assistindo a tv americana pedro curi

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  • Revista GeMinis ano 4 - n. 2 v. 2 | p. 135 - 151

    at onde vai a conveRGncia?: assistindo tv noRte-aMeRicana no bRasil

    pedRo peixoto cuRiDoutorando do Programa de Ps-Graduao em Comunicao da Universidade Federal Fluminense PPGCOM-UFF.E-mail: [email protected]

  • ResuMo

    Programas de TV norte-americanos podem ser assistidos de qualquer lugar enquanto so transmitidos ou baixados pela internet horas depois. Espectadores fazem isso usando diferentes ferramentas e redes sociais, discutindo o que viram. No Brasil, no diferente, mas esse mercado global no parece to in-clusivo. Alguns programas possuem paratextos que fs estrangeiros no conseguem alcanar. Sentindo que esto perdendo parte da histria, fs brasileiros tentam criar novas formas de interagir com esses universos e com outros fs. Este trabalho procura mostrar como espectadores brasileiros interagem com produtos transmiditicos e entre eles em um consumo global, com elementos locais.

    Palavras-Chave: fs; televiso; convergncia miditica.

    abstRact

    American TV shows can be watched worldwide while they are broadcasted or downloaded a few hours later. Audiences use download tools and social networks to do it and discuss them later. It isnt differ-ent with Brazilian audiences, but sometimes this global market doesnt seem so inclusive. Some of these shows have paratexts that foreign fans cant reach. Feeling that they are losing parts of the story, Brazil-ian fans create ways to interact with those universes and other fans. This paper aims to investigate how Brazilian fans interact with transmediatic texts and between themselves in a global consumption with local traces.

    Keywords: fans; television; convergence culture.

  • Introduo

    Todos os dias, jovens brasileiros e de outras parte do mundo - consomem pro-dutos audiovisuais norte-americanos pela televiso, nas salas de cinema ou in-ternet. Conectados, discutem esses programas com outros jovens de diferentes nacionalidades, formando comunidades globais de espectadores.

    Dentro dessas comunidades, um grupo especfico, diretamente ligado cultu-ra popular ganha destaque: os fs. O f um consumidor caracterizado pelo excesso e possui modos prprios de consumir e de se relacionar com outros espectadores. O consumo do f se baseia nesse excesso e na fidelidade a textos e universos narrativos.

    Com os rpidos avanos nas tecnologias de distribuio, alguns pesquisadores que concentram seus estudos na cultura dos fs deixam de pensar em alguns produtos como importados e passam a caracteriz-los como globais, com pblicos internacio-nalmente dispersos (Harrington e Bielby, 2007 : 180). No entanto, ao tratar o consumo miditico como talvez o meio mais imediato, consistente e difundido pelo qual a glo-balidade experimentada (Murphy e Kraidy apud Harrington e Bielby, 2007 : 179), tem-se a ideia equivocada de que possvel consumir um produto dito global em sua totalidade de qualquer lugar do mundo.

    Muitos jovens brasileiros fazem download de sries de televiso e filmes. Criam canais e sistemas de trocas de arquivo e legendagem de produtos audiovisuais para o portugus. Organizam encontros e grupos de discusso sobre esses produtos, mas di-ficilmente tero acesso a todo o universo daquele textos convergentes, a todos seus pa-ratextos ou todas as interfaces criadas com o objetivo de criar a interao com o pblico.

    Este trabalho, parte inicial de uma pesquisa em andamento, busca privilegiar as prticas participativas de consumidores e fs brasileiros, tentando entender suas es-pecificidades, para iniciar um pensamento sobre a reconfigurao do campo audio-visual contemporneo, a partir da dimenso da cultura participativa e da cultura da convergncia e se debrua sobre os espectadores brasileiros que assistem programas atualmente veiculados na televiso norte-americana, interagindo entre si e desenvol-

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    Para isso, alm de lanar um olhar sobre algumas das prticas participativas criadas pelos fs brasileiros e sobre a forma como se organizam para acessar o mximo que conseguem dos programas de que gostam - e as estratgias que desenvolvem para isso -, o presente artigo aproxima esse olhar de dois produtos em torno dos quais mui-tos fs brasileiros se organizaram: American Idol e Heroes.

