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Augusto de Campos-VISAO SoussandradeTRANSCRIPT
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RE-WWW-VISO: GIL-ENGENDRA EM GIL-ROUXINOL
Augusto de Campos
Ao longo de trs edies da RE-VISO DE SOUSNDRADE, por quase quatro
dcadas, de 1964 a 2002, Haroldo de Campos e eu elaboramos e aperfeioamos um ndice
Anotado do Inferno de Wall Street episdio onde so mais densas, numerosas e
complexas as referncias de O Guesa, de Sousndrade. Embora os seus verbetes sejam
passveis de correes, acrscimos e esclarecimentos de rastreadores subsequentes, faz-se
ainda indispensvel a consulta a esse glossrio, o mais amplo at agora organizado, e que
trabalho de muitos anos, sem qualquer apoio institucional por si s oferece um leque
bsico, ordenado e substancial das crpticas aluses do Inferno de Wall Street, o que
alis facilita enormemente a tarefa dos pesquisadores de agora, por vezes to arrogantes
quanto avaros em creditar os achados e conquistas dos que os precederam. Entre outras
vicissitudes, quando elaboramos o nosso ndice no se possuam as facilidades que nos
proporciona hoje a informao digital, que alm de fornecer crescentemente mais
minuciosos dados sobre as personagens e fatos dos tempos do poeta, viabiliza consultas
especiais como as de colees dos jornais norte-americanos da poca em que Sousndrade
escreveu muitos dos seus textos. Esses peridicos lhe forneceram vasto material para o seu
Inferno. Na introduo, Memorabilia (1877), edio nova-iorquina o poeta advertia
que, nesse episdio, conservou nomes prprios tirados maior parte de jornais de Nova
York e sob a impresso que produziam. Portanto, alm da identificao dos nomes,
toponmicos e personagens, haver ainda que buscar nessas fontes a matriz das colagens
epigramticas de Sousndrade.
Sem pretender investir mais dilatados esforos no mbito da pesquisa o que no
se pode presumir quer da minha avanada idade quer da minha atuao como poeta e
desespecialista em tudo nem diminuir o mrito daqueles que a exercitam,
experimentei investigar na Internet alguns nomes que figuraram com um ponto de
interrogao em nosso glossrio por serem inencontrveis nos dicionrios e enciclopdias
e na documentao razoavelmente disponvel no universo da informao pr-digital. A
colheita foi boa. E est disposio dos escoliastas do futuro (para adotar uma expresso
de Haroldo)
andrevalliasTypewritten Text
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Este o caso dos verbetes Donahue(s): 8/4, 39: ? e McCauley, Jerry: 92: ?
[primeiros nmeros indicando a estrofe, os segundos a linha]. Eis que na internet me
aparecem vrias informaes sobre os dois nomes.
Barney J. Donahue foi o lder dos grevistas ferrovirios em Hornellsville, NY, e
um dos principais protagonistas da chamada Grande Greve, ocorrida em 1877. Preso em
julho desse ano e processado pela Erie Railway Company, foi visitado na priso por
Arthur Schwab, lder comunista, referido tambm no Inferno de Wall Street. Nos jornais
americanos encontram-se at numerosas notcias sobre o processo judicial movido contra
Donahue, presidido, curiosamente, por um magistrado quase homnimo, Donohue.
8 (RMO. BEECHER pregando :)
S Tennyson, s, s Longfellow, S'inspiram na boa moral : No strikers Arthurs, Donahues, Nem Byron Joo, nem Juvenal!
39
(MACDONALD, ScHWAB, DONAHUE; Freeloves-CALIFORNIAS e Pickpockets pela universal revoluo :)
De asfalto o ar est carregado ! == Hurkan ! o raio ora cai ! Canculo ms, De uma vez, Vasto Storm-god em Fourth-July !
