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Aspectos sagrados dos elementos simbólicos Cristiane Queiroz Borges Docente Mestre em Alimentos, Nutrição e Saúde

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  • Aspectos sagrados dos elementos simblicos

    Cristiane Queiroz BorgesDocente

    Mestre em Alimentos, Nutrio e Sade

  • Alimentao e diversidade cultural

    Mltiplos aspectos da alimentao tm estado bastante presentes na mdia brasileira e uma quantidade expressiva de publicaes tem se dedicado a esse

    tema, seja propondo dietas para perder ou ganhar peso, para robustecer msculos, para melhorar a sade e para diversificar e sofisticar o cardpio, com

    inmeras receitas de pratos de regies do pas e tambm da culinria internacional.

    Um breve olhar sobre essa produo pode trazer tona alguns aspectos da alimentao e detectar certas

    tendncias em torno do preparo da comida.

  • Alimentao e diversidade cultural

    Uma tendncia, talvez a mais relevante, retira o processamento de alimentos da cozinha, isto dos fundos da casa, de sua parte

    menos nobre, e atribui novo significado a essa prtica, dotando-a de valor simblico mais elevado.

    Outra tendncia que abre caminho para dessexualizar, pelo menos relativamente,

    o ato de cozinhar.

  • Alimentao e diversidade cultural

    A culinria deixa de ser, ao menos na aparncia, uma tarefasexuada, vale dizer feminina, prescrita pela diviso sexual dotrabalho e que uma caracterstica bastante relevante a serdiscutida.

    Alm de conquistar um lugar social nobilitado, o preparo dealimentos adquire caracterstica de atividade agradvel,repousante, que permite a cada um exercer sua criatividade eexibi-la para amigos em ambiente informal, oposto ao universoestressante e formal do trabalho.

  • Alimentao e diversidade cultural

    Se o preparo de comida adquire expressiva visibilidade social no presente, o interesse da antropologia pela

    alimentao tem sido constante, porque ela faz parte de um conjunto de experincias humanas.

    No Brasil, j em 1933, quando publicou Casa-Grande & Senzala, Gilberto Freyre recenseou e registrou no apenas

    hbitos alimentares, mas inclusive reuniu receitas de vrios pratos em seus livros.

  • Alimentao e diversidade cultural

    Embora nem sempre ocupe lugar central nos trabalhosantropolgicos, a anlise de hbitos alimentares aparece associadaa temas diversos, sobretudo com nfase na dimenso simblicapresente na produo de alimentos e no preparo da comida.

    Esses trabalhos exemplificam que comida uma categoria bastante relevante atravs da qual as sociedades constroem representaes sobre si prprias, definindo sua identidade em relao a outras, das quais diferenciam- se nos hbitos alimentares, que constituem elementos significativos para se pensar a identidade social de seus consumidores.

  • Alimentao e diversidade cultural

    A alimentao no ato solitrio, mas atividade social,sempre envolve outras pessoas na produo de alimentos

    preparo e comensalidade

    Ressalte-se ainda o aspecto esttico da alimentao, presente na exposio da comida mesa, na riqueza de formas, cores, odores,

    bem como a dimenso ertica de alimentos culturalmente classificados como afrodisacos.

    Assim, a alimentao s pode ser entendida como processo social complexo que envolve diferentes esferas

    da vida social, inclusive a dimenso do sagrado.

  • A dimenso simblica e as regras dietticas

    O ato de alimentar-se sempre mediado por regras dietticas, cujas origens e finalidades so mltiplas e so elaboradas a partir de diversas formas de saber, como o conhecimento cientfico, o senso comum, as religies, que criam interdies para excluir do cardpio alimentos considerados culturalmente como nocivos.

  • A dimenso simblica e as regras dietticas

    Assim, pode-se comer animais que tm unha fendida dividida em duas e queruminam, como boi, ovelha, cabra; mas so impuros e imprprios para oconsumo aqueles que s apresentam uma dessas caractersticas, como camelo,lebre, porco, com unha fendida, mas que no so ruminantes. Dos que vivem nagua so comestveis aqueles com barbatanas e escamas, mas so imundos osque no tm essas duas caractersticas.

    Essas interdies esto relacionadas idia de santidade, de integridade. A raiz de santidade significa colocar

    separadamente, estabelecer a ordem correta, fundada no sagrado.

  • A dimenso simblica e as regras dietticas

    Os tabus alimentares visam separar alimentos cuja ingesto pode poluir quem os consome.

    A noo de poluio, de sujeira, no est relacionada a questes de higiene, tampouco visa proibir a utilizao de alimentos que representem ameaa higidez. As proibies do consumo de

    determinados alimentos no pretendem proteger o organismo biolgico, mas objetivam defender o organismo social dos

    membros de determinado grupo religioso, fixando suas identidades em contraponto identidades de participantes de

    outros grupos religiosos.

  • A dimenso simblica e as regras dietticas

    Essas regras dietticas no tm apenas carter prtico, fundado no conhecimento acerca das propriedades dos alimentos, mas fazem parte de um sistema simblico mais amplo, ancorado na

    idia de sagrado.

    No basta ter acesso ao saber cientfico para modificar costumes alimentares, pois eles no esto fundados to

    somente na racionalidade humana. Esta certamente existe, mas convive tensamente com valores simblicos e com os prazeres propiciados pela comida, sejam eles gustativos, psicolgicos ou sociais, isto , provenientes

    das relaes criadas em torno das refeies.

  • A dimenso simblica e as regras dietticas

    De fato, a humanidade come de tudo; inclusivea si prpria, como mostra a prtica do canibalismo.

    Neste caso, ingerir o corpo do outro pode representaruma maneira de t-lo simbolicamente pertode si e de superar a dor do luto e da perda.

  • Afeto e comensalidadeO carter social da alimentao est presente desde o nascimento. O leite

    materno o primeiro alimento oferecido ao ser humano e sua ingesto envolve o contato com o corpo da me, mediado pelo seio. Por isso, desde o incio da

    vida humana a alimentao est associada tanto a afeto e proteo quanto seu preparo est indelevelmente ligado ao universo feminino.

    tarefa da mulher.

    essas tarefas so consideradas menos dignas do que o trabalho masculino, o

    que contribui para deixar de lado a investigao mais acurada do preparo

    de alimentos.

    Essa estreita vinculao prossegue durante a existncia humana

    devido diviso sexual do trabalho

  • Afeto e comensalidade

    A dimenso afetiva da alimentao, que engloba a relao com o outro, est presente nas refeies familiares, momentos de

    encontro, de conversao e de troca de informaes, isto , da criao e manuteno de formas de sociabilidade bastante ricas e

    prazerosas. Certamente o repasto familiar jamais se caracteriza unicamente pela positividade de relaes harmoniosas e de

    solidariedade. Ao contrrio, pode constituir cenrio para disputas intensas entre comensais.

    Contudo, essa dicotomia constitutiva de todas as relaes sociais e harmonia no elimina a presena do

    conflito e vice-versa.

  • Afeto e comensalidade

    No entanto, hoje almoa-se principalmente com amigos, com colegas de trabalho, ou com desconhecidos

    que se sentam mesma mesa. Nesse ltimo caso, a sociabilidade durante as refeies quase desaparece, mas pode ser momento para entrar em contato com

    quem se partilha a mesa e para dar incio conversao, mesmo que seja transitria e limitada quele momento.

  • Alimentao, famlia e pobreza

    A comida uma categoria atravs da qual os pobres pensam sua relao com os ricos que no enfrentam necessidades

    alimentares e com os muito pobres, que passam fome. Desse modo, a categoria comida estabelece fronteiras entre a identidade

    de pobres, dos ricos e dos muito pobres.

    Para a populao de baixa renda os alimentos so classificados entre os que so comida, como arroz, feijo, carne. Em suas representaes so

    alimentos fortes que sustentam e se contrapem a verduras, legumes, frutas que servem para tapear e so indicados no diminutivo como

    coisinhas, saladinhas, verdurinhas que no enchem barriga.

  • Alimentao, famlia e pobreza

    Essa lgica classificatria no se funda no valor nutriente dos alimentos, mas no fato de que proporcionam a sensao de repleo, pois so gordurosos ou preparados com gordura animal e demoram para ser digeridos, dando a sensao de barriga cheia.

    No se trata de desconhecimento do valor nutritivo de frutas e legumes, mas da suposio, demonstrada na prtica, de que eles no proporcionam a sensao de repleo e que seu consumo deixa a sensao de fome.

  • Alimentao, famlia e pobreza

    As regras alimentares dos pobres convivem com normas dietticas de cunho mdico cientfico que adquiriram hegemonia, difundindo-se para

    todos os segmentos sociais da populao.

    Mas hegemonia no significa excluso de outras regras alimentares.

    Como todo produto cultural, as normas dietticas no so absorvidas, incorporadas e postas em prtica do mesmo modo,

    mas convivem com outras ordenaes culturais de modo ambguo e conflitante.

  • Alimentao, famlia e pobreza

    Em sua dimenso sociocultural alimentar-se um meio de marcar identidades, de estabelecer fronteiras entre

    segmentos sociais. Oferecer aos filhos alimentos pouco nutritivos constitui um meio de a populao pobre mostrar

    para si mesma e para seus iguais que ela tambm pode consumir o que simbolicamente positivo.

    Ainda no plano da sociabilidade familiar a possibilidade de consumo de tais produtos aparece associada dimenso afetiva,

    isto , oferecer o que no fundamental para a alimentao traduz-se para pais e filhos em demonstrao de afeto.

  • Alimentao, famlia e pobreza

    De modo geral, h um vasto rol de informaes circulando entre as famlias pobres. Mas elas enfrentam dificuldade em substituir hbitos solidamente implantados ou para adequ-los ao saber cientfico, pois esses hbitos fazem parte de um sistema, onde

    cada item ocupa um lugar que faz sentido, pois est integrado em um corpo de saberes.

    A populao de baixa renda enfrenta falta de recursos financeiros para ter acesso a certos tipos de alimentos. Mas no sua suposta ignorncia que

    impede o consumo de produtos adequados e de baixo custo.

  • Alimentao, famlia e pobreza

    Torna-se difcil encaixar novas orientaes porque as regrasalimentares esto incorporadas na interioridade dos sujeitos eencapsuladas pelo aspecto afetivo e pelo prazer queproporcionam.

    O grande dilema de todos os profissionais da rea de sade quetrabalham com essas questes que eles se defrontam com arealidade cultural da populao pobre, diversa daquela produzidapelo conhecimento cientfico, de que esses agentes soportadores.

  • Alimentao, famlia e pobreza

    No entanto, a convivncia entre cdigos culturais conflitantes no ocorre apenas entre a populao

    pobre, queixa comum dos profissionais da rea. Est presente com toda fora e intensidade no seio das

    camadas mdias, que desfrutam de maior acesso ao conhecimento cientfico, em funo de escolaridade

    mais elevada e de condies financeiras para se alimentarem de acordo com padres considerados

    adequados.

  • Alimentao, famlia e pobreza

    Essas consideraes podem alertar aqueles que tratam diretamente com a populao pobre de que seres humanos

    no so plenamente racionais, mas so antes de tudo animais bastante complexos e complicados, que no se

    sujeitam a seguir obedientemente ordenaes de cunho cientfico.

  • Alimentao, famlia e pobreza

    Nas mais diversas esferas da vida social sempre h os rebeldes que, ao no acatarem o estabelecido, contribuem para desafiar o

    conhecimento e para propor alternativas culturais diversas a fim de resolver problemas que so comuns a todos.

    no plano da rebeldia, da recusa a normas, regras, valores institudos que se reproduz a diversidade cultural, o que cria um

    espectro amplo de possibilidades para se viver em sociedade.

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