atas ii mejor (2013)
DESCRIPTION
II Colóquio Internacional Mudanças Estruturais no JornalismoDe 7 a 10 de Maio de 2013 | Natal-RN, BrasilTRANSCRIPT
-
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Reitora
ngela Maria Paiva Cruz
Vice-Reitora
Maria de Ftima Freire de Melo Ximenes
II Colquio Internacional Mudanas Estruturais no Jornalismo
De 7 a 10 de Maio de 2013 | Natal-RN, Brasil
Comisso organizadora
Denis Ruellan
Fbio Pereira
Florence Le Cam
Itamar Nobre
Juciano Lacerda
Knia Maia
Ricardo Silveira
Tobias Queiroz
Capa
Afra de Medeiros
Editor
Tobias Queiroz
-
ndice
A participao do telespectador na produo da notcia em telejornal: transformao
do processo noticioso e da rotina profissional
Samira Moratti Frazo e Antonio Brasil 07
Participao popular e os valores notcia no telejornalismo: interao e cidadania
Adriana Moraes, Ana Carolina Rocha Pessoa Temer e Bernadete Coelho 23
Narrativa transmdia e novos processos produtivos jornalsticos
Elaide Martins 40
Identit journalistique et perceptions des auditeurs : modles en construction dans les
pays des Grands Lacs
Marie-Soleil Frre 57
Ombudsman em instituies de comunicao do Brasil e de Portugal: estudo emprico
sobre atividades desenvolvidas entre 1989-2012
Fernando Oliveira Paulino e Madalena Oliveira 77
Rotinas e identidades: deterioradas ou transformadas?
Antonio Fausto Neto 90
Le journalisme de donnes , une pratique d'investigation? Discours allemand et grec
en regard
Juliette Charbonneaux e Pergia Gkouskou-Giannakou 106
Reflexos do mobile no jornalismo
Karolina de Almeida Calado e Jos Afonso da Silva Junior 124
A atuao jornalstica em plataformas mveis. Estudo sobre produtos autctones e a
mudana no estatuto do jornalista.
Suzana Barbosa, Fernando Firmino, Leila Nogueira e Yuri Almeida 136
Journalistes sur Twitter entre autonomisation et normalization
Arnaud Mercier 153
-
Unidade possvel? A identidade profissional dos jornalistas brasileiros, distribudos
entre a mdia e as assessorias
Jacques Mick 179
O jornalista assessor de imprensa no contexto da comunicao organizacional
Juliana Bulhes e Juciano de Sousa Lacerda 193
Exister dans un espace communicationnel en formation. Facebook et Twitter comme
outils de travail du community management des sites dinformation en ligne sur
lEurope.
Florian Tixier 209
O audiovisual e o documentrio nos cursos de jornalismo
Renato Levi Pahim 227
Transformaes da prtica jornalstica pelos discursos institucionais: uma anlise das
Cartas ao Leitor da Veja, de 1968 a 2012.
Cristina Teixeira Vieira de Melo e Talita Rampazzo Diniz 242
Jornalismo de roupa nova: Consideraes sobre e a identidade e a prtica profissional a
partir do Prmio Imprensa Embratel
Milton Jlio Faccin e Soraya Venegas Ferreira 259
Estatuto do jornalista brasileiro: contornos e perspectivas para o futuro
Jos Ricardo da Silveira e Veruska Sayonara de Gis 274
Socialisation des journalistes en ligne et rapports aux sources: Analyse comparative
entre le Brsil et la France
Florence Le Cam e Fbio Henrique Pereira 288
Les carrires de journalistes saisies par les pratiques dentretien dans la recherche
franaise depuis les annes 1980
Gilles Bastin e Emmanuelle Gatien 307
O cotidiano dos jornalistas num contexto de transio: a produo de notcias sobre a
cidade do Rio de Janeiro nos jornais O Globo e Extra
Joo Batista de Abreu e Mariana de Almeida Costa 332
-
Etre journaliste dans la presse pornographique. Pratiques, comptences, thiques : entre
trajectoires professionnelles et trajectoires sexuelles
Batrice Damian 344
Manipulao, prtica profissional e deontologia na fotografia jornalstica:
identificando novos parmetros
Paulo Csar Vialle Munhoz 358
Dilemas ticos e condies de produo do Jornalismo: percepes a partir do exerccio
profissional
Edgard Patrcio 386
Sens des affaires et bon journalisme? La figure du journaliste-entrepreneur dans les
dbats sur le futur de la profession.
Renaud Carbasse 403
Um momento dialtico para o jornalismo
Francisco Jos Castilhos Karam e Vanessa Hauser 421
Diversit des acteurs de linformation locale natifs du web: le cas de Toulouse
Nikos Smyrnaios 435
Convergncia profissional: estudo de caso das transformaes no perfil do jornalista
Jan Alyne Barbosa, Lourdes Pereira e Rodolfo Ribeiro 451
A convergncia tecnolgica e o novo jornalista
David Renault 464
Jornalismo, redes sociais e movimentos de ocupao global: crise sistmica na
semiosfera contempornea
Felipe de Oliveira e Ronaldo Henn 481
Sindicalizao e identidade poltica dos jornalistas
Samuel Pantoja Lima 495
Les nouvelles formes dengagement militant des jeunes journalistes franais dans les
syndicats : que reste-t-il de la morale journalistique ?
Marie -Christine Lipani e Franois Simon 505
-
Jornalismo que tem lado: o caso dos "blogueiros sujos"
Liziane Guazina 518
Vocation et formation dans les carrires de journalistes: Une analyse longitudinale des
profils de journalistes franais sur le rseau LinkedIn
Gilles Bastin 536
Le discours de la Wan-IFRA : exhortation, prescription et disqualification des modles
organisationnels de lentreprise dinformation
Jol Langonn e Magali Prodhomme 551
O "jornalista" nos editais de concurso pblico: anlise dos perfis profissionais ensejados
Simone Mattos Guimares 566
Utilizao de blogs para cobertura jornalstica no Estado do Piau.
Maria das Graas Targino e Renata Silva dos Santos 581
-
7
II Colquio Internacional Mudanas Estruturais no Jornalismo.
Braslia: Programa de Ps-Graduao em Comunicao da Universidade de Braslia, 2013.
ISSN: 2237-4248
Disponvel em: www.surlejournalisme.com
A participao do telespectador na produo da notcia em telejornal: transformao do processo noticioso e da rotina profissional
Samira Moratti Frazo Antonio Brasil
Resumo: Com a insero do pblico no processo de produo da notcia por meio do jornalismo participativo a dinmica produtiva bem como a rotina profissional ganham novos rumos. O telespectador participa ao desempenhar, inclusive, a funo de reprter. Os jornalistas, por sua vez, verificam as informaes recebidas, transformando-as ou no em notcia. Nesse sentido, de que maneira a participao do telespectador pode alterar a produo da reportagem, bem como a rotina profissional? Toma-se como objeto emprico o quadro 'Parceiro do RJ', do 'RJTV 1 edio' (Rede Globo Rio de Janeiro), onde duplas de jovens da regio metropolitana do Rio participam da produo noticiosa. O objetivo analisar a forma como os participantes atuam, verificando diferenas em como os jornalistas produzem a reportagem para telejornal. O referencial terico composto por autores ligados aos estudos sobre gneros, jornalismo participativo e qualidade a destacar Jost (2004), Duarte & Castro (2007), Gillmor (2004), Becker (2005; 2009; 2012), entre outros. O objeto emprico foi analisado por meio de vdeos com base no mtodo Modos de endereamento, segundo Gomes (2011). Tambm foram realizadas entrevistas com representantes do telejornal durante visita emissora.
Palavras-chave: Jornalismo participativo; telejornal; modos de endereamento.
Introduo
Na primeira dcada do sculo XXI, quando a Internet alcanou maior
popularidade, o pblico telespectador brasileiro passou a dispor de outra relao com os
televisores e o contedo repassado. Este o momento, inclusive, no qual a televiso entra
em concorrncia com alternativas proporcionadas pela oferta de meios pelos os quais o
pblico pode interagir com os veculos de imprensa. Agora o telespectador assiste televiso
Jornalista. Mestranda no Programa de Ps-Graduao em Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Aluna pesquisadora do Grupo Interinstitucional de Pesquisa em Telejornalismo (GIPTele). O artigo um recorte de pesquisa em desenvolvimento no referido programa de Ps-Graduao, com orientao do Prof. Dr. Antonio Brasil. Contato: [email protected] Jornalista. Mestre em Antropologia Social, Doutor em Cincia da Informao, professor e pesquisador da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); lder adjunto do Grupo Interinstitucional de Pesquisa em Telejornalismo (GIPTele). Contato: [email protected]
-
8
enquanto navega na Internet e acessa as redes sociais por dispositivos como os tablets e
smartphones, por exemplo, opinando a respeito do contedo visto. De acordo com dados do
Instituto Brasileiro de Opinio Pblica e Estatstica (Ibope) 43% dos brasileiros usam a
Internet enquanto assistem televiso. Dessa parcela, 70% buscam mais informao na web
sobre o que esto assistindo (ROTHMAN, 2013).
A transio do telejornalismo analgico para o digital transforma seu lugar de
referncia, alterando a rotina produtiva e profissional com a insero de um novo agente
nesse processo (VIZEU; SIQUEIRA, 2010). Nesta fase da televiso e seus gneros e
subgneros, as emissoras convidam o pblico a participar da produo da notcia, no s
por meios considerados tradicionais pelo envio de sugestes de pauta, modo de
participao consolidado na histria dos veculos de imprensa brasileira (COUTINHO,
2012) como tambm pelo envio de fotos e registros audiovisuais.
Mesmo sem o conhecimento tcnico e terico adquirido pelos profissionais de
imprensa nas faculdades de jornalismo, o pblico passa a ser uma opo para os veculos
tradicionais que inclusive investem na capacitao do telespectador como produtor de
notcias. Na histria do telejornalismo brasileiro1 possvel vislumbrar exemplos da
participao do pblico seja via povo fala, telefone, cartas, em contato com os reprteres
nas ruas e, mais tarde, por sites e e-mails. possvel, ainda, analisar casos onde a principal
forma de relacionamento dos telejornais com o pblico seja o prprio ndice de audincia.
H tambm as emissoras que, impulsionadas pelas novas mdias e redes sociais, propem
selecionar e capacitar telespectadores que tenham interesse em atuar na produo da notcia
na funo de reprteres.
