audiência de custódia: um olhar desde a defensoria pública

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“Nós, pesquisadores, como todos os conquistadores, todos os navegadores, todos os aventureiros, somos de uma moralidade audaciosa e devemos estar preparados para passar, no fim de tudo, por maus” (Nietzsche, em “Aurora”). É possível processar e eventual- mente punir alguém respeitando os direi- tos humanos? Eis a pergunta que assom- bra e que ilumina o passado, o presente e o futuro do Direito Processual Penal no Brasil e no mundo, claramente ameaçado pelo “populismo penal”, um discurso que atravessou as barreiras da política de massa para se tornar, inclusive, uma propaganda de instituições como o Ministério Público Federal, que, a pretexto do – legítimo – combate à corrupção, se aproveita da vul- nerabilidade da população para projetar- se a si próprio, propondo medidas que, se aprovadas, poderão impactar o sistema processual penal como um todo, e não somente a persecução contra corruptos e corruptores. Nós, defensores públicos, e a Defensoria Pública enquanto institui- ção encarregada da promoção dos direitos humanos (art. 134, caput, da CF), temos o dever de zelar pelo Estado de Direito e pela integridade do discurso jurídico-pe- nal que chega até os usuários dos nossos serviços. Eis, talvez, uma das funções institucionais a que temos negligenciado o cumprimento: “promover a difusão e a conscientização dos direitos humanos, da Audiência de custódia: um olhar desde a Defensoria Pública JORNAL DA ESCOLA SUPERIOR DA DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO 3 O TRIMESTRE DE 2015 | ED. Nº 2, ANO 1 cidadania e do ordenamento jurídico” (art. 4º, III, da LC 80/94). Pois bem. A audiência de custó- dia surge num contexto de contenção do poder punitivo, de humanização da juris- dição penal, de modo que a sua acolhida tardia no Brasil, que vai – aos poucos – alcançando um consenso, representa um dos raros momentos de sensatez políti- co-criminal das últimas décadas. Prevista em diversos Tratados Internacionais de Direitos Humanos, tais como a Conven- ção Americana de Direitos Humanos (art. 7.5) e o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 9.3), a audiência de custódia nada mais é do que a obrigatorie- dade de se conduzir o cidadão preso, sem demora, à presença de um juiz, o qual de- verá, portanto, emitir uma tripla manifes- tação: (i) sobre a legalidade da prisão (ju- ízo retrospectivo); (ii) sobre a necessidade da prisão (juízo prospectivo); e (iii) sobre eventual prática de violência ou tortura sofrida pelo cidadão conduzido. Entre as diversas finalidades da realização da audiência de custódia, po- demos destacar, primeiro, a de ajustar o processo penal brasileiro aos Tratados In- ternacionais de Direitos Humanos, uma necessidade inadiável; segundo, a de agir na prevenção da tortura policial, uma realidade que infelizmente atravessou o período da ditadura e se manteve viva na democracia pós-Constituição Federal de 1988; terceiro, a de evitar prisões ilegais, arbitrárias ou, por algum motivo, desne- cessárias; e, finalmente, a de humanizar a jurisdição penal, esperando-se que, desta forma, o expediente também influencie na redução do encarceramento. A realização da audiência de cus- tódia acaba por revolucionar a prática ju- dicial, porquanto estreita a relação entre os sujeitos do processo penal, superando a “fronteira do papel” estabelecida no art. 306 do Código de Processo Penal, na medida em que o controle sobre a legalidade/necessidade da prisão se faz, agora, com a presença do preso, num ato que potencializa a democracia processual, e não a partir de um exame puramente cartorial, asséptico, que, com o passar dos anos, acabou se tornando, em mui- tos lugares, uma prática gerencial, em que predomina a conversão do flagrante em prisão preventiva com base em elemen- tos excessivamente abstratos, fomentan- do uma atividade decisória “em série” e customizada. Mais de vinte anos após a ade- são do Brasil à Convenção Americana de Direitos Humanos (DADH), ainda não conseguimos fazer da audiência de custódia uma realidade no ordenamen- to jurídico doméstico. A primeira ten- tativa ocorreu durante a tramitação do PLS 156/2009, responsável por estatuir o novo Código de Processo Penal bra- sileiro, aprovado no Senado Federal em 08/12/2010. O – então – Senador José Sarney propôs duas emendas que obriga- vam a condução do preso à presença do juiz, tendo sido ambas rejeitadas no rela- tório do Senador (relator) Renato Casa- grande. Não passou um ano após a apro- vação do PLS 156/2009 pelo Senado, foi apresentado na mesma Casa Legislativa o PLS 554/2011, de autoria do Senador Antônio Carlos Valadares. Após uma longa tramitação, com juntada de diver- GT Indígenas. Pg 4. CÂMARA DE COORDENAÇÃO. Pg 6. ENTREVISTA. Amilton Bueno de Carvalho Pg 10. TRIBUNAIS SUPERIORES. Pg 8. Por Caio Paiva - Defensor Público Federal em Manaus.

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Page 1: Audiência de custódia: um olhar desde a Defensoria Pública

“Nós, pesquisadores, como todos os conquistadores, todos os navegadores, todos os aventureiros, somos de uma moralidade audaciosa e devemos estar preparados para passar, no � m de tudo, por maus”

(Nietzsche, em “Aurora”).

É possível processar e eventual-mente punir alguém respeitando os direi-tos humanos? Eis a pergunta que assom-bra e que ilumina o passado, o presente e o futuro do Direito Processual Penal no Brasil e no mundo, claramente ameaçado pelo “populismo penal”, um discurso que atravessou as barreiras da política de massa para se tornar, inclusive, uma propaganda de instituições como o Ministério Público Federal, que, a pretexto do – legítimo – combate à corrupção, se aproveita da vul-nerabilidade da população para projetar-se a si próprio, propondo medidas que, se aprovadas, poderão impactar o sistema processual penal como um todo, e não somente a persecução contra corruptos e corruptores. Nós, defensores públicos, e a Defensoria Pública enquanto institui-ção encarregada da promoção dos direitos humanos (art. 134, caput, da CF), temos o dever de zelar pelo Estado de Direito e pela integridade do discurso jurídico-pe-nal que chega até os usuários dos nossos serviços. Eis, talvez, uma das funções institucionais a que temos negligenciado o cumprimento: “promover a difusão e a conscientização dos direitos humanos, da

Audiência de custódia: um olhar desde a Defensoria Pública

JORNAL DA ESCOLA SUPERIOR DA DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO 3O TRIMESTRE DE 2015 | ED. Nº 2, ANO 1

cidadania e do ordenamento jurídico” (art. 4º, III, da LC 80/94).

Pois bem. A audiência de custó-dia surge num contexto de contenção do poder punitivo, de humanização da juris-dição penal, de modo que a sua acolhida tardia no Brasil, que vai – aos poucos – alcançando um consenso, representa um dos raros momentos de sensatez políti-co-criminal das últimas décadas. Prevista em diversos Tratados Internacionais de Direitos Humanos, tais como a Conven-ção Americana de Direitos Humanos (art. 7.5) e o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 9.3), a audiência de custódia nada mais é do que a obrigatorie-dade de se conduzir o cidadão preso, sem demora, à presença de um juiz, o qual de-verá, portanto, emitir uma tripla manifes-tação: (i) sobre a legalidade da prisão (ju-ízo retrospectivo); (ii) sobre a necessidade da prisão (juízo prospectivo); e (iii) sobre eventual prática de violência ou tortura sofrida pelo cidadão conduzido.

