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ASSUNTOS CONTROVERSOS: COMO ABORDÁ-LOSCOMO ABORDÁ-LOS
Seminário sobre Comunicação de Risco na Biossegurança de OGM
Embrapa Sede/Brasília, DF
8 de novembro de 2011
O que são assuntos controversos� Uma controvérsia (do latim controversia) é uma
discussão, disputa ou polêmica referente a uma ação, proposta ou questão sobre a qual muitos divergem. (HOUAISS, 2004)
� Controvérsias podem variar em tamanho, indo desde disputas privadas entre dois indivíduos até desentendimentos em larga escala entre sociedades.
� Áreas perenes de controvérsia incluem religião, filosofia, política e, mais recentemente, ciência.
� Questões controversas são tidas como potencialmente divisoras numa dada sociedade, porque levam à tensão.
Bem vindo ao mundo da controvérsia!
� Transgênicos: sementes da discórdia (ABRAMOVAY, 2007)
� Ideia central: a ciência e os mercados ficam melhores – e não piores – por sua imersão na vida social, por incorporarem aos seus modos de funcionamento o incorporarem aos seus modos de funcionamento o debate social, os valores e a própria controvérsia.
� As controvérsias estão implícitas no caráter conflituoso do pluralismo democrático.
� Estão presentes no cotidiano da ciência e do jornalismo.
� Quando ocorrem na esfera pública, colocam em confronto os dois campos sociais.
O que são controvérsias científicas� Polêmicas que ocorrem em áreas da ciência nas quais peritos
discordam: onde há disputas e pontos de vista opostos.� Podem indicar falta de consenso científico. (Ex: aquecimento
global: fenômeno natural x ação do homem)� Podem surgir quando visões científicas minoritárias colidem � Podem surgir quando visões científicas minoritárias colidem
com aquelas da maioria dos cientistas. (Ex: biotecnologia e ecologia)
� Requerem saber especializado (fronteira do conhecimento).� Têm por objeto, pelo menos em parte, conhecimentos
científicos ou técnicos incertos (poucas evidências científicas).� Resultados envolvem disputas de interesse nem sempre muito
visíveis (políticos, econômicos, religiosos).
A produção do conhecimento científico ontem e hoje
O fato científico indiscutível nunca existiu.
Os cientistas sempre precisaram convencer os pares e os poderosos a aceitar/financiar suas pesquisas.
Robert Boyle (1660): contradisse a teoria dos quatro elementos de Aristóteles e se tornou o Pai da Química.
pesquisas.
Louis Pasteur (1865) convenceu Napoleão III a financiar suas pesquisas sobre microorganismos: por que os vinhos azedavam?
A ciência na agora contemporâneaOntem Hoje
� definição dos problemas de pesquisa e sua solução restritas à comunidade científica
� conhecimento monodisciplinar
� interesses dos vários atores envolvidos são incorporados desde o momento inicial da pesquisa (separação entre pesquisa básica e pesquisa aplicada torna-se mais fluida)� conhecimento monodisciplinar
� comunicação dos resultados ao final do processo
� equipes de especialistas mais permanentes
� conhecimento produzido em universidades
� “prestação de contas financeira” (financial accountability)
� controle dos pares quanto à aplicação dos resultados
� a ciência fala para a sociedade
torna-se mais fluida)� conhecimento transdisciplinar� comunicação dos resultados durante o
processo (meios tradicionais e redes)� equipe de especialistas envolvidos
altamente mutável� conhecimento produzido em inúmeros
lugares� prestação de contas financeira e social
(financial and social accountability)
� controle social, econômico e político da aplicação dos resultados.
� a sociedade fala para a ciência
Controvérsias científicas recentes� Um ponto de vista que
questione conceitos atuais ou derrube dogmas, teorias e práticas aceitos (criacionismo x evolucionismo – 2004/2005: evolucionismo – 2004/2005: ensino religioso obrigatório).
� Dúvidas geradas sobre dispositivos e aplicações baseados em conhecimento prévio (morte de larvas de borboletas-monarca que se alimentaram de milho geneticamente modificado –1999/2001).
