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Antigo Testamento

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Antigo Testamento

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ORAÇÃO

Gn 2 - 18*O SENHOR Deus disse: «Não é conveniente que o homem esteja só; vou dar-lhe uma auxiliar semelhante a ele.» 19Então, o SENHOR Deus, após ter formado da terra todos os animais dos campos e todas as aves dos céus, conduziu-os até junto do homem, a fim de verificar como ele os chamaria, para que todos os seres vivos fossem conhecidos pelos nomes que o homem lhes desse. 20O homem designou com nomes todos os animais domésticos, todas as aves dos céus e todos os animais ferozes; contudo, não encontrou auxiliar semelhante a ele.21Então, o SENHOR Deus fez cair sobre o homem um sono profundo; e, enquanto ele dormia, tirou-lhe uma das suas costelas, cujo lugar preencheu de carne. 22Da costela que retirara do homem, o SENHOR Deus fez a mulher e conduziu-a até ao homem.23*Então, o homem exclamou: «Esta é, realmente,osso dos meus ossose carne da minha carne. Chamar-se-á mulher,visto ter sido tirada do homem!»24Por esse motivo, o homem deixará o pai e a mãe, para se unir à sua mulher; e os dois serão uma só carne.

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(Gn 2,16-17) E ordenou YHWH-Elohim ao Homem, dizendo: de toda a árvore do “jardim” comerás; mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás dela, porque no dia em que comeres dela morrerás.

São ordens positivas e negativas que fazem lembrar o decálogo.

O homem, criado por Deus, deve receber-se a si próprio das mãos de Deus. Não tem em si mesmo o seu próprio fundamento, mas em Deus.

Ser homem é viver dentro do horizonte do Dom. Apropriar-se do Dom é negá-lo, e sair desse horizonte é morrer.

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É um dom exigente e interpelante, que constitui o homem em sujeito interpelado e obediente.

O princípio do real e da individuação é a voz interpelante e de eleição, que sempre e em toda a parte, faz de cada homem um interpelado: “Shema Yisra’el”

Abre para a vontade a respeito da vontade do outro, que a põe em causa e a leva à obediência. Institui-se o divino como alteridade absoluta

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Em Gn 2,18a, Deus põe o homem de sobreaviso para um problema gravíssimo, que pode acarretar a morte do homem:

Não é, de facto, bom, que o Homem esteja só. Vou fazer um auxílio (‘ezer) a ele correspondente.

Usa-se o masculino e não o feminino (‘ezrah). O uso deste masculino é premeditado, sendo por isso de lhe atribuir especial importância.

Este título de auxílio (‘ezer) aparece 21x no AT, na maioria dos casos, dado direta ou indiretamente a Deus, que é o verdadeiro auxílio do homem. É um auxílio pessoal não instrumental, e indispensável em situações de extremo perigo.

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Qual o perigo que ameaça o homem? É certamente a solidão. Pode perder-se no meio de objetos, coisificando também a Deus e os outros.

Na mente de Deus, a mulher surge com o título grande de “auxílio” do varão, assim como o varão é o “auxílio” da mulher; qualquer ser humano deve ser auxílio de outro.

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E modelou YHWH-Elohim do solo todos os animais do campo e todas as aves dos céus, e conduziu ao Homem, para ver que nome ele lhes dava. O nome com que chamava o Homem cada ser vivo, esse era o seu nome. E chamou o Homem nomes a todos os animais domésticos e às aves dos céus e a todos os animais do campo, mas para o Homem não encontrou um auxílio a ele correspondente. E fez cair YHWH-Elohim um sono ritual sobre o Homem, que adormeceu, e tomou um dos seus lados e fechou com carne o seu lugar. E construiu YHWH-Elohim o lado que tomara do Homem em mulher e conduziu-a ao Homem. (Gn 2,19-20)

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Deus conduz os animais ao Homem, depois de os modelar a partir do solo, sem nome nem pronome. Dando nome aos animais, o Homem recusa-se a identificar-se com uma espécie animal.

Dar nome significa, para quem nomeia, distinguir-se daquilo que nomeia. Perante os animais que nomeia, o homem não se revê em nenhum deles, mas reconhece-se diferente deles, um ser humano!

Podemos ver aqui o momento (independentemente da sua duração) em que uma espécie se separou da pura animalidade para se tornar naquilo que nós somos desde que nos conhecemos.