Com a insero do pblico nesse processo por meio do jornalismo participativo a
dinmica produtiva bem como a rotina profissional ganham rumos diferentes. No caso dos
telejornais, estes deixam de adotar uma comunicao exclusivamente unilateral, de um para
muitos (GILLMOR, 2004), passando a incluir os telespectadores na dinmica de produo
noticiosa, mesmo com limitaes, uma vez que cabe aos jornalistas verificar as informaes
recebidas. No entanto, essa participao interfere no processo, no que se refere s tcnicas
ou modos de fazer jornalismo tradicional, e na qualidade do produto. A iniciativa divide
opinies: para uns considerada uma inovao no modo de produzir informao; j para
outros seria a precarizao da mdia, no que diz respeito ao uso desses materiais e sua
qualidade.
1 Descrita em estudos tais como em Vizeu, Porcello e Coutinho (2010) e Mattos (2010), por exemplo.
-
9
Nesse sentido, de que maneira a participao do telespectador pode alterar a
produo da reportagem, bem como a rotina profissional? Toma-se como objeto emprico
o quadro 'Parceiro do RJ', do 'RJTV 1 edio' (Rede Globo Rio de Janeiro), telejornal onde
a iniciativa foi implementada. No quadro duplas de jovens da regio metropolitana do Rio
participam da produo noticiosa. O objetivo analisar a forma como os participantes
atuam, verificando diferenas em como os jornalistas produzem a reportagem para
telejornal. Para tanto, toma-se como referencial terico autores ligados aos estudos sobre
gneros, jornalismo participativo e qualidade. O objeto emprico foi analisado por meio de
nove vdeos (um de cada dupla) considerando o mtodo Modos de endereamento
(GOMES, 2011). Tambm foram realizadas entrevistas, durante visita emissora em
outubro de 2012, com jornalistas ligados ao quadro.
O telejornal no discurso televisivo
Desde o incio da televiso no Brasil na dcada de 1950, muitos foram os
telejornais criados e os formatos adotados, no s para personalizar e diferenciar os
telejornais de cada emissora, mas facilitar para o pblico telespectador a identificao visual
de cada um. Diante disso, faz-se necessria a explanao acerca do que vem a ser o gnero
e, entre os televisuais, o subgnero telejornal e seus formatos.
De acordo com as peculiaridades pertinentes aos meios audiovisuais os gneros
operam como reguladores e classificadores dos produtos produzidos. No caso do gnero
miditico h trs instncias e aqui se prestar ateno terceira: gneros radiofnicos,
gneros cinematogrficos e gneros televisuais (JOST, 2004). Tomados, ento, como
categorias discursivas e culturais que se delimitam por meio de gneros e subgneros e
formatos, so observadas especificidades do campo em questo. O mesmo acontece
televiso e os produtos produzidos especialmente para esse meio (DUARTE; CASTRO,
2007).
A fim de demarcar uma classificao dos gneros, subgneros e formatos
televisuais, Franois Jost (2004) ressalta em seus estudos a necessidade de entender o
conceito de mundos. O primeiro deles seria o mundo real, onde estariam os programas
cujas imagens sejam de acontecimentos reais. Por sua vez, o mundo da fico trata dos
fatos e imagens opostos realidade, fazendo com que o telespectador, ao assistir tais
imagens, identifique e tenha noo de que o que est sendo tratado na televiso se refira a
algo criado, sem atributos do mundo real. J o terceiro mundo, o ldico, estaria entre os
-
10
dois mundos, e constitui uma categoria intermediria, na qual h a mescla de informaes
reais e ficcionais.
Transportando esse conceito aos gneros televisuais, existem, portanto, trs
esferas nas quais os gneros so classificados: o do mundo real, correspondente meta-
realidade; o mundo ficcional, relativo supra-realidade; e o mundo ldico, que seria a para-
realidade (DUARTE; CASTRO, 2007). As emissoras possuem suas programaes, atravs
das quais so organizados os gneros, subgneros e formatos.
Cada subgnero apresenta formatos diferentes. O telejornal seria um subgnero
posto entre os programas jornalsticos, presentes na meta-realidade. Cabe ao formato
diferenciar os inmeros programas que podem ser classificados como subgneros, tanto no
que diz respeito s caractersticas estticas quanto semiticas (DUARTE; CASTRO, 2007).
No caso do telejornal duas modalidades podem ser identificadas: os telejornais de
transmisso em rede e os telejornais exibidos a nvel local e/ou regional.
Os telejornais de transmisso em rede popularizam-se durante o perodo da
ditadura militar. Eram transmitidos para as regies brasileiras via rede terrestre de micro-
ondas, uma vez que a transmisso via satlite ocorreu durante a dcada de 1980. A
proposta dos militares era a integrao por meio da televiso, seguindo a ideologia de
segurana nacional (COUTINHO, 2008, p. 91).
O decreto n. 52.795, de 1963, determina uma srie de obrigaes aos detentores
das concesses de rdio e TV, inclusive no que tange ao contedo como, por exemplo, a
produo de material audiovisual regional e local. A produo de telejornais locais e
regionais tambm est entre essas obrigaes. Apesar de a regulamentao ter sido criada
na dcada de 1960, no que diz respeito ao telejornalismo, somente na dcada de 1980 as
emissoras comearam a criar verses de programas jornalsticos regionais e locais.
Telejornais regionais e locais so meios de instituir um territrio de pertena, pelos quais os
telespectadores e anunciantes estabeleam laos de identidade, configurando o que
Coutinho (2008, p. 98) chama de jornalismo de proximidade.
H que se destacar, no entanto, diferenciaes entre telejornais regionais e
telejornais locais. Os primeiros so produzidos em parte da rea de penetrao do local
(em geral nas cidades-plo em que se localiza a sede da emissora) enquanto que os locais
seriam os produzidos na mesma rea de emisso do canal (COUTINHO, 2008, p. 101).
Todavia, h casos que mesmo com a presena de um telejornal regional em uma emissora
(que tambm conta com afiliadas) o telejornalismo praticado se volta mais para a localidade
onde est inserido fisicamente, como acontece no objeto emprico analisado, o 'RJTV'.
-
11
Apesar de transmitir algumas notcias sobre municpios do interior do Rio de Janeiro,
grande parte dos fatos noticiados diz respeito capital e cidades adjacentes. A presena do
cidado explorada nas notcias por meio do recurso do povo fala ou em quadros
temticos, formando uma identidade particular no s ao prprio telejornal como
emissora de um modo geral.
O telejornal local tambm supre a ausncia de um canal de comunicao entre a
comunidade e o poder pblico. Na medida em que h uma abertura para que o
telespectador faa suas denncias sobre o local onde mora, o telejornal expande sua funo
de ser no somente um meio informativo como um instrumento de prestao de servio,
razo pela qual as notcias com esta temtica tenham maior destaque durante o programa
(BECKER, 2012).
Como um dos temas investigados o jornalismo participativo, foi um dos
motivos, pois, para a escolha de um telejornal local, o 'RJTV 1 Edio'. Durante esta
escolha foi possvel analisar que os telejornais locais so mais abertos a experimentaes,
tais como o objeto emprico analisado adiante.
Jornalismo participativo: o pblico como produtor de contedo
Devido s recentes transformaes no jornalismo principalmente em funo do
surgimento de canais informativos na Internet , os veculos tradicionais adotam prticas
diferenciadas na produo da notcia, inclusive abrem espao para que o pblico colabore
nesse processo.
Apesar de haver vrias denominaes para designar essa participao, tais como
jornalismo cidado, cvico, comunitrio e open source (de cdigo aberto), cada um destes
conceitos possui particularidades e no devem ser tomados como sinnimos para um
mesmo movimento. Todos, no entanto, so unnimes ao se basearem na colaborao dos
usurios, muitas vezes leigos no que diz respeito s tcnicas jornalsticas. Entretanto aqui se
adota o conceito de jornalismo participativo para designar a participao dos
telespectadores no objeto emprico analisado, uma vez que por estarem vinculados
emissora como funcionrios, no se adequariam s particularidades apresentadas em outros
termos. Alm disso, a participao da qual o jornalismo participativo evoca seria encarada
por alguns pesquisadores como desprovida de ativismo, de engajamento. Para Silva (2011,
p. 4) neste caso ... os utilizadores vestem-se mais de uma indumentria social do que
-
12
poltica, evocando a necessidade de pertencer a uma comunidade de partilha, laos sociais e
interao.
O conceito de jornalismo participativo passa a ser usado com mais frequncia na
dcada de 1990, popularizando-se com o advento dos blogs e outros meios sociais de
comunicao disponveis na Internet, nos anos 2000. Est inserido no chamado Jornalismo
3.0, movimento no qual h a sociabilizao do contedo e dos prprios meios onde essas
informaes so veiculadas (VARELA, 2007). A partir da primeira dcada do sculo XXI
houve um crescente uso do recurso por parte dos meios tradicionais, como os jornais
impressos, revistas, rdio e a prpria televiso.
Enquanto nos ltimos 150 anos os meios de comunicao funcionavam seguindo a
lgica de um para muitos (inclui-se aqui a televiso) e de um para um (telefone, cartas,
e-mail e outras mdias sociais), a Internet por sua vez promove a comunicao de muitos
para muitos e de alguns para alguns (GILLMOR, 2004, p. 42). Nesse contexto, os
receptores tambm tm a possibilidade de ocupar papis variados, inclusive o de
produtores de contedo.
'Parceiro do RJ' e a capacitao do telespectador
Criado em janeiro de 1983, o 'RJTV', exibido pela Rede Globo do Rio de Janeiro,
foi desenvolvido para apresentar notcias locais e regionais com matrias de prestao de
servio e outros comentrios a respeito dos fatos mais importantes da regio metropolitana
no Rio de Janeiro e interior fluminense2. Atualmente a primeira edio transmitida ao
meio-dia, com durao mdia de quarenta minutos, enquanto a segunda edio vai ao ar s
19h, com quinze minutos de durao, ambas de segunda-feira a sbado.
Desde 1999 h um investimento no fortalecimento do jornalismo dedicado em
especial comunidade. Alm dos canais de retorno tradicionais como telefonemas e mais
recentemente e-mails e comentrios via site, a partir de 2001 houve uma abertura maior para
o recebimento da colaborao do pblico. Desde ento uma srie de quadros foi criada a
fim de fomentar a participao do telespectador na produo de contedo, como o caso
do 'Parceiro do RJ'. Lanado em 2011, na primeira edio telespectadores de nove
comunidades (Campo Grande, Complexo do Alemo, Cidade de Deus, Copacabana,
2 Informaes disponveis no site http://memoriaglobo.globo.com/. Acesso em 16 set. 2012.
-
13
Duque de Caxias, Nova Iguau, So Gonalo, Tijuca e Rocinha) atuavam como reprteres
e cinegrafistas3.