    Os jovens e o entretenimento

    Sunaina Maira e Elisabeth Soep (2005) localizam os jovens no centro da globali-zao, caracterizando-os como o principal alvo da indstria do entretenimento. Basean-do-se mais em uma posio social estruturada por poderes de consumo, criatividade e cidadania do que na idade biolgica, apresentam a juventude como um lugar de confli-to ideolgico que evoca questes relacionadas ao poder em contextos locais, nacionais e globais. Nesse sentido, a cultura jovem teria muito a ensinar sobre a produo de cen-tros e margens da cultura e ajudariam compreender como os jovens esto inseridos em um espao ambguo entre mercados globais e prticas locais. Geralmente, quando se fala de globalizao, a juventude entra na discusso para se falar apenas de consumido-res em um mercado global, mas ela est ajudando a construir e distribuir produtos en-quanto negocia sua circulao em sistemas e comunidades complexas (idem : xv-xxxv).

    A indstria do audiovisual uma das industrias mais populares do entreteni-mento. Atualmente, produtos concebidos em todo o mundo podem ser consumidos de qualquer parte do planeta e nas mais diversas mdias.

    Certamente, a cultura jovem j se caracterizava pela associao de diferentes textos, de nmeros musicais de artistas consagrados que eram televisionados e depois integravam trilhas sonoras at personalidades a dolos juvenis que apareciam em dife-rentes produtos desde a dcada de 50. No entanto, no fim dos anos 90, os produtos vol-tados para o pblico jovem eram uma mistura complexa de diferentes mdias, incluindo filmes, programas de televiso e clipes musicais. A prtica de veicular um produto de entretenimento atravs de mltiplas mdias, para explorar melhor diferentes mercados, destaca uma estratgia importante para a indstria cultural norte-americana no fim do sculo XX: a sinergia (Davis e Dickinson, 2004 : 88-90).

    Em Cultura da Convergncia (2008), Henry Jenkins apresenta a sinergia como a oportunidade econmica representada pela capacidade de possuir e controlar ma-

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    nifestaes de um contedo por diferentes sistemas de distribuio. Junto extenso tentativas de expandir mercados potenciais pelo movimento de contedos por esses sistemas e franquia empenho coordenado em imprimir uma marca e um mercado a contedos ficcionais, sob essas condies -, a sinergia seria uma pea fundamental cultura da convergncia (idem : 2008).

    Jonathan Gray, em seu livro Show sold separatey: promos spoilers and other media paratexts (2010), defende a ideia de que filmes e programas de televiso so ape-nas uma pequena parte da presena massiva e estendida de textos flmicos e televisivos nos ambientes em que vivemos e impossvel analisar esses textos ou seus impactos culturais sem levar em conta suas mais diversas proliferaes (idem : 2). Gray tambm usa o termo sinergia para falar sobre os materiais perifricos que se constroem e circu-lam em torno de um texto miditico. Esses materiais tm como objetivo promover esses textos e criam um universo em torno deles. So os trailers, os vdeos promocionais, as informaes de bastidores que vazam para o pblico ou so descobertas por eles, as-sim como brinquedos, livros, jogos de videogame e at novos textos desenvolvidos por consumidores. Se apropriando dos termos de Gerard Gennette, ele opta por cham-los de paratextos (ibidem : 6-7).

    Ainda que tenham acesso aos textos em si, os fs brasileiros no conseguem chegar to facilmente a alguns paratextos. Alguns deles at podem ser veiculados pela internet, mas alguns produtos relacionados a textos norte-americanos no esto dis-ponveis para venda na internet ou so oferecidos por preos proibitivos. Desta forma, espectadores brasileiros, ao contrrio do que muitos pensam, no tem acesso a todo o universo dos produtos que consomem. Alm disso, muitas vezes, no tm entrada fcil em comunidades internacionais e no participam de lgicas criadas pela indstria para consumidores norte-americanos.

