aula 6 - luzes e cores na exposição

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41 DEPARTAMENTO: Estudos e Processos Museológicos DISCIPLINA: Comunicação em Museus I Professora: Helena Cunha de Uzeda emali: [email protected] AULA 6 – INTRODUÇÃO AO ESTUDO DAS CORES Leonardo da Vinci (1452-1519) em suas anotações, que resultaram do Tratado da Pintura e da Paisagem (http://www.marceloduprat.net/Textos/Leonardo.pdf ), afirma que a cor não se constituía numa propriedade dos objetos, como colocara Aristóteles na Antigüidade, e sim uma propriedade da luz. Para Da Vinci, todas as cores poderiam ser formadas a partir do vermelho, do verde, do azul e do amarelo, destacando que o branco e o preto não eram cores, mas extremos da luz. Da Vinci observou, bem antes dos pintores impressionistas, que a sombra poderia ser colorida, chegando a tentar construir um aparelho para medir a luz, o que seria o precursor do fotômetro. O físico inglês Isaac Newton (1642-1727) observou como um raio de sol que entrava pela janela se decompunha nas sete cores do espectro ao atravessar um prisma de vidro que comprara (na verdade, um peso de papel): raios de luz vermelho, alaranjado, amarelo, verde, azul anil e violeta – um verdadeiro arco-íris de luz. Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832), que se celebrizou na literatura romântica, sendo o autor de Fausto e de Os Sofrimentos do Jovem Werther, publicou em 1808 a Teoria das Cores. Essa sua incursão na ciência contrariou a teoria newtoniana, que considerava a cor como uma propriedade da luz e, portanto, subordinada ao estudo desta. A doutrina das cores de Goethe não aceitava que a luz branca fosse composta por todas as luzes coloridas, como afirmava Newton, e nem que a cor era um fenômeno apenas físico. Para Goethe, as cores deveriam ser entendidas como um fenômeno fisiológico e psíquico. O estudo de Goethe sobre as cores (cerca de 2mil páginas com 80 pranchas coloridas) é considerado o trabalho mais especulativo até hoje realizado sobre o assunto (Barros: 2007, p.271), abordando a utilização estética das cores, destacando influências de elementos como a física, a química, a filosofia e a psicologia. Lilian Barros (2007) coloca que a contraposição das visões de Goethe e de Newton sobre as cores revelava o embate entre duas visões de mundo. Enquanto Newton colocava a origem e a natureza da luz como foco de seu estudo, examinando-a numa Goethe – Teoria das Cores (1810)

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    DEPARTAMENTO: Estudos e Processos Museolgicos DISCIPLINA: Comunicao em Museus I Professora: Helena Cunha de Uzeda emali: [email protected]

    AULA 6 INTRODUO AO ESTUDO DAS CORES

    Leonardo da Vinci (1452-1519) em suas anotaes, que resultaram do Tratado da Pintura e da Paisagem (http://www.marceloduprat.net/Textos/Leonardo.pdf ), afirma que a cor no se constitua numa propriedade dos objetos, como colocara Aristteles na Antigidade, e sim uma propriedade da luz. Para Da Vinci, todas as cores poderiam ser formadas a partir do vermelho, do verde, do azul e do amarelo, destacando que o branco e o preto no eram cores, mas extremos da luz. Da Vinci observou, bem antes dos pintores impressionistas, que a sombra poderia ser colorida, chegando a tentar construir um aparelho para medir a luz, o que seria o precursor do fotmetro.