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Deus faz cair o Homem num sono ritual, de um dos seus lados, construiu uma mulher e conduziu-a enfaticamente ao homem. Este procedimento corresponde à negação da solidão. Esta criação decorre da lógica da narrativa de começo, e não da lógica da narrativa histórica.

Não se pretende narrar a criação da mulher como distinta do homem, mas narrar a criação do homem que não se dá por completada senão quando estão em cena o homem e a mulher. É o próprio teor narrativo que impede de enunciar simultaneamente o homem e a mulher.

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Gn 2,23 marca o momento narrativo em que, pela primeira vez, se ouve a voz humana no cenário da criação. É significativo que tal suceda para o homem expressar o seu alvoroço de noivo, saudando a mulher noiva com uma expressão familiar: “osso dos meus ossos, carne da minha carne”.

Apareceu a mulher e adveio ao homem a Palavra. Quando o narrador diz que o Homem deu nomes, não nos foi dado ouvir a sua voz (a sua palavra). De repente, o narrador deixa o Homem falar.

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E disse o Homem: “Esta vez, sim – osso dos meus ossos e carne da minha carne – esta será chamada ‘ishshah, porque de ‘îsh foi tomada esta”. (Gn 2,23)

“Esta vez”, significa pela negativa “não antes” e também “não depois”; assim também “esta” significa “não outra e não noutro lugar”.

Esta é palavra de verdade: une o Homem e o seu Criador, perante quem a palavra é pronunciada. A verdade tem lugar no cruzamento destas duas linhas: vertical e horizontal. O resto (como nomear os animais), nem é palavra nem é verdade.

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A palavra dirige-me a alguém. Designa que o amor que une o homem à mulher não provém do homem nem da mulher, e tão pouco provém de si mesmo. Ele é dado por Deus, de quem verdadeiramente nasce quem ama (1Jo 4,7). Por isso, o homem dá nome à mulher, mas não o pode fazer senão nomeando-se ou dizendo-se a si mesmo no próprio ato de dizer a mulher ou o seu nome.

No entanto, o homem dá-se num nome diferente daquele que dizia do seu começo terroso (‘adam). A mulher não é ‘adamah, mas ‘’ishshah, porque tomada de îsh. À distância ficou a totalidade inicial

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Ao deixar a totalidade inicial, o homem deixou de ser tudo. Pode agora nascer para tudo. Isto é falar! Falar é “chamar” o seu passado, convocá-lo para estar presente. O único da origem “não repetível” dá ao começo uma repetição e só uma, dizendo o “um” ao mostrar o “dois”

Por isso, o homem deixará o seu pai e a sua mãe e se unirá amorosamente à sua mulher, e serão [os dois] uma só carne. (Gn 2,24)

Expressão insólita. No sistema patriarcal é a mulher que deixa a sua família. O insólito serve para realçar a grande força do amor.

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E estavam os dois nus, o homem e sua mulher, e não sentiam vergonha (Gn 2,25)

Era uma nudez transparente e inocente, factual e não sobrevinda. Gn 3,7.10.11 falará de outra nudez, sobrevinda, claramente negativa. Tanto que se lhe apõe a anotação de que procuraram cobrir-se.

Em assonância com a ingénua nudez, introduz-se no relato uma cobra.

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A cobra era astuta mais que todos os animais dos campos que tinha feito YHWH-Elohim. (Gn 3,1a)

Estranha cobra, atraente e não repelente, que dialoga amenamente com a mulher. Será uma personagem mitológica (nunca ninguém ouviu uma cobra falar). Ela entra no relato derivado à sua ligação a ídolos, adivinhação e magia. (2 Rs 18,4). Entrava no culto de Baal, nos cultos de fertilidade de Canaã, e muitas deusas eram apresentadas com cobras nas mãos.

Dá a impressão que o autor hebreu viu a cobra como símbolo de um culto terrivelmente atraente para os israelitas

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Talvez este relato não pretenda tanto explicar a origem do mal (que é o evento imprevisível e imprevisto da liberdade humana), mas para mostrar a sua real (não ilusória) possibilidade. E advém do homem dizer “não” a Deus, desarticulando o seu próprio querer do querer de Deus.

É possibilidade objetiva e apetecível, que emerge como tal na consciência humana, percebida como boa, bela e positiva.

Então a cobra bíblica seria a tradução simbólica e narrativa do fascínio que a transgressão do Mandamento divino exerce sobre a consciência humana.

