aula - justo a mim me coube ser eu

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  • 7/24/2019 Aula - Justo a Mim Me Coube Ser Eu

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    Dulce Critelli - (Folha de S. Paulo - 22/07/2009)

    "Justo a mim me coube ser eu"

    !uado #ercebo $ue um %esto $ual$uer &ai a'etar o meu destio sitomedo a%stia suo 'rio teho &erti%es adoe*o. +iha alma %rita $ue,o &ai dar certo e me lembra $ue o meu molde 'oi $uebrado

    Toda vez que minha av paterna me dizia que o molde em que fui feita foraquebrado quando nasci, eu achava que ela estava me elogiando. Acreditava quesomente eu era "nica" no mundo. Aos poucos, fui percebendo meu engano.Primeiro, porque, em vez de me tornar diferente, o fato de ser uma criatura nicaera o que me igualava a todos os seres humanos. Entendi que parte da nossacondi!o humana sermos indiv#duos e$clusivos. %ela ningum escapa. Em segundolugar, porque essa e$clusividade & recebida com meu nascimento & no me foi dadaassim de mo bei'ada. (em veio pronta nem tinha um manual. Ela se parece comaquelas massinhas de modelar que, quando a gente ganha, ganha s a massa, noa forma, e o resultado sempre o fruto de um longo processo de faz e desfaz.)edo percebi que 'amais teria sossego e que teria muito trabalho. T#pico presentede grego, uma armadilha. Encontrei eco para o meu espanto nas palavras da*afalda, a famosa personagem de +uino, o cartunista argentino, no momento emque ela diz "-usto a mim me coube ser eu". /er quem s a gente mesmo pode ser quase uma desola!o. +uem eu sou e deverei ser0 *inha individualidade um

    mistrio.+uantas vezes eu no preferi ser outra pessoa /e no, pelo menos pensei se noseria melhor ter nascido em outra fam#lia, em outra poca, com outra situa!o1nanceira, outra cara, outro corpo, outro temperamento. Ainda mais porque,aparentemente, sempre soube resolver a vida dos outros muito melhor do que aminha prpria.Para ser sincera, quando penso que o meu "eu" est2 aberto, o que sinto mesmo um grande al#vio. /e eu tivesse nascido pronta, no teria conserto. E se nohouvesse remdio para os meus erros e uma chance para os meus fracassos0 E seeu no pudesse mudar de ponto de vista, de gosto, de planos, de opinio0 E se euno tivesse escolhas nem alternativas0*as tambm ve'o um lado sombrio em ser um pro'eto aberto o de nunca tercerteza, sobretudo de antemo, de ter tomado a atitude certa, de ter feito a escolhamais apropriada 3 aquela em que no me traio. +uando percebo que um gestoqualquer vai afetar o meu destino, sinto medo, angstia, suo frio, tenho vertigens,adoe!o. A#, a tenta!o de pegar carona na escolha dos outros ou no estilo de vida

    deles grande, mas minha alma grita que no vai dar certo e me lembra que o meumolde foi quebrado, que ele e$clusivo.4evei muito tempo para entender que minha e$clusividade no est2 simplesmenteem mim, na minha cor de olhos ou nos meus talentos mais especiais. Ela est2sempre lan!ada adiante de mim como um desa1o, como um destino a que tenho dechegar, como uma histria que tem de ser vivida. *inha e$clusividade & eu mesma &vir2 apenas quando eu puder a1rmar que a histria que vim realizando s eu & eningum mais & poderia t5&la vivido.6 a isso que a personagem Amparo, no 1lme de Almodvar "Tudo /obre *inha*e", se refere quando a1rma que ela tanto mais aut5ntica quanto mais pertoestiver daquilo que pro'etou para si mesma. 7ala com orgulho e alegria, revelando,assim, que desvendou o mistrio que envolve o problema de ser quem somosautenticar nossa biogra1a. Avaliz2&la.8nde estou, seno no rastro da histria que venho dei$ando atr2s de mim, naquiloque vim fazendo e dizendo0 8nde estou, seno nessa biogra1a que realizo eatualizo a cada instante por meio das minhas decis9es e do meu empenho0

    :o'e no importa mais se sou diferente dos outros, mas se fa!o alguma diferen!aneste mundo.

    %;4)E ) e-mail???.dulcecritelli@e$istentia.com.br