Entre as diversas � nalidades da realização da audiência de custódia, po-demos destacar, primeiro, a de ajustar o processo penal brasileiro aos Tratados In-ternacionais de Direitos Humanos, uma necessidade inadiável; segundo, a de agir na prevenção da tortura policial, uma realidade que infelizmente atravessou o período da ditadura e se manteve viva na democracia pós-Constituição Federal de 1988; terceiro, a de evitar prisões ilegais, arbitrárias ou, por algum motivo, desne-cessárias; e, � nalmente, a de humanizar a jurisdição penal, esperando-se que, desta forma, o expediente também in� uencie na redução do encarceramento.

A realização da audiência de cus-tódia acaba por revolucionar a prática ju-dicial, porquanto estreita a relação entre os sujeitos do processo penal, superando a “fronteira do papel” estabelecida no art. 306 do Código de Processo Penal, na medida em que o controle sobre a legalidade/necessidade da prisão se faz, agora, com a presença do preso, num ato que potencializa a democracia processual, e não a partir de um exame puramente cartorial, asséptico, que, com o passar dos anos, acabou se tornando, em mui-tos lugares, uma prática gerencial, em que predomina a conversão do � agrante em prisão preventiva com base em elemen-tos excessivamente abstratos, fomentan-do uma atividade decisória “em série” e customizada.

Mais de vinte anos após a ade-são do Brasil à Convenção Americana de Direitos Humanos (DADH), ainda não conseguimos fazer da audiência de custódia uma realidade no ordenamen-to jurídico doméstico. A primeira ten-tativa ocorreu durante a tramitação do PLS 156/2009, responsável por estatuir o novo Código de Processo Penal bra-sileiro, aprovado no Senado Federal em 08/12/2010. O – então – Senador José Sarney propôs duas emendas que obriga-vam a condução do preso à presença do juiz, tendo sido ambas rejeitadas no rela-tório do Senador (relator) Renato Casa-grande. Não passou um ano após a apro-vação do PLS 156/2009 pelo Senado, foi apresentado na mesma Casa Legislativa o PLS 554/2011, de autoria do Senador Antônio Carlos Valadares. Após uma longa tramitação, com juntada de diver-

GT Indígenas.Pg 4.

CÂMARA DE COORDENAÇÃO. Pg 6.

ENTREVISTA. Amilton Bueno de Carvalho Pg 10.

TRIBUNAIS SUPERIORES. Pg 8.

Por Caio Paiva - Defensor Público Federal em Manaus.

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EDIT

ORI

AL

Editorial

di, que empreenderam uma verdadeira saga pelos Tribunais de diversos Estados para apresentar o Projeto e incentivar a sua adoção, objetivo conquistado com bastante êxito.

A Defensoria Pública da União tem sido uma grande incentivadora da concretização das audiências de custó-dia no país. Além do monitoramento da tramitação do PLS 554/2011 pela Asso-ciação Nacional dos Defensores Públicos Federais (ANADEF), a DPU (unidade de Manaus/AM) ajuizou em 2014 uma Ação Civil Pública na Justiça Federal do Estado do Amazonas veiculando pleito para nacionalizar o provimento e obrigar a que a União cumpra a garantia conven-cional da audiência de custódia, assim como realizou, por meio do seu Grupo de Trabalho (GT) sobre Presos, uma Au-diência Pública na sede da DPU/São Pau-lo, que contou com a participação de di-versas entidades de proteção dos direitos humanos. Finalmente, cite-se o ingresso da instituição como amicus curiae na

ADI 5240, já tendo apresentado memo-riais pugnando pela total improcedência do pedido da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (ADEPOL) e pela constitucionalidade, portanto, do Pro-vimento nº 03/2015 do TJSP, que re-gulamentou a audiência de custódia no âmbito daquele Tribunal.

A concretização da audiência de custódia no Brasil é uma vitória dos di-reitos humanos e deve ser comemorada. No entanto, ainda temos uma das maio-res populações carcerárias do mundo (mais de meio milhão de presos), cenário que pode ser substancialmente agravado com medidas recém-engrossadas por um coro de populismo punitivo, principal-mente com a dispensa do trânsito em jul-gado para promover a execução da pena, medida que conta com o apoio público da AJUFE e da ANPR. Continuemos vi-gilantes e que estejamos preparados para o destino reservado aos defensores dos direitos humanos: “(...) passar, no � m de tudo, por maus”.

sas notas técnicas e de manifestações de entidades associativas, o PLS 554/2011 encontra-se pendente de aprovação na CCJ do Senado, com parecer favorável do Senador Humberto Costa.

A mora do Poder Legislativo em regulamentar a audiência de custódia ensejou com que o Poder Judiciário se movesse para – en� m – dar cumprimen-to à CADH, um episódio que somente reforça a ideia de que o ativismo judicial, em se tratando de proteção dos direitos humanos, não é uma opção, mas sim uma necessidade. Embora o pioneirismo seja do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, que regulamentou a audiên-cia de custódia por meio do Provimento nº 14 de 24/04/2014, o tema somente se tornou uma pauta nacional do Poder Judiciário após o incentivo vindo do Conselho Nacional de Justiça com o Pro-jeto Audiência de Custódia, lançado em 06/02/2015, que teve a sua frente o pro-tagonismo do Ministro Ricardo Lewan-dowski e do seu juiz-auxiliar Luis Lanfre-

Por Daniela Corrêa Jacques Brauner - Defensora Pública Federal, Vice-Diretora da ESDPU

Com imensa alegria, lançamos essa segunda edição do jornal Fórum DPU. A segunda edição é sempre um desa� o, pois pretende consolidar e conferir continui-dade a um projeto muito bem elaborado e pelo qual recebemos muitos elogios na ESDPU. Mereceu destaque, nesse jornal, a abordagem da audiência de custódia que vem sendo incentivada pelo Conse-lho Nacional de Justiça com participação ativa da Defensoria Pública. Priorizamos a construção do discurso no sentido de que a audiência de custódia colabora para o combate da política de encarceramen-to que vem assolando nosso país, em que muitas vezes o Poder Judiciário tem se apoderado de temas relacionados muito mais a questões de segurança pública do que de persecução penal. Nessa seara, a audiência de custódia humaniza e apro-xima aquele que pune daquele que sofre a punição para muito além da formalida-de de números de quantitativo de pena, mas para a realidade do encarceramento e

das prisões brasileiras. Realidade essa co-nhecida dos Defensores Públicos que, ao defender os acusados, identi� cam-se com eles, reconhecendo na pessoa do réu a sua humanidade, comum a todos nós. Assim, o tema da audiência de custódia é tema de capa de nosso jornal e da seção destinada aos Tribunais Superiores, juntamente com a visão a respeito da constitucionalidade de sua regulamentação.