Jerry McCauley (1832, Irlanda -1884, Nova York) foi o fundador da Water Street
Mission, a primeira instituio de reabilitao nova-iorquina, em 1872. Enviado muito
jovem para Nova York, aos cuidados de parentes, levou uma vida marginal de furtos e
roubos e passou sete anos em Sing Sing, de 1857 a 1864. Convertido ao cristianismo,
iniciou as atividades que o assinalaram como pioneiro das Misses de Recuperao. O
edifcio onde a Water Street Mission foi instalado tinha sido o local de um salo de danas
(da, a leitura de Sousndrade: transforma pagodes em templo cristo). De outro lado,
confronta-o o pastor radical Octavius B. Frothingham (1822-1895), j identificado em
nosso glossrio. De 1875 a 1879, Frothingham, depois de vrias iniciativas heterodoxas
com vistas a criar uma free religion, passou a pregar para grande pblico no Templo
Manico, esquina da rua 23 com a Sexta Avenida. Orador famoso em sua poca, negava a
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divindade de Cristo e questionava os dogmas do Cristianismo .Vrios dos seus sermes
podem ser lidos na Internet, na reproduo microfilmada de livros como The Religion of
Humanity e The Setting Faith and Olher Discourses, publicados em Nova York, em
1873 e 1878. Num deles, se no em algum jornal nova-iorquino, h de estar a frase
pinada por Sousndrade, Christ would not suit our times Na ideogramatizao das
disputas e quezlias religiosas, Sousndrade mostra-se mais uma vez atual
92
(Maus-pecadores bons-apstolos, iluminados s crenas de remisso e ressurreio dos mortos, vendo JERRY MCCAULAY e revendo FROTHINGHAM no Christ would not suit our times :)
Peccavi diz um, e transforma Pagodes em templo cristo; Num templo o outro: cruz Com Jesus! Cristianismo superstio!
Passo a outros termos do Inferno de Wall Street, deixados sob interrogao em
nossas edies da RE-VISO, agora elucidados pelas consultas aos jornais da poca.
A estrofe 72 uma das mais hermticas do episdio, trazendo em seu bojo aquele
misterioso Gil-engendra em gil-rouxinol. falta de qualquer explicao plausvel, tive a
idia de envi-la a Caetano Veloso, ento no exlio em Londres, e assim nasceu a bela
cano Gilberto Gil Misterioso, com a qual homenageou o seu famoso companheiro
musical no CD Ara Azul.
72
(W. CHILDS, A.M., elegiando sobre o filho de SARAH-STEVENS:)
Por sobre o fraco a morte esvoaa Chicago em chama, em chama Boston. De amor Hell-Gate esta frol Que John Caracol, Chuva e sol, Gil-engendra em gil-rouxinol. Civilizaoo!Court-hall!
W. Childs A.M., ou seja George William Childs (1829-1894), j fora apontado no
glossrio como o proprietrio e diretor do jornal Public Ledger, que comeou a ser
publicado em 1864. Dados mais precisos podem agora ser acrescidos ao verbete. Amigo do
Presidente Grant, homenageou-o durante a Exposio de Filadlfia, em 1876, com uma
recepo que contou com a presena de D. Pedro II. O jornalista e filantropo gostava
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tambm de escrever versos. Foi criticado por Mark Twain no artigo Post Mortem Poetry,
publicado em junho de 1870 no mensrio The Galaxy, pela mania de inscrever epitfios
para crianas cujo passamento era registrado em seu jornal, vrios deles simplesmente
repetidos com alterao do nome do falecido, o que Twain apodava de a poesia morturia
de Filadlfia. Publicaes da poca tratavam Childs, desdenhosamente, de bardo
obiturio. Numa nota do jornal nova-iorquino The Sun, de 16 de maio de 1876, intitulada
A Exposio Centenria de Caixes, ele fora ridicularizado como o arquifamoso
bardo da mortalha e do sarcfago G. Washington Childs A.M., a cuja poesia bem se
ajustaria um grande e lustroso conjunto de esquifes de manufatura nacional que integrava a
Exposio Internacional da Filadlfia, inaugurada em 10 de maio daquele ano. Na mesma
pauta, Sousndrade o ironiza, provavelmente instigado pela antipatia que lhe provocava a
proximidade do abastado empresrio com Grant e Pedro II. No foi possvel apurar se
realmente existiram os versos ao filho de Sarah Stevens. O mesmo The Sun (13 de maio
de 1876) estampara os versinhos de adeus que Childs dedicou a D. Pedro II, e que do uma
boa medida de sua poesia:
Dearest Pedro thou hast left us We thy lost shall long deplore, But, perhaps we will meet next winter On Brazil's imperial shore.