Controvérsias científicas recentes� Declarações de cientistas de
renome (James Watson, geneticista, Nobel de Medicina em 1962, declarou que os negros são menos inteligentes que os brancos
� Projetos financiados com recursos públicos que apresentam falhas ou tecnologias inseguras (Acidente na base de Alcântara/MA no lançamento do foguete VSL-1 afetou o Programa Espacial Brasileiro - 2003).
menos inteligentes que os brancos – 2007)
Por que a imprensa gosta/cobre controvérsias
� Porque é algo que sai da rotina (essência do conceito de notícia);
� Coloca frente a frente pontos de vista contraditórios (essência do conceito de jornalismo);
� Garante a “objetividade” da notícia (deixando ao leitor a decisão sobre quem/fonte detém a verdade);sobre quem/fonte detém a verdade);
� Quase sempre rende uma boa matéria;
� Além disso: aumenta audiência; dá visibilidade ao repórter; movimenta a opinião pública e os grupos de interesse/fontes; gera material para os comentaristas; alimenta o “eterno presente” do jornalismo;
� Pode ser uma boa oportunidade para educar o público e aumentar sua consciência sobre questões de interesse público (questões públicas).
O que são questões públicas
1. São itens ou assuntos em disputa;2. Envolvem pontos de vista divergentes sobre o que deve ou
não ser feito quanto à sua condução;3. Mobilizam forças da sociedade movidas por motivações
variadas e atuando de forma diferenciada;variadas e atuando de forma diferenciada;4. Integram as agendas pública, política e midiática.
� Características das questões públicas:
a. buscam visibilidade para obter adesão da opinião pública; b. contemplam a intervenção do governo, sendo por ele
reguladas;c. possuem ciclo de vida (que pode ser alterado quando surge
um fato novo).
OGM: ciclo de vida
MP 113 E 131
CTNBio testes
pesquisa
Monsanto plantio
Ibama Idec Greenpeace
EIA-Rima
Decreto 3871
Rotulagem
Liminar proíbe comercialização
Liminar suspensa
Lei Biossegurança
Assuntos controversos e comunicação sobre riscos
� Nem todo assunto controverso envolve riscos.
� Nem toda comunicação sobre riscos envolve assunto controverso.
� Perigo: existência de agente nocivo (natural, químico ou biológico)
� Risco: efeito adverso provocado pelo agente nocivo x probabilidade de � Risco: efeito adverso provocado pelo agente nocivo x probabilidade de ocorrência
� Processo de análise de risco: avaliação, gerenciamento, comunicação
� Na visão tradicional, a comunicação sobre riscos é a última etapa do processo.
� Hoje, cientistas defendem que ela acompanhe todo o processo. Em particular quando os riscos envolvem: alto grau de incerteza, interesses divergentes e podem afetar a saúde humana ou o ambiente.
� Ou seja: tem alto potencial de gerar controvérsias.
Diferentes níveis de incerteza(PORTO, 2004)
� Nível 1: quando se possui uma base consistente de dados históricos ou experimentais e pode-se modelar bem o problema, definindo com acurácia conseqüências, probabilidades e cenários futuros. (Ex: risco de contaminação por agrotóxico dos agricultores que pulverizam a lavoura)
� Nível 2: quando se conhece o problema, temos modelos bem estruturados, � Nível 2: quando se conhece o problema, temos modelos bem estruturados, mas não se pode predizer, sem grandes margens de erros, como o sistema analisado se comportará no futuro. (Ex: previsão do tempo num prazo mais longo, uma semana ou duas)
� Nível 3: quando a situação é tão complexa que a ciência sequer tem modelos adequados para predizer e atribuir os cenários futuros mais relevantes. Há uma ignorância epistemológica que transforma a previsão em exercício de futurologia. E as novidades (boas ou más) são apreendidas com a experiência. (Ex: transgênicos, clonagem, nanotecnologia, celular)
Características dos riscos incertos e controversos(BECK, 1998)
� Abrangência global
� Associados à possível autodestruição da Terra
� Consequências da industrialização
� Imperceptíveis pelos sentidos
� Fogem ao controle das instituições� Fogem ao controle das instituições
� Afetam todos os seres vivos (humanos, animais e plantas)
� Implicam alto grau de incertezas científicas
� Possuem alto grau de imprevisibilidade
� Não podem ser determinados pela ciência
� Definidos por disputas públicas entre produtores e afetados
� Requerem soluções políticas
� Riscos “civilizatórios” ou “manufaturados”
Comunicação sobre riscos e assuntos controversos
� Duas abordagens teóricas (1990): psicológica/comportamental (Covello, Sandman) e sociológica/conflitos (Renn).