    Se a convergncia de diferentes mdias se torna uma estratgia das grandes corporaes, isso acontece porque os consumidores aprenderam novas formas de inte-ragir com o contedo que encontram. De acordo com Jenkins (2008 : 44), a convergncia tanto um processo corporativo, de cima para baixo, quanto um processo de consu-midor, de baixo para cima. Para ele, a convergncia corporativa coexiste com a conver-gncia alternativa. As ferramentas tecnolgicas afetam no apenas a disseminao e a recepo, mas tambm a produo e a interao entre os usurios. A tecnologia cm-plice na gerao de produtos feitos por fs (Hellekson e Busse, 2006 : 13) e as mesmas tecnologias que possibilitaram a participao dos consumidores no contedo miditico tambm alteraram os padres de consumo, permitindo a formao dessa cultura parti-cipativa, que sustenta essa convergncia miditica e cria demandas que alguns estdios ainda no esto aptos a satisfazer. E os fs vo atrs do que querem.

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    - v. 2Um pblico que participa

    Desde o surgimento do conceito, o f era comumente definido por esteretipos de indivduos obcecados e histricos, tratados como vtimas de uma doena (Jenson, 1992). Desviantes, eram considerados perigosos. Aos poucos, o discurso acadmico pas-sou a permitir que o f no fosse mais visto como uma vtima da cultura massiva, um indivduo sem vontade prpria que receberia, sem hesitar, qualquer coisa que lhe fosse oferecida (Storey, 1996).

    Com o desenvolvimento dos estudos de recepo e uma noo mais aprofun-dada da ideia de pblico, a imagem do f comea a passar por transformaes. A partir da segunda metade da dcada de 70, os Estudos Culturais Britnicos propem que o processo comunicacional seja concebido como um sistema contnuo, deixando de lado a ideia de que o consumo menor que a produo, e, a partir de um maior interesse por manifestaes que eram consideradas vulgares, trazem s rodas de discusso acadmi-cas temas como a msica pop e as subculturas juvenis (Freire Filho, 2007 : 32; Monteiro, 2007 : 31; Storey, 1996 : 2).

    O consumo passa a ser visto como uma etapa fundamental para esses proces-sos e tambm como uma atividade ativa, a partir do momento em que se percebe que a codificao da mensagem, na produo, est ligada sua decodificao, na recepo. Um texto no carrega em si todos os sentidos que capaz de gerar e no pode garantir que efeitos ter. Cada texto trar sentidos diferentes para pessoas diferentes, dependen-do de como ele interpretado e das ferramentas interpretativas de quem o l (Gross-berg, 1992 : 52, 53).

    Michel de Certeau defende a ideia de que a leitura uma operao de caa, em que os leitores so apresentados como invasores que circulam por terras alheias, n-mades caando por conta prpria atravs dos campos que no escreveram (1994 : 269, 270). O texto seria um imvel alugado, onde o leitor passaria a viver temporariamente, adaptando-o para seu conforto.

    De Certeau prope que, para analisar as representaes - imagens que chegam pela televiso, por exemplo - e o comportamento do consumidor, preciso, tambm, estudar o que o ele produz com as imagens que recebe durante as horas que fica diante do aparelho (idem : 39). Nesse caso, toda produo corresponderia a uma produo se-cundria, dispersa e silenciosa, qualificada como consumo, caracterizada no por pro-dutos prprios, mas pelas formas de empregar os produtos consumidos. A existncia de cdigos e normas de utilizao no determinam como um produto ser manipulado pelo consumidor. Ao analisar a manipulao desses produtos, possvel notar as dife-

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    renas e semelhanas entre uma produo oficial e outra secundria.Henry Jenkins se baseia na obra de De Certeau, para desenvolver a ideia de

    que o f um produtor que se apropria dos textos que recebe para criar novos sentidos e produtos. Influenciado pelas reflexes dos Estudos Culturais, foi um dos primeiros a dizer que seria um erro pensar nos fs exclusivamente em termos de consumo, ao invs de produo e, indo de encontro quele discurso tradicional sobre o f, definiu-os como consumidores que tambm produzem, leitores que tambm escrevem, espectadores que tambm participam (1992 : 208).

