator de deflação pode ser aplicado retroativamente, não prejudicando os contratos feitos anteriormente com outro fator (STF, ADI 608/DF Rel. Min. Cármen Lúcia, Pleno, DJ 17.08.2007, p. 22: “1. A submissão dos contratos e títulos de crédito constituídos entre 1º.9.1990 e 31.1.1991 ao fator de deflação não afronta o ato jurídico perfeito. Precedentes. 2. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada improcedente”. No mesmo sentido: RE-ED 311963/SP Entretanto, entende que novo critério legal de correção monetária não pode retroagir para se incidir em contratos anteriores (STF, RE-AgR 423838/SP, Rel. Min. Eros Grau, 2ª Turma, DJ 18.05.2007, p. 108: ”1. Os critérios de correção monetária introduzidos pela Medida Provisória 32/89, convertida na Lei n.

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7.730/89, não podem ser aplicados aos contratos de caderneta de poupança firmados ou renovados antes de sua edição, sob pena de violação do ato jurídico perfeito.” Os termos de adesões, previstos em lei, como PDV – Programa de Demissão Voluntária, adesão FGTS – LC 110/01, são atos jurídicos perfeitos, que não podem ser cassados em momento posterior (vide STF, RE-AgR 485792/SC, Rel. Min. Eros Grau, 2ª Turma, DJ 15.06.2007, p. 42, p. 686). O STF entendeu, porém, que a penhora realizada sobre bem de família, antes da Lei 8.009/90, que passou a prever sua impenhorabilidade, não prevalece, e a impenhorabilidade retroage (RE 497850/SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 1ª Turma, DJ 18.05.2007, p. 84: “I. Bem de família: impenhorabilidade legal (L. 8.009/90): aplicação à dívida constituída antes da vigência da L. 8.009/90, sem ofensa de direito adquirido ou ato jurídico perfeito: precedente (RE 136.753, 13.02.97, Pertence, DJ 25.04.97). 1. A norma que torna impenhorável determinado bem desconstitui a penhora anteriormente efetivada, sem ofensa de ato jurídico perfeito ou de direito adquirido do credor. 2. Se desconstitui as penhoras efetivadas antes da sua vigência, com maior razão a lei que institui nova hipótese de impenhorabilidade incide sobre a que se pretenda realizar sob a sua vigência, independentemente da data do negócio subjacente ao crédito exequendo. II. (...).” Coisa julgada O tema mais em voga, hoje, diz respeito à “coisa julgada inconstitucional”. Hoje é aceita a coisa julgada inconstitucional, porque nenhum direito ou garantia são absolutos. Por isso, é preciso relativizar a coisa julgada quando ela ofende preceitos constitucionais. O STF tem importante posicionamento, no sentido de que se há coisa julgada que interpretou a norma constitucional diferentemente da interpretação do STF. Neste caso, não se aplica a Súmula 343 (“Não cabe ação rescisória por ofensa a literal dispositivo de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais”). Veja: STF, RE-AgR 328.812/AM, Rel. Min. Gilmar Mendes: “A aplicação da Súmula n. 343 em matéria constitucional revela-se afrontosa não só à forma normativa da Constituição, mas também ao princípio da máxima efetividade da norma constitucional. Admitir a aplicação da orientação contida no aludido verbete em matéria de interpretação constitucional significa fortalecer as decisões das instâncias ordinárias em detrimento das decisões do Supremo Tribunal Federal. Tal prática afigura-se tanto mais grave se se considerar que no nosso sistema geral de controle de constitucionalidade a voz do STF somente será ouvida após anos de tramitação das questões em duas instâncias ordinárias. Privilegiar a interpretação controvertida, para a manutenção do julgado desenvolvido contra a orientação desta Corte, significa afrontar a efetividade da Constituição”. Mais: RE-ED 227001/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, 2a Turma, Dj 05.10.2007, p. 37: “A manutenção de decisões divergentes da interpretação constitucional revela-se afrontosa à força normativa da Constituição e ao princípio da máxima efetividade da norma constitucional”. Mesmo sentido: RE-AgR 395662/RS. A coisa julgada inconstitucional pode ser alegada por meio de alegação incidente em algum outro processo relacionado com o processo onde ocorreu a coisa julgada, com a propositura de nova demanda igual à primeira, desconsiderando a coisa julgada, por ação declaratória de nulidade, por ação rescisória ou via embargos à execução. r.3) Princípio do duplo grau de jurisdição O duplo grau de jurisdição não é uma garantia constitucional (STF, AI-AgR 513044/SP). Por isso, a lei poderá, em alguns casos, considerando o princípio da razoabilidade, prever hipóteses onde não é possível recurso. A própria Lei 9868/99, prevê a hipótese do relator admitir o “amicus curiae” em despacho irrecorrível (art. 7º, §2º). É, sem dúvida, uma garantia infraconstitucional. Vem positivado em vários documentos internacionais, dentre eles: A Convenção Americana de Direitos Humanos que o Brasil ratificou em 1992 pelo decreto 678, artigo 8º; e alínea “h”. E também o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, ratificados pelo Brasil em 24 de janeiro de 1992, no art 14, nº526, este compõe a Carta de Direitos Humanos, integrando, portanto, o ordenamento jurídico brasileiro, de acordo com o artigo 5º parágrafo 2º27, por se tratar de direitos fundamentais.

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Entretanto, o STF, ao julgar o Recurso Extraordinário 466343/SP, o Ministro Gilmar Mendes (que não era o Relator), sustentou a tese de que os tratados internacionais sobre direitos humanos criam uma categoria diferenciada de normas, chamadas por ele de normas supralegais, abaixo da Constituição, mas acima das leis infraconstitucionais. A tese teve simpatia entre os membros do STF. Assim, o duplo grau de jurisdição, com base no recente precedente do STF, pode até não ser considerado uma garantia constitucional, mas é, no mínimo, uma garantia supralegal. r.4) Princípio do promotor natural Alguns entendem que a CF/88 consagrou, junto com o princípio do juiz natural (art. 5º, LIII e XXXVII), também o princípio do promotor natural, garantindo a todos a acusação por um órgão acusador pré-determinado, pré-constituído, sem possibilidade de nova designação após o fato ocorrido, isto porque o inciso LIII do art. 5º não fala só que ninguém será julgado pela autoridade competente, mas também que ninguém será processado. O STF, entretanto, rechaçou esta ideia, já que um dos princípios do Ministério Público é a sua indivisibilidade (STF, HC 83.463/RS; HC 67.759/RJ). Assim, se um membro do Ministério Público Federal propõe denúncia em Mato Grosso, e o processo é transferido para São Paulo, em face da incompetência, e o membro do MPF não ratifica a denúncia, não há nulidade, porque não há o princípio do promotor natural (STF, HC 85.137/MT, Rel. Cezar Peluzo). O STF destaca a ideia de que a lei infraconstitucional pode prever este princípio, mas ele não é garantido pela Constituição. r.5) “Habeas corpus” (“Que tu tenhas o corpo”) O “habeas corpus” surgiu no Brasil com a Constituição de 1891 (art.61, 1º, art. 72, §22), como garantia constitucional da liberdade de locomoção. Seus traços de semelhança com o mandado de segurança são três: a) celeridade da medida (o HC, entretanto, tem prioridade sobre o mandado de segurança); b) cunho mandamental da decisão; c) proteção a direito líquido e certo (no “habeas corpus”, o direito líquido e certo é a liberdade de locomoção). O Ministério Público, mesmo sendo órgão acusador, tem legitimidade para impetrar o HC (CPP, art. 654), o que o consagra como defensor da ordem jurídica e enfoca que sua atividade deve ter, também, intensidade imparcial. Pessoa física não pode impetrar HC para proteger pessoa jurídica, uma vez que esta não pode sofrer ameaça ou restrição à sua liberdade de ir e vir (STF, HC 92921/BA), mas pessoa jurídica pode impetrar para proteger pessoa física. Assim, pessoa jurídica pode ser impetrante, mas não pode ser paciente. HC pode ser concedido de ofício pela autoridade judicial, e não é necessária capacidade postulatória (não há necessidade de advogado). A autoridade coatora pode ser particular, como é o caso de dono ou gerente de hospital que retém paciente que não paga a conta. O HC pode ser utilizado, excepcionalmente, para trancar a ação penal em dois casos: a) ausência de indícios da autoria e da materialidade; e b) atipicidade da conduta STF: “O trancamento da ação penal, por falta de justa causa, é medida excepcional; justifica-se quando despontar, fora de dúvida, atipicidade da conduta, causa extintiva da punibilidade ou ausência de indícios de autoria” (HC 86583/SP Rel. Min. Eros Grau, 2ª Turma, DJ 27.04.2007, p. 105). “O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Inquérito 1145 (no qual fiquei vencido), reconheceu que a conduta designada "cola eletrônica" é penalmente atípica. O que impõe o trancamento, no ponto, da ação penal contra o paciente. Prosseguimento da ação penal, quanto a acusações de outra natureza” (HC 88967/AC, Rel. Min. Carlos Britto, 1ª Turma, DJ 13-04-2007, p. 102). Como o HC é para proteger um bem vital, de importância constitucional, que é a liberdade, e muitas vezes até a integridade física e a vida (quando a autoridade coatora, por exemplo, é acusado de “dar sumiço”, ou de manter o paciente em lugar inacessível, talvez para tortura), ele não precisa de formalidades previstas para as ações judiciais, como pressupostos, condições da ação e capacidade postulatória, e até mesmo a forma verbal é possível. A forma verbal é difícil em face das circunstâncias, porque dificilmente o paciente terá acesso livre a um telefone, e sequer saber o número da autoridade judicial. Mas se uma autoridade judicial receber uma ligação e o paciente disser

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que está impetrando um HC, se identificar minimamente e afirmar onde está, dando condições razoáveis de identificação, a autoridade poderá receber aquela comunicação como uma verdadeira impetração do remédio heroico, e tomar providências, inclusive, de ofício, abrir processo. O julgamento do HC tem prioridade sobre todos os outros processos, inclusive os processos envolvendo pessoas idosas (Lei 10.173/2001 – art. 1.211-A, CPC: “Os procedimentos judiciais em que figure como parte ou interveniente pessoa com idade igual ou superior a sessenta e cinco anos terão prioridade na tramitação de todos os atos e diligências em qualquer instância”). A CF/88, art. 142, §2º, diz: “Não caberá ´habeas-corpus´ em relação a punições disciplinares militares”. Portanto, a regra é a impossibilidade jurídica do pedido, no que tange a HC impetrado contra autoridade militar, em função da punição disciplinar militar. Isto não quer dizer que o Judiciário não possa analisar a legalidade da medida disciplinar militar, como a competência da autoridade coatora e a inexistência da pena aplicada (STF: “A legalidade da imposição de punição constritiva da liberdade, em procedimento administrativo castrense, pode ser discutida por meio de habeas corpus” – RHC 88543/SP, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 1ª Turma, DJ 27.04.2007, p. 070). A pena disciplinar militar é, assim, tida como ato “interna corporis” da Corporação Militar. r.6) Mandado de segurança Quem são os legitimados para impetrar mandado de segurança coletivo? Art. 5º, LXX: Partido político com representação no Congresso Nacional, a organização sindical, a entidade de classe ou a associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados. Importante frisar que o Partido tem representação no Congresso se tiver pelo menos um Deputado ou um Senador. A necessidade de “defesa dos interesses de seus membros ou associados”, refere-se tanto às associações quanto às organizações sindicais e entidades de classe. Entretanto, a necessidade de estar constituída e em funcionamento há pelo menos um ano refere-se apenas às associações. No caso do mandado de segurança coletivo, existe substituição processual e não representação processual. Deste modo, os legitimados para o mandado de segurança coletivo não precisam de autorização expressa dos associados. Basta que o Estatuto preveja a possibilidade do sindicato, da entidade ou da associação propor ação em defesa dos interesses da categoria (STF, Súmula 629). Não se pode confundir a autorização constitucional geral para as entidades associativas representarem seus filiados judicialmente (art. 5º, XXI – “as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente”). Neste caso, a representação judicial será nítida representação processual, e não substituição processual, que só vale para o mandado de segurança coletivo. Na representação processual é necessário autorização dos associados, além das restrições contidas na legislação infraconstitucional, como possibilidade de representar somente quem estiver morando na sede da entidade na data da propositura da ação, necessidade de juntar ata da assembleia que autorizou a ação etc. É possível a defesa parcial em mandado de segurança coletivo, isto é, a defesa de parte da categoria, considerando que podem existir, dentro da mesma categoria, grupos com interesses homogêneos (STF, Súmula 630). O direito líquido e certo é aquele que não depende de dilação probatória, isto é, é aquele que pode ser, de plano, comprovado por documentos. O direito líquido e certo, então, não se refere à qualidade do direito. Pode ser qualquer direito, desde que demonstrado cabalmente junto com a petição inicial. Via de regra, não há juntada de documentos no processo de mandado de segurança, salvo a juntada na petição inicial e junto com as informações da autoridade coatora. Entretanto, em casos excepcionais, isto pode ocorrer, como no caso do parágrafo único do art. 6º da Lei 1533/51: “No caso em que o documento necessário à prova do alegado se ache em repartição ou estabelecimento público, ou em poder de autoridade que recuse fornecê-lo por certidão, o juiz ordenará, preliminarmente, por ofício, a exibição desse documento em original ou em cópia autêntica e marcará para o cumprimento da ordem o prazo de dez dias. Se a autoridade que tiver procedido dessa maneira

