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SONHO DE UMA NOITE DE VERÃO
Peça em 2 atos e 10 cenas
Personagens:
Sérgio, sério, frio, nervoso, irritado ás vezes, descompromissado, trejeitos masculinos
Alice, sonhadora, idealista, fantasia sobre a vida, irresponsável, alegre, inocente
Caíque, alegre, muito amigável, bem-humorado
Cláudio, sincero, epidérmico, histriônico, vingativo, trejeitos femininos
Lorena, desesperada por um príncipe encantado
Pastor, sério, esforçado, correto, mas moralista
Pastora, amigável, preocupada e prestativa.
Dois assaltantes
Chefe de Sérgio
Lopes, colega de trabalho de Sérgio
Fiéis na Igreja
“Testemunhas”(Fernanda, Carla, Roberto)
Voz de Deus
( Muitos papéis podem ser interpretados por coringas)
ATO I
CENA I
( Alice e Sérgio, num quarto, deitados, em uma cama de casal cobertos, sutiã sobre a cabeça de
Sérgio, uma cueca nas orelhas de Alice; atores devem estar seminus, no sentido de mostrarem os
ombros à vista, simulando estarem sem roupas. Para fins de treino, desnecessário isso; porém na
encenação, precisa-se que esteja Alice e Sérgio seminus- sugestão: biquíni e calção- cobrindo as
roupas com as cobertas. Pés à mostra aumentam realismo)
Sérgio: ( acorda tonta, voz e cara de ressaca, fala lento)Ãh… Onde… Onde é... aqui? Ãh… ( olha
pros lados, sem entender, e vê Alice) Ãh… Que que é isso… Alice...Alice...(sacode Alice, de leve)
Alice…
Alice: (Acorda, eufórica): Sérgio!(Abraça com força, alegre, com um sorriso no rosto) Sérgio!!!
Sérgio: (empurra pra longe com força Alice, com cara de assustado) Alice!!
Alice: Sérgio!(tenta eufórica se agarrar de novo a Sérgio)
Sérgio:(Assustado e com fúria, segura os braços de Alice, a imobilizando) Alice!
Alice: Sérgio!(conta sorridente) Sonhei com nós dois!
Sérgio: Deus me livre!
Alice: Estávamos numa casa… com duas crianças… Foi lindo!
Sérgio: Enlouqueceu?!(Dá uns tapas de leve, para acordar, na cara de Alice)
Alice: Sérgio!(histericamente alegre) Foi muito real! Parecia um filme de cinema!
Sérgio: Que porcaria é essa?!
Alice: Você não se lembra?!(Cara perplexa, com um riso de malícia)
Sérgio: Lembrar do quê! Que droga é essa! Onde tô! Socorro!(Grito estridente agudo, com medo)
Alice: Não se lembra de ontem?!(Dá uma risadinha) ontem, Sérgio!(Dá uma cara de êxtase)
Sérgio: (Se afasta, enrolando-se no cobertor, assustado, olhos arregalados) Ontem?! Não! Não pode
ser…
Alice: Sim… Nós dois juntos...(Cara de alegria, de êxtase)
Sérgio: Não!!(Paralisado e tenso)
Alice: Depois da festa…
Sérgio: (Ofegante) Não!
Alice: A gente tava meio tonto…
Sérgio: Não acredito!
Alice: Depois de umas bebidas… De umas balas…
Sérgio: NÃÂOOO!!!(Grita em fúria)
Alice: SIIM!(Grita de entusiasmo, bate palma, e gargalha de alegria)
Sérgio:(Grita histérico): NÂO! NÂO EU NÂO SOU HÈTERO! NÂO SOU HÉTERO! NÃO SOU
HÉTERO! ISSO NÂO ACONTECEU… FOI UM DELÍRIO… UMA NOITE… NÂO FIZ NADA
DISSO AÌ...
Alice: Fez sim…
Sérgio: NÂO ACONTECEU! PONTO! NÂO SOMOS UMA FAMÍLIA! E…
E...(gagueja)TU...TU...TUDO… DO TÁ …. TÀ…
Alice:Sérgio!(Tenta agarrá-lo, abraçá-lo, e ele foge enrolado no cobertor)
Sérgio: (Grita agressivo) Não o-o-o-co-co-re-re-u na-na-da!NA-NA-DA! FOI só-só-só U-u-u-ma-
ma no-no-i-te!
Alice: Sérgio...(Olha tristonha, com ar de piedade)
Sérgio:(Grita sério, agressivo e focado) Você tá usando muita porcaria! Tua mãe já mandou tu parar
com isso!
Alice: Sérgio!(tom de súplica, sério) Eu sonhei com nós dois! Numa casa com dois filhos,
sorridentes… Era muito real!
Sérgio(Treme): NÃO! Nã-o-nã-nã-o-o a-a-cre-cre-dito. Nã-o-o po-po-po-de-de ser…
( Entra em cena Caíque, eufórico, correndo)
Caíque: Galera! Vocês tem que ir onde eu fui! É sensacional!( Ele vê Sérgio enrolado num cobertor
e Alice na cama, bem como um sutiã e uma cueca espalhados no quarto, faz cara de espanto) Que é
isso! Não vão me dizer que...
Alice: SIM!
Sérgio: NÃO!
Alice: SIM!
Sérgio: NÂO!
A: SIM!
Sérgio: S-s-s-si-si—im(baixinho, diminuindo o tom de voz, fala cabisbaixo, envergonhado)
Caíque: Não pode ser!
Alice: Mas é!
Sérgio: É-é-é… que-que…
Caíque: Glória a Deus!
Alice: Que é isso?!
Sérgio: Fumou o quê?!
Caíque: Nada!
Sérgio: Qualé, mano!
Caíque: Não tô acreditando…
Alice: Mas vai(ri, de forma marota, Sérgio olha furioso)
Sérgio: Não pensa bobagem!(Olha para Alice furioso, querendo matá-la)
Caíque: Calma aí! Eu tenho que contar o que aconteceu comigo!
Alice: Fala logo!(sorridente)
Caíque: Seguinte… Ontem tava meio mal… Tonto...
Sérgio:(interrompe) Como sempre…
Caíque: Mentira!
Sérgio: Tá bom… Continua…
Caíque: Mas como eu ia dizendo… Tava vomitando as tripas na rua, enchi a cara… A Lorena tinha
me dado um fora… Tava perdidão… até que… (Brilha os olhos e fala com entusiasmo) Tive um
encontro com o Espírito Santo! (Alice ri, começa a gargalhar)
Sérgio: Que droga é essa! Que que tu tá usando?!(misto de fúria, irritação, com curiosidade na face
de Sérgio)
Caíque: Eu explico! Peraí!
Alice: Só tu mesmo pra alegrar a gente!(Ri, espalhafatosamente)
Caíque: Eu explico!(Sérgio e Alice riem) Tava lá, meio tonto, indo de um lado pra outro…
Alice: Tô imaginando...(ri)
Caíque: Não dizendo coisa com coisa…
Sérgio(fala num tom de deboche e desprezo): Você tropeçou…
Caíque: Isso mesmo!(Alice gargalha)Caí em cima dum pessoal numa praça…
Sérgio(tom cínico): E daí começou ouvir vozes…
Caíque: Ainda não!(Alice ri) Apareceu uns doidos…. E começaram a me falar um monte de
coisas... E...
Sérgio: E você vomitou neles...
Caíque: Isso mesmo, como você sabe?
Sérgio: De Carnavais passados
Caíque: Como tava falando... Tava esses loucos na rua e comecei a abraçar um deles... E me
convidaram se eu queria dormir em algum lugar perto...(Alice cai na gargalhada, Sérgio fica
irritado)
Sérgio: Não vai me dizer que...
Caíque: Acordei na Igreja!
Alice: Putz! Explica direito que não tô entendendo(ri, sem fim)
Caíque: Acordei dentro da Igreja... Tava os caras lá... Tinha uma música de fundo religiosa...
Sérgio: Putz grila!
Caíque: Me disseram que eu tinha aceitado Jesus... Foi muito doido...
Sérgio: Pirou de vez!(Aponta para Caíque, com cara de assombro e desprezo)
Alice: (os olhos brilham, com um sorriso largo no rosto) Conta mais!
Caíque: Nessa noite, eu tive um sonho muito doido...
Sérgio: Vocês tão usando muita droga!
Alice: Que nada! Não usava bala já um mês!
Sérgio: (cínico) Parabéns!(Bate palma)
Caíque: (responde irritado) E eu só bebo!
Sérgio: Mas também...
Caíque: (irritado) Mano, seguinte, tô falando sério!
Sérgio: Acredito
Caíque: Olha, tive um sonho, aparecia um cara brilhoso, enorme, e uma voz que dizia para mim :
Vai e anuncia aos seus amigos Alice e Sérgio o que lhe aconteceu. Não se assuste com o que
encontrará... Faço isso em resposta de oração...
Sérgio: Cala a boca!
Alice: Então foi isso!(Olha espantada)
Sérgio: Isso o quê?!
Alice: A oração! Pedi que ou me arrumava um bofe decente, ou eu saltava da ponte...
Sérgio: Duvido que faria!
Alice: Cala a boca!(responde irritada) Que funcionou, funcionou. Vou ligar pras minhas amigas!
Sérgio: Isso só pode ser praga daquelas tias!
Alice: Tias quem?
Sérgio: Umas tias distantes... Não saem da igreja, parece que não tem nada pra fazer
Caíque: E aí, vamo pra Igreja? Que é que tão esperando?
Sérgio: Nem morto!
Alice: Calma lá... Sei lá... Depois de tudo aquilo... Meu pai sempre dizia que ia ficar com um cara
legal, trabalhador, esforçado...
Sérgio: Não! Não! Não viaja!
Alice: Mas pensa comigo Sérgio...
Sérgio: Não penso!
Alice: Até de Igreja já fui quando pequena e...
Caíque: Tu já foi crente? Não acredito!
Alice: Sim... Quando pequeninha...
Sérgio: Só podia! Não foi só eu a ser lobotomizado!
Caíque: Como assim?! Tu também foi crente?
Sérgio: Não! Que-que-quer dizer...
Caíque: Conta pra nós...
Sérgio: Não!
Alice: Ah... Conta...
Sérgio: Não!
Caíque: Falou, tem que contar!
Sérgio: Nem sob tortura!
Caíque: Ah é?! Vamo então ligar a TV pra assistir culto!
Sérgio: NÃO! Por favor! Tem piedade de mim! Eu confesso! Confesso tudo, em detalhes!
Alice: Então desembucha, que tô curiosa!
Sérgio: Eu cantava no coral... Ia na Igreja até os 15 anos... E é isso! Ponto!
Alice: Confessa pelo que saiu!
Sérgio: NUNCA!
Caíque: Onde está o controle da TV!
Sérgio: Tá bom! Tá bom! Eu conto!
Sérgio: É o seguinte... Comecei sentir, sabe... Achar os menininhos bonitos... E... Orei... Orei...
Alice: Viu Sérgio! Sou tua resposta!(Agarra ele e abraça)
Sérgio:(Empurra Alice pro chão) Sai, sua doida!(Se recompõe) Fui falar com o pastor... Com o
líder... E mandavam orar e orar... Orar e orar...
Alice: Tô dizendo!
Sérgio: Calada!(Se concentra de novo) E daí só ouvia gente falando em escolhi esperar... Que
ninguém orava antes de casar... Ouvia toda semana gente se confessando pro pastor...
Caíque: O que tu ouviu?! Fala pra gente!(fala curioso isso)
Sérgio: Ah... Um trepava com a diaconisa, outro toda semana caía em pecado com uma irmã, outro
todo início de culto vinha chorando dizendo que se masturbou e não conseguia vencer o vício...
Alice: E daí tu saiu?
Sérgio: Não! Comecei ter um caso com o filho do pastor
Caíque: E tu saiu como?
Sérgio: Quando ele me deu um fora! Desgraçado... Daí comecei falar mal dele e todo mundo disse
que tava com demônio... O pastor começou a fazer uma campanha de guerra espiritual pra expulsar
os espíritos de mentira e fofoca, começaram orar de dia e de noite. Meus pais começaram a ungir
tudo na minha casa, e gastar o dobro em oferta por mês.
Alice: Mas funcionou!
Sérgio: Cala a boca!
Caíque: E tu, Alice, como saiu da Igreja!
Alice: Ah... Eu tenho vergonha... Não quero contar...
Sérgio: Ah... Mas vai ter muito mais vergonha se contar pras todas tuas amigas que é crente...
Alice: NÃO! NÃO! SÈRGIO! NÃO FAÇA ISSO! SEU... SEU CORAÇÃO GELADO E CRUEL!
Sérgio: Então fala logo como saiu.
Alice: Bem... É que na real... Sabe... Eu era professora das crianças no culto... E... E...
Sérgio: E...?
Alice: Entrei pra faculdade!
Sérgio: Como assim?
Caíque: É, como assim?
Alice: É que sabe... Eu não queria me sentir burra... Comecei ler uns negócios e...
Sérgio: Já sei! Começou ler os informativos da Igreja!
Alice: Isso!
Caíque: Mas tu lia a Bíblia?
Alice: Óbvio que não! Como ia ter tempo, se não tinha lido ainda a Joice Meyer?
Sérgio: Para com desculpa! Aposto que ficava duas horas no facebook!
Alice: Cachorro! E tu não ficava também?
Sérgio: Claro que sim, era impossível ler a Bíblia
Caíque: Peraí, mas então como vocês aprendiam as coisas?
Alice: Ah...(Fica reticente) Tipo tu... Bobeia, a gente tava na Igreja, ouvindo sei lá quem...
Sérgio: E quem disse que a gente aprendeu alguma coisa? Eu ia mais pra me divertir mesmo
Caíque: Mas então não era tão chato assim...
Sérgio: Não muda de assunto!
Alice: É!
Caíque: Tá, mas o que isso tem a ver com a universidade?
Alice: É que... Sabe... A gente se sente tão burra... Ouvi um discurso lindo do professor... Sabe.. E...
Sérgio: Aposto que era mais inteligente que do pastor!
Alice: Isso mesmo! Daí, pensei que era tudo burrice aquilo que eu aprendi antes
Sérgio: Tô dizendo? A gente era lobotomizado, tudo gente quadrada sem cultura!
Alice: Quer dizer... A gente mal abriu a Bíblia pra conferir...
Sérgio: Pra quê? Eu leio resumos... Tá cheio de resumos ótimos por aí...
Caíque: Sério, com tudo isso e vocês ainda duvidam?
Alice: Sabe... Quem sabe tava errada...
Sérgio: Eu nunca!
Caíque: Vamo pra Igreja hoje!
Alice: É um sinal!
Sérgio: Sinal coisa nenhuma!
Alice: Se tu não for, falo do que aconteceu...
Caíque: Eu tô de prova!
Sérgio: Desgraçado!(Vai dar um soco nele, mas cuida pra coberta não cair) Você me paga!
Alice: Vamos uma vez só! Por favor! Se não curtir, juro que não te levo mais!
Sérgio: Não quero!
Alice: Espero que morra e vá pro inferno!
Sérgio: Te levo junto!
Alice:(Fica meiga) jura? Sou tão importante!
Sérgio: (fica sem fala) Não foi isso que quis dizer!
Alice: Mas disse!
Sérgio: Cala a boca!
Alice: Ah, Sérgio...
Sérgio: Não!
Alice: Só uma vez...
Sérgio: Não!
Caíque: Cara, se você tu...
Sérgio: Mas não é...
Alice: Vou então ligar a TV
Sérgio: Não!
Caíque: E vou assistir junto!
Sérgio: Só pra não encherem o saco, eu vou!
(Caíque e Alice comemoram)
CENA II
(Caíque, Sérgio e Alice dentro de um carro, se dirigindo para um culto. Caíque está eufórico, Alice
preocupadíssima e nervosa, Sérgio está furioso, irritado. Som de fundo de CD de louvor- sugestão,
Aline Barros-. Alice está encurvada, tremendo, chorando, em posição de oração e Sérgio do lado a
olha com ira, querendo como que ela morresse. Sérgio está com braços cruzados e cara emburrada,
com a face retorcida de irritação. Caíque está alegre, com um sorriso largo no rosto)
(Alice, em cena, ora aos berros, desesperada)
Alice: Senhor, tem compaixão de mim! Perdoai! Oh! Quando falei da tia Paula e da tia Natália, eu
não quis...
Sérgio: PELO AMOR DE DEUS!
Alice: Eu não quis dizer que elas estavam gordas! Não! Me livre...
Sérgio: Vou saltar desse carro! A Alice tá pirada!
Caíque: Alice, Cala a boca!
Alice: DEUS, eu repreendo pelo sangue de Jesus todo demônio ...
Sérgio: Cala a boca!
Alice: Não deixe Satanás tocar em mim, no Sérgio, no Caíque...
(Caíque freia bruscamente o carro, tocar som para isso)
Caíque: (fala grosso) O que que é isso, Alice?!
Alice: Eu me arrependo quando colei na prova de Geometria...
Caíque: Alice!
Alice: Também na de Biologia, Química e Religião...
Caíque: (Sai do banco do motorista, se levantando de mal jeito e dá uns tapas leves na cara de Alice
para acordar )
Alice: Arreda, Satanás!
Caíque: Alice! Em nome de Jesus, para com isso!
Alice: (Treme de leve e abre os olhos, como acordando): O que foi?
Caíque: O que é isso? Que fiasco é esse?
Alice: (fala chorando, tremendo, em desespero): E se eu morrer hoje?!
Sérgio: CHEGA!
Caíque: (Olha sério para Sérgio): Tu fica aí! (Olha pra Alice): O que é isso?
Alice: Eu tenho medo de morrer! Meu nome tá no SPC e no SERASA! Vou pro inferno! Tô
desviada oito anos!
Caíque: Peraí, te acalma!
Alice: Não! Não! Não! E o nosso filho...
Sérgio: Filho uma ova!(Olha com uma cara de MUITA ira)
Alice: Jesus! Salva nóis!
Caíque: ( Chacolha Alice, Olha nos olhos de Alice, e fala sério) Não- vai- a-con-te-cer-na-da! tá-tu-
do-bem! Jesus tá aqui. Deus tá no controle.
Alice: (respira fundo, calma, fala baixinho) Verdade? Tem certeza?
Sérgio: (interrompe, só pra incomodar) Óbvio que não, podemos ser atropelados na próxima rua.