    O fsico ingls Isaac Newton (1642-1727) observou como um raio de sol que entrava pela janela se decompunha nas sete cores do espectro ao atravessar um prisma de vidro que comprara (na verdade, um peso de papel): raios de luz vermelho, alaranjado, amarelo, verde, azul anil e violeta um verdadeiro arco-ris de luz. Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832), que se celebrizou na literatura romntica, sendo o autor de Fausto e de Os Sofrimentos do Jovem Werther, publicou em 1808 a Teoria das Cores. Essa sua incurso na cincia contrariou a teoria newtoniana, que considerava a cor como uma propriedade da luz e, portanto, subordinada ao estudo desta. A doutrina das cores de Goethe no aceitava que a luz branca fosse composta por todas as luzes coloridas, como afirmava Newton, e nem que a cor era um fenmeno apenas fsico. Para Goethe, as cores deveriam ser entendidas como um fenmeno fisiolgico e psquico. O estudo de Goethe sobre as cores (cerca de 2mil pginas com 80 pranchas coloridas) considerado o trabalho mais especulativo at hoje realizado sobre o assunto (Barros: 2007, p.271), abordando a utilizao esttica das cores, destacando influncias de elementos como a fsica, a qumica, a filosofia e a psicologia. Lilian Barros (2007) coloca que a contraposio das vises de Goethe e de Newton sobre as cores revelava o embate entre duas vises de mundo. Enquanto Newton colocava a origem e a natureza da luz como foco de seu estudo, examinando-a numa

    Goethe Teoria das Cores (1810)

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    cmara escura, Goethe se preocupava com o significado das cores para o hom-em, observando o fenmeno ao ar livre, junto natureza, considerando a percepo da cor pela vista humana. Analisando como a cor era percebida pelos indivduos, Goethe colocava o homem como partcipe do fenmeno das cores, colocando-se contra o conhecimento dogmtico e a intransigncia da classe cientfica daquele poca, para quem as hipteses aparentes valiam como verdades abolutas, o que retirava a possibilidade de novas avaliaes.

    as cores so aes e paixes da luz (Goethe, 1996, p.35) A descrio das leis da percepo cromtica, que resultam da interao entre a natureza exterior e interior do indivduo apontada como a grande descoberta de Goethe. SOMBRA E LUZ Para a fsica de Newton - a sombra era apenas a ausncia de luz Para Goethe a sombra era to importante quanto a luz, completando-a. Uma qualidade geral das cores era, justamente, ser metade luz , metade sombra. Cor Fisiolgica de Goethe Na figura abaixo, o cinza do crculo dentro do quadrado o mesmo, mas a sensao visual de que mais claro porque est sobre fundo escuro. Goethe entende que esse tipo de distoro resulta do fato de que o olho humano modifica esses contrastes e afirma que o mundo visvel construmos a partir do claro, do escuro e da cor. (Goethe, 1996, p. 46)

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    Goethe elaborou o primeiro modelo de cr-culo cromtico em 1793, no qual aparecem as seis cores do prisma: vermeho, laranja, amarelo, verde, azul e roxo. A teoria de Goethe coloca o rgo de viso como seu foco de interesse e reafirma a comunicao e os significados das cores para o indivduo, estabelecendo uma liga-o simblica entre cor, percepo e e-moo. A retina dos olhos se ajusta, com-pensando as cores com suas cores com-plementares, que aparecem como opostas no crculo cromtico. O papel simblico e mstico das cores Para Goethe cada cor produzia um efeito especfico sobre o homem, agindo tanto no olho quanto do esprito. Assim, abre-se a possibilidade do uso da cor com finalidades sensveis, morais e estticas. Azul, roxo, violeta sentimentos de nostalgia, ternura ou inquietao; amarelo, laranja e vermelho-alaranjado sentimentos ativos e mais selvagens. Essa viso de Goethe influenciaria a teoria das cores que seria desenvolvida pela escola Bauhaus, na Alemanha (1919-33), a partir de mestres como Kandinsky, Klee e Albers. Referncias Bibliogrficas

    BARROS, Lilian R. M. A Cor no Processo Criativo: um estudo dobre a Bauhaus e a teoria de Goe-the. 2. ed. So Paulo: Editora Senac So Paulo, 2007.

    GOETHE, J. W. Doutrina das Cores. So Paulo: Nova Alexandria, 1996. (original alemo de 1808) PORTO, Antonio e DIAS, Clecio. Psicologia da cor os Efeitos da cor. Disponvel no site:

    www.tci.art.br/cor/efeito.htm. Acesso em 17/12/2006

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    LORD, B., LORD, G. D. Curatoship in the Exhibition Planning Process. In: The Manual of Museum Exihibition. New York: Altamira Press, 2001, p. 166-172. Traduo: Helena Uzeda

    ILUMINAO E CORES NUMA EXPOSIO

    A iluminao e as cores esto intimamente ligadas funo de um espao e podemos dizer que o mesmo ocorre a ambas no caso de um projeto de exposio. Considerando as galerias de um museu como mquinas de percepo, esses dois fatores a ilumi-nao e as cores so fontes vitais para colocar essa mquina em funcionamento. Vamos considerar trs opes de iluminao e cores que afetam os espaos das gale-rias.