Os procedimentos de seleo dos candidatos foram feitos da seguinte forma: em
uma primeira etapa foi feita a avaliao dos perfis dos candidatos pela direo do telejornal.
Os aprovados passaram, ento, para uma segunda fase, na qual tiveram que responder
provas de portugus, conhecimentos gerais, raciocnio lgico e redao. Aps isso,
dinmicas em grupo foram realizadas com o propsito de conhecer outros aspectos
pessoais dos candidatos. Concluda a fase de testes, foram anunciadas as duplas que iriam
representar as oito comunidades iniciais. A ltima dupla representando a Rocinha foi
escolhida entre os meses de outubro e novembro de 2011. Cada dupla recebeu
treinamento, alm de uma cmera de vdeo e um microfone para realizar gravaes de
matrias em sua regio (BRETAS, 2012).
Os participantes foram capacitados com aulas para manuseio de cmera, noes de
produo de roteiro e treinamento de segurana (a fim de evitar buscar pautas
investigativas que colocassem sua vida em risco, uma vez que esse trabalho deveria ser feito
apenas por profissionais). Tambm receberam instrues ticas por meio de palestras e
oficinas. O trabalho realizado pelas duplas foi supervisionado por jornalistas. A primeira
transmisso do quadro foi ao ar no dia 1 de maro de 2011 (BRETAS, 2012).
Os jovens, no entanto, no atuavam voluntariamente. Foram contratados
temporariamente e remunerados pelas atividades. Trabalhavam quatro horas dirias, de
segunda a sexta-feira4. A primeira edio foi promovida entre os meses de maro de 2011 e
agosto de 2012. O 'Parceiro do RJ' poderia ser considerado com o que Silva (2011, p. 6)
chama de profissionalizao do jornalismo participativo, quando as empresas noticiosas
capacitam e instrumentalizam os indivduos integrantes do pblico para auxiliar os
jornalistas ao colaborar na produo da notcia.
Nos meses iniciais do projeto, o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do
Muncipio do Rio de Janeiro (SJPMRJ) e a Associao Profissional dos Reprteres
Fotogrficos e Cinematogrficos do Estado do Rio de Janeiro (Arfoc) se pronunciaram em
comunicado contestando a iniciativa. Em 29 de abril de 2011 as entidades formularam uma
carta de repdio, enviada posteriormente TV Globo. Em um dos trechos ambos os
3 Alm de monitorar o quadro por meio da anlise de vdeos com o intuito de compreender como era a produo, foram realizadas entrevistas com roteiro de perguntas previamente elaborado, porm com resposta aberta, junto ao Diretor Executivo de Jornalismo da TV Globo Erick Bretas, responsvel por idealizar o projeto. Por meio do Globo Universidade foi permitida a concesso da entrevista, realizada presencialmente na sede de Jornalismo da TV Globo, no Rio de Janeiro, em 22 de outubro de 2012. Aqui se optou por apresentar informaes sobre uma delas. 4 Disponvel em http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/parceiro-rj/noticia/2011/01/inscreva-se-para-ser-parceiro-do-rj.html. Acesso em 10 jun. 2012.
-
14
rgos intitulam a iniciativa promovida pela emissora como precarizao inadmissvel do
mercado de trabalho. Em reposta, a Central Globo de Comunicao emitiu nota
informando que a proposta do projeto nada tem a ver com a dita precarizao, sendo
objetivo do quadro dar voz s comunidades com a superviso de jornalistas. Informou,
ainda, que nenhum profissional foi demitido, e sim que novos postos de trabalho foram
gerados (SINDICATO..., 2011). Mesmo com as crticas dos sindicatos, foi dada
continuidade ao projeto durante aproximadamente um ano e meio, assim como prossegue
sua segunda edio.
A fim de garantir objetividade e minimizar os impactos provocados com a falta de
distanciamento dos participantes, o projeto contou com uma gerente de desenvolvimento
responsvel pelo treinamento deles antes e durante o quadro e um monitor de cinegrafia
para auxiliar os participantes no que diz respeito tcnica empregada para captao de
imagens. Outras duas profissionais foram destacadas para atuarem como jornalistas
responsveis por assinar conjuntamente as matrias produzidas, supervisionar a edio do
material5 e apurao, bem como a qualidade das imagens e sons captados e contedo da
pauta. Uma terceira jornalista tambm integrou a equipe responsvel por coordenar o
projeto em todas as instncias. Outros profissionais tambm eram destacados para
supervisionar alguma etapa do processo (por exemplo editor de imagens, editor de arte,
etc.). Cabia equipe responsvel inclusive equilibrar/selecionar o tema das matrias
produzidas (BRETAS, 2012).
Aliado entrevista, foram analisadas nove matrias em vdeo produzidas pelos
participantes, veiculadas na primeira edio do quadro. As reportagens foram escolhidas
aleatoriamente, observando a necessidade de analisar uma reportagem de cada regio
atendida pelo projeto. A anlise tanto do contedo quanto da performance dos
participantes foi guiada por meio do mtodo Modos de endereamento (GOMES, 2011).
Desenvolvido pelo Grupo de Pesquisa em Anlise de Telejornalismo da Universidade
Federal da Bahia, o mtodo considera os elementos tanto visuais quanto textuais e sonoros
da linguagem televisiva, a maneira como os programas so configurados, no que diz
respeito tcnica empregada e os recursos materiais utilizados em sua produo, ou seja, a
forma como o discurso do programa organizado e apresentado para o entendimento do
pblico receptor, interpretando, deste modo, a produo do programa.
Levando em conta que o gnero televisivo funciona como uma estratgia de
comunicabilidade (GOMES, 2001, p. 8) e guiado pela perspectiva terica e metodolgica
5 Aps a captao das imagens e elaborao da matria pela dupla participante, o material era posteriormente decupado em conjunto com os jornalistas na prpria emissora (BRETAS, 2012).
-
15
dos Estudos Culturais, o grupo desenvolveu trs mtodos de anlise e intepretao de
programas jornalsticos: estrutura de sentimento, gnero televisivo e modos de
endereamento. Para avaliar os vdeos foi de interesse, neste momento, conhecer e
interpretar o modo como o quadro 'Parceiro do RJ' se enderea ao seu pblico, como
constri seu discurso para que se oriente sua audincia.
No mtodo so sugeridos quatro operadores de anlise, considerando os elementos
caractersticos da linguagem televisiva:
1. O mediador: referente a quem so os apresentadores, comentaristas,
reprteres e correspondentes e os vnculos que podem estabelecer com os
telespectadores. O desempenho desses mediadores tambm considerado;
2. O contexto comunicativo: compreende o emissor e receptor da mensagem
repassada, bem como circunstncias temporais e espaciais onde/como se d
o processo comunicativo;
3. O pacto sobre o papel do jornalismo: a relao entre telejornal e
telespectador, no sentido deste tipo de programa dispor de um acordo
tcito do que oferecer ao pblico, com a atualizao dos valores e normas
objetividade, interesse pblico, ideia de verdade, etc. do Jornalismo
como instituio social;
4. A organizao temtica: como as notcias so organizadas em editorias e a
construo da proximidade geogrfica com sua audincia.
Com o uso do mtodo foi possvel identificar o modo de endereamento usado e
esmiuar as marcas discursivas de como os participantes atuam, enquanto as entrevistas
possibilitaram vislumbrar o papel do jornalista nesse processo e a alterao de sua rotina
profissional. No caso da anlise dos vdeos, a proposta no apresentar a descrio
tampouco espelho de cada matria, mas sim a anlise do conjunto das duplas, com
exposio de peculiaridades de uma ou outra, quando pertinente.
Modos de endereamento no 'RJTV 1a Edio'
O corpus composto por nove vdeos6, um representando cada dupla, foi analisado
com base nesses operadores e nas entrevistas realizadas, a fim de observar como se deu a
capacitao dos participantes e o papel do jornalista nesse contexto. Os vdeos selecionados
6 Os vdeos analisados foram disponibilizados no site do quadro, no endereo http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/parceiro-rj/. Os links de acesso das matrias apresentadas individualmente no artigo esto descritos no campo das notas.
-
16
foram exibidos nos meses de junho e julho de 2012, na etapa final de realizao da primeira
edio do quadro. A seleo das matrias escolhidas levou em conta principalmente o fato
de a maioria dos participantes j estar familiarizada com a rotina de produo, sendo
possvel, portanto, verificar o desempenho destes e as diferenas ou no entre o
trabalho feito por eles e o de profissionais que atuam nas mesmas funes (como reprter
e cinegrafista).
Mediador: Com idades entre dezoito e trinta anos, os jovens so moradores das
comunidades representadas. Embora no tenha sido um critrio obrigatrio, alguns dos
participantes j eram estudantes de Jornalismo (BRETAS, 2012), enquanto outros
desempenhavam profisses sem ligao com a rea. A participante da Rocinha, por
exemplo, era cabelereira7; j o participante da regio de Campo Grande era gari8 antes de
entrar para o projeto.
A proposta era de que os participantes no tivessem neutralidade frente aos temas
abordados, fato este identificado por meio da anlise dos vdeos, em momentos onde se
colocavam como personagens da matria, e comprovado via entrevista. "Ns no
queramos neutralidade. E eles no podem ser neutros, eles so parte" (BRETAS, 2012).
A informalidade dos participantes era presente tanto nas vestimentas, joviais, com
uso de acessrios (no caso dos homens era permitido inclusive o uso de bon9), quanto na
linguagem, marcada por sotaques e grias. Ao fazer uma das passagens da matria sobre a
histria de ocupao da Rocinha10, a participante que desempenhava a funo de reprter
se dirige ao telespectador da seguinte forma: Ento estamos aqui no Largo do Boiadeiro.
Vem comigo, 'vamo' [sic] conhecer a famosa feira, e 'vamo' [sic] comer alguma coisa que eu
sou filha de nordestino, n?.
Exceto a dupla da Rocinha, com menor tempo de atividade em comparao com as
demais duplas, notou-se que entre os participantes veteranos h exemplos de manuteno
das caractersticas peculiares do projeto: engajamento no sentido de se colocarem como
personagens da matria, como indivduos que tambm sofrem com os problemas de
infraestrutura apresentados, mesmo que no sejam diretamente atingidos. J outras duplas,
7 Matria Dupla de Parceiro do RJ que vai representar a Rocinha escolhida, publicada em 16 dez. 2011: http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/parceiro-rj/noticia/2011/12/dupla-de-parceiro-do-rj-que-vai-representar-rocinha-e-escolhida.html. Acesso em: 3 mar. 2013. 8 Matria Veja a dupla escolhida de Campo Grande para o Projeto Parceiro do RJ, publicada em 18 de fevereiro de 2011: http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/parceiro-rj/noticia/2011/02/veja-dupla-escolhida-de-campo-grande-para-o-projeto-parceiro-do-rj.html. Acesso em: 14 jan. 2013. 9 Como o caso de Ricardo Fernandes, da Cidade de Deus. Disponvel em http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/parceiro-rj/noticia/2012/07/parceiro-do-rj-conhece-o-cinema-produzido-na-cidade-de-deus.html. Publicada em 20 jul. 2012. Acesso em: 14 jan. 2013. 10 Matria Parceiro do RJ conhece histria da ocupao da Rocinha, publicada em 26 jul. 2012: http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/parceiro-rj/noticia/2012/07/parceiro-do-rj-conhece-historia-da-ocupacao-da-rocinha.html. Acesso em: 3 mar. 2013.