(Alice começa chorar convulsivamente)
Caíque: Sérgio!(olha pra ele, brabo)
Sérgio: (cara de metido) Eu só falei a verdade...
Caíque: Cara... Olha que tu fez...
Sérgio:(se sentindo um pouco culpado, ficando cabisbaixo) Alice... Tá tudo bem, sem pânico...
Alice: (soluçando) Si-si-sim...
Sérgio: Se for pra morrer, tem gente na frente da lista
( Alice volta a chorar)
Caíque: Sérgio!
Sérgio: Ué! Só disse o que pensava.
Caíque: Alice, vai ficar tudo bem!
Alice: (soluçando) Mas se tu soubesse tudo que eu fiz...
Sérgio: Ah, eu sei bem!
Alice: Cala a boca!(olha com raiva pra S.)
Sérgio: Tô por dentro das fofocas!
Alice: Cala a boca!(olha de novo com raiva para S.) Vamo pra Igreja!
Caíque: Tá bom! Mas sem barulho!(Vai pro banco do motorista e pôe o CD do louvor bem alto, de
modo que toda rua ouve)
CENA III
(Dentro da Igreja, em um culto. Sérgio, Alice e Caíque na mesma fileira de bancos, de pé. Caíque e
Alice aos berros cantando, desafinados, Sérgio quieto, irritado, com braços cruzados, com cara de
desgosto e irritação. Outras pessoas- atores coringas- dentro da Igreja no culto)
(Músicas de arrependimento e clamor de desespero de fundo- Sugestão, “Vivifica-me”,
“Ressuscita”, “Um Vaso Novo”, “Prepara-te, Oh Noiva”)
( Pastor sobe ao púlpito, abre a palavra no salmo 51 e disso começa a pregar. Conforme prega, Alice
começa a chorar e se contorcer; Sérgio, por outro lado, começa fazer caras e gestos de desconforto
progressivo, como que com um comichão; Caíque olha vidrado, espantado e boquiaberto para o
pastor. Plateia corta a fala do pastor tanto com OH!s de espanto quanto com ALELUIAS! e
GLÓRIAS A DEUS! De júbilo )
Pastor- (começa orando)- Amado Deus, Tu que estás nas alturas, Sublime Exaltado, digníssimo Rei,
Majestade sobre todos, Nome sobre todo nome, o Grande Eu Sou, Rei dos reis, Senhor dos
senhores, Bom Pastor, Misericordioso Deus, Nossa recompensa, O Senhor de toda justiça, A Luz do
mundo, O Grande El Shadai, O Todo-Poderoso, Aquele que faz tremer terra e céus... Oh! Deus!
Tem piedade de mim, pobre pecador, um pó no meio do universo usa esse vaso, esse teu humilde
servo, que nada pode dizer ou fazer, sabendo que nada sou. Fala conosco! Venho aqui me
arrepender de nosso orgulho, nossa vaidade, nossa arrogância. prepotência, altivez, justiça própria.
Faze-me o mais humilde dos humildes seres. Esvai-me de minha aparência, impressão, sabedoria,
imagem. Encha-me do teu poder, da tua autoridade, da tua imagem, tua força. Que minha voz ecoe
tuas ordens, minha face seja tão brilhante quanto a tua, Teu Temor vá adiante em cada palavra, ato
ou olhar. Que todos Te temam ao me ouvir. Que não haja dúvidas de Tua manifestação, mas... Oh!
Que não seja mais eu! Seja Tu em mim, e eu em Ti, eu em Ti, Tu em mim,. Eu em Ti, Tu em mim,
mim, mim.... Te entrego toda minha bondade, certezas, seguranças, anseios, dúvidas, questões,
títulos, elogios, críticas . Nada sou, e sabes da verdade do íntimo de minha alma. Oh! Olha para
esse povo, tão sedento, tão fraco, incapaz, e fala conosco. Nos arrependemos por nossas maldades,
nossas prepotências, nossas arrogâncias, quando falamos demais, pelas horas gastas no facebook,
por orarmos pouco, por nos irritarmos quando a pizza não chega, pelos nossos filhos que não nos
obedecem, pelas brigas das reuniões de pais e mestres, por ficarmos furiosos e nervosos, pelas
vezes que buzinamos irritados antes de ir ao culto, pelas pessoas que falamos mal. Sela todas
entradas e saídas, expulsando toda forma de espírito, seta, armadilha, demônio, fada, elfos, ondinas,
salamandras, espírito imundo, espírito humano em astral, exu, pomba-gira, potestades, divindades,
principados, hostes da maldade, panteões hindus, orientais, wiccanos, luciferianos, ameríndios,
africanos, nipônicos. Repreendemos e destruímos todo caldeirão, encantamento, sacrifício animal
ou humano, invocação, esconjuração, viagem em astral, dardos inflamados, iniquidades, ciclos de
desgraça, códigos numéricos, consagrações malignas, planos demoníacos, fortalezas mentais, véus
que cegam o entendimento. Que caiam as viseiras, as escamas, os tampões, as correntes, os
cadeados. No sangue poderoso e único de Jesus, no Seu santo e incrível Nome, Amém!
(Aline treme toda enquanto ouve a oração, Sérgio boceja e faz cara de incredulidade, Caíque se
concentra na oração e começa pedir perdão de um monte de coisas que fez,e repreende o demônio )
Pastor- Meu povo amado! Hoje tinha planejado pregar sobre “as provações do crente em um
mundo perdido e sete chaves para conquistar a benção e a libertação”, mas Deus mudou tudo. Eu,
como bom servo obediente, temente a Ele, querendo agradar a Ele acima de tudo, negando minha
vontade, me despojando de minha sabedoria, minhas certezas, minha justiça própria, pensei então
em obedecer. Tive um sonho que me espantou, mas pensei depois que devia ter sido o churrasco de
ontem... Enquanto eu vinha pra cá, ouvi “ você não tem nada melhor pra falar?”. Fui orar então e
ouvi “Ninguém precisa de sete chaves pra ser liberto”. Fique feliz e perguntei “Esse povo é livre?” e
ouvi “ Depois comento, fala o que eu te disse”. Eu, como bom servo obediente, aqui estou.
(Muda o tom de voz, pra pregador pentecostal irado estilo Jonathan Edwards) No sonho, enquanto
eu dormia, vi uma multidão de pessoas perdidas! Dançavam enlouquecidas, usavam drogas, se
injetavam, gastavam todo seu dinheiro nisso!(Alice treme, Sérgio se incomoda). Parece que deviam
trabalhar só pra gastar em drogas! E não era só maconha! LSD, Cocaína, Anfetaminas, crack, tudo!
Tinha coisas que nunca tinha visto! E enquanto isso, podia ouvir os pensamentos de alguns, como
se os lesse! Um deles, um menino, que tinha brigado com seu ! NAMORADO!- Era homem com
homem, mulher com mulher, tudo junto e misturado!-( Plateia faz OH! ) pensava “Graças a Deus
não sou crente, eles são tudo doidos lobotomizados!”. (Sérgio se contorce e se irrita,. Alice treme)
Enquanto isso, ele tirava a camiseta e calças e começava girar no ar, e ! PASME! Dançar na
boquinha da garrafa!(congregação diz OH!, Sérgio se contorce querendo se enterrar debaixo da
terra, Alice faz uma cara de espanto lembrando da noite anterior). Só ele fazia isso, enquanto o resto
tudo ria dele(Sérgio fica furioso nessa hora, Alice ri) Na mesma hora, um conhecido dele, sem
querer, vomitou nele(Plateia faz OH!, mas Caíque faz cara de estranhamento, como se lembrando, e
Sérgio de indignado pelo mesmo motivo; Alice ri) Então...! Uma amiga dele pegou ele e o agarrou e
disse “Se não tem ninguém, vai tu mesmo!”(Alice se joga no chão e começa a tremer, de joelho,
Sérgio ri primeiro e depois fica mais brabo, Caíque) Os dois pareciam totalmente drogados, em
estado pós-coma alcoólico!(Congregação faz OH!, Alice treme, Sérgio se irrita mais, e Caíque fica
espantado). Pareciam estar em estado fora da consciência! Me perguntava como eles estavam vivos!
Os dois saíram agarrados rolando pela grama. Ele sem camisa e calça, ela, tirando a roupa. Por
sorte, pararam em uma porta, e não sei porquê, alguém abriu pra eles!. Parece que mal conseguiam
ficar de pé. Então... OS CÉUS SE RASGARAM! OUVI UMA VOZ DO CÈU QUE DISSE:
(plateia faz OH!, GLÓRIA A DEUS, ALELUIA!) “Cuida deles!” Então disse” esses daí? Prefiro ir
pra África!”. Então trovejou dos céus: “Deixe de ser careta! Bichas, tarados e drogados vos
precedem no Reino dos céus!” e nisso o sonho acabou(Alice está tremendo debaixo do banco, e
Sérgio todo contorcido querendo se esconder, Caíque está imóvel boquiaberto). Acordei assustado e
fui orar repreendendo, então ouvi “Vai dormir”. Continuei insistindo , até que caí de sono.
Amados e amadas, não sei o que foi isso! Só sei que grandes coisas o Senhor quer conosco!
Imaginem todos esses drogados, tarados, homossexuais, mundanos, profanos, todas prostitutas,
todas lésbicas cantando no coral da Igreja!(Sérgio se contorce). É só questão de tempo de usarem
tudo coque, saia e falar Glória a Deus! Imaginem deixando de tocar rock pra só tocar coreto da
Igreja todo dia! Imaginem no Brasil só passar culto na TV!(Plateia faz vários aleluias e “Glórias a
Deus”). Na Globo, culto! No SBT, culto! Na Record, culto! Na Rede TV, culto! Não vai ter mais
bandido! No teatro público, teatro de crente! Pra que Shakeaspeare, aquele desviado, se temos a
Bíblia? Nas rádios, só música de crente! Nas roupas, só frase bíblica! No cinema, só filme sobre
Jesus! Imaginem no colégio público passando escola dominical!(Nessa hora, Sérgio está indignado
bufando e se levanta pra sair, mas Alice o segura pelo braço e o puxa para o banco) Venha o louvor!
Vamos adorar!(Música de adoração extravagante, pastor entra em êxtase; Alice só chora, Caíque
canta aos berros, e Sérgio fica mudo e paralítico, com cara de muito irritado)
(Termina a pregação)
(Caíque se levanta e convida Alice e Sérgio para falarem com o pastor, junto da pastora)
Caíque- Bah, galera, foi muito doido! Vocês tem que falar com o pastor e a pastora!
Alice-( pulando de alegria)- SIM! Vamos, com certeza! Agora!( Sérgio fica emburrado sentado.
Alice puxa Sérgio e ele vai à contragosto também falar. Sérgio resmunga)
Alice-Pastor! Eu sou Alice e esse é Sérgio, meu namorado!
Sérgio- Namorado coisa nenhuma! Essa menina é louca e drogada!
Pastor- Ah! Vocês são as duas pessoas que vi no sonho!(Faz uma cara leve de assustado e nojo, mas
logo substitui por um sorriso falso) Desculpe o tom que falei... É que...
Alice- Ah, mas a gente precisava ouvir!
Sérgio- Eu não! Achei um absurdo!
Pastor- É que... Sabe... A gente tem que falar... como dizer... numa linguagem de crente... De jeito
do pessoal ouvir. Se não falar desse jeito, ninguém escuta.
Sérgio- Tipo líder de auditório?
Pastor- Isso mesmo! Não sabe quanto curso já fiz pra falar em público... Se não falar com jeitinho,
ninguém escuta! É... tipo teatro!
Alice- Pastor... Tu é tão amoroso!(O abraça, com ele assustado e com medo, pensando no sonho
anterior, desgruda com cuidado os braços de Alice)
Pastor- Mas enfim... Porque vocês estão aqui?
Sérgio- É que...
Alice- Na real, é o seguinte, a gente era amigo...
Sérgio- Isso...
Alice- Ele tinha levado um fora do namorado...
Sérgio- Fora não!
Alice- Fora Sim! E daí aconteceu tudo aquilo que tudo disse...
Sérgio-É... Acho que não é pra tanto...
Alice: E daí a gente acordou numa cama! E tive um sonho maravilhoso!
Sérgio: ( olha brabo para Alice) Para com isso! Não inventa!
Alice: (olha braba pra Sérgio) Claro que tive, o Caíque tá de prova.
Caíque: É... Ouvi ela contar pra mim!( Pastor olha surpreso pra Caíque)
Pastor- Mas tu era o menino que vomitou no sonho!
Caíque: É mesmo, vomitei e fui parar numa praça...
Sérgio- Depois de virar corno...
Caíque- Só foi um fora da Lorena...
Sérgio- Só um... (ri)
Alice- Para com isso, Sérgio!
Pastor- Continue contando...
Caíque- Bem... Daí vomitei num cara na praça, tropeçando nele...
Pastor- E...?
Caíque- E ele me convidou pra ir dormir na Igreja e acordei aqui!
Pastor-(assustado)- mas só dormir, nada mais?
Caíque- Óbvio! Tá pensando o que? Que sou igual a esses dois?
Sérgio e Alice- Como assim!
Pastor- Calma, gente, não precisam brigar. Me conta o sonho que teve Alice.
Alice: Sonhei que eu e o Sérgio estávamos casados com dois filhos!
Sérgio- Essa guria usa drogas!
Pastor- Interessante...
Caíque- Pastor, vem dizer que não é de Deus tudo isso?
Sérgio- Qualé a tua?
Pastor- Posso orar por vocês?
Alice e Caíque- Sim( Sérgio resmunga algo, concordando)
Pastor- (Coloca as duas mãos sobre Alice e Sérgio)Deus Pai, Todo-poderoso, liberta esses jovens do
vício, das drogas, da prostituição, do álcool, da mentira, e guia eles pelas tuas veredas. Em especial
eu oro(coloca as duas mãos na cabeça de Sérgio) pra que você quebre o coração duro e gelado desse
menino(Sérgio faz uma careta) e o livre do vício, do orgulho, da prostituição. Em nome de Jesus,
Amém!
Alice- Pastor, dá pra a gente conversar mais, preciso tanto...
Pastor- Conversa com seu amigo Caíque, já é tarde e tenho compromissos.
Sérgio- Tchau
Alice- Uns minutinhos...
Sérgio- Urgente, tenho compromissos
(Pastora chama o pastor)
Pastora- Não dá pra a gente se atrasar no aniversário do Bispo Éverton
Pastor- Não dá mesmo! Hoje foi intenso, até me esqueci de pedir o dízimo.
CENA IV
( Alice e Sérgio conversam sobre dia anterior, no quarto de Alice)
Sérgio- Mas o que foi isso tudo, Alice!
Alice- Nem tô acreditando...(Fala sorrindo)( Sérgio olha indignado pra ela)
Sérgio- Tu é louca! O que vou fazer se tiver um filho na barriga?
Alice- Ah... Sérgio, sei lá... Na hora a gente inventa.
Sérgio- Cai na real... Mal pago minhas contas, e vem todo esse negócio...
Alice- Mas tu viu o sonho daquele pastor...
Sérgio- Agora mais essa história de ser crente... Fazia anos que não pisava numa Igreja
Alice- Tá vendo? É Deus!
Sérgio- Aterrissa! Parece que tu desligou o cérebro
Alice- (começa chorar) Você sempre é assim, um grosso! Por isso levou um fora!
Sérgio- Fora nada! Foi um tempo só! Quer ver que ele ainda aparece suplicando por mim?
Alice- Duvido!
Sérgio- Bem... Espero que não, mesmo. Minha cabeça tá girando, de tanta dúvida e questões
Alice- Aceita que dói menos
Sérgio- Você fumou depois do culto?
Alice- (chora) Não! E... e... só pra teu conhecimento, vou parar agora com tudo. Vou ser uma
menina direita!
Sérgio- Duvido!
Alice- E eu duvido que o Cláudio apareça suplicando pra tu voltar! Tem bofes melhores!
(Cláudio entra em fúria no quarto, batendo com força na porta, e quando abre “salta para dentro do
quarto”. Flui da fúria ao desespero, da comiseração à ameaça).
Cláudio- (em tom de comiseração e súplica a Sérgio, está com os olhos chorando, uso de alho nos
olhos antes da cena)(entra e logo abraça- com força- Sérgio, Sérgio fica inerte, então Cláudio
desabraça e põe as duas mãos segurando a face de Sérgio, e olha nos olhos deles)- Meu amorzinho,
o que eu fiz! Me perdoa! Eu nunca quis dizer o que eu disse! Você sempre, sempre, SEMPRE será
tudo pra mim. Eu é que fui um grosso sempre contigo. Te prometo, de hoje em diante, que vou lavar
toda louça e a roupa de casa, não vou reclamar das cuecas nem do que você me diz. Vou ir contigo
pro shopping gastando do meu dinheiro, pagarei todas contas nos restaurantes, trabalharei o dobro
só pra isso! Prometo, melhor, juro! Pelo que é de mais sagrado. Não vou ficar com ciúmes... Não
vou incomodar quando você sai com novos amigos, e vou ir contigo sempre no cinema quando
quiser. Não vou te chamar mais de grosso e indelicado. EU JURO! MAS VOLTA PRA
MIM!(Começa a chorar aos berros) VOLTA! (Cláudio canta, de forma doce em súplica, “Amor
Perfeito”, de Michael Sullivan)
Sérgio-Clá-cláu-dio-dio, é o seguinte: acho que temos que dar um tempo. Não tava dando mais. Eu
era um grosso, não te respeitava...
Cláudio- Bobagem! Desde quando eu me irritava com isso?
Sérgio- Uns dias atrás, tu tocou uns pratos na minha direção por isso...
Cláudio- (chora aos berros)- Me perdoa! Me perdoa! Eu não quis fazer isso...
Sérgio- Também tava saindo com outros boys...
Cláudio- Eu suporto! Eu suporto! Mas volta... Volta pra mim!
Sérgio- Estourei teu cartão de crédito no shopping e me escalava no teu salário...
Cláudio- Bobagem! Dinheiro foi feito pra isso, pra gastar. Você vale mais que tudo!
Sérgio- Não lavava uma louça ou roupa...
Cláudio- Isso é o de menos, sou tua escrava, se precisar! Mas volta!
Sérgio- Eu tirava da novela pra assistir futebol...