    No entanto, as ideias de Jenkins diferem das apresentadas por De Certeau em dois pontos. Em primeiro lugar, enquanto De Certeau apresenta dos leitores como indi-vduos isolados uns dos outros, cujos sentidos so criados de forma silenciosa e dispersa e descartados assim que deixam de ser teis ou desejveis, para Jenkins, esse processo social. Atravs dele, as interpretaes individuais dos fs so moldadas e reforadas aps a discusso com outros leitores. Essas discusses expandem a experincia do texto alm do consumo inicial. Desta forma, os sentidos criados so integrados s vidas dos leitores.

    Em segundo lugar, no h dentro da tietagem uma noo clara entre leitores e autores, j que fs no consomem apenas histrias que circulam pelo mercado, crian-do tambm suas prprias histrias e colocando-as em circulao nas comunidades de que fazem parte. Os fs se diferenciam dos consumidores comuns quando comeam a produzir uma cultura prpria, marginal. Ao assumir o gosto pelo que marginal, se afirmam como oposio ao que dominante, se diferenciam e criam, para si, uma nova cultura, ainda que utilizem as normas da lgica dominante para construir essa cultura. A cultura dos fs faz da produo secundria descrita por De Certeau a fonte para a execuo de artefatos prprios (Jenkins, 1992 : 45; Storey, 1996 : 120, 126, 127).

    Contudo, a relao entre pblico e cultura no pode ser compreendida somente como a apropriao de textos e consumo ativo. No apenas a apropriao do texto que importa, mas a maneira como esse texto interpretado e utilizado. O consumo opera na criao de estruturas de prazer, que pode se dar de diferentes formas, como quebrar regras, fazer o que esperam de voc ou realizao de desejos, mesmo que de forma ef-mera e artificial. A cultura massiva, por sua vez, proporciona um prazer, que, na maio-ria dos casos, no individual, pois trabalha na produo de representaes ideolgicas em que nos colocamos e por meio das quais experimentamos o mundo. Para Grossberg (1992 : 56), a verdadeira fonte de popularidade da cultura popular no est nos efeitos ideolgicos, mas em sua produo pelo consumo.

    A produo cultural dos fs acontece na comunidade e voltada para ela.

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    a criao da cultura dos fs, que segue sistemas de produo e circulao prprios, diferentes dos utilizados na indstria cultural, contudo, com algumas semelhanas. A cultura oficial serve de base para a construo da cultura dos fs a partir do momento em que eles se apropriam de certas lgicas de produo e veiculao oficiais para poder criar e pr em circulao os objetos culturais desenvolvidos. Os fs criam relaes de autoridade por meio de investimento afetivo em algum objeto. A qualidade e quanti-dade do investimento conferem a um f determinado nvel de autoridade sobre certo assunto e sua posio na organizao social. A partir da possvel entender por que a relao do f com seu objeto caracterizada pelo excesso. Quanto maior o investimento afetivo, maior ser a diferenciao, legtima e ideologicamente. O excesso no s carac-teriza o investimento, como o justifica.

    O lugar dos jovens brasileiros

    Jovens costumam ser vistos como meros consumidores em um mercado global, mas eles tambm esto ajudando a produzir e distribuir produtos, assim como nego-ciam e facilitam ativamente sua circulao. Atualmente, jovens de qualquer lugar do mundo consomem os mesmos produtos quase simultaneamente: blockbusters so lana-dos no mesmo fim de semana em diferentes continentes para evitar a pirataria. lbuns musicais podem ser baixados por milhares de usurios por todo o mundo. Programas de TV norte-americanos podem ser vistos na internet enquanto so transmitidos ou baixados talvez, com legendas poucas horas depois de sarem do ar nos Estados Unidos.