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for a própria coatora, a ordem far-se-á no próprio instrumento da notificação. O escrivão extrairá cópias do documento para juntá-las à segunda via da petição”. Também se o juiz entender que, pela juntada dos documentos pela autoridade coatora, outros poderão ser necessários, poderá determinar a juntada. A CF/88 dá o caráter residual ao mandado de segurança, ao falar que só caberá mandado de segurança quando não for cabível HC ou “habeas data” (art. 5º, LXIX). Súmulas do STF: Súmula nº 101 - “O mandado de segurança não substitui a ação popular” Súmula nº 271 – “Concessão de mandado de segurança não produz efeitos patrimoniais, em relação a período pretérito, os quais devem ser reclamados administrativamente ou pela via judicial própria.” Súmula nº 268 – “Não cabe mandado de segurança contra decisão judicial com trânsito em julgado.” Súmula nº 267 – “Não cabe mandado de segurança contra ato judicial passível de recurso ou correição.” (A jurisprudência admite mandado de segurança, entretanto, quando a decisão é teratológica, absurda) Súmula nº 266 – “Não cabe mandado de segurança contra lei em tese” (Visa proteger a ADC e a ADI, que são instrumentos próprios para análise de leis em tese, até porque não podem ser propostas contra leis de efeitos concretos) Súmula nº 632 – “É constitucional lei que fixa o prazo de decadência para a impetração de mandado de segurança” (O STF foi coerente, porque já tinha dito que o conteúdo do direito adquirido poderia ser conceituado pelo legislador infraconstitucional). Súmula nº 630 – “A entidade de classe tem legitimação para o mandado de segurança ainda quando a pretensão veiculada interesse apenas a uma parte da respectiva categoria” (Em muitos casos, dentro da mesma categoria existem grupos com interesses homogêneos). Súmula nº 510 – “Praticado o ato por autoridade, no exercício de competência delegada, contra ela cabe o mandado de segurança ou a medida judicial”. Súmula nº 304 – “Decisão denegatória de mandado de segurança, não fazendo coisa julgada contra o impetrante, não impede o uso da ação própria”. Súmula nº 433 – “É competente o Tribunal Regional do Trabalho para julgar mandado de segurança contra ato de seu presidente em execução de sentença trabalhista”. Súmula 622 – “Não cabe agravo regimental contra decisão do relator que concede ou indefere liminar em mandado de segurança”. Súmula nº 623 – “Não gera por si só a competência originária do Supremo Tribunal Federal para conhecer do mandado de segurança com base no art. 102, I, n, da Constituição, dirigir-se o pedido contra deliberação administrativa do Tribunal de origem, da qual haja participado a maioria ou a totalidade de seus membros”. Súmula nº 624 – “Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer originariamente de mandado de segurança contra atos de outros tribunais”. Súmula nº 625 – “Controvérsia sobre matéria de direito não impede concessão de mandado de segurança.” Súmula nº 626 – “A suspensão da liminar em mandado de segurança, salvo determinação em contrário da decisão que a deferir, vigorará até o trânsito em julgado da decisão definitiva de concessão da segurança ou, havendo recurso, até a sua manutenção pelo Supremo Tribunal Federal, desde que o objeto da liminar deferida coincida, total ou parcialmente, com o da impetração.” Súmula nº 629 – “A impetração de mandado de segurança coletivo por entidade de classe em favor dos associados independe da autorização destes”. Súmula nº 630 – “A entidade de classe tem legitimação para o mandado de segurança ainda quando a pretensão veiculada interesse apenas a uma parte da respectiva categoria”. Súmula nº 631 – “Extingue-se o processo de mandado de segurança se o impetrante não promove, no prazo assinado, a citação do litisconsorte passivo necessário”. Súmula nº 701 – “No mandado de segurança impetrado pelo Ministério Público contra decisão proferida em processo penal, é obrigatória a citação do réu como litisconsorte passivo”.

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r.7) Mandado de injunção Art. 5º, LXXI, CF/88: “conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.” Interessante notar que a norma constitucional que prevê o mandado de injunção se destina para normas constitucionais de eficácia limitada, mas ela mesma é uma norma constitucional de eficácia plena. É dizer: o art. 5º, LXXXI, é uma norma constitucional de eficácia plena, autoaplicável, porque todos já poderiam impetrar mandado de injunção desde a promulgação da Constituição de 1988. Porém, o mandado de injunção é instrumento constitucional destinado para as normas constitucionais que preveem os direitos, mas que permite o exercício dos mesmos após a complementação infraconstitucional. Para o mandado de injunção, então, é necessária a presença de “lacuna técnica”, lacuna esta que é justamente a ausência da norma regulamentadora (STF, MI 589/CE). O mandado de injunção se caracteriza como uma ação constitucional cível de natureza mandamental. Esta é sua natureza jurídica. O legitimado passivo é a pessoa estatal que tenha o dever de elaborar a norma regulamentadora. O STF entende que, apesar de possível a figura do mandado de injunção coletivo (STF, MI 20), não cabe liminar em seu processamento (STF, AC-AgR 124/PR) e nem pode ser utilizado como sucedâneo de mandado de segurança (STF, MI 689/PB).

Em relação ao provimento, mais propriamente à força do provimento proferido em mandado de injunção, existem três teses: a) concretista direta: ao julgar o MI, o Judiciário cria a norma para valer para a parte autora da ação (efeito “inter parts”); b) concretista intermediária: ao julgar o MI, o Judiciário comunica a omissão ao órgão competente, para que ele elabore a norma dentro do prazo razoável concedido. Persistindo a inércia, o Judiciário criaria a norma; c) não concretista: ao julgar o MI, o Judiciário apenas declara a mora do Legislativo, e comunica ao órgão competente para elaborar a norma. O Judiciário não pode substituir o Poder Legislativo, em face da separação de Poderes.

A posição tradicional do Supremo Tribunal Federal, que se formou desde o julgamento do mandado de injunção n. 107, é a de que o mandado de injunção não se presta a criar a lei inexistente, daí porque sempre adotou a teoria não-concretista (o Judiciário apenas reconhece a mora e comunica a omissão ao órgão responsável pela ação, para elaborar a norma regulamentadora). Daí porque o mandado de injunção foi considerado, pelo STF, como uma ação constitutiva da mora do Poder Público, e não propriamente condenatória (MI 689/PB).

Entretanto, com o julgamento dos mandados de injunção no caso do direito de greve dos servidores públicos (MI 689, 670 e 712), o Supremo Tribunal Federal iniciou uma nova fase da sua jurisprudência, começando a adotar a teoria concretista direta, visto que, nestes precedentes, foi determinada a aplicação da Lei 7.783/89, na medida do possível. Na verdade, estes casos ratificaram uma tendência manifestada no julgamento do mandado de injunção 232/RJ, Rel. Min. Moreira Alves, quando o STF adotou uma posição concretista, porque não só declarou a mora do Congresso Nacional porque não havia legislado sobre as isenções de contribuições sociais das entidades beneficentes de assistência social (art. 195, §7º), mas também indicou que as providências deveriam ser adotadas no prazo de seis meses, sob pena da requerente passasse a gozar da imunidade. Já era, então, um indicativo de que a posição não-concretista adotada inicialmente, e muito criticada pela doutrina, seria ultrapassada, como de fato ocorreu. O interessante é que os referidos mandados de injunção sobre o direito de greve dos servidores públicos, foram impetrados pelos Sindicatos dos policiais civis do Espírito Santo, dos trabalhadores da educação de João Pessoa/PB e dos trabalhadores do Judiciário do Pará, o que, em tese, propiciaria que a Lei 7.783/89 só fosse aplicada para estes sujeitos processuais, em face do efeito “inter parts”. Os Ministros Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa e Marco Aurélio se posicionaram no sentido de que os efeitos da sentença só poderiam englobar os Sindicatos autores das ações, mas o

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plenário do STF foi além, e, até inovando, entendeu que os efeitos da sentença deveriam ser “erga omnes”, para englobar todos os servidores públicos federais, ratificando a tendência de “objetivização”, ou “abstrativização” dos processos do controle difuso. Também se mostrou interessante, o fato de que o STF adotou a tese da sentença aditiva, do direito italiano. É dizer: o STF não chegou a criar uma nova norma, mas apenas aditou ao ordenamento jurídico nacional, uma lei que fora publicada para uma outra situação, ampliando seu campo de atuação.

No mesmo sentido, adotando a posição concretista, o STF concedeu sentença mandamental junto ao Mandado de Injunção n. 758/DF, para assentar o direito do impetrante à contagem diferenciada de tempo de serviço em decorrência da atividade de trabalho insalubre após a égide do regime estatutário, para fins de aposentadoria especial referida no §4º do art. 40, mesmo não existindo a norma infraconstitucional citada neste dispositivo constitucional. Neste caso, trata-se, claramente, de uma norma constitucional de eficácia limitada, na medida em que o dispositivo expressamente diz que devem ser ressalvados os critérios diferenciados para as atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, nos termos definidos em leis complementares. Como se vê, como estas leis complementares não surgiram, o STF acatou a mora do Congresso e, mais que isso, deu o direito ao servidor público federal que assim requereu mediante mandado de injunção. Por mandado de injunção, faz-se um controle de constitucionalidade difuso e limitado. Difuso, porque não é concentrado apenas no STF ou em outro órgão judicial; limitado porque, apesar de difuso, não é generalizado para qualquer órgão ou juízo. A Constituição estabelece quem pode julgar o mandado de injunção: a) STF (art. 102, I, “q”); b) STJ (art. 105, I, “h”); c) TSE e TRE´s (art. 121, §4º, V). Lei federal e as Constituições estaduais podem prever outras hipóteses de competência para julgar o mandado de injunção. r.8) “Habeas Data” (“ Que tu tenhas os dados”). Art. 5º, LXXII – “conceder-se-á ´habeas-data´: a) para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público; b) para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou administrativo”. Como a Constituição de 1988 é dogmática, e não histórica (isto é, realizada com base

em um momento histórico, por um órgão constituído para este fim, que inclusive inclui no texto

constitucional as paixões momentâneas), a colocação desta garantia foi até natural, porque no regime

ditatorial anterior, os dados sobre as pessoas eram arquivados sigilosamente. Vivia-se com a

proximidade do então DOI-CODI – Destacamento de Operações de Informações – Centro de

Operações de Defesa Interna, órgão repressivo do Regime ditatorial brasileiro que se inaugura em

1964, ancorado no espírito da Doutrina da Segurança Nacional, disseminada a partir da National War

College norte-americana e, no Brasil, da Escola Superior de Guerra (ESG).

Para não restar dúvida, o legislador constituinte originário de 1988, então, fez incluir

no texto o “habeas data”, garantindo a todos o acesso aos dados informativos sob a batuta do Poder

Público, assim como a correção destes dados.

O processamento do “habeas data” encontra-se regulamentado pela Lei 9.507/97.

A doutrina entende que, por devassar dados sigilosos sobre a pessoa, no processo de

“habeas data” não cabe intervenção de terceiros.

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O SERASA e o SPC podem ser legitimados passivos no HD, assim como partidos

políticos e universidades particulares.

O HD só é possível quando houver interesse de agir, de modo que se a autoridade não

se recusar a prestar as informações, fica inviável o HD (STJ, Súmula 02; STF, RD 22/DF), sendo

constitucional o art. 8º da Lei 9.507/97 (STF, RHD 24/DF).

Questões específicas

A fim de preparar o aluno sobre o tema “direitos e garantias fundamentais”, seguem

algumas questões sobre o rol previsto no art. 5º da Constituição, sempre importante para aqueles que

se preparam para concursos públicos, até como forma de fixação.

PERGUNTAS 01. A gratuidade do registro civil de casamento é assegurada pela Constituição? 02. É possível o cidadão retirar certidão em repartição pública para defesa de direitos de terceiros? 03. É possível a pena de morte e a tortura, em tempo de guerra declarada? 04. A vedação ao anonimato é absoluta? 05. A prestação de assistência religiosa se estende para ambientes militares? 06. Para ser privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, basta as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta? 07. Para o exercício da liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, não pode censura pelo Poder Público. Porém, a lei poderá prever casos de prévia licença do Poder Público? 08. O que é reserva de jurisdição? 09. O sigilo da fonte é sempre resguardado? 10. Quando a liberdade de locomoção no território nacional pode ser exercida? Essa liberdade existe para sair do país com os bens? 11. Quais as duas condições para o exercício da liberdade de reunião? 12. Qual a diferença entre liberdade de reunião e liberdade de associação? 13. As associações podem sofrer interferência estatal em seu funcionamento? Se não, podem ser suspensas ou dissolvidas por decisão judicial? É possível a suspensão da associação por decisão judicial não transitada em julgado? 14. As associações têm sempre legitimidade para representar seus associados? 15. A desapropriação de imóvel urbano subutilizado, não utilizado ou não edificado, sem o devido aproveitamento, será feita mediante prévia e justa indenização em dinheiro? 16. Os autores de inventos industriais têm privilégio definitivo ou temporário para a utilização dos mesmos? 17. O direito de herança é um direito fundamental? 18. A sucessão de bens de estrangeiros situados no País será sempre regulada pela lei brasileira? 19. Ao júri é assegurada a autonomia ou a soberania dos veredictos? 20. Quais os crimes considerados inafiançáveis e quais os imprescritíveis, pelo texto constitucional? 21. O direito de condições especiais para a presidiária gestante é um direito fundamental individual? 22. O brasileiro nato pode ser extraditado? Pode ser entregue? E o naturalizado, pode ser extraditado em que hipóteses? 23. O civilmente identificado pode ser submetido à identificação criminal? Se sim, em que casos? 24. A autoridade policial é obrigada a comunicar a prisão à família do preso? 25. O preso deve sempre ser informado sobre quem efetuou sua prisão? 26. A impenhorabilidade dos bens de família é direito fundamental expresso na Constituição de 1988? 27. O uso das algemas nos presos é legítimo sob o ponto de vista constitucional? 28. É necessário respeitar o contraditório para fazer o levantamento ético-social do candidato ao concurso público? 29. Toda gravação telefônica sem autorização judicial é considerada prova ilícita? 30. O direito de petição pode ser exercido sem a presença de advogado?

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31. Pode ser exigido prévio depósito como condição de admissibilidade de recurso administrativo? E se o depósito prévio for para interposição de recurso judicial? 32. O direito de reunião abrange o direito de não participar da reunião? 33. O art. 5º, XXXIII, da CF/88 diz: “todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”. Se o órgão público se negar indevidamente, cabe “habeas data”? 34. O direito de permanecer em determinado lugar é protegido por mandado de segurança ou “habeas-corpus”? 35. O proprietário que tiver sua propriedade utilizada por autoridade competente, no caso de iminente perigo público, faz jus à indenização pelo uso da propriedade? 36. Se um interesse público colidir com um interesse particular, aquele deve sempre prevalecer? RESPOSTAS 01. Não. A Constituição (art. 5º, XXXIV, LXXVI e LXXXVII) assegura gratuidade para: a) direito de petição; b) obtenção de certidões em repartições públicas para defesa de direitos personalíssimos; c) registro civil de nascimento; d) certidão de óbito; e) ação do “habeas corpus”; f) ação do “habeas-data”; g) na forma da lei, os atos necessários para o exercício da cidadania.Nestes casos, há uma gratuidade relativa, para o caso de registro de nascimento e para a certidão de óbito, porque nestes casos só para quem for reconhecidamente pobre; e há uma gratuidade absoluta para os casos de “habeas-corpus”, “habeas-data” e para atos necessários ao exercício da cidadania, porque independentemente de ser pobre, serão obrigatoriamente gratuitas. 02. Não. O direito de certidão é personalíssimo (art. 5º, XXXIV, “b”). Só pode ser utilizado para situações de interesse pessoal. Não se pode confundir direito de certidão com direito de receber informações dos órgãos públicos. No caso do direito de receber informações dos órgãos públicos, aplica-se o inciso XXXIII: “todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”. 03. Em tempo de guerra, só é possível a pena de morte. A tortura é vedada em qualquer hipótese (art. 5º, XLVII, c/c art. 84, XIX e art. 5º, III). 04. Não. A preocupação com a vedação ao anonimato no art. 5º, IV, é para preservar a segurança e proteger a própria sociedade, e então restringir o uso abusivo da liberdade de expressão. Não impede, assim, que haja o serviço de “disque-denúncia”, e o sigilo da fonte quando necessário para exercício de profissão, que reserva o direito de não identificação. 05. Sim (Art. 5º, VII: “é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva”) 06. Não. Para a privação de direitos, é preciso tanto a negativa de cumprir obrigação legal a todos imposta quanto a recusa de cumprir prestação alternativa (Art. 5º, VIII: “ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei”). Veja bem que a Constituição fala em privação de direitos, e não em restrição de direitos, de modo que a lei poderá prever a extinção de determinado direito, como o direito de ser servidor público etc. A doutrina chega a entender que, neste caso, há privação do status de cidadão e dos direitos dele decorrentes. 07. Não (art. 5º, IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”). 08. É a previsão, pela Constituição, de que determinado direito ou garantia constitucional só poderá ser violada por decisão do Poder Judiciário, vedando-se que qualquer outra autoridade ou órgão possa decretar a violação, sendo impossível, assim, que o Ministério Público, que a Polícia Judiciária e que a Comissão Parlamentar de Inquérito assim o façam sem intervenção do Judiciário. São três os casos de reserva de jurisdição: a) inviolabilidade do domicílio (art. 5º, XI); b) interceptação telefônica (art. 5º, XII); c) decretação de prisão cautelar (art. 5º, LXI). Lembre-se que interceptação telefônica não se confunde com gravação telefônica, porque gravação um dos interlocutores pode fazer, mas interceptação é a gravação clandestina, sem que nenhum dos interlocutores saibam. Da mesma forma, lembre-se que a prisão cautelar (preventiva e temporária) é que cabe ao Judiciário, podendo haver prisão em flagrante por qualquer pessoa. 09. Não. Só se resguarda o sigilo da fonte quando for necessário para se exercer uma profissão (art. 5º, XIV), como é o caso do jornalismo, e também dos padres e pastores, para exercerem o confessionário. 10. A liberdade de locomoção no território nacional pode ser exercida em tempo de paz (art. 5º, XV). No caso de declaração de guerra, esta locomoção é restringida (art. 139, I e VII). A liberdade, em tempo de paz, engloba a possibilidade de deixar o país com seus bens.

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11. A primeira condição é que a reunião não frustre outra reunião marcada para o mesmo local. A segunda é que deve haver prévio aviso à autoridade competente (art. 5º, XVI). Observe que se trata de mero aviso à autoridade, e não pedido de autorização. A Constituição não diz qual a autoridade competente, de modo que pode ser avisado desde o Prefeito, o Delegado, o Secretário de Segurança Pública e o Comandante da Polícia Militar. O aviso mais utilizado é à Polícia Militar, que faz o patrulhamento. 12. A principal diferença é que a reunião é transitória, e a associação é com intenção de ser permanente. As duas liberdades podem ser diferenciadas também porque a liberdade de reunião não precisa ser formalizada no registro civil, enquanto para o exercício da liberdade de associação, a regra é a o registro da mesma nos termos da lei civil. 13. Não é permitida a interferência estatal no funcionamento das associações. Assim, as associações funcionam da melhor forma que aprouver a seus associados, desde que não seja para fins ilícitos ou tenha caráter paramilitar. As atividades da associação podem ser suspensas por decisão judicial, inclusive sem transitar em julgado, mas só podem ser dissolvidas com o trânsito em julgado da decisão (art. 5º, XVII, XVIII e XIX). 14. Não. Só tem quando estiverem expressamente autorizadas (art. 5º, XXI). Entretanto, cabe alertar que as associações em funcionamento há mais de um ano, podem propor mandado de segurança coletivo independentemente de autorização expressa (art. 5º, LXX, “b”), bastando previsão nos Estatutos, já que neste caso há substituição processual, e não representação judicial. 15. Não. No caso de imóvel urbano subutilizado, não utilizado ou não edificado, sem o devido aproveitamento, a indenização será feita em títulos da dívida pública previamente aprovados pelo Senado, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais (art. 182, §4º). Da mesma forma, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social deverá ser desapropriado por interesse social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até 20 (vinte) anos (art. 184). A prévia e justa indenização em dinheiro se dá para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social (art. 5º, XXIV). 16. Temporário (art. 5º, XXIX). 17. Sim (art. 5º, XXX). 18. Não. Se a lei de origem do “de cujus” for mais favorável aos herdeiros brasileiros (cônjuge e filhos), a lei brasileira não será aplicada, e sim a lei estrangeira que regula o sucedido (art. 5º, XXXI). É preciso, porém, que os bens estejam situados no Brasil. Assim, se um francês deixa uma casa de R$ 1.000.000,00 no Brasil, e tem filho brasileiro que mora no Brasil, e um filho francês que mora na França, e a lei brasileira diz que ele pode dispor da metade da casa, e a lei francesa diz que ele pode dispor de apenas 25% da casa, a lei que regerá a situação será a da França, e não a brasileira. 19. Expressamente, a Constituição fala em “soberania” (art. 5º, XXXVIII, “c”). Entretanto, esta soberania não pode ser confundida com a soberania do Estado, bem mais amplo e intenso, tanto é verdade que é possível cassar a decisão dos jurados que seja manifestamente contrária à prova dos autos (CPC, art. 593, III, “d”). Por isso, a soberania dos veredictos não é, na verdade, soberana, na acepção técnica desta palavra (caráter de não submissão a nenhum outro órgão ou Poder), sendo utilizada pelo texto constitucional para enfatizar que, no caso de crimes dolosos contra a vida, somente os jurados é que podem decidir, sem que seja possível haver uma substituição do que foi decidido por uma decisão judicial, é dizer, cabe os jurados analisar as provas colhidas e decidir sobre autoria e materialidade nos crimes dolosos contra a vida, e não os magistrados. 20. São inafiançáveis: racismo, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, terrorismo, crimes hediondos, ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático e a tortura. São imprescritíveis: racismo e ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (art. 5º, XLII e XLIII). Como se vê, a Constituição não declara a imprescritibilidade para o tráfico, para os crimes hediondos e para a tortura. Da mesma forma, não declara a impossibilidade de graça ou anistia para o racismo (Art. 5º, XLII: “a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei”; XLIII: “a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura , o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem”; XLIV: “constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático”). 21. Não. A Constituição assegura apenas o direito de condições especiais para a presidiária lactante (Art. 5º, L: “às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação”). Pode até ser considerado um direito fundamental social, por interpretação do art. 201, II, e até ser assegurado condições especiais por lei infraconstitucional, mas a Constituição não dá tratamento privilegiado para a presidiária grávida, não colocando a questão como direito fundamental individual.

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22. O brasileiro nato não pode ser extraditado, em nenhuma hipótese (art. 5º, LI). Atualmente, há entendimento de que o brasileiro nato poderá ser “entregue” para o Tribunal Penal Internacional, nos termos do Estatuto de Roma, art. 59, promulgado no Brasil pelo Decreto 4.388, de 25.09.2002, e previsto no art. 5º, §4º, da CF/88. Assim, extradição seria entre países soberanos, e entrega seria entre países soberanos e órgãos internacionais, o que não seria vedada pela Constituição brasileira de 1988. O naturalizado só pode ser extraditado por crime comum praticado antes da naturalização, ou por envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, antes ou depois da naturalização. 23. Via de regra, se a pessoa já está civilmente identificada (RG, CNH, Carteira Profissional etc.), não precisará ser identificado criminalmente, com colheita da impressão digital e fotos de frente e de lado (art. 5º, LVII). Entretanto, a Constituição permite que a lei faça previsão de casos de identificação criminal do civilmente identificado, em uma clara norma de eficácia contida. Estas hipóteses estão na Lei 10.054/2000, quando permite a identificação criminal do civilmente identificado quando: a) estiver indiciado ou acusado pela prática de homicídio doloso, crimes contra o patrimônio praticados mediante violência ou grave ameaça, crime de receptação qualificada, crimes contra a liberdade sexual ou crime de falsificação de documento público; b) houver fundada suspeita de falsificação ou adulteração do documento de identidade; c) o estado de conservação ou a distância temporal da expedição de documento apresentado impossibilite a completa identificação dos caracteres essenciais; e) constar de registros policiais o uso de outros nomes ou diferentes qualificações; f) houver registro de extravio do documento de identidade; g) o indiciado ou acusado não comprovar, em quarenta e oito horas, sua identificação civil. 24. A Constituição diz que a prisão será obrigatoriamente comunicado ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada (art. 5º, LXII). Assim, se o preso indicar uma determinada pessoa, a autoridade policial não está obrigada a comunicar a prisão para a família do preso. 25. O preso deve ser informado sempre sobre seus direitos (art. 5º, LXIII), mas os responsáveis por sua prisão podem não ser identificados se for identificado para o preso os responsáveis por seu interrogatório. A Constituição, no art. 5º, inciso LXIV diz que o preso tem o direito de identificar quem foi que lhe prendeu ou quem fez seu interrogatório, quando deveria ter dito, para ser mais sensata, que o direito englobasse tanto a identificação de quem fez a prisão quanto quem fez o seu interrogatório. 26. Não. A Constituição garante expressamente a impenhorabilidade para pagamento de débitos decorrentes da atividade produtiva da pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família (art. 5º, XXVI). Por conta disto, e do próprio sistema de proteção da propriedade, da intimidade, da privacidade e da dignidade humana, há quem entenda que a impenhorabilidade dos bens de família é uma garantia fundamental implícita. De todo modo, não é uma garantia explícita. 27. O STF entendeu que é legítimo sob o ponto de vista constitucional, porém com limitações, já que se trata de uso excepcional, sob pena de causar humilhação e atingir a dignidade humana. Deste modo, ela só deve ser utilizada em caso de exigência socialmente aceitável, para caos em que se mostrar indispensável para: a) impedir ou evitar a fuga do preso; b) evitar atos violentos de prisioneiro perigoso; c) proteger o prisioneiro dele mesmo (auto-violência, auto-flagelação). Bem por isso, o STF chegou a fixar entendimento de que o réu, fora dos casos apontados, não pode permanecer algemado nas sessões de julgamento pelo Tribunal do Júri, sob pena de nulidade do julgamento, e o uso irregular pode caracterizar abuso de autoridade. Nesse sentido, HC 71.195/SP (DJU de 04.08.1995), HC 89.429/RO, Rel. Min. Cármen Lúcia, 1ª Turma, DJ 02.02.2007, p. 114, HC 91.952/SP, Rel. Min. Marco Aurélio). 28. Apesar das polêmicas, o Supremo Tribunal Federal fixou entendimento que não é necessário efetivar o contraditório, quando a Comissão processante do concurso público faz o levantamento ético-social da vida pregressa do candidato que presta concurso público, para atestar sua honorabilidade (RE 1156400/SP, DJU 15.09.1995, e RE 233303/CE, Rel. Min. Menezes Direito, j. em 27.05.2008. Assim, a Comissão pode proceder, de ofício, à investigação sumária sobre a vida pregressa para efeito de inscrição em concurso público, fazendo levantamentos sobre a pessoa, sem que a ela seja dada oportunidade para se manifestar sobre os elementos colhidos, uma vez que não há, neste levantamento, nenhuma acusação contra a pessoa, não se aplicando o art. 5º, LV. 29. Não. As gravações feitas por um dos interlocutores, quando o outro está fazendo investida criminal, por exemplo, é válida, mesmo sem autorização judicial. Também são válidas as gravações telefônicas por um dos interlocutores, mesmo sem o conhecimento do outro, quando valer para provar a inocência de alguém. 30. Não. Porém, o direito de petição não pode ser confundido com o direito de acesso ao Judiciário (ou o “direito de peticionar em juízo”), este sim com necessidade de ter capacidade postulatória, com representação por advogado (salvo algumas exceções como é o caso do “habeas corpus” e do acesso ao Juizado Especial Cível e à Justiça do Trabalho, onde há dispensa de advogado). Assim, o direito de petição não garante o ingresso ao Judiciário sem capacidade postulatória, até porque ele tem por objetivo colocar nas mãos das pessoas um direito geral de participação política, para que ele tenha condições de levar ao conhecimento do

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Poder Público um ato ou fato ilegal, abusivo ou contra direitos, evidentemente na expectativa de que sejam tomadas medidas necessárias. Não há necessidade, portanto, de comprovar lesão ou ameaça de lesão a interesse pessoal ou particular, como ocorre no direito de ação judicial. Previsto na Constituição (art. 5º, XXXIV: “são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder”), é uma garantia geral para oferecer ao cidadão um meio de conclamar oficialmente o Poder Público no caso de ilegalidade, abuso de poder ou no caso de ser necessário para defender seus direitos, geralmente utilizado para fazer reclamações ou denúncias e chamar a atenção dos poderes públicos para determinada situação ou fato. É, assim, o gênero, de que faz parte as outras formas de ter acesso ao Poder Público, como “habeas corpus”, mandado de segurança, mandado de injunção, ação popular, e pode ser exercido independentemente de disciplinamento legal (não se trata de uma norma de eficácia limitada). Cabe lembrar que o direito de petição não é, como todos os demais, um direito absoluto, podendo ser indeferido, ou limitado, quando entrar em conflito com a norma constitucional que prevê que a obtenção de informações dos órgãos públicos podem ser limitadas no caso de necessidade de sigilo para a imprescindível segurança da sociedade e do Estado (art. 5º, XXXIII). 31. Não é possível exigir prévio depósito como condição de admissibilidade de recurso administrativo, como ocorria na exigência de depósito de 30% do valor do débito, por ferimento aos princípios do contraditório e da ampla defesa, além de obstar o exercício do direito de petição (STF, AC-MC 1887/SP, Rel. Min. Cármen Lúcia, 1ª Turma, DJE 142, 31.07.2008, p. 203. No mesmo sentido, AC-QO 1931/SP, Rel. Min. Ellen Gracie, 2ª Turma, DJE 117, 26-06-2008, p. 56, e AI-AgR-ED 375960/RJ, Rel. Min. Gilmar Mendes, 2ª Turma, DJE 70, 18.04.2008, p. 1059; RE-AgR 370927/RJ, Rel. Min. Eros Grau, 2ª Turma, DJE 157, 07.12.2007, p. 425). Entretanto, a jurisprudência do STF é favorável à exigência legal de prévio depósito de multa aplicada por agravo manifestamente inadmissível ou infundado (art. 557, §2º, do CPC), para que seja conhecido qualquer outro recurso (STF, AI-AgR-ED 623105/RJ, Rel. Min. Menezes Direito, 1ª Turma, DJE 102, 06.06.2008, p. 1109. No mesmo sentido: AI-AgR-ED 478513/RJ, AI-AgR-ED 635584/RJ) - não deve ser confundido depósito prévio para recurso judicial com pagamento de taxa judiciária. Neste mesmo tino, confirmando a jurisprudência do STF no sentido de ser constitucional a exigência de depósito prévio para fins de recurso judicial, o AI-AgR-ED 542148/SP, Rel. Min. Eros Grau, 2ª Turma, DJ 30.11.2007, p. 119, que considerou constitucional a previsão de prévio depósito do valor da condenação, como pressuposto para recorrer nas ações de indenização fundadas na Lei de Imprensa (Lei 5250/67, art. 56, §6º). 32. A doutrina destaca que o direito de reunião abrange o direito de não participar dela (Paolo Barile bem qualifica o direito de reunião como, simultaneamente, um direito individual e uma garantia coletiva, uma vez que consiste tanto na possibilidade de determinados agrupamentos de pessoas reunirem-se para livre manifestação de seus pensamentos, quanto na livre opção do indivíduo de participar ou não dessa reunião” Alexandre de Moraes, Direito constitucional, 22ª edição, Atlas, 2007, p. 73). 33. Não, porque, no caso, cabe mandado de segurança. Apesar de aparentemente ser um direito suscetível de ensejar “habeas-data”, porque envolve acesso a informações sobre a pessoa que estão em órgão público, o direito de receber informações dos órgãos públicos engloba as informações que são do interesse da pessoa, mesmo que não se refira a informações sobre ela. Assim, quando a pessoa tiver interesse em determinadas informações que não seja relativas a ela mesma, aplica-se o art. 5º, XXXIII, e quando ela tiver interesse em determinadas informações que sejam relativas a ela mesma, aplica-se o art. 5º, LXXII (“habeas-data”). O mesmo ocorre em relação ao direito de certidão previsto no art. 5º, XXXIV, “b” (“são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal), que também dá azo a mandado de segurança, e não “habeas-data”, porque no caso do direito de certidão, quem a pleiteia deve, necessariamente, informar que está solicitando para defesa de algum direito e ainda deverá esclarecer que servirá também para esclarecer situações de interesse pessoal. Para o “habeas-data”, não há necessidade do impetrante esclarecer que as informações servirão para defesa de direitos, bastando o desejo de conhecer as informações. 34. “Habeas-corpus”, que protege não só o direito de ir e vir, mas também o legítimo direito de ficar. 35. Não. O proprietário faz jus à indenização ulterior se houver dano. Não faz jus à indenização apenas pela utilização da propriedade, sendo necessário que ocorra o dano em face da utilização (art. 5º, XXV). 36. Não. Não é sempre que o interesse público prevalece quando entra em colisão com um interesse particular. No caso, em especial nas colisões impróprias de direitos fundamentais (direito fundamental da pessoa x direito fundamental da sociedade), deve ser ponderado os valores em jogo e verificar qual tem mais intensidade no caso concreto, para prevalecer. Assim, no caso de interesse da sociedade, por exemplo, de ver divulgada a foto do rosto de alguém, para conhecer do câncer que assola a face, e o interesse da própria pessoa de ver resguardada sua vida privada e sua intimidade, há de prevalecer, provavelmente, o interesse da pessoa.

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s) DIREITOS SOCIAIS

A CF/88 consagrou a 2º geração dos direitos fundamentais, próprios para reduzir a

desigualdade social e proteger os mais fragilizados.

Diz, no art. 6º, que são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o

lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, e a assistência aos

desamparados.

Nos artigos 7º ao 11, a Constituição enumera diversos direitos individuais e sociais dos

trabalhadores, artigos estes que, no campo do Direito do Trabalho, devem ser lidos com atenção (vide,

de toda forma, o Capítulo sobre Ordem Social).

t) DIREITOS DE NACIONALIDADE

Nacionalidade é o vínculo jurídico de direito público interno entre uma pessoa e um

Estado. A nacionalidade pressupõe o gozo de determinados direitos frente ao Estado de que é nacional

(direito de trabalhar no território do Estado, o direito de votar e ser votado - cidadania -, o direito de

não ser expulso ou extraditado e até o direito à proteção diplomática e a assistência consular quando

o nacional se encontra no exterior).

A nacionalidade é pressuposto para a pessoa se incorporar ao povo de determinado

país. Povo não se confunde com população, porque este engloba os nacionais e os estrangeiros –

população é o conjunto de habitantes do país, do estado, do município, da região, do bairro etc. Nação

também se diferencia de povo e população, porque nação significa o conjunto de pessoas que estão

fixados em determinado território, e que têm um vínculo cultural e histórico, daí porque nação

pressupõe que o agrupamento humano tem consciência coletiva e sentimento de que todos têm a

mesma origem.

A dimensão humana do Estado, então, é o povo, porque é o conjunto de homens e

mulheres que se submetem ao mesmo Direito, Direito este que lhes confere a qualidade de cidadão

daquele Estado.

1) Espécies de nacionalidade Primária/originária ou secundária/adquirida. a) Primária ou originária se dá pelo nascimento, estabelecida por critérios sanguíneos, territoriais ou mistos. Existem dois critérios para a aquisição da nacionalidade originária: a) jus solis – local onde se nasce; b) jus sanguinis – origem sanguínea da pessoa. CF/88, art. 12, I, “a” – “São brasileiros natos os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seu país”. Este artigo adotou, como regra, o critério do “jus solis”, e não leva em consideração a origem dos ascendentes. O critério sanguíneo, entretanto, também é aceito pela CF/88, em duas hipóteses: quando se nasce no estrangeiro, mas o pai ou a mãe for brasileiro e estiver a serviço do Brasil (art. 12, I, “b”), e quando nasce no estrangeiro, com pai ou mãe brasileiro, desde que se registre em repartição brasileira competente ou venha residir no Brasil e optem, a qualquer tempo, depois de atingida a maioridade, a nacionalidade brasileira (art. 12, I, “c”). Importante lembrar que a alínea “c” do inciso I do art. 12 foi alterado recentemente pela EC 54, de 20.09.2007 (antes, filho de brasileiro que nascia no

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estrangeiro só adquiria a nacionalidade brasileira se voltasse para o Brasil e aqui fizesse a opção; agora, também pode adquirir a nacionalidade originária brasileira se filho de pai ou mãe brasileiros nascer no estrangeiro e lá se registrar em repartição brasileira competente). A EC 54 acrescentou o art. 95 ao ADCT, com a seguinte redação: "Art. 95. Os nascidos no estrangeiro entre 7 de junho de 1994 e a data da promulgação desta Emenda Constitucional, filhos de pai brasileiro ou mãe brasileira, poderão ser registrados em repartição diplomática ou consular brasileira competente ou em ofício de registro, se vierem a residir na República Federativa do Brasil." Condição suspensiva da nacionalidade: ela ocorre quando o filho de brasileiro, nascido fora do Brasil, for menor e venha morar no Brasil. Como a nacionalidade tem caráter personalíssimo, a opção do menor só pode ser feita quando ele atingir a maioridade. Neste período (até atingir a maioridade), o menor é considerado brasileiro nato. Como ele pode, atingindo a maioridade, não optar pela nacionalidade brasileira, a opção acaba se transformando em uma condição suspensiva da nacionalidade, porque suspende a condição de brasileiro nato que antes existia. b) Secundária (ou adquirida) – se dá por vontade própria do indivíduo, que opta por uma nacionalidade (naturalização). A naturalização secundária pode ser: a) tácita (chamada também de “grande naturalização”) – ela ocorre quando o legislador constituinte, percebendo que o país tem poucos nacionais, cria regras para tornar todos que venham a morar no país, seus nacionais, quando não demonstrarem, durante determinado período, a vontade de não adquirir a nacionalidade do país. O Brasil não a adotou na Constituição de 1988 (apenas na de 1891); b) expressa – depende de requerimento expresso do interessado. A expressa pode ser ordinária ou extraordinária:

b.1) expressa ordinária (art. 12, II, “a”: “São brasileiros naturalizados os que, na forma

da lei, adquiram a nacionalidade brasileira, exigidas aos originários de países de língua portuguesa apenas residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral”). “Na forma da lei”. Esta Lei é o Estatuto do Estrangeiro (Lei 6.815/80). Como se vê, a naturalização expressa ordinária é aquela que é “mais fácil” de ser conquistada, e é própria para os originários de países de língua estrangeira, com prazo mais curto de residência.

O art. 115, §2º, do Estatuto do Estrangeiro estabelece as condições para esta

naturalização, e cria mais duas hipóteses de naturalização secundária expressa: a) radicação precoce – para quem vem morar no Brasil com menos de 05 anos de idade, desde que faça o requerimento de naturalização até dois anos após a maioridade; b) conclusão de curso superior – para estrangeiro que vem morar no Brasil antes de completar a maioridade e venha a concluir curso superior em estabelecimento nacional, desde que faça o requerimento da nacionalidade brasileira até um ano após a formatura.

b.2) expressa extraordinária (art. 12, II, “b” – “São brasileiros naturalizados os

estrangeiros de qualquer nacionalidade, residentes na República Federativa do Brasil há mais de quinze anos ininterruptos e sem condenação penal, desde que requeiram a nacionalidade brasileira”).

Entende-se que, no caso da naturalização expressa ordinária, não há direito público

subjetivo de adquirir a nacionalidade brasileira, se preenchidos os requisitos. É ato discricionário do Chefe do Executivo. Entretanto, no caso da naturalização expressa extraordinária, em face da CF/88 utilizar a expressão “desde que”, no art. 12, II, “b”, o entendimento é o de que, preenchidos os requisitos, há direito público subjetivo à nacionalidade brasileira.

Assim, temos o seguinte resumo:

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________________________________________________________________________________________

NACIONALIDADE PRIMÁRIA (OU ORIGINÁRIA)

Critérios: jus solis e jus sanguinis

No Brasil: jus solis e jus sanguinis

NACIONALIDADE SECUNDÁRIA (OU ADQUIRIDA)

Espécies: tácita e expressa (expressa ordinária e expressa extraordinária)

No Brasil: expressa (ordinária e extraordinária) ___________________________________________________________________________________

Como se perde o direito de nacionalidade? A CF/88 enumera taxativamente as hipóteses: a) ação de cancelamento de

naturalização, devido à prática de atividade nociva ao interesse nacional (art. 12, §4º, I); b) aquisição de outra nacionalidade, salvo nos casos de reconhecimento da nacionalidade originária ou por imposição de naturalização pela lei estrangeira (CF, art. 12, §4º, II).

No caso de cancelamento da naturalização, a naturalização não pode ser recuperada, salvo por ação rescisória contra a decisão proferida na ação. No caso de aquisição de outra nacionalidade, a nacionalidade brasileira poderá ser readquirida por meio dos mesmos procedimentos admitidos para a naturalização. Nesta reaquisição da nacionalidade, pelo brasileiro nato, ele volta a ter a ser brasileiro nato ou passa a ser brasileiro naturalizado? A doutrina é dividida: uns entendem que ele volta à condição de brasileiro nato; outros entendem que ele passa a ser brasileiro naturalizado. O STF, entretanto, entende que volta à condição de brasileiro nato (Ext 441/EU, Rel. Min. Néri da Silveira, Pleno, DJ 10.06.1986).

A lei poderá tratar diferentemente o brasileiro nato do brasileiro naturalizado? A CF/88, art. 12, §2º, diz: “A lei não poderá estabelecer distinção entre brasileiros natos

e naturalizados, salvo nos casos previstos nesta Constituição”. Os casos previstos são aqueles do art. 12, §3º (reserva de alguns cargos), art. 89, VII (assento no Conselho da República de seis assentos de brasileiros natos), art. 222 (propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão somente por brasileiro nato, ou naturalizado há mais de dez anos) e art. 5º, LI (tratamento diferenciado para nato e naturalizado para fins de extradição).

Quais os critérios que definiram a exclusividade de cargos para brasileiros natos, no art. 12, §2º, da CF/88?

Critério de segurança nacional e critério da linha sucessória. O primeiro critério possibilita os cargos a brasileiros natos em face da posição estratégica destes cargos. É o caso do cargo de diplomata (V), oficial das forças armadas (VI) e Ministro de Estado de Defesa (VII). O segundo critério impede que naturalizados ocupem o cargo de Presidente da República, seja diretamente, seja pela saída de toda a linha sucessória (Presidente, Vice-Presidente, Presidente da Câmara, Presidente do Senado, Ministro do Supremo Tribunal Federal – art. 80, CF/88).

c) Extradição, expulsão e deportação Não se confundem.

Extradição é a entrega de um indivíduo a outro Estado em razão da prática de um delito ocorrido no Estado requerente (extraditando pratica crime nos EUA e se encontra no Brasil e EUA pede extradição). Por isso, é tida como um instrumento de cooperação judiciária entre Estados em matéria penal, para que um indivíduo seja entregue pelo Estado solicitado para responder a processo penal ou cumprir pena no Estado solicitante. Ocorre entre dois países com soberania, e funciona para evitar impunidade e efetivar a universalização do direito de punir.

Na Extradição 667-3/Itália (Rel. Min. Celso de Mello, DJU 29.19.1995), o STF esclareceu que a natureza jurídica do pedido de extradição como ação de índole especial, de caráter constitutivo, que visa formar um título jurídico capaz de legitimar o Poder Executivo da União a entregar o súdito reclamado, sempre com base em um tratado internacional ou em um compromisso de reciprocidade. A extradição é processada e julgada no STF (Plenário), mas a efetiva concessão da medida é de competência exclusiva do Presidente da República (CF/88, arts. 102, I, “g” e 84, VII).

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A análise do STF se restringe à legalidade do pedido, mediante juízo de prelibação sem entrar no mérito da condenação ao estrangeiro. Por isso, no caso da extradição, adota-se, no Brasil, o sistema de contenciosidade limitada. Isto não impede, entretanto, que o STF, como destacado na Extradição 1074/Alemanha (Rel. Celso de Melo, DJ-e 12.06.2008, p. 28) analise aspectos materiais concernentes à própria substância da imputação penal, se tal análise se mostrar indispensável à solução da controvérsia pertinente a) à ocorrência de prescrição penal, (b) à observância do princípio da dupla tipicidade ou (c) à configuração eventualmente política tanto do delito atribuído ao extraditando quanto das razões que levaram o Estado estrangeiro a requerer a extradição de determinada pessoa ao Governo brasileiro. Também é possível ao STF analisar as condições materiais e políticas do país requerente e de suas instituições, que porventura pode demonstrar a inviabilidade de se assegurar ao súdito os postulados básicos do devido processo legal (contraditório, ampla defesa, igualdade das partes, imparcialidade, juiz natural)

A extradição pode ser ativa, quando o Estado requer a extradição, ou passiva, quando o Estado recebe o pedido de extradição. O STF só atua na extradição passiva, isto é, quando o Brasil recebe o pedido, já que não cabe ao Excelso Pretório requerer extradição, tarefa do Poder Executivo da União.

Só haverá extradição no caso de dupla tipicidade: a conduta deve ser tida como crime tanto no Brasil como no outro Estado requerente. O STF entende que não há dupla tipicidade quando o pedido de extradição envolve súdito que tenha praticado o crime no país solicitante quando era menor de idade, visto que menor de idade, no Brasil, não comete crime, mas apenas atos infracionais (Extradição 1135/Alemanha, Rel. Min. Eros Grau, DJe de 26.11.2009, p. 42)

Destaca-se que o STF tem posição firme no sentido de que atos terroristas não podem ser tidos como criminalidade política, especialmente para impedir a extradição (Extradição 855/Chile).

Por fim, existem princípios que merecem ser citados: a) Princípio da comutação da pena. Este princípio decorre do art. 91 do Estatuto do

Estrangeiro (Lei 6.815/80), e ocorre quando, no deferimento da extradição pelo Supremo Tribunal Federal, percebe-se que no país solicitante, há punição prevista incompatível com o ordenamento jurídico brasileiro. Neste caso, a extradição só ocorre se forem seguidas as condições impostas. O princípio da comutação da pena, então, é uma forma de possibilitar a extradição quando há incompatibilidades entre os dois sistemas jurídicos dos países envolvidos. Exemplo: EUA pede extradição de alguém que se encontra no Brasil, mas a pena a ser aplicada é a pena de morte ou a prisão perpétua. Neste caso, o STF defere a extradição, desde que não seja aplicado ao extraditando as respectivas penas, porque aqui no Brasil elas não são permitidas. Registre-se que o STF tinha posição pela desnecessidade de comutação da pena de prisão perpétua, para que fosse possível a extradição (Extradições 507/Argentina e 426/EUA). Entretanto, houve mudança de posição na Extradição 855/Chile (sequestradores do empresário Washington Olivetto), porque neste caso a extradição foi condicionada ao compromisso de fosse imposto o limite de pena da nossa legislação, que é de 30 anos (CP, art. 75).

b) Princípio da especialidade: o extraditando somente poderá ser processado e julgado pelo Estado requerente pelo delito objeto do pedido de extradição. O STF tem posição aceitando, porém, o “pedido de extensão”: o Estado que já requereu a extradição e a obteve, pode, posteriormente, pedir permissão para processar o extraditado por outro delito praticado antes da extradição e diverso daquele que a motivou;

c) Princípio da reciprocidade. Este princípio permite que a extradição seja concedida, desde que um Estado se comprometa com o nosso país. Geralmente, a extradição só ocorre se já existe, entre o Brasil e o país solicitante, um tratado internacional, mas mesmo quando não existe, a extradição pode ser concedida se houver promessa de reciprocidade, caso o Brasil solicite, posteriormente, a extradição de alguém que aqui tenha cometido um crime e se encontre naquele país. Porém, se o país não tem condições de fazer a promessa de reciprocidade, a extradição não pode ser concedida. Neste sentido, na Extradição n.1003/Alemanha (Rel. Joaquim Barbosa, DJ 16.02.2007, p. 20), o STF negou o pedido de extradição feito pela Alemanha, com promessa de reciprocidade, de um brasileiro naturalizado acusado de tráfico de drogas cometido naquele país, vez que a Constituição da Alemanha não permite a extradição de seus nacionais naturalizados, sem qualquer exceção, como é o caso da Constituição do Brasil, que permite a extradição de brasileiro naturalizado, quando comente

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crime comum antes da naturalização ou quando comete crime de tráfico de entorpecentes, antes ou depois da naturalização. A promessa de reciprocidade deve ser feita pelo Estado requerente, mediante expediente formalmente transmitido por via diplomática, mesmo por Nota Verbal.

Expulsão é a retirada à força do território nacional de um estrangeiro que pratica, neste território, atos criminosos que demonstra sua periculosidade ou risco de permanência. Nos termos do art. 65, Lei 6815/80, estes atos cometidos no Brasil, pelo estrangeiro, que possibilitam sua expulsão, são os seguintes:

a) atentado contra a segurança nacional, a ordem política ou social, a tranquilidade ou moralidade pública e a economia popular, ou tome procedimento que o torne nocivo à conveniência e aos interesses nacionais;

b) praticado fraude a fim de obter a sua entrada ou permanência no Brasil; c) entrado no Brasil com infração à lei e dele não se retirar no prazo que lhe for

determinado, não sendo aconselhável a deportação; d) se entregado à vadiagem ou à mendicância; ou e) desrespeitado proibição especialmente prevista para estrangeiro. Deportação é a devolução compulsória ao país de origem, de procedência ou mesmo

para qualquer outro que consinta em recebê-lo, do estrangeiro que tenha entrado ou permaneça de forma irregular no território nacional (arts. 57, 58, Lei 6815/80).

A deportação, então, pressupõe irregularidades, e não crimes, daí porque há deportação quando o estrangeiro adentra em um país sem seguir as regras deste país (sem comprovante de endereço no país de origem; sem comprovante de reserva em hotel; sem quantidade de dólares no bolso etc.).

Se as irregularidades cometidas pelo estrangeiro forem mais graves, e acabar demonstrando que, mais que irregularidades, são verdadeiros crimes ou atos mais graves que dão ensejo à expulsão, a deportação poderá se transformar em expulsão. Não por outro motivo, diz o art. 62 da Lei 6.815/80: “Não sendo exequível a deportação ou quando existirem indícios sérios de periculosidade ou indesejabilidade do estrangeiro, proceder-se-á à sua expulsão”.

Brasileiro nato não pode ser extraditado, mas o brasileiro naturalizado poderá ser em caso de cometimento de crime comum, antes da naturalização, e envolvimento com tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, antes ou depois da naturalização (vide, abaixo, possibilidade de entrega de brasileiro nato).

É possível a expulsão de estrangeiro casado com brasileira, ou que tenha filho brasileiro dependente da economia paterna? Não, nos termos da Súmula 01 do STF (“É vedada a expulsão de estrangeiro casado com brasileira, ou que tenha filho brasileiro, dependente da economia paterna”).

É possível extradição de estrangeiro casado com brasileira, ou que tenha filho de brasileiro? Sim. Trata-se da aplicação da Súmula 421 do STF (“Não impede a extradição a circunstância de ser o extraditado casado com brasileira ou ter filho brasileiro”).

Veja, portanto, que a expulsão não é possível, no caso de estrangeiro casado com brasileira, ou que tenha filho brasileiro dependente de si economicamente, porque expulsão ocorre quando no Brasil se comete algum crime. Portanto, há maior possibilidade de manter o expulsando aqui, porque o maior interesse no ato cometido por ele é do próprio Brasil. Diferentemente ocorre no caso de extradição, porque, neste caso, o ato praticado pelo extraditando ocorre no país que solicita sua extradição, daí porque a jurisprudência fixou-se pela impossibilidade de manter o extraditando no Brasil, nestes casos (casamento com brasileiro e filho dependente).

É possível a expulsão antes do cumprimento da pena a que foi condenado? O STF vem interpretando que só pode ser expulso após cumprimento da pena no Brasil (“O decreto de expulsão, de cumprimento subordinado à prévia execução da pena imposta no País” - STF, HC 83723/MG, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 1ª Turma, DJ 30.04.2004, p. 50).

A Constituição de 1988 prevê os casos em que não é possível a extradição de pessoa que se encontra no Brasil (art. 4º, X, e 5º, LI):

a) no caso de ser a pessoa um brasileiro nato;

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c) no caso de ser a pessoa um brasileiro naturalizado, salvo em relação ao crime cometido antes da naturalização ou de envolvimento em tráfico ilícito de entorpecente;

d) no caso de crime político ou de opinião praticado fora do Brasil diante do pedido de extradição do país de origem da pessoa (asilo político).

Questão interessante é a dependência de homologação pelo Superior Tribunal de Justiça, para produzir efeitos, a condenação de alguém no exterior (a EC 45/04 transferiu a competência para homologar sentenças estrangeiras para o STJ, conforme art. 105, I, “i”; antes era do STF). Independe de homologação pelo STJ, a sentença penal transitada em julgada no estrangeiro produz seus efeitos no Brasil para acarretar reincidência e detração, assim como para acarretar as condições de extraterritorialidade, bastando um documento idôneo, como certidão traduzida e autenticada. Depende de homologação pelo STJ da sentença estrangeira, para produzir os efeitos no Brasil, nos termos do art. 798 do CPP, no caso de reparação civil dos danos, restituições, outros efeitos civis e sujeição de medida de segurança.

Ainda é preciso dizer que, atualmente, a doutrina trata diferentemente a extradição

da entrega. Extradição ocorre quando há um relacionamento entre dois países soberanos (se dá entre o “Direito das Gentes”). Entrega, por sua vez, ocorre quando há um relacionamento entre um país soberano e um órgão internacional.

Na verdade, esta distinção está sendo utilizada para que seja possível a entrega de nacional, mesmo nato, de determinado país para o Tribunal Penal Internacional, criado pelo Estatuto de Roma e promulgado no Brasil pelo Decreto 4.388, de 25 de setembro de 2002. É que o Estatuto de Roma, no art. 59, permite a entrega de qualquer nacional para o Tribunal Penal Internacional, e esta entrega estaria impossibilitada, por exemplo, por algumas constituições de países que adotaram o Estatuto, como é o caso da Constituição brasileira, que não permite a extradição de brasileiro nato e nem naturalizado (salvo, do naturalizado, nos casos já apontados).

Por isso, para que seja possível o encaminhamento de brasileiro nato ou naturalizado,

para o Tribunal Penal Internacional, a doutrina vem diferenciando extradição de entrega. Assim, é impossível a extradição de brasileiro nato, mas é possível a sua entrega.

O asilo é um assunto interno ou internacional? Explique.

Há divergência, principalmente porque a Constituição de 1988 coloca como um os

princípios da relação internacional (art. 4o, X). Mas o melhor é considerá-lo como assunto interno, porque já ficou assentado que cabe a cada Estado classificar a natureza política ou não do crime cometido, e não ao Estado que busca seu cidadão pelo pedido de extradição.

Se cabe ao Estado em que se encontra a pessoa dizer se foi crime político ou de

opinião, evidentemente que o assunto não é internacional. Seria internacional se fosse uma atribuição de um Tribunal Internacional, do país que pede a extradição ou uma equivalência de vontades dos dois países. Como a função de dizer e reconhecer o crime como político ou não é do país onde se encontra, através de suas autoridades constituídas, trata-se de assunto interno.

u) DIREITOS POLÍTICOS

Direito de participação, ou direito político, é o direito público subjetivo conferido a alguém para participar dos negócios políticos do Estado.

É o direito político que dá a condição de cidadão para um integrante da população, entendendo-se cidadão, então, aquele nacional que se encontra no gozo dos direitos políticos. Enquanto nacionalidade é o vínculo ao território do Estado, a cidadania é a participação da vida política do Estado.

É possível, entretanto, falar em conceito mais estrito, para significar que cidadão é aquele que tem a qualidade para ser eleitor, votar e ser votado.

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Os direitos políticos podem ser positivos ou negativos. 1) positivos são os direitos políticos são aqueles consubstanciados nas normas

assecuratórias do direito subjetivo de participar do processo político e dos órgãos governamentais (direito de sufrágio – votar e ser votado -, iniciativa popular, ação popular e organização e participação em partidos políticos).

2) negativos são os direitos políticos consubstanciados nas determinações

constitucionais que privam alguém do direito de participar do processo político e dos órgãos governamentais (inelegibilidade, perda ou suspensão dos direitos políticos).

Existe também a classificação entre cidadania ativa, que é o direito de escolher os governantes, e em cidadania passiva, que é o direito de ser eleito.

Assim, temos o seguinte resumo: ____________________________________________________________________________________

____

DIREITOS POLÍTICOS POSITIVOS (quando há direito de votar e de ser votado)

Alistabilidade: direito de votar (capacidade eleitoral ativa ou cidadania ativa)

Elegibilidade: direito de ser votado (capacidade eleitoral passiva ou cidadania passiva)

DIREITOS POLÍTICOS NEGATIVOS (quando não há direito de votar e de ser votado)

Inalistabilidade: quando não há direito de votar (normas que impedem o voto)

Inelegibilidade: quando não há direito de ser votado (normas que impedem receber o voto)

________________________________________________________________________________________

Vale citar e analisar objetivamente os direitos políticos positivos e negativos, e temas

relacionados. Direito de sufrágio (positivo). Sufrágio é o direito de votar, ser votado e participar da vida política do Estado. Voto é

o exercício do sufrágio. Escrutínio é o modo como se exercita o voto. Voto e escrutínio são manifestações do sufrágio.

As características básicas do voto são: a) liberdade - o voto tem que ser livre para ser válido, vedada todas as formas de intimidação e publicação forçada do mesmo pelo eleitor, além de abuso de poder econômico e compra do mesmo. É importante para a autenticidade e eficácia do voto, pois sem liberdade o voto não será autêntico e sim fabricado, e não será eficaz para realização da democracia; b) personalidade – o voto é personalíssimo, sendo vedado voto por procuração. É importante para fundamentar também a autenticidade e a sinceridade do eleitor.

Em função destas características, existe discussão sobre a natureza jurídica do voto: é ele um direito, um dever ou uma função?

Que é direito ninguém duvida, porque o sufrágio, que é o gênero da participação democrática do povo no governo e que desencadeia o voto e o escrutínio, é um direito público subjetivo, e o voto, sendo um instrumento de realização do sufrágio, não deixa de ser um direito.

Se o voto for encarado como uma função pelo ângulo fascista, no sentido de que o eleitor é um órgão do Estado e ao votar nada mais faz de que cumprir sua obrigação de manejar os desígnios estatais, até mesmo como forma de coação, jamais admitiremos o voto como uma função. No entanto, aceitar o voto como uma função social, para realizar a soberania nacional, e implicitamente servir como incentivo ao povo para participar do processo eleitoral e vida política do Poder Público, evidentemente que o voto será também uma função.

Nesse sentido, entra o voto como um dever, imposto ao povo dentro do ângulo de visão de função social, e não de visão fascista. Assim, legitima certos países, como o Brasil, de obrigar o comparecimento nas urnas, mesmo não votando (isto é, votando em branco ou anulando, já que neste

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caso não se vota no sentido material, e sim no sentido formal, tendo-se em vista que não estará escolhendo os representantes. Por isso, a obrigatoriedade de votar é só formal, não existindo obrigatoriedade material), já que o voto é um direito público subjetivo que se torna cristalino por sua função social, justificando sua imposição como um dever.

O voto, então, é um direito (público subjetivo), é uma função (social) e é um dever (jurídico e social) (não por outra razão seus principais caracteres são a personalidade e a liberdade, dando vazão à sinceridade, à autenticidade e à eficácia).

Existem duas espécies de sufrágio: o sufrágio universal, que alcança a todos, permitindo todos os cidadãos votarem e serem votados, independentemente de distinções desproporcionais, e nem distinções quanto à classe social ou econômica, ou ainda ao sexo ou à capacidade intelectual; o sufrágio restrito, concedido apenas para indivíduos com maiores condições econômicas (sufrágio restrito censitário), ou para indivíduos com maior capacidade, geralmente com maior capacidade intelectual (sufrágio restrito capacitário).

O art. 14 da CF/88 consagrou o sufrágio universal, o voto direto e o escrutínio secreto. Ao garantir o sufrágio universal, estabeleceu-se, então, o princípio da universalidade, com reconhecimento do direito de votar e ser votado para todos os indivíduos do Estado, cuja restrição deve ser expressa, legal e proporcional.

Alistabilidade (positivo) Alistamento eleitoral não se confunde com capacidade eleitoral. Capacidade eleitoral é

o direito de votar em eleições, plebiscitos e referendos. Alistamento eleitoral é o ato jurídico que faz nascer o direito de votar e termina por ser uma das condições de elegibilidade (art. 14, §3º, III).

Art. 14, § 1º, CF/88: “O alistamento eleitoral e o voto são: I - obrigatórios para os maiores de dezoito anos; II - facultativos para: a) os analfabetos; b) os maiores de setenta anos; c) os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos.”

Conscritos, ou recrutados, não podem alistar-se como eleitores no período da conscrição, do recrutamento (no período do exercício do serviço militar obrigatório). Os estrangeiros também não podem se alistar (art. 14, §2º). No caso de estrangeiros, é preciso lembrar que, se o estrangeiro for português, em face do art. 12, §1º, podem alistar-se: a) se fizer um requerimento junto à Justiça Eleitoral; b) se houver reciprocidade para brasileiros em Portugal; c) se permanecerem no mínimo cinco anos no Brasil como residente.

Elegibilidade (positivo) Elegibilidade é a capacidade para ser eleito, é a capacidade eleitoral passiva, de ser

votado. Plena cidadania – é a aquisição completa da elegebilidade, que se adquire aos 35 anos,

que é a maior idade para alguns cargos (art. 14, §3º, VI, “a”). Idades mínimas: a) 35 anos, para Presidente e Vice-Presidente da República e Senador;

b) 30 anos, para Governador e Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal; c) 21 anos, para Deputado Federal, Deputado Estadual ou Distrital, Prefeito, Vice-Prefeito e juiz de paz; d) dezoito anos para Vereador.

O Presidente da República poderá ter menos de 35 anos? Via de regra, não, em face do art. 14, §3º, VI, “a”. Entretanto, a linha sucessória permite que o Presidente da Câmara dos Deputados assuma a Presidência. Pode ser Presidente da Câmara qualquer um de seus integrantes, e a idade mínima para Deputado Federal é de 21 anos. Logo, pode ser Presidente do Brasil um garoto de 21 anos. O mesmo ocorre como o Prefeito, que pode ser uma pessoa com 18 anos, já que o Presidente da Câmara poderá ser um de seus Vereadores, com idade mínima de 18 anos. Não há proibição para assumir estes cargos através da linha sucessória – a proibição deveria ser expressa, e a idade mínima é uma condição de ser eleito, e não para ocupar o cargo.

A idade é apenas uma das condições de elegibilidade, uma das condições para se ter a capacidade de ser votado. As outras são: a) a nacionalidade brasileira; b) o pleno exercício dos direitos políticos; c) o alistamento eleitoral; d) o domicílio eleitoral na circunscrição; e e) a filiação partidária.

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Inelegibilidade (negativo). Inelegibilidade é a falta de capacidade eleitoral passiva, isto é, a limitação para ser

votado, para candidatar-se, e divide-se em inelegibilidade absoluta e inelegibilidade relativa. Inelegibilidade absoluta diz respeito à pessoa. A CF/88, art. 14, §4º, eleva a esta

categoria os inalistáveis (conscritos e estrangeiros) e os analfabetos. A lei infraconstitucional não pode criar outros casos de inelegibilidade absoluta.

Inelegibilidade relativa diz respeito ao cargo. A inelegibilidade é relativa porque ela pode desaparecer com a desincompatibilização (art. 14, §§6º a 8º).

A inelegibilidade relativa pode ocorrer: a) pelas hipóteses previstas em lei complementar (§9º do art. 14) (Lei Complementar n. 64, de 18.05.1990); b) pelas restrições em razão do cargo (art. 14, §5º); c) pelas restrições em relação ao parentesco (art. 14, §7º); d) pelas restrições aos militares (art. 14, §8º); A LC 64/90 trata, então, de casos de inelegibilidade, e não casos de perda ou suspensão de direitos políticos (STF, ADI-MC 1493/DF).

Inelegibilidade relativa em razão do cargo

Uma das inelegibilidades em razão do cargo era a impossibilidade da reeleição. Mas a EC 16, de 04.06.1997 alterou a redação original do §5º do art. 14, da CF/88, de modo que não existe mais esta inelegibilidade. Agora, é possível a reeleição para um único período subsequente. Para se reelegerem para o mesmo cargo, não é necessária o afastamento do cargo, e esta permanência, mesmo no período de candidatura, é conhecida como continuidade administrativa, decorrência do princípio da continuidade dos serviços públicos. Entretanto, é bom lembrar que, para candidatar-se para outro cargo, o Chefe do Executivo deverá renunciar ao cargo em até seis meses antes do pleito (art. 14, §6º).

Deste modo, frise-se: a) para o Chefe do Executivo candidatar-se ao mesmo cargo, não há necessidade de desincompatibilização (não há possibilidade de renúncia para candidatar a um terceiro mandato, e nem possibilidade de candidatar-se a um terceiro mandato como Vice-Presidente, Vice-Governador ou Vice-Prefeito); b) para o Chefe do Executivo candidatar-se a cargo diferente, é necessária a desincompatibilização em até seis meses antes do pleito.

O Vice-Presidente, o Vice-Governador e o Vice-Prefeito poderão se candidatar a qualquer outro cargo, inclusive a Presidente, Governador e Prefeito, sem necessidade de desincompatibilizar-se do cargo. Entretanto, se o Presidente, o Governador ou o Prefeito se desincompatibilizar antes dos seis meses do pleito eleitoral, para candidatar-se a outro cargo, e os Vices assumirem o cargo, estes Vices ficarão inelegíveis para outros cargos. É dizer: há inexigibilidade para outros cargos se os Vices assumirem o posto principal, nos seis meses anteriores ao pleito eleitoral. O STF, entretanto, no RE 366.488/SP, admitiu a candidatura de Geraldo Alckmin ao Governo de São Paulo em 2002, mesmo tendo sido duas vezes Vice-Governador de Mário Covas (1995-2001), e por isso várias vezes o substituindo no primeiro mandato e, por fim, o sucedido no segundo mandato em razão da sua morte.

Assim, apesar do art. 14, §5º, dizer que poderá haver uma única candidatura posterior para reeleição (“O Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal, os Prefeitos e quem

os houver sucedido, ou substituído no curso dos mandatos poderão ser reeleitos para um único período subsequente”), no que tange aos Vices que substituíram ou sucederam o titular, não há inelegibilidade para a reeleição, uma vez que interessa, para fins de inelegibilidade para a reeleição, a assunção ao cargo mediante eleição ou sucessão, e não por substituição. Ficou assim a ementa do RE 366.488/SP:

“Vice-governador eleito duas vezes para o cargo de vice-governador. No segundo mandato de vice, sucedeu o titular. Certo que, no seu primeiro mandato de vice, teria substituído o governador. Possibilidade de reeleger-se ao cargo de governador, porque o exercício da titularidade do cargo dá-se mediante eleição ou por sucessão. Somente quando sucedeu o titular é que passou a exercer o seu primeiro mandato como titular do cargo. II. - Inteligência do disposto no § 5º do art. 14 da Constituição Federal”

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Inelegibilidade relativa em razão do parentesco

O parágrafo 7º do art. 14 da CF/88 diz: “São inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes consanguíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis

meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição”. Esta inelegibilidade dos parentes é conhecida como inelegibilidade reflexa. A expressão cônjuge engloba também quem vive maritalmente. Parentes

consanguíneos são os pais, os irmãos, os avós, os filhos e os netos; parentes por afinidade são o sogro, a sogra, o padrasto, a madrasta, os avós e netos do cônjuge, o genro, a nora, os enteados e os cunhados.

A parte final do §7º diz que não se aplica a regra da inelegibilidade quando o parente do Chefe do Executivo já era titular de mandato eletivo. E se o parente assumiu o cargo porque era suplente e o titular saiu? Exemplo: o pai, prefeito, se licencia do cargo nos seis meses antes do pleito, para se candidatar a Deputado Estadual, junto com o Vice-Prefeito. O Presidente da Câmara assume a Prefeitura, abrindo vaga na Câmara. O filho do então Prefeito, que era suplente, assume uma cadeira na Câmara de Vereadores. Este filho poderá ser candidato à reeleição no cargo de Vereador? O STF enfrentou esta questão, e disse que não (STF, RE 409.459/BA, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 04.06.2004, 2ª Turma). O fundamento: a expressão “titular de mandato eletivo” não alcança os suplentes, e a regra do §7º é de inelegibilidade, e a parte final é uma regra de elegibilidade, uma verdadeira exceção à regra da inelegibilidade, exceção que não pode ser interpretada extensivamente para alcançar os suplentes.

A inelegibilidade por parentesco existe se o parentesco ocorre em qualquer momento durante o mandato.

A separação de fato no decorrer do mandato do Chefe do Executivo não afasta a inelegibilidade enquanto não houver sentença transitada em julgado reconhecendo a separação. A separação de fato só afastará a inelegibilidade do cônjuge ou companheiro se ela ocorreu antes do início do mandato do Chefe do Executivo, e for reconhecida pela sentença no decorrer do mandato. Neste sentido, o STF aprovou a Súmula Vinculante n. 17: “A dissolução da sociedade ou do vínculo conjugal,

no curso do mandato, não afasta a inelegibilidade prevista no §7º do artigo 14 da Constituição Federal” Portanto, o cônjuge do Chefe do Executivo não pode burlar o espírito da Constituição,

e simplesmente tornar-se elegível pela separação de fato.

Inelegibilidade relativa aos militares Esta restrição está prevista da seguinte forma no §8º do art. 14: “§ 8º - O militar alistável é elegível, atendidas as seguintes condições: I - se contar menos de dez anos de serviço, deverá afastar-se da atividade; II - se contar mais de dez anos de serviço, será agregado pela autoridade superior e, se eleito, passará automaticamente, no ato da diplomação, para a inatividade.”

Veja que esta previsão quer dizer que, se o militar for candidato a algum cargo eletivo, e tiver menos de 10 anos de serviço, deverá se afastar definitivamente, e não provisoriamente, da atividade. É o que constou do julgamento, pelo STF, do RE 279469/RS (Informativo 619). Por isso, se um militar pede para se afastar visando a candidatura, não poderá mais voltar ao serviço militar se à época do registro da candidatura tinha menos de 10 anos de serviço. Ao contrário daquele que, à época da candidatura, já tinha mais que 10 anos: neste caso, ele passará para a inatividade se for eleito (se não for eleito, poderá voltar para a ativa no serviço militar e, assim, reverter a situação), ao contrário daquele que tem menos de 10 anos, que será afastado da inatividade e não poderá voltar para a ativa.

Para fins da inelegibilidade relativa, afastamento da atividade para aqueles que não têm 10 anos de serviço não é, portanto, igual à inatividade para aqueles que têm mais de 10 anos.

Neste mesmo RE 279469/RS, o STF entendeu que “os “destinatários das normas constantes dos incisos do § 8º do art. 14 da Carta Maior seriam os membros das Forças Armadas, bem assim os das polícias e dos corpos de bombeiros militares que estivessem em atividade e quisessem exercer sua capacidade eleitoral passiva”.

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Perda ou suspensão dos direitos políticos (negativa). Ao mesmo tempo em que a Constituição proibiu a cassação dos direitos políticos, ela

mesma previu a possibilidade de suspensão e de perda. Perda decorre de procedimento legítimo, para privação definitiva dos direitos, e cassação decorre de procedimentos ilegítimos, arbitrários, daí ser impossível.

Diz o art. 15: “É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de: I - cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado; II - incapacidade civil absoluta; III - condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos; IV - recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa, nos termos do art. 5º, VIII; V - improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º.”

Entende-se que é caso de perda os incisos I e IV. Entende-se que é caso de suspensão os incisos II, III e V.

A recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa, é controvertida sobre sua natureza de perda ou de suspensão, já que alguns entendem que, com o cumprimento das obrigações devidas, os direitos poderão ser novamente exercidos. Entretanto, a maioria da doutrina entende que é caso de perda.

Cabe, apesar da objetividade acima, uma observação interessante. José Afonso da Silva afirma que a a hipótese prevista no artigo 15, inciso IV, da nossa

Constituição Federal de 1988 (recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa) é caso de perda de direitos políticos. A Lei 8.239/91 trata o caso como se fosse suspensão dos direitos políticos. Isto ocorre porque A recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa pode receber dois ângulos de visão, e é o que acontece com a visão do mestre José Afonso da Silva e com a visão do legislador infraconstitucional.

Quando o mestre fala em perda, ele faz referência aos caos em que os direitos políticos são perdidos e não são readquiridos automaticamente (art. 15, incisos I e IV), e suspensos quando a recuperação é automática (art. 15, incisos II, III e V), por algum evento futuro natural e involuntário. O legislador fala em suspensão porque os direitos políticos, no caso do art. 15, IV, poderão ser recuperados, se houver regularização da situação pelo cumprimento das obrigações devidas que anteriormente não tinham sido, isto é, não há recuperação automática ou involuntária dos direitos políticos, exigindo uma voluntariedade por parte daquele que perde os direitos políticos.

Deste modo, dizer que a afirmação do doutrinador em questão é correta ou errônea passa, inevitavelmente, pelo conceito que se dá à suspensão e à perda dos direitos políticos. Se se considerar a suspensão somente aquela que opera seus efeitos por um determinado tempo, com o retorno ao “status quo ante” por evento futuro e natural, como realmente ocorre com os incisos II, III e V do art. 15 (cumprimento da condenação, passagem do tempo previsto de suspensão no caso de improbidade administrativa e cessação dos motivos de incapacidade civil absoluta – se bem que na incapacidade civil absoluta existem motivos que não acabam naturalmente, como a demência total, e outros que acabam naturalmente, como a menoridade impúbere), teríamos que advogar a tese de José Afonso da Silva. Se, pelo contrário, admitirmos que a suspensão de direitos políticos é aquela que não é definitivamente imposta, podendo, de algum modo, desaparecer com o passar do tempo, mesmo que não naturalmente, não defenderíamos a tese do doutrinador.

Defendemos a posição de José Afonso da Silva: a suspensão só pode ser aquela que com o passar do tempo naturalmente se esvai, se acaba, permitindo a volta ao estado de coisas anterior, isto é, permitindo que a pessoa readquira seus direitos políticos, tanto é verdade que no caso do art. 15, inciso I (sentença transitada em julgado de cancelamento da naturalização), a doutrina entende ser caso de perda, e não de suspensão, e tal perda pode, futuramente, acabar, com a procedência eventual de uma revisão criminal, mas a reaquisição dos direitos políticos não se dará naturalmente, e sim após um evento não natural e absolutamente voluntário e controlável.

Na escusa de consciência, o Judiciário é quem deverá decretar a perda (ou suspensão, conforme o entendimento), depois que a União promover a ação (art. 109, I).

Enquadra-se neste caso de recusa a obrigação de prestação do serviço militar (CF, art. 143, §1º, regulamentado pela Lei 8.239/96), e também no caso de voto (eleitor que deixar de votar, não pagar multa correspondente ou não apresentar justificativa de sua omissão).

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No caso de suspensão por condenação criminal transitada em julgado, trata-se de dispositivo constitucional autoaplicável, e abrange toda e qualquer condenação penal definitiva e os seus efeitos duram até a extinção da punibilidade, como já definiu o STF (RE 418.876/MT). Bem por isso, a suspensão dos direitos políticos se dá mesmo que o condenado seja beneficiado com suspensão condicional da pena - “suris”, até porque a norma constitucional não se rege pela privação de liberdade; rege-se por razões de ordem ética (STF, RE 179.502/SP, Rel. Min. Moreira Alves; AgRMS 22.470-SP, Rel. Min. Celso de Mello).

Importante frisar que o Parlamento fica vinculado à decisão judicial transitada em julgado. Nesse sentido: STF, MS 25461/DF, Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 22.09.2006:

“1. Extinção de mandato parlamentar em decorrência de sentença proferida em ação de improbidade administrativa, que suspendeu, por seis anos, os direitos políticos do titular do mandato. Ato da Mesa da Câmara dos Deputados que sobrestou o procedimento de declaração de perda do mandato, sob alegação de inocorrência do trânsito em julgado da decisão judicial. 2. Em hipótese de extinção de mandado parlamentar, a sua declaração pela Mesa é ato vinculado à existência do fato objetivo que a determina, cuja realidade ou não o interessado pode induvidosamente submeter ao controle jurisdicional. 3. No caso, comunicada a suspensão dos direitos políticos do litisconsorte passivo por decisão judicial e solicitada a adoção de providências para a execução do julgado, de acordo com determinação do Superior Tribunal de Justiça, não cabia outra conduta à autoridade coatora senão declarar a perda do mandato do parlamentar. “ Como o art. 15, III, da CF/88 é norma constitucional originária, não cabe opor a ela a

regra da irretroatividade, mesmo sendo mais severa, de modo que havendo fato praticado antes de 1988, com condenação criminal após 1988, tem incidência a suspensão dos direitos políticos em face da condenação criminal transitada em julgado (STF, RE 418876/MT, Rel. Min. Sepúlveda Pertence).

Princípio da anterioridade eleitoral - “Art. 16. A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência”. É um caso de eficácia diferida, um exemplo de diferença de vigência e eficácia da lei. O STF insere esta anterioridade como verdadeira cláusula pétrea, verdadeira garantia individual do cidadão-eleitor (ADI 3.685/DF).

Como se viu, não se confundem os conceitos de incompatibilidade, inalistabilidade e inelegibilidade. Inelegibilidade é a privação, pelo conjunto de normas peculiares, do direito eleitoral passivo (direito de ser votado). Pode ser inelegibilidade absoluta (quando não se pode concorrer a nenhum cargo ou função eletiva – inalistáveis: maiores de 16 e menores de 18, conscritos e privados dos direitos políticos e analfabetos) e inelegibilidade relativa (inelegibilidade para determinados cargos ou funções eletivas (art. 14, §7º, IV e §7º). Inalistabilidade é a privação, pelo conjunto das normas específicas, do direito eleitoral ativo (direito de votar). Incompatibilidade é o impedimento de exercer um mandato depois que foi eleito, em determinadas situações.

Também é possível concluir que os direitos políticos perdidos e suspensos podem ser readquiridos: a) por ação rescisória procedente no caso de perda dos direitos políticos por cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado (art. 15, I); b) por Decreto do Presidente da República no caso de perda de direitos políticos pela aquisição voluntária de outra nacionalidade (art. 12, §4º, II c/c Lei 818/49); c) para quem entende que o caso do art. 15, IV, da CF/88 é perda, e não suspensão, a reaquisição também pode acontecer pelo cumprimento das obrigações devidas e anteriormente não cumpridas (no caso de não cumprimento da obrigação a todos imposta). Os suspensos dos direitos políticos readquirem os mesmos automaticamente, com a cessação dos motivos que determinaram a suspensão: cessada a incapacidade civil, cumprida a sentença penal e passado o tempo de suspensão imposta na sentença por improbidade administrativa, voltará a pessoa ao “status quo ante”.

O analfabeto pode propor ação popular? Para propor ação popular, é preciso ser cidadão, nos termos da Lei 4.717/65, art. 1o, e

da Constituição Federal de 1988, art. 5o, inciso LXXII. Deste modo, a resposta à indagação passa inevitavelmente pelo conceito de cidadão.

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A doutrina, por vezes, conceitua cidadão como aquela pessoa titular de direitos políticos de votar e ser votado, e as consequências naturais. Dentro desta perspectiva, obviamente que o analfabeto não poderia ser autor de ação popular, porque nele não se pode votar face a sua inelegibilidade, nos termos do §4º do art. 14 da CF/88.

No entanto, esta conclusão é precipitada, porque há um ostracismo em relação à diferença básica entre inelegibilidade e inalistabilidade, e também em relação à maneira de se adquirir a cidadania.

A inalistabilidade refere-se ao direito político ativo, isto é, o direito de votar (conjunto de normas que possibilitam alguém de participar do processo eleitoral votando), e inelegibilidade refere-se ao direito político passivo, ou seja, direito de ser votado (conjunto de normas que privam alguém de participar do processo eleitoral sendo votado).

A cidadania não se adquire com a completude do direito político ativo e do direito político passivo, e sim pela consecução do direito de votar. A aquisição da cidadania se completa com o alistamento eleitoral, e este é possível para analfabetos (assim como para menores de 18 e maiores de 16 e para os maiores de 70), mesmo sendo facultativos (art. 14, §1º, II).

Ontologicamente, cidadania expressa muito mais que o direito de votar e ser votado, pois entra nos atos necessários para que a pessoa possa estar integrada na sociedade em que vive e participar na formação do governo desta sociedade, com indica o final do inciso LXXVII do art. 5o do nosso texto constitucional em vigor. Deste modo, a cidadania deve ser vista pelo lado ativo de participar da sociedade e formar o governo, e não pelo lado passivo de exercer o governo, sendo votado.

A jurisprudência já firmou posição também que só pode propor ação popular se juntar no processo a prova do título eleitoral, como indicação da cidadania.

Diante de tal explicação, podemos responder dizendo que o analfabeto, para propor ação popular, depende de ter feito seu alistamento eleitoral ou não, já que é facultativo. Se tiver feito o alistamento, e conseguido seu título eleitoral, está legitimado para propor a referida ação, já que será considerado cidadão, na acepção técnica-jurídica da palavra, mas se não tiver feito o alistamento, não tem legitimidade, diante da sua condição não-cívica de não poder utilizar um instrumento político como a ação popular, que é uma forma de participação ativa na vida política do Estado.

v) PARTIDOS POLÍTICOS

O art. 17 da CF/88 traça parâmetros constitucionais para o funcionamento dos partidos políticos. As decisões do STF junto aos Mandados de Segurança 26.602, 26.603 e 26.604, entendendo que o mandato é dos partidos, e não dos parlamentares, fixando então a fidelidade partidária e vedando a troca de partido e a consequente perda do mandato em benefício da legenda, deram aos partidos políticos especial dimensão política no mundo político brasileiro, inclusive os elevando à condição de viga mestra da democracia representativa.

Do art. 17, destaca-se: a) os partidos políticos são pessoas jurídicas de direito privado. Adquirem

personalidade jurídica na forma da lei civil, e devem registrar seus estatutos no TES; b) seus preceitos básicos são: caráter nacional, proibição de recebimento de recursos

financeiros de entidade ou governo estrangeiros ou de subordinação a estes, prestação de contas à Justiça Eleitoral e funcionamento parlamentar de acordo com a lei;

c) na criação, na fusão, na incorporação e até na extinção dos partidos políticos, devem ser resguardados valores constitucionais maiores, como soberania nacional, regime democrático, pluripartidarismo e os direitos fundamentais da pessoa humana. Veja bem que, ao se limitar a fusão de partidos políticos ao pluripartidarismo, há uma proibição implícita de “cartelização”, de modo que, no seio político brasileiro, é necessário a permanência da disputa política, com a correlação governo-oposição. Não podem os principais políticos, por exemplo, se fundirem para criar uma só agremiação, “esmagando” os poucos partidos que continuarem autônomos;

d) os partidos se estruturam basicamente nos seus regimentos internos, que podem ser feitos com autonomia, mas a Constituição determina que devem ser previstos normas de fidelidade e disciplina partidárias. O §1º do art. 17 foi alterado pela EC 52/06, acrescentando que o

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estatuto poderá, também, adotar critérios de escolha e o regime de suas coligações eleitorais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal, acabando com a regra da verticalização imposta pelo TSE;

e) há garantia constitucional aos partidos de receberem recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e à televisão, na forma da lei. A lei reguladora é a Lei 9096/95 (art. 41, II, e arts. 48 e 49). Este último direito é conhecido como “direito de antena”;

f) os partidos políticos não podem utilizar organização paramilitar. Não pode, então, haver vínculo de organização paramilitar com os partidos políticos, ferindo o espírito constitucional qualquer vinculação institucional.

O STF julgou duas ADI´s interessantes sobre o direito de antena e o direito de recebimento de recursos do fundo partidário:

“PARTIDO POLÍTICO - FUNCIONAMENTO PARLAMENTAR – PROPAGANDA PARTIDÁRIA GRATUITA - FUNDO PARTIDÁRIO. Surge conflitante com a Constituição Federal lei que, em face da gradação de votos obtidos por partido político, afasta o funcionamento parlamentar e reduz, substancialmente, o tempo de propaganda partidária gratuita e a participação no rateio do Fundo Partidário. NORMATIZAÇÃO - INCONSTITUCIONALIDADE - VÁCUO. Ante a declaração de inconstitucionalidade de leis, incumbe atentar para a inconveniência do vácuo normativo, projetando-se, no tempo, a vigência de preceito transitório, isso visando a aguardar nova atuação das Casas do Congresso Nacional” (STF, ADI 1351-3/DR, Rel. Min. Marco Aurélio) “MEDIDA CAUTELAR EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE . SUSPEIÇÃO DE MINISTRO DA CORTE: DESCABIMENTO. PARTIDOS POLÍTICOS . LEI Nº 9096 , DE 19 DE SETEMBRO DE 1995. ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 013 E DAS EXPRESSÕES A ELE REFERIDAS NO INCISO 0II DO ART. 041 , NO CAPUT DOS ARTS. 48 E 49 E AINDA NO INCISO 0II DO ART. 057 , TODOS DA LEI Nº 9096 /95 . 1. Manifestação de Ministro desta Corte, de lege ferenda, acerca de aperfeiçoamento do processo eleitoral , não enseja declaração de suspeição. Descabimento de sua arguição em sede de controle concentrado . Não conhecimento. 2. O artigo 013 da Lei n° 9096 , de 19 de novembro de 1995, que exclui do funcionamento parlamentar o partido político que em cada eleição para a Câmara dos Deputados, não obtenha o apoio de no mínimo cinco por cento dos votos válidos distribuídos em , pelo menos, um terço dos Estados, com um mínimo de dois por cento do total de cada um deles, não ofende o princípio consagrado no artigo 017 , seus incisos e parágrafos, da Constituição Federal. 3. Os parâmetros traçados pelos dispositivos impugnados constituem-se em mecanismos de proteção para a própria convivência partidária, não podendo a abstração da igualdade chegar ao ponto do estabelecimento de verdadeira balbúrdia na realização democrática do processo eleitoral. 4. Os limites legais impostos e definidos nas normas atacadas não estão no conceito do artigo 13 da Lei nº 9096 /95, mas sim no do próprio artigo 017 , seus incisos e parágrafos, da Constituição Federal , sobretudo ao assentar o inciso 0IV desse artigo , que o funcionamento parlamentar ficará condicionado ao que disciplinar a lei. 5. A norma contida no artigo 013 da Lei nº 9096 /95 não é atentatória ao princípio da igualdade ; qualquer partido , grande ou pequeno, desde que habilitado perante a Justiça Eleitoral, pode participar da disputa eleitoral, em igualdade de condições, ressalvados o rateio dos recursos do fundo partidário e a utilização do horário gratuito de rádio e televisão - o chamado "direito de antena" -,ressalvas essas que o comando constitucional inscrito no artigo 017, § 003 º, também reserva à legislação ordinária a sua regulamentação. 6. Pedido de medida liminar indeferido” (STF, ADI 1354-8/DF, Rel. Min. Marco Aurélio).