Cláudio- Mas eu até gostava de ver os jogadores...
Sérgio- Eu gostava de ver filme de ação, tu românticos
Cláudio- Eu me adapto!
Sérgio- Eu gostava de futebol, você de ping-pong
Cláudio- MAS EU TE AMO! VOLTA!
Sérgio- Não... Não dá mais... É pro teu bem... E depois de um monte de coisa que aconteceu... Acho
que vou voltar a ser crente. Não dá mais, me desculpe(Diz essa última parte cabisbaixo)
Cláudio(muda a expressão corporal e fácial da comiseração para a ira extrema, se afastando de
Sérgio de forma brusca, tirando as mãos da face dele)- CRENTE?! QUE HISTÓRIA É ESSA
AGORA? NÃO BASTA TODAS AS MENTIRAS E FALCATRUAS QUE TU ME FEZ, E AGORA
VEM COM MAIS ESSA HISTÓRINHA?! MEU NOME TÀ NO SPC E NO SERASA POR TUA
CULPA! ENQUANTO EU FICAVA SOZINHO TE ESPERANDO, TRISTE VENDO NETFLIX,
ME EMPANTURRANDO DE PIPOCA E CHOCOLATE, VOCÊ FICAVA DE FARRA COM OS
MELHORES AMIGOS MEUS.(Sérgio faz uma cara de espanto, medo e de susto progressivo,
principalmente ao perceber que ele descobriu tais histórias). Não faça essa cara de desentendido,
que já sei de tudo! SE TIVESSE PROVAS, TE DEIXARIA SEM CUECA, SEM NADA! Você teria
que vir a mim de volta como um cachorrinho, me suplicando! VOCÊ ME DEVE A ALMA! TE DEI
TUDO, ATÉ UM CARRO! SEM FALAR DAS DROGAS QUE VOCÊ USAVA! NÃO DAVA PRA
TER VÍCIOS MAIS BARATOS? CANALHA!
(Cláudio então vira o rosto pra Alice, e vai andando pelo quarto, cabisbaixo, chorando) Mas sim...
sim... Já ouvi essa história absurda do que aconteceu... Só pode ser trabalho dos brabos, não tinha
que ter brigado com minha vizinha... Só pode ser isso... Essa História sem pé nem cabeça, de Deus,
de transa, de pastor, do Caíque tomar juízo, só pode ser trabalho dos fortes...
E VOCÊ(olha com ódio para Alice), SUA CADELA, CADELA, CADELA!(Dá um tapa na cara de
Alice) Sua Vadia, roubou meu namorado! Esperava tudo de ti, menos isso... CADELA! Te
acompanhei, te ajudava a arranjar uns meninos decentes...
Alice- Mentira!
Cláudio- Pelo menos mais ajuizados do que o Sérgio!
Alice- Você nem gosta dele!
Cláudia- COMO VOCÊ TEM A OUSADIA DE DIZER ISSO? Me rouba o namorado, e ainda me
diz ISSO? CADELA! PIRANHA! Sempre roubava os namorados dos outros...
Alice- Não era assim...
Sérgio- Era sim...
Alice- Sérgio!
Cláudio- Pois é... Até o canalha reconhece... Sua piranha... TODO MUNDO VAI FICAR
SABENDO DOS TEUS PODRES! Hahahahahaha(Cláudio gargalha com risada histriônica de
vilão), TENHO TODOS CONTATOS NO WHATSAPP DE TUAS AMIGAS! Hahahahaha(Cláudio
gargalha de forma maléfica)
Alice- Não! Isso não!(Cláudio gargalha com mais maldade)
Cláudio- Você não precisará confessar nada, pois eu falarei! (Gargalha com maldade)
Alice- NÃO!
Cláudio- Farei você pagar seus pecados aqui na terra!(Gargalha de novo)
Alice- (Se põe de joelhos, de súplica)- POR FAVOR, TEM PIEDADE DE MIM!(Alice começa a
chorar)
Cláudio- NÃO TEREI!( Gargalha com mais intensidade)(Empurra Alice pro chão)
Cláudio-(Muda fisionomia de ira para a de comiseração e súplica de novo)- Mas Sérgio, volta pra
mim! Me perdoe, perdoe as ameaças, perdoe o que eu disse, mas volta! Se pudesse, daria minha
vida por ti! Teu cheiro, teu jeito, tua fala, teu sorriso, teus lábios, teus olhos, teus cabelos, tudo! Me
atormenta, dia e noite, noite e dia! Cada noite sonho contigo! Volta! Volta, pelo que há de mais
sagrado! Você roubou meu coração!(Se lança de joelhos onde Sérgio está, se abraça com força na
perna inferior de Sérgio e começa beijar- e lamber os pés como um cachorro, caso os atores
concordarem com isso- caso contrário, beijar o tênis várias vezes-, até o ponto que disputa
fisicamente o corpo de Sérgio com Alice. Enquanto beija a perna, Sérgio faz caras de sofrimento,
como que resistindo à tentação. Alice agarra pelas axilas Sérgio- de forma desesperada- e Cláudio
pelos pés. Fazem do corpo dele um cabo de guerra; porém Cláudio acaba perdendo o contato, ao
sem querer puxar pelos tênis e os arrancar. Ao cair no chão, fica em posição de luto e comiseração
intensa, chorando aos berros.)
Cláudio- (Se levanta, durante a fala, muda os olhos tanto pra Alice, quanto pro Sérgio, quanto pros
dois ao mesmo tempo)- Eu serei mais forte que isso! Podem saber, toda essa brincadeirinha de mau
gosto vai passar... Você, Sérgio, voltará suplicando para mim... E você, Alice, secará como uma
planta estéril... Virará titia e vai ficar sem sexo por décadas(gargalha de forma maldosa de novo)
Que vire freira! Pus o nome dos dois no terreiro, Iemanjá te trará , Sérgio, de volta!(gargalha de
novo com maldade) Iemanjá fará justiça e trará meu amor de volta(chora, aos berros) Farei o
possível e o impossível pra te ter de volta! Não descansarei até te trazer, minha alma gêmea, pro
meu colo... Até minha vitória! ( Sai da cena de forma abrupta, batendo a porta com força. Sérgio e
Alice olham espantados um pro outro)
Sérgio- Alice, você viu isso?
Alice- Vi...
Sérgio- O que eu digo?
Alice- Não sei
Sérgio- O que ele quis dizer com tudo isso?
(ficam se olhando por um minuto ou mais, termina a cena)
CENA V
(Sérgio está sozinho na sala de refeições da empresa onde trabalha, comendo um sanduíche. Entra
seu colega Lopes)
Lopes(se senta do lado de Sérgio, que se sente incomodado)- Sérgio... Sabe... Tudo aquilo...
Sérgio- Me perdoe mesmo
Lopes- Não, não foi nada. Sabe...
Sérgio- Eu entendo tua compreensão, me desculpe, não deveria ter feito o que fiz
Lopes- Não precisa se desculpar
Sérgio- Eu fui muito sem noção e respeito, fiquei pensando bobagem a teu respeito e...
Lopes- Sérgio, não precisa falar nada...
Sérgio- Preciso sim...
Lopes- Eu não preciso te perdoar de nada
Sérgio- Precisa
Lopes- Não preciso, pois te Quero!(Tenta agarrar Sérgio, que foge, com a boca cheia)
Lopes- Eu nunca tinha me declarado a ninguém, sempre tinha medo... Você me deu coragem...
Sérgio- Lopes...
Lopes- Sérgio, você me deixa quente! Me sinto todo arrepiado!
Sérgio- (Fala tenso, pressionado literalmente contra a parede) Não queria ter falado contigo daquela
maneira...
Lopes- As cantadas? Eu amei! Você não imagina!
Sérgio- Não é isso que quis dizer..
Lopes- Sérgio, deixa de frescura, vem e me agarra logo!(Se lança em direção à Sérgio, que desvia
fugindo) Que é isso, não me acha mais bonito, sensual? Você arranjou outro?(fala com voz chorosa)
Sérgio- Não é isso...
Lopes- Então o que é? Estou gordo?
Sérgio- Não é isso...
Lopes- Sou pobre, é por isso?
Sérgio- Não...
Lopes- Não tô entendendo...
Sérgio- Virei crente
Lopes- Você CRENTE?! Nem na próxima reencarnação! Me conta outra!
Sérgio- É verdade!
Lopes- Você não tem vergonha na cara com essas tuas mentiras?! Todo mundo na empresa sabe que
você dá em cima de um monte de meninos, e agora vem com essa história de ter virado crente?! O
que foi?! Você quis só brincar comigo, isso? Pra me comer fácil?! Tá se fazendo de difícil? Quer
que eu lhe implore?! Apostou com os outros?!
Sérgio- Não é isso!
Lopes- Não grite comigo, seu cachorro! Você não sabe a luta que fiz pra vir me declarar... pra ouvir
isso... Não sabe quanta terapia... Quantos tormentos... Medos dos pais, da família, dos amigos, dos
colegas, dos chefes, dos inimigos... De apanhar na rua, de falarem mal, de ser alvo de deboche... E
agora me vem com essa história... VEM E ME AGARRA LOGO E PARA DE CONVERSINHA
Sérgio- Lopes, é o seguinte... Desde esse Carnaval tô diferente
Lopes- Você vem com esse papo na empresa desde que entrou!
Sérgio- Lopes, se te contasse o que aconteceu você não acreditaria...
Lopes- E não acreditaria mesmo! Não quero ouvir mais uma das tuas mentiras. Me agarra logo!
Sérgio- Não vou fazer isso!
Lopes- Então vou te denunciar pro chefe, por ter dado em cima de mim, ainda mais eu de uma
família direita e de bons costumes. Eu, com pai sargento no exército! Não sabe quanta cintada levei
quando pequeno, pra tomar jeito!
Sérgio- Lopes, por favor, não faça isso!
Lopes- Porque não faria?
Sérgio- Porque meu emprego tá em jogo! O chefe me ameaçou me demitir se cantasse mais um
outro funcionário! Tinham reclamado de mim três pessoas diferentes por isso!
Lopes- Mas agora é mesmo que vou denunciar!
Sérgio- Não! Por favor, não!
Lopes- Somente com uma condição...
Sérgio- Não vai me dizer que você quer...
Lopes- Isso mesmo, uma troca de favor...
Sérgio- Como assim...
Lopes- Fica comigo, Sérgio!
Sérgio- Isso não! Já disse que virei crente!
Lopes- Então, te rala! Tô indo contar pro chefe!( Lopes faz que vai sair da sala)
Sérgio- Não!(Sérgio tenta segurar Lopes, mas não consegue, Lopes vai até o chefe)
(Sérgio, nesse tempo, fica sozinho na sala)
Sérgio- (Se põe de oração, na mesa) Deus! Me ajuda, por favor! Não me deixa ser demitido! Peço
perdão por tanta coisa que fiz aqui e fora, mas me ajuda!
(Soa uma voz ambiente na sala)
DEUS- Seja paciente e forte, tenha fé! A vida é como uma colheita!
Sérgio- Não!
(Entra na sala, batendo a porta, o chefe de Sérgio)
Chefe de Sérgio- Que história é essa que ouvi de ti mais uma vez?! Você não cria vergonha na cara?
Acha que aqui é a casa da mãe joana, um bordel? Você não tem respeito?!
Sérgio- É que...
Chefe- É nada! Até em homem casado você deu em cima, duas vezes! Você já pensou o que
acontece contigo se o pai do Lopes descobre o que você fez?! Não tem vergonha de pensar o que
pensou dele, e dizer o que disse?! Quantas vezes te chamei a atenção por essas coisas?
Sérgio- Algumas...
Chefe- E ainda tem a cara dura de me responder? Você é um moleque! Moleque! Não sabe que a
nossa empresa é reconhecida internacionalmente, e é um privilégio trabalhar aqui? Que, enquanto
você fica só querendo criar confusão aqui dentro, tem uma multidão lá fora querendo procurar
emprego?
Sérgio- É, a situação do país tá difícil...
Chefe- E ainda diz isso, safado! Você acha que as filas que existem é pela situação do país?!
Sérgio- É que...
Chefe-É que nada! Quando vai deixar de ser moleque e parar de ser respondão?! Quantas vezes
você foi irresponsável? E aquela vez que você fez uma festa na empresa no horário de trabalho...
Sérgio- Faz três anos...
Chefe- É, me lembro muito bem! Do dia e da hora também! Você não toma prumo... Mesmo
produzindo, você só faz confusão aqui dentro! Onde está a moral? O respeito? A ética?!
Sérgio- Patrão.... Se eu te contar que eu mudei, fui numa Igreja nesse carnaval...
Chefe- Cala a boca! Não quero ouvir mais uma mentira tua, mais uma historinha! Você quer que eu
acredite numa História dessas, e ainda culpar o Lopes?
Sérgio- Mas eu admito que fiz as cantadas, semanas atrás...
Chefe- E ainda admite?! Mas porque o Lopes te denunciaria agora?
Sérgio- Isso é com ele...
Chefe- Sempre transferindo responsabilidade! Sérgio, eu, como um cidadão de bem, a favor da
família e dos bons costumes, com dois filhos pequenos, cristão há 30 anos, batizado nas águas dia
26 de agosto às 19h45(data arbitrária, mudar conforme desejar), honesto, pagador de todos os
impostos, sem dívidas, não posso mais tolerar isso... Ainda mais de quem faz chacota da minha
religião e inventa histórias a usando como pretexto. Você está demitido! E se quiser tomar jeito
mesmo na vida, aqui está o endereço da igreja que faço parte, com os horários dos cultos! ( Tira um
papel de folder e entrega)
(Sérgio chora de forma histérica e cômica quando chefe sai, cena termina)
CENA VI
(Sérgio chega com uma cara de pobre coitado no quarto de Alice, cabisbaixo, com lágrimas nos
olhos- truque do alho)
Sérgio- Alice, tô destruído(se lança no corpo da Alice, a abraçando de leve, e começa a chorar)
(desabraça) Você não sabe o que aconteceu...(fala choroso)
Alice- O que foi Sérgio? Você está péssimo!
Sérgio- Sabe o emprego que eu tinha...(fala choroso)
Alice- Sim, o que houve? Te ofenderam, te bateram, não pagaram o salário?
Sérgio- Fui demitido!
Alice- Mas como?
Sérgio- É que... que.. como vou dizer(deixa as lágrimas, ao ficar perplexo e constrangido)... Sabe o
Lopes...
Alice- Aquele teu colega lindo?! (muda tom de voz, para tom de entusiasmo e excitação; Sérgio
muda a cara para de indignação aos poucos) Ah... Até tentei pegar ele, mas não quis
nada!(Gargalha, Sérgio irritado) Que desperdício...
Sérgio- Alice!
Alice- Só disse o que pensava!(Gargalha, de novo)
Sérgio- Bem, Eu dei em cima dele!
Alice- Mas você não toma vergonha na cara!
Sérgio- Foi só duas semanas atrás...
Alice- Duas semanas, quando você estava com o Cláudio, o Roberson e Rodinelson juntos! Você é
muito cara de pau!
Sérgio- Foi só uma cantada... Nada sério...
Alice- Pior ainda... Cada vez mais me decepciono contigo...
Sérgio- E você... Olha quem me diz isso...
Alice- Ah... Eu só tava saindo com o Luís...
Sérgio- E o Fernando?
Alice- Foi um dia só, uma recaída! Você sempre me julgando!
Sérgio- Tu canta o Lopes e daí eu sou culpado por fazer o mesmo?
Alice- Mas daí é diferente...
Sérgio- Diferente como?!
Alice- Eu, quando fico com alguém, fico só com um por vez...
Sérgio- Por isso tu troca de namorado três vezes num mesmo dia?
Alice- Mentira!
Sérgio- Fala a verdade, já fui nas festas contigo...
Alice- Festa é diferente... Na vida real, no máximo, só fiquei com dois diferentes no mesmo dia...
Sérgio- Viu? Tá confessando...
Alice- Mais respeito! Quem é tu pra falar o que quer que seja de mim!
Sérgio- Teu amigo, sei todas fofocas!
Alice- Peraí, mas sem desviar pra outro assunto, afinal de contas, o que aconteceu no trabalho?
Sérgio- O Lopes veio se declarar a mim...
Alice- Oh! Que babado! Nunca pensei isso dele!
Sérgio- E Eu disse não...
Alice- Sérgio... Que fofo!( Abraça ele, o agarrando, e ele se livra dos braços de Alice)
Sérgio- Não é isso que tu tá pensando!
Alice- É o que, então?
Sérgio- Só fiz aquilo que tô em dúvida, diante de tanta coisa!
Alice- Não te disse?
Sérgio- Não é isso! É que...
Alice- É o que Sérgio! Admita!
Sérgio- Eu não sei mais de nada, tô em dúvida, não serviu pra nada os anos que fiz de terapia
Alice- Tu fez terapia?
Sérgio- Não vem ao caso.
Alice- Quem pagou?
Sérgio- o Cláudio, terapia de casal
Alice- Há quantos anos?
Sérgio- Cinco anos atrás
Alice- Quanto tempo fizeram?
Sérgio- Três anos
Alice- E você já era cachorro há tanto tempo e continuou durante TRÊS ANOS?!
Sérgio- Alice!
Alice- Só mesmo um milagre contigo
Sérgio- Não sou desse jeito...
Alice- É sim
Sérgio- No fundo, eu sou só um cara carente...
Alice- Para com essas conversas, Sérgio.
Sérgio- Eu fui obrigado ir pro terapeuta...
Alice- Pelo visto, não adiantou nada.
Sérgio- É mesmo.
Alice- Era psicólogo ou psicóloga?
Sérgio- Psicólogo
Alice- E não deu em cima?
Sérgio- Me controlei
Alice- Graças a Deus o Cláudio te deu um fora
Sérgio- Pode não falar mais esse nome?
Alice- Você ainda pensa nele?
Sérgio- Sim, principalmente se ele me cobrar tudo que gastou
Alice- Mas como?
Sérgio- Quem sabe ele tenha ainda as faturas... Fiz questão de queimar tudo
Alice- Até os talões de cheque?
Sérgio- Sim
Alice- Sérgio, cada vez mais tu me espanta.
Sérgio( muda a postura para de comiseração e começa a chorar, cabisbaixo, segurando com a mão a
cabeça)- Mas o que vou fazer agora? Sem emprego, sem o Cláudio, sem nada?