� Academia Nacional de Ciências (EUA/1989): comunicação de riscos = troca de informações/experiências/opiniões entre riscos = troca de informações/experiências/opiniões entre peritos e leigos.
� Sandmann e Covello (1991/2001): a mistura de “perigo” (risco real) e “apreensão” (risco percebido) determina a forma de comunicar (perigo grande/pessoas pouco preocupadas; perigo pequeno/pessoas muito preocupadas; perigo grande/pessoas muito preocupadas).
Comunicação sobre riscos e assuntos controversos
� Renn (1991): a “natureza da decisão” é o ponto que define a forma de comunicação.
→ Nível de incerteza sobre a natureza dos riscos e a forma de gerenciá-los define a amplitude do debate entre as partes interessadas e a participação define a amplitude do debate entre as partes interessadas e a participação púbica nos processos decisórios: conhecimento/transferência de informações (vacinação), mudança de comportamento/envolvimento do público (antitabagismo), riscos coletivos e incertos/debates públicos (OGM).
� OCDE (2002): situações de risco de rotina (pouca incerteza/guia de procedimentos); riscos com alto grau de incerteza e alto potencial de controvérsia (discussão de valores e estilos de vida/celulares, OGM etc.); comunicação em situações de crise.
Comunicação sobre riscos: um caso atual
Engenheiros e técnicos de segurança do trabalho detectaram três vazamentos
Primeiro episódio: 14 de julho de 2009, vazamento de pó de urânio.
trabalho detectaram três vazamentos dentro da Fábrica de Combustível Nuclear.
vazamento de pó de urânio.
Segundo episódio: janeiro de 2010, vazamento de gás liquefeito.
Terceiro episódio: julho de 2011, suspeita de vazamento de amônia.
As zonas de informação organizacional (critérios de noticiabilidade)
� A liberação de informações organizacionais ocorre em quatro patamares (ERICSON e outros, 1989):
a. Sigilo (segredo): assuntos que a organização quer manter na “intimidade” “intimidade”
b. Confiança: assuntos abertos só para alguns jornalistas de “confiança”
c. Censura: o acesso se faz mediante um porta-voz, aparentando uma abertura que não existe
d. Publicização (promoção): a informação que interessa à organização é liberada, mas o controle é do jornalista
Entendendo a lógica de noticiabilidade institucional/jornalística
IncertezaImprevisibilidade
Visib
ilidad
e máxim
a
Visib
ilidad
e mín
ima
CertezaPrevisibilidade
Predomínio da lógica midiática
ImprevisibilidadePolêmicaSigilo (segurança)Interesse dos agentes financiadores
Visib
ilidad
e máxim
a
Visib
ilidad
e mín
ima
PrevisibilidadeConsensoNecessidades organizacionaisNecessidades do público
Predomínio da lógica institucional
As fontes� Tem atuação “interessada” e fazem uso do “segredo” e de “vazamentos”
de informações (Sigal, 1973)
� O perito (fonte especialista) é reconhecido pelo jornalista e pelo público como “fonte autorizada” de informações. (Hall e outros, 1978)
� O “definidor primário” tem mais chances de fazer prevalecer a sua versão � O “definidor primário” tem mais chances de fazer prevalecer a sua versão do fato. (idem)
� Não detem o poder de “impor” sentidos. Isso é partilhado com jornalistas e público. (Molotch; Lester, 1974)
� Tem seus critérios de noticiabilidade (Gans, 1979).