    Esse pblico jovem se organiza em grupos, assiste aos programas e discutem entre eles, usando uma serie de ferramentas. Para dar acesso a outros fs, criam legen-das no idioma local e colocam disponveis para download. Atualmente os fs tem aces-so a quase todos os produtos disponveis no mundo, mas, como fs, eles querem mais.

    A televiso norte-americana principalmente sries de TV e desenhos ani-mados fazem parte da programao brasileira h dcadas. No entanto, muita coisa mudou desde que a TV por assinatura chegou ao pas no inicio da dcada de 90. Com canais mais segmentados, as pessoas puderam assistir sries norte-americanas durante todo o dia, com som original algo que parte dos fs brasileiros aprecia e legendas.

    A partir da, com a TV por assinatura, a lacuna entre a exibio nos Estados Unidos e no Brasil foi diminuindo, ainda que a negociao entre os canais brasileiros e os distribuidores norte-americanos ainda estivessem levando muito tempo.

    Isso no seria um problema se os espectadores no comeassem, anos mais tarde, a usar a internet para procurar informaes sobre os programas e a falar com

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    - v. 2espectadores norte-americanos e de outras partes do mundo. Eles viram que estavam atrasados e isso lhes parecia vergonhoso.

    Com o rpido desenvolvimento da internet, em um dia voc consegue desco-brir o que aconteceu no fim de um episdio do seu programa favorito enquanto ele est sendo licenciado e legendado pelos canais de televiso e no dia seguinte pode fazer o download e ver por voc mesmo. A partir daquele momento, no havia mais motivo para sentir vergonha.

    Desta forma, fs puderam comear a baixar seus programas favoritos, assistir a eles com legendas feitas por outros fs e discutir o que aconteceu com qualquer um, quando quisessem. Do FTP ao torrent, a prtica do download se transformou em algo bastante organizado.

    A imagem abaixo (Fig. 1) mostra um dos muitos sites de download existentes no Brasil. BaixarTV.com especializado em series de TV e reality shows e tem cerca de quatrocentos ttulos disponveis, entre sries canceladas e que ainda esto no ar.

    Figura 1 - Website BaixaTV.com

    Fonte: reproduo do autor

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    Todos os dias, novos episdios so disponibilizados para download e coloca-dos na pgina principal com um link que leva rea dedicada quela srie, onde h mais de uma opo de sites de compartilhamento de dados e tambm informaes sobre os programas. No BaixarTV.com, todos os episdios so convertidos para um formato de vdeo RMVB - mais leve que AVI, o que torna o download mais rpido e j tem legendas em portugus. Tudo isso criado por fs para agradar outros fs e tornar a vida deles mais fcil.

    Na outra imagem (Fig. 2), podemos ver o menu com alguns tutoriais, como o termo de uso do site; como assistir a um episdio ou filme com legendas que vm em arquivo separado do vdeo; como abrir um arquivo no formato RMVB; instrues de como usar cada site de compartilhamento de arquivos; e tambm um guia com o passo--a-passo para mudar seu endereo IP para baixar mais de um episdio por vez sem ter de fazer uma assinatura paga do site para isso.

    Tudo isso, todas essas instrues garantem que os fs tero acesso ao progra-mas a que querem assistir e tudo mais que desejam, certo? Errado.

    Em janeiro deste ano, com o anncio nos Estados Unidos de dois projetos de lei para combater a pirataria na internet, SOPA (Stop Online Piracy Act) e PIPA (Protect IP Act), alguns sites de compartilhamento de arquivos foram fechados, como o Megau-pload, que dizia ter 50 milhes de usurios. Entre eles estavam os fs brasileiros, que perderam um dos meios de acessar seus programas favoritos, mas que, ainda assim no se deram por vencidos.