-
17
como foram os casos de So Gonalo e Campo Grande, notou-se um interesse por parte
dos participantes em serem mais isentos, em distanciar-se do tema reportado, seja na
postura adotada para reportar os fatos, seja no discurso textual empregado nas matrias.
Em outro exemplo a mudana perceptvel foi quanto vestimenta: a representante de
Nova Iguau, ento reprter, usa um terno feminino11 como traje e tenta adotar postura
semelhante a de um reprter (com reduo de gesticulaes, por exemplo).
Contexto comunicativo: Como os participantes moram nas regies de onde
reportam os fatos, notou-se que possuem mais liberdade ao abordar as fontes,
demonstrando maior proximidade na relao entre participantes, emissores da informao,
e receptores. A relao presente no discurso textual entre jornalistas (apresentadores) e
participantes tambm informal em certa medida, provocando no telespectador o
sentimento de pertena (COUTINHO, 2008). Ainda na matria sobre Nova Iguau, ao
final da reportagem, em nota-p, o jornalista que atua como comentarista na ocasio diz o
seguinte:
Bem, a prefeitura diz que vai mandar l secretarias, vai mandar equipe da secretaria de transportes e tambm de servios pblicos pra fazer uma vistoria na cidade, pra descobrir onde esto os problemas. Poxa, s dar uma olhadinha ai nos 'Parceiros' pra saber onde esto os problemas12.
Pacto sobre o papel do Jornalismo: Das matrias analisadas notou-se que as
duplas de So Gonalo13, Cidade de Deus (idem nota 11) e Campo Grande14 foram mais
moderadas ao demonstrar falta de distanciamento. Apesar de haver a existncia de
elementos que os caracterizem como sendo indivduos integrantes da realidade
apresentada, seja nas vestes ou na linguagem, nesses trs casos notou-se formalidade na
conduo do discurso (no propriamente na aparncia fsica) em comparao com outras
duplas. Nas demais matrias a falta de distanciamento maior, presente no discurso textual,
vide os seguintes exemplos:
Participante Nova Iguau: A dificuldade realmente absurda. Alm da calada ser muito esburacada, tem a barraca de ambulantes, tem esgoto, gua, e 'c' [sic] tem que disputar espao com as pessoas e com os ambulantes.15
11 Matria Parceiro do RJ mostra a dificuldade de locomoo em Nova Iguau, publicada em 3 jul. 2012 http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/parceiro-rj/noticia/2012/07/parceiro-do-rj-mostra-dificuldade-de-locomocao-em-nova-iguacu.html. Acesso em: 14 jan. 2013. 12 Idem nota 13. 13 Matria Parceiro do RJ mostra ponte improvisada em So Gonalo, publicada em 27 jul. 2012: http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/parceiro-rj/noticia/2012/07/parceiro-do-rj-mostra-ponte-improvisada-em-sao-goncalo.html. Acesso em 14 jan. 2013. 14 Matria Parceiro do RJ mostra universidade em espao provisrio h 7 anos, publicada em 18 jul. 2012: http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/parceiro-rj/noticia/2012/07/parceiro-do-rj-mostra-universidade-em-espaco-provisorio-ha-7-anos.html. Acesso em: 14 jan. 2013. 15 Referncia idem nota 13.
-
18
Participante Duque de Caxias: E a situao to precria que o conselho que fica aqui em Duque de Caxias proibido ficar doente.16
No caso das matrias da editoria de Servio17 o espao concedido para que o poder
pblico (prefeituras, governo e demais secretarias que os compem) se pronuncie feito
via nota-p, pelo apresentador em questo. Das nove matrias analisadas, quatro (Nova
Iguau, Campo Grande, Duque de Caxias e So Gonalo) so da editoria de Servio.
Nestas o espao concedido s fontes afetadas pelos problemas superior ao tempo
concedido s autoridades. Dos 14 minutos e 37 segundos, tempo total das quatro matrias,
54 segundos foi o tempo total destinado para o pronunciamento das autoridades
responsveis por solucionar as denncias apresentadas nas quatro oportunidades (uma
mdia de 10 segundos para cada direito de resposta). Em dois casos inclusive a nota-p deu
lugar, ainda, aos comentrios sobre o fato por parte dos jornalistas do telejornal.
Organizao temtica: Dividido em quatro blocos com durao mdia de dez
minutos cada, o telejornal 'RJTV 1 Edio' apresenta notcias com temas variados sobre a
regio metropolitana do Rio de Janeiro. A principal editoria a de Servio, fato que
tambm reflete nas pautas abordadas no quadro Parceiro do RJ. No que concerne
anlise quantitativa, realizou-se a contagem das matrias publicadas no site do quadro, no
perodo de realizao de sua primeira edio18. Durante esse perodo foram veiculadas 187
matrias em 2011 e 131 em 2012, totalizando 318 matrias em vdeo, inseridas
posteriormente no site do 'Parceiro do RJ'19. Das mais de trezentas matrias veiculadas, 166
esto inseridas na editoria de Servio. Outra editoria com quantidade elevada de matrias
foi Cidadania (notcias sobre projetos voluntrios promovidos na comunidade pelos
prprios moradores ou por terceiros, que privilegiassem a comunidade; num total de 50
matrias) seguida de Cultura (matrias que contemplassem a cultura local, seja msica,
festas, dana ou religio; 48 matrias). As demais editorias tiveram menor
representatividade. Das nove matrias analisadas, quatro so enquadradas na editoria de
Servio (Nova Iguau, Campo Grande, Duque de Caxias e So Gonalo), trs na editoria
16 Matria Parceiros do RJ mostram hospitais de Duque de Caxias sem atendimento, publicada em 19 jul. 2012: http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/parceiro-rj/noticia/2012/07/parceiros-do-rj-mostram-hospitais-de-duque-de-caxias-sem-atendimento.html. Acesso em: 14 jan. 2013. 17 Compreende as matrias sobre infraestrutura precria dos locais, incluindo atendimento da sade, transporte e educao ofertados populao de cada regio. 18 Anlises quantitativas posteriores foram realizadas em outros estudos, a citar Soares & Becker (2011) e Guimares (2012), porm de perodos distintos de veiculao das matrias. O que se prope neste momento apresentar uma anlise quantitativa mais ampla, compreendendo o incio e fim de produo das matrias feitas exclusivamente pelos participantes da primeira edio do quadro. 19 Foram excludas da contagem as matrias sobre a seleo de novos participantes e da despedida destes da primeira edio, uma vez que essas reportagens foram produzidas por jornalistas da prpria emissora.
-
19
de Cidadania (Complexo do Alemo, Tijuca e Copacabana), uma na editoria de cultura
(Cidade de Deus) e uma de Histria (Rocinha).
As duplas com maior produo durante o perodo de exibio da primeira edio
do projeto foram Campo Grande, com 48 matrias, seguida da dupla do Complexo do
Alemo, com 44 matrias. Por ter sido escolhida tardiamente e tendo sua produo restrita
em 2012, a dupla da Rocinha foi a que menos produziu matrias (16 no total). As demais
duplas produziram entre trinta e quarenta matrias durante o mesmo perodo.
Um dos pontos em evidncia a produo elevada de matrias inseridas na editoria
de Servio; compreensvel se considerar o papel social atribudo aos programas jornalsticos
na ausncia do poder pblico.
O pblico recorre televiso para alcanar aquelas coisas que as instituies no garantem: justia, indenizaes, ateno. difcil afirmar que a televiso seja mais eficaz do que as instituies para assegurar essas demandas, mas sem dvida parece ser, uma vez que no precisa ater-se a adiamentos, prazos, procedimentos formais que retardem ou transfiram as solues. (SARLO, 2000, p. 77).
Apesar de possuir um vis fiscalizador, esse tipo de jornalismo deve ser mais
contextualizado a fim de no banalizar seu papel enquanto catalisador da mudana social e
lugar para a promoo da esfera pblica:
A informao de fatos relevantes para a sociedade ponto central da atividade jornalstica e pressupe um respeito ao interesse pblico, um compromisso com a divulgao do que sirva para benefcio comum, ou do que se imponha como necessidade coletiva. As relaes das empresas de comunicao com os poderes pblicos e privados limitam a construo de relatos jornalsticos, assim como as condies de produo, e os recursos financeiros disponveis para serem investidos em matrias mais elaboradas. No podemos compreender o jornalismo como uma atividade filantrpica, a notcia um produto, mas h possibilidade de trabalhar os contedos jornalsticos, garantindo lucros, com notcias mais contextualizadas. (BECKER, 2009, p. 107)
No h um consenso para definir o que seria o telejornalismo de qualidade. Se para
as emissoras as melhorias em aspectos tcnicos como imagem e som so primordiais, no
mbito tico o contedo da pauta e a forma como estruturada so ainda mais
importantes. Para Becker (2005, p. 63) o telejornalismo de qualidade se d quando em uma
cobertura jornalstica h "... pluralidade de interpretaes e a diversidade de temas e atores
sociais", engendradas por meio de pautas contextualizadas, com mltiplos vieses a respeito
de determinando assunto. No entanto, a fragmentao dos fatos diante da limitao no
tempo destinado s pautas telejornalsticas impossibilita o aprofundamento dos fatos,
cabendo ao telespectador buscar mais informaes em outros meios.
-
20
Nessa perspectiva, entende-se a caracterizao do telejornalismo como de qualidade
quando h o uso de uma gama de fontes sobre determinado tema, ampliando o leque de
verses sobre um mesmo fato. No caso das matrias analisadas, especialmente as da
editoria de Servio, notou-se que apesar do uso elevado de fontes, estas pendiam para um
dos lados apresentados, notadamente reforando as denncias feitas, em detrimento do
nmero reduzido de fontes consultadas para solucionar o problema.