Sousndrade h de t-los lido com desprezo.
Sarah Stevens pode agora ser identificada. Vrios jornais americanos, entre os
quais, The Brooklyn Daily Eagle, de Nova York, noticiaram um estranho evento ocorrido
em 10 de maio de 1876, dia da abertura da Exposio Universal de Filadlfia. Uma jovem
mulher, de nome Sarah Stevens, apresentou-se s autoridades dizendo-se culpada de
infanticdio. Com o auxlio da me matara e queimara um nascituro, seu filho natural, h
alguns anos. No suportando mais o remorso, decidira confessar o crime e queria pagar por
ele. No se chegou a comprovar a veracidade dos fatos, julgando alguns que se tratava de
uma doente mental.
Hell Gate de amor esta flor diz a linha sousandradina, assim rearticulada,
para melhor compreenso. O estreito martimo da ilha de Manhattan, a que derem nome de
Hell Gate, Porto do Inferno, por provocar naufrgios e tragdias com as suas rochas, foi
objeto de mais de uma tentativa de desobstruo. Em 24 de setembro de 1876 perfez-se a
mais bem sucedida exploso submarina, oficialmente programada, para remover o bloco
rochoso. Sousndrade associa as personagens e os fatos, em bruscas elipses, aos incndios
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de Chicago e Boston, ocorridos em 1871 e 1872. Court-Hall tem a ver com o apelo da
auto-acusada Corte de Justia.
Inclino-me a acreditar que o vocbulo gil, que tambm aparece no composto gil-
Jam, na estrofe 123, referido ao jornalista James Gordon Bennet, tem o seu significado
ligado idia de astcia, esperteza, como consignam alguns raros dicionrios.
Assim, em resumo, eu avanaria a seguinte hiptese exegtica para a estrofe.
Sousndrade alude a uma suposta elegia do bardo funerrio W. Childs dedicada ao
infanticdio confesso de Sarah Stevens. Para aumentar a irrriso, cita o autor, como o
faziam os seus detratores, com o seu ttulo universitrio, A.M. (Artium Magister). Por
sobre o fraco (a criana queimada) a morte esvoaa. A tragdia lhe evoca os incndios de
Chicago e Boston. A vtima uma flor do amor ilcito (de amor esta frol), que ele
compara ao Hell Gate, ttulo do mortfero estreito martimo de Nova York, explodido em
1876. Essa flor serviria de nutrimento a um John Caracol (um caracol qualquer), que, por
sua vez, nutriria uma ave canora. Ou seja, a natureza (chuva e sol) engendraria a
redeno dessa flor pecaminosa, transferindo-a ao gil rouxinol. A metamorfose no
estranha tradio mitopotica lembre-se a fbula ovidiana de Procne e Tereu. A
ltima linha onde, na verso nova-iorquina de 1877 aquele o grafado como uma
interjeio (Civilizao ham! Court hall!) um lamento irnico sobre o estado da
civilizao, cujo progresso conflita com a barbrie do abominvel crime contra a natureza,
a clamar por justia. A melhor leitura aqui me parece ser mesmo ham!, correspondendo
interjeio inglesa hmm, denotativa de reflexo ou hesitao. Recorde-se, como pano
de fundo, que o tema do amor livre (free love), ardorosamente defendido por Victoria
Woodhull, outra personagem sousandradina, agitou sobremaneira os meios polticos
novaiorquinos nos anos 1870 e visitado mais de uma vez no Inferno de Wall Street.
Aquele linchado luisiano negro C. Atkinson, a quem se dirige na Estrofe 27 uma
white-girl de five years, tambm foi notcia.
27
(White-girl-five-years ao linchado luisiano negro C. ATKINSON:)
Comer pomo edneo (m fruta) morte e o paraso perder!
Nem mais Katy-Dids Nas vides
Ouvir do inocente viver.
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Vrios jornais relataram que, no dia 27 de novembro de 1875, um jovem negro,
chamado Charles Atkinson, acusado de ter estuprado uma menina branca de 5 anos, foi,
depois de preso, arrancado da custdia, e enforcado em uma rvore, em Franklyn,
Lousianna. Sousndrade tambm registra a notcia, em sua colcha de retalhos infernal.