    Figura 2 - Menu de Tutoriais do BaixarTV.com

    Fonte: reproduo do autor

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    - v. 2Alguns sites feitos por fs, como o prprio BaixarTV.com, que direcionavam para

    aqueles que haviam sido fechados, procuraram novas alternativas e voltavam a hospe-dar os episdios, pedindo pacincia aos outros fs, como na imagem abaixo (Fig. 3).

    Outros, como o The Music Dude, tambm muito popular at sair do ar, lana-ram, poca, pedidos para que os fs passassem a contribuir com dinheiro para que o site pudesse continuar no ar. Nos comunicados que podem ser lido nas imagens abaixo (Figs. 4 e 5), destacado o esforo feito para manter o site funcionando e a motivao para faz-lo: os prprios fs.

    Figura 3 - Comunicado aos usurios do BaixarTV.com

    Fonte: reproduo do autor

    Figura 4 - Comunicado aos usurios do The Music Dude

    Fonte: reproduo do autor

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    Figura 5 - Comunicado aos usurios do The Music Dude

    Fonte: reproduo do autor

    Se fs brasileiros j conseguiram uma srie de conquistas nessa batalha por acesso, a guerra est longe de acabar. Com produtos convergentes e universos cada vez mais e mais complexos e com as estratgias da indstria para proteger suas proprie-dades, alm de um pequeno problema geogrfico ainda existem muitos lugares aos quais os fs no conseguem chegar. Mas eles tentam de qualquer jeito. Sentindo que es-to perdendo parte da histria, os fs brasileiros tentam criar novas formas de interagir com esses universos e com outros fs.

    Dois exemplos

    Gostaria agora de chamar a ateno para dois produtos diferentes:O primeiro deles American Idol, um reality show musical baseado na interati-

    vidade e na votao popular que escolhe um novo dolo para os Estados Unidos. Muito popular no Brasil o que gerou at a criao da verso nacional dolos American

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    - v. 2Idol exibido na TV brasileira no canal por assinatura Sony Entertainment Television com legendas em portugus e editado para tirar as partes em que o apresentador, Ryan Sea-crest, diz os nmeros utilizados para a votao e faz outras intervenes ao vivo. Todo esse processo leva tempo e o intervalo entre a exibio nos Estados Unidos e no Brasil deixava alguns fs impacientes. No caso de American Idol, que tem de ser editado para a exibio local, os fs brasileiros realmente no conseguem ter acesso ao programa in-teiro. E o pior: como o programa muito popular, alguns sites de notcia no Brasil, por dois anos seguidos, divulgaram o campeo em suas capas, deixando loucos alguns fs que no gostam de spoilers.

    Tentando evitar a revolta dos fs e a migrao completa dos espectadores para a internet, a Sony Entertainment diminuiu o intervalo entre a exibio norte-americana e a brasileira de duas para uma semana, em 2010, e para trs dias em 2011. Alm disso, exibiu a final ao vivo para os espectadores brasileiros.

    Os fs de American Idol no usam a internet apenas para assistir ao progra-ma. Existem sites especializados feitos por fs e comunidades em redes sociais como o Orkut, nos quais possvel encontrar os episdios para download, arquivos das msi-cas, informaes sobre participantes, jurados e bastidores, alm de um espao para que possam conversar sobre aquilo a que assistem.

    Durante a turn feita pelos dez primeiros colocados pelos Estados Unidos, os fs organizam informao e compartilham o repertrio do show, vdeos das apresenta-es, comentrios e tudo mais que conseguem encontrar, para criar a sensao de que esto assistindo s apresentaes ao vivo e juntos.

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    Figura 6 - Imagem publicada por f do American Idol

    Fonte: reproduo do autor

    Essa foto (Fig. 6), por exemplo, foi encontrada e publicada por um f brasileiro em um frum, comeando uma discusso sobre o quanto o lugar estava mais vazio do que no ano anterior e se o American Idol Tour ainda tinha a mesma fora das edies passadas.