    Iluminao natural - proveniente de janelas ou de tetos translcidos Iluminao artificial proveniente de lmpadas e spots. Cores - selecionadas para as paredes, teto e assoalho.

    1. Iluminao natural

    iluminao natural zenital vinda do alto da sala, a partir de aberturas no teto ou de coberturas translcidas iluminadas.

    Iluminao natural lateral que incide horizontalmente, normalmente, atravs de

    vos (aberturas como janelas e portas que deixem passar luz).

    A iluminao zenital a mais recomendvel, j que a luz natural que incide horizon-talmente pode causar reflexos e efeitos fototrpicos ao visitante, atraindo os olhares para a fonte de luz no caso a janela por onde a luz penetra , o que faz com que o ambiente parea mais escuro. Visitantes idosos podem levar muito tempo para ajustar a retina da intensa luminosidade que vem da janela ao acervo em um campo no to iluminado. Dever-se atenuar a iluminao natural das janelas por meio de painis translcidos, que deixem passar apenas a luminosidade desejada. Devemos pensar, tambm, nos tipos de materiais para os quais a luz natural no deve ser admitida de maneira nenhuma como papis e artefatos orgnicos (txteis, pa-pis, plumria etc.), ou orgnicos combinados com inorgnicos por razes de pre-servao.

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    A Iluminao natural zenital acrescenta uma qualidade de luz e cor a um espao clarabias no teto e clerestrios1 funcionam muito bem e alguns museus incluram em seus projetos sistemas mecanizados, que possibilitam essa iluminao quando ela ne-cessria. importante, entretanto, que esses sistemas no tragam problemas de ma-nuteno, como limpeza difcil ou infiltraes de chuva para dentro do espao expositi-vo. A luz natural costuma variar durante as estaes do ano e mesmo durante um mesmo dia, fazendo necessrio que exista sempre uma iluminao artificial suplemen-tar, que possa ser acionada automaticamente por sensores, quando o espao estiver abaixo do padro de iluminao desejado. Essas luzes devem ser incorporadas inci-dncia da luminosidade exterior, reforando de forma indireta a iluminao natural. 2. Iluminao Artificial Considerando que todos os padres para iluminao devem ser obedecidos, de forma a no causar danos futuros ao acervo, vamos nos ater a seguir a trs diferentes funes de iluminao dentro de um museu.

    Iluminando as atividades internas iluminao de servio, que deve ser aciona-da durante a montagem das exposies e a limpeza e manuteno das galerias.

    Iluminando o ambiente com a inteno de proporcionar conforto para o deslo-camento dos visitantes, o que inclui a iluminao de escadas, corredores, ambi-entes comuns e acessos de emergncia.

    Iluminando a exposio com a inteno de realar obras individuais, vitrine ou outros componentes da exposio.

    A iluminao suspensa da galeria de exposies , normalmente, incandescente, en-quanto a do ambiente e a para as atividades de rotina do museu so fluorescentes. O sistema de trilhos de iluminao suspensos deve cobrir o mximo possvel as reas da exposio, sendo teis tanto para as exibies de pinturas e esculturas, quanto pa-ra as exposies temticas, assim como galerias de cincias e espaos interativos. Esses trilhos de iluminao podem conter tambm pontos de iluminao para o ambi-ente. O quadro de controle da iluminao deve estar acessvel ao pessoal do museu (mas no do pblico), para que seja possvel alterar a iluminao por meio de controle de dimmers.

    1 Clerestrio uma srie de aberturas, como janelas, localizadas numa altura superior que ga-

    rante iluminao natural, muito usado nas catedrais medievais.