No caso da matria de Nova Iguau20, sobre a falta de mobilidade nas caladas da
regio e a ausncia de espaos adequados para a populao aguardar nibus, foram
consultadas seis fontes. Cinco eram passageiros aguardando a conduo nas caladas, alm
da Secretaria de Transporte e Servios Pblicos, representando o poder pblico. Apesar do
tema relevante, a matria poderia ter explorado outras fontes como um arquiteto e um
engenheiro, os quais poderiam propor solues para criar ambientes adequados em espaos
reduzidos. Como o telejornal tambm se reporta aos telespectadores da capital e demais
municpios da regio metropolitana, seria interessante, ainda, o pronunciamento de outras
secretarias municipais sobre o assunto. Ou propor uma matria conjunta entre duplas,
fiscalizando a mesma situao nas demais regies abrangidas pelo projeto e as propostas de
especialistas para a resoluo do impasse.
Embora a proposta definida seja a veiculao diria do quadro, em uma mdia de
trs minutos por edio, seria interessante a proposio de edies semanais com maior
durao (uma edio por semana do quadro com at oito minutos), expondo no s a
opinio do cidado como de especialistas sobre cada assunto, bem como das autoridades
que devem solucionar os temas, no caso de pautas de Servio. Desse modo, haveria maior
contextualizao e aprofundamento de determinados temas, com aumento do alcance de
vrios telespectadores que o 'RJTV 1 Edio' pode atingir.
Consideraes finais
vlido ressaltar a importncia dos jornalistas na superviso do contedo
produzido pelos telespectadores participantes, no caso desta iniciativa, bem como nos
demais exemplos de jornalismo participativo existentes nos mais variados veculos. A
participao do telespectador pode ser considerada como um modo de incorporar esse ator
social no processo noticioso, indo alm do telespectador no discurso como fonte. Permitir
sua participao corresponde ao cenrio atual vivenciado tanto pelo pblico quanto pelos
20 Referncia idem nota 13.
-
21
veculos de imprensa. Apesar de recente e ser apontado como inovador, no se pode
afirmar at quando e de que modo o jornalismo participativo continuar a ser adotado.
Na contemporaneidade e a exemplo do modelo adotado por outros veculos de
imprensa, a adeso da participao dos telespectadores, porm sob a superviso de
profissionais, necessria para a renovao do discurso jornalstico, resguardando o padro
j adotado por cada empresa de comunicao. Embora dialogue sobre o ambiente online,
Gillmor (2004) tambm enfatiza a importncia de o pblico produtor de contedo
caminhar lado a lado com profissionais, estes ltimos subentendidos como aptos a
praticarem um jornalismo com iseno, objetividade e tica. Apesar de aceitar a
colaborao dos telespectadores, o jornalista quem ainda dar a avaliao final do que
ou no relevante para ser noticiado, de como ser exibido e inserido no telejornal.
Referncias
BECKER, B. Jornalismo audiovisual de qualidade: um conceito em construo. Estudos em Jornalismo e mdia, ano VI, n 2, 2009, p. 95-111. Disponvel em: . Acesso: 5 out. 2012. BECKER, B. Telejornalismo de qualidade: um conceito em construo. Revista Galxia. So Paulo, n. 10, dez. 2005, p. 51-64. Disponvel em: < http://revistas.pucsp.br/index.php/galaxia/article/view/1428>. Acesso: 20 jun. 2012. BECKER, B. Todos juntos e misturados, mas cada um no seu quadrado: um estudo do RJTV 1 edio e do Parceiros do RJ. XXI COMPS: Juiz de Fora, 2012. Anais... Comps, 2012. Disponvel em: . Acesso em: 10 ago. 2012. BRETAS, E. Erick Bretas: depoimento [22 out. 2012]. Entrevistadora: Samira Moratti Frazo. Rio de Janeiro, 2012. COUTINHO, I. Telejornalismo e identidade em emissoras locais: a construo de contratos de pertencimento. In: VIZEU, Alfredo (org.). A sociedade do telejornalismo. Petrpolis, RJ: Vozes, 2008, p. 91-107. COUTINHO, I. Telejornalismo e Pblico: Sobre vnculos com o cidado, convertido em audincia. In: PORCELLO, Flvio; VIZEU, Alfredo; COUTINHO, Iluska (orgs.). O Brasil ()ditado. Florianpolis: Insular, 2012, p. 21-42. DUARTE, E. B.; CASTRO, M. L. (orgs). Comunicao Audiovisual - Gneros e formatos. Porto Alegre/RS: Editora Sulina, 2007. GILLMOR, D. Ns, os media. Lisboa: Editorial Presena, 2004. GOMES, I. M. M. G. (org.). Gneros televisivos e modos de endereamento no telejornalismo. Salvador: EDUFBA, 2011. GUIMARES, L. L. As novas aproximaes entre telejornal e audincia: a participao do pblico no quadro Parceiro do RJ. 10 ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISADORES EM
-
22
JORNALISMO. Curitiba/PR: PUC, nov. 2012. Anais... SBPJor, 2012. Disponvel em: . Acesso em: 17 jan. 2013. JOST, F. Seis lies sobre televiso. Porto Alegre: Sulina, 2004. MATTOS, S. A evoluo histrica da televiso brasileira. In VIZEU, Alfredo; PORCELLO, Flvio; COUTINHO, Iluska (orgs.). 60 anos de telejornalismo no Brasil: histria, anlise e crtica. Florianpolis: Insular, 2010, p. 23-55. ROTHMAN, P. TV do futuro ter tablet como segunda tela. Info, 16 jan. 2013. Disponvel em: . Acesso em: 18 jan. 2013. SARLO, B. Cenas da vida ps-moderna: intelectuais, arte e videocultura na Argentina. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2000. SOARES, L. C. A. S.; BECKER, B. Participao da audincia e qualidade do telejornal: um estudo do quadro Parceiros do RJ. 9. ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISADORES EM JORNALISMO E 1 ENCONTRO NACIONAL DE JOVENS PESQUISADORES EM JORNALISMO. Rio de Janeiro, ECO, nov. 2011. Anais... SBPJor, 2011. 19p. CD-ROM: sound, color, 4 3/4 in. SINDICATO contesta precarizao da mdia. Associao Brasileira de Imprensa, 2 maio 2011. Disponvel em: . Acesso em: 14 ago. 2012. SILVA, C. iReport: uma anlise do jornalismo participativo no site da CNN. 9. ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISADORES EM JORNALISMO E 1 ENCONTRO NACIONAL DE JOVENS PESQUISADORES EM JORNALISMO. Rio de Janeiro, ECO, nov. 2011. Anais... SBPJor, 2011. CD-ROM: sound, color, 4 3/4 in. VARELA, J. Jornalismo participativo: o Jornalismo 3.0. In: ROJAS ORDUA, Octavio I. (et al.). Blogs: revolucionando os meios de comunicao. So Paulo: Thomson Learning, 2007, p. 41-98. VIZEU, A.; SIQUEIRA, F. C. O telejornalismo: o lugar de referncia e a revoluo das fontes. In: VIZEU, Alfredo; PORCELLO, Flvio; COUTINHO, Iluska (orgs.). 60 anos de telejornalismo no Brasil: histria, anlise e crtica. Florianpolis: Insular, 2010, p. 83-99.
-
23
II Colquio Internacional Mudanas Estruturais no Jornalismo.
Braslia: Programa de Ps-Graduao em Comunicao da Universidade de Braslia, 2013.
ISSN: 2237-4248
Disponvel em: www.surlejournalisme.com
Participao popular e os valores notcia no telejornalismo: interao e cidadania
Adriana Moraes Ana Carolina Temer
Bernadete Coelho
Resumo: Este trabalho se constitui numa reflexo sobre a cidadania nos meios de comunicao, mais especificamente na televiso. Est fundamentado no princpio de que a participao do telespectador no contedo do telejornal deve configurar-se como um direito e, portanto, na garantia de cidadania. O trabalho expe como os jornalistas podem interferir na prtica da cidadania a partir dos critrios de noticiabilidade que moldam a rotina desses profissionais no processo de produo da notcia veiculada no telejornalismo. O objeto da pesquisa o quadro 'Quero Ver na TV', criado pela Televiso Anhanguera, afiliada da Rede Globo, para ser um canal de interatividade entre os telespectadores e os jornalistas. Palavras-chave: Cidadania, Interatividade, Telejornalismo.
Introduo
A grande maioria dos brasileiros ainda se informa basicamente pelo que mostrado
na televiso e o telejornal tem parcela importante nesse processo. O telejornal o
jornalismo feito na e para a televiso, e, portanto carrega consigo um carter duplo: entreter
como televiso e informar como jornalismo. Em termos gerais isso significa que o
telejornalismo tem caractersticas bem definidas: linguagem fcil, uso de imagens para
mostrar a notcia, abordagem de temas de interesse de um grande e diversificado pblico
que so apresentados atravs de uma espcie de roteirizao ou dramatizao, facilitando o
entendimento do telespectador. pelo telejornal que o cidado toma conhecimento do que
est acontecendo no bairro, na cidade, no pas e no mundo. Segundo Vizeu (2005), o
Jornalista Mestre em Comunicao-Mdia e Cidadania pela Universidade Federal de Gois. E-mail: [email protected]. Jornalista Doutora e Mestre em Comunicao Social pela Universidade Metodista de So Paulo.Professora do Programa de Ps-Graduao da Facomb- Universidade Federal de Gois. E-mail: [email protected] Jornalista Mestranda do curso de Ps-Graduao da Facomb-Mdia e Cidadania pela Universidade federal de Gois. E-mail [email protected]
-
24
telejornalismo pode ser considerado um lugar para os brasileiros muito semelhante ao da
famlia, dos amigos, da escola, da religio e do consumo. Assistimos televiso e vemos o
mundo, ele est, ele nos v.
Apesar da hegemonia que a televiso de sinal aberto1 ainda mantm2 quando se fala
de alcance da notcia, ela vem sendo ameaada com o surgimento e difuso das novas
tecnologias de comunicao. Internet, celulares, TV digital ou mquinas digitais portteis
revolucionaram a maneira de ter acesso informao e deixaram o cidado mais prximo
da notcia, com possibilidade at de interferir no contedo, como no caso da internet. O
acesso facilitado informao refletiu diretamente no comportamento do indivduo e
favoreceu o desenvolvimento de um novo paradigma na comunicao a medida que
apresenta um potencial interativo. O receptor est agora mais vido por informaes,
atualizadas e instantneas e quer ser participante ativo na disseminao de informao.
Percebendo essa mudana de comportamento e temendo a preferncia pelas novas
tecnologias, as emissoras de televiso buscam o receptor, incentivando cada vez mais a
participao no contedo miditico para garantir a audincia. Devemos olhar essa
participao tambm como uma mudana social, j que a relao entre cidado e a mdia
faz parte de um processo histrico dos direitos do cidado e, consequentemente, da
cidadania.