    Sem deixar o Brasil, os fs no tm, obviamente, como assistir aos shows pes-soalmente, fazer os testes para concorrer ao ttulo de dolo norte-americano ou ir ao local da transmisso ao vivo, mas h uma coisa que eles realmente gostaria de fazer de casa: votar. No site oficial do American Idol, fs conseguem acessar toda sorte de informaes, porm a votao s permitida para celulares e computadores que esto em territrio norte-americano.

    Um outro exemplo de prticas participativas est relacionado com a srie de fic-

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    - v. 2o Heroes. Concebida como um grande produto convergente, com um universo trans-miditico, Heroes foi, em sua primeira temporada, um enorme sucesso.

    Fs brasileiros assistiam aos episdios, compartilhavam opinies, coleciona-vam produtos e criavam teorias para explicar os eventos da histria, mas alguma coisa ainda estava faltando: representao.

    Heroes era sobre uma nova gerao de pessoas que haviam nascido com po-deres especiais e que estavam, de alguma forma, conectados. Seres humanos com ha-bilidades especiais foram encontrados nos Estados Unidos, Japo e at alguns pases da Amrica Central, mas dois fs brasileiros no ficaram completamente satisfeitos e decidiram tomar uma atitude e fizeram um fan film: uma apropriao audiovisual in-dependente de produtos da cultura pop, feita de forma amadora ou semi-profissional, sem necessidade de autorizao de uso de personagens e histrias protegidas por lei, realizada por um f e tendo outros fs como principal pblico alvo, sem a inteno de obter lucro com sua comercializao direta (Curi, 2010: 52).

    Heroes Brazil foi lanado no YouTube em 2008. Baseado na srie de TV, o filme de quase trs minutos apresenta algo que no foi feito pelos produtores da srie: a exis-tncia de brasileiros com habilidades semelhantes quelas da televiso.

    Fbio Tabah e Fernando Medici, que fizeram o filme sem nunca ter estudado ou trabalhado com cinema, j haviam se arriscado a realizar alguns vdeos curtos basea-dos dos jogos de vdeo-game e filmes de que gostavam. Heroes Brazil, no entanto, foi o primeiro a receber legendas em ingls, para que fs de outros pases, especialmente dos Estados Unidos, pudessem assistir e entender.

    Esses so exemplos de como os fs brasileiros podem, mesmo excludos da lgi-ca convergente de certos produtos que consomem, criar prticas participativas prprias e especficas que incluem a interao com outros fs, com os produtos e at mesmo o desenvolvimento de novos textos.

    Concluso

    Num mundo em que as opes de mdia esto em crescente ex-panso, haver brigas por espectadores cujos gostos e preferncias

    sero inditos para a mdia corporativa. As pessoas mais atentas da indstria j sabem disso: algumas esto tremendo, outras esto lutando para renegociar suas relaes com consumidores. No fim, os produtores precisam dos fs tanto quanto os fs precisam deles

    (Jenkins, 2008 : 193,226)

    Tem-se observado, nos ltimos anos, a emergncia de trabalhos que procuram acompanhar as mudanas nos mercados e nas lgicas produtivas e de consumo da cul-

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    tura massiva. Em 2006, quando lanou o livro Cultura da Convergncia (2008), Henry Jenkins chamou a ateno para os diferentes usos das novas mdias, para o potencial produtivo dos espectadores e o impacto de tudo isso para o mercado. O livro, principal referncia atual para tratar do assunto, considerado por ele mesmo como uma con-tinuao do trabalho que comeou em 1992 com Textual Poachers: Television Fans and Participatory Culture, quando os fs estavam margem das operaes culturais, eram ridicularizados na mdia, ameaados com processos legais e representados como pouco articulados e desprovidos de raciocnio (2006 : 1). Inspirado pela tradio dos Estudos Culturais britnicos que ajudaram a reverter a viso negativa que se mantinha das culturas juvenis, ele tentou construir uma nova imagem para a cultura dos fs, uma que compreendesse os consumidores de produtos miditicos como indivduos ativos, engajados e criativos (idem). J Cultura da Convergncia, nas prprias palavras de Jenkins, descreve um momento em que os fs so centrais para a forma como a cultura opera e o conceito de um pblico ativo, to controversa h duas dcadas, agora defen-dido por todos envolvidos na indstria miditica (ibidem).