Essa crítica ao Direito Penal, na atualidade, é bem abordada na entrevista com o Desembargador aposentado do TJ/RS Amílton Bueno de Carvalho. Primeiro tivemos a honra de tê-lo em nosso curso de formação, ocorrido em setembro de 2015, que sacudiu e sucumbiu o senso comum do papel do Direito Penal e, nesse momen-to aqui no jornal, temos a satisfação de dis-seminar suas re� exões para os colegas que lidam cotidianamente com dialética desleal do processo penal brasileiro.

Atendendo à temática do direito criminal, a coluna da Câmara de Coorde-

nação abordou o tema da descriminaliza-ção do porte de drogas para consumo pró-prio. A questão das drogas envolve grande parte do trabalho do Defensor Público que atua na seara penal, sendo responsável atualmente pela maior causa de encarcera-mento no país.

Outro tema que tem chamado atenção quanto à atuação da DPU diz respeito à construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, trazendo re� exões sobre impacto dessas grandes obras nas comu-nidades indígenas e população local. Essa abordagem é trazida pelo presidente do GT Indígenas, em nosso espaço dedicado no jornal para divulgar as ações estraté-gicas dos Grupos de Trabalho, para que os colegas possam ter conhecimento e se apropriar do discurso no sentido de um novo olhar a respeito do papel da Defen-soria Pública para além da tutela judicial, individual ou coletiva. Os GTs têm de-monstrado que o papel da Defensoria não está restrito apenas à atuação judicial ou

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Tráfi co de PessoasPode-se dizer que se conseguiu cer-

to consenso, do ponto de vista legal, a res-peito do trá� co de pessoas com a adoção do Protocolo Relativo à Prevenção, Re-pressão e Punição do Trá� co de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças (Decreto Nº 5.017/2004), complementar à Con-venção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Decreto Nº 5.015/2004), conhecida como Conven-ção de Palermo. Esse Protocolo de� niu o trá� co de pessoas como “o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para � ns de explo-ração. A exploração incluirá, no mínimo, a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, o tra-balho ou serviços forçados, escravatura ou práticas similares à escravatura, a servidão

ou a remoção de órgãos”. Essa é a mesma de� nição adotada pela Política Nacional de Enfrentamento ao Trá� co de Pessoas (Decreto Nº 5.948/2006).

O Brasil rati� cou a chamada Con-venção de Palermo em 2004, o que gerou mudanças no texto do Código Penal Bra-sileiro em março de 2005, após a aprova-ção no Congresso e a sanção Presidencial. Antes das alterações, o Código conside-rava apenas as mulheres como vítimas do trá� co, o que mudou com a troca das referências feitas às “mulheres” por “pesso-as”. Além disso, o Código que, antes das alterações, previa apenas o crime de trá-� co internacional de pessoas para � ns de exploração sexual, no artigo 231, passou a prever o crime de trá� co interno com a introdução do artigo 231-A.

Apesar disso, o Código Penal Bra-sileiro ainda se restringe a tratar do trá� co de pessoas para � ns de exploração sexual, nos dois referidos artigos, sem considerar expressamente as outras modalidades de exploração de pessoas decorrentes do trá-� co, de modo que a punição dos autores

só é possível devido à existência de normas correlatas.

Há, no Código Penal Brasileiro, os artigos 149, 206 e 207, que tratam, respectivamente, da redução à condição análoga à de escravo, do aliciamento para � m de imigração e do aliciamento de tra-balhadores de um local para outro do ter-ritório nacional. Contudo, na tipi� cação desses crimes, não � cou expressa a relação dessas condutas com o trá� co de pessoas.

Não foi abordado também, no Código Penal Brasileiro, o consentimen-to da vítima. A Convenção de Palermo ressalta que o consentimento da vítima do trá� co é irrelevante, independente-mente do tipo de exploração a que venha a ser submetida.

Além das previsões no Código Penal, há, no Estatuto da Criança e do Adolescente, os artigos 238, que de� ne como crime a conduta de “prometer ou efetivar a entrega do � lho ou pupilo a ter-ceiro, mediante paga ou recompensa”; e 239, que de� ne como crime “promover ou auxiliar a efetivação de ato destinado

Por Pedro da Gama Lobo Lorens - Defensor Público Federal em Salvador.

Curso: I Treinamento sobre trá� co de pessoas (dia internacional)

orientação jurídica do necessitado, mas no reconhecimento, em nossa sociedade, de grupos vulneráveis que merecem uma atuação estratégica e direcionada, reco-nhecido pelo Superior Tribunal de Justiça como “hipossu� ciência social” ao admitir a legitimidade da Defensoria Pública do Estado para a defesa dos idosos na tute-la do direito à saúde. Assim, esse número apresentou o trabalho realizado pelo GT Indígenas no sentido de tutelar o direito à moradia e do meio-ambiente imbricado no direito de respeito aos povos indígenas

afetados pela grande obra.O jornal também dedica espaço à

publicação de paper sobre determinados assuntos, geralmente advindos do fomen-to para que os Defensores participem de cursos, congressos e palestras. Nessa edi-ção, o tema do trá� co de pessoas é abor-dado a partir da análise dos instrumentos legislativos nacionais com os compromis-sos internacionais assumidos pelo Brasil. Nesse ponto, também há de ser ressaltado o papel da DPU que possui um GT exclu-sivo para o Trá� co de Pessoas, alinhando o

discurso de que é preciso tutelar também de forma macro o combate a essa prática que vitimiza a população mais vulnerável de nosso país.

Em todos os casos, vislumbramos a necessidade de que a prática jurídica bra-sileira se aproxime dos direitos humanos e das pessoas que mais sofrem a interferên-cia do Poder constituído brasileiro. Que a Defensoria Pública possa ser um canal de representação e reivindicação de direitos fundamentais da população mais vulnerá-vel de nosso país. Boa leitura!

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GT Indígenas

De todas as etapas que envolvem a construção de uma obra da envergadu-ra da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, certamente a mais traumática e dolorida para a população é a remoção compulsó-ria que precede a demolição dos imóveis. Seja na cidade, na roça, nas ilhas, nas reservas extrativistas ou às margens dos rios, muitas vidas e modos de vida serão

impactados de forma de� nitiva. No caso de Belo Monte, o quantitativo de famí-lias que verá parte de sua história reduzi-da a escombros superará oito mil.

Como forma de minorar ou mini-mamente compensar este dano, inúme-ras condicionantes foram impostas pelo IBAMA para instalação e construção da usina. O órgão licenciador � xou parâme-

tros para a elaboração do cadastro socioe-conômico (identi� cação das famílias resi-dentes nas áreas a serem desapropriadas, incluindo levantamento sobre atividade comercial), do cadastro físico-patrimo-nial (avaliação dos imóveis a serem desa-propriados após a confecção do caderno de preços) e das opções de atendimento aos atingidos (indenizações, unidade

GT´

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Belo Monte de violações: o reassentamento urbano Por Francisco de Assis Nobrega - Defensor Público Federal em Recife.

ao envio de criança ou adolescente para o exterior com inobservância das formalida-des legais ou com o � to de obter lucro”. O artigo 244-A, introduzido no ECA pela Lei 9.975/2000, criminalizou a con-duta de submeter criança ou adolescen-te à prostituição ou à exploração sexual. Observa-se que os artigos 238 e 239, de certa forma, permitem a punição dos au-tores de crimes relacionados ao trá� co de pessoas. Entretanto, existem hipóteses que não são abarcadas por esses artigos, como a do envio de criança ou adolescente para o exterior com a obediência de todas as formalidades legais, ou que não tenha o � to de obtenção de lucro. Da mesma maneira, não se criminaliza a conduta de promoção ou facilitação da entrada da criança ou adolescente, possível vítima do trá� co internacional, no território nacio-nal. Já o artigo 244-A permite a punição de autores do crime do trá� co de crianças e adolescentes apenas se estiver presente a exploração sexual.

