atrito e rolamento puro

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Exame FIS-14 Dezembro 2014 Atrito e rolamento puro Lucas Lugão Guimarães Instituto Tecnológico de Aeronáutica [email protected] Resumo O presente trabalho visa discutir o problema da compatibilidade entre forças de atrito e as condições de rolamento sem deslizamento de corpos rígidos. Normalmente esse problema é discutido de maneira a se ignorar as deformações sofridas pelo corpo ao interagir com a superficie sobre a qual ele rola sendo necessária essa consideração para explicar suficientemente o problema. I. Introdução O movimento de corpos rígidos sobre superfícies é algo bastante recorrente no estudo e na aplicação da física. Esse movimento por sua vez pode ser classi- ficado em escorregamento puro, rolamento puro ou então, no caso mais abrangente, rolamento com des- lizamento. Nesse trabalho primeiramente será ana- lisado o rolamento com e sem deslizamento de um corpo rígido e posteriormente será dada maior atenção ao caso do rolamento puro uma vez que esse tipo de movimento possui sutilezas muitas vezes ignorada em varios livros-texto universitários. Para manter o estudo simples e conciso o caso estudado será o movimento de um corpo de seção circular sobre uma superficie plana como é o caso de uma roda de bicicleta ou até de um automóvel. Ainda, serão apresentados dois modelos físicos, o primeiro referido como "Modelo clássico"em que é desprezada toda e qualquer defor- mação do corpo ou da superfície e o segundo "Modelo aprimorado"em que é apresentado de maneira sim- plificada a deformação do corpo e a partir da qual é possível obter condições adicionais para a manutenção desse movimento. II. Modelo Clássico:Análise e falhas Como primeira abordagem, considere um corpo rígido de seção circular de raio R que inicialmente se move com velocidade horizontal v 0 e não gira em torno de seu centro de massa. Nessa situação, como existe mo- vimento relativo surge uma força de atrito cinético F at = Nμ c de maneira que após algum tempo o corpo passará a rolar sem deslizamento. v 0 P N F at Figura 1: Modelo clássico de um cilindro deslizando sobre o solo. Sendo assim, as equações do movimento de trans- lação e rotação serão dadas por: Ma cm = -F at N = Mg (1) I α = RF at (2) Em que M é a massa, I é o momento de inercia, a cm é a aceleração do centro de massa e α é a aceleração angular do corpo. Integrando as equações obtém-se: v cm (t)= v 0 - F at M t v cm (t)= v 0 - μ c gt (3) ω(t)= RF at I t ω(t)= MR I gμ c t (4) Note que a velocidade do centro de massa diminui ao passo em que aumenta a velocidade de rotação do corpo. No entanto, esse processo seguirá somente até a condição de rolamento puro seja atendida, i.e., aquela em que a coposição do movimento de rotação e de translação torna a velocidade nula na parte inferior do corpo: ωR = v cm (5) Assim, a partir das equações 3 e 4 é possível obter o tempo necessário para atender a condição 5 : MR I gμ c Rt 1 = v 0 - μ c gt t 1 = I I + MR 2 v 0 μ c g (6) E também a velocidade final do centro de massa: v cm (t 1 )= v 0 - μ c g I I + MR 2 v 0 μ c g v cm (t 1 )= v 0 MR 2 I + MR 2 (7) Note que após esse tempo t 1 não existirá mais força de atrito cinético e o corpo passará a rolar por um tempo indefinido com a mesma velocidade v cm (t 1 ). Essa observação no entanto caracteriza uma falha 1

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Atrito e rolamento puro

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Exame FIS-14 Dezembro 2014Atrito e rolamento puroLucas Lugo GuimaresInstituto Tecnolgico de [email protected] presente trabalho visa discutir o problema da compatibilidade entre foras de atrito e as condies de rolamento semdeslizamento de corpos rgidos. Normalmente esse problema discutido de maneira a se ignorar as deformaes sofridas pelocorpo ao interagir com a supercie sobre a qual ele rola sendo necessria essa considerao para explicar sucientemente oproblema.I. IntroduoO movimento de corpos rgidos sobre superfcies algo bastante recorrente no estudo e na aplicao dafsica. Esse movimento por sua vez pode ser classi-cado em escorregamento puro, rolamento puro ouento, no caso mais abrangente, rolamento com des-lizamento. Nessetrabalhoprimeiramenteserana-lisado o rolamento com e sem deslizamento de umcorpo rgido e posteriormente ser dada maior atenoao caso do rolamento puro uma vez que esse tipo demovimento possui sutilezas muitas vezes ignorada emvarios livros-texto universitrios. Para manter o estudosimples e conciso o caso estudado ser o movimentode um corpo de seo circular sobre uma supercieplana como o caso de uma roda de bicicleta ou atdeumautomvel. Ainda, seroapresentadosdoismodelosfsicos, oprimeiroreferidocomo"Modeloclssico"em que desprezada toda e qualquer defor-mao do corpo ou da superfcie e o segundo "Modeloaprimorado"em que apresentado de maneira sim-plicada a deformao do corpo e a partir da qual possvel obter condies adicionais para a manutenodesse movimento.II. Modelo Clssico: Anlise e falhasComo primeira abordagem, considere um corpo rgidode seo circular de raio R que inicialmente se movecom velocidade horizontal v0 e no gira em torno deseu centro de massa. Nessa situao, como existe mo-vimentorelativosurgeumaforadeatritocinticoFat= Nc de maneira que aps algum tempo o corpopassar a rolar sem deslizamento.v0PN FatFigura 1: Modelo clssico de um cilindro deslizando sobre o solo.Sendo assim, as equaes do movimento de trans-lao e rotao sero dadas por:Macm= FatN= Mg (1)I = RFat(2)Em que M a massa, I o momento de inercia, acm a acelerao do centro de massa e a aceleraoangular do corpo. Integrando as equaes obtm-se:vcm(t) = v0 FatM t vcm(t) = v0cgt (3)(t) =RFatIt (t) =MRIgct (4)Note que a velocidade do centro de massa diminuiaopassoemqueaumentaavelocidadederotaodo corpo. No entanto, esse processo seguir somenteat a condio de rolamento puro seja atendida, i.e.,aquela em que a coposio do movimento de rotao ede translao torna a velocidade nula na parte inferiordo corpo:R = vcm(5)Assim, a partir das equaes 3 e 4 possvel obtero tempo necessrio para atender a condio 5 :MRIgcRt1= v0cgt t1=

II + MR2

v0cg(6)E tambm a velocidade nal do centro de massa:vcm(t1) = v0cg

II + MR2

v0cg vcm(t1) = v0

MR2I + MR2

(7)Note que aps esse tempo t1 no existir mais foradeatritocinticoeocorpopassararolarporumtempoindenidocomamesmavelocidadevcm(t1).Essaobservaonoentantocaracterizaumafalha1Exame FIS-14 Dezembro 2014do modelo clssico haja vista que a experincia mos-tra que o corpo para de rolar passado algum tempomesmonaausnciaderesistnciadoar. Antesdeprosseguir para a analise do modelo aprimorado parao corpo em rolamento puro analisemos o balano deenergia no processo de frenagem aqui analisado.III. Analise termodinmica do processode frenagemComo o caso de vrios sistemas em que h presenade atrito comum ser necessria uma abordagem tantomecnica quanto termodinmica do processo para quese possa obter informaes mais abrangentes sobre obalano de energia do sistema.Sendoassim, considereaequaodaprimeiraleida termodinmica expressa por [Benson H, 1996] apli-cado para o sistema corpo + superfcie:dKcm + dKrot + dU= dW + Q (8)Em que U a energia interna, Kcm + Krot a energiacintica, Q o calor trocado e W o trabalho realizadosobre o sistema.Nessecasopossvel integraraequaoeobteraseguinte relao:U +Kcm +Krot= Q + W (9)Como o sistema corpo + solo isolado tem-se que astrocas de energia por meio do calor e do trabalho nula Q + W= 0 e assim:U= KcmKrot(10)Tendo em vista a velocidade inicial e nal do centrode massa computemos a variao da energia cinticado corpo:Kcm +Krot= Ktrans. f+ Krot. f Ktrans.iKrot.iKcm +Krot=12Mv2cm + 12I

vcmR

2 12Mv20Kcm +Krot= 12Mv20

II + MR2

E portanto a variao de energia interna do sistemaser dada por:U=12Mv20

II + MR2

(11)Que se distribui de maneira imprevisvel para o ob-servador macroscpico, e.g., pelo aumento da tempe-ratura do corpo e do solo,pela produo de ondasmecnicas, deformao plstica e elstica dos materiaisetc [Sousa C A e Pina E P, 1997].IV. Modelo aprimoradoRetomando falha observada na aplicao do modelodo corpo rgido nota-se que deve haver alguma razopela qual o corpo para aps certo tempo rolando.Evidentemente a resistncia do ar contribui para essaperda de velocidade porm nota-se que a deformaotanto do corpo quanto da supercie o principal fatorna dissipao da energia mecnica do sistema, o cha-mado atrito de rolamento.A gura 2 apresenta as foras que atuam sobre o corpodeformado desprezando-se a resistencia do ar e as de-formaes da supercie como no caso, por exemplo,de um peneu de bicicleta que rola sobre o asfalto.vcm dPNFatFigura 2: Modelo aprimorado de um cilindro rolando.Observe que o ponto de aplicao da normal des-locado de uma distncia d na direo do movimentouma vez que h uma variao na distribuio da pres-so na regio de contato no sentido do deslocamentodo centro de massa [Andrade-Neto, 2013].Sendo assim, supondo que haja uma fora motriz

F =

Fat externa que mantem a velocidade do centrode massa, as equaes do movimento so dadas por:Fat= F (12)Nd = FatR (13)O que permite denir a grandeza adimensional r=dR=FatNcomo sendo o coeciente de atrito de rola-mento. Finalmente, considerandoocorpolivredeforas externas tem-se as seguintes equaes do movi-mento: Fat= Macm(14)FatR Nd = I (15)Como N= Mg as equaes 13, 14 e 15 fornecem:acm= MR2I + MR2 gr(16)E assim o tempo total at parar ser de:t2=vcmgr

IMR2+ 1

Mais uma vez as perdas de energia sero distribui-das de maneira imprevisvel nas mais diversas formas.2Exame FIS-14 Dezembro 2014V. ConclusoNessebrevetextofoi discutidaadinmicadeumcorpoemrolamentoeforamanalisadasasprinci-pais consideraes pertinentes para seu estudo.Almdissoaanalisedobalanodeenergianosproces-sosirreversveisaqui ilustradosrevelouqueocon-ceito de trabalho das foras dissipativas em um rola-mento so bastante complexas como explicado por[A Pinto e M Fiolhais, 2001].Apoiado em publicaes pertinentes esse texto repre-senta um exemplo de aplicao de diversos conceitosaprendidos na disciplina de FIS-14 e promove maisdiscusses sobre tpicos aparentemente simples quena realidade requerem maior profundidade de anlise.Referncias[Sousa C A e Pina E P, 1997] Aspects of mechanicsand thermodynamics in introductory physics: anillustration in the context of friction and rollingEur. J. Phys. , 18 3347.[Benson H, 1996] UniversityPhysics , revisededn(New York: John Wiley)[Andrade-Neto, 2013] Cruz, J.A., Milto, M.S.R., &Ferreira, E.S.. Rolamento e atrito de rolamentoou por que um corpo que rola pra. Revista Brasi-leira de Ensino de Fsica, 35(3), 1-4.[A Pinto e M Fiolhais, 2001] Rolling cylinder on a ho-rizontal planeUniversityofCoimbra. PhysicsEducation , 36, 250).3