    Apesar de as teorias em torno da cultura participativa terem evoludo bastante nos ltimos anos e de temas ligados convergncia miditica serem temas de diversos trabalhos no Brasil, poucas so as iniciativas de pensar essas prticas dentro de um contexto nacional, levando em considerao o consumo de espectadores brasileiros e os produtos produzidos no pas.

    Ainda que o Brasil possua uma slida produo audiovisual, composta princi-palmente por telenovelas, o pblico dessas narrativas no costuma criar novos textos ou prticas participativas efetivas, limitando-se aos comentrios ou devaneios sobre desfechos e rumos diferentes para uma histria, sem, no entanto, querer transpor suas elucubraes para uma nova produo.

    Os fs brasileiros podem no ter fora de ser fazer ouvir pela indstria norte--americana no cancelamento de sries ou produo de filmes, mas com o uso de novas tecnologias e novos meios, os eles podem ter mais acesso a essas questes, ainda que no sejam totalmente includos na lgica convergente da indstria.

    Apesar disso, consomem esses produtos e estabelecem prticas participativas especficas em relao a elas, reforando, com isso, a prpria lgica convergente.

    Criando e organizando comunidades complexas, desenvolvendo meios de acessar seus programas favoritos e os paratextos correspondentes a eles ou ainda es-crevendo, eles prprios, novos textos -, os fs brasileiros tm prticas participativas que os ajudam a chegar o mais perto que podem dos universos que tanto amam e tambm a dizer do que gostam e o que querem.

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    - n. 2

    - v. 2A partir dessas prticas, eles podem assistir aos programas, falar com outros

    fs, e consumir universos, mas, mais importante: a partir dessas prticas eles podem se expressar.

    Referncias Bibliogrficas:

    CURI, Pedro P.. Fan films: da produo caseira a um cinema especializado. 2010. 142f. Dissertao (Mestrado em Comunicao) - Curso de Ps-graduao em Comunicao, Universidade Federal Fluminense, Niteri, 2010.

    DAVIS, Glyn; DICKINSON, Kay (orgs.). Teen TV: Genre, Consumption, Identity. London: British Film Institute, 2004.

    De CERTEAU, Michel. A inveno do cotidiano: Artes de fazer. Petrpolis, RJ: Vozes, 1994.

    FISKE, John. (1992) The cultutal economy of fandom. In: LEWIS, Lisa A. (org.). The adoring audience: fan culture and popular media, p. 30-49. Londres: Routledge, 1992.

    GRAY, Jonathan. Show sold separately: promos, spoilers and other media paratexts. New York: New York University Press, 2010.

    HARRINGTON, c. Lee; BIELBY, Denise D.. Global Fandon/Global Fan Studies. In: GRAY, Jonathan; SANDVOSS Cornel; HARRINGTON, C. Lee. Fandom: Identities and Communities in a Mediated World, p. 179-197. New York: New York University Press, 2007.

    HELLEKSON, Karen; BUSSE, Kristina. Fan fiction and fan communities in the age of the internet. Jefferson: McFarland & Company, 2006.

    JENKINS, Henry. Cultura da convergncia: So Paulo: Aleph, 2008.

    JENSON, Joli. Fandom as Pathology: the consequences of characterization. In: LEWIS, Lisa A. (org.). The adoring audience: fan culture and popular media, p. 9-29. Londres: Routledge, 2001 (1992).

    MAIRA, Sunaina e SOEP, Elisabeth (orgs.). Youthscapes: the popular, the national, the global. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 2005.

    At onde vai a convergncia?: assistindo tv norte-americana no brasilResumo Introduo Os jovens e o entretenimento Um pblico que participa O lugar dos jovens brasileiros Dois exemplos Concluso Referncias Bibliogrficas: