atuaÇÃo docente e desenvolvimento moral: um
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ
MIGUEL WILLIAN MALACRIDA
ATUAÇÃO DOCENTE E DESENVOLVIMENTO MORAL: UM
ESTUDO NA PERSPECTIVA PIAGETIANA
MARINGÁ
2011
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MIGUEL WILLIAN MALACRIDA
ATUAÇÃO DOCENTE E DESENVOLVIMENTO MORAL: UM
ESTUDO NA PERSPECTIVA PIAGETIANA
Trabalho de Conclusão de Curso dePedagogia apresentado a UniversidadeEstadual de Maringá como requisito parcialpara a obtenção do título de Graduação eLicenciatura em Pedagogia.
Orientadora: Profa. Dra. Luciana MariaCaetano
Maringá-Pr.
2011
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FOLHA DE APROVAÇÃO
Miguel Willian Malacrida
ATUAÇÃO DOCENTE E DESENVOLVIMENTO MORAL: UM ESTUDO NAPERSPECTIVA PIAGETIANA.
Trabalho de Conclusão de Curso dePedagogia apresentado a UniversidadeEstadual de Maringá como requisito parcialpara a obtenção do título de Graduação eLicenciatura em Pedagogia.
Trabalho defendido e aprovado em 22/11/2011.
Banca Examinadora
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Instituição: _______________________ Assinatura: ___________________________
Instituição: _______________________ Assinatura: ____________________________
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Instituição: _______________________ Assinatura: ____________________________
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Instituição: _______________________ Assinatura: ____________________________
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DEDICATÓRIA
Para minha mãe Neusa Rosa da Silva
Malacrida, meu pai José Miguel Malacrida,
aos meus avós e padrinhos, Ana Sperandio
Malacrida e Oscar Malacrida, meus avós
maternos Maria Ribeiro e Julio Rodrigues
da Silva, pelo apoio incondicional, também
aos amigos da Comunidade São Paulo
Apóstolo.
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AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente a Deus, pois ele é a força maior que nos impulsiona a
fazer as coisas boas e gratificantes da vida.
Em segundo lugar quero agradecer a minha família e parentes, por terem me
apoiado incondicionalmente nesse período de estudos, alegrias e angústias.
Posteriormente, quero agradecer aos meus colegas de curso que estão concluindo junto
comigo essa etapa e aos professores e profissionais desta instituição de ensino superior.
Não poderia deixar de fazer menção á professora Dr. Luciana Maria Caetano,
orientadora dessa pesquisa, pela sua disponibilidade, empenho e boa vontade de me
orientar neste trabalho de conclusão, também sua aceitação, compromisso e força de
vontade fizeram toda a diferença na produção desse trabalho.
Agradeço ainda as professoras do Departamento de Teoria e Prática de
Educação, Dr. Geiva Carolina Calsa e Dr. Leonor Dias Paini, elas como outras
professoras do curso a serem lembradas nesse momento importante merecem menção
por terem me acolhido em seus grupos de estudo, monitorias e pela orientação
concedida nos projetos de pesquisa, desenvolvidos na instituição em conjunto com a
fundação Araucária.
Esse trabalho de conclusão significa uma etapa importante da minha vida
pessoal vencida, pois realizarei um sonho que tenho desde infância, ser professor e isso
foi além de minhas expectativas, pois aprendi que acima de tudo temos que assumir
nossa profissão com amor e com um desempenho qualitativo. Agradeço a todos os
amigos de curso e professores, que compartilharam comigo os momentos vividos na
UEM.
Uma frase do célebre pensador e educador Paulo Freire ilustra esse momento:
“Se a educação sozinha não transformar a realidade, sem ela tão pouco a sociedade
muda”. Portanto, a hora é essa, de mudar, de enfrentar os desafios que estarão por vir na
profissão de pedagogo afim de favorecer um trabalho concernente as necessidades
sociais e humanas.
Obrigado pelo apoio de todos que me acompanharam dia-dia, principalmente
minha família, meus pais, irmãos e avós principalmente. Obrigado Pai celestial por mais
essa graça alcançada em minha vida.
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MALACRIDA, Miguel Willian. Atuação docente e desenvolvimento moral: umestudo na perspectiva piagetiana. Trabalho de Conclusão de Curso em graduação emPedagogia da Universidade Estadual de Maringá, 2011.
RESUMO
Resumo: O conceito “moral” pode ser compreendido como um conjunto de regras e de normasque regulam o comportamento do homem e sua ação na sociedade, sendo assim esses valores eprincípios podem ser construídos por meio de práticas escolares que necessitam ser concernentea formação moral e ética do indivíduo, tendo em vista que o sujeito constrói sua identidadeformativa também nas relações sociais informais que estabelece com outros sujeitos diante docontexto cultural no qual estão inseridos. A instituição escolar precisa ser vista como umambiente favorável para a socialização a fim de facilitar a troca de experiências, pois é o localque pode viabilizar ao educando o acesso concreto e significativo a aprendizagem sistematizadae no que se refere às regras de convivência social. Nesta perspectiva, este estudo teve por intuitoinvestigar como o desenvolvimento moral pode ser facilitado pela escola, por meio de jogoscom regras. O estudo mostrou que em situação de jogo é possível favorecer com que os alunosreflitam e discutam sobre as regras dos jogos e percebam a necessidade de seguir normasquando em uma situação de grupo, bem como a possibilidade de modificá-las quando houveracordo por parte de todos os membros do grupo.
PALAVRAS-CHAVE: trabalho docente, desenvolvimento moral, jogo de regras.
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SUMÁRIO
Capítulo Página
1A teoria do juízo moral da criança em Jean Piaget (1932/1994)............. 11
1.1 Sobre os jogos de regras e o desenvolvimento moral da criança:
uma análise do estudo sobre o Jogo “Bolinhas de Gude” na teoria
de Piaget........................................................................................... 12
1.2 Sobre a justiça distributiva e a justiça retributiva da consciência
moral em Piaget...............................................................................16
2 O trabalho docente no que concerne o favorecimento do
desenvolvimento moral da criança: resultados e análise de uma
pesquisa empírica realizada com alunos de uma escola pública………. 20
2.1. Registro das sessões de coleta de dados………………………………. 26
2.2 Considerações sobre o resultado da pesquisa e o papel do docente…… 34
3 Algumas considerações sobre a importância do trabalho docente para
o desenvolvimento moral da criança…………………………………….
37
Considerações finais...............................................................................
REFERËNCIAS -------------------------------------------------------------------
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INTRODUÇÃO
Essa pesquisa é referente ao trabalho de conclusão do curso de Pedagogia,
conforme exigências do componente curricular obrigatório dessa instituição. Neste
trabalho será apresentado um estudo referente ao tema do desenvolvimento moral na
criança e como este se constrói, tendo como base a teoria do juízo moral da criança,
presente na obra “O Juízo Moral na Criança” de Jean Piaget (1994).
O problema de pesquisa desse trabalho de conclusão de curso é responder a
seguinte questão: qual o papel do docente na construção do desenvolvimento moral da
criança? Portanto, procuraremos defender a hipótese da necessidade de que a educação
moral também esteja incluída na ação prática do professor em sala de aula, viabilizando
uma mudança consciente e reflexiva de postura e de hábitos adotados no convívio social
pelo individuo.
Diante disso, utilizamos no primeiro capítulo a teoria do Juízo Moral de Piaget
(1994), sendo que esse é o referencial teórico desse trabalho. Analisamos as suas
considerações sobre o papel do trabalho docente para o favorecimento do
desenvolvimento moral infantil.
Posteriormente, no segundo capítulo respectivamente, serão descritas as
diferentes propostas de trabalho docente a partir da teoria do desenvolvimento moral de
Piaget (1994), apresentando os resultados obtidos analisados e os comentários
fundamentados acerca de uma pesquisa empírica com jogos de regras, que foi realizada
com um grupo de alunos que freqüentam a sala de recursos de uma escola pública.
Por fim, no terceiro capítulo a ênfase será a de argumentar com embasamento
científico sobre os níveis de desenvolvimento moral que a criança constrói por meio das
relações interpessoais que estabelece no âmbito social, concluindo com as possíveis
aproximações entre os estudos sobre a moralidade infantil desenvolvido por Piaget
(1994), pontuando quais suas diferenças e semelhanças em comparação com a realidade
contemporânea, no que se refere à educação moral.
Portanto o objetivo geral desse trabalho de conclusão de curso é investigar o
papel do docente na construção do desenvolvimento moral da criança.
Os objetivos específicos são três: primeiro, investigar a teoria do Juízo
Moral de Piaget analisando as suas considerações sobre o papel do trabalho
docente para o favorecimento do desenvolvimento moral infantil; segundo investigar
diferentes propostas de trabalho docente a partir da teoria do desenvolvimento moral de
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Piaget (DEVRIES; ZAN, 1998; MANTOVANI DE ASSIS, 2000; BRASIL, 1998); e,
por fim, o terceiro é construir considerações sobre o trabalho docente a partir dos
resultados de uma pesquisa com jogos de regras.
Há ainda que se ressaltar que também será destacada por meio desse estudo
qualitativo, a importância de que o trabalho pedagógico desenvolvido na escola
possibilite aos indivíduos em processo de construção da identidade, que o currículo
escolar proporcione uma formação cognitiva sólida e concreta, permeada de valores e
condutas autônomas, viabilizado a construção e efetivando uma educação voltada para o
desenvolvimento sócio-moral.
Para isso, serão pontuadas as contribuições científicas de autores e de materiais
de pesquisa bibliográfica disponíveis para consulta e análise, elaboradas por
pesquisadores adeptos da teoria construtivista, como dissertações de mestrado e teses de
doutorado, a partir de uma revisão de literatura cuja ênfase será preconizada nas
contribuições acerca da teoria do Juízo Moral na criança, de Jean Piaget (1994).
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1. A TEORIA DO JUÍZO MORAL DA CRIANÇA EM JEAN PIAGET(1932/1994)
O epistemólogo Jean Piaget (1932/1994) nasceu em 09 de agosto de 1896 em
Neuchâtel, na Suíça. O autor iniciou seus estudos com onze anos de idade, despertando
seu interesse em fazer pesquisas sobre temas relacionados à biologia como os fósseis e
pela área de zoologia, sendo que já nesse período publicou seu primeiro artigo
científico.
Piaget (1994) desde pequeno demonstrou interesse pelo estudo e pela pesquisa
empírica de elementos da natureza, tanto é que graduou-se em biologia e filosofia
respectivamente e ainda com 22 anos de idade recebeu o título de doutor em biologia,
em 1918.
Em 1919 o autor mudou-se para a França onde foi convidado para trabalhar com
a Psicologia Experimental, no laboratório de estudos clínicos que realizava testes para
investigar o nível de desenvolvimento intelectual de crianças francesas, ao lado do
pesquisador e cientista Alfred Binet.
A partir dessa sua inserção na Psicologia, Piaget passou a utilizá-la como
método para as suas pesquisas que buscavam responder à pergunta: como o ser humano
passa de um nível inferior de conhecimento, para um nível superior. A partir de suas
pesquisas Piaget, elaborou ao longo dos seus 80 anos de vida a Teoria da Epistemologia
Genética. Conforme Caetano (2009, p. 21):
Lembrando que o conteúdo básico da teoria psicogenética dePiaget é a ação do sujeito que interage com os objetos, construindoa partir dessas ações, formas e ou estruturas de inteligência, quelhe permite cada vez mais, adaptar-se ao mundo em que vive, oobjeto do conhecimento, no que diz respeito à educação e aodesenvolvimento moral, são as regras ou limites. Mas, por se tratarde um conhecimento social, ou seja, aprendido a partir dosexemplos e da orientação recebida dos mais velhos, pressupõe,então, o trabalho educativo. A questão é que, esse trabalho nemsempre é bem realizado pelos adultos.
No que se refere ao desenvolvimento moral da criança, para Piaget (1994) as
regras são como construções sociais que são consideradas como valores e deveres que
devem ser impostos ao conhecimento das crianças tanto pelos pais quanto por adultos
em geral. Por exemplo: não mentir, não pegar as coisas dos outros, não agredir
fisicamente nem oralmente.
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Com a finalidade de ilustrar o desenvolvimento da autonomia e a formação do
juízo moral e intelectual na criança, por meio de um estudo investigativo com jogos de
regras, Piaget (1994) em seus estudos empíricos, apresenta o desenvolvimento do juízo
moral na criança e tenta explicar como acontece este processo. Constata dois momentos
específicos: o primeiro deles é a criança na fase heterônoma, na qual ela segue as regras
impostas ou aprendidas com os adultos e as consideram como sagradas e imutáveis; o
outro momento é o de compreender como acontece a passagem dessa fase heterônoma
para alcançar o auge do nível autônomo de pensamento intelectual, no qual as regras
fazem parte desse processo formativo e construtivo.
1.1 Sobre os jogos de regras e o desenvolvimento moral da criança: uma análise doestudo sobre o Jogo “Bolinhas de Gude” na teoria de Piaget (1994)
Para Piaget (1994, p. 25), as regras constituídas por um grupo durante a prática
de um jogo de regras têm interferência cultural e social, uma vez que elas são
construídas pelo próprio grupo. É necessário considerar também que vigora o valor
moral exercido pelo âmbito familiar, sendo que isso altera e influencia a maneira de
cada individuo considerar aquilo que lhe é transmitido como “certo” e “errado”,
tradicionalmente durante a prática das regras criadas para o jogo, a fim de interpretar a
elaboração e assimilação de cada regra de maneiras distintas, visto que diante disso,
após serem compreendidas, elas necessitam ser respeitadas por cada sujeito do grupo
que objetiva “vencer” o outro, por meio do respeito mútuo de um jogador para com o
outro.
Piaget (1994) descreve a complexidade em compreender as regras que
permeiam, por exemplo, um jogo de bolinhas de gude: o aspecto jurídico de todos os
atos vigentes no jogo desde a posição das bolinhas, organização dos esquemas para
montar os traços no chão, a jogada de cada componente para decidir quem começa
jogando, os valores que permeiam as características na ação de praticar o jogo e a
necessidade de respeitar a regra de maneira uniforme e equivalente, a fim de prosseguir
jogando e vencer, ou seja, as leis existem para que todos se adaptem de acordo com o
costume local e regional. Trata-se de uma adaptação que admite variações, mas organiza
e conduz as condutas do grupo e do indivíduo.
No tópico intitulado “O interrogatório e os resultados gerais”, do primeiro
capítulo do seu livro: O Juízo Moral da Criança (1994), Piaget comenta como é possível
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a criança construir a consciência moral das ações, suas e do outro, perante a ação e o
entendimento das regras do jogo. Ele busca analisar a necessidade da criança
desenvolver um sentido de coletividade, pois procurou constatar na pesquisa prática
realizada com o grupo de sujeitos entrevistados, uma questão que lhe chamou a atenção
e o intrigou: como a criança vai aos poucos assimilando as regras do jogo de bolinhas e
como, seu primeiro objetivo esteve pautado na necessidade de investigar como os
indivíduos se adaptam pouco a pouco a essas regras do jogo, como então observam a
regra em função de sua idade e de seu desenvolvimento mental?
O autor verificou qualitativamente que a construção das regras pela criança
depende da maneira como elas as concebem, se são apenas normas sagradas a serem
seguidas minuciosamente ou as compreendem do ponto de vista moral, no qual elas
podem ser modificadas e/ou transformadas de acordo com o interesse coletivo do grupo
se assim todos optarem.
Seu segundo objetivo foi investigar que consciência tomam da regra, ou em
outras palavras, que tipos de obrigação resultam para eles, sempre de acordo com as
idades, do domínio progressivo da regra?
Para isso, foi necessário tentar compreender as regras presentes e como são
praticadas pelo grupo, investigar as tentativas da criança e por meio da empatia,
problematizar, às vezes ser ingênuo, audacioso, mas sempre agir nas situações
vivenciadas de forma centrada, deixando a criança em um ambiente no qual fosse
possível exercitar o espírito de liberdade e autonomia.
Para o interrogatório do jogo com bolinhas, o autor considerou de essencial
relevância dividir este momento prático, de observação e intervenção em duas etapas
dialógicas e interdependentes:
1°) Explorar a espontaneidade da criança, deixar que dialogassem livremente
solicitando a elas que tentassem explicar o porquê daquelas regras para o jogo, agindo
com perguntas, por exemplo, para dois meninos, sendo um em cada vez. Após isso, o
pesquisador comparou os resultados unindo-os e analisando os pontos em que se
assemelhavam e se diferenciavam essencialmente.
2º) Na segunda etapa do interrogatório foi solicitado à criança que ela se
utilizasse da sua imaginação e também da racionalidade, para tentar desenvolver, diante
das possibilidades existentes, uma nova regra a ser adota pelo grupo durante o jogo,
sendo oportunizado a um menino por vez. Após isto foi solicitado ás crianças que,
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diante da nova regra criada, verificassem se a mesma é justa ou não e, em seguida,
argumentassem num momento posterior a este.
Desse modo, isso levou os envolvidos a assimilar de maneira reflexiva e
internalizada, conforme enfatizou Piaget, que “[...] se uma regra é justa, porque está de
acordo com o uso geral, mesmo sendo nova, ou porque é dotada de um valor intrínseco
e eterno [...]”. (PIAGET, 1994, p. 32).
É importante ter em vista que esta hipótese se confirma quando a criança se
encontra com idade específica e apropriada para isto, que Piaget (1994) denominou de
passagem da fase heterônoma para a fase autônoma, compreendida entre
aproximadamente onze e doze anos, uma vez que a mesma tem possibilidades reais de
capacidade moral para assimilar de forma majoritária os esquemas e hipóteses
formulados, por ela conflitados e possivelmente problematizados.
Sendo assim, Piaget (1994) considerou os resultados obtidos após este duplo
interrogatório no que concerne ao entendimento da prática das regras no jogo de
bolinhas. O autor organizou os momentos de análise empírica em quatro estágios
sucessivos, sendo eles:
1°) Estágio inicial de desenvolvimento puramente motor e individual, o qual a
criança apresenta em seus primeiros anos de vida. No estágio de compreensão de regras,
a criança não apresenta nenhuma compreensão de regras. Aqui, o prazer da criança
parece advir grandemente do controle motor e não há atividade social nesse nível, ou
seja, a criança joga e age inconscientemente, normalmente permanece no jogo
individual. É relevante ressaltar que as regras neste período permanecem ocultas,
portanto, ainda não foram descobertas, estimuladas e entendidas.
2º) Estágio egocêntrico, o qual desenvolve-se em geral nas crianças com idade
compreendida entre dois aos cincos anos. Aqui, Piaget (1994) percebeu que a criança
adquire a consciência da existência de regras e começa a querer jogar com outras
crianças – vemos nesse ponto os primeiros traços de socialização. Não é possível
desconsiderar que algumas crianças nessa fase insistem em jogar sozinhas, sem tentar
vencer, assim é que se torna possível revelar-se uma atividade cognitiva egocêntrica.
Por fim, Piaget descreve que neste duplo caráter de imitação dos outros, as regras
começam a serem percebidas, inicialmente tidas como fixas, e portanto, o respeito por
elas é unilateral.
3º) Um terceiro estágio aparece na criança por volta dos sete ou oito anos. Piaget
intitulou-o de estágio da cooperação nascente, uma vez que a criança se interessa em
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vencer seus vizinhos, visto que descobre que para atingir seu principal objetivo, ou seja,
conseguir a vitória necessita para isso compreender e exercer respeito mutuo sobre as
regras, prevalecendo que para modificá-las é importante um consenso entre ambos,
descobrindo que há possibilidades de jogar de outra forma, ou seja, modificar as regras
perante o coletivo. Isto obviamente após ter reconhecido as regras e sua importância
diante do jogo.
4º) O quarto estágio é intitulado por Piaget (1994) como o da codificação das
regras. Este ocorre em crianças com idades semelhantes entre onze e doze anos, tendo
em vista que elas passam a entender que as regras são ou podem ser feitas pelo grupo,
que também podem ser modificadas, mas nunca ignoradas. A presença das regras se
torna com isso, um fator importantíssimo para a existência do jogo. Neste estágio a
criança admite outras possibilidades para jogar, diferentes das regras que predominam e
interioriza que para modificá-las é necessário um entendimento de consciência coletiva
e assim prevalecerá de maneira racional, a autonomia moral e os princípios de
discernimento relacionados à justiça adotados pelo grupo cultural.
Portanto é possível a partir disso, afirmar que a consciência moral da criança em
relação à compreensão da regra e sua ação sobre ela dependem das outras possibilidades
a serem formuladas de acordo com o consentimento mútuo que vigora no grupo,
permitindo transformar a regra mediante sua capacidade autônoma.
Vale ressaltar com isso, que a criança age no que concerne às regras do jogo,
conforme os interesses do grupo familiar, cultural e ainda perante o contexto
comportamental, influenciada pelo grupo social nas formas de pensar, agir e ser.
Portanto, a grande novidade prevista pela teoria do Juízo Moral de Jean Piaget é a
possibilidade da construção da autonomia moral: suas características correspondem à
concepção adulta em uma visão ampla e questionadora do jogo, passando a agir e se
comportar não mais sob influência do grupo formador (família, religioso, cultural), mas
sim de acordo com seus pontos de vista crítico-reflexivo.
Na tentativa de explicar o percurso para que a criança adquira consciência
perante as regras do jogo, o autor em questão enfoca o seu objetivo para análise,
compreendido por tentar se aproximar de explicações convincentes a fim de apontar os
aspectos que fazem com que o indivíduo sinta e interprete a regra de tal forma
específica e como isto ocorre, necessariamente no transcorrer do jogo. Para ele, a regra
coletiva é construída e vigora como fator predominante pelo grupo no jogo, pois a
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mesma “[...] surgirá como produto tanto da aprovação recíproca de dois indivíduos
como da autoridade de um sobre o outro [...]”. (PIAGET, 1994, p. 52).
1.2 Sobre a justiça distributiva e a justiça retributiva da consciência moral em
Piaget (1994)
A moralidade é compreendida, de acordo com Piaget (1932/1994), como um
conjunto de regras e normas a serem seguidas e proferidas pelo sujeito socialmente, e a
essência de toda moralidade se encontra no respeito que o indivíduo adquire por essas
regras. Porém, o autor considera que os sentimentos morais provêm das relações
interpessoais construídas no âmbito familiar pelos pais com as crianças.
Deste modo, o estudo da moralidade autônoma a partir da teoria da
epistemologia genética envolve, de um lado, a gênese da afetividade construída nas
relações de interação do indivíduo com o grupo e de outro, procura compreender como
a criança adere e assimila a regra, enquanto construção social, durante o percurso de seu
desenvolvimento moral e ético diante das interações com os pais, professores e outras
crianças.
Assim sendo é que a criança, ao imitar os sujeitos maiores na prática das regras,
se sente submetida a elas por coação. Dessa forma, enquanto a criança não eliminar as
diferenças entre ela e as crianças mais velhas, tornando as condições de acesso iguais
para ambas, não haverá condições que favoreçam a cooperação e o desenvolvimento da
consciência moral, pois isto, conforme a teoria de Piaget (1994), é conseqüência da
relação de equidade e de reciprocidade, constituída a partir de experiências práticas e do
entendimento do comportamento mútuo entre os diferentes pontos de vista, sobre uma
determinada situação que possibilite o pensamento consciente sobre uma ação que
resulte no que se refere a alcançar um novo nível de autonomia.
Ainda segundo Piaget (1994), enquanto predomina o respeito unilateral, a
autoridade se sobrepõe à justiça. Por isso, para a criança, é justo o que está de acordo
com as regras recebidas, ou seja, é a moral do dever ou também da heteronomia. A
justiça nessa situação é então, punitiva e as crianças, mostram-se na realidade muito
severas com relação à sanção que deve ser aplicada no caso de outra criança burlar uma
regra.
Assim, levando em consideração que o desenvolvimento da moralidade infantil,
que compreende os direitos e deveres dos sujeitos em sociedade a partir da compreensão
das regras que permeiam a convivência com os outros indivíduos, de início a criança
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que aceita a regra como tal e acaba por não a cumprir como é esperado pelo adulto,
quando é punida o que se espera dela é que compreenda que errou, porque houve um
tipo de punição, ou seja, só houve um erro porque houve a conseqüente punição. Diante
disso, tudo acontece ao meio social externo da criança, isto é, vigora um respeito
unilateral e coercitivo à regra posta.
Diante dessa perspectiva, a punição pode adquirir, para a criança angustiada pela
culpa, um caráter até libertador, ou seja, a punição do outro que está de fora do contexto
pode restringir a punição interna e livrar a criança dos sentimentos de culpa e de
punição. Em contrapartida, sob o predomínio do respeito mútuo, quando a adesão aos
grupos e a cooperação se transformam em fatores de igualitarismo, a criança coloca a
justiça acima da autoridade e a solidariedade acima da obediência alcança a moral do
bem ou da autonomia.
Sobre isso, nas palavras de Piaget (1994), à luz de sua teoria, é necessário
ressaltar que o desenvolvimento de valores da consciência moral da criança, como o
respeito mútuo e a cooperação com o outro, elas aconteceram em situações de jogo e de
brincadeiras em que, por exemplo,
[...] No que se refere ao jogo de bolinhas, não há, portanto, nenhumacontradição entre a prática egocêntrica do jogo e o respeito místico daregra. Este respeito é indício de uma mentalidade moldada não pelacooperação entre iguais, mas pela coação adulta.[...] (PIAGET, 1994, p.54.)
Com efeito, o desenvolvimento espontâneo das estruturas lógicas, que passam
do egocentrismo para uma possibilidade de reversibilidade operatória e pensamento
hipotético dedutivo, ocorre paralelamente ao processo de socialização, no qual vigora a
diminuição do individualismo em direção à possibilidade de existir cooperação, aspecto
observado principalmente na convivência em grupo durante as situações de jogos e
brincadeiras infantis.
No seu processo de construção gradativa, os valores morais, como a cooperação
e o respeito mútuo pelo outro se manifestam a partir da consciência de uma moralidade
autônoma, baseada na reciprocidade e na troca de experiências práticas de entendimento
pelo ponto de vista do outro, valores esses adquiridos pela criança socialmente.
Conforme define Piaget (1994), ao investigar e propor o estudo referente ao
desenvolvimento da moralidade infantil é importante considerar o movimento que
envolve os conceitos do pensamento da consciência humana em construção da criança,
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que distinguem justiça distributiva da justiça retributiva, uma vez que segundo Piaget
(1994) são esses dois processos construídos a partir das relações de convívio social e
que são ações interdependentes, ou seja, a justiça, é a mais racional de todos os
sentimentos, e também é o sentimento que equilibra as relações humanas.
Desse modo, à medida que a cooperação sucede a coação adulta, percebe-se que
vigoram dois tipos de justiça, sendo o primeiro conhecido como justiça retributiva, por
meio da qual a criança começa a analisar a reciprocidade dos atos cometidos com suas
sanções, sem questionar a igualdade, predominando a obediência sem qualquer
contraponto e tão pouco sem interrogar a autoridade. Em outra perspectiva aparece, com
a compreensão e entendimento do ponto de vista do outro e a partir da consciência dos
atos realizados e desenvolvidos durante a prática das regras, que foram moralmente
construídas na consciência humana no convívio com o outro, vigora por outro lado, a
justiça distributiva.
Para Piaget (1994), o princípio moral da justiça quando concebida no contexto
social do ponto de vista distributivo, se desvincula da sanção expiatória e tende para o
movimento da reciprocidade, pois nessa perspectiva qualitativa, a regra segue como
sendo interior e assim, diante da ruptura dos elos sociais, o próprio sujeito quer
restabelecer a ordem por ter consciência das conseqüências que podem ocasionar os atos
infracionários, moralmente cometidos, mesmo que posteriormente sejam argumentados
e explicados em contraponto a regra posta coletivamente.
Dessa maneira, neste outro período, a partir da descoberta do que é justo, certo e
errado é necessário ressaltar que a criança consegue analisar e refletir sobre as
condições particulares de cada situação vivenciada com o outro, para que assim consiga
intervir e agir com reciprocidade no meio social, sendo que por meio disso torne-se
eminente a importância de se colocar no lugar do pensamento do outro sujeito.
Nessa perspectiva histórica adotada para análise da moral, o desenvolvimento da
consciência dos direitos e deveres das crianças, necessários para se inserir e conviver
em grupos sociais deve ser estimulado a partir da criação de condições concretas com
elementos mediadores que favoreçam um processo de aprendizado com o outro entre a
criança, aquilo que ela já conhece previamente sobre o desenvolvimento moral e que
prática indiretamente no cotidiano e ainda levando em consideração o que se quer
alcançar com tal ação facilitadora, a fim de que com isso, desenvolva um espírito de
reciprocidade com o ponto de vista do outro e conseqüentemente, sua consciência moral
autônoma para o exercício prático da cidadania e ainda exercer a liberdade de escolher.
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Resumindo, Piaget (1994) aponta em seus estudos sobre a moralidade três
estágios para a aquisição da noção de justiça por parte da criança, que são
necessariamente vivenciados socialmente:
1º) Período da heteronomia - a justiça é retributiva, ou seja, está diretamente
ligada à punição do ato inadequado e a premiação do comportamento certo; não há
distinção entre dever e obediência; toda sanção é legítima e necessária, predominando
as sanções expiatórias (em que seu conteúdo não tem correspondência com a natureza
do ato realizado); o respeito é unilateral, pautado na autoridade adulta.
2º) Início de autonomia - inicia-se o processo da igualdade sobre a autoridade,
todos têm os mesmos direitos e a lei se aplicam igualmente a todos os indivíduos; há
diminuição da justiça imanente e as sanções expiatórias tornam-se menos aceitas, pois
cedem lugar a outro tipo de sanção – a sanção por reciprocidade (em que existe relação
entre o conteúdo ou natureza da falta e a punição), valorizando-se o ato moral em si.
3º.) Período da autonomia - a igualdade se relativiza com o sentimento de
equidade; não há “igualdade pura”, os direitos e as leis não são aplicáveis igualmente
em todos os casos, devem-se considerar as circunstâncias particulares que envolvem o
ato; portanto, as sanções são aplicadas considerando-se os atenuantes e as
particularidades de cada caso, não levando em consideração a generalização do fato real
em comparação com outras situações.
Nesse capítulo, apresentamos os pontos principais da teoria do Juízo Moral de
Jean Piaget, sendo que o principal objetivo desse capítulo foi apresentar a
fundamentação teórica desse trabalho de conclusão de curso. No próximo capítulo
discutiremos a função do trabalho docente, como mediador do processo de
desenvolvimento moral da criança, apresentando os resultados de uma pesquisa que
revela a importância do trabalho de intervenção consciente do professor para favorecer
o desenvolvimento da autonomia dos seus alunos.
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2 O TRABALHO DOCENTE NO QUE CONCERNE O
FAVORECIMENTO DO DESENVOLVIMENTO MORAL DA CRIANÇA:
RESULTADOS E ANÁLISE DE UMA PESQUISA EMPÍRICA REALIZADA
COM ALUNOS DE UMA ESCOLA PÚBLICA
Os estudos anteriormente apresentados afirmam que o desenvolvimento da
autonomia e da moral na criança podem ser favorecidos no ambiente escolar por meio
de práticas pedagógicas interativas. Para isso se viabilizar, Rizzieri e Gomes (s/d)
considera que os jogos de regras facilitam o estabelecimento de relações afetivas de
confiança e de aprendizagem interpessoal entre as crianças. Diante dessa perspectiva
apresentamos a seguir os resultados de uma pesquisa com jogos de regras, cujo objetivo
foi investigar se o trabalho com jogos de regras pode favorecer o desenvolvimento
moral das crianças.
O trabalho empírico foi realizado com crianças entre sete a dez anos de idade
em dois momentos: primeiro, observação e verificação do nível de desenvolvimento
moral e intelectual e posteriormente foi proposta uma intervenção pedagógica com o
intuito de investigar a possibilidade de desenvolvimento moral por meio da aplicação de
jogos de regras.
A coleta de dados foi realizada com um grupo de cinco crianças que
freqüentavam o contra-turno de uma escola pública de Paiçandu-PR que atende crianças
na Educação Infantil e nas séries iniciais do Ensino Fundamental. As crianças foram
indicadas pela instituição escolar como sendo crianças que apresentam dificuldades de
aprendizagem, estando elas na faixa etária de aproximadamente oito anos de idade. Os
dados obtidos foram registrados por meio de gravação e depois transcritos. Os dados
coletados foram analisados a partir do referencial teórico do estudo, ou seja, a teoria do
Juízo Moral da criança de Jean Piaget (1994).
Para concretização dos objetivos da pesquisa foram realizados seis encontros na
instituição escolar em horário de contra-turno. Nestes encontros o autor desse trabalho
propôs as crianças jogar vários jogos de regras conhecidos anteriormente pelos sujeitos.
Foram utilizados os seguintes jogos: jogo de dominó, jogo da memória, jogo do banco
imobiliário, jogo da forca, jogo de bolinhas de gude e, por fim, o jogo do detetive.
A ordem seqüencial se deu de maneira a considerar os jogos mais simples e
conhecidos pelos participantes, avançando para os mais complexos, uma vez que esses
últimos apresentavam regras um pouco mais elaboradas que os outros do inicio, como
21
por exemplo, os jogos de tabuleiros. Ficou combinado com a instituição escolar e seus
profissionais de ensino que cada encontro teria a duração de 50 minutos. O grupo de
crianças era composto por quatro meninos: Fx1 - 9 anos; Wx – 10 anos; Px - 10 anos;
Dx– 10 anos.
Durante os encontros realizados com os sujeitos, os objetivos foram refletir
sobre as regras dos jogos: se as regras são necessárias para que o jogo seja jogado; se as
regras podem ser modificadas; quem pode modificar as regras dos jogos.
Antes da realização dos encontros com o grupo foram realizadas entrevistas
individuais com o fim de identificar o nível de desenvolvimento moral de cada um
deles. As perguntas realizadas pelo entrevistador com as crianças foram adaptadas da
obra “O Juízo Moral na Criança”, em especial do capítulo “Bolinhas de Gude” (1994, p.
25) como são apresentadas abaixo:
[...] Aqui estão algumas bolas de gude... Você (s) deve memostrar como jogar. Quando eu era pequeno eu costumavajogar bastante, mas agora eu me esqueci como se joga. Eugostaria de jogar novamente. Vamos jogar juntos. Você (s) meensinará (ao) as regras e eu jogarei com você (s)...”. (PIAGET,1994, p. 40).
[...] E- Você joga sempre assim?
E- Quem começará jogando de vocês? Por que ele?E-Quem ganhou?E- Não há um truque para saber quem começa jogando?E- Quem de nós irá começar? Por quê?E- Quem ganhou? Por quê?E- Você joga freqüentemente? Com quem? Por quê?E- Você pode me explicar quais são as regras desse jogo?E- Mas e se eu jogar assim o que acontece?E- Por que você ganhou? (PIAGET, 1994, p. 41).
Durante as entrevistas individuais os dados sugeriram que as quatro crianças-
participantes encontravam-se na fase descrita por Piaget como de heteronomia na qual
as regras dos jogos são consideradas imutáveis. Manifestaram acreditar que havia
apenas um jeito de jogar “Bolinhas de Gude” que era o usado pelo grupo. Ao longo do
processo de intervenção com o uso de diferentes jogos de mesa o grupo de crianças
passou-se a verificar a possibilidade de modificar as regras dos jogos desde que aceitas
pelo conjunto de crianças do grupo. Os dados revelaram proximidade dos dados
1 Cada conjunto de letras identifica os participantes da pesquisa com o fim de manter seus nomes emsigilo por questão moral e ética dessa instituição educacional superior e pública.
22
constatados neste estudo e os encontrados por Piaget em sua obra “O Juízo Moral na
Criança” (1932/1994).
Os dados obtidos confirmaram os encontrados por Piaget (1932/1994) que
explicam o segundo estágio de desenvolvimento moral como sendo o de regras
consideradas sagradas, imutáveis e impossíveis de serem modificadas durante o jogo.
Essa fase interfere diretamente na maneira da criança agir e se comportar, uma vez que
o respeito unilateral pelo pensamento adulto é algo naturalizado e expresso pela conduta
moral de aceitação e passividade que ela assume perante o grupo de outras crianças.
Durante os encontros realizados com o grupo de crianças verificamos que
algumas mudanças no que se refere ao desenvolvimento moral da criança de um estágio
para o outro aconteceram. Na primeira sessão notou-se explicitamente a tendência de
condutas heterônomas nas maneiras de pensar e agir dos sujeitos perante a proposta
pedagógica apresentada e as de questionamentos sobre as regras do jogo de dominó.
Neste período as crianças participantes concebiam as regras do jogo como imutáveis e
impossíveis de serem modificadas ou tão pouco alteradas.
Na terceira sessão apresentou-se um jogo de tabuleiro com regras mais
complexas de serem compreendidas, sendo ele o Jogo do Banco Imobiliário. Embora
de inicio as regras do jogo fossem apresentadas para as crianças, uma vez que elas
desconheciam o jogo, mas mesmo assim foi possível inferir que continuou vigente o
respeito unilateral pelas regras que foram passadas para as crianças e aprendidas por
meio do manual do jogo, pois elas não conseguiram observar possibilidade de mudança
na maneira de jogar Banco Imobiliário.
Neste sentido concluiu-se que, o desconhecimento sobre o jogo, foi visto como
uma novidade para os sujeitos participantes da sessão, isso pode ser considerado um
aspecto preponderante, sendo que esse fato dificultou a análise do desenvolvimento
moral das crianças no estudo.
Somente na sexta sessão, na qual foi proposta o Jogo da Forca, foi possível
visualizar uma pequena mudança na conduta das crianças, sendo de aceitação coletiva
de uma nova regra a ser incluída no jogo de mesa. Em alguns momentos foi possível
perceber que as crianças admitiram a existência de outras regras para o jogo da forca
com base na palavra secreta que um dos participantes escolheu para a rodada. Por
exemplo, um dos sujeitos criou uma nova regra ao colocar para discussão no grupo de
que naquele momento seriam propostas ao grupo, palavras que não continham a voga
“A”. Assim sendo, daí em diante as crianças descobriram que poderiam formar regras
23
para a escolha da palavra secreta do oponente, fato esse que dificultava e exigia ainda
mais a capacidade de pensar e refletir por parte de quem fosse escolher a palavra secreta
para a rodada.
Desse modo, no que se refere à análise do desenvolvimento moral da criança é
necessário ressaltar que um aspecto relevante foi observado na sexta sessão, de que
quando foram estimuladas a pensar sobre aquela determinada regra do jogo da Forca, as
crianças descobriram por meio de um exemplo da realidade feito pelo entrevistador de
que a regra não é algo imutável ou sagrado, mas que ela é um elemento norteador capaz
de, a partir de seu entendimento no consenso coletivo, ser elaborada conforme as
diversas maneiras de raciocínio consciente dos indivíduos, para que diante disso
aprendam a cultivar os valores morais importantes para o convívio social, como o
respeito mútuo e a cooperação uns para com os outros. Essa vivencia se faz presente no
jogo de regras, que possibilita as crianças gerarem uma dúvida que foi discutida,
questionada e posteriormente aceita pelo grupo para que fosse inserida no jogo.
Os dados nos levam a acreditar que os jogos de regras podem contribuir quando
são estimuladas e vivenciadas com o grupo, para que o indivíduo em processo
formativo crie condições concretas que lhe permitam desenvolver gradativamente uma
consciência moral perante as relações com o outro no que se refere ao âmbito de
convivência coletiva, a partir de uma tomada de consciência crítica e faça com que o
sujeito consiga admitir, ao identificar a construção da regra do jogo, uma possibilidade
de aceitar os diferentes pontos de vista sobre uma determinada situação que envolve o
pensamento do outro.
Em um jogo as regras construídas e fixadas são de extrema importância para que
se consiga vencer uma partida, por isso faz-se necessário cumpri-las fielmente,
respeitando a vez do outro, se colocando no ponto de vista do outro jogador, não
burlando, o que se constitui em respeito unilateral a regra, por meio de uma ação prévia
que às vezes é pensada pela criança, ou às vezes é realizada apenas para agradar e
satisfazer o que lhe é imposto pelo adulto, este que com isso tem como a finalidade, ao
se impor perante a criança por meio do uso autoritário das regras, alcançarem a
obediência e a conformação no outro.
Consideramos que neste sentido é necessário que a criança seja estimulada e
motivada na escola para que consiga agir e pensar conscientemente conforme os
princípios morais e valores culturais aprendidos por ela na relação com o outro, fazendo
com que durante as práticas pedagógicas, os professores em sala de aula favoreçam o
24
processo do desenvolvimento moral. Para isso o professor precisa evitar a coação com
regras impostas, e compreender que as regras são caracterizadas como construções
históricas, sociais e culturais feitas pelo homem no decorrer do contexto no qual se
encontra inserido, estabelecidas de acordo com suas necessidades naturais e também do
grupo, para que todos possam cumprir e cooperar na ação planejada.
As regras sociais devem ser respeitadas por todos os sujeitos mutuamente, mas
saber que essas podem por meio do consenso coletivo serem repensadas e a partir disso,
recriadas conjuntamente e aplicadas na prática.
O jogo de regras é uma atividade lúdico-pedagógica que proporciona aos
indivíduos envolvidos um momento de interação, de troca de experiências, de uma
tomada de consciência própria do que se refere às diferentes opções e escolhas possíveis
para executar uma jogada. Permite ainda aos participantes antever uma ação a ser
executada pelo outro fazendo com que ao se colocar no lugar do companheiro, realize
uma ação intelectual a fim de visualizar as diferentes possibilidades de se fazer uma
jogada que dependa de uma tomada de decisão individual naquele momento, admitido
as várias maneiras de vivenciar situações com resoluções distintas e encaminhamentos
que divergem do ponto de vista de um sujeito para o do outro.
Ainda para conseguir total aceitação por parte do grupo no qual deseja fazer
parte, a criança deverá, assumir características comuns destinadas a todos os demais
sujeitos perante aceitação no grupo, uma vez que em sua convivência diária são
necessárias o desenvolvimento de relações cooperativas, valores necessários e
imprescindíveis para que ela atue de maneira ativa, crítica, reflexiva e inclusiva nos
âmbitos de conhecimento formal e informal, buscando a transformação do pensamento
heterônomo, que devem por direito institucional ser viabilizado, a começar pelas
práticas educativas desenvolvidas no ambiente escolar formativo.
Com a criança na fase heterônoma, de acordo com Piaget (1994), é possível
alcançar a autonomia por meio do respeito mutuo, sendo essa uma virtude existente e
necessária no jogo de regras, pois é preciso por meio da empatia colocar-se no ponto de
vista do outro jogador, cooperando para que seja compreendida e respeitada sua maneira
de pensar e agir reflexivamente no jogo.
É a partir desse entendimento que a cooperação torna-se um valor moral
essencial na convivência da criança com o grupo no qual interage em casa, no grupo de
amigos e na escola, desenvolvendo, por meio de um respeito não mais unilateral, mas
sim um respeito mútuo pelo outro, caracterizando-se em um aspecto especifico e em
25
particular, no qual Piaget (1932/1994) intitulou de fase do desenvolvimento da
autonomia moral na criança.
Sobre isso Freitas (2002) preconiza que,
[...] Uma das grandes descobertas de PIAGET (1992) éa de que “com a idade o respeito muda de natureza”. Namedida em que a criança estabelece trocas com outrascrianças, que o seu desenvolvimento cognitivo lhepermite se descentrar de seu próprio ponto de vista eque, mais tarde, as diferenças de idade entre geraçõesdeixam de ser relevantes, um outro tipo de relação setorna possível: a cooperação (no sentido etimológico dapalavra, cooperação (FREITAS, 2002, p.19).
Assim, conforme a teoria piagetiana é possível afirmar que o ambiente escolar
pode ser favorável ao desenvolvimento de habilidades e formas de pensamento
autônomo no que se refere à superação necessária do nível de heteronomia, período da
vida no qual a criança age e pensa de acordo com interesses convenientes e influenciada
pelo idealismo adulto e, além disso, pelo realismo moral de seu convívio familiar e das
experiências vivenciadas no grupo cultural ao qual pertence e necessita adequar para
inserir-se nele.
Para Piaget (1994), a educação cumpre sua função social na medida em que o
indivíduo constrói sua moral de pensamento autônomo, passando do nível de
desenvolvimento heterônomo para o nível de pensamento autônomo, ou seja, sendo este
consciente e reflexivo. Por isso, o autor em questão afirma que a educação torna-se um
meio fundamental para favorecer a formação moral, intelectual, cidadã e autônoma do
homem enquanto ser social, uma vez que desse modo, possibilitara ao indivíduo, por
meio de suas ações educativas e inclusivas, atuar e transformar sua realidade de
conformação sócio-cultural.
As regras dos jogos são entendidas por Piaget (1994) como construções sociais
que contribuem diretamente para a formação de valores solidários, como o respeito
mútuo e a cooperação. Segundo os princípios teórico-argumentativos de Rizzieri e
Gomes (s/d), no momento em que o indivíduo compreende e respeita o pensamento e o
ponto de vista do outro, por meio de uma ação dialógica passa a agir com ética e moral.
Portanto é importante considerar o estágio de desenvolvimento moral no qual a
criança se encontra para oferecer-lhe oportunidades de auto-superação: algo que pode
ocorrer a partir das atividades desenvolvidas em sala de aula no convívio coletivo diário
26
com outros sujeitos e em consonância com a aprendizagem sistematizada do cotidiano
escolar, conforme experienciado na intervenção pedagógica dessa pesquisa empírica.
Apresentamos a seguir os registros das sessões realizadas junto com as crianças,
com o objetivo de demonstrar todo o processo de intervenção e discussão das regras
realizado pelo pesquisador com as crianças participantes da pesquisa:
2.1 Registro das sessões de coleta de dados
1ª Sessão: Jogo de dominó
Nesta 1ª sessão in loco estiveram presentes além do entrevistador e da professora
regente, sendo que a docente atende na sala de apóio da escola as crianças que
apresentam dificuldades de aprendizagem em período de contra-turno, dois sujeitos (X e
Y2). Neste primeiro dia da sessão, as perguntas de questionamento acerca das regras dos
jogos feitas para o grupo de alunos, foram referentes ao jogo de Dominó e sobre o Jogo
da Memória com a finalidade de investigar o nível de desenvolvimento moral e
qualitativo no que se refere ao conhecimento autônomo dos sujeitos sobre as regras
clássicas presentes nesses dois jogos. Entrevistador: Vamos Jogar dominó? E: Vocês
sabem como se joga dominó? Quais são as regras presentes para jogar dominó? Como
saber quem vai jogar primeiro? P x (10 anos de idade-sexo masculino): É pela pedra
maior, ou seja, vai começar jogando quem tem o carretão com o numero igual maior... -
Ganha o jogo quando terminam as peças da sua mão. P y (10 anos de idade-sexo
feminino): Entrevistador: Vocês sempre jogaram dominó assim? Participante x: Sim
Participante y: Sim Entrevistador: Eu não possuo essa pedra em minha mão, o que eu
faço agora? Participante y: compra-a naquele monte. Entrevistador: Acabou o jogo? Por
quê? Quem ganhou? Participante y: Eu ganhei, por que acabaram todas as pedras da
minha mão. Entrevistador: é possível jogar dominó diferente da maneira em que nós
acabamos de jogar? Participante y: Não Participante x: não Participante y: Mas aquele
dia que nós jogamos dominó com a nossa professora, não tinha o carretão, ou seja, a
pedra maior, daí nós começamos a jogar de outro jeito, sendo por quem tinha em mãos a
pedra menor. Entrevistador: Daí então vocês começaram a jogar de outro jeito diferente
do nosso. Assim é possível jogar de outra forma diferente daquela que a gente acabou
2 As letras X e Y (PX e PY) indicam os nomes dos sujeitos que participaram da sessãorealizada na escola, tendo em vista a necessidade de manter seus nomes em sigilo porquestão moral com finalidade de cumprir as exigências do comitê de ética.
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de jogar? Participante y3: Começar de outro jeito jogando pode, porque você pode tirar
dois ou um, ou jogando “pó” ou ir pela pedra menor, ou até pela pedra maior. -
Participante x: A gente tem que escolher um jeito desses para ver quem vai começar
jogando. E.: Mas como vamos fazer isso? Como vamos escolher um desses?
Participante y: temos que escolher um e os outros tem que concordar com isso.
Participante x: É isso. Entrevistador: Vocês dois acham então eu consigo jogar dominó
usando outras regras como, por exemplo, essa que você falou que são diferentes dessas
que nós usamos agora? Participante x: Não, porque daí você vai jogar dominó do jeito
errado. Entrevistador: Existe então só um jeito certo para jogar dominó? Participante x:
Sim existe, do jeito que eu aprendi a jogar em casa e com a professora. Existe outra
regra? Participante x: deve existir, mas eu não conheço outro jeito de jogar dominó a
não ser esse que nós jogamos. Participante y: Não sei. Poderia existir outra regra?
Participante x: é difícil existir outra regra, mas podemos até tentar inventar mas não sei
se daria certo porque sempre nós jogamos dominó assim.Participante y: Talvez, mas
acho que não.
2ª sessão: Jogo da memória
Nessa segunda sessão de intervenção pedagógica foi proposto como jogo de
mesa com regras para favorecer o consenso coletivo, o conhecido jogo da memória.
Neste dia participaram da entrevista os mesmos dois sujeitos da sessão anterior (x e y),
x com idade de oito anos e y com idade de dez anos. Conversando com os dois
jogadores, eles me disseram que o jogo de memória tem por intuito fazer com que os
jogadores identifiquem pelo símbolo das figuras a quantidade correspondente à peça
sorteada, formando pares. Primeiramente foi perguntado aos jogadores do grupo como
seria o inicio do jogo. Entrevistador: Como que nós vamos começar jogando o Jogo da
memória? Participante x: Primeiro você tem que virar todas as peças da mesa para baixo
e depois deverá embaralhá-las. E: Agora temos que decidir quem de nós três vai
começar jogando, mas como nós faremos isso? P y: você pode começar tirando “dois
ou um” com a gente, ou então pode ser por quem tiver em mãos a pedra maior igual
fazemos quando nós estamos jogando dominó. E: será que existe outro jeito de ver
quem vai começar jogando? Tem como? P x: Acho que sim. E se a gente começasse
3 As letras X e Y indicam os nomes dos sujeitos que participaram da sessão realizada naescola, tendo em vista a necessidade de manter seus nomes em sigilo por questão moral comfinalidade de cumprir as exigências do comitê de ética.
28
jogando ao contrário, agora vendo quem tiver em mãos a pedra menor ao invés de tirar a
pedra maior. E: Todos do grupo concordam com essa idéia? P y: Por mim pode ser, é
um jeito diferente de ver quem vai ser o primeiro, o segundo e o terceiro a jogar. E:
Então está certo, vamos tirar pela pedra menor, diferentemente de como fizemos quando
jogamos o dominó que foi escolhido o primeiro a jogar pela pedra maior. Vocês se
lembram disso? P x: É mesmo. P y: Eu sou o primeiro a jogar, porque o numeral da
minha pedra sorteada foi menor do que a de vocês. E: eu serei o último a jogar então, a
minha pedra tem o número mais alto.
- P x: formei um par olha só, essa quantidade de desenhos dessa pedra
correspondem com esse número aqui. E: é verdade. P y: agora é minha vez de jogar.
Jogaram várias vezes até o término de todas as peças que formaram pares que
correspondiam com a quantidade de símbolos com o numeral representativo do
desenho. E: Será que existe outro jeito de jogarmos o jogo da memória? P x: Eu não
conheço. P y: Não sei, mas eu só conheço esse jeito de jogar com essas regras que
jogamos. E: Então sabem por que, eu e meus irmãos mais novos assistimos na televisão
um grupo de crianças que jogavam o jogo da memória diferente da que nós jogamos,
pois ao invés de formarem pares como nós fizemos aqui, formavam uma trinca com três
peças. Vocês acham que daria certo se jogássemos desse jeito aqui com esse jogo? P x:
Eu acho que não porque daí você estaria mudando uma regra do jogo da memória. É
isso não pode. P y: É verdade não dá para jogar desse jeito não. Eu sempre joguei
assim.
E.: Mas porque não podemos mudar? P x: Ah porque não dá, não é justo. É
assim que joga. E.: Mas quem te disse isso? Py.: Eu aprendi a jogar assim com pares
com o meu pai e meu irmão mais velho em casa. Px.: E também aprendi aqui com a
professora.
29
FOTO 1 - Jogo da Forca. Registrado em 01/08/2011 as 15:25 min na Sala deRecursos da Escola Municipal P.M.A.L.
3ª Sessão: Banco Imobiliário
No terceiro dia de intervenção pedagógica, para realizar a 3ª sessão com os
quatro alunos da escola foi proposto para que jogássemos Banco Imobiliário, um jogo
de mesa com regras um pouco mais complexas em comparação com os anteriores. Para
inicio de conversa notei que as crianças desconheciam o jogo referido e por isso
primeiramente conversamos um pouco sobre as regras construídas para o jogo
implícitas no manual de regras, que descrevia cada uma delas e ainda indicava como
começar o jogo, quem ganha o jogo, entre outras. Após isso, a sessão iria começar com
a seguinte indagação feita pelo entrevistador as crianças, após conhecerem as regras
para esse jogo: o primeiro jogador lança os dados e, conforme o número de pontos que
tirar, avança
o seu pião pela esquerda para o espaço atingido. Num só espaço podem parar vários
piões ao mesmo tempo. Se cair num terreno ou empresa poderá comprá-las ao
banqueiro, pagando o preço indicado no tabuleiro. E.: Quem de vocês algum dia já
30
jogou Banco Imobiliário?4 Px.: Eu não. Dx.: eu não conheço. Gx.: Eu vi meus primos
jogarem, mas não joguei com eles. Fx.: Nunca joguei.
Depois de ler as regras no manual do jogo, distribuímos as notas dos dinheiros
em quantias iguais para cada participante da sessão. As crianças não tinham ainda
jogado Banco Imobiliário, maioria conheceu o jogo nesse dia e apenas uma delas já
tinha ouvido falar nesse jogo.
E.: Mas, como nós podemos saber quem vai começar jogando? Dx.: Como
estamos jogando em quatro podíamos tirar dois ou um, daí quem tirar diferente será o
primeiro a jogar. E.: Tem outro jeito de saber quem vai começar jogando que não diz
aqui no manual? Px: Começa jogando quem é o menor de idade daqui de nós. E.: Mas
porque o menor? Px.: Ah porque tem outro jogo que eu jógo quem a gente começa
assim. E.: Mas só da pra começar pelo menor? Fx.: Também da pra começar por quem
de nós for o maior. Gx.: Ah mais começando jogando pelo menor fica mais justo. E.: É,
mas porque? Gx.: Por que a gente estaria respeitando o menor por ele ser mais pequeno.
E.: Todos estao de acordo com ele? Px: Pode ser. E.: Decidido então, em um consenso
coletivo. Dx.: O participante Fx vai começar jogando. E.: Porque? Px: ele tem 8 anos.
Depois de algumas rodadas do jogo de Banco Imobiliário jogado com suas regras
clássicas, surge um questionamento para o grupo pensar e refletir a partir das regras do
jogo. E.: Pessoal, será que a gente não conseguiria inventar uma nova regra para esse
jogo? É possível? Fx.: Sei lá. Px.: Acho bem difícil. E.: Mas por que? Dx.: Por que é
desse jeito que se jogo, do jeito que a gente aprendeu. E.: Mas só existe um jeito de
jogar? Gx.: Sim é esse que estamos jogando não pode mudar. E.: Por que não dá pra
mudar uma regra do jogo? Px.: porque se você quiser mudar você vai estar jogando do
jeito errado e daí estaria “burlando” a regra. E.: um amigo meu que joga de vez em
quando Banco imobiliário me falou que quem vai para a prisão, após ele parar nessa
casa “ Vá para a prisão”, combinou com os demais que quem parasse nela teria, que
lançar os dados e tirar uma combinação idêntica de números pares e para isso teria três
tentativas e se ele acertasse uma vez já estaria livre da prisão. Mas tinha que ser
números pares, apenas os pares e não os ímpares. Vocês acham que dá pra gente fazer
isso nesse jogo? Gx.: Acho que não porque no manual que você leu não está escrito
assim. Px.: Ele não estaria jogando do jeito que tem que ser e nós estamos. E.: Mas
4 As siglas Px, Gx, Dx e Fx, indicam os nomes dos sujeitos que participaram da sessãorealizada na escola, tendo em vista a necessidade de manter seus nomes em sigilo porquestão moral com finalidade de cumprir as exigências do comitê de ética.
31
porque? Dx.: Ele estaria fora da prisão do jeito mais fácil e não pode fazer isso. Fx.
Claro que não. Essa regra é diferente da nossa, ela está errada. Mas vocês sabiam que dá
pra gente inventar uma regra nova, o meu amigo fez isso não é mesmo? Px. Não, mas
tem como? Fx.: Não mas ele inventou errado. E.: Como nós vamos saber quem ganhou
o jogo? Dx.; É quem tiver mais dinheiro que ganha. E.: Mas como você sabe disso?
Dx.: A minha tia me falou que a gente tem que contar tudo e somar os dinheiros. Px.: A
minha prima também faz assim. E.: O que vocês acham melhor? Fx.: Contar tudo e o
perdedor que ficar por ultimo vai perder tudo. E.: Mas por que? Fx.: Porque ele perdeu.
E.: Mas então, por que vocês acham difícil criar uma nova regra para esse jogo? Gx.:
por que não dá. Fx.: Sabe quem fez o jogo inventou ele assim para nós jogarmos. Px.:
Se fizermos diferente estamos jogando errado e não pode. E.: mas só existe um jeito
certo de jogar Banco Imobiliário? Vocês lembram-se daquele meu amigo, ele jogou de
um jeito diferente não foi? Dx.: Mas não é justo, ele com certeza perdeu o jogo, por que
ele jogou do jeito errado e nós jogamos do jeito certo, igual que todos jogam. E.: Mas
então, onde vocês aprenderam isso das regras? Fx.: Eu aprendi em casa e faço assim
porque está certo e quero ganhar o jogo.
Nesse dia como o jogo foi apresentado e as crianças não o conheciam ainda,
muito provavelmente por não terem tido o acesso a esse jogo, o trabalho pedagógico de
mudança consciente de um estagio de desenvolvimento moral para um estágio moral
avançado, ou seja, ainda a transição da fase heterônoma para a autônoma, ficou ainda
muito mais complexo. As crianças aceitaram as regras do manual e as incorporaram
como imutáveis e acabaram por isso não aceitando outra maneira de jogar um momento
do jogo diferente do que estavam habituadas a jogar, muito provavelmente devido ao
respeito unilateral que demonstraram pelas regras que foram aprendidas por elas no
convívio escolar, familiar e com os amigos. Assim sendo, a mudança e aceitação de
uma nova regra ficaram mais difíceis de ser incorporadas e aceitas no consenso coletivo
por elas, mas gerou dúvidas e questionamentos sobre o assunto entre o grupo de sujeitos
que pensaram, mas não aceitaram uma nova possibilidade de jogarmos Banco
Imobiliário.
4ª. Sessão: Jogo da Forca
Na 4ª sessão foi proposto o Jogo da Forca para essa intervenção pedagógica,
com o intuito de que além de investigar o nível de desenvolvimento moral das crianças
participantes, também fosse possível realizar a tentativa de inventarmos coletivamente
32
uma nova regra para o jogo referido. As quatro crianças com idades entre sete a dez
anos já conheciam o Jogo da Forca e por isso contaram as regras.
Para iniciar o jogo da forca os alunos da sala de recursos disseram que as regras
que eles conheciam aprenderam jogando na escola com os colegas. E.: Como vamos
começar a jogar Forca? Dx.: temos que escolher uma palavra secreta. E.: E como nós
faremos isso? Px.: tem que escolher um para escrever a palavra com essas letrinhas do
alfabeto móvel. E.: E como será? Qual palavra? Que jogador? Fx.: podemos tirar dois
ou um, ou começar pelo jogador mais novo ou mais velho. E.: Depois de escolhermos a
palavra secreta pelo jogador xxxx o que temos que fazer? Px. Tentar adivinhá-la. E.: E
como nós faremos isso? Fx.: falando as letras até acertar todas que tem na palavra. E.: E
se errarmos, o que acontece? Gx.: tem que colocar uma parte do corpo do menino na
forca. E.: E se você acertar a letra o que acontece? Dx.: daí você pode continuar
jogando. E.: Quantas chances tem cada jogador? Px.: cada jogador tem 1 chance. E.:
Será que tem como inventarmos uma regra nova para o jogo da forca? Gx.: Talvez, mas
é difícil porque eu sempre joguei assim. E.: As regras clássicas já conhecemos, tem
como mudá-las? Fx: é difícil porque eu aprendi a jogar assim na escola e é assim que eu
jogo com os meus amigos. Px.: eu e o meu irmão mais velho sempre jogamos assim, eu
aprendi a jogar “Forca” com ele. E.: Esses dias um parente meu de muito longe veio me
visitar, daí nós resolvemos jogar Forca. Ele mora em uma cidade do interior de São
Paulo. Quando começamos a jogar ele me propôs que tentasse jogar de um jeito
diferente do que eu estou acostumado. Ele me pediu para que ao escolher as palavras
tentasse formar uma nova regra para o jogo da “Forca”. no qual estivesse proibido usar
a letra “A”. E.: Vocês acham que daria certo se jogássemos assim? Gx.: ficaria mais
difícil, mas podíamos ao menos tentar. Fx.: eu conheço palavras que não tem a letra “
A” no meio. Px.: mas não é justo, pra fazer isso tem que pedir pro dono do jogo. E.:
Mas porque? Px.: porque vamos jogar de um jeito diferente do que estamos
acostumados a jogar. Gx.: sempre nós jogamos assim. Fx: Eu acho que é bem fácil
achar palavras que não tem a letra “ A”. E.: E então o que você acha participante Gx?
Gx.: vamos jogar então eu acho que vai dar certo. E. Mas todos precisam estar de
acordo com a gente, porque daí a regra vale para todos vocês não acham?
Fx.Dx.Gx.Px.: Nós estamos. E.: Quem sabe uma palavra que não tem a letra “A”? Dx.:
Eu sei, deixa eu começar a escrever... E: Por que tem que ser você? Dx: porque eu sei a
palavra e eles não. E.: Vocês concordam com o Dx? Fx. Pode deixar ele começar então.
Px.: Mas depois dele é a minha vez. E.: Porque? Px.: por que eu sei uma outra palavra
33
que não tem a letra “A”. E.: Quem acertou a palavra do participante Dx? Gx.: Eu sei
qual é, está muito fácil. E.: Não está faltando nada aqui? Fx.: Não vale, ele tem que dar
uma dica da palavrinha. E.: E porque precisa? Fx.: porque daí eu adivinho a palavra de
um jeito mais fácil e agora mesmo. E.: Se todos concordam podemos jogar assim.
Após três rodadas de jogo, alternando regras as clássicas da “Forca” com a regra
inventada, solicitei as crianças que escrevessem em folha separada a regra que foi
criada, adaptada culturalmente para a realidade local dos alunos e também há de se
considerar que foi acomodada pelo grupo de sujeitos participantes, como uma mudança
possível permeada de inquietudes e reflexões.
FOTO 2- Crianças jogando “Forca”. Registrado em 02/08/2011 as 15:23 min naSala de Recursos da Escola Municipal P. M. A. L.
5ª. Sessão: Jogo das “Bolinhas de Gude”.
No 5º. dia de intervenção pedagógica na escola foi proposto as crianças que ali
estavam freqüentando a sala de recursos em contra turno, sendo que compareceram
quatro crianças e não apenas duas como nas sessões anteriores, à do jogo “Bolinhas de
Gude”, com o mesmo intuito de tentar aproximar-se dos objetivos levantados por Piaget
(1994) e com isso, verificar se as regras do jogo interpretadas por ele estão concernentes
com o nível de desenvolvimento conforme as necessidades da sociedade
34
contemporânea, ou seja, tentar assim observar em quais os estágios do nível de
desenvolvimento moral as crianças entrevistadas se encontravam.
A sessão foi retomada e feita em dois momentos, um deles por meio de um teste-
piloto realizado na instituição escolar com quatro sujeitos.
O jogo de Bolinhas de Gude aconteceu no ambiente externo no interior da
escola, uma vez que era necessário um local que fosse apropriado para sua prática por
parte dos alunos.
A avaliação dos resultados desse jogo ficou um pouco complicada de ser
diagnosticada, uma vez que o comportamento dos indivíduos para essa proposta
pedagógica se caracterizou pela euforia e pelo fato de estarmos no pátio da escola foi
visível observar que os quatro sujeitos envolvidos se dispersaram facilmente e
interagiam com outros elementos que chamavam sua atenção e que estavam
visivelmente além do Jogo de Bolinhas de Gude, que acabaram por influenciar no
comportamento apresentado pelas crianças.
Os quatro alunos sabiam as regras do Jogo de Bolinhas de Gude, alternando
jogadas de respeito unilateral pelas regras do jogo, no qual um dos jogadores descreveu
como a partida seria iniciada.