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A cobra não seria assim a personificação de uma força malévola, que vem de fora e que é contra o homem, mas a objetivação da radical estrutura e altura da liberdade humana.

Sem possibilidade de dizer “não” a Deus, o homem não seria livre face a Deus, mas apenas irremediavelmente seduzido e atraído à maneira daquele que, perante duas mulheres, preferiria e não poderia deixar de preferir a mais bela.

Preferir entre vários objetos o mais apetecível é uma ação espontânea que não comporta a liberdade; é mesmo a negação da própria liberdade

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Deus é Deus não porque seduz o homem, atraindo-o pela força do eros, mas porque o constitui tão radicalmente outro diferente de si que até pode dizer-lhe que não!

Esta cobra será então uma abstração idolátrica, fruto da imaginação humana e do esforço humano de explicação, integração e personificação do real.

Ela disse à mulher: é então verdade que deus disse: “Não comereis de nenhuma (de toda) árvore do jardim?

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Disse a mulher à cobra: “do fruto das árvores do jardim, nós comemos. Mas do fruto da árvore que está no meio do jardim, deus disse: Não comais dele, não lhe toqueis, senão morrereis.” Disse a cobra à mulher: “nada disso! Vós não morrereis. Deus bem sabe que, no dia em que comerdes dele, os vossos olhos se abrirão e vós sereis como deuses, conhecendo o bem e o mal”

A mulher retoma os mandamentos. Mas com imprecisões notórias: uma subtração, três adições, uma distorção

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Do termo de Deus pessoal (YHWH-Elohim), a mulher apenas retém Elohim. Nas adições, introduziu o “fruto”. Não deveis comer da árvore”, dissera Deus. Introduziu também “meio do jardim”, pois no meio estava a árvore da vida. Introduziu também uma nova proibição “não lhe toqueis”, que muda os mandamentos da liberdade em ordem tirânica e prepotente. Muda o sentido pedagógico do mandamento que apresentava o caminho da vida e coloca-o numa situação sádica, de castigo.

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O Deus a que se alude aqui não é o Deus que concedeu ao homem a dádiva da autonomia e da liberdade. É ciumento, segredista, suspeito, rival, contra o qual convém termos as nossas precauções. É um deus que diz: “que o homem não seja como eu”.

É um deus que nasce dentro de nós e habita o nosso ser mais profundo insinuando que, ao recusarmos a nossa condição criatural, podemos pelas nossas forças divinizar-nos

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Ao homem não resta senão conquistar a ciência e a sabedoria pela violência.

A omnipotência do Deus bíblico não é o poder que pode tudo, nem a sua omnisciência a que tudo sabe, mas a omnipotência e a omnisciência do amor, que abrem espaço para a liberdade do homem. Quando projetamos sobre o Deus bíblico um super-poder em expansão indefinida, desfiguramos a sua imagem.

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Seria o contrário do que é; seria um “não poder mais parar-se”, que é a forma da impotência mais banal e perigosa que existe. O Deus bíblico é mais forte do que a força (Sb 12,18).

Em última análise, o problema não está no desejo do fruto ou da árvore, ou de Betsabé por David, mas do desejo de tudo possuir, desejo totalitário. Ora o desejo de tudo apoia-se na construção imaginária e portanto idolátrica de um deus que tem tudo, ao qual o homem projeta igualar-se

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O problema nem é querer ser como Deus, mas sim querer ser como ele imagina que Deus é. E é aqui que se manifesta a culpa, pois pretende imitar um deus mau, totalitário, invejoso, que subjuga, escraviza e mantém o homem na ignorância. Ao tomar por modelo o princípio da sua destruição, o homem condena-se a si mesmo.

E viu a mulher que era boa a árvore para comer e um desejo ardente para os seus olhos, e era desejável a árvore para obter inteligência e tomou do seu fruto, e comeu, e deu também ao seu marido que estava com ela, e ele comeu

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Há uma construção imparável e fatal que nos leva a cair nos enredos da nossa imaginação; é imaginária a árvore, imaginários os frutos; “comeu” é um ato real, verdadeiramente idolátrico. É a cessação da dignidade de com-criador e “ser de responsabilidade” por parte do homem, que reentra no seu horizonte de desejo, projeção e identificação, ou seja, o seu mundo natural.