O telejornal busca esse novo caminho, pois sempre foi um meio onde o cidado
pouco podia interferir no processo de produo, como a escolha de temas e assuntos que
devem virar reportagens, sugestes, opinio. Apesar da mudana ainda ser tmida, os
telejornais acenam cada vez mais com instrumentos que permitem a participao do
telespectador nas edies dirias. Vdeos, fotos, depoimentos via internet ou sugestes de
reportagem enviadas pelo pblico esto sendo bem vistos pelos jornalistas das redaes.
Mas at que ponto esta audincia participativa3 pode realmente ser um fator
decisivo na seleo, produo, construo e exibio da notcia dentro de um telejornal? A
pesquisa que aqui apresentamos procura identificar como acontece essa interao se os
prprios jornalistas da redao de uma televiso de canal aberto tm rotinas produtivas e
critrios de noticiabilidade para decidir o que uma notcia digna de ser veiculada. At
que ponto esses critrios podem ser uma barreira para a participao do telespectador no
1 Sem, qualquer tipo de restrio para a obteno do sinal, ou seja, acessveis por meio de aparelhos de televiso sem nenhum tratamento especial ou equipamento adicional. 2 A televiso no Brasil teve grandes ndices de audincia nas ltimas trs dcadas do sculo XX, mas atualmente enfrenta a concorrncia de novos veculos, como a televiso codificada a cabo ou via satlite e a prpria internet, alm, claro, de veculos mais tradicionais como o rdio e mdias impressas. 3 Consideramos que fazem parte da audincia participativa qualquer telespectador da TV Anhanguera que envia as sugestes de reportagem.
-
25
telejornal e, portanto, uma barreira para a efetiva cidadania, a partir do momento que ele se
v inserido numa sociedade quando participa de uma informao e tem a liberdade para se
manifestar e expressar? possvel que o desejo do telespectador possa se sobressair entre
os inmeros fatos e notcias que chegam a todo o momento nas redaes?
A pesquisa identificou como os critrios de noticiabilidade e as rotinas de produo
podem influenciar na seleo da notcia originria do telespectador. Analisamos as
sugestes e pedidos de reportagem que chegaram pelo quadro 'Quero Ver na TV' da
Televiso Anhanguera, afiliada da Rede Globo em Gois e confrontamos com os critrios
utilizados pelos jornalistas para selecionar aquelas consideradas mais apropriadas.
A influncia que o jornalista tem na deciso do que ser notcia abordada por
vrios tericos da comunicao atravs dos estudos do gatekeeper e newsmaking e da teoria
organizacional, que abordam o processo de seleo e produo das mensagens. Para
escolher uma pauta, os jornalistas levam em considerao, por exemplo, elementos como
tempo, novidade, atualidade e a dramatizao como veremos na abordagem de Traquina
(2008) e Charaudeau (2006).
verdade que so vrias as formas pelas quais chegam essas sugestes, ou seja,
cartas, telefone, emails pessoais ou corporativos e pela pgina4 da televiso na internet.
Entretanto, optamos por analisar apenas as mensagens enviadas pelo quadro 'Quero Ver na
TV'. O QVT5 um canal de comunicao criado pela emissora para que o telespectador
envie sugestes de assuntos que possam se transformar em reportagens veiculadas dentro
de um dos trs telejornais. A escolha se deu pelo fato de o QVT ser considerado pelos
jornalistas da televiso um novo e indispensvel canal de comunicao e aproximao com
o telespectador.
Neste trabalho a comunicao est definida por Martino (2001) como uma relao
intencional exercida sobre outrem. Vamos considerar ainda a televiso como um veculo de
comunicao meditico e a relao com o telespectador, conceituada por Thompson (1998)
por quase interao mediada. So estes conceitos que nos levam a discutir o papel
mediador da televiso e do telejornalismo na sociedade. Abordaremos o conceito de
cidadania a partir da participao dos indivduos na produo da informao como direito
(Gentilli, 2005) e no sentimento de pertena assumido por (Cortina, 2005) e ainda a
cidadania ativa pela participao poltica numa democracia discutida por Benevides (2003).
A participao do telespectador tambm ser abordada dentro do conceito de interao
proposto por Jos Luiz Braga (2005).
4 www.g1.com.br/goias 5 QVT - sigla resumida de Quero Ver na TV utilizada pelos jornalistas da redao da TV Anhanguera
-
26
Entendemos que a televiso se torna ao mesmo tempo distante do telespectador
quando essa relao na verdade unidirecional, sem troca entre emissor e receptor. As
mudanas tecnolgicas e de comportamento do telespectador provocam tambm uma
mudana no jornalismo e no telejornalismo. a necessidade de ter o pblico como fonte,
contribuindo efetivamente na produo da informao.
Essa participao chamada por Vizeu e Siqueira (2010) como pblico-
participativo e j denominada por Chaparro (2009) como revoluo das fontes. Nas
possibilidades criadas pelas emissoras, como o quadro 'Quero Ver na TV', para a
participao do telespectador, pode-se aumentar a possibilidade da cidadania ativa
defendida por Benevides (2003) a partir do momento que o cidado se conscientiza da
possibilidade de cobrar direitos e ter mais participao poltica na sociedade em que vive.
Os telejornais da Televiso Anhanguera, a busca pela audincia e o modelo global
Em 2010, a TV Anhanguera reformulou os cenrios dos seus telejornais, adotando
uma linha editorial semelhante ao RJTV, noticirio local da Rede Globo no Rio de Janeiro
que tambm passou por uma reformulao com o objetivo de trocar a simples
apresentao de notcias por uma conversa com o telespectador. A proposta dos novos
cenrios foi deixar o telejornal mais informal e gil.
Os jornalistas foram chamados a rever o modelo de jornalismo que estava sendo
produzido naquele momento. A nova ordem ter sempre uma linguagem mais popular e
clara, pautas com temas voltados para o pblico-alvo de cada jornal, principalmente o
pblico da classe C com reportagens mais curtas, leves, informais e objetivas para no
cansar o telespectador .alm de uma edio gil com uso de recursos grficos. Em Gois, a
queda da audincia provocou inclusive a substituio do diretor chefe do telejornalismo por
outro profissional vindo da Rede Record de So Paulo. Ele ficou responsvel por uma srie
de mudanas principalmente no contedo dos telejornais da emissora. Tudo foi pensando
com o objetivo de promover uma maior identificao com o telespectador e enfrentar as
emissoras concorrentes. O telejornal que passou por uma maior reformulao foi o Jornal
Anhanguera 1 Edio. O noticioso foi o que apresentou maio queda na audincia entre os
telejornais da emissora e foi preciso criar uma fora tarefa para brigar pela audincia com o
Jornal do Meio Dia do SBT e o Balano Geral de Rede Record que inclui inclusive a vinda
de outros profissionais de fora para trabalhar na apresentao e reportagem e ainda no
Jornal do Campo.
-
27
Entre as novidades estavam uma escalada mais impactante, com textos curtos e
participao dos reprteres, matrias de servio e interesse humano mais curtas e criativas.
A inteno era surpreender o publico inclusive com chamadas de bloco mais criativas. Os
jornalistas praticamente tiveram que empregar tcnicas da publicidade no jornalismo. Outra
mudana foi quanto relao com o governo do estado. A TV, que sempre teve uma
imagem atrelada ao Governo estadual, rompeu os laos mesmo levando em conta a
dependncia financeira dos anncios publico assim como acontece na maioria das TVs
abertas, comerciais. Uma iniciativa um pouco tmida, mas que significaram muito no
processo de reformulao da linha editorial do jornalismo da emissora. No caminho para se
tornar uma emissora popular, cria-se como alternativa o quadro 'Quero Ver na TV', que
tem a proposta de ser o canal de comunicao com o pblico e promover a interatividade,
seguindo assim uma tendncia dos meios de comunicao
Quero Ver na TV
O projeto 'Quero Ver na TV' foi criado em 2008 para que o telespectador tivesse
um canal direcionado especialmente para o envio de sugestes de reportagens que
gostariam de ver nos telejornais da emissora. O nome do quadro foi escolhido entre os
prprios profissionais da redao e a ideia era que esse nome traduzisse o objetivo do
projeto: identificar o telespectador com o contedo veiculado pela televiso Anhanguera.
Para mandar uma sugesto. o telespectador deve acessar o site da emissora
(www.g1.com.br) e preencher um formulrio.
Na pgina surge uma janela onde o telespectador deixar o nome, contato, e mail e
a sugesto da reportagem, que ser enviada pela de internet aos jornalistas cadastrados para
receb-las como: editores executivos, chefes de reportagem e editores chefes dos
telejornais. a partir da, que os jornalistas vo fazer a seleo dos assuntos e encaminh-
los aos produtores que tm a funo de viabilizar atravs da pauta a execuo da
reportagem. A escolha do telejornal e o dia em que a reportagem sugerida pelo
telespectador ser veiculada so definidos pelos chefes de reportagem e editores chefes.
Numa anlise prvia do 'Quer ver na TV' observamos que todos os dias chegam
entre quinze e vinte sugestes de telespectadores. A maioria se identifica com o nome,
endereo e telefone. Os assuntos enviados pelo pblico so variados, mas em grande parte
se referem a problemas da cidade como asfalto, iluminao, segurana pblica, transito,
transporte e sade. o que Cortina (2005) conceitua de Cidadania Social cujos direitos so
assegurados pelo Estado nacional.
-
28
Para a realizao da pesquisa, acompanhamos a seleo das sugestes enviadas ao
quadro com cada um dos editores-chefes dos trs telejornais da emissora que vo ao ar
diariamente: Bom Dia Gois, Jornal Anhanguera 1 edio e Jornal Anhanguera 2 edio.
Acompanhamos ainda quais foram selecionadas e quais efetivamente viraram reportagem e
foram veiculadas. Nossa anlise foi feita a partir dos critrios de noticiabilidade e os
valores-notcia que permeiam o trabalho do jornalista de televiso, a partir do olhar de
Nelson Traquina e Patrik Charaudeau.
De modo geral as sugestes selecionadas so encaminhadas para a produo do
telejornal para serem viabilizadas. Na maioria das vezes, os produtores entram em contato
com o telespectador que fez a sugesto de pauta para checar o assunto e marcar a
reportagem. O telespectador convidado a participar ou no da reportagem Aps a
gravao reprter passa o material par a edio. As reportagens resultantes do 'Quero Ver
na TV' no tm um formato especial que a diferencie das demais, a identificao s feita
dentro do telejornal e fica a critrio do editor-chefe mencionar ou no o autor da sugesto.
Essa necessidade mais percebida no Jornal Anhanguera 1 Edio, que atualmente
procura proximidade com o pblico. Neste caso, um selo do quadro exibido no telo
enquanto o apresentador anuncia a reportagem. O nome do telespectador que enviou a
sugesto mencionado pelo apresentador depois que a reportagem vai ao ar.
Valor-noticia e os jornalistas da redao
A anlise foi realizada apenas sob o recorte dos valores-notcia de seleo, pois a
inteno foi verificar se e como os critrios dos jornalistas influenciam ou no na seleo
das sugestes de reportagem enviados pelos telespectadores. Por isso, no vamos nos
aprofundar aqui na abordagem dos valores notcia de construo, e apenas cit-los, pois
estes determinam critrios dentro da elaborao ou construo da notcia que no caso da
televiso a reportagem.
Segundo Traquina (2008), o valor-notcia de construo se resume em: a
simplificao determina que quanto mais simples e menos ambgua for a notcia, mais fcil
ser assimilada e compreendida. Por causa disso, os jornalistas so obrigados a escrever de
uma forma que torne o acontecimento fcil de ser compreendido. Na amplificao, o valor
notcia o que podemos chamar de exagero do ato, do interveniente ou das consequncias
do ato para que ele seja notado. Como relevncia entende-se que cabe ao jornalista fazer
com que o acontecimento seja relevante e tenha significado para as pessoas. Como
-
29
personalizao a lgica valorizar as pessoas envolvidas no acontecimento, pois as pessoas
se interessam por outras pessoas e podem se identificar com o problema, o que chama mais
ateno para a notcia. Finalmente, chegamos ao valor-notcia da dramatizao que est
sempre marcado principalmente no impresso e na televiso. o reforo do aspecto mais
crtico, emocional ou conflitual atravs de relatos melodramticos.
Dentro dos critrios de valores-notcia possvel destacar tambm os defendidos
por Charaudeau (2006, p. 133). O fato de muitos acontecimentos ficarem fora da mdia est
relacionado com a necessidade desta, de dar atualidade notcia. O autor esclarece que para
a mdia o que se passa nesse momento o que vale como notcia e quanto menor for o
tempo entre o acontecimento, a produo da notcia, a emisso e o consumo por parte do
receptor mais valor ele tem. Charaudeau define a existncia de uma contemporaneidade
miditica. O fato de a apario do acontecimento ser o mais consubstancial possvel ao
ato de transmisso da notcia e ao seu consumo. Eis porque prefervel falar aqui de co-
temporalidade em vez de contemporaneidade. Na mdia um acontecimento
constantemente substitudo por outro quando o primeiro perde o valor na atualidade,
Existe uma urgncia de conseguir fatos novos para que no haja um vazio informacional.
Constri-se ento a atualidade com uma secesso de notcias destacadas pelos jornalistas. A
ubiquidade e a proximidade tambm so consideradas critrios de noticiabilidade.
Quando a notcia est longe a mdia usa vrios recursos para alcana-la como os
correspondentes, as agencias de notcias, as fontes oficiais e oficiosas. Para Charaudeau,
essa situao leva a uma iluso de ubiquidade do telespectador, quando este se sente perto
do que se passa em vrias partes do mundo ao mesmo tempo. De outra forma, a
proximidade espacial d um carter de interesse particular, o que a mdia considera ser de
maior interesse do cidado pois o acontecimento est prximo da recepo em um mesmo
espao fsico. O modo de tratamento da notcia que faz com que o acontecimento est
prximo ou longe. Um assunto pode ser veiculado nacionalmente mas uma emissora local
pode fazer uso do tema pra repercuti-lo localmente.
Dois outros critrios de importncia na hierarquia dos acontecimentos so
explorados por Charaudeau. Os critrios externos esto voltados para o modo de apario
do acontecimento. Eles podem ser representados pela factualidade com carter de
inesperado, quando no pode ser previsto, programado quando existe um calendrio que
organiza a vida social e suscitado quando provocado por um setor institucional e/ou
poltico.
-
30
Finalmente, os critrios internos so as escolhas da prpria mdia para construir
representaes que podem interessar ou emocionar o pblico como: o inslito, o
misterioso, o acaso, o trgico, horror, a desordem e o triunfo.
A base da nossa pesquisa sero as Teorias do gatekeepers e do newsmaking. Esta duas
teorias embasam o trabalho do jornalista na redao do telejornal, da seleo veiculao
da reportagem. As sugestes ao 'Quero Ver na TV' precisam ser aprovadas por um
selecionador, o editor-chefe ou o chefe de reportagem que cumpre o papel dos gatekeepers.
So eles que recebem todas as sugestes de reportagem enviadas pelo pblico. Antes de
encaminh-las para a produo, os chefes de reportagem fazem uma seleo dos assuntos
provveis de se transformarem em matrias.
O trabalho de seleo influenciado pelos valores-notcia, explicados pela Teoria
do newsmaking. Os valores-notcia so reconhecidos como um componente de
noticiabilidade presente em todo o processo de produo jornalstica. neles que, mesmo
inconscientemente, os jornalistas vo se apoiar para transformar os inmeros fatos que
acontecem no dia a dia em notcia para o cidado. No quadro 'Quero Ver na TV' esses
valores tambm sero cruciais para a deciso dos editores. Durante a seleo, percebemos
ainda que a sugesto descartada pelo editor de determinado jornal, no encaminhada ao
editor de outro jornal e, portanto se perdem no processo de seleo. As sugestes
classificadas como de bairro, asfalto, buracos e transporte escolar foram avaliadas pelo
editor do Jornal Anhanguera 2 edio e descartadas, sem serem encaminhadas a outro
telejornal.
O quadro 'Quero ver na TV' tem uma grande participao de telespectadores de
cidades do interior, fora da regio metropolitana de Goinia. As sugestes vm
principalmente de cidades onde existe uma afiliada6 da Televiso Anhanguera em Gois.
Assim como na capital, os telespectadores do interior do estado fazem uso do 'Quero ver
na TV' para sugerir a divulgao de assuntos que fazem parte da realidade local como
bairro, trnsito e sade.
Constatamos que as sugestes enviadas por esses telespectadores so, em sua
maioria, recusadas pelos editores dos jornais produzidos em Goinia. Novamente, a
audincia o critrio de seleo. Os emails enviados por moradores de Jata, Rio Verde,
Santa Helena, Anpolis, Niquelndia e Palmeiras no tiveram encaminhamento. A principal
justificativa que a pesquisa de audincia dos trs telejornais realizada apenas na Grande
Goinia.
6 Anpolis, Luzinia, Rio Verde, Jata, Catalo, Porangatu, Itumbiara
-
31
Ao mesmo tempo em que os valores-notcia dos jornalistas reprovam a entrada das
sugestes dos telespectadores nos noticirios dirios, so tambm decisivos para que outras
sugestes sejam aprovadas e o fato seja noticiado. Os assuntos que foram utilizados pelos
jornalistas se resumiram em: meio ambiente, segurana pblica, trnsito, sade, educao,
transporte e outros (idosos).
Anlise 'Quero ver na TV'
A anlise das sugestes foi definida da seguinte forma: cada um dos trs editores-
chefe dos telejornais selecionaram as sugestes enviadas durante dois dias. Como no
existe um limite de sugestes que podem ser enviadas pelo email do 'Quero Ver na TV',
foram analisadas todas as sugestes que chegaram no perodo escolhido. Para o Bom Dia
Gois, o editor chefe recebeu 12 emails de telespectadores, no Jornal Anhanguera Primeira
Edio, foram analisadas 32 sugestes e, no Jornal Anhanguera Segunda Edio, 22
sugestes, totalizando 66 pedidos de reportagem por parte dos telespectadores.
As 66 sugestes enviadas pelo telespectador foram classificadas por assunto, a
partir da relao elaborada por Temer (2002, p.114): meio ambiente, educao, trnsito,
bairro, polcia/segurana pblica, denncia, sade, poltica, transporte pblico, cultura,
economia, cidade, estradas lazer ,e outros (turismo, curiosidades,religio).
Das 66 sugestes enviadas, 28 foram selecionadas pelos editores- chefes. Apesar
desta seleo, no entanto, apenas 19 foram utilizadas dentro de um dos telejornais em
forma de reportagem, opinio do telespectador ou participao com foto, e nove delas
foram selecionadas, mas no foram aproveitadas. Do total de 66, os jornalistas recusaram
38 sugestes no momento da seleo.
Analisamos ainda as sugestes enviadas, mas que no foram utilizadas. Os assuntos
recusados foram: meio ambiente, cidade, cultura, educao, denncia, trnsito, bairro,
poltica, segurana pblica, bairro, economia, transporte coletivo, sade, e outros
(maioridade penal, religio, reclamao, droga, creche, rodovia, comentrio, homenagem,
celebridade).
Sugestes recusadas e os valores-notcia como argumentos dos jornalistas
A submisso da vontade do pblico ao poder selecionador dos jornalistas
identificada j na maneira como estas sugestes so selecionadas. Apesar de afirmarem na
-
32
entrevista que o 'Quero Ver na TV' importante e que valorizam a interao com o
receptor, os jornalistas responsveis no seguem uma rotina diria de seleo. Durante
nossa observao e com as entrevistas realizadas com os profissionais, constatou-se que,
nos dias em que h muitas noticias consideradas factuais (que acontecem no dia e devem ir
ao ar), os jornalistas esto mais ocupados com a rotina da redao e com a necessidade de
colocar o telejornal do dia no ar com as ltimas notcias ou notcias quentes, e, portanto,
desprezam a participao do telespectador. De fato, durante a pesquisa, constatou-se que
por vrios dias as sugestes dos telespectadores sequer foram avaliadas, ou seja, os e-mails
enviados no chegaram a ser lidos, mesmo que nenhum fato excepcional tenha ocorrido
na redao. J as sugestes que foram lidas e recusadas pelos selecionadores foram
subordinadas a critrios de noticiabilidade, rotina produtiva e organizao jornalstica
apontados nos estudos de Traquina (2008).
Em todos os casos tambm possvel identificar nos entrevistados que a
comunidade jornalstica se afirma no poder de saber por si s, o que interessa ao
telespectador ou no, ou o que o telespectador quer ter de informao ou no.
importante ressaltar que um critrio no elimina outro e podem se completar.