Px.: você faz uma risca no chão e quem chegar mais perto dela vai começar jogando. E.:
mas porque? Só existe esse jeito para ver quem começa? Dx: Mas esse é o jeito de
começar a jogar que nós conhecemos. E.: Mas vocês começam sempre assim? Gx.:
Sempre, ou então você pode ver de quem é a “bolinha” que se aproxima mais daquela
parede. E.: E depois disso? Fx.: depois você tem que desenhar a “cabeça” e o “corpo no
chão” e depois colocar todas as bolinhas, se você acertar a “cabeça” você ganha todas as
bolinhas, mas se você errar, você passa a vez para o outro jogador. E.: Será que algum
de vocês sabe de um outro jeito de jogar com as “Bolinhas de Gude”? Px: Dá pra você
desenhar um triângulo ou um circulo no chão, daí cada um colocar um tanto de bolinhas
e quem conseguir tirar uma bolinha continua jogando até que não tenha mais nenhuma
bolinha lá dentro. E.: E se a minha bolinha parar la dentro o que acontece? Gx: “Vixi!”
daí você tem que colocar lá de novo todas as bolinhas que você conseguiu tirar do
circulo ou do triângulo. E.: será que algum de vocês sabe uma regra diferente dessa para
esse jogo? Px.: eu não sei. E.: Seria possível inventar uma nova regra para o jogo de
bolinhas de gude? Dx.: talvez, mas foi assim que o meu primo me ensinou a jogar e eu
jogo assim por isso. E.: E se tentássemos colocar uma regra nova que nos fossemos
inventar juntos, vocês acham que daria certo? Fx.: Não sei não, porque meu pai joga
35
assim comigo. E.: Mas se você perguntar para o seu pai? Fx.: ele vai dizer que não pode
mudar não. E.: Mas por que você acha isso? Por que sempre nós fizemos assim e quem
tiver mais bolinhas na mão vence o jogo e ganha às bolinhas de gude do seu adversário.
2.2 Considerações sobre o resultado da pesquisa e o papel do docente
Podemos afirmar que os dados obtidos em nosso estudo vão de encontro e se
aproximam em alguns aspectos dos obtidos na pesquisa desenvolvida por Piaget
(1932/1994) em sua teoria do juízo moral. Os encontros realizados com as crianças-
participantes de nossa pesquisa apontam que as experiências adquiridas no convívio
coletivo com o outro, por meio de relações sociais, afetivas e culturais favorecem o
desenvolvimento moral e autônomo da criança.
Conforme verificado durante os encontros realizados na pesquisa crianças
vivenciaram experiências concretas de ação autônoma, a partir do momento em que
conseguiram elaborar normas para os jogos. Tais condutas podem ser consideradas
preparatórias para o entendimento de que as regras sociais se constroem no contexto
social e histórico no qual o ser humano encontra-se inserido. Essas condutas favorecem
o respeito mútuo e admissão de outras possibilidades de existência, formando assim a
consciência autônoma e moral que proporcionará ao indivíduo agir além da
conformação da identidade padrão humana, impregnada pela sociedade capitalista.
Por isso, de acordo com Freitas (2002), cabe à educação possibilitar ao sujeito
em processo de formação e de construção de sua personalidade, desenvolver por meio
das práticas impregnadas na escola sua consciência moral e autônoma em comum à sua
ascensão na sociedade, a fim de que o mesmo consiga realizar escolhas que lhe convém
enquanto indivíduo, por meio de uma tomada de consciência libertadora. Embora na
atualidade a escola exista como um meio de reprodução social e ainda para manter-se
como tal é necessário a ela atender aos interesses homogêneos da classe predominante
que detém maiores recursos financeiros para custear uma educação adequada e
padronizada para os filhos, o que na realidade deveria destinar-se para todos de maneira
igualitária e heterogênea, sem distinção social.
Dessa forma seria possível por meio de uma educação voltada para o
desenvolvimento da consciência moral formar os seres humanos, enquanto cidadãos
conscientes, autônomos, íntegros e aptos a atuarem pela transformação da realidade
social no qual vigora, independentemente de sua condição cultural ou étnico-social,
36
mas, sobretudo, levando em consideração sua capacidade de reflexão moral e intelectual
a ser estimulada pela prática educativa na escola e nos demais ambientes culturais de
formação valorativa freqüentados pela criança, como igreja, âmbito familiar, entre
outros, pois a aprendizagem de valores, como da conduta ética e moral são aprendidos
no convívio coletivo e social de acordo com o reconhecimento do ponto de vista do
outro e de sua individualidade constituída no processo do desenvolvimento moral e de
civilização do sujeito.
Nesse capítulo, o principal objetivo foi apresentar e discorrer sobre uma
experiência vivenciada, por meio da pesquisa empírica desenvolvida em uma escola
pública na qual após ser realizada a coleta de dados com os alunos da sala de recursos,
os resultados obtidos foram transcritos para análise reflexiva e mostraram a importância
do trabalho de intervenção consciente do professor para que assim o aluno desenvolva
sua autonomia. Sendo assim, no próximo capítulo apontaremos algumas considerações
teóricas que ressaltam a real importância do trabalho de mediação docente para
contribuir com o desenvolvimento moral da criança e ainda enfocar como a escola pode
favorecer esse processo gradativamente.
37
3 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A IMPORTÂNCIA DO
TRABALHO DOCENTE PARA O DESENVOLVIMENTO MORAL DA
CRIANÇA
Conforme afirma Piaget (1994) o desenvolvimento moral da criança pode ser
classificado em dois momentos que se sucedem e são interpendentes, sendo o primeiro
período o da heteronomia e depois podendo desenvolver a moral autônoma. É
importante enfatizar, no que se refere à compreensão das regras sociais, que elas são
aprendidas nas relações interpessoais de grupo e dependem do ambiente de socialização
criado e que pode ou não ser favorável e estimular o desenvolvimento da moral
autônoma do indivíduo.
Sendo assim, os valores e os princípios morais que também culminam no
processo de aprendizagem devem ser favorecidos pelo ambiente escolar, uma vez que
historicamente essa é a instituição formativa na qual se constroem relações sociais de
cooperação com o outro e de respeito mútuo, que necessitam permitir a socialização e
serem estimulados dentro da sala de aula.
Sobre isso, Mantovani de Assis (2000) fundamentada na teoria piagetiana do
desenvolvimento moral afirma que de inicio a moral na criança é heterônoma, ou seja, a
criança respeita a regra devido a uma necessidade externa por exigência dos pais ou de
um adulto. Assim esse respeito à regra pela vontade do outro, Piaget (1994) intitulou de
respeito unilateral, pois acontece diante de uma relação de opressão entre a criança mais
nova e o adulto a partir do dever a ser cumprido. O desenvolvimento da moral neste
sentido é heterônomo, uma vez que depende da ação de submissão ao ponto de vista do
outro. Esse período de desenvolvido heterônomo da criança se constitui pela obediência
fiel a regra posta.
Dessa forma, Piaget (1994) ressalta que para contribuir com o desenvolvimento
moral da criança é necessário que o respeito unilateral de coação conduza para uma
relação de respeito mútuo pelo outro, pois com isso o respeito mútuo proporciona aos
indivíduos ao cooperarem entre si, alcançar o desenvolvimento da moral autônoma, por
meio do qual o sentimento de reciprocidade pelo ponto de vista do outro, constrói na
consciência do sujeito a necessidade de fazer o bem e agir conforme seus princípios e
valores morais constituídos socialmente.
38
Mantovani de Assis (2000, p.11) afirma que para Piaget (1994) o objetivo da
teoria do desenvolvimento moral na criança é que, diante de um contexto sócio-cultural,
cabe à educação moral:
Incorporar por meio de práticas pedagógicas adotadas em sala de aula, e
estimular o desenvolvimento da personalidade do sujeito e de sua
consciência autônoma de respeito mútuo pelo outro;
Criar em consenso coletivo com o grupo, novos valores de princípios
éticos a serem constituídos e assimilados, como de solidariedade;
Desenvolver um ambiente escolar no qual predomine a relação
cooperativa, havendo assim a possibilidade de mudar ou inventar novas
regras construídas socialmente durante a prática docente e diante de uma
necessidade;
Admitir e (re) formular outras hipóteses para vivenciar determinada
situação da realidade culturalmente existente, desde que haja um
consenso coletivo e de respeito mútuo.
Como foi possível verificar durante a intervenção pedagógica desenvolvida com
os alunos sobre jogos de regras, na qual a atuação consciente do adulto de instigar o
grupo a todo instante, favoreceu a construção de condições necessárias para o
desenvolvimento da moral, pois durante a partida do Jogo da Forca, no último dia,
foram notadas pequenas mudanças na maneira de pensar ativa e conscientemente sobre
as regras do jogo, admitindo que as mesmas até podem ser modificadas, desde que haja
um consenso coletivo e de respeito mútuo.
Neste sentido, o desenvolvimento da consciência moral da criança perpassa
também por fatores que possibilitem a ela criar condições favoráveis e assim a
estimulem a constituir sua autonomia. Segundo Piaget (1994), para alcançar o nível de
pensamento autônomo, faz-se necessário que a criança esteja apta a cooperar com o
ponto de vista do outro.
Para tanto, os progressos assimilados e vivenciados pela criança de princípios
como a cooperação social e o respeito mútuo, quando praticados no coletivo, podem
conduzir a criança, de acordo com Piaget (1994), para o estágio de desenvolvimento
moral autônomo, sendo esse o ápice da educação moral, pois com isso, consegue
cumprir sua função reflexiva na vida do indivíduo.
39
Diante disso, com a finalidade de ilustrar as fases do desenvolvimento moral na
criança, no que se refere, por exemplo, aos jogos com regras, é possível observar que
para Mantovani de Assis (2000, p. 12), as crianças mais velhas começam
gradativamente a admitir a possibilidade de modificar uma regra existente e consideram
o ponto de vista do outro como necessário para criar outras formas de jogar com as
novas regras, e a partir da interação, socialização e ainda com o processo de mediação e
questionamento feito pelo adulto durante a partida, os sujeitos passam a agir e pensar
com justiça no grupo, respeitando os diferentes modos de modificar uma nova regra
para jogar, oportunizando por meio disso, aos amigos do jogo a vivência de novas
experiências morais, construídas democraticamente no consenso coletivo.
Em seu livro intitulado “A Ética na educação infantil”, em particular no primeiro
capítulo denominado “O que queremos dizer com Salas de aula Morais?”, Rheta
DeVries e Zan (1998) afirmam que para a construção de ambientes e salas de aula que
se organizem em torno de uma educação sócio-moral, é necessário concentrar o trabalho
pedagógico com a finalidade de que a formação do aluno esteja no centro do processo
ensino-aprendizagem, transpassada por valores e por princípios morais da ética, como
na construção dos direitos e deveres, ou seja, normas a serem criadas conjuntamente
pela turma de acordo com a realidade escolar, em um consenso coletivo, levando em
consideração o interesse e a curiosidade da criança em descobrir algo novo e
significativo para constituir suas vivencias sociais.
Segundo explicam DeVries e Zan (1998, p.32) diante de um processo ético e
formativo, a criança para conseguir total aceitação por parte do grupo no qual deseja
fazer parte deverá, por meio de um processo que se constrói gradativamente assumir
características comuns destinadas a todos os demais sujeitos perante aceitação no grupo,
uma vez que em sua convivência diária e para garantir sua ascensão social os seres
humanos são tidos como homens que legalmente possuem direitos iguais, tornado assim
possível o ingresso dos mesmos no meio de convivência padrão. Para isso a convivência
cooperativa é necessária e imprescindível para que ela atue de maneira ativa, crítica,
reflexiva e inclusiva nos âmbitos de conhecimento formal e informal, buscando a
transformação do pensamento hegemônico, que devem por direito institucional ser
viabilizado a começar pelas práticas educativas desenvolvidas no ambiente
escolarizado.