Mas a solução para a tentação não é necessaria e naturalmente a queda. Pode haver uma ruptura

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O pecado está deitado à tua porta; para ti se dirige o seu instinto, mas tu podes dominá-lo.” (Gn 4,7)

Jd 10-11 dirá que aqueles que seguem o caminho de Caim são como animais sem palavra.

Note-se ainda que, com a “queda”, desapareceu a serpente, como que se dissipam as ideias quando surge a decisão. Ao mesmo tempo, objetivando a real possibilidade de dizer “não” a Deus, o homem, criado como partner, constitui-se como sujeito natural e patronal

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Durante todo o episódio da tentação, a mulher não está só. O marido estava com ela. Assistiu à cena e não interveio (como lhe competia), para pôr fim à tentação idolátrica dos cultos de fecundidade e da fertilidade, aqui representados pela cobra. Em Jr 44, 19, as mulheres defendem-se dizendo: “quando oferecemos incenso à rainha do céu e quando lhe fazemos libações, é, por acaso, sem que o saibam os nossos maridos?”

O pecado é da responsabilidade do homem e da mulher

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E abriram-se os olhos dos dois, e conheceram que estavam desnudados, e coseram folhas de figueira e fizeram para eles cinturas (Gn 3,7).

Esta nudez é objeto de conhecimento por parte do homem e da mulher.

E eles ouviram a voz de YHWH-Elohim que passeava no jardim com o vento do dia, e ele escondeu-se o Homem e a sua mulher, do rosto de YHWH-Elohim, no meio das árvores do jardim

Desaparece a imaginação, o deus “fabricado”, e surge de novo em cena, com a palavra e com a presença, o verdadeiro protagonista, o Deus outro.

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Significativamente, o Deus pessoal vem “com o vento”, e não “no vento”. É com esse vento terrível que YHWH-Elohim julga a cobra, o homem e a mulher. Tanto assim é que o homem e a mulher fogem e escondem-se do rosto de Deus, primeiros entre tantos outros (Sl 139,7; Am9,1; Jonas).

Antes reinava o melhor entendimento.

“E chamou YHWH-Elohim o Homem, e disse-lhe: Onde estás?”

Há uma insistência quase insuportável como a palavra do Deus outro e pessoal enche a cena

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A pergunta direita ao coração “onde estás”, não é que Deus pretenda saber onde o homem está escondido, mas antes levar o homem a tomar consciência do “ponto” em que está da sua caminhada. A questão é: “que fizeste tu da vida até agora?” Pergunta certeira e pedagógica. Será que o homem pretende continuar a fugir, ou assume a culpa?

E disse: “A tua voz eu ouvi no jardim e tive medo porque estou desnudado e escondi-me. E disse: “Quem te contou que estás desnudado? Da árvore que te ordenei não comer, comeste dela?

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Tudo começa quando renegamos a nossa condição criatural, desobedecendo ao mandamento da vida, quando abandonamos o Deus pessoal, e o transformamos num ídolo, num “isso” perigoso e ameaçador. Mas o Deus, o pessoal, desce outra vez ao nosso nível, apontando a causa da nossa nudez e dos nossos medos: a desobediência aos mandamentos da vida.

A resposta do homem manifesta mais agressividade do que arrependimento:

E disse o Homem: a mulher que tu me deste como minha companhia, isso deu-me da árvore e eu comi

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Note-se a instalação de uma rutura entre o homem e a mulher, que já não é aqui a “querida” de Gn 2, mas é tratada com um “isso” depreciativo; é o que deixa perceber a troca do pronome feminino pelo masculino, propositada e não um descuido gramatical. E por detrás, acusa o próprio Deus, pois foi Ele quem lha deu como companheira.

E disse YHWH-Elohim à mulher: “Que fizeste?” E ela disse: ”a cobra enganou-me e eu comi”

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A mulher não se desculpa acusando o homem por a ter deixado só (o que até era verdade), e tão-pouco acusa Deus por ter criado a cobra e por a ter introduzido no jardim. Acusa apenas a cobra , que o mesmo é dizer, a ela própria. Cai na mesma parataxe final, como se fosse um comportamento normal, não se podendo fazer mesmo de outro modo.