Há ainda a Lei 9.434/1997, a Lei de Transplante, que, em seus artigos de 14 a 17, criminaliza as condutas de “remo-ver tecidos, órgãos, ou partes do corpo de pessoa ou cadáver”, “comprar ou vender tecidos, órgãos ou partes do corpo huma-no”, “realizar transplante ou enxerto utili-zando tecidos, órgãos ou partes do corpo humano de que se tem ciência terem sido obtidos em desacordo com os dispositivos desta Lei” e “recolher, transportar, guardar ou distribuir partes do corpo humano de que se tem ciência terem sido obtidos em desacordo com os dispositivos desta Lei”.

Observa-se, portanto, a partir da análise dos tipos penais existentes na le-gislação brasileira, que o Brasil criminaliza o trá� co internacional de pessoas para � ns de prostituição e o trá� co internacional de crianças e adolescentes independentemen-te da � nalidade. Entretanto, não há um tipo penal que criminalize diretamente o trá� co internacional de pessoas adultas para outras formas de exploração que não

seja a sexual, como a por trabalhos ou ser-viços forçados, escravidão ou formas aná-logas à escravidão, servidão ou transplante de órgãos, apesar de serem criminalizados os trabalhos ou serviços forçados, formas análogas à escravidão e o comércio de te-cidos, órgãos e partes do corpo humano.

Há claro descompasso entre o Pro-tocolo de Palermo e a legislação brasileira que, para se harmonizar com este, deveria de� nir um tipo penal básico para o tra� co de pessoas e os tipos derivados, a partir da � nalidade da exploração.

Em 26 de fevereiro de 2015, foi aprovado pelo Plenário da Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 7370/14, que traz diversas mudanças na legislação com o � m de coibir o trá� co nacional ou in-ternacional de pessoas, como o acesso fa-cilitado a dados de telefonia e internet e a especi� cação de outras modalidades do crime, coadunando-se com o Protocolo de Palermo.

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residencial no reassentamento urbano coletivo – RUC, aluguel social, carta de crédito/realocação assistida), vide itens 2.14, 2.15 e 2.16, da Licença de Instala-ção (LI 795/2011).

Em tese, a população deveria ter tido acesso livre ao cadastro socioeconô-mico e ao caderno de preços e estaria ga-rantido o direito de interferir em ambos ainda durante o processo de elaboração e, quanto ao atendimento pelo empreende-dor, a LI previu de forma cristalina que deverá ser garantida plena liberdade de escolha da população quanto aos diver-sos tipos de tratamento indenizatórios previstos no Plano Básico Ambiental (PBA), observadas as modalidades disponíveis para cada público. O PBA cuidou de separar os públicos: população urbana e população rural, trazendo op-ções especí� cas para cada um no tocante às formas de indenização, todas cunha-das no chamado princípio da reposição, isto é, deverá se proporcionar à família atingida situação melhor ou igual à an-teriormente vivenciada, jamais inferior. No entanto, nenhum destes direitos foi respeitado a contento, acumulando-se queixas de todas as ordens.

Nesse cenário, a Defensoria Pú-blica da União, coordenada pelo Grupo de Trabalho das Comunidades Indígenas, passou a atuar em caráter itinerante e a ter contato diário com as famílias de Altamira a partir de 19 de janeiro do corrente ano e, em apenas poucos dias, já foi possível testemunhar as inúmeras violações per-petradas pela empresa empreendedora, a Norte Energia S/A (NESA), aos ditames da licença de instalação acima aludidos, enumerando-se a seguir as denúncias mais frequentes levadas à DPU: i) di� culdade de acesso ao cadastro socioeconômico e impossibilidade de alterá-lo, mesmo de-monstrado à empresa o erro cometido que consistia, na maior parte dos casos, no não cadastramento de algum morador não presente no momento da entrevista; ii) a não participação da população afe-tada na confecção do caderno de preços, documento unilateralmente elaborado e apenas posteriormente divulgado pela NESA; iii) a não revisão/atualização do valor das benfeitorias contido no caderno de preços, cristalizado em 2012, sendo que as indenizações só começaram a ser pagas em 2014; iv) o valor irrisório atribu-ído pela empresa à terra nua, em total des-compasso com o reajuste exorbitante no preço do terreno ocasionado, sobretudo,

pela chegada do empreendimento à cida-de; v) ausência de informação quanto ao início/término do cadastro, ao real alcance e signi� cado do “congelamento dos imó-veis” e as formas de atendimento previstas no PBA para as famílias; vi) in� exibilida-de e intimidação da Diagonal (empresa contratada pela NESA) na condução das negociações com a população, que se sen-tia pressionada a aceitar a opção de aten-dimento, ante a ameaça de ser removida judicialmente “sem direito a nada”;

Nada obstante a gravidade dos relatos acima, talvez a maior violação de todo o processo de reassentamento de Belo Monte se ache nos famigerados “critérios de elegibilidade”, isto é, nos parâmetros interpretados unilateralmen-te pelo empreendedor para enquadrar as famílias nas diversas opções de atendi-mento inscritas no PBA.

Sem ouvir a população alvo do atendimento (como ordenava o PBA, precisamente às � s. 254: os critérios de elegibilidade devem ser abrangentes e ajus-tados às especi� cidades de cada grupo me-diante um processo de participação comu-nitária), a NESA, afrontando a garantia contida na LI de que a família afetada deveria poder escolher livremente a me-lhor opção de indenização, criou hipóte-ses de elegibilidade para reassentamento urbano coletivo, para indenização, para aluguel social e para realocação assistida (carta de crédito), impondo apenas uma dessas opções em alguns casos, isto é, retirou da população qualquer liberdade para optar. Estabeleceu-se, sem qualquer rigor técnico, diversas categorias de famí-lias (conviventes, agregadas, ocupantes de imóveis cedidos, inquilinos residen-ciais), as quais apenas seriam ofertadas uma ou, no máximo, duas modalidades de atendimento. Estes critérios, previstos no quadro 4.4.2.8-3, do PBA ( � s. 254), deveriam ter sido colocados em discussão para serem aprovados pela comunidade. Desnecessário frisar que nenhum cida-dão atendido pela DPU relatou ter parti-cipado de qualquer debate neste sentido, isto é, cuida-se de mais um descumpri-mento atroz de uma determinação do Plano Básico Ambiental - PBA.