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    Iluminando as atividades internas Essa iluminao deve ser acionada durante as montagens e desmontagens das exposies e durante os trabalhos de limpeza e manuteno das galerias. Iluminando os ambientes Fachada A iluminao da fachada externa dos mu-seus deve fazer parte de sua identidade institu-cional. Pode precisar de uma fachada chamativa e dramtica, o que exigir luzes certas e posicio-namento adequado como ferramentas. Alm da iluminao bsica, a colocao de spots ilumi-nando de baixo para cima, confere uma aparn-cia dramtica iluminao. (NT. direita, a fa-cha,da do Museu Imperial de Petrpolis, ilumina-da noite.) Conforto para os visitantes Para garantir segurana dos visitantes e funcionrios nos deslocamentos pelas esca-das, corredores, ambientes comuns (livrarias, sanitrios, acessos de emergncia, etc) Iluminando a Exposio

    Iluminando paredes Lmpadas exatamente iguais geram iluminao diferente dependendo da distncia em que so colocadas da parede. Quanto mais prximas as lmpadas, mais fortes e defini-dos sero os raios luminosos que produziro; quanto mais distantes, mais difusos e fra-cos. Veja as figuras a seguir:

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    Nveis de iluminao

    Materiais insensveis luz: (+ de 200 lux) Metal Pedra Vidro Esmalte Cermica

    Materiais sensveis luz: (mximo de 150 lux)

    Pinturas a leo Couro sem tingir Laca Madeira Osso

    Materiais muito sensveis luz: (mximo de 50 lux)

    Tecidos Couros Tingidos Aquarelas Desenhos Selos Manuscritos Mveis

    Conjunto de lmpadas colocado a 15 cm de distncia da parede

    Conjunto de lmpadas colocado a 65 cm de distncia da parede

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    CORES Cores na Galeria

    H tantas vises sobre o uso adequado de cores no espao de uma exposio quanto existem curadores e designers. Estudos j mostraram que as cores nos afetam psico-logicamente tanto acalmando quanto excitando, encorajando pensamentos e estimu-lando a imaginao.

    Fatores como a permanncia curta de exposies temporrias e o custo de repintura entre essas exposies, ou a necessidade de um fundo contrastante com determina-do acervo, pode guiar a escolha das cores. Uma galeria preparada para receber uma exposio de longa durao pode pensar em usar cores dramticas e especficas pa-ra determinado acervo. Por outro lado, um espao que regularmente reinstala diferen-tes exposies deve preferir um esquema de cores neutras e bsicas que possa ade-quar-se a diferentes exibies. A maioria dos museus atualmente repinta suas galeri-as a cada nova exposio.

    Em museus interativos, como os de cincias ou para crianas, nos quais vrios mdu-los so distribudos em grandes espaos, as cores podem funcionar guiando o olhar e as etapas, dando a cada uma determinada energia.

    interessante que o teto das galerias seja branco, de forma a refletir sua luminosida-de na cor das paredes. A tinta branca tem a vantagem de absorver raios ultravioleta. Uma parede quase branca e que funciona muito bem em exposies de galerias de arte pode ser conseguida adicionando-se uma pequena quantidade de pigmento ver-de.

    bom ter em mente que o branco, o cinza e o bege no so as nicas cores neutras; muitas cores podem ser acinzentadas criando fundos neutros.

    Outra soluo que vem sendo muito adotada em exposies temticas o efeito cai-xa-preta, com a cor preta ou outra cor escura em tons foscos sendo utilizada nas pa-redes e teto para tornar os grandes espaos da exposio invisveis ao olhar. Esse recurso leva o visitante a se focar nos elementos exibidos sob iluminao especial.

    Referncias ELIADE, Mircea. Imagens e Smbolos: Ensaio sobre o simbolismo mgico-religioso. So Pau-lo, Ed. Martins Fontes, 1996

    BARROS, Lilian Ried Miller. A Cor no Processo Criativo: um estudo sobre a Bauhaus e a teo-ria de Goerthe (2 Ed) So Paulo: Senac So Paulo, 2007. GOETHE, J.W. Doutrina das Cores. So Paulo, Ed. Nova Alexandria, 1996.