aula sobre adpf 54

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Aula Filosofia Geral e Jurídica – Julgamento da ADPF 54 Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: § A Argüição de descumprimento de preceito fundamental, decorrente desta Constituição, será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma da lei . Lei 9.882/99 ADPF: Trata-se de ação objetivada à garantia do cumprimento, pelo Poder Público, dos preceitos mais importantes da Constituição Federal. A arguição de descumprimento de preceito fundamental só é cabida quando não exista outro instrumento jurídico hábil para sanar a lesão. Casos difíceis ou “hard cases” são aqueles que não encontram solução tranquila no ordenamento jurídico, em face da existência de conflitos existentes entre as diferentes normas constitucionais incidentes sobre a matéria”. Há muitas situações em que não existe uma solução pré-pronta no Direito. A solução terá de ser construída argumentativamente, à luz dos elementos do caso concreto, dos parâmetros fixados na norma e de elementos externos ao Direito. São os casos difíceis. Portanto, casos difíceis são aqueles que, devido a razões diversas, não tem uma solução abstratamente prevista e pronta no ordenamento, que possa ser retirada de uma prateleira de produtos jurídicos. Eles exigem a construção artesanal da decisão, mediante uma argumentação mais elaborada, capaz de justificar e legitimar o papel criativo desempenhado pelo juiz na hipótese. O tema da referida ADPF é problemático porque não tem uma resposta imediata, válida e aceitável, posto de um lado, em princípio, há o legítimo interesse da mulher de gestar um feto viável ou de ser mãe de uma criança saudável; e do outro, há a defesa do gênero humano em si, independentemente de sua viabilidade, seja na fase intra-uterina, seja fora do útero materno ou em qualquer situação. E há, ainda, a perspectiva do feto anencefálico, ser desprovido de razão, ciência e absolutamente alheio a todo esse embate. PRECEITO FUNDAMENTAL Argumentado ADPF 54 A Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde do Brasil ingressou com uma ação de arguição de descumprimento de preceito fundamental no Supremo Tribunal Federal (ADPF n.º 54) pedindo que a Corte Constitucional conferisse ao Código Penal uma interpretação conforme a

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Page 1: Aula Sobre ADPF 54

Aula Filosofia Geral e Jurídica – Julgamento da ADPF 54

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

§ 1º A Argüição de descumprimento de preceito fundamental, decorrente desta Constituição, será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma da lei.

Lei 9.882/99

ADPF: Trata-se de ação objetivada à garantia do cumprimento, pelo Poder Público, dos preceitos mais importantes da Constituição Federal. A arguição de descumprimento de preceito fundamental só é cabida quando não exista outro instrumento jurídico hábil para sanar a lesão.

Casos difíceis ou “hard cases” são aqueles que não encontram solução tranquila no ordenamento jurídico, em face da existência de conflitos existentes entre as diferentes normas constitucionais incidentes sobre a matéria”. 

Há muitas situações em que não existe uma solução pré-pronta no Direito. A solução terá de ser construída argumentativamente, à luz dos elementos do caso concreto, dos parâmetros fixados na norma e de elementos externos ao Direito. São os casos difíceis.

Portanto, casos difíceis são aqueles que, devido a razões diversas, não tem uma solução abstratamente prevista e pronta no ordenamento, que possa ser retirada de uma prateleira de produtos jurídicos. Eles exigem a construção artesanal da decisão, mediante uma argumentação mais elaborada, capaz de justificar e legitimar o papel criativo desempenhado pelo juiz na hipótese. O tema da referida ADPF é problemático porque não tem uma resposta imediata, válida e aceitável, posto de um lado, em princípio, há o legítimo interesse da mulher de gestar um feto viável ou de ser mãe de uma criança saudável; e do outro, há a defesa do gênero humano em si, independentemente de sua viabilidade, seja na fase intra-uterina, seja fora do útero materno ou em qualquer situação. E há, ainda, a perspectiva do feto anencefálico, ser desprovido de razão, ciência e absolutamente alheio a todo esse embate.

 PRECEITO FUNDAMENTAL Argumentado

ADPF 54 A Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde do Brasil ingressou com uma ação de arguição de descumprimento de preceito fundamental no Supremo Tribunal Federal (ADPF n.º 54) pedindo que a Corte Constitucional conferisse ao Código Penal uma interpretação conforme a Constituição e declarasse que o aborto de fetos anencéfalos não é crime, para que, sem redução de texto, seja declarada a inconstitucionalidade de qualquer interpretação que obste a realização voluntária do aborto de feto anencefálico.

A mencionada ADPF 54 tem como objetivo, em síntese, desautorizar a punição criminal em sede de aborto de feto anencefálico, porquanto haveria tão-somente a antecipação terapêutica do parto, visto que o feto portador de anencefalia não tem qualquer perspectiva de vida extra-uterina e sendo inviável a sua sobrevida, não estaria esse feto protegido pela legislação penal.

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PROCESSO - SANEAMENTO - AUDIÊNCIA PÚBLICA.1. Em substituição ao Colegiado, porque véspera das férias coletivas de julho de 2004, sem possibilidade de submissão do pleito de liminar ao Plenário, prolatei a seguinte decisão (folha 158 a 164):ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL - LIMINAR - ATUAÇÃO INDIVIDUAL - ARTIGOS 21, INCISOS IV E V, DO REGIMENTO INTERNO E 5º, § 1º, DA LEI Nº9.882/99.LIBERDADE - AUTONOMIA DA VONTADE - DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA - SAÚDE - GRAVIDEZ - INTERRUPÇÃO - FETO ANENCEFÁLICO.

Neste passo, tanto a ação quanto a omissão do Poder Público podem ser objeto de uma ADPF, basta que haja violação. Portanto somente o caso concreto permite que se tenha acesso aos preceitos fundamentais, sejam eles princípios constitucionais, fundamentos da república, clausulas pétreas. Assim, seja qual for a definição, o que importa é que ela corrobore os dizeres constitucionais, mantendo a essência e o seu espírito da Constituicão.

http://academico.direito-rio.fgv.br/wiki/Conceito_de_preceito_fundamental

Conceito de aborto Aborto é a interrupção da vida intra-uterina, com a destruição do produto da concepção (MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal: parte especial. São Paulo: Atlas, 24ª ed., 2006, p. 62).

O aborto no Brasil é crime?SIM. O aborto no Brasil é crime, tipificado nos arts. 124, 125 e 126 do Código Penal.

Exceções em que o aborto não é crime no Brasil:O Código Penal, em seu art. 128, traz duas hipóteses em que o aborto é permitido:Inciso I: se não há outro meio de salvar a vida da gestante (é o chamado “aborto necessário”).Inciso II: no caso de gravidez resultante de estupro (“aborto humanitário”).

Segundo o texto do CP, essas seriam as duas únicas hipóteses em que o aborto seria permitido legalmente no Brasil.

Feto anencéfaloFeto anencéfalo é aquele que,  “por malformação congênita, não possui uma parte do sistema nervoso central, ou melhor, faltam-lhe os hemisférios cerebrais e tem uma parcela do tronco encefálico (bulbo raquidiano, ponte e pedúnculos cerebrais)” (DINIZ, Maria Helena. O Estado atual do biodireito. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 281)

Principais argumentos utilizados na ADPF:A ação foi assinada pelo grande constitucionalista Luis Roberto Barroso e tinha, entre outros, os seguintes argumentos: Como o feto anencéfalo não desenvolveu o cérebro, ele não teria qualquer condição de sobrevivência extrauterina; Perdurar a gestação por meses seria apenas prolongar o sofrimento da mãe considerando que a morte da criança ao nascer, ou mesmo antes do parto, seria cientificamente inevitável;

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Rigorosamente, não haveria nem mesmo aborto porque o feto anencéfalo é desprovido de cérebro e, segundo a Lei n.º 9.434/1997, o marco legislativo para se aferir a morte de uma pessoa ocorre no momento em que se dá sua morte cerebral.

Argumentos contrários à ADPF:Outros setores da sociedade e, em especial a Igreja Católica, mostraram-se completamente contrários à possibilidade de aborto de fetos anencefálicos. Para tanto, valeram-se das seguintes razões: O feto já pode ser considerado um ser humano e deve ter seu direito à vida respeitado; Haveria chances de sobrevivência extrauterina, como no caso raro de uma criança chamada Marcela de Jesus Galante Ferreira, que foi diagnosticada como feto anencéfalo, mas teria sobrevivido alguns meses após o parto (conhecido como “Caso Marcela”). (obs: os médicos rechaçam essa afirmação, sustentando que não se trataria de feto anencéfalo, tendo havido erro no diagnóstico); A legalização do aborto de fetos anencefálicos representaria o primeiro passo para a legalização ampla e irrestrita dos abortos no Brasil; O aborto de fetos anencefálicos seria um tipo de aborto eugênico, isto é, uma espécie de aborto preconizada por regimes arianos, como o nazista, no qual se eliminariam indivíduos com deficiências físicas ou mentais, em uma forma de purificação da raça.

Medida cautelar concedida pelo Min. Marco AurélioEm 1º de julho de 2007, o Min. Marco Aurélio, do STF, concedeu, em decisão monocrática, medida cautelar na referida ação, declarando que não haveria crime nesses casos e determinando a suspensão dos processos que versassem sobre o tema.O Pleno do STF se reuniu, cassou a liminar concedida pelo Relator, mas determinou que os processos que tratassem sobre o assunto em outros juízos continuassem suspensos.

CNBB como amicus curiaeEm seguida, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) chegou, inclusive,

a pedir para intervir na ADPF como amicus curiae (intervenção processual atípica de terceiros), o que, no entanto, foi negado pelo Ministro Relator da ação sob o argumento de que a Lei 9882, que regulamenta a ADPF, não prevê tal hipótese.

ADPF como instrumento para discutir o tema

Antes de examinar o mérito, ainda no julgamento da cautelar concedida pelo Min. Marco Aurélio, o Procurador Geral da República suscitou uma questão de ordem no sentido de que a ADPF não seria o meio processual adequado para tratar sobre tal tema. O STF, no entanto, rejeitou a questão de ordem e, por 7 votos contra 4 (à época) declarou que não havia qualquer empecilho processual e que a ADPF poderia ser utilizada para discutir o assunto.

Alguns autores a exemplo de RAMOS (1994:114) critica a ADPF justamente pela sua característica "abstrata", por ser frágil e ainda mais delicado se for analisada a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF). Ainda que o STF tenha dado pouco alcance ao instituto, eis que o vê apenas em situações excepcionais, somos da opinião de que é de especial valia no controle da administração, principalmente quando não se pode atacar o mérito das decisões administrativas em razão da discricionariedade do Poder Público.

Page 4: Aula Sobre ADPF 54

Leia mais: http://jus.com.br/artigos/6237/o-que-sao-os-preceitos-fundamentais-garantidos-pela-arguicao-descumprimento-de-preceito-fundamental-adpf#ixzz2t1Miuzuw

Audiências públicasEm agosto e setembro ( Dia 26/08/2008, Dia 28/08/2008, Dia 04/09/2008, Dia

16/09/2008 e dia 16/09/2008), durante quatro dias é então realizada a primeira audiência pública no Judiciário brasileiro. No despacho convocatório o Relator deixa acentuada a necessidade de se ouvir profissionais não apenas sobre a questão de fundo, mas também sobre matéria especializada.

Nas palavras do Ministro Marco Aurélio, “não há ainda um convencimento seguro a respeito da matéria”.

Conforme destaca o Ministro Gilmar Mendes, então presidente da Corte, “também é uma atitude de humildade e modéstia do Tribunal que busca auscultar os mais diversos setores para ter uma decisão devidamente informada.”

Tais passagens, destacadas nos termos exatos dos registros oficiais, nos permitem concluir que mais importante do que apurar os interesses dos movimentos sociais e religiosos é obter informação dos especialistas. No caso problemas relativos à precisão do diagnóstico e comprovação de possibilidade de sobrevivência dos fetos anencefálicos apresentam-se como pontos principais.

Da perspectiva propriamente jurídica, cuida-se de verificar se a interrupção da gravidez de feto anencéfalo enquadra-se ou não na hipótese do aborto, tipificado como crime no direito brasileiro. Nesse sentido, a distinção entre vida viável e vida inviável é determinante. Argumenta-se que o aborto é a interrupção de uma vida viável, enquanto a ausência de cérebro, ao impedir a sobrevida após o parto, o desqualifica. O esforço de tipificar o ato conforme o prescrito em lei levou, no caso, à utilização de terminologia distinta: em lugar de aborto, passou-se a falar em interrupção da gravidez, destacada a hipótese da anencefalia.

A audiência pública foi convocada por força de despacho, e mediante ofício, onde se encontram já arroladas as autoridades chamadas a se pronunciar. Dele constam não apenas as entidades que antes haviam solicitado a participação no processo como amicus curiae, mas outras convidadas.

Neste rol encontramos associações de natureza científica, comunitária e religiosa como a Academia Fluminense de Medicina, o Conselho Federal de Medicina, o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, a Igreja Universal, a Associação Medico-Espírita do Brasil, o Movimento “Brasil sem aborto”, A Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia, e assim sucessivamente, num total de 22 entidades e 29 participantes efetivos.

http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=01d8bae291b1e472

Chega ao fim audiência pública sobre interrupção de gravidez por anencefalia

Foram quatro dias de argumentos, opiniões, palestras e dados científicos. De um lado, defensores do direito das mulheres de decidir sobre prosseguir ou não com a gravidez de bebês anencéfalos. Do outro, aqueles que acreditam ser a vida intocável, mesmo no caso de feto sem cérebro.

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Na audiência pública proposta pelo relator da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 54, ministro Marco Aurélio, foram ouvidos representantes de 25 diferentes instituições, ministros de Estado e cientistas, entre outros.

Eles expuseram suas posições na tentativa de trazer clareza ao tema, que será votado pelos onze ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Esta foi a terceira audiência pública promovida na história da Corte.

Considerações Finais

Palavras do Advogado Barroso:

"Viola a dignidade da pessoa humana o Estado obrigar uma mulher a passar por todas as transformações físicas e psicológicas pelas quais passa uma gestante, só que nesse caso ela estará se preparando para o filho que não vai chegar. O parto para ela não será uma celebração da vida, mas um ritual de morte. Essa mulher não sairá da maternidade com um berço, mas com um pequeno caixão. E terá de tomar remédios para secar o leite que produziu para ninguém", afirmou.

De acordo com o advogado, levar ou não a gestação adiante tem de ser uma escolha da mulher: "Esta é a sua tragédia pessoal, a sua dor. Cada pessoa, nessa vida, deve poder decidir como lidar com o próprio sofrimento. O Estado não tem o direito de querer tomar essa decisão pela mulher. Viola a dignidade da pessoa humana submetê-la a um sofrimento inútil e indesejado".

http://www.abortoemdebate.com.br/arquivos/FundamentosBarroso.pdf