Alice-( Fala consolando) Dá-se um jeito
Sérgio- Dá-se um jeito uma ova!
Alice- Mas Sérgio...
Sérgio- Sérgio nada! Drogas vou ter que largar de qualquer jeito... Tênis, agora, só de camelô...
Roupa de atacado do centro... Sem carro, sem gasolina, sem nada!
Alice- Pense pelo lado positivo...
Sérgio- Que lado positivo, Alice?! Ás vezes parece que as drogas destruíram teu cérebro!
Alice- Tô aqui pra ajudar, não ouvir desaforo!
Sérgio- Desculpa... Mas é o seguinte... Como vou viver?
Alice- Talvez...(Sérgio a interrompe)
Sérgio- Eu não quero ter que me prostituir(começa chorar)
Alice- Não pensa nisso, Sérgio!
Sérgio- Nem roubar!
Alice- Pare com esse dramalhão
Sérgio- Meus pais viviam me dizendo “Pobre, mas limpinho”... Agora, até isso...
Alice- Sérgio,não é assim, para com isso! Eu posso te ajudar
Sérgio-(para de chorar)- Pode?
Alice- Sim, eu trabalho, recebo um dinheiro de uma tia minha...
Sérgio- Mas como não sobrava nada?
Alice- Eram as drogas...
Sérgio- E festas?
Alice- Sim
Sérgio- Mas então é muito dinheiro...
Alice- Sim...
Sérgio- Alice, você não sabe o quanto você me alivia falando isso...
Alice- Viu? Não tem razão pra fazer esse escândalo... É como que diz naquela música... Como é
mesmo... Segura na mão de Deus e vai
Sérgio- É mesmo.
Alice-(atende o celular e começa a chorar convulsivamente) É serio?(pausa) Como assim? (pausa)
Até a cabeça rolou morro abaixo? (pausa) Não diz isso...(pausa) Não!(pausa) Não tem como pagar
uma passagem de avião pra aí?(pausa) Preciso de passaporte?(pausa) Eu não tenho
passaporte(pausa) Tô sem dinheiro também pra passagem(pausa) Como assim, querendo me culpar
pelo dinheiro que recebi? Fique sabendo que sou uma mulher trabalhadora e honesta, diferente de
você!(cai a ligação)
Alice-(chora aos berros)Minha tia morreu!(Sérgio começa chorar aos berros e a abraça)Ela morreu!
( Alice se joga numa cadeira ou banco, ficando sentada, e Sérgio se põe de joelho no colo dela e
começa a chorar. Permanecem nessa posição por um longo período, até que Sérgio se dá conta e se
afasta assustado, se percebendo que tinha passado longo tempo abraçado com Alice).
Alice-( para de chorar, faz cara de surpresa) Sérgio... O que foi isso... Você...
Sérgio- Não pense nisso!
Alice- Sérgio... Eu tô supresa...
Sérgio- Não foi essa intenção... Eu só-só tava choran-do-do e me jo-guei na primeira pe-pessoa que
vi. Foi só isso.
Alice- Tá bom... Foi só isso...
Sérgio- É foi só isso! Não pense bobagem!
Alice- Certo...
Sérgio- Morreu aquela tua tia que tu tava falando?!(fala choramingando)
Alice- (Fala choramingando)Ela foi atropelada por uma bicicleta, na Suíça!(Volta a chorar aos
berros) Ela rolou morro abaixo... e...e...( Chora) a cabeça saiu junto! (Volta a chorar aos berros)
Sérgio-(chora aos berros por um momento, depois fala choramingando)- E você não tem nenhum
outro parente pra te ajudar? Nenhum...?
Alice-(chorando)- Nenhum... todos os outros sabem que eu gastava em drogas... Menos essa tia na
Suíça...
Sérgio- Mas e...
Alice-(chora aos berros) Mas e nada Sérgio! Tamos ralados! Minha tia morreu... Por uma bicicleta...
Não vou poder ir no enterro, pois não tenho dinheiro pra passagem nem passaporte... Tô no SPC e
SERASA...
Sérgio- Mas eu não, o Cláudio pagava tudo
Alice- Cala a boca!(irada, misturando com choro) Minha tia morreu... Só sobrou a mocreia da fila
dela... Que só sabe falar de mim...
Sérgio- Pudera, tu era uma sanguessuga...
Alice- Cala boca! Não vem me falar de sanguessuga, gigolô!
Sérgio- Gigolô não! Ex-parceiro do Cláudio!
Alice- Tu tirou tudo do guri, pondo até no SPC e no SERASA...
Sérgio- É o preço do amor...
Alice- Amor uma ova! Aquilo era trepação, sacanagem das grandes
Sérgio- Sacanagem era o que você fazia com teus namorados...
Alice- Cachorro! Não vem me falar dos meus namorados!
Sérgio- Quantos caras tu deu um fora nesse ano?
Alice- Não sei nem quero lembrar! Mas... Sérgio... (chora aos berros) o que vamos fazer?
Sérgio- Fazer o quê?
Alice- Tu... Sem emprego... Eu grávida...
Sérgio- Tu, grávida?! Tem certeza que tem um negócio aí na barriga? Fez o teste?
Alice- Não fala assim do nosso filho...
Sérgio- Teu filho...
Alice- Sérgio!
Sérgio- Tá bom! Nosso...
Alice- Fiz o teste e deu positivo!(Chora mais) (enquanto chora, recebe outra ligação) Sim, é
ela(pausa) Não, não estou informada dessa nova política da empresa(pausa) sim, que
interessante...(pausa) Como assim, remanejamento?(pausa) Vocês não podem fazer isso...(pausa) Eu
bati minha meta nos últimos quatorze meses(pausa) Como assim, muito mais gente bateu a meta
com o dobro de vendas do que eu? Ninguém batia a meta na empresa desse jeito, só uns
poucos(pausa) Redução em 95% do pessoal, isso é um crime!(pausa) Quero que enfiem na bunda o
âmparo jurídico da decisão! Trabalhei como uma mula esse ano...(pausa) Posso ser processada por
essa conversa?(pausa) Daqui vocês não conseguem tirar nada, filhos duma égua!(Desliga)
(choraminga) Fui demitida...(Fica chorando)(Sérgio chora)
Sérgio- Isso só pode ser coisa do Cláudio... Aquela história de Iemanjá...
Alice- Mas é tudo merecido...
Sérgio- Alice! Você acha que eu mereço isso?
Alice- Sim!
(os dois choram, aos prantos)( alguém bate na porta, irado, é Cláudio, Alice abre)
Cláudio- (entra gargalhando, de forma muito maldosa) Como estão os dois pombinhos?(gargalha)
Arruinados?(gargalha) (tom doce de comiseração e súplica) Sérgio, volta pra mim... Tô de braços
abertos... Volta...
Sérgio- Não posso...
Cláudio- (volta ao tom da ira)ENTÃO QUERO MAIS QUE SE ARRUINE! Você voltará pra mim
nem que seja como escravo sexual! Terá que vender seu corpo!( Gargalha) Você me deve a
alma...(Gargalha)... Até as cuecas... Consagrei tudo a lucifér, de agora em diante!(gargalha mais
forte)
Alice E Sérgio- (espantados)- Lúcifer?!
Cláudio- Lucifér, seus ignorantes! Me livrei daquela babolorixá incompetente! Arruinarei a vida
dela também!(gargalha de novo) Espero que ela fique miserável e morra! Agora meu pacto é maior:
entreguei minha alma para o diabo! (Gargalhadas)
Alice e Sérgio- Ãhh?!?!
Cláudio- Isso mesmo, entreguei minha alma! Estou na mesma organização que até o Presidente faz
parte! O mundo é nosso e todos vocês nossos escravos!(Gargalha continuadamente, em um surto
psicótico) Os presidentes, os juízes, os advogados, os políticos, os empresários, os donos das
mídias, os artistas, os intelectuais, são todos nossos(Gargalha novamente como num surto psicótico)
E VOCÊS, baratas, insignificantes, ESCRAVOS! (Muda o tom para doce, de súplica e
comiseração)- Mas Sérgio, você, só você, que não... Te daria os céus, a terra, os mares, as estrelas,
tudo pela tua volta(Começa caminhar na direção de Sérgio, ele caminha pra trás e pro lado, fugindo)
Sérgio! Teus lábios, eu quero teus lábios de volta...
Alice- Não só os lábios, pelo visto...
Cláudio- Cala a boca, ser repugnante! Já planejei o Shabbath que iremos te capturar!
Alice- Como assim!?(Fala aterrorizada)
Cláudio- Já planejei dia, hora, data, tudo... Teu fim está próximo.(Gargalha de novo de forma
histérica e prolongada)
Sérgio- Cláudio, você enlouqueceu!
Cláudio- O A febre do amor me enlouqueceu... Me cura , Sérgio, com tua seringa...(Sai correndo em
direção a Sérgio, que corre fugindo, Alice se interpõe, dando uma trombada com Cláudio)
Sérgio- ( sobe na cama, tentando se proteger)- Isso não é amor!
Cláudio- (fala irado)- Ingrato, o que você sabe sobre o que é amor?! (Muda o tom para voz doce e
meiga)- Sérgio, desde que você se foi, não dormi com ninguém... Todas noites choro, mergulho em
lágrimas sem fim, meu coração está em pedaços, minha voz é um gemido fino contínuo- até licença
médica recebi- eu tremo toda noite... OH! A cada beijo que lembro – AH!- mordo o travesseiro... A
cada carícia(suspira), eu suo frio. Estou como uma freira, virgem vestal, consagrada ao nosso amor!
Alice- Esse é teu problema!
Cláudio- Calada, pó de meus pés!
Alice- Ou vira crente ou se libera!
Cláudio- Ser desprezível, não converso com seres subhumanos...
Alice- Então porque tá falando?
Cláudio- Já te expliquei o que farei no shabbath contigo?
Alice- Eu não tenho medo!
Cláudio- Mas vai temer!(Gargalha de forma psicótica de novo)
Sérgio- Cara, isso tá demais... Não sou tanto assim...
Cláudio- É sim e muito mais...
Sérgio- Você enlouqueceu! Não vai me dizer que matou alguém por mim?
Cláudio- Ainda não! Mas já encomendei pela darknet o animal
Sérgio- Darknet?
Cláudio- O lado obscuro da rede(Gargalha de novo) descobri recentemente, é uma maravilha! Tem
de tudo: matadores de aluguel, sindicatos de hackers, receitas de carne humana, comunidades de
praticantes de pedofilia, o passo-a-passo de dar golpes, é a liberdade! Sem censura, sem controle!
Sérgio- Que animal você encomendou?
Cláudio- Um ser humano, é óbvio; saiu mais barato que o carro que te dei.
Sérgio- Tu não tem medo da polícia? Como permitem isso?
Cláudio- A polícia?(Gargalha de novo de forma psicótica). E porquê permitem a darknet? Você
ficou burro, Sérgio? Quem você acha que usa isso? Minha avó?!(risada maléfica)
Sérgio- (Fica de joelhos, e implora a Cláudio)- Não faça isso! Pelo amor de Deus!
Cláudio- (Fala sorridente) Então vem de volta, meu amor! Me acaricia como antes, me agarra, me
aperta!OH! E me toca naquela parte de novo, Como só você sabe!
Sérgio- Isso Nunca! Ainda mais agora depois disso tudo! Eu prefiro Deus!
Cláudio- Que Deus! Olhem para vocês: vermes miseráveis, decrépitos, caminhando para a cruz!
Um boiola e uma grávida de um bastardo, viciados em drogas! Seres repugnantes a todos: à família,
aos amigos e até aos religiosos! Loucos! Incompetentes! Vagabundos!
Alice- Isso é mentira!
Cláudio- Mentira? Qual foi a última ligação que você recebeu? Em que data?
Alice- Ah... Umas semanas atrás... No carnaval... Do Fernando...(Fala meiga, Sérgio se indigna,
ciumento)
Cláudio- Viu? Ele queria um sex delivery!
Alice- Mentira!
Cláudio- Ah é? Dos teus contatos, pra que te ligavam?
Alice- Para ir em festas, pra ir ao cinema, pra curtir a noite...
Cláudio- E desde que você parou de fazer sexo?
Alice- Nunca mais...( Fica cabisbaixa)
Cláudio- Caia na realidade, sua piranha! Você não passa dum corpo, carne no mercado!
Alice- Mas na Igreja gostam de mim!
Cláudio- Vocês conseguiram falar com o pastor?
Alice e Sérgio- Sim
Cláudio- Quanto tempo?
Alice- Uns minutos
Cláudio- Quanto tempo você passa conversando com uma amiga, ou mesmo passava comigo?
Alice- Mais de uma hora(Alice começa a chorar, de forma cômica)
Cláudio- As pessoas olhavam para vocês na Igreja?
Alice- Sim!(Fala alegre) Eram tão simpáticas!
Cláudio- Alguma delas quis conversar com vocês?
Alice- Não!(Começa a chorar de novo, aos berros)
Cláudio- O mundo é nosso!(gargalha) Saibam que já encomendei pra daqui três semanas o animal,
se Deus quiser!
Sérgio- Cláudio, mas e o valor da vida humana?
Cláudio- Vida humana?(tira de uma mochila ou bolsa que trouxe, quando entrou, uma caveira, e
começa dialogar com ela a la Hamlet) Viver ou não viver, eis a questão. Olhamos para o lado, uma
pessoa está atropelada. Outra, depois de vomitar suas tripas numa festa morre. Muitos passam
multidões de anos sofrendo, sendo honestos, trabalhadores, decentes... Vivem como escravos, do
pior estilo, daqueles que nem sabem que assim são. De quem é essa caveira no cemitério? Não sei e
tenho raiva de quem sabe. De tão insignificante, ninguém a conhece. Assim é a maioria. Um dia
fazemos amor, noutro enfartamos. Enchemos o bucho, e depois morremos de disenteria. (Joga a
caveira num lixo )Vocês acham que- quando morrerem- dirão: “Eis aí o grande estadista, artista,
intelectual, pesquisador, empresário, guia, o santo salvador...”? Não! Vão dizer : eis aí dois
inconsequentes safados, uma vadia e um viado, que felizmente morreram. Ou... melhor... Nem isso
terá na lápide. Se tiver nome, vocês estão no lucro. Hoje, nem um caixão vocês conseguem
comprar(dá uma gargalhada sinistra), mortos como indigentes!
Sérgio- Mas e a vida, matar uma pessoa semelhante?
Cláudio- Que vida? Todas vidas tem o mesmo valor? É um ato de misericórdia que farei(gargalha)
Menos imbecis no mundo, seleção natural! Não é minha culpa da burrice da presa, ninguém
mandou ser capturada(gargalha psicoticamente) Vejam meu poodle: é doce, meigo, obediente,
amável... Abana o rabinho sempre que eu chego. Assim é a maioria das pessoas? Não! Vocês acham
que todos tem o mesmo valor então? Meu poodle vale muito mais que meus vizinhos!
Ou então, pra que tantos pirralhos no mundo? Por mim, esterilizava todas miseráveis. Seleção
natural: morte aos fracos. Imagine nascer outras Alices no mundo? Basta um verme só!
Alice- Eu discordo!
Cláudio- Ninguém perguntou tua opinião, lombriga desgraçada!
Alice- Mas eu digo!
Cláudio- Você não percebe que estou nem aí pra você? Resigne-se à sua insignificância!(Alice
começa a chorar) Voltando ao assunto... Muitos micróbios, que são totalmente insignificantes- sem
nos fazer mal algum- os matamos com o cloro. Porém, meu vizinho que toca funk à tarde toda, me
tirando a paz, não. Devo ou não devo encomendar sua morte um dia?
Sérgio- Cláudio!
Cláudio- A dura realidade é: uns valem menos, outros nada, como notas de três reais.
Alice- Acho que você devia morrer?
Cláudio- Já lhe disse, sua opinião não vale um peido
Alice- É o que pensa!
Cláudio- Alice, quando você fala alguém escuta?
Alice- Ás vezes...
Cláudio- Mas na maioria das vezes?
Alice- Não
Cláudio- E se alguém peida, alguém se importa?
Alice- Sim...(sai chorando)
Cláudio- Pois bem... Eis a prova- por exemplo- da insignificância do pensamento de muitos: os
gases são mais importantes. Os peidos da maioria mudam mais a história que suas ideias!
Sérgio- Mas o que garante que sua vida vale mais do que a do animal capturado?
Cláudio- (volta a agir em fúria, de forma histriônica, junto de um discurso inflamado)Ora, seu
cachorro! Não vê meu amor todo por ti? Quem, em seu perfeito juízo, faria isso? Encomendar uma
vida em troca de outra? Quem? QUEM? Como alguém ousaria entregar sua alma por algo tão
aparentemente fútil, como um amante? Como não dizer o quão grandioso e heroico amor é esse?!
Um amor que se consagra virginalmente a outro que o rejeita, mesmo podendo sair com outras
pessoas?! Quem?! Ouse me contradizer! Me diga, Sérgio! Além do mais, quem beija como eu
beijo? Que abraça, agarra, aperta, faz amor como eu? Não há criatura na face da terra semelhante!
Sérgio- Eu discordo... Acho que isso tudo é loucura
Cláudio- O que é loucura? Quantos sábios foram tidos como loucos, e loucos por sábios? Até a
Bíblia, esse livreto de vocês, diz que Deus escolheu as coisas loucas. Está vendo, a Bíblia diz que
você que está louco, não eu!
Sérgio- Âh? Posso ver o contexto?
Cláudio- Não estou discutindo contextos! Porém... voltando à minha argumentação... Porque
comemos o peru de Natal? O que ele fez pra nós? Ou comemos o bife de todo dia? Já vi muito mais
vacas educadas do que seres humanos. As galinhas conseguem ser mais civilizadas... E mesmo
assim, vão pra panela. Porquê? Porque Deus quis assim. É simples: a vida melhor é a que sobrevive.
Sérgio- E quando alguém que você gostava morre, mas sobrevive alguém que você não gosta?
Cláudio- Erro de cálculo, a natureza não é perfeita.
Sérgio- E se você estiver errado?
Cláudio- Eu não estou errado.
Sérgio- E se você morresse?
Cláudio- Eu não vou morrer.
Sérgio- Cláudio, você está louco.