As sugestes sobre educao que foram recusadas apresentavam a reclamao de
moradores do municpio de Luzinia e Aparecida de Goinia sobre o longo tempo para a
concluso do curso no Ensino de Jovens e Adultos e sobre as condies de uma escola
estadual. Nos dois casos os telespectadores apresentaram reclamaes sobre temas que lhe
interessavam diretamente, mas que tambm afetavam outros cidados. O argumento do
editor-chefe do telejornal Bom Dia Gois era de que a reclamao se mostrava um
problema muito particular embora segundo dados da secretaria estadual de educao cerca
de 80 mil alunos estejam matriculados no curso de Ensino de Jovens e Adultos.
No caso do editor do Jornal Anhanguera 1 edio, que, apesar da reclamao
sobre as condies de uma escola pblica ser o perfil do jornal, o problema se mostrou
pequeno j que as aulas de educao fsica no foram interrompidas e no so to
importantes para o contedo escolar. Os dados apontaram uma contradio por parte do
editor, pois a emissora valoriza o esporte como formas de retirar menores carentes das ruas
e de ascenso social.
Os critrios da notabilidade e de relevncia (Traquina, 2008): 30 foram observados
ainda que com erros de interpretao de dados nestes casos, pois os jornalistas
consideraram que a notcia s tem valor para quem est vivendo cada uma das situaes
citadas, e o fato no envolve uma grande quantidade de alunos, nem causam grande
-
33
impacto sobre a vida das pessoas, j que as aulas de educao fsica no foram canceladas e
o contedo terico foi considerado mais importante. Estas caractersticas para que o fato
seja noticioso so bastante citadas pelos jornalistas no momento da seleo.
A falta de notabilidade e/ou a falta de relevncia ainda so observadas na recusa de
sugestes que envolvem um olhar prprio ou o interesse particular do receptor. Os emails
avaliados e recusados a partir desses critrios tinham como assunto: a funcionria do
hospital que reclama das multas de trnsito por estacionar em locais no permitidos perto
do emprego, a moradora que pede o fechamento de uma oficina que funciona em frente
residncia dela por causa barulho, a festa religiosa realizada em uma fazenda no interior, o
morador que no recebeu a escritura da casa. O jornalista chega a considerar um erro de
avaliao do telespectador e uma viso particular isso no interessa a ningum.
Mais uma vez, identificamos que a interpretao pessoal dos jornalistas norteia,
mesmo que inconscientemente, a recusa das sugestes e acabam por eliminar a funo
mediadora do jornalismo. A proposta do telespectador poderia basear discusses dentro do
telejornal sobre problemticas que interessam a no s um indivduo, mas a comunidade de
forma geral.
A sugesto sobre as multas poderia, por exemplo, abrir um debate sobre a chamada
indstria da multa. A telespectadora que reclama de uma oficina em frente sua casa
poderia exemplificar reportagens sobre o zoneamento urbano e o plano diretor da cidade
que tem mais de um milho de habitantes. A festa religiosa no interior alimentaria a
cobertura sobre a cultura e a tradio do povo goiano, e o no caso do morador que no
recebeu a escritura da casa caberia uma matria de servio, que orientasse o consumidor
sobre os cuidados na compra da casa prpria.
Sugestes utilizadas e os valores-notcia como argumentos dos jornalistas
Os assuntos que foram utilizados pelos jornalistas se resumiram em: meio
ambiente, segurana pblica, trnsito, sade, educao, transporte e outros (idosos). A
participao do telespectador incentivada no 'Quero Ver na TV' pode ser sempre
aproveitada quando o que deve ser mostrado facilita a cobertura jornalstica. O critrio da
disponibilidade foi usado na sugesto enviada por um telespectador sobre a conservao de
um parque. A fotografia enviada por email foi divulgada no Bom Dia Gois no quadro
Voc o reprter, que tem a interatividade como proposta. Com o envio da foto evitou-se
ocupar uma equipe de cinegrafista e reprter para fazer a reportagem externa, o que
segundo o editor talvez no seria feito por ter assuntos mais importantes no dia
-
34
Destacamos ainda que este tipo de participao sempre reforada nos telejornais e
valorizada pelos jornalistas.
Os noticirios so o registro dos acontecimentos reais que esto enquadrados
dentro de discurso jornalstico, porm, so programas que tm que cumprir uma carga
horria no ar definida pela programao, que geralmente controlada pela emissora de
Rede. Os jornalistas no tm liberdade para decidir por um jornal com mais ou menos
notcias, pois so obrigados a preencher o tempo que foi pr-determinado. Na rotina dos
profissionais da redao, este um dos fatores que mais preocupam os editores e, portanto
influenciam no planejamento de uma edio diria. Se o jornal est grande, preciso ter
notcia suficiente para preench-lo, se est pequeno, vai ser necessrio escolher aquelas que
mais interessam e dispensar outras.
a partir da lgica do tempo de durao do telejornal e do que acontece na cidade
que muitos acontecimentos podem ser ou no notcia. Na maioria das vezes, os dias
considerados teis (segunda a sexta-feira) so mais noticiosos, pois o comrcio, as
escolas, os bancos, os rgos pblicos esto funcionando, as pessoas trabalham e esto
mais ligadas no que acontece no dia a dia. Feriados e finais de semana no proporcionam
fatos noticiveis, a no ser que algo extraordinrio acontea como um crime, um acidente
ou um escndalo.
O dia noticioso foi ento um valor-notcia que definiu o uso de uma sugesto sobre
as vagas de estacionamento para idosos. O assunto foi aprovado na seleo por ser
considerado tambm de interesse de muita gente e pela falta de fiscalizao do poder
pblico caracterizando o valor notcia da infrao, violao das regras. Ainda assim, a
reportagem somente foi veiculada no telejornal de sbado, dia em que havia poucas
matrias e o tempo do jornal foi maior. De fato, segundo o editor, o tema foi veiculado
porque tivemos que usar a matria do idoso para preencher um buraco no jornal.
Amparado no tempo como atualidade e na relevncia que o pedido do
telespectador de explicao sobre o trnsito durante a realizao da Exposio
Agropecuria foi aceito pelos jornalistas. A exposio rene milhares de visitantes e o
trnsito que desviado, costuma ficar bastante confuso nas imediaes do local do evento,
gerando sempre muitas reclamaes e reportagens.
A sugesto foi aprovada sob a justificativa de que interessa um pblico mais
amplo e foi veiculada em telejornais diferentes e em dias diferentes (em anexo). Uma das
vezes que a reportagem sobre o assunto foi ao ar, o telejornal tambm estava mostrando
-
35
outro problema de trnsito- a liberao de uma avenida que estava interditada h vrios
meses e que provocou muita polmica entre motoristas e na imprensa.
Ser visvel e tangvel , como j dissemos, condio primria da notcia na televiso,
assim como ter alcance social. Em duas sugestes aceitas e utilizadas, os jornalistas se
preocuparam em garantir boas imagens e bons flagrantes. Neste critrio foram veiculadas
uma reportagem sobre caladas invadidas por bares e restaurantes e a demora e
superlotao do transporte coletivo.
Percebemos tambm que, alm da questo da seleo do assunto/pauta sugerida
pelos telespectadores, importante anotar como e quando a sugesto veiculada. Um
exemplo desta relao a reportagem sobre as caladas, escolhida e produzida em junho,
mas que s foi ao ar dois meses depois, dia 3 de agosto. Nesta edio do telejornal o
assunto sobre caladas foi vinculado ao lanamento de um manual sobre calada
sustentvel, dando um carter de atualidade ao tema. Fica evidente que, apesar da
aprovao, o assunto sugerido pelo telespectador ainda deve atender a outros interesses ou
oportunidades que os jornalistas encontram para abordar algum tema. No caso da sugesto
sobre as caladas, o foco foi discutir o assunto a partir do conflito entre o que certo e o
que errado, ou seja, a opinio do telespectador mostrava o problema e o manual apontava
a soluo.
Torna-se relevante anotar tambm que no perodo da pesquisa um fato teve grande
impacto no contedo dos noticirios locais: a descoberta da fraude no vestibular para o
curso de Medicina da PUC-GO. No telejornal, os acusados foram apresentados e a
universidade alterou a data do novo vestibular, o que provocou uma reao dos candidatos,
pelo fato de coincidir com outros vestibulares. O fato gerou, portanto, oito matrias nos
trs telejornais estudados. Essa quantidade se justifica uma vez que a fraude, por si s, j
um acontecimento noticioso, segundo os jornalistas, por despertar o interesse de um
grande nmero de pessoas e pelos valores-notcia de relevncia, inesperado, a infrao e o
escndalo.
A questo chamou a ateno dos telespectadores, que mandaram 11 reclamaes ou
sugestes de matrias relacionadas de forma direta ou indireta a esta questo. Entre eles,
estavam as reclamaes de vrios estudantes em relao nova data das provas. Os
vestibulandos que se manifestaram por email pediam que a prova fosse remarcada para
outra data. O argumento que ela coincidiria com provas de outras Universidades.
O assunto foi discutido por dois dias nos trs telejornais (em anexo) e
principalmente no Jornal Anhanguera 1 Edio porque foi considerado prprio para o
-
36
perfil dos telespectadores. O jornal falou sobre o assunto em dois dias. No dia 5 de junho,
um dia aps a fraude se descoberta, foi veiculada uma reportagem de 234 seg. sobre a
investigao do caso e a repercusso entre os alunos. Logo depois, o apresentador leu uma
nota coberta onde comparava as respostas dos fraudadores com o gabarito oficial das
provas com o objetivo de saber se os fraudadores conseguiriam passar no vestibular.
A repercusso do assunto junto ao telespectador incentivou a realizao de nova
cobertura, j que vrios emails haviam chegado pelo 'Quero Ver na TV'. No dia 6 de junho,
o jornal voltou a falar sobre o assunto e percebendo o interesse dos estudantes dedicou um
tempo maior para expor o problema. O assunto foi valorizado de vrias formas dentro da
edio. Logo no primeiro bloco, foi ao ar uma nota coberta relembrando o caso, depois um
telo mostrou como o curso de Medicina concorrido, quantas vagas e quantos
concorrentes. Ainda no primeiro bloco, os emails dos candidatos foram lidos no estdio e
serviram de base para a entrevista ao vivo com a representante da Universidade, que
definiu a nova data do novo concurso. possvel ento classificarmos a fraude como
valor-notcia tempo, quando um assunto ganha noticiabilidade e permanece como assunto
com valor-notcia durante um tempo mais dilatado (TRAQUINA, 2008, p.82).
Por unir estes dois valores-notcia- visualidade e conflito -, que a sugesto sobre
os riscos que motoqueiros enfrentam nas ruas foi aceita e veiculada por dois dias no Jornal
Anhanguera 1 Edio. No dia 28 de maio, alm uma reportagem sobre os riscos
provocados pela moto foi veiculada n