Disse YHWH-Elohim à cobra: “porque fizeste isso, tu és maldita entre todos os animais domésticos e todos os animais selvagens. Sobre o teu ventre tu andarás, e pó tu comerás todos os dias da tua vida. Inimizade estabelecerei entre ti e a mulher e entre a tua descendência e a descendência dela. Esta te esmagará a cabeça e tu lhe morderás o calcanhar

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As perguntas que YHWH-Elohim faz ao homem e à mulher são ambas certeiras: “onde estás?” “Que fizeste?”

Já a cobra não foi nem poderia ser interrogada (ser mitológico). Diz-lhe “tu és maldita”. Dirige-se directamente à cobra que germina em nós, à nossa vontade perversa, ao mau génio, ao pecado. Não ordena mas simplesmente constata e regista o seu estado de maldição.

Dt 21,23 diz que “maldito por Deus é todo aquele que é suspenso do madeiro. No deserto, a cobra tinha sido suspensa. A exibição (elevação) daquilo que estava dissimulado, retira-lhe nocividade

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É assim que se processa a cura. Neste sentido, também o servo de YHWH será elevado por Deus (Is 52,13). De facto, como no Servo de YHWH soubemos finalmente ver as nossas transgressões (Is 53,4.6.8.11.12), também vendo o espectáculo de Cristo, regressamos batendo no peito, curados pelas suas feridas.

A cruz é profecia para os olhos. Expõe o espectáculo do nosso pecado, cobiça, inveja, malvadez, mas também o espectáculo do perdão de Deus.

O crucificado é a parábola que faz ver até onde a vista não alcança, bem dentro de nós, a crueza e malvadez

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A história da cobra não é apenas folclore; toca o mais profundo da nossa existência humana.

A violação da ordem inter-pessoal com Deus é irreversível por quem a infringiu. Paradoxalmente, apenas pode ser reconstituída por quem a sofre. Só este pode assumir e sofrer a ofensa com um acto de amor ainda mais radical: o perdão!

“pó tu comerás todos os dias da tua vida!” – é narrativa etiológica. No entanto, não esquecemos que o homem é pó da terra

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Isto leva a que “esta cobra” se alimente de nós mesmos. E só o pode fazer quando ficamos suspensos dela, e prostrados perante ela negamos YHWH-Elohim.

Mas esta suspensão não será para sempre: a descendência da mulher (não a mulher), moverá à cobra uma luta sem tréguas

À Mulher ele disse: “Multiplicarei as dores da tua gravidez. Na dor darás à luz filhos. Para o teu marido o teu instinto, e ele te dominará.” E ao homem ele disse: “Porque escutaste a voz da tua mulher e comeste da árvore que eu te ordenei não comer, maldito o solo (ha’adamah) por causa de ti. Com sofrimento dele comerás o pão até que voltes ao solo, pois dele foste tirado. Pois pó tu és, e ao pó tu voltarás”. (Gn 3,16-19)

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O pecado introduz relações de força e não de maravilha entre o homem e a mulher, entre esta e seus filhos, entre o homem e o solo.

E fez YHWH-Elohim para o homem e para a sua mulher túnicas de pele, e vestiu-os. E disse YHWH-Elohim: “Eis que o homem se tornou como um de nós, para conhecer o bem e o mal. E agora, que ele não estenda a mão, e tome também da árvore da vida, e coma e viva para sempre”. E YHWH-Elohim envioiu-o para fora do jardim do Éden para cultivar o solo, do qual tinha sido tirado. E ele expulsou o homem, e fez habitar a oriente do jardim do Éden os querubins e a chama da espada fulgurante para guardar o caminho da árvore da vida” (Gn 3,21-24)

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“O homem tornou-se um de nós” – Deus não abandona o homem invejoso, mas vem ao seu encontro… não para ser cúmplice, mas para o transformar. Patente também no revestimento (Is 61,3.10; Rm 13,14; Ap 21), e na dádiva da morte.

É amor misericordioso e não castigo: para que o homem não coma da árvore da vida e viva mau in aeternum. A árvore da vida lá estará, acessível aos redimidos (Ap 22,2.14).

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Homem criado na terra arável, fora do Éden / Povo de israel cridado no deserto, fora da Terra Prometida

YHWH elege o homem e dá-lhe descanso no Éden / elege o povo e dá-lhe o descanso na Terra Prometida

Tarefa: cuidar da Lei e prestar culto a Deus O homem violou a tarefa no jardim / violou os mandamentos de YHWH na Terra Prometida

YHWH expulsa-o do Jardim / ExílioComeça a história da misericórdia (Abraão…) / Deus não abandona o seu povo

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