Cláudio- Loucura? Loucura será quando você voltar para mim como um cachorro com o rabo entre
as pernas, como um escravo sexual! Farei o que você nunca imaginou!(Gargalha psicoticamente) E
saibam que a Igreja onde vão está na mira: É só questão de tempo pra virarem tudo
boiola!(Gargalha de forma maldosa) Lançarei uma maldição tão terrível que todos punheteiros
virarão!(Gargalha de forma mais maldosa) Minha vingança será maligna! Hasta la vista,baby!(Sai
gargalhando, bate a porta com fúria)
(Alice e Sérgio se olham apavorados, totalmente absortos, sem saber o que falar. Ficam um bom
tempo assim)
Alice- Ele pirou
Sérgio- Descobri porque ele estava comigo hoje
Alice- Sexo
Sérgio- E eu, dinheiro
(Alice começa chorar convulsivamente, e Sérgio vai junto)
Alice- Chaveia essa porta, antes que entre outro louco!
Sérgio- Agora mesmo!(Fecha) Graças a Deus!
Alice- E se for tudo verdade aquilo...
Sérgio- Vamos tentar pensar positivo
Alice- Para com isso, não sou tonta!
Sérgio- Você me dizia isso um tempo atrás...
Alice- Um tempo atrás minha tia não estava morta...(chora)
Sérgio- Graças a Deus essa porta tá fechada...
(A porta é arrombada, entra dois assaltantes, mascarados)
Assaltante 1- Mãos ao alto!
(Alice começa berrar em desespero)
Assaltante 2- Calada, senão te apago!(Alice fica quieta)
Assaltante 1- Amarra e amordaça os dois!(Assaltante 2 amarra os dois e amordaça)
Assaltante 2- Pergunta onde tá as jóias e a grana!
Assaltante 1- Já amordacei!
Assaltante 2- Desamordaça! ( Assaltante 1 desamordaça os dois)
Assaltante 1- Onde tá as jóias?! Onde tá a grana?!
Alice- Tudo que eu tenho tá na bolsa: um cartão de ônibus e umas moedinhas
Sérgio- E eu uma nota de 5 pila no bolso
Assaltante 2- Vocês são uns chinelão! Nem dá o carreto pros móveis
Assaltante 1- Não sabem o quanto gastemo pelo carreto
Assaltante 2- Se não fosse o assalto noutros apartamentos a gente apagava vocês
Assaltante 1- Tenham mais respeito com o assaltante, tem que ter 50 pila no bolso
Assaltante 2- É nossa profissão, a gente se esforçemo muito
Alice- Eu fui demitida hoje, pelo celular...
Sérgio- E eu no trabalho, por dar em cima de um colega.(Chora) Como me arrependo!
Assaltante 2- Onde tá a porcaria do celular?
Alice- Ali!( Alice aponta com o nariz, assaltante 2 tira o celular)
Assaltante 1- Tu deu em cima do colega?
Sérgio- Si-si-sim
Assaltante 2- Humm...
Assaltante 1- Sabe que tu é bonitinho...
Sérgio- Nã-não-nã-não(faz cara de pânico) Que-que-que que você quer dizer co-com i-i-sso-sso?
Assaltante 2- Tira as calças dele! Vai tê farra hoje!
Assaltante 1- Tem que desamarrá ele
Assaltante 2- Desembrulha o presente! Hoje é festa!
Assaltante 1- É Hoje!( Desamarra Sérgio, pra baixar as calças)
Sérgio- Não!(Grita histérico, em tom agudo) Não! Eu sou um homem de respeito, um cidadão de
bem...
Assaltante 2- Que história é essa, não deu em cima do colega?
Sérgio- Não! Foi semanas atrás...
Assaltante 1- É safado igual!
Sérgio- Eu me converti nessa semana!
Assaltante 2- Paremo a operação!
Assaltante 1- Operação parada
Assaltante 2- Que papo é esse de se convertê?
Sérgio- O seguinte... Eu e minha amiga estávamos numa festa e enchemos a cara...
Assaltante 1- O que uma coisa tem a vê com outra?
Alice- Explico: Ele era meu melhor amigo, tava chapadão, até que eu e ele saímos rolando pra cama
e...
Assaltante 2- É gilete também?
Sérgio- Não!
Alice- Sérgio! Deixa que explico: foi sobrenatural... Ele nunca tinha ficado com uma menina... Só
fez isso muito chapado, podia ter sido com- sei lá- um poodle...
Sérgio- Alice!
Alice- Deixa eu continuar! Acordamos no outro dia tontos, e veio um amigo nosso que tinha ouvido
falar de Jesus, e nos convidou pro culto... A gente só foi por isso, nunca iria rolar o que rolou
Assaltante 1- A história tá estranha, parece mentira, mas tamo de sangue doce, vamo acreditá
Assaltante 2- Se a gente não fosse temente a Deus, já traçava
Sérgio- Vocês são evangélicos?
Assaltante 1- Mas é claro
Assaltante 2- A gente decidiu tomar juízo faz uns anos
Assaltante 1- Vocês não sabem como era ruim no batuque antes...
Assaltante 2- Baixava o exu e não parava
Assaltante 1- E quando baixava o ogum em nós, hein?
Assaltante 2- Ficava todo torto!
Assaltante 1- Depois que o pastor orou, saiu todos demônios
Assaltante 2- Agora a gente dá o dízimo de tudo que a gente ganha
Assaltante 1- E temo sendo abençoado
Alice- Desculpe a pergunta, mas qual o trabalho de vocês?
Assaltante 2- Não tão vendo? Semos profissionais mermo
Assaltante 1- Não semo como muito principiante por aí...
Assaltante 2- Já temo polícia pra nos soltar da cadeia
Assaltante 1- E juiz
Assaltante 2- É uma questão de investimento
Assaltante 1- A gente que não estudo tem que aproveitá as chance
Sérgio- Mas vocês não tentaram trabalhar noutra coisa quando viraram crente?
Assaltante 2- Até tentemo, mas não deu
Assaltante 1- O dono do terreiro fez uma urucubaca que a gente não prestô pra nada
(Alice e Sérgio choram então, de desespero)
Assaltante 2- Que que é isso, não precisa se emocioná com nossa História
Alice- E estuprar, vocês estupravam sempre?
Assaltante 1- Pera lá, não é bem estupro
Assaltante 2- É sexo livre de jeito forçado, não sei se me entende
Sérgio- Não entendo
Assaltante 1- É o seguinte: se o menino olhá muito, tá querendo
Assaltante 2- Se diz muito “não” também
Assaltante 1- Mas a gente só faz se sabe que não é crente
Assaltante 2- Crente a gente respeita
Assaltante 1- E menina também
Assaltante 2- Não engravidamo ninguém
Sérgio- Mas e a AIDS?
Assaltante 1- Tamo curado em nome de Jesus!
Assaltante 2- Tomamo posse pela fé!
Assaltante 1- Temo um vizinho que deixou de tê
Assaltante 2- Orô muito e conseguiu
Assaltante 1- Daí a gente disse que Deus não faz acepição de pessoa... Não discrimina ninguém...
Asssaltante 2- E pela fé tamo curado. E se dé migué, é porque Deus quis. Tem um vizinho da gente
que foi assim: Fofocava do pastor e a gente sem querê assalto ele: morreu de AIDS
Assaltante 1- Não se toca no ungido do sinhô
Assaltante 2- É mesmo
Alice- Mas vocês não tentaram parar isso? Era assim antes?
Assaltante 1- Olha, antes era só menininha, no batuque
Assaltante 2- Quando a gente entrou na Igreja tomamo vergonha na cara
Assaltante 1- Tentemo fica só na punheta
Assaltante 2- Mas Deus quis dá o escape, a carne é fraca
Assaltante 1- Começamo curti os menininhos também
(Sérgio e Alice choram, desesperados)
Assaltante 2- Não precisa se emocioná com a gente
Assaltante 1- Nós não presta mesmo, vamo pro inferno desse jeito
(Sérgio e Alice choram mais)
Sérgio- Nunca vou me arriscar a bater punheta de novo!
Alice- E eu não vou me masturbar!
Assaltante 1- É isso mesmo, santidade, firmeza
Assaltante 2- Não copia a gente, vicia mermo, tu não aguenta não ir proutro nível, tipo videogame
Sérgio – Que história é essa que não fazem nada com crente?
Assaltante 2- A gente só assalta e judia de ímpio
Assaltante 1- Não semo doido de assalta crente
Assaltante 2- Nóis no convertemo quando assaltamo crente
Assaltante 1- Um colega foi crente
Assaltante 2- Tenho medo das oração das tia de coque
Assaltante 1- Decidimo que só ímpio a gente assalta
Assaltante 2- Semo temente a Deus
Alice- Mas então porque estão roubando nossos móveis e coisas?
Assaltante 1- As coisas tão difícil
Assaltante 2- E nóis não tem certeza não de cês sê crente
Assaltante 1- E crente não batizado a gente assalta
Assaltante 2- Não tem ainda santidade e unção
Assaltante 1- A oração não é ouvida
Assaltante 2- Mas batizado é outra coisa
Assaltante 1- Desculpe aí Brothers
Assaltante 2- É nosso trabalho
Assaltante 1- Tá dirfício tê emprego
Assaltante 2 – A gente não queria fazê isso
Assaltante 1- É só necessidade mermo
Assaltante 2- Não sabe quanto filho temo pra criá
Assaltante 1- É... isso que dá traça as menininhas
Assaltante 2- Graças a Deus, é só homi que a gente faz maldade hoje
Assaltante 1- Tamo consciente
Assaltante 2- Não coloquemo mais filho no mundo pros outros criá
Assaltante 1- A gente tem que trabalhá muito
Assaltante 2- É muita acadmia pra corrê da polícia, escalá prédio, pulá muro...
Assaltante 1- Quem mando não estudá...
Assaltante 2- Vocês não sabe quanto foi bençã fala com ocês. É de Deus temo ir assalta justo quem
vai se batizá.
Assaltante 1- Deve sê resposta de oração de vó Mariazinha
Assaltante 2- Ela é do fogo!
(Assaltantes saem, com o bagulho e os móveis. Nada mais resta no cenário, a não ser Sérgio
desamarrado, que desamarra Alice, ficam olhando-se absortos um ao outro e começam a chorar,
próxima cena)
ATO II
CENA VII
( Alice, Sérgio, Caíque num parque conversando; Alice e Sérgio nervosos e assustados, chorando às
vezes; Caíque surpreso)
Caíque- Bah, Então o Cláudio enlouqueceu?
Sérgio- Totalmente
Alice- Nos ameaçou de tudo e mais um pouco
Caíque- E essa história de sabbath, sacrifício humano...
Alice- Tudo real
Sérgio- (chora) perdi o emprego, a Alice também, morreu a tia da Alice...
Caíque- Nem sei o que te falar...
Alice- Não precisa...
Caíque- Se quiserem, podem dormir lá em casa por um tempo. Até a roupa posso emprestar
Sérgio- Até as cuecas?
Caíque- Aí já é demais, mano!
Sérgio- Mas o Cláudio disse que consagrou todas minhas roupas, até as cuecas que me deu
Caíque- Tu não comprava nem cueca?
Sérgio- Não.
Caíque- É o seguinte, com uma condição: Tu vai receber umas cuecas de graça, desde que limpe a
casa e lave toda louça
Sérgio- Mas isso era trabalho do Cláudio
Caíque- É teu agora; E tu, Alice-, vai cozinhar e lavar e passar as roupas
Sérgio- Isso é injusto! Eu vou ter que limpar toda casa e lavar toda louça!
Caíque- Cara, tu já provou uma das comidas preparadas por ti? É horrível! E não quero nenhuma
camisa minha queimada
Alice- Caíque, tu é ou não é nosso amigo?
Caíque- Sou, mas não vou deixar vocês vagabundeando e me explorarem
(Enquanto conversam, chega Cláudio, desesperado, chorando)
Cláudio-(se põe de joelhos, chorando, na frente de Alice, Alice grita de susto) Alice, me perdoa!
Não quis dizer tudo aquilo que eu disse! Você é e sempre será minha melhor amiga! Forever! Me
perdoa!(Aos prantos)(Se vira pra Sérgio) E Sérgio, você é livre... Pode ficar com quem você quiser!
Graças a Deus está com a Alice, uma menina direita...( é interrompido por Caíque)
Caíque- Que que é isso, tá louco?(Cláudio chora, aos prantos, nos pés de Caíque)
Cláudio- Caíque, Tu não tem noção do bem que você nos fez!(Ainda de joelhos, começa beijar os
tênis de Caíque de gratidão) Se não fosse você, nada disso seria possível!
Sérgio- (irado) Isso o quê?! Tá delirando? Eu e a Alice tamo sem emprego, dois assaltantes nos
roubaram tudo que a gente tinha, até as moedinhas, quase fui estuprado por eles, a tia da Alice
morreu atropelada por uma bicicleta, a Alice tá jurada de morte e você nos perseguindo como
doido! Que porcaria é essa!
Cláudio- Me perdoa, Sérgio querido!
Sérgio- Querido uma ova!
Alice- E a pessoa, quer dizer, o animal que você encomendou?
Cláudio- Cancelei tudo, tudinho! Tenho até o print da conversa com os fornecedores
Sérgio- Sério?!
Cláudio- Tô jurado de morte!(chora) Não basta eu ter pago... Eles disseram que eram uma empresa
de respeito, que não descumprem seus contratos
Alice- Como assim?!
Cláudio- Eles e o círculo satânico onde estava dizem que não tem volta!(chora) Pacto feito, pacto
cumprido. Quem ia virar a encomenda seria eu!(chora) Também, não sei porquê, minha mão saiu do
meu controle e pegou uma faca... Eu tentava fugir, me defender de minha mão, mas não conseguia...
Enquanto a esquerda se movia, eu defendia com a direita!(Chora)(mostra a palma da mão, e encena
o que relata) Tá vendo?! Quase que corta meu pescoço, os pulsos, os dedos, o...
Caíque- Explica melhor...
Cláudio-... E fui no hospital, pois tava sangrando minha minha palma da mão- fiz isso depois da
outra mão ficar despossuída- e fui engessar e... Quando entrei na sala, vi uma enfermeira com uma
injeção pra aplicar...
Alice- E...
Cláudio- Era vaselina na injeção! Ela tentou me matar!(Chora) Saí correndo, os seguranças
tentaram me capturar, quase colocaram uma camisa de força...
Sérgio- Como assim?
Cláudio- O pessoal do hospital tem pacto também!
Alice- Por isso que os hospitais tão assim?
Cláudio- Exatamente!
Sérgio- Mas porque você cancelou a encomenda?
Cláudio- Foi o seguinte: o espírito que fiz o pacto apareceu... Era tão lindo e gostoso... Um anjo
muito brilhoso... Tinha umas asas imensas... Eu estava chorando(encena o relato, tanto sua postura
quanto a do anjo, anjo fala com voz doce e melíflua, e enquanto Cláudio com ódio) Gritava aos
prantos: Sérgio! Sérgio! Sérgio... Porque você foi... Meu docinho de coco, meu pão de mel, doçura
do meu coração... E chorava e chorava... E o anjo vinha e me acariciava e cantava ... (Canta “Let it
be” de Beatles) O anjo dizia: Eu te entendo... E tudo por culpa daquela desgraçada, não é mesmo? E
eu dizia: Sim! Eu odeio aquela vaca! O anjo dizia: Eu sempre quis abrir teus olhos, te chamava, mas
te juntava com aquela gentalha... “Sim!(Chorava)”, o anjo dizia: Ela bem que merecia morrer! Eu
dizia: Ela vai morrer! O anjo gargalhava então, e eu gargalhava com ele... Sua vingança será
maligna! Ele me dizia... Ela morrerá como uma cachorra! e daí ele ria e ria, e alegrava meu
coração... Dizia “Morrerá na sarjeta, como uma mendiga” E nós dois ríamos juntos... Daí ele
sussurrou... Você viu o pobre do Sérgio, seu amorzinho? E eu dizia aos prantos e gemendo: sim...
Sussurrava: “como ele está enfeitiçado por aquela VADIA?” E eu gemia “sim...” Ele sussurrava,
com sua voz doce: Pense... pense... Nele comendo ela, e não VOCÊ... Gemendo enquanto a comia...
A lambendo, se esfregando, beijando... PENSE! E mais... Imagine se... se... ELE VIRÁ HÉTERO!
Se... se... ele se der bem na vida...e... virar CRENTE mesmo assim... Daí eu interrompi o anjo irado,
depois de chorar um monte: COMO ASSIM, e o acordo que a gente fez?! Custou mais de cinco mil
reais o animal! Daí o anjo me disse, em tom de indignação, choroso: Você não acredita em mim?!
Acha que lhe abandonarei como o Sérgio? Que lhe serei infiel? E o anjo começava a chorar aos
prantos... Daí eu começava a chorar também... Como eu iria questionar a fidelidade dele... Tão
doce... Tão amável... Ele que tinha conseguido destruir a vida de Alice e do Sérgio só pra mim... E
daí ele começava a dizer... você nem sabe quanto trabalho tenho... Como preciso correr dum lado
pro outro, voar pelos continentes... Mas lembre-se sempre: Eu te amo. Mas tudo tem um preço... E
eu perguntei, que preço, eu já não paguei o animal? Ele me respondeu: sabe a diferença entre
correio comum e SEDEX? E eu disse: qual? E ele respondeu, com os olhos arregalados; O
TEMPO! Você aguentará três semanas até ver a Alice morta e o Sérgio destruído? Suportará OH! O
teu pobrezinho coração essa injúria?! E o anjo falava em lágrimas nos olhos: Pense... Todas vezes
que ele olhar pros olhos dela, chorando... A abraçá-la... Tocá-la... Talvez até beijá-la... Pense... Você
vendo ele sendo lobotomizado naqueles cultos... Cantando aleluia.. Ao mesmo tempo que- OH!-
Ora fervoroso- com ódio e choro- Deus, livrai-me do Cláudio! Converta-o! E- COM MAIS
CRUELDADE FALANDO- desfaça essa loucura que ele chama de amor! Pense no seu amado
sofrendo... A cada saudade de teus toques... A cada gato que passar na sua frente... Toda sua dor de
se reprimir... PENSE! E então eu chorava aos prantos... Fiquei mais de trinta minutos chorando...
Alice- Como você sabia as horas?
Cláudio- Ora, desde quando fico sem celular e olhar o whats? Mas continuando... E daí o anjo me
sussurrou... Eu tenho uma proposta muito fácil... Facílima... E eu chorava... E daí o anjo falou mais
alto, gritando para eu escutar: EI! TENHO UMA PROPOSTA MARAVILHOSA! E eu disse: SIM!
E o anjo me respondeu, cochichando: Sabe... Tudo tem um preço... E eu logo respondi: Qual é o
valor do SEDEX?! E ele respondeu... Olha... É relativo conforme a fila dos pedidos, oferta e
procura... Mas... NESSA SEMANA SÃO DOIS ANIMAIS HUMANOS A MAIS!
PROMOÇÃO!Assim, seu amorzinho voltará logo... E eu respondi indignado: DOIS ANIMAIS?!
Mas isso tá muito caro! Já sujei meu nome pra conseguir um! E o anjo respondeu: ENTÂO FIQUE
ESPERANDO TRÊS SEMANAS! Quero ver se você aguenta, e ele gargalhava de forma cruel...
Mas, de repente, ele voltou a choramingar... Mas tem um jeitinho mais fácil... E ele começou a tocar
nas minhas coxas, a apalpando... e disse: Isso tudo acelera o processo... E eu respondi irado:
NEGATIVO! O contrato era de permanecer virgem, como uma vestal, até o Sérgio voltar! E ele
respondeu irado: Mas você é uma bichinha! Tá com medo de comprar só dois novos animais
humanos! E não quer dar o rabo, pra mim! E daí eu rodei a baiana: Nem minha mãe me chama de
bichinha, seu criminoso! E daí ele começou me humilhar, me chamar de viado, boiola, fresco e um
monte de nomes. Daí respondi a ele: Quero que você vá pro inferno! E ele se irritou, se não vai por
bem, vai por mal! E me agarrou e tentou me estuprar. E eu gritei: Jesus, me salva! Daí, de repente,
apareceu dois caras e o puxaram pelos braços, o agarrando. Daí vi o rosto dele mudar- Sabe quando
começa cair como que reboco a maquiagem do rosto das meninas?- era assim... Caiu todo reboco...
E o corpo dele começou desinchar... Era horrível... Pior que as múmias do Congresso... E ele
gritava: EU QUERO MEUS ADVOGADOS! EU QUERO MEUS ADVOGADOS! TENHO MEUS
DIREITOS! FIZEMOS UM CONTRATO, TUDO NOS TERMOS DA LEI! ONDE ESTÀ A LEI?!
A JUSTIÇA, A ORDEM, A DECÊNCIA?! QUERO MEUS ADVOGADOS! E daí ele
desapareceu...junto com os outros dois caras que o levaram embora.... Daí, fui no computador e
desfiz a encomenda e me ameaçaram de morte. É isso. Fiquei chorando no quarto depois de pensar
em tudo o que fiz, prometi, disse e ouvi...
(Sérgio, Alice e Caíque boqueabertos)
Caíque- Mano, Isso é muito doido!
Alice- Então o diabo é homofóbico!
Sérgio- Então agora é só você que tá jurado de morte? Tamo livre?!(Pergunta alegre)
Cláudio- Claro que não! Agora todo mundo tá jurado de morte!
Caíque- Como assim, o que é que eu fiz?!
Cláudio- Fiquem calmos, eu sei a data.
Alice- Eu não quero morrer!
Cláudio- Gente, pensem naquilo de dar a vida por Jesus
Caíque- Eu não orei pensando nisso
Alice- E eu nem orei, me desviei faz oito anos
Cláudio- Não adianta! Agora todo mundo tem que dar a vida pra Jesus
Sérgio- Não tem outro jeito?
Cláudio- Só um milagre
Alice- Não dá pra desviar?
Cláudio- Tarde demais, não dá mais
Caíque- Que treta em que tu nos meteu!
Cláudio- Ninguém mandou não ter se convertido antes! Eu não teria conhecido o Sérgio nem a
Alice, teriam me evangelizado e seria uma pura alma...
Sérgio- mentira!
Alice- Me perdoem, é tudo culpa minha(começa a chorar) nunca devia ter desviado... Quem sabe, o
Sérgio desviou por minha culpa...
Sérgio- Como?
Alice- Tu era meu predestinado... Como iria casar contigo se tu fosse crente?
Sérgio- Não viaja
Alice- Quantos anos tu teve desviado?
Sérgio- Oito
Alice- Além disso, há quantos meses?
Sérgio- sete
Alice- Desviou em que dia?
Sérgio- 13
Alice- Viu?! Igualzinho eu!
(Eles ficam tudo com uma cara de aterrorizado, daí Lorena chega, sorridente e alegre)
Lorena- Caíque(Caíque dá um salto de susto) Caíque! Quero te contar uma novidade...(faz cara de
meiga, com risinho no rosto ou biquinho)
Caíque-(faz cara de nervoso) Lorena, acho que não é essa hora...
Lorena- Virei crente, na mesma igreja que você! Já fui falar pro pastor pra ver se a gente pode
namorar...
Caíque- (fala tremendo de nervoso) Lorena...
Lorena(Chega perto, por trás, e o abraça) Caíque...
Caíque- A-a-cho-cho que de-pois a gente conversa...
Lorena- Ai... Caíque... Como tu é romântico...(Caíque treme de olhos fechados, tenso tanto por
Lorena quanto pelas notícias)
Alice-(enfurecida) Amiga, não tá vendo que ele não tá bem?!
Lorena- Ai, que agressividade! Que foi que houve?
Sérgio- Melhor nem saber...
Lorena- Ah... Eu já tô sabendo de tudo, Sérgio(ri)... (fala rindo)Que tu saiu rolando na grama com a
Alice e...
Cláudio- Não é isso.
Lorena- Não?
Sérgio- É perigoso...
Lorena- Eu adoro perigo! Sempre ia no túnel da morte nos parques de diversão
Cláudio- Não é nada do que tu tá pensando
Caíque- (Se afasta bruscamente de Lorena e se vira pra ela)- Chega, Lorena! Quando tu me vê de
novo, já dá em cima de mim! Tu não te aquieta um pouco! Não tá vendo que tô mal?
Lorena- (Faz cara de meiga)Caíque... É que eu pensei...
Caíque- Lorena, calma. Tá sendo muita coisa pra minha cabeça nesses dias.
Lorena- Desculpa pelo fora que te dei
Caíque- Tá desculpada
Lorena- Eu só penso em casar contigo...
Caíque- Casar? Tu mal tava três meses comigo?
Lorena- Mas eu te amo! Tu é meu príncipe!
Alice- Calma lá, miga! Tu já ouviu o “escolhi esperar”?
Lorena- O que é isso? A pastora me disse, mas não lembro.
Alice- Tipo isso: tu tem que orar pra ter certeza, pra não casar com um traste
Lorena- Mas eu já tenho certeza!
Alice- Não é essa certeza...
Lorena- Então qual é?
Cláudio – Tipo isso: eu tinha certeza que o Sérgio sempre ficaria comigo.
Alice- E eu, que nunca sairia com o Sérgio
Lorena- Ah... mas daí já é demais... Quer que eu adivinhe?
Sérgio- Isso! Tu vai orar até Deus falar
Lorena- Mas daí vou ficar pra titia, encalhada!
Alice- Melhor só do que mal acompanhada
Cláudio- Eu que o diga
Sérgio- Idem
Caíque- Lorena, é o seguinte: Acho que temos que dar um tempo!
Lorena- Não!
Caíque- As coisas não podem ser assim... apressadas
Lorena- Podem! Eu vou fazer de tudo por ti...
Caíque- Se tu soubesse o que eu tô vivendo...
Lorena- Então imagine eu! Todo dia penso em ti
Caíque- Não... Tu não sabe o que eu tô vivendo...
Lorena- Mas o que pode ser tão sério?
Caíque- Se eu te falar, tu não vai acreditar
Lorena- É outra, então?
Caíque- Não
Lorena-(Faz cara de assustada) é outro?!
Caíque- Pelo amor de Deus, Lorena! É óbvio que não!
Cláudio- Olha, mas do jeito que as coisas tão hoje...
Alice- Cláudio, para com isso
Lorena- Vocês tão me deixando desesperada
Sérgio- Tu não ia gostar de saber o que é...
Lorena- O que pode ser de tão sério?
Caíque- É que eu posso morrer daqui uns dias!
Lorena- Você está doente, Caíque?! Então casa logo comigo! Eu no hospital contigo... uma última
vez... O último suspiro... De mãos dadas... Um filho... Tu nos últimos momentos comigo...
Cláudio-(irritado) Não é isso... Não insista.
Sérgio- Lorena, tu não vai querer saber...
Lorena- Mas agora eu quero!
Caíque- Quer saber?! Tu corre risco de morte se ficar comigo!
Lorena- Eles te levaram pro mundo das drogas?
Caíque- Não é isso!
Lorena- Tá no crime?
Caíque- Não
Lorena- Alguém te ameaçou de te matar se ficasse comigo?
Caíque- Também não.
Lorena- Então o que é?
Cláudio- A culpa é toda minha!
Lorena- (Olha abismada, com olhar de vingança)- Você está dando em cima do meu namorado, é
isso?!
Caíque- Não! Não é isso!
Lorena- (furiosa) Não mente pra mim!
Caíque- Desisto de explicar!
Sérgio- Seguinte, nós quatro estamos jurados de morte!
Alice- Por culpa do Cláudio!
Lorena- Ele roubou alguma coisa, tá devendo pra traficante?
Sérgio- Não, muito pior!
Cláudio- Ah, não é pra tanto... Só foi uma bobeira...
Alice- Bobeira nada! Ele tinha encomendado um ser humano pra ser sacrificado!
Lorena- Como assim?!
Alice- Pra ter o Sérgio de volta!
Lorena-(Põe a mão na boca, abismada e olha pra Cláudio) Canalha!(Dá um tapa na cara dele)
Cláudio- (encolhido, envergonhado)- Ah, mas me arrependi, desfiz o pedido...
Sérgio- Mas agora estamos todos sendo procurados por uma organização satânica, jurados de
morte!
Alice- Tudo por sexo! Sexo, sexo, sexo!
Caíque- Viu porque é importante orar antes?
Lorena- Caíque, como você é corajoso!
Caíque- Corajoso nada, tô apavorado!
Lorena- Eu amo coisas perigosas...
Sérgio- Tu tá louca, guria?!
Lorena- Sérgio, deixa de ser grosso!
Alice- Sérgio, seja grosso!
Cláudio- Tu não sabe no que tá te metendo!
Lorena- Eu tenho uma solução!
Todos- O quê?!
Lorena- Sabe... Tenho um tio que era militar... Minhas primas tem uns apartamentos...
Alice- Ele roubou no exército?
Lorena- Não... É só aposentadoria e pensão das filhas... Fez dez filhas, não precisa roubar
Cláudio- O que uma coisa tem a ver com a outra?
Lorena- O prédio só tem milico, tem soldado do exército só pra defender o prédio, é uma fortaleza.
Lá tem quarto pra todo mundo. Até resolver tudo isso, vocês tem onde ficar
Cláudio- Lorena, tu não sabe com quem tu tá te metendo...
Lorena- E eles não sabem com quem eles estão se metendo...
Cláudio- Eles dominam tudo: política, economia, saúde, mídias... O exército, tudo!.
Caíque- Tu quer morrer?
Lorena- Contigo, sim!
Caíque- Lorena!
Alice- Guria, Para com isso!
Lorena- Tu sempre querendo acabar com meus namoros...
Alice- Não é isso, tu prefere morrer?
Lorena- Prefiro
Cláudio- Prefere mesmo se depois for esquartejada viva, depois de estuprada?
Lorena- Prefiro!
Cláudio- E se for torturada?
Lorena- Prefiro!
Caíque- Deixa de ser mentirosa, tu não aguenta nem uma unha encravada
Lorena- Você nunca acredita em mim!
Caíque- Não mesmo, nessa situação
Cláudio- Mas e se você for posta num caixão junto de várias serpentes pra ser sufocada viva?
Lorena- Não precisa dramatizar tanto, Cláudio... Você sempre com teus exageros...
Cláudio- Não é exagero
Lorena- Dá-se um jeito... Aprendi num curso motivacional: Não pira, respira! Não se prenda,
desprenda!
Cláudio- Tu sabe se não tinha pacto com o diabo quem palestrava?
Lorena- Como você só pensa maldade?
Cláudio- Quem é nosso presidente?
Lorena- O que isso interessa?
Cláudio- O nosso judiciário é como?
Lorena- Deus me livre de ter que usar
Cláudio- Nossas empresas são honestas?
Lorena- O que é honestidade nesses tempos?
Cláudio- O que passa na TV?
Lorena- Muita bobagem
Cláudio- Tem coisa melhor pra ver?
Lorena- Tem, mas ninguém olha
Cláudio- Que livros são mais lidos?
Lorena- Autoajuda
Cláudio- No que as pessoas mais gastam o tempo?
Lorena- Em fofocar
Cláudio- Onde Deus está nesse negócio?
Lorena- Longe(-pausa) Mas o que isso tem a ver com a palestra de autoajuda?
Cláudio- Tu acha que uma palestra que tu for de autoajuda é de Deus?
Lorena- Porquê?
Cláudio- Olha tua vida
Lorena-(Braba) O que tu quer dizer com isso?!
Sérgio- Para com isso, Cláudio
Cláudio- E o diabo, onde tá?
Lorena- Como assim, o diabo?
Cláudio- Tu acha que alguém em sã consciência votaria em quem a maioria vota, leria o que a
maioria lê, veria o que quase todo mundo olha e gastaria naquilo que o mundo inteiro gasta?
(Lorena começa a chorar)
Cláudio- É Deus ou o diabo?
Lorena- Não adianta! Vocês não tem escolha, venham pro apartamento, para estarem seguros
(Cena termina)
CENA IX
(Pastor, Caíque, Lorena, Sérgio, Alice, Claudio em cena. Os cinco chegam juntos, assustando o
pastor, em seu escritório. Ele conversa com todos, de surpresa)
(Pastor no escritório, atendendo o telefone)
Pastor- Angélica, tem cinco pessoas pra falar comigo? (pausa) Mas marcaram hora?(pausa) Como
assim, estão desesperados?(pausa) Tenta convencer eles a marcar outro horário, um por vez. Tenho
que preparar uma palavra para um enterro que vou fazer amanhã(pausa) Não dá pra esperar?! Que
tipo de crente são esses?! Como não dá pra remarcar a hora? Tão pensando que sou o quê? Não
sabem se submeter?(pausa) E tem ainda um ameaçando rodar a baiana?! Me passa o nome!(pausa)
Cláudio... Ahammm... Esse eu vou dar uma cajadada!(Pausa) Não deixa entrar! Aprendam antes a
se submeter! Ora, onde se viu, atender cinco duma vez!( Pausa) Como que não dá pra segurar?(
pausa) Esse Cláudio tá aos berros na rua?! E ainda é crente? Diga ele que ou ele parar ou posso
indicar outra igreja!(pausa) Satanismo?! Que porcaria é essa? Deixa subir!(Pastor fica irritado, com
cara de possesso de raiva, anda na sala reclamando)
Pastor- Ora, onde se viu! Falar com o pastor quando bem entende! Tenho 2347 ovelhas só nessa
igreja pra cuidar, mais 20 pastores de igrejas menores para aconselhar, e 435 líderes para
comandar... Eles não sabem que não é assim que se fala com um ungido de Deus? Que Deus
separou uns pra pastorear e outros pra conversar? Pra que tem tanto líder? Eu não deleguei minha
unção pra fazerem isso? Imagine se eu tiver que me preocupar com o problema de cada um? Ora!
Tão achando que sou coach ? Já vou indicar uns líderes pra cuidar desses igrejeiros... E uma lista de
psicólogos! Melhor, Psiquiatras! Onde se viu ameaçar rodar à baiana! Só pode ser daquele grupo
daqueles.... daquele bêbado, daquela tarada e aquele ...aquele... AH! Não podiam ter evangelizado
gente menos louca? Ainda vão e me trazem pra igreja outros piores? Tô orando pouco! Não consigo
descansar! Tô em casa, toca o celular: é alguém chorando por um namorado, uma demissão ou outra
coisa, pedindo uma oração. Tô andando na rua e me encontram; já querem desabafar comigo suas
últimas semanas. Outro tem que ir expulsar um demônio! Outro pede a benção pra ir ao cinema...
Outra vai ver “50 tons de cinza” sem a benção! E leva o namorado! Uns líderes confessam toda
semana o mesmo pecado, outros confessam os pecados alheios...Sei até a hora da tarde que uns
fulanos saem do serviço, pegam as crianças ou vão pra cama.É demais! É demais! Eu vou desviar
assim!
DEUS- A quem muito é dado, muito será cobrado.
Pastor- Deus! Oh Deus! Altíssimo! Sim! Sim!(começa chorar) Como tenho me sacrificado, me
renegado, matado a minha carne! Tudo pelo Reino! Quão preço é tão alto pelas almas? Oh! Dia a
dia me sacrifico, olhando para Cristo! Dia a dia- OH!- vou carregar minha cruz, minha pesada cruz,
minha terrível cruz! Mas como, como dizer que é alto um preço pago diante de- OH! O valor de
uma alma só! Uma alma só, uma preciosa alma, vale tanto quanto todo o universo! Quanto mais
2347! 2347- é claro- se nenhuma desviar . Mas do seu sangue estou limpo! Domingo, sábado e
sexta prego na Igreja, e segunda aconselho líderes! Formei 435 líderes, mais 20 pastores! só desvia
quem quer! Mas- OH!- Que cansaço! Oh, vida! Oh, cruz!
Deus- Ninguém mandou querer uma Igreja grande
Pastor- Sim, Oh Deus! Suportarei, bravamente, carregar essa cruz! Quão maravilhosa e grande
graça, glória, majestade estão a mim reservadas! Já imagino o coral de anjos cantando: Santo!
Santo! Santo! (sugestão, música gospel motivacional , estilo “Você é um espelho, a iamgem do
Senhor, não chore se ainda ninguém notou...” ou “Campeão, vencedor, Deus dá asas, faz teu vôo...
”)Oh! Que carga! Que glória! Que recompensa! Imagine eu, tendo autoridades sobre 2347 cidades
no céus! Não há preço que compense! É melhor eu ir me acostumando, pois mais autoridade e
trabalho terei no céu!