Mas o fato t-la convertido na linguagem sinttica, verso-ideogramtica, de sua poesia
faz uma enorme diferena em relao aos precedentes literrios do poeta. Evidencia-se a
importncia que ele atribua ao simultanesmo da proposta visual do jornal moderno,
antecipando-se ateno concedida a essa linguagem por Mallarm, que, de outra forma,
a recodificaria poeticamente em 1987 na sublimao visual de Um Lance de Dados.
Sousndrade j a teria assimilado frontalmente, sua maneira, com a singular estratgia
de suas metonmias e elipses, equivalentes a tcnicas de colagem e montagem literrias.
Tudo indica que outro nome, Joannes-Theodorus-Golhemus (Estrofe 10) que o
nosso glossrio deu, a partir do prprio texto, como um pregador, seja Johann Theodorus
Polhemus, grafado Golhemus por erro do poeta ou do tipgrafo.
10
( JOANNES-THEODORUS-GOLHEMUS pregando em BROOKLYN:)
Rochedo de New Marlborough! Gruta de Mammoth! a Mormo
Palrar antes foras! Desdouras
Plpito ond' pregou Maranho!
Johann Theodorus Polhemus o nome de um pastor protestante, nascido em 1598 na
Baviera, Alemanha, que veio ao Brasil em 1635 trazido pela Companhia das Indias Ocidentais para
exercer o seu ministrio em Pernambuco. Com a derrota dos holandeses foi enviado a Long Island
(Nova York), onde faleceu em 1676. Tornara-se, em 1667, o primeiro pregador da f reformista
em Brooklyn, de acordo com a matria Presbyterian Missions, sobre a histria do
presbiterianismo nos EE.UU, inserida no jornal The Brooklyn Daily Eagle, de 29 de maio de
1876. No teria sido essa a fonte de Sousndrade? As datas combinam, porque se trata de
uma das primeiras estrofes do Inferno, publicadas na edio nova-iorquina de 1877. A
evocao de Polhemus no jornal de Brooklyn vem de um ministro presbiteriano brasileiro,
de nome Chamberlain, ento em Nova York, e isso nos leva a outra estrofe do Inferno
onde ele parece adequar-se aluso sousandradina que ali se encontra:
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89 (Pan-Presbiterianos chamberlainisando:)
ncuba mulher do Cordeiro !
Sinagoga de Satans Sposa apocalptica,
Brecknrdgica A corte Herr Galante vos faz !
Na mesma pgina daquele jornal h uma notcia sobre um sermo proferido pelo
pastor Rev. Dr. Breckenridge, de Missouri. Dois dias antes, nas pginas desse peridico,
sara, sob o ttulo Presbyterian - Meeting of the General Assembly, a notcia de que
Breckenridge, em inflamado discurso, acusava de apostasia a igreja catlica, culpada de
idolatria pelo culto Virgem Maria e aos santos, concluindo que ela no podia ser
considerada uma igreja crist. O adjetivo breck'nrdgica refere-se, como fica evidente, ao
pastor W. L. Breckenridge, de Missouri, como citado, com o nome mais completo, em
outras notcias. Tem tanto a ver com o homnimo, vice-presidente dos EE.UU hiptese
aventada em nosso glossrio , como aquele chamberlainisando com o famoso poltico
ingls A metralhadora giratria da intertextualidade sousandradina difcil de
acompanhar Mas revela mais coerncia do que aparenta. Papers explain, os jornais
explicam, como est na estrofe 150:
(ROSEMAN lendo cristianssimos personals e aplicando a low people, low punishment :)
Papers explain. Certainly, though terrible . .
Cincia herldea, paradise lost . . . A purring match ! And lash! and lash!
Chinois-Bennett whipping post! . .
J me ocupei dessa estrofe no estudo Ecos do Inferno de Wall Street, includo na 3a edio
da RE-VISO, para elucidar parte da estrofe, que ideogramatiza um escandaloso e pitoresco
incidente ocorrido em 3 de janeiro de 1877. Nesse dia, James Gordon Bennet, o jovem diretor
do jornal The New York Herald, foi agredido a chicotadas, porque, na passagem do ano,
embriagado, havia urinado num vaso chins na casa do pai de sua noiva O agressor,
Frederick May, era o irmo de prometida, cujo casamento chegara a ser anunciado pelo The
Sun para o dia 2 de janeiro, sem se haver concretizado. Seguiu-se um duelo, com um possvel
ferimento infligido a May, sem maiores consequncias. Mas aquele Roseman continua uma
interrogao
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Bennet parece ser um dos bodes expiatrios de Sousndrade. Na estrofe 123,
ameaado por um certo Marwood, de ser enforcado como o foi Charles J. Guiteau, em 30 de
Junho de 1882, pelo assassinato do presidente Garfield. William Marwood (1820-1883), no
identificado em nosso glossrio, foi um carrasco oficial ingls, conhecido poca como
especialista em enforcamentos.
123
(HALL-HALL comendo o enxofre de SODOMA ; MARWOOD torcendo os bigodes :)
Estomacal . . . at que sonhas
Com Lot e os anjos, ou Abrao ! == Ou Jam-Benne-Gord,
A quem corda De Guiteau espera ! . . ah ! gil-Jam !
E no seria interessante saber, por exemplo, de quem so as palavras Et tout le
genre humain est l'abme de l'homme. [E toda a espcie humana o abismo do homem],
citadas na introduo da estrofe 163, assim como aquele duvidoso l'ombre accablat, que
se duplica na estrofe anterior? Pertencem Lgende des Sicles de Victor Hugo. A
internet, com a sua profusa indexao de citaes, me facilitou tambm estes achados.
162
(Panach FGARO aos sons do piston-vainqueur, s mpias navalhas afiando, fazendo a brbaros PROFETAS e chin s religiosas de claustro e drstico:)
Cara de sopas da Madalena, L'ombre accablat! l'ombre accablat! Eh, teu Dieu drle! Sha-casserole Cria e repblicas des toits ! . . . ah ! ah ! . . 163
(Et tout le genre humain est l'abme de l'homme, um argueiro cego entre mil grandolhos cavaleiros; bombardeio nos consolidados mundos:)
Oh, Ciclones! Typhons! soobrem Naus e aldeias! ruge, Simoun! == Revluo hedionda Que estronda De Fgaro s noces, bum, bum !
Ambas as citaes so de textos poemticos que integram a terceira e ltima srie da Lgende
des Sicles (1859-1883) o seu Tomo V, publicado em 9 de junho de 1883 , inseridos
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tambm na edio definitiva, de setembro de 1883, que reorganizou e reuniu todas as sries da
epopia hugoana. Portanto, no antes dessa poca redigiu Sousndrade as duas estrofes,
prximas da concluso do Inferno de Wall Street. A data coincide com um perodo em que
Sousndrade esteve em Paris (entre setembro e dezembro de 1883, segundo Carlos Torres-
Marchal). Curioso observar a liberdade com que Sousndrade retira o alexandrino de sua
pomposidade retrica para inseri-lo, sob a figura de metonmia, em lugar do nome de Victor
Hugo, o personagem que impreca, argueiro cego entre mil grand'olhos cavaleiros, e ameaa,
indignado, a humanidade com ciclones, tufes, revolues e bombardeios. Assim se inicia o
texto de Hugo:
Je ne me sentais plus vivant; je me retrouve, Je marche, je revois le but sacr. J'prouve Le vertige divin, joyeux, pouvant, Des doutes convergeant tous vers la vrit ; Pourtant je hais le dogme, un dogme c'est un clotre. Je sens le sombre amour des prcipices crotre Dans mon sauvage cur, saignant, bless, banni, Calme, et de plus en plus pars dans l'infini. Si j'abaisse les yeux, si je regarde l'ombre, Je sens en moi, devant les supplices sans nombre, Les bourreaux, les tyrans, grandir chaque pas Une indignation qui ne m'endurcit pas, Car s'indigner de tout, c'est tout aimer en somme, Et tout le genre humain est l'abme de l'homme. ...........................................................................