Como re� exo imediato desta falta de diálogo e exemplo mais evidente da arbitrariedade do procedimento, tem-se a elegibilidade no caso das chamadas “fa-mílias ocupantes de imóveis cedidos”. Se-gundo o critério determinado pela NESA, estas famílias apenas seriam elegíveis a

aluguel social pelo período de 12 (doze) meses, entretanto, uma família ocupante de imóvel cedido corresponde a um nú-cleo familiar que vive gratuitamente num imóvel de terceiro (na maioria das vezes um parente) cedido para esta � nalidade, isto é, cuida-se de uma família que não pagava aluguel. Por qual razão esta famí-lia não teria direito a recomposição de sua moradia? Qual sentido em remover com-pulsoriamente um núcleo familiar inteiro e lhe obrigar a viver de aluguel?

Ao deixar de efetivamente garantir casa às famílias removidas, restou vulnera-do o direito humano universal à moradia, expressamente reconhecido tanto na Cons-tituição Federal de 1988 (art. 6ª, caput), como em diversos diplomas internacionais, todos rati� cados e em vigor no Brasil:Declaração Universal dos Direitos Hu-manos (DUDH)

“Artigo 25, Parágrafo 1º Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saú-de e bem estar, inclusive alimentação, ves-tuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência fora de seu controle.”Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (PIDCP)

“Artigo 17, parágrafo 1º Ninguém poderá ser objeto de ingerências arbitrárias ou ilegais em sua vida privada, em sua família, em seu domicílio ou em sua cor-respondência, nem de ofensas ilegais à sua honra e reputação.”Pacto Internacional de Direitos Eco-nômicos Sociais e Culturais (PIDESC)

“Artigo 11, parágrafo 1º Os esta-dos-partes no presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa a um nível de vida adequado para si próprio e para sua famí-lia, inclusive à alimentação, vestimenta e moradia adequadas, assim como uma melhoria contínua de suas condições de vida. Os Estados-partes tomarão medidas apropriadas para assegurar a consecução desse direito, reconhecendo, nesse sentido, a importância essencial da cooperação inter-nacional fundada no livre consentimento”. (grifo nosso)

Sobre esse direito, a Recomen-dação Geral n. 4, do Comitê Geral da ONU, esclarece que:

“7. Na visão do Comitê, o direito à moradia não deveria ser interpretado em um sentido restritivo que o equiparas-

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A temática envolvendo substân-cias entorpecentes é sempre presente na sociedade de um modo geral e, igual-mente, no meio jurídico, pois é assun-to afeto à saúde pública, bem como às políticas públicas relacionadas a medidas para prevenção do uso indevido, reinser-ção social de usuários e dependentes de drogas, e também ao direito penal.

Em âmbito penal, a entrada em vigor da Lei nº 11.343 de 2006 trou-xe signi� cativa mudança em relação ao usuário de drogas, ao prever, em seu ar-tigo 28, infração penal sui generis, pois as condutas ali descritas, quais sejam, adquirir, guardar, ter em depósito, trans-portar ou trazer consigo, para consumo

pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, embora típicas, deixaram de ter pena de privação da liberdade, ha-vendo a previsão das penas de advertên-cia, prestação de serviços à comunidade e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. Segundo o entendimento do Supremo Tribunal Federal, a nova lei de drogas provocou a “despenalização” do usuário entendida como a exclusão, para o tipo, das penas privativas de liberdade.

Recentemente o debate envolven-do o porte de drogas para o consumo próprio voltou à mídia e ao cenário ju-rídico em razão da retomada, pelo Ple-

Câmara de Coordenação e Revisão Criminal e a descriminalização do porte de drogas para consumo próprio

nário do Supremo Tribunal Federal, do julgamento do Recurso Extraordinário nº 635659, com repercussão geral, no qual se discute a constitucionalidade do artigo 28 da Lei de drogas. Para além da despenalização, o que se discute agora é a descriminalização.

O caso que está sendo analisado pelo Supremo Tribunal Federal envolve a condenação do réu à prestação de ser-viços à comunidade por portar três gra-mas de maconha para consumo próprio. A Defensoria Pública do Estado de São Paulo, que defende o acusado, recorreu dessa condenação argumentando que essa tipi� cação penal ofende o princípio da intimidade e da vida privada, previsto

Por Maria do Carmo Goulart Martins Setenta - Defensora Pública Federal em Porto Alegre.

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se com, por exemplo, o abrigo obtido por ter apenas um telhado sob a cabeça (...) Ao contrário, deve ser visto como o direito de viver em algum lugar em segurança, paz e dignidade (...).” (grifo nosso)

Acerca dos DESPEJOS FORÇA-DOS, a Recomendação Geral n. 7, do Comitê Geral da ONU, esclarece que:

“3. O uso do termo ‘despejos força-dos’ mostra-se, de alguma forma, proble-mático (...) esta abordagem é reforçada pelo parágrafo 1 do art. 17 do Pacto Inter-nacional dos Direitos Civis e Políticos que complementa o DIREITO A NÃO SER DESPEJADO FORÇADAMENTE SEM UMA PROTEÇÃO ADEQUA-DA” (...) Portanto, os Estados-partes devem rever a legislação e políticas vi-gentes para que sejam compatíveis com as exigências do direito a uma moradia adequada e derrogar ou emendar toda lei ou política que não sejam conforme a disposição do pacto” (grifo nosso).

Como se extrai dos dispositivos acima, o direito à moradia não se encerra na mera garantia de um teto. A ele está atrelado o valor da dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos da Repú-blica Federativa do Brasil, expressamente

previsto no art. 1°, da CF/88, aqui tradu-zido na garantia de uma moradia digna, isto é, um local seguro, salubre, com aces-so aos equipamentos públicos indispensá-veis, como saneamento básico, transporte, postos de saúde, escolas públicas, etc. Es-tas garantias, diga-se, também estão ex-pressas no PBA, no entanto, a população reclama diariamente da ausência desses serviços públicos, antes próximos de suas residências e acessíveis a todos.

Como um alento em meio a este cenário de agressões, a presença da De-fensoria Pública da União em Altamira traduz a garantia de que os ataques ao direito à moradia e às normas do licen-ciamento, principalmente (mas não ex-clusivamente) na seara individual, serão submetidos à apreciação judicial.

Nesses meses de atuação itineran-te, a DPU buscou, através do estabeleci-mento de um canal de diálogo direto com a NESA, minimizar o sofrimento dessas famílias e celebrar acordos que, em sua grande maioria, só foram possíveis após a � exibilização da interpretação dada pela empresa aos critérios de elegibilidade.

Desde a inauguração da mesa de negociação, mais de 70 (setenta) famílias

não cadastradas ou anteriormente consi-deradas “inelegíveis” foram contempladas com uma casa no reassentamento urbano coletivo (RUC), sem mencionar as mui-tas dezenas de indenizações e os aluguéis sociais conseguidos. A procura é intensa e não diminuiu com o passar do tempo, já tendo sido instaurados aproximadamente 1.300 (hum mil e trezentos) procedimen-tos de assistência jurídica no âmbito da DPU e centenas de novos atendimentos estão agendados, o que demonstra o alto índice de insatisfação da população e a quantidade de famílias não incluídas no cadastro socioeconômico da empresa.

Testemunhar esse processo brutal de remoção compulsória da população urbana de Altamira, conduzido pelo em-preendedor ao arrepio de inúmeras deter-minações do licenciamento e sem � scali-zação efetiva do IBAMA, é tarefa difícil e, em certos momentos, desesperadora. O fosso entre o poderio do empreendimento e a capacidade de resistência da população é atroz e a sensação de impotência, em al-guma medida, é inevitável. Contudo, se há algo de belo, nesse monte de injustiças, é a coragem e a determinação do povo em lutar pelos seus direitos.

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no artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal, além disso, alega que não há le-sividade na hipótese de porte de drogas para uso próprio, uma vez que tal condu-ta não afronta a saúde pública.

O Recurso está sob a relatoria do Ministro Gilmar Mendes e, além das par-tes diretamente envolvidas, conta com a participação de entidades admitidas no feito na condição de amicus curiae. En-tre elas, muitas defendem a constitucio-nalidade do dispositivo legal, a exemplo da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol), Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM), Associação Brasileira de Estu-dos do Álcool e outras Drogas (ABEAD) e Central de Articulação das entidades de Saúde (Cades). Outras tantas se po-sicionam pela inconstitucionalidade do tipo penal, entre as quais, o Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), o Instituto Brasileiro de Ciências Cri-minais (IBCCRIM), Conectas Direitos Humanos, Instituto Terra Trabalho e Ci-dadania e Pastoral Carcerária.

O Ministro Relator, Gilmar Men-des, apresentou, no dia 20 de agosto, voto no sentido de dar provimento ao recurso e declarar a inconstitucionalidade do arti-go 28 da Lei de Drogas, sem redução de texto, de forma a preservar a aplicação na esfera administrativa e cível das sanções, pois defende que os efeitos não penais de-vem continuar em vigor como medida de transição, enquanto não se estabelecem novas regras para prevenção e combate do uso de drogas. Segundo seu entendimen-to, a criminalização estigmatiza o usuário e compromete medidas de prevenção e redução de danos. Destacou ainda que se trata de punição desproporcional, ine� caz no combate às drogas e que viola o direito constitucional à personalidade.

Também já votaram os Ministros Edson Fachin e Luís Roberto Barroso, ambos declarando a inconstituciona-lidade do tipo penal. O primeiro de-les ressalvou que seu posicionamento é restrito à droga objeto do recurso (maconha). O segundo acrescentou a necessidade de legislação que estabele-

ça as quantidades mínimas que sirvam de parâmetro, sugerindo o limite de 25 gramas de maconha ou a plantação de até seis plantas fêmeas da espécie.

Se reconhecida a inconstituciona-lidade pelo STF, tal decisão terá interfe-rência no trabalho desenvolvido pela De-fensoria Pública da União, especialmente nas ações penais envolvendo a Justiça Militar da União, onde a tipi� cação do porte de drogas está previsto no artigo 290 do Código Penal Militar e prevê pena de um a cinco anos de reclusão.

São recorrentes os arquivamentos que chegam até a Câmara de Coordenação e Revisão Criminal envolvendo o porte de ín� ma quantidade de maconha por mili-tares. Embora seja desproporcional a san-ção, muitos réus manifestam desinteresse em recorrer, justamente porque são míni-mas as chances de absolvição nas instân-cias superiores. Entretanto, o julgamento do RE 635659 traz esperanças aos opera-dores do direito que almejam a retirada do usuário de drogas do âmbito penal.

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Desde o ano de 1992, estão em vi-gor no Brasil dois importantes tratados internacionais de direitos humanos, os quais contêm normas no sentido de que toda pessoa presa tem o direito de ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz. Trata-se do artigo 7, item 5, da Convenção Americana sobre Di-reitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica)1 , e do artigo 9, item 3, do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos2 .

Apesar de as referidas normas con-vencionais serem muito claras, e a des-peito de o Brasil havê-las incorporado ao seu ordenamento jurídico interno há mais de vinte anos, são muito recen-tes as iniciativas reais para possibilitar o seu cumprimento no sistema de jus-tiça brasileiro. A� nal, a prática no Bra-sil sempre foi a apresentação da pessoa presa em � agrante apenas à autoridade policial, isto é, ao delegado de polícia.

1 Com o texto aprovado pelo Decreto Legislativo nú-mero 27, de 26 de maio de 1992, e promulgada pelo De-creto número 678, de 06 de novembro de 1992.

2 Com o texto aprovado pelo Decreto Legislativo nú-mero 226, de 12 de dezembro de 1991, e promulgado pelo Decreto número 592, de 06 de julho de 1992.

Ao juiz, era destinada somente a comu-nicação da ocorrência da prisão.

Nesse sentido, a Constituição da República de 1988, em seu artigo 5.º, inciso LXII, determina que “a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encon-tre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada”. Bem assim, o Código de Processo Penal, em seu artigo 306, § 1.º, com a redação dada pela Lei 12.403/2011, estabelece que “em até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, será encaminhado ao juiz competente o auto de prisão em � agrante e, caso o autuado não informe o nome de seu advogado, cópia integral para a Defensoria Pública”.

Evidentemente, essa mera comuni-cação ao juiz sobre a ocorrência de uma prisão em � agrante não constitui medi-da su� cientemente apta para dar cum-primento às disposições convencionais acima referidas. A mera comunicação da prisão, ainda que acompanhada do auto de prisão em � agrante respectivo, é algo que � ca muito aquém do dever estatal de conduzir o preso à presença da

autoridade jurisdicional.Com o escopo de pôr � m às mais

de duas décadas de renitente descum-primento dos referidos tratados inter-nacionais, há iniciativas legislativas em tramitação no Congresso Nacional. É o caso do Projeto de Lei do Senado nú-mero 156/2009, que institui o Novo Código de Processo Penal, e também do Projeto de Lei do Senado número 554/2011, que altera o § 1.º do artigo 306 do Código de Processo Penal em vigor para determinar o prazo de vinte e quatro horas para a apresentação do preso em � agrante à autoridade judicial.

Com a mesma � nalidade - dar cum-primento aos mencionados tratados internacionais -, alguns Tribunais de Justiça, impulsionados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), passaram a editar atos normativos internos para regulamentar o modo pelo qual os seus órgãos jurisdicionais devem assegurar a efetividade do direito do preso de ser conduzido, sem demora, à presença do juiz.

Essa prática dos Tribunais de Justi-ça tem sido objeto de críticas variadas,

A regulamentação da audiência de custódia (ou de apresentação) por ato de Tribunal viola a Constituição? Por Antonio Ezequiel Inácio Barbosa – Defensor Público Federal em Brasília

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notadamente, para questionar a consti-tucionalidade dos atos regulamentares expedidos pelo Poder Judiciário para disciplinar a realização das audiências de custódia.

Em linhas gerais, os opositores da audiência de custódia argumentam que os atos regulamentares expedidos pe-los Tribunais de Justiça padeceriam do vício de inconstitucionalidade formal, pois usurpariam a competência federal para legislar sobre direito processual. Ademais, ofenderiam o princípio da legalidade, por criar regras processuais e por estabelecer normas de condu-ta para juízes, promotores, defensores públicos e delegados de polícia, tudo mediante ato infralegal.

Alega-se ainda que os provimentos dessa natureza violariam o princípio da separação de poderes, porquanto seriam utilizados pelo Poder Judiciário para estabelecer novas atribuições aos delegados de polícia e seus agentes, os quais seriam subordinados ao Poder Executivo, nos termos do § 6.º do arti-go 144 da Lei Maior.

Essas críticas não procedem.Não há que se falar em usurpação de

competência federal para legislar nem em violação ao princípio da legalidade, uma vez que o ato expedido por Tribu-nal de Justiça para regular a realização da audiência de custódia não introduz nenhuma inovação no ordenamento jurídico. Cuida-se, apenas, de ato de natureza regulamentar, que busca dis-ciplinar o cumprimento de normas vigentes no Brasil há muito tempo. Trata-se, pois, do legítimo exercício da atribuição dos Tribunais de Justiça de dispor sobre a competência e funcio-namento de seus órgãos jurisdicionais, prevista no artigo 96, inciso I, alínea “a”, da Constituição da República.

Somente seria correto a� rmar a existência de inovação no ordenamento jurídico se o ato regulamentar preten-desse criar para o preso o direito de ser conduzido, sem demora, à presença do juiz. Porém, como se veri� ca claramen-te dos tratados internacionais acima mencionados, esse direito é autônomo e preexistente à edição do ato pelo Tri-bunal e continuará a existir ainda que tal ato regulamentar venha a ser supri-mido.

Por outro norte, são equivocadas também as a� rmações no sentido de que a regulamentação da audiência de

custódia, expedida por Tribunal de Jus-tiça, implicaria a criação de novas atri-buições aos delegados de polícia e seus agentes, aos membros do Ministério Público e aos membros da Defensoria Pública.

Especi� camente no que diz respeito aos delegados de polícia e seus agentes, é a própria Constituição da República quem atribui à Polícia Federal (artigo 144, § 1.º, inciso III) e às Polícias Civis (artigo 144, § 4.º), além da apuração de infrações penais, o exercício das fun-ções de polícia judiciária.

As atividades incluídas dentre as funções de polícia judiciária são muito vastas, impossíveis de serem previstas taxativamente pelo texto legal. Tanto assim, que o Código de Processo Penal prefere utilizar uma fórmula genérica para determinar que incumbe à auto-ridade policial, além de outras atribui-ções, “realizar as diligências requisitadas pelo juiz ou pelo Ministério Público”.3

Desse modo, o critério de identi� -cação das funções de polícia judiciária, como a própria nomenclatura indica, deve ser a veri� cação de seu caráter instrumental de auxílio ao Poder Judi-ciário para o exercício das competên-cias que lhes são próprias no desempe-nho da jurisdição penal. Essas funções abrangem, dentre outras providências, o cumprimento de requisições judi-ciais, mandados de prisão ou de busca e apreensão, a condução coercitiva de testemunhas e também a condução de presos para serem ouvidos pelo juiz.

Ademais, a realização de atividades destinadas a auxiliar o Poder Judiciá-rio, próprias das funções de polícia judi-ciária, nada tem a ver com a relação de subordinação administrativa existente entre os servidores da Polícia Civil e os Governadores dos Estados. Cuida-se, isso sim, do cumprimento de atribui-ção determinada pela própria Consti-tuição da República e pela legislação processual penal, de modo que não há de se falar em nenhuma ofensa ao prin-cípio da separação dos poderes.

Bem assim, com relação aos mem-bros do Ministério Público e aos membros da Defensoria Pública, o

3 Na mesma esteira, a Lei Complementar 80/1994 esta-belece a prerrogativa dos membros da Defensoria Pública de “requisitar de autoridade pública e de seus agentes exa-mes, certidões, perícias, vistorias, diligências, processos, documentos, informações, esclarecimentos e providências necessárias ao exercício de suas atribuições” (artigo 44, in-ciso X, artigo 89, inciso X, e artigo 128, inciso X).

atendimento ao expediente forense e a participação dos atos judiciais são atividades compreendidas dentre os deveres previstos nas respectivas leis or-gânicas. Em verdade, portanto, a atua-ção desses agentes públicos, com rela-ção à audiência de custódia, em nada extrapola o conjunto de suas funções típicas, previstas tanto na Constituição da República quanto em seus estatutos próprios.

A conclusão, portanto, é de que a edição de ato regulamentar pelos Tri-bunais para disciplinar a realização de audiência de custódia não enseja ne-nhuma violação, em tese, à Constitui-ção da República.

Por � m, é de se destacar que a con-� rmação da constitucionalidade da regulamentação das audiências de cus-tódia pelos Tribunais de Justiça já foi sedimentada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Isso ocorreu, recente-mente, no dia 20/08/2015, quando a Corte Suprema julgou improcedente o pedido formulado na ação direta de inconstitucionalidade 5.240/SP, por meio da qual a Associação dos Dele-gados de Polícia do Brasil (ADEPOL/BRASIL) pleiteava fosse declarada in-constitucional a regulamentação edita-da pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ/SP).

A partir dessa decisão proferida pelo STF, parece razoável esperar que todos os Tribunais brasileiros passem a regulamentar o tema em seus respecti-vos âmbitos de competência. É que o Tribunal que não adota providências para que a audiência de custódia seja implementada nos locais sujeitos à sua jurisdição está, na prática, negando vigência aos tratados internacionais que garantem ao preso o direito de ser conduzido, sem demora, à presença do juiz. Nesse cenário, à Defensoria Públi-ca, no desempenho de sua incumbên-cia de promoção dos direitos humanos (artigo 134, caput, da Constituição), parece incumbir a busca intransigente pela observância desse direito.

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entrevista Entrevista com Amilton Bueno de Carvalho concedida à ESDPU por e-mail em 06/08/2015.

1. Como o Poder Judiciário tem atuado para enfrentar o proble-ma da criminalidade hoje no Brasil? Na sua opinião, a questão da segurança pública tem afetado a atuação do Poder Judiciário?

R. Para mim, a questão é de fun-do, anterior, portanto: entendo que o Poder Judiciário não faz parte do apa-rato de segurança pública. Juiz não é “guarda de quarteirão” (Alberto Silva Franco). No momento em que o Juiz-Judiciário se “envolve” com a segurança pública (seja lá o que isso queira dizer) se estabelece uma relação incestuosa entre acusador e julgador, com a des-truição dos direitos do cidadão.

O terrível, na nossa realidade, é que a hegemonia dos juízes atua na direção

persecutória - acreditam-se “guardas de quarteirão” -, logo as garantias do cidadão-acusado terminam por serem relativizadas, a militância inquisitória encampa o imaginário judicante e o resultado é a banalização da prisão - prende-se desavergonhadamente para extrair con� ssão, por exemplo.