Deus- Você já pensou em abrir sedes menores na cidade e ungir novos pastores?
Pastor- Mas como?! Já tenho que pagar 56.732 reais ao mês pelo aluguel da igreja, mais 892.187
reais pelo aluguel das igrejas noutras cidades, onde arranjarei tanto dízimo e oferta? Ajude-me na
minha falta de fé!
Deus- Troque a sede na cidade por sedes menores: sairá por muito menos que 56.732 reais
Pastor- Mas todos pastores que conheço tem mais de 2347 ovelhas, eu sou o que ganhou menos
ovelhas: devo estar jejuando pouco. Como entregarei minhas ovelhas, MINHAS OVELHAS, a
vários líderes?
Deus- Entregando
Pastor- Já sei! O problema é que estou falando muito de mim no culto: é o pastor isso, o pastor
aquilo, a unção do mês, a profecia da semana, a cura do pastor... O pastor é que expulsa o demônio,
que tem discernimento, que guia, que ensina a Palavra... Estão achando que sou um deus!
Deus- Quase isso.
Pastor- Vou convocar a Igreja pra jejuar por mim 70 dias e fazer um relógio de oração 24 horas,
para eu ouvir com clareza Deus e ter discernimento. Quem sabe, devo mandar menos. E agora, mais
essa, satanismo, por isso que estou com tanto trabalho! Como sofro!
(Entra na sala Caíque, Lorena, Alice, Sérgio, Cláudio; espavoridos, pastor muda cara de irado e
nervoso para sorridente, simpático)
Alice- Pastor, precisamos falar com o senhor!
Sérgio- Até eu quero!
Pastor- Glória a Deus! Deus quebrou o coração de gelo! Minha oração teve poder
Cláudio- (chorando aos prantos)- Eu me arrependo! Eu me arrependo!
Pastor- De quê, jovem?
Caíque- Ele quis nos matar!
Lorena- Na real, não foi bem isso, todo mundo ficou jurado de morte
Pastor- Como assim? Eu também?
Sérgio- Não, só nós cinco
Alice- É que o Cláudio era o bofe do Sérgio, que deu um fora nele...
Sérgio- Quer dizer...
Caíque- Que ele levou um fora... Porém, o Cláudio quis reatar a relação
Alice- E daí ele disse não
Pastor- Glória a Deus!
Caíque- E...
Lorena- (interrompe)- Pessoal, vamos antes falar de um assunto mais importante?
Cláudio- (para de chorar, irado)- O que pode ser mais importante?!
Lorena- Meu casamento!
Pastor- Como assim? Você não era a...
Lorena- (Eufórica, alegre)A menina que a pastora conversou semana passada! Ela me abençoou a
casar com o Caíque!
Pastor- Tem certeza que a pastora disse isso?
Lorena- Sim, ela disse que eu já podia começar a orar
Caíque- Pastor, essa menina tá louca, a gente só tava três meses juntos
Pastor- Você falou isso com a pastora?
Lorena-(reticente) Sabe, eu pensei que- com tanta coisa acontecendo- falar de certas coisas, em
certos momentos, como vou dizer... delicados... pode, em alguns casos...
Pastor- Você não falou, então?
Lorena-(fala sussurrando) Se nós vermos por esse lado... não
Pastor- O que a pastora te falou? Me explica melhor
Lorena- Explicar em que sentido?
Cláudio- Pastor, nós fomos jurados de morte! Vamos voltar ao assunto QUE IMPORTA!
Lorena- Deixa de ser egoísta, Cláudio!
Caíque- Lorena!
Lorena- Tá, vou ser breve: Falei com ela quando fiquei com Caíque, depois quando namoramos,
porque dei o fora... Em tudo ela respondia... “Te entendo... Te entendo... Sei como é difícil... Posso
imaginar... Já sei o que é amar e não se sentir correspondida... Querer casar, namorar...” E daí ela
me perguntou: “Você já orou pra Deus?” E eu respondi: “não”. “Já pensou se esse é mesmo teu
príncipe encantado?”E eu disse: “com certeza!” “Você acha que Deus pensa o mesmo?” E eu disse:
“Sim!” “Já pensou em perguntar pra Ele?” E eu respondi: “não”. E daí ela disse:” Você tem que orar
pra que Deus te dê o teu príncipe encantado e não um sapo. Já ouviu sobre o “Escolhi esperar”?” E
daí eu não me lembro mais o que ela disse.
Pastor- Tá explicado então tudo...
Sérgio- Agora ficou claro! Ela quis te dar um chá de banco, te mandou sossegar o facho!
Lorena- Grosso!
Caíque- (aponta o dedo pra Lorena, falando com o pastor)- Ela ficou todos esses dias me
incomodando, me tocando, me agarrando e falando pra mim, nos ouvidos, que eu era o príncipe
dela, que a pastora tinha dito! Tava sendo até atormentado enquanto dormia! Eu ia dormir às noites
tremendo, suando frio. Orava pra Deus pedindo uma resposta, e eu orava, orava... Não queria ser
desobediente...
Pastor- Esclarecido! Continue você orando(aponta para Caíque) e você(Lorena) fique pelo menos
três meses orando até começar a namorar.
Lorena- Não! Eu não consigo!(começa a chorar)
Pastor- Duvido que não consiga orar uma hora por dia, desse jeito desesperada que está.
Lorena- Orar consigo, mas é que...
Pastor- Vai orar! Sem discussão!(volta seu rosto para os outros)- Mas que história é essa de jurado
de morte?
Cláudio- Meu coração estava partido...
Sérgio- Ele estava totalmente louco
Alice- Falta de sexo!
Cláudio- Deixa que eu explico!
Alice- Eu explico melhor
Sérgio- Deixe eu falar também
Pastor- Um por vez!
Cláudio- Como eu ia dizendo... estava enfurecido e... fui numa mãe-de-santo. Ela me prometeu
trazer meu amado em uma semana!
Pastor- Eu sempre digo, tinha que ter procurado uma igreja!
Cláudio- Pra ter o amor de volta?
Pastor- Até que no seu caso complica... mas se fosse uma menina, quem sabe... Pra que mandinga,
feitiço, eu pergunto pros outros? Basta pedir pra que o pastor ore. Igreja, oração, jejum e dízimo faz
o crente ter tudo. Quer ficar rico? Ore. Quer um carro do ano? Jejue. Quer uma mulher bonita?
Esteja na benção. Quer ser o presidente da República? Ore e jejue muito. Quer evangelizar a Ásia?
Obedeça seu pastor. É simples. A oração do pastor resolve tudo.
Cláudio- Como assim?! Até ter um homem de volta? Onde isso tá na Bíblia?!
Pastor- Essa é uma exceção. Tem muitas exceções que tão tudo na Bíblia.
Alice- Deixa eu explicar que ele é muito demorado: Ele tava com dor de corno, desesperado, e
resolveu fazer um batuque dos brabos. Não funcionou e ele se irou. Ele vinha à nossa casa nos
ameaçar. Na segunda vez que veio, disse – bem fora da casinha- que tinha entrado numa
organização satânica e encomendado via darknet um animal, digo, um ser humano.
Pastor- Você fez isso?
Sérgio- E muito mais! Planejou matar a Alice em um shabbath satânico, em até três semanas. Só
que se arrependeu.
Pastor- Se arrependeu como?
Cláudio- Dei um fora no anjo com quem eu tinha pacto. Era um cretino! C-R-E-T-I-N-O! Não valia
um tostão furado!(Começa a chorar) Como fui burro, sempre me iludindo com os homens!
Caíque- O anjo tentou cobrar dele mais outro ser humano, e ele disse não
Pastor-(interrompe) Graças a Deus
Caíque- Daí o anjo tentou o estuprar, mas ele clamou o nome de Jesus: Jesus, me salva!
Alice- E daí ele cancelou o pedido, mas daí a organização satânica não aceitou, e nos jurou tudo de
morte!
Cláudio-(relata chorando)- Minha mão esquerda ficou possuída e tentou com uma faca me matar!
Eu me defendia com a direita, mas foi uma guerra. Tentei ir no hospital e tentaram me matar, até
que fugi e encontrei meus antigos amigos.
Pastor- Mas vamos dar um fim nisso agora! A oração do crente tem poder! No sangue de Jesus vai
sair todos esses demônios! Vou pegar o óleo da unção.(Pega o óleo da unção em um armário e
meleca suas duas mãos) (começa a orar, de pé, com as mãos erguidas) Oh Senhor! Agora venho me
revistir de toda tua armadura e autoridade, pra repreender toda ação de Satanás e seus demônios!
Em nome de Jesus! (Então, com as duas mãos, as impõe de forma brusca sobre a cabeça de
Cláudio)(Cláudio e o pastor manifestavam)(Cláudio fica feminino e meigo, pastor feminino e
ousado)
Cláudio- Ai! Socorro de mim... Tenho sofrido e sofrido...(chora) Tenho buscado o amor e nada
encontro...(choro) Movido céus, terra, mares e ares por ti, Sérgio...(Tenta chegar pela frente de
Sérgio, se pondo de joelhos e beijando de seus pés até tentar subir para a perna inferior: necessidade
de ator sincronizar com a atuação de Caíque e do pastor, para interromper o beijo até a perna
inferior)
Pastor-(olha de forma maliciosa, cheio de segundas intensões, arrebita a bunda e rebola sobre os
quadris) Sérgio, gatão! É hoje que te pego pelo rabo, lambo, chupo e como!(gargalha) Vem que tô
fervendo!(Se vira e mostra a bunda rebolando sobre os quadris, para Sérgio)
Caíque- (Interrompe) Saí, em nome de Jesus! Tanto Cláudio quanto pastor caem pra trás e começam
a gritar.(Caíque pega o óleo da unção, se atrapalhando todo tentando acha-lo, enquanto isso, os dois
demônios falam)
Pastor- Vão me expulsar, ingratos?! Quem deu tanta alegria a vocês, hein?! Durante tantos anos?!
Sexo, drogas e rock’n’roll? Anos de vida fácil? Quem impediu que morressem de overdose, fossem
pro inferno? Foi Deus, por acaso?! Me vingarei, Vou infernizá-los até o fim!(Gargalha de
maldade)Eu voltarei, sete vezes pior!(gargalhadas) Nos braços do povo!(gargalhada)
Cláudio-(faz cara meiga, de piedade) Não, não, Não! (Começa chorar) Vocês sabem como é o
inferno? Lá é quente, sozinho, cruel, escuro, dolorido. (Faz voz muito doce e fina, chorosa) Vocês
vão me enviar pra lá? Pra ser torturado, machucado, abusado, estuprado? Vocês vão fazer essa
crueldade? Oh! Quem me dera poder voltar no tempo passado, os tempos gloriosos em que
desfrutava de alegria...Mas- OH!- Hoje, só dor, miséria, infelicidade... Só uma noite mais, Sérgio,
um beijinho... Quando você me toca- OH!- Eu me arrepio toda! Teu toque, tua carícia... Quem me
dera voltar aos tempos passados! Ouvir, como ouvia de ti, Sérgio, “Meu amor” ... Vocês vão fazer
a maldade de me enviar praquele lugar horroroso, frio, onde ninguém me ama? Por favor, não fira
mais meu coração! ( opcional, canta “Memory”, do musical Cats)
Caíque- (impõe a mão sobre Cláudio e depois o pastor)- Saí, em nome de Jesus, e não volte mais!
(Cláudio e pastor rolam um tempo no palco, dão uns tremeliques, falam três vezes em língua
estranha RAPAXIFEUSOFUJOSA e voltam ao normal, abrindo os olhos deitados)
Pastor-(se levanta) O que foi isso?
Cláudio- (alegre, voz histridente feminina)- Nunca me senti tão leve!
Sérgio- Saiu dois demônios de vocês!
Alice- É...
Pastor- (se arrumando, constrangido)- Faz um ano que não sou ministrado por alguém, entende? Os
demônios podem entrar, é só não cuidar!
Sérgio- O teu demônio deu em cima de mim! Que porcaria é essa?!
Pastor- Quer que eu controle um demônio que me possua?
Sérgio- Não, quero que não tenha demônio!
Pastor- Olha guri, não fui eu que saiu rolando pela grama de cueca!
Sérgio- Mas bem poderia!
Pastor- Mais respeito, eu sou autoridade aqui!
Pastor- Vocês vieram me incomodar e viu no que aconteceu? Se tivessem seguido o protocolo de
agendar um horário, nunca teria aparecido os demônios
Sérgio- Eles ficariam de fora da sala, pra entrar depois?
Pastor- Não é isso que quero dizer! No Reino de Deus tem regras: regras são regras.
Sérgio- Tô vendo, quero saber como entrou o demônio
Pastor- Ora, não é isso que você está pensando, não partilho do mesmo gosto que você!
Sérgio- Se fosse você, ficaria preocupado em começar partilhar.
Pastor- Não devo ter me desligado direito desde que orei por você
Sérgio- Agora a culpa é minha?
Pastor- Sei lá, devo orar mais pra saber a culpa disso tudo... Já sei! Só pode ser uma coisa, que ouvi
em guerra espiritual: espíritos de alta hierarquia!
Sérgio- O que que é isso?
Pastor- Você já ouviu que nem todo mundo tem unção pra expulsar qualquer demônio?
Sérgio- Não
Alice- Eu já
Pastor- Pois é, deve ser isso: vou pedir essa unção de outros profetas, pra orarem por mim...(Fala
bem sério, como que contando um segredo)- Dizem que certos apóstolos de igrejas que conheço já
endemoniaram também quando ministravam libertação a outros...
Caíque- Agora tá explicado... (fala assustado) Eu tenho essa unção?!
Pastor- Pelo visto sim: de agora em diante, tu ministra o Cláudio
Caíque- Eu?!
Pastor- É, basta ler a Bíblia, orar, jejuar, ouvir a Deus e confessar os pecados
Sérgio- Tô ainda sem entender...
Alice- Sérgio, pare de racionalizar as coisas!
Pastor- Mas voltando, pessoal, que história é essa de jurados de morte...
Caíque- A gente ficou sabe... um pouco com medo...
Alice- E então... Começamos a orar um pouco mais...
Sérgio- Como vou dizer... Dia e noite
Alice- E fazer uns jejuns...
Cláudio- Vamo direto ao ponto: todo mundo parou de comer e só ficou orando, apavorado
Alice- Até que chegou uma notícia que decidimos então falar contigo.
(Sérgio,Alice, Cláudio, Caíque e Lorena ficam num misto de tristeza e alegria)
Cláudio- Eu chorei muito...(chora)
Alice- (Fala sorrindo): meu meio-irmão morreu!
Pastor- Sua louca, como você está alegre?
Sérgio-( Rindo) Sabe o deputado Robervelinelson?
Pastor- Sim, minha tia votou nele, morreu nessa semana o candidato. O que uma coisa tem a ver
com a outra?
Alice- Era meu meio-irmão
Sérgio- Rico
Cláudio- Multibilionário
Caíque- Um baita dum ladrão
Pastor- Glória a Deus!
Sérgio- Um baita dum safado
Lorena- Adivinha com quem ele tava quando morreu?
Pastor- Eu lá vou saber?
Lorena-´Tava fazendo negociata no jatinho com o pessoal da organização que queria nos matar. O
avião caiu, graças a Deus. Paramos de ser perseguidos.
Alice- Eu acho que devia ser drogas o assunto
Cláudio- Ou talvez poderia ser sobre a indústria de armamento
Lorena- Ou exploração sexual
Caíque- Adulta ou infantil
Pastor- Como vocês sabem de todos esses esquemas que a justiça não sabe?
Alice- Fofoca de família, a melhor forma de investigar a vida alheia
Pastor- Mas ele não te ajudava, Alice? Não falava contigo?
Alice- Não, ele disse que não se misturava com gentalha. Que não falava com o ramo podre da
família. Me chamava de “ bastarda drogada”. Que não falava com drogadas, não sujaria sua imagem
Pastor- Mas ele então não era a favor da família e dos bons costumes?
(Alice se mata rindo) – Tinha uma amante em cada capital.
Pastor- Mas minha jovem, isso no Brasil não impede alguém ser a favor da família tradicional
Sérgio- Claro, desde séculos se come as empregadas
Pastor- Limpe sua boca.
Alice- Pastor... É o seguinte... Primeiro a gente ficou super feliz ao ver de herança todos bilhões nas
contas da Suíça e das Bahamas...
Pastor- Ele não tinha amantes e filhos?
Alice- Aí que tá: Ele tinha amantes, não reconhecidas
Pastor- Mas e os filhos?
Alice- Você é bobo? Se nós fomos jurados de morte pela organização que ele fazia parte, o que você
acha que ele fazia com elas?
Pastor- Não tinha mulher?
Alice- Nunca! Ele dizia que nenhuma piranha iria roubar o dinheiro que ele tanto se esforçou pra
conseguir.
Pastor- Filhos legítimos?
Alice- Ele dizia- para os íntimos- que as crianças eram = a origem da maldade na humanidade, que
tinha que cortar pela raíz o problema. O último sobrinho que tentou brincar com ele sumiu.
Pastor- E mãe e pai?
Alice- Desde que meu pai entrou no hospital, ele não sobreviveu. Idem a mãe dele.
Pastor- Isso é obra de Deus! Glória a Deus!
Sérgio- Pastor, o seguinte... A gente ficou feliz assim... mas, pensando melhor, não é justo a gente
receber esse dinheiro sujo...
Pastor- Que dinheiro sujo! O que Deus dá, Ele abençoa e limpa!
Caíque- Pastor, ele enriqueceu a base de tráfico de drogas, seres humanos e armas, redes
internacionais de pedofilia e exploração sexual, tráfico de órgãos, empresas de prestação de serviço
de assassinos profissionais, negócios imobiliários e transações bancárias
Pastor- Então era um empreendedor criativo!
Alice- À base de dinheiro público desviado
Pastor- Mas qual a porcentagem que ele cobrava?
Alice- Menos de 1% por licitação
Pastor- Alice, ele era um filantropo: esse preço ninguém pratica
Alice- Não era por bondade: é que outros políticos também cobravam sua participação.
Pastor- Mas ele foi investindo isso, certo?
Alice- Sim
Pastor- Pois é, Estado mínimo é o que precisamos! Se o dinheiro ficasse nos cofres públicos, é
óbvio que ele não seria investido: graças a Deus foi desviado
Caíque- Como assim?
Pastor- Você não vê que a economia brasileira precisa de mais investidores? O que seria do mercado
imobiliário sem os políticos corruptos? Você sabe quantos imóveis eles tem, dentro e fora da lei?
Lorena- Não tô entendendo
Pastor- A economia nacional quebra sem corrupção: Não há então mais licitação, as empresas que
sonegam fecharão com os impostos altos, o consumo das classes altas cai, para de haver reuniões da
elite cultural e econômica, a mídia para de ser financiada, tudo para de funcionar. Imagine um país
sem corrupção? Se o contrabando for combatido, não há mais camelô também. Sem corrupção, não
há mais tanta empresa de telemarketing pra vender seus produtos falcatruas. Não haveria mais
trabalho. Deus trabalha por linhas tortas.
Sérgio- Nós não achamos certo isso. Só vamos ficar com a parte do dinheiro que era herança do pai
da Alice.
Alice- É, a minha parte eu tinha gasto em drogas antes
Pastor- O que?!(Olha indignado) Vocês não vão aceitar a benção de Deus?!
Caíque- É o seguinte, vamos denunciar pra Polícia e Justiça todas as falcatruas, nós temos os papéis
Pastor- Vocês querem quebrar o país?!
Lorena- Como assim, quebrar?
Pastor- Investigue a corrupção no país e tudo quebra! Vocês são muito egoístas! Pensem nas
criancinhas da África! Nos perdidos da Ásia!
Sérgio- O que tu tá querendo dizer?
Pastor-( Fala exaltado, em êxtase) Com esse dinheiro, dava pra imprimir Bíblia pra todo planeta e
sustentar as Missões nos cinco continentes! Daí, eu não salvaria somente 2347 almas, mas bilhões
de almas! Vocês sabem a recompensa espiritual disso? Milhões e milhões de anjos nos servindo, os
salvadores da humanidade! (Olha pra eles, exaltado) Vocês tem o senso da missão dada a vocês? A
grandeza da oportunidade? (pastor ora em agradecimento a Deus)- Oh, Pai, te agradeço porque
quiseste revelar essas coisas aos pequeninos, tirando de sua boca perfeito louvor. Te agradeço por
usares aqueles que nada são para tão grandiosíssima obra. Vão é confiar no braço do homem.
Graças te damos, bom Deus, por tão grande oportunidade. (Começa a gritar “aleluia”, “ glória a
Deus”, entrando em frenesi. Nisso, ele começa cantar espontaneamente uma paródia de vinheta do
Exército de Brancaleone “Fama, fama, Poder, Poder, Nós vamos transformar as pedras em pães,
ÔôÔ...ôôÔ... Transformar as pedras em pães, fama e poder.”. Ele dança espontaneamente)
Pastor- Viu?! Dupla confirmação da vontade de Deus: uma música espontânea e uma dança no
espírito. Só me voltem pra Igreja com tudo pronto pra ofertarem em missões.! Se não for assim,
nem precisa voltar! Vocês tem que decidir entre esse orgulhozinho besta de vocês de quererem ser
honestos- esse egoísmo bobo- ou se sacrificarem em prol do Reino!
(Sérgio, Alice, Caíque, Lorena saem, assustados, olhando um para a cara do outro)
CENA X
(Sérgio, Alice, Caíque, Lorena, Cláudio juntos em uma sala com várias cadeiras em círculo,
conversando entre si. Sérgio e Alice estão no mesmo sofá, sentado um ao lado do outro. Alice está
com um bebê no colo. Lorena está sentada numa cadeira do lado da cadeira de Caíque, que tem uma
cadeira vazia ao seu lado. Cláudio está numa poltrona, um pouco próxima de Lorena. Enquanto
conversam, começa chegar outras pessoas, como Fernanda, Carla, Roberto)
Alice- O pessoal só tá falando mal da gente
Cláudio- Desde que a gente saiu, tão dizendo que a gente virou tudo satanista.
Sérgio- E que tínhamos tentado destruir o ministério do pastor
Lorena- Mal entrei, e descobri que crente também fofoca.
Caíque- E são criativos! Deviam escrever peças de teatro
Lorena- Acho que roteiro de cinema é melhor
Alice- Pior... Era uma maneira de conseguir dinheiro
Sérgio- Contratava de cada congregação os maiores loroteiros
Alice- Quanto mais cabeluda a história, mais vocação tem!
Lorena- Íamos ganhar o Oscar, Cannes... o Urso de Ouro
Alice- Eu poderia parar de vender bolos de copo na rua
Caíque- Alice, tu tem que procurar um trabalho, imagine se você não consegue mais vender bolo...
Alice- Só se as pessoas pararem de comer... O país não chegou nesse ponto... Trabalho não tem, mas
fome sempre vai ter, desde que o mundo é mundo.
Lorena- Mas e se outras pessoas começarem vender bolo de copo, o que tu vai fazer? Até eu já
pensei nisso pra parar de vender produtos cosméticos. Isso que vivo é uma escravidão.
Alice- Ah... Se outros começarem a produzir... Vamos virar um país de confeiteiros. Um terço do
PIB em confeitarias... Em vez de irem no shopping descarregar as mágoas, irão na confeitaria: um
bolo é muito mais barato que uma roupa, e chocolate sempre dá mais alegria.
Lorena- Principalmente quando os modelitos não cabem mais
Cláudio- Eu que o diga
Caíque- Mas vocês viram as últimas notícias em política?
Lorena- Sim, tô surpresa com todo apoio que ele tem levado.
Caíque- Dizem que a Igreja inteira estão apoiando o Räuberstein, em nome da moral e dos bons
costumes...
Cláudio- O Räuberstein?! Era da mesma organização que eu
Lorena- Cláudio, mas do jeito que tu fala, parece que todos presidentes eram da mesma organização
satânica que tu fez parte
Cláudio- Mas eram! Com exceção de dois, de uma organização rival: a concorrência é grande
Lorena- Mas quem nos sobra pra votar?
Cláudio- Em quem ninguém vota
(toca a campainha)(Caíque vai atender, é Carla)
Caíque- Olá! Bem vindo ao grupo!(Dá um beijinho de saudação, Lorena olha com ciúmes)
( Carla entra toda encolhida, com medo- de preferência, tremendo- ao espaço)
Carla- (Fala medrosa) É aqui..a..a reunião... a reunião...
Sérgio- Sim, pode ficar a vontade.(Se espreguiça no sofá, abraçando Alice)
Carla- Vocês é que são... os... como vou dizer... que saíram daquela igreja... como é o nome... Todo
mundo na cidade tá falando!
Cláudio- Como assim?
Carla- Virou assunto no conselho dos pastores.
Caíque- O que estão dizendo de nós?
Carla- Que vocês eram envolvidos nos negócios do Robervelinelson, de tráfico de drogas, pessoas,
armas e órgãos, bem como na exploração sexual adulta e infantil. A cidade toda tá falando
Lorena- Como assim? Não vai dizer que aquele pastor saiu inventando essas mentiras?
Alice- Lorena, acho que os outros pastores podem ter aumentado o que ele falou, e entenderam mal.
Sérgio- (fala irado)- E que porcaria de justiça que a gente tem! Denunciamos tudo, daí arquivaram
o caso e nos processaram, junto dos investigadores
Cláudio- (chora) E fomos jurados de morte de novo...
Caíque- Graças a Deus, caiu semana passada o avião daquele amigo do Robervelinelson
Lorena- Ainda bem que tiraram os processos então
Carla- Jurados de morte, que história é essa?
Alice- Não vale a pena explicar...
Carla- É verdade que vocês praticam orgias, são a favor do sexo livre e do uso de drogas?
Lorena- (fala irada)Quem inventou isso? Tô numa seca de mais de um ano! Onde você ouviu isso?
Carla- Nas fofocas do conselho de pastores
Lorena- O que você fazia no conselho de pastores?
Carla- Era secretária
Alice- Mas porque veio aqui?
Carla- Fui demitida
Caíque-Porquê?
Carla- Descobri a amante do pastor-presidente. Melhor dizendo, as duas amantes
Alice- Você está com emprego?
Carla- Não...(chora aos prantos)
Lorena-Você já pensou em escrever um livro?
Carla- (chorando) Como assim?
Lorena- Pensa comigo: Todo mundo no Brasil gosta de um escândalo. Quanto menor a pessoa é,
mais ela gosta de ouvir que o presidente teve um caso com o guarda, o pastor tem um jatinho
particular, aquele artista fez pacto com o diabo, Beltrano usava cocaína e explorava a mãe por isso...
Ninguém gosta de histórias de gente certinha. Você já ouviu o pessoal gostar da seguinte história:
João nasceu em uma família decente, honesta e trabalhadora. Teve ótimos pais, sempre foi
estudioso, se comportava na Igreja e não pecava. Casou com a pessoa certa e teve uma família
melhor que a de seus pais. Escreva uma história dessas e o livro não vende. Porém escreva: fulano
era um bastardo, que foi abandonado nas mãos do tio, que o estuprava e espancava. Ele fugiu para
as ruas e virou assaltante. Na rua, começou se prostituir. Se apaixonou tanto por homens quanto
mulheres. Para ter uma de suas amantes, ele vendeu a alma pro diabo. Sacrificou o seu vizinho
numa missa negra, porém sua amante era religiosa. Ela consegue convertê-lo, mas daí ela morre
numa emboscada satânica. Ele, no entanto, denuncia seus antigos comparsas e termina sua vida na
cadeia, injustiçado. Pronto! O livro vai vender, basta divulgar. Quanto mais a história real dum
pastor e suas amantes?
Carla- Nunca tinha pensado dessa maneira.
Lorena- Você já viu o povo gostar de político, artista ou pastor honesto? Nunca! É dos safados que
eles gostam.
Carla- Mas eu sempre aprendi a não falar mal das autoridades...
Sérgio- Mesmo quando é verdade?
Carla- Sim
Sérgio- Quem você acha que inventou essa regra?
Carla- Não sei, mas tem uns versículos...
Sérgio- A Bíblia não fala mal de autoridades?
Carla- Fala
Sérgio- Ninguém denunciava o que estava errado?
Carla- Denunciavam
Sérgio- E então?
Carla- Me disseram que isso é marxismo cultural...Bem... que... pensando melhor...
Alice- Vai por nós, direção de Deus. Vai fazer um bem pra Igreja e pra você.
(Toca a campainha de novo, Alice atende, deixando o bebê no colo de Sérgio, que o pega
atrapalhado, quase deixando cair no chão, fato pelo qual Alice o xinga; abrindo a porta, é Fernanda
e Roberto. Alice abraça e dá um beijo de boas-vindas em cada um, Fernanda está tímida, Roberto
perplexo, cara de “perdidão”)
Alice- Boa noite! Quem são vocês?
Fernanda- (cabisbaixa, mexendo os dedos)- Sou a Fernanda
Roberto- (nervoso, coçando a cabeça)- Meu nome é Roberto
Alice- Podem se sentar onde quiser.
(Fernanda se senta ao lado de Caíque, Lorena olha ciumenta. Roberto em outro lugar)
Lorena- Acho que é bom cada um de nós se apresentar...
Cláudio- Eu começo! Eu sou Cláudio, cabelereiro
Lorena- Eu, a Lorena, profissional liberal
Sérgio- Eu o Sérgio, modelo
Alice- Alice, muito prazer, microempresária
Caíque- Caíque, estagiário em depósito
Carla- Carla, ex-secretária e futura escritora
Fernanda- Eu sou a Fernanda, mas tipo... Minha profissão...
Lorena- Não precisa ter vergonha... Também já tive sem... Hoje vendo produtos cosméticos. Se
quiser, posso te ajudar a vender também
Fernanda- Não, não é isso... Eu sinto muita vergonha de contar...(começa a chorar)
Cláudio- Mas o que é de tão sério... É prostituição?
Fernanda- (chorando) não
Lorena- Tráfico de drogas, armas, órgãos...?
Fernanda- Não
Caíque- Trabalha em uma boate gay?
Fernanda- Não
Alice- É assessora política?
Fernanda- Não
Sérgio- Então, o que é?
Fernanda- Sabe...(fala chorando, como que desabafando) Desde pequena eu tinha um sonho... Mas
ouvia... Isso é coisa de endemoniada! Como você pensa nisso? Daí oravam e oravam por mim, pra
ser liberta da concupiscência! Até que chegou uma proposta irrecusável... E eu desviei...(chora aos
prantos) Eu não presto! Eu não presto! Troquei a Igreja por uma bolsa em(chora aos prantos) em...
em... Moda! Meu pai sempre dizia que eu ia desviar se continuasse desse jeito...(chora aos prantos)
Cláudio- Que lindo!
Fernanda- Lindo o quê?(chora) O que isso tem de lindo?(chora)
Cláudio- A faculdade de moda!
Fernanda- (chora) Você acha?
Cláudio- Com certeza! Você já viu as roupas por aí?
Fernanda- (chora) Sim...
Cláudio- Parece que as pessoas saem com umas roupas que dizem “Me coma”... Daí depois acusam
as outras de darem em cima. Precisamos de estilistas, tenho já um monte de cliente para você!
Fernanda- (Muda o rosto) Sério?
Cláudio- Umas clientes, coitadinhas, parecem que se vestem como a Lacraia, não tem senso do
ridículo. Você dá umas dicas pra elas e faz umas roupas legais, eu convenço elas abrirem a mão.
Fernanda- Muito obrigada
Roberto-(fala nervoso) Bem... Eu sou Roberto...E...Eu... Eu era da mesma igreja que a Fernanda e...
Tipo... Ouvi daqui... E eu tava com umas dificuldades, como vou dizer... Tava com um trabalho...
Como vou dizer... Sabe...
Fernanda(interrompe)- Ele era enólogo quando entrou na Igreja
Alice- O que que é isso?
Sérgio- Quem é especialista em vinhos
Roberto- Pois então... Eu estava falando... onde mesmo?
Cláudio- Não sei
Lorena- A gente falou sobre vinho
Roberto- Ah, é! Já tava cinco anos na Igreja, até que o pastor deu um ultimato: Teu trabalho ou a
Igreja! Aqui ninguém bebe vinho, é a visão da Igreja, e ponto final. Já tô sendo criticado no
conselho de pastores, ficam cochichando sobre mim
Roberto- E vim parar aqui, junto com minha amiga
(toca a campainha, alguém bate desesperado na porta, Sérgio vai abrir, é a pastora. Sérgio olha
espantado, a pastora está com muitas lágrimas nos olhos- truque do alho-)
Pastora-(Abraça Sérgio com força)- Sérgio!
Sérgio- Pastora!
Alice, Caíque, Lorena- Pastora?! O que tu tá fazendo aqui?!
Pastora- ( Vai pro centro da roda, se põe de joelhos chorando aos prantos, com as mãos juntas em
forma de súplica) Me perdoa! Me perdoa! Eu abençoo vocês!
Lorena- O que houve?
Pastora- O pastor, o pastor... Como vou dizer... Nesses últimos dias... Ele veio com um papo de
fogo... Que sentia um fogo do Espírito... Que não podia resistir... e...
Carla- (pergunta, com cautela) Você é a pastora do pastor que se separou, casando com a Maria da
Graça?
Pastora- Maria da graça uma ova! Aquele é o vandercleison, filho do presbítero Jeremias!
(Todos chocados, fazem OH!)
Carla- Mas aquilo não é uma mulher?
Pastora- É só aparência, imagem, maquiagem. O conselho de pastores exigiu que ele só aparecesse
com seu parceiro se maquiado, vestido de mulher, pela moral e pelos bons costumes
Cláudio-(faz cara de estranhamento) O vandercleison? Não me é estranho esse nome...(muda pra
cara de espanto, pondo a mão na boca) Ele também fazia parte da organização satânica!
Pastora- (chora aos prantos, durante um período prolongado, e fala choramingando) E sabe qual é o
lema agora da Igreja?!
Todos- Não
Pastora- A glória da segunda casa será maior do que a primeira!
Cláudio- E logo o Vandercleison! É um raio de feio...
( pastora se levanta e vai sentar numa cadeira, encurvada, chorando aos prantos)
Cláudio- (faz uma cara de espanto de novo)- Isso só pode ser bruxaria! (começa a chorar também
aos prantos) – Minhas maldições surtiram efeito! Todos punheteiros viraram boiolas! (Se lança no
colo da pastora e começa a chorar, com sua cabeça em cima das pernas da pastora)
Pastora- Eu disse pra ele parar de se masturbar, que era pecado... mas não me ouviu...(chora aos
prantos)
Cláudio- Vou jejuar! 40 dias sem comida! Jejuarei até a maldição ser desfeita! Eu fiz, eu desfarei!
Alice- ( irritada, dá uns tapas de leve na cara de Cláudio para ele voltar à realidade) Não
viaja(Cláudio volta aos prantos, no colo da pastora, e ela começa a acariciar, enquanto ele chora, os
seus cabelos )
Lorena- (olha com ciúmes para Cláudio, no colo da pastora) Cláudio, não fique assim colado na
pastora!
Cláudio-(Se dá conta e tira a cabeça do colo)- Me desculpe!
Pastora- Não foi nada
Carla- E eu que pensava que ele era uma mulher... Uma segunda esposa um monte de pastor tem,
mas segundo... É a primeira vez que ouço... Vou virar escritora!
Pastora- Meninos e meninas, eu dou a benção pra começarem aqui uma nova Igreja! Eu os abençoo,
vou ser uma das primeiras ovelhas!
Sérgio- Muito obrigado, o que vamos dizer...
Caíque- Acho que é melhor a gente começar o louvor, tá muito forte isso tudo...( leitura de Isaías
capítulo 60)
(Começam a cantar música própria, na vibe da temática de “Levante-se e resplandeça, porque a
glória do Senhor é sobre ti”; sem melhores sugestões, usar música própria)
Arise, arise, and shine 4x
The glory of the Lord is upon you 4x
Don’t fear because you’ll not be blame 4x
Play the trumpet on my mountain 4x
Come from the north, south, west and east 4x
Come, my people to my mountain 4x
Come to my feast 4x
(Atores se levantam enquanto cantam, então peça é encerrada com atores se despedindo. Música de
fundo, opcional, ao se despedirem, de Dancin’ Days de “As Frenéticas”, ou quem sabe “Hey
Brother” de Avicii, ou outra em vibe de alegria, otimismo e confiança)