� Existem fontes “oficiais” (representantes de grupos organizados ou não) e as “não oficiais” (pessoas comuns). (idem)
� Fontes “oficiais” podem fazer articulações e disputar espaço institucional na imprensa, conforme os interesses em jogo. (Schlesinger, 1992)
Riscos e controvérsias nas normas de comunicação da Embrapa - 1
� Valores institucionais:
a. Transparência, verdade e qualidade inerentes à ética e à responsabilidade social.
b. Sigilo nos processos de registro de patentes.
c. Referencial de consulta “para quem busca a elucidação daquilo que não compreende”.
� A imprensa ocupa lugar privilegiado entre os stakeholders.
Riscos e controvérsias nas normas de comunicação da Embrapa - 2
� Hierarquia das fontes
� Contatos com a imprensa, autoridades e formadores de opinião são feitos pelas “fontes institucionais” “revestidas da legitimidade e da autoridade de seus cargos e funções”, ou legitimidade e da autoridade de seus cargos e funções”, ou seja, diretor-presidente, diretores-executivos, chefes de unidades ou, quando explicitamente delegados, os pesquisadores e os técnicos.
� Assuntos de relevância institucional ou política, de grande repercussão, lançamento de programas, celebração de convênios de grande impacto e assuntos polêmicos “ficam reservados” ao diretor-presidente e à diretoria executiva.
Riscos e controvérsias nas normas de comunicação da Embrapa - 3
� Direito de liberdade de expressão: qualquer profissional pode se manifestar sobre assuntos de sua área de competência profissional, sem representar a instituição.
� Na condição de porta-voz: não deve emitir opiniões pessoais sobre assuntos relativos à empresa, evitando conflitos com a posição oficial.assuntos relativos à empresa, evitando conflitos com a posição oficial.
� Situações que possam repercutir negativamente na imprensa, em foro de âmbito nacional ou internacional, ou envolver assuntos polêmicos ou de natureza política ou institucional são de competência exclusiva da diretoria-executiva. Ela decide se é oportuna a contestação/correção, quem deve fazer e como deve ser feito.
� 2002: inclusão das questões controversas na Política de Comunicação e do position paper.
O que fazer frente a um assunto controverso?
� Monitorar o ambiente interno (o que vem sendo pesquisado e o que sabem os pesquisadores).
� Monitorar o ambiente externo (quais são as tendências no país e no mundo em relação à ciência e seus impactos na saúde, no ambiente, na economia, na política etc.; o que pensam/sabem/falam os grupos de interesse/pressão).
� Adiantar-se e divulgar as informações disponíveis ou esperar ser � Adiantar-se e divulgar as informações disponíveis ou esperar ser “chamado” a público (pela imprensa, por parceiros, por opositores)?
� Divulgar somente os benefícios? Divulgar os riscos? Assumir as incertezas?
� Argumentos: técnico-científicos + leigos → linguagem acessível.� Aceitar a existência do risco real e do risco percebido.� Optar por: “troca de informações” (modelo de diálogo) ou “transmissão
de informações” (modelo de déficit).
O que fazer?� Considerar o nível de incerteza, a natureza da decisão e o potencial de
controvérsia do assunto.� Construir uma relação de confiança com o público: a percepção pública
depende da confiança na fonte de informações.� Entender que as fontes oficiais não são mais as únicas vozes ouvidas.� Estar atento para o fato de que as fontes governamentais podem ter posições
divergentes sobre o assunto.divergentes sobre o assunto.� Não se iludir: a mídia não é um mero amplificador, mas um campo social com
interesses próprios (ou delegados de outros campos sociais).� Acompanhar o que dizem as mídias sociais e, se for o caso, interferir.� Lembrar que as mídias sociais tem alto poder de organizar movimentos contra
e a favor de determinado assunto.� Comunicação de riscos não pode ser desvinculada da comunicação
organizacional (caráter intencional e negociado; as quatro zonas de informação; o microcosmo organizacional dos pesquisadores).
Mudanças no desenho da comunicação organizacional
� A organização deixa de ser o centro das relações mantidas com os públicos e passa a ser uma das muitas fontes de interferência e de pressão sobre os assuntos que interessam a ela e à sociedade.
� A organização deixa de ocupar a posição de “definidora primária” de acontecimentos (e de sentidos) e passa a “disputar” esse papel com outros atores sociais (aliados e adversários) reconhecidos – todos – pela imprensa como fontes legítimas de informação.