Sobre a importância de construir ambientes favoráveis à interação, que necessita
fazer parte das relações sociais estabelecidas pelas crianças na sala de aula, DeVries e
40
Zan (1998, p.32), ressaltam a contribuição desses momentos, no qual acontecem trocas
de saberes e experiências cooperativas, com a finalidade de tornar presente o
desenvolvimento moral da criança e ainda reafirmam qual o papel do professor ao
mediar esse processo por meio de uma ação pedagógica concernente a educação moral:
A interação entre colegas em e por si mesma não garante um ambientesócio-moral que promova o desenvolvimento infantil. O professor podeinfluenciar qualidade das interações das crianças de várias maneiras,inclusive oferecendo atividades que engendram a necessidade e odesejo de interagir pelas crianças e o apoio á cooperação e negociaçãoentre os alunos. (DEVRIES; ZAN, 1998,p. 32).
Conforme afirmam as autoras, o ambiente escolar é um meio de formação social
que pode ser favorável ou não para o desenvolvimento da autonomia moral e do
pensamento consciente do sujeito. Nesse sentido, Rizzieri e Gomes (s/d) ao abordar a
temática, afirma que:
[...] Quando se fala de ambiente, diz-se da comparação entre osmétodos de conduzir as aulas pelo professor e como essa conduçãoreflete na moralidade infantil. Dito de outra maneira, ao compararcomo as condutas de coação e sansões expiatórias, exercidas pelaautoridade do professor, repercutem nos alunos comportamentosmorais heterônomos, intenta-se observar se as relações de cooperaçãoe reciprocidade são suficientes para estimular comportamentosautônomos nesses sujeitos. (RIZZIEIRI; GOMES s.d, s.p).
Em síntese, a construção formativa da autonomia moral na criança necessita se
desenvolver desde o momento em que o sujeito passa a conhecer o mundo real em que
habita, para que a passagem da fase da anomia, período vivenciado no aspecto biológico
desde o momento em que a criança nasce, para a heteronomia, período natural devido as
condições estabelecidas com o meio de convivo externo e com o adulto, e depois, para a
conquista da autonomia. A criança, enquanto ser ativo na construção do seu processo
ensino-aprendizagem necessita espaço para pensar e agir livre imposição alheia exercida
por uma figura adulta.
Finalmente para chegar ao desenvolvimento moral, conforme Piaget (1994) o
pensamento autônomo acontece a partir do momento em que a criança é estimulada
pelos que compõem os ambientes sociais e culturais que freqüenta, a refletir por meio
de um processo de tomada de consciência das regras sociais. Esse processo é favorecido
pelos questionamentos, pela dúvida e pela interpretação das regras. Em um jogo, tendo
41
em vista as diversas possibilidades admitidas pelos sujeitos para realizar uma jogada, é
importante que o sujeito torne-se problematizador das regras, das alternativas propostas
em um ambiente favorável ao exercício de cooperação mútua.
Segundo Rizzieri e Gomes (s/d), se faz necessária uma reflexão dos educadores
no que concerne à prática e ao estimulo da compreensão das regras dos jogos, visto que
é necessário ao ambiente escolar e aos profissionais que nela se inserem explorar a
capacidade de relacionamento cooperativo, solidário e formativo entre as atuais e nas
futuras gerações. Isto, durante as atividades de sala de aula e extraclasse. Sendo assim, é
preciso que ocorram tais modificações para que se alcance o desenvolvimento da moral,
respeitando mutuamente a opinião e escolha alheia a outrem.
Neste sentido, DeVries e Zan (1998), ponderam que, para a construção de
ambientes que viabilizem também práticas direcionadas a uma educação inclusiva e
sócio-moral, é necessário também que a instituição adote no currículo escolar
preconizando-o para inclusão de uma nova concepção de ensino, a partir de uma tomada
de consciência coletiva que favoreça a mudança de práticas educativas que não levam o
aluno a aprender significativamente em ambientes de coerção e autoritarismo.
Assim, as autoras enfatizam sobre a necessidade de que a escola atual se
organize em torno de uma concepção de ensino moral a começar pela educação infantil,
em que o ambiente de atuação do professor deve estimular a curiosidade e o interesse
cognitivo do aluno em aprender um novo conteúdo. Por isso, ambas as hipóteses citadas
sobre o desenvolvimento social e moral da criança, exigem a criação de condições
ideológicas, no qual o educando e o docente, inseridos de maneira ativa no processo
ensino-aprendizagem, viabilizem a partir disso, a instituição de um ambiente educativo
real, de interação, cooperação, convivências com o outro e de participação.
[...] O ambiente sócio-moral na sala de aula constitui-se, na maioriadas vezes, em um currículo implícito. É implícito e desconhecido paraprofessores que não estão conscientes do ambiente sócio-moral queoferecem. É menos escondido para as crianças que estão agudamenteconscientes da pressão social na sala de aula. Quando os professoresdizem as crianças o que estas devem e o que não devem fazer, o queas crianças escutam é o que é bom ou mau, certo e errado.Infelizmente, na maioria das escolas, o ambiente sócio-moral ésobremaneira coercitivo e exige que as crianças sejam submissas econformistas, ás custas da iniciativa, autonomia e pensamentoreflexivo. Mesmo os professores bem intencionados sentem que é desua responsabilidade ser autoritário na sala de aula, oferecer áscrianças regras e expectativas para o comportamento e discipliná-laspelo uso de recompensas e punições. (DE VRIES; ZAN; 1998, p.35)
42
No que se refere ainda sobre o desenvolvimento moral dos indivíduos, os
Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998), que são documentos norteadores
destinados aos profissionais envolvidos com a educação básica brasileira, ao abordar o
tema “Ética e Moral na sociedade” afirmam que a cultura da moral é definida no
contexto social como um “... conjunto de crenças, princípios, regras que norteiam o
comportamento humano, a moral é o campo em que dominam os valores relacionados
ao bem e ao mal, como aquilo que deve ser buscado ou do que se deve afastar.”
(BRASIL, p. 50, 1998).
Sobre a liberdade moral do sujeito, os PCNs (1998) preconizam que é na escola
o local no qual deve acontecer o aprendizado dos direitos e deveres para viabilizar
relações interpessoais que permitam a convivência social e assim deve-se efetivar por
meio da possibilidade e práticas que levem em consideração as escolhas de acordo com
sua cultura moral, dos valores e princípios que foram aprendidos na convivência com o
âmbito social e familiar. Desse modo, constituir a dimensão pessoal da moralidade na
educação do indivíduo implica, segundo os PCNs. “assumir um posicionamento em
relação aos valores e aos deveres. Se o indivíduo não pode fazer sua escolha entre a
obediência e a transgressão, não pode ser responsabilizado por sua ação.” (BRASIL,
p.51, 1998).
Portanto, a educação sócio-moral não significa dar ao sujeito a liberdade plena
para agir conforme é conveniente e melhor a si mesmo, ou então, apenas ensiná-lo a
aceitar passivamente, com obediência e respeito unilateral a ideologia do grupo no qual
se encontra inserido, adotando a regra criada socialmente como sagrada e imutável, mas
aprender na escola, por meio de práticas pedagógicas concernentes e adequadas a
formação de consciência moral, que se existe um consenso coletivo haverá possibilidade
de uma mudança de um determinado posicionamento, pois a liberdade associa-se com a
consciência e a vontade humana necessária para estabelecer relações no contexto social,
uma vez que conforme ilustram os PCNs:
[...] Dizer que o individuo faz escolhas morais não é, entretantoafirmar que existem morais individuais. Cada ser humano posiciona-se diante de um conjunto de valores que não foram criados por eleisoladamente, mas no contexto das relações com outros sereshumanos. É dentro do contexto social, dos grupos de que faz parte,que o indivíduo desenvolve suas potencialidades, inclusive suamoralidade. É preciso ter claro, portanto, que o que se verifica é um
43
posicionamento de cada pessoa frente aos valores e princípios que sãocriados e que tem significação no âmbito mais amplo da comunidadehumana. (BRASIL, p.51-52, 1998).
Em suma, o desenvolvimento moral da criança é permeado de valores e
princípios morais aprendidos na cultura familiar e que ao encontrar-se com outros
indivíduos na escola esses mesmos, se constituem para o professor como sendo modelos
únicos de condutas, sendo que não são padronizados, tendo em vista que os valores se
divergem de acordo com a cultura de cada realidade social e familiar. Portanto, cabe ao
professor enquanto facilitador do processo ensino-aprendizagem, utilizar-se de critérios
que classifiquem as ações, orientando o aluno a posicionar-se diante da situação a partir
de sua conduta, uma vez que diante disso, o docente estará proporcionando a construção
de ambientes sócio-educativos que levarão o aluno a aprender a como cooperar com o
outro e a respeitar mutuamente os diferentes pontos de vistas e as diferentes culturas
presentes em sala de aula, a partir do momento em que o docente passa a observar cada
aluno em sua individualidade e espontaneidade.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do que foi apresentado neste estudo foi possível verificar em uma
perspectiva qualitativa e, em consonância com a teoria do juízo moral na criança,
construída por Jean Piaget (1994), a partir de suas experiências com crianças que se
encontravam em processo de desenvolvimento moral, que o professor contemporâneo
necessita romper com práticas educativas tradicionais e autoritárias, que apenas
submetem o aluno a seguir rigorosamente os princípios e valores previamente
estabelecidos, exigidos conforme o padrão de comportamento desejado.
Sobre isso DeVries e Zan (1998) afirmam que esse tipo de prática comumente
adotada pelo professor em sala de aula, limita o aluno e muitas vezes acabam por
reprimir sua liberdade e a capacidade de pensar por si mesmo, sem interferências
externas, para que assim o indivíduo consiga desenvolver-se moralmente a partir de
suas escolhas, com estímulo e interesse a aprender algo novo.
Para tanto, é preciso segundo DeVries e Zan (1998) que no currículo escolar o
trabalho com o desenvolvimento moral do aluno se faça presente não de maneira oculta,
mas é necessário que a partir da realidade posta, esse processo seja estimulado e
almejado pelos profissionais da escola, desde a educação infantil, em um ambiente
sócio-moral de cooperação, interação e de construção coletiva, contribuindo ao mesmo
tempo com a assimilação do conhecimento sistematizado do aluno, sendo esse o papel
social da escola pública diante do convívio com relações interpessoais de respeito
mútuo pelo outro e, além disso, gradativamente providencie a construção de um
ambiente escolar prazeroso, espontâneo e autônomo.
Em suma, sabendo que a instituição escolar reproduz saberes hegemônicos,
portanto não é neutra, posterior aos estudos realizados, é importante ressaltar conforme
enfatizam DeVries e Zan (1998) que a todo o momento a relação professor-aluno é
permeada de valores e normas necessários para construir uma convivência de respeito
mútuo pelo outro. Sendo assim, o comportamento sócio-moral que se quer instituir é um
processo a ser construído cotidianamente na prática pedagógica, cabendo aos
profissionais envolvidos com o ensino, criar espaços de interação que viabilizem novas
maneiras de disciplinar e construir o desenvolvimento moral da criança, possibilitando
diante de uma ação reflexiva e libertadora, facilitar a e criar condições que garantam a
concretização de uma educação moral e a participação ativa do aluno no processo
ensino-aprendizagem.
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REFERËNCIAS
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