Na estrofe 162, o sintagma l'ombre accablat, l'ombre accablat preludia e refora a
invocao hugoana. Provm das primeiras linhas do poema Aux Rois, pertencente ao
ciclo Le Cercle des Tyrans:
AUX ROIS
I
Est-ce que vous croyez que nous qui sommes l Nous que de tout son poids toujours l'ombre accabla, Nous le noir genre humain farouche, nous la plbe,
Nous, les forats du sol, les captifs de la glbe, Nous qui, de lassitude expirants, n'avons droit Qu'a la faim, la soif, l'indigence, au froid, Qui, tus de travail, agonisons pour vivre, Nous qu' force d'horreur le destin sombre enivre; Est-ce que vous croyez que nous vous aimons, vous! Nous vassaux, vous les rois! nous moutons, vous les loups? ...........................................................................................
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L'ombre accabla, certamente, no "l'ombre accablat. Como Pound, Sousndrade no era
muito cuidadoso na transcrio vocabular dos muitos idiomas que utilizava em seu poema.
Ou seria quem sabe um erro da impresso londrina? De todo modo, a hiptese de um
accablat, assim grafado na edio, e que corretamente se deveria escrever accablt, se
usado na forma condicional, no parece prevalecer diante dessa revelao. Uma dvida
surge em torno daquele piston-vainqueur que aparece em itlico na introduo estrofe
162. que a expresso est numa quadra do poema Chevaux de bois , de Paul Verlaine,
incluido em Romances sans Paroles (1874).
Tournez, tournez, chevaux de leur cur, Tandis qu'autour de tous vos tournois Clignote l'il du filou sournois, Tournez au son du piston vainqueur.
Sousndrade no o teria lido?
No ainda o suficiente para a total decifrao dos criptogramas poticos
sousandradinos. Mas lana mais alguma luz sobre eles. Assim como Pound, na compresso
ideogrmica de seus Cantos, faz microcitaes que remetem a origens mais complexas a
exemplo de ongla, ongle (Canto VI) e es laissa cader (Canto CXVII), estilhaos de
canes dos trovadores medievais Arnaut Daniel e Bernart de Ventadorn referidos ao
contexto da poesia provenal, altamente considerada no elenco de seus vetores culturais
assim tambm os fragmentos minimais de Sousndrade, como pontas de um iceberg
literrio, ocultam um painel mais amplo de referncias, que cabe desvendar. No caso,
Victor Hugo integra o panteo dos caracteres positivos do seu poema, enquanto simboliza
o esprito republicano, a crtica moral da sociedade humana e a aspirao da liberdade,
para alm dos imprios, reinados e tiranias.
Na estrofe 166, o glossrio aventava a hiptese de que a referncia a uma vie
drolatique poderia constituir uma fuso de dois ttulos: Vie de Jsus (1863), de Renan, e
Les Contes Drolatiques (1832) de Balzac, como pareceria sugerir o texto.
166
(Vie drolatique de . . . RENAN ; ZOLA realista :)
As grosses grosses madres Dianas Crem suas filhas ricas beber
O copo de sangue . . . a Carnata! A Tontata!
== Que sngueos POTS-BOUILLES a crer !
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Mas o menos conhecido La Vie Drolatique des Saints, publicado em Paris, em 1883, livro
de caricaturas e textos anticlericais de Alfred le Petit (1841-1909), expoente do jornalismo
satrico republicano, aponta para outra fonte mais prxima da redao do poema, pela
data em que veio luz. Ao lado de sua biografia e outras informaes, a Internet divulga-
lhe a capa provocativa e vrias das ilustraes do livro, que certamente h de ter chamado
a ateno em sua poca. Victor Hugo um de seus heris e Napoleo III um de seus viles.
O texto faz clara aluso ao romance de mile Zola, Pot-Bouille (ttulo que se poderia
traduzir por bia ou rango), publicado em Paris, em 1883, conforme assinalamos em
nosso glossrio. A expresso grosse adjetivando matronas, aparece mais de uma vez no
romance, ao qual se refere tambm, na estrofe 161, a meno Hortense gte
(mimada), uma das filhas de uma grosse dame obsecada pelo casamento delas. Em sua
edio atualizada de O Guesa, Luiza Lobo l equivocadamente o termo Pot-Bouille, nas
parcas notas que reserva ao Inferno de Wall Street. Ele ali aparece como Pot-Bouill
(e com esse lapso incorporado ao texto), com o errneo significado de roupa suja e
ainda desacertamente associado ao romance L'Assomoir (que, alis, de 1877 e no de
1822, como est em Lobo).
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A internet j me proporcionara a decifrao da enigmtica palavra sitsioei, da
Estrofe 52 do Tatuturema, que causava grande perplexidade ao poeta e pesquisador Erthos
Albino de Souza, e que eu descobri, consultando na web o texto Brsil, de Ferdinand
Dnis, da enciclopdia L'Univers (1837), uma das principais fontes do repertrio
indigenista de Sousndrade. No texto de Dnis o vocbulo stsioei aparece assim definido:
Os ndios de diversas partes da Amrica o chamaram de stsioei, o pequeno rei das flores.
Os portugueses lhe deram o nome potico de beija-flor
52 (Coro das ndias:)
Stsioei, rei das flores, Lindo Temandar, Ruge ruge estas asas De brasas Cuidaru, cerer.
Os termos tupis esto explicados em nosso glossrio. Temandar ou Tamandar, filho de
Sum, teria provocado o dilvio universal. Cuidaru, tacape. Cerer, ave agourenta, ou,
tambm, variante de saci-perer (no dicionrio de Couto de Magalhes, consta como saci-
cerr, gnio dos tupis).
Quanto indagao sistemtica das referncias sousandradinas, so muito bem-
vindos e dignos de destaque os subsdios trazidos pelos trabalhos que vem publicando o
excelente pesquisador peruano Carlos Torres-Marchal, divulgados na revista eletrnica
Eutomia, por contribuirem decisivamente para a compreenso pontual e mais completa de
vrios tpicos do universo referencial de personagens, locais e eventos sousandradinos,
bem como para o esclarecimento da vida do poeta e para a fixao de seus textos. Cuida o
excelente pesquisador preciso acentuar da identificao, aprofundamento e
correo de dados referenciais e biogrficos, trabalho que, por mais til e proficiente que
seja, como o , no envolve critrios crtico-estticos, nos quais ele no versado, e que
em nada afetam a essncia de nossa reivindicao literria de Sousndrade.
O nosso trabalho sobre a obra do poeta se iniciou com quatro longos ensaios
publicados de 18 de dezembro de 1960 a 29 de janeiro de 1961, na pgina cultural
Inveno do jornal Correio Paulistano, sob o ttulo Montagem: Sousndrade,
Empreendidos de uma perspectiva sincrnica e atuante pelos seus autores, e no de uma
tica diacrnico-acadmica, analisavam detalhadamente a modernidade da linguagem e da
temtica da poesia de Sousndrade, at ento desprezada pelo mainstream cannico
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brasileiro, que sempre o considerou um Romntico menor. S a partir deles que a sua
obra passou a ter uma importncia disruptiva para a literatura e para a poesia uma
descoberta orientada pela poesia in fieri, com vistas para o presente e para o futuro.
Foram eles o embrio da RE-VISO DE SOUSNDRADE e da seletnea de sua
obra, que organizamos, com nfase no Inferno de Wall Street (este, editado, inclusive,
em separata). O livro foi publicado sob o risco de apreenso, em plena vigncia do golpe
militar de 1964, e sob a franca hostilidade da maioria dos integrantes do mundo acadmico
e universitrio. Fixava-se em novas bases criticas a apreciao da obra de Sousndrade, at
ali objeto de crnicas ligeiras, breves menes e artigos, todos eles interessantes, mas
espordicos, limitados, e, alguns, at provincianos, embora jamais omitidos em nossa
abordagem.Assim, o crtico maranhense Oswaldino Marques j mencionava a poesia
sousandradina em O Poliedro e a Rosa (Rio de Janeiro, 1952): Profundamente hermticos
so os Sonetos de Shakespeare, a segunda parte do Fausto de Goethe, O Itinerrio da
Alma, do grande poeta ingls John Donne, os Livros Profticos de Blake e o Guesa,
desconcertante epopia do estranho poeta maranhense, inteiramente esquecido, Joaquim de
Sousndrade. Porm Oswaldino no se aprofundou sobre o tema. O tambm maranhense
Fausto Cunha, que j se debruara sobre a colocao antinormativa de pronomes na obra
de Sousndrade, mais adiante, apesar de ressaltar o carter precursor da linguagem do
poeta no breve ensaio que integrou o volume I, tomo II (1956), sobre o Romantismo, da
coletnea Literatura no Brasil, organizada por de Afrnio Coutinho, mostrava-se cheio de
dvidas e incertezas, chegando a deplorar a carncia de poemas ou trechos representativos
no plano do valor potico na obra sousandradina!!! Por fim, encorajado pelos nossos
estudos, reviu a sua suspiccia crtica, reconhecendo a importncia do poeta, com palavras
inflamadas, no artigo Assassinemos o Poeta (Correio da Manh, 12-1-1963): Castro
Alves pode ser omitido da poesia brasileira sem fazer falta. Sousndrade no, Sousndrade
faz falta poesia do mundo.
Segundo o crtico Oliveira Bastos, foi Oswaldino quem o fez inteirar-se da poesia
de Sousndrade. E foi em fins de 1959 ou comeos de 1960 que Bastos me levou
Biblioteca Nacional para ver a edio nova-iorquina de O Guesa. Lembro-me da emoo
que senti, ao abrir as suas pginas, incrdulo, quando minha vista incidiu na estranha
configurao tipogrfica da estrofe: Em Sing Sing: Risadas de raposas bbadas / Cantos
de loucos na priso Perguntei ao crtico por que ele no escrevia sobre a obra, que tanto
me impressionara primeira vista. Mas Bastos no se mostrava disposto a pesquisas mais
densas, e insistiu obstinadamente em que eu e Haroldo que deveramos faz-lo. Foi ento
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que me entusiasmei e comecei a copiar a mo os textos de Sousndrade, at conseguir, a
duras penas, os microfilmes que mostrei a Haroldo com a proposta de redigirmos um
ensaio sobre o tema. No foi por outra razo que colocamos, em dedicatria expressa, no
prtico da RE-VISO DE SOUSNDRADE: A Oliveira Bastos, que nos introduziu na
selva selvaggia sousandradina.
A esta altura, preciso voltar a frisar que no pelas peculiaridades de sua vida
nem pelas curiosidades de seu referencial, por mais interessantes que o sejam, que
Sousndrade continua a ter relevncia para ns. Sousndrade importante porque se
exprimiu em termos de uma potica inovadora e abordou novos temas, com ineditismo,
muito frente do seu tempo, tendo contribudo para a renovao da linguagem e das idias
literrias, e porque soube equacionar poeticamente, como poucos, as vivncias,
contradies e aspiraes do seu tempo, no emergir do mundo moderno. Como obra
potica, o seu Inferno de Wall Street, em especial, no tem paralelo na literatura universal
em sua poca.
E se hoje a maior crtica literria americana, Marjorie Perloff, pode se referir
obra do poeta, como Joaquim de Sousandrades pre-Modernist collage masterpiece The
Inferno of Wall Street; se Jerome Rothemberg, poeta e crtico americano, promotor da
etnopoesia, pode mencion-lo como the epitome of a late experimental romanticism &
a prefigurer of new poetries to come, assim como Severo Sarduy pde antes aludir ao
jargo moderno autenticamente revolucionrio de Sousndrade e ao Inferno de Wall
Street como uma exploso tipogrfica em um universo em expanso pr-Poundiano,
porque isso o foi demonstrado, ao nvel literrio, em trabalho fundamentado de poetas-
crticos que lidavam com a matria potica in vivo, e que propunham a poesia de
Sousndrade como nutrimento de impulso para novas poticas. Quaisquer que sejam os
aspectos que interessem em Sousndrade histricos, sociopolticos, antropolgicos,
biografmicos ou outros que, todos eles, merecem estudos, pesquisas e aprofundamento
o que prevalece sempre a sua importncia potica. Como escreve Maiakvski ao
iniciar sua acidentada autobiografia: como poeta que eu sou interessante. Cumpre no
esquec-lo.