A dor é perceber que são raros aque-les que tem a “vida constitucionaliza-da”: comprometidos com a preservação dos direitos do réu, seja ele quem for, seja qual o delito cometido. Têm olhar pueril de que há con� ito entre os direi-tos de todos (os tais “bons” – lembro Nietzsche: “o dia que conheci o ho-mem bom, tive nojo da humanidade”) e os do acusado (o portador do “mal”), sem saber que não há con� ito entre o um e o todo, que o todo é a soma de to-dos os “um”, que garantir os direitos do um é garantir os de todos (Luc Férry).

2. O senhor acredita que há uma tendência de se reduzir garantias constitucionalmente estabeleci-das no processo penal?

R. Sim, como disse anteriormen-te, o Juiz se acredita fazer parte inte-grante do aparato de segurança públi-ca. Logo, a lógica, o olhar primeiro, a presunção é de culpa, em agressão, por exemplo, ao princípio da presun-ção de inocência.

3. A que o senhor atribui essa corrente de pensamento ligada à pretensão de redução da maiori-dade penal?

R. Peço desculpas, mas me sinto um perfeito idiota ter que discutir isso.

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TASVOCÊ SABIA QUE...

... o site da Defensoria Pública da União, conta com um Repositório do conhecimento? O Re-positório do Conhecimento é uma plataforma, de livre acesso e categorizada de acordo com o material disponibilizado, que visa disseminar o conhecimento adquirido por meio de cursos de formação, palestras, cursos de curta e longa du-ração, programas de extensão etc. em que De-fensores Públicos Federais tenham participado. Visite o portal e acesse o material que se encon-tra disponível no site http://www.dpu.gov.br/esdpu/repositorio.

...

Está previsto para início de 2016, seleção para ingresso no PROGRAMA DE CAPACITAÇÃO E ESPECIALIZAÇÃO DE DEFENSORES PÚ-BLICOS FEDERAIS E SERVIDORES PARA CURSOS DE LONGA DURAÇÃO e para o PROGRAMA DE INCENTIVO AO ESTUDO DE IDIOMA ESTRANGEIRO. Todas as informações estarão disponí-veis em: www.dpu.gov.br/esdpu.

FIQUE POR DENTRO

Aconteceu o Programa de Intercâmbio do Bloco de Defensores Públi-cos do Mercosul, coordenado pela Defensoria Pública da União (DPU), entre 23 de novembro a 04 de dezembro de 2015. Durante o evento, oito defensores públicos, dois de cada país do Bloco – argentinos, chi-lenos, uruguaios e venezuelanos – tiveram a oportunidade de vivenciar o trabalho dos defensores públicos brasileiros, conhecendo sua atuação perante a Justiça das mais diversas especialidades, as práticas relacionadas ao atendimento ao público e formas de gestão

SELEÇÕES INTERNAS

Aconteceu o curso de preparação à carreira destinado aos 60 Defensores Públicos Federais empossados. Durante sete dias de formação, os novos integrantes da instituição foram prepa-rados para desa� os como a abertura de novas unidades e a proteção de populações especial-mente vulneráveis. Recebidos pelo Defensor Público- Geral Federal Haman Tabosa, os no-vos defensores conheceram a história da DPU, as recentes conquistas e os direitos constitucio-nais da instituição.

FIQUE POR DENTRO

Foi realizado entre os dias 28 de setembro e 11 de novembro de 2015, o curso de curta duração “NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL – SUAS ALTERAÇÕES E POLÊMICAS”. O curso teve por objetivo geral capacitar, no novo Código de Processo Civil – CPC, Defensores Públicos Federais que atuam em questões práti-cas afetas ao tema. O curso obteve carga horária de 40 horas/aula e contou com a participação de 30 Defensores Públicos Federais e contará com novas turmas.

Tenho recusado falar sobre esse tema. Sinto-me mal: a irracionalidade me pa-rece de tal forma agressiva, uma tama-nha infantilidade, uma simpli� cação absurda de um fenômeno complexo, que impossibilita diálogo com os de-fensores da redução da idade penal.

Há crença na pretensão carcerária, no simpli� cador discurso de que a pri-são reduz a violência. Para mim, isso é mera fé e fé independe de prova, basta por si mesmo, é-porque-é.

4. Qual a mensagem o senhor legaria aos defensores públicos para o desempenho de suas ati-vidades?

R. Teoricamente tenho me ocupado do atuar do Defensor Público – desde meu olhar representa o novo e a possi-bilidade da gestação do novo abalador da velha estrutura no espetáculo jurídi-

co – tanto que tenho escrito sobre isso, inclusive no meu último livro.

Nietzsche parte do pressuposto de que só há justiça entre iguais, quando ocorre igualdade.

Então, se isso é verdade (e eu creio que seja), penso que o Defensor deve ter a fantástica competência para tor-nar a luta processual “igualizada”, ape-sar de toda a desigualdade imposta pelo sistema e pela vida.

Na preservação dos direitos do “um” (o que sofre a perseguição penal) contra a fúria de “todos” (investigador, acusador, julgador, imprensa, socieda-de neurotizada), só existe o Defensor, só ele, apenas ele.

Neste contexto, parece que o De-fensor não pode ser qualquer um, qua-se um além-do-humano, “uma dinami-te” na expressão nietzschiana.

Defensoria, desde meu olhar, não é local destinado a burocratas, a incom-petentes, a insensíveis socialmente, a “adoradores” ou subservientes ao poder (onde se localiza a “lama”, diz Nietzs-che), a “odiadores” do cheiro da pobre-za, a pequenos burgueses perfumados.

Talvez Nietzsche dê uma pista: “O que destrói mais rapidamente do que trabalhar, pensar, sentir sem uma ne-cessidade interna, sem uma escolha profundamente pessoal, sem ‘prazer’? Na condição de autômato do ‘dever’? Essa é precisamente a ‘receita’ para a ‘décadence’, até para o idiotismo”. (O Anticristo, capítulo 11).

A quem se destina a Defensoria? Ainda precisamos descobrir. Contem comigo nesta procura.

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CHAMADA DE TRABALHOS PARA A REVISTA DA DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO ARTIGOS – RESENHAS - BOAS PRÁTICAS INSTITUCIONAIS - ESTUDO DE CASO.

PRAZO: 20 DE MARÇO DE 2016

A Revista da Defensoria Pública da União receberá, até o dia 20 de março de 2016, artigos, resenhas e boas práticas institucionais/estudos de caso com temas referentes à Defensoria Pública, à pro-moção dos Direitos Humanos e ao acesso à Justiça.

ARTIGOSpublicações de textos inéditos produzidos com o intuito de apresentar métodos, análises e resultados de estudos realizados que proporcionem o conhecimento e a refl exão sobre ideias e/ou hipóteses desenvolvidas pelo autor;

RESENHAS texto de caráter opinativo que interprete, analise, descreva e/ou enumere aspectos relevan-tes sobre uma outra obra;

BOAS PRÁTICAS INSTITUCIONAIS:

textos que apresentem programas, projetos e/ou experiências institucionais que contri-buíram para a promoção do trabalho da Defensoria Pública, dos direitos humano e do acesso à justiça.

Confi ra as regras de submissão na página da revista: www.dpu.gov.br/esdpu/revista Todos os trabalhos deverão ser enviados por e-mail para a Escola Superior da Defensoria Pública da União: [email protected]

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