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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO ASPECTOS DESTACADOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL DOS ESTABELECIMENTOS DE ESTACIONAMENTO THIAGO RONANN IBA Itajaí, junho 2010

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

ASPECTOS DESTACADOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL DOS ESTABELECIMENTOS DE

ESTACIONAMENTO

THIAGO RONANN IBA

Itajaí, junho 2010

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

ASPECTOS DESTACADOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL DOS ESTABELECIMENTOS DE

ESTACIONAMENTO

THIAGO RONANN IBA

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí –

UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em

Direito.

Orientador: Professor Msc. Marcelo Petermann.

Itajaí, junho 2010

MEUS AGRADECIMENTOS:

A Deus, por te sido um amigo fiel em todas as horas, o qual sempre me protegeu de todo o

mal e me abençoou, me dando força e estímulos para que eu alcançasse todos os

meus objetivos;

Aos meus pais Sebastião Iba e Neusa Amorim Iba, e meus irmãos Robson Ruan Iba e

Eduardo Ramon Iba, por estarem sempre tão presentes em minha vida, e pela

preocupação, dedicação e esforço;

A todos os amigos, que conquistei durante esses 5 anos de faculdade, fica registrado o

meu agradecimento, pois todos de certa forma me ajudaram a construir quem Sou.

ESTE TRABALHO DEDICO:

Aos meus pais, Sebastião Iba e Neusa Amorim Iba, os quais sempre, com muito esforço, lutaram para poder dar tudo de

melhor aos seus filhos. Espero, com o cumprimento desta importante etapa, estar

honrando a confiança que sempre depositaram em mim.

Cada dia é o dia do julgamento, e nós, com nossos atos e nossas palavras, com nosso

silêncio e nossa voz, vamos escrevendo continuamente o livro da vida. A luz veio ao

mundo e cada um de nós deve decidir se quer caminhar na luz do altruísmo construtivo ou

nas trevas do egoísmo. Portanto, a mais urgente pergunta a ser feita nesta vida é: O

que fiz hoje pelos outros?

Martin Luther King

TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade

pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a

Universidade do Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a

Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade

acerca do mesmo.

Itajaí, junho 2010

Thiago Ronann Iba Graduando

PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade

do Vale do Itajaí – UNIVALI, elaborada pelo graduando Thiago Ronann Iba,

sob o título Responsabilidade Civil Dos Estacionamentos, foi submetida em

10 de junho de 2010 à banca examinadora composta pelos seguintes

professores: Marcelo Petermann (Orientador), e

______________________ e aprovada com a nota _____,__________.

Itajaí, junho de 2010.

Msc. Marcelo Petermann Orientador e Presidente da Banca

Prof. Antônio Augusto Lapa Coordenação da Monografia

ROL DE CATEGORIAS

AÇÃO:

É o ato humano, comissivo ou omissivo, ilícito ou lícito, voluntário e

objetivamente imputável, do próprio agente ou de terceiro, ou o fato de

animal ou coisa inanimada, que cause dano a outrem, gerando o dever de

satisfazer os direitos do lesado1.

ATO ILÍCITO:

É o ato praticado culposamente em desacordo com a norma jurídica,

destinada a proteger interesses alheios2, ou seja, é a conduta contrária a

lei3.

ATO LÍCITO:

Ato lícito, pela força do reconhecimento do direito, tem o poder de criar

faculdades pela submissão à ordem constituída, não sendo ofensivo ao

direito alheio4.

CASO FORTUITO OU FORÇA MAIOR:

É todo evento desencadeador de danos em que não há culpa de ninguém5,

e fazem cessar a responsabilidade em razão de eliminarem a

culpabilidade, ante a sua inevitabilidade6.

1 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. v. 7. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 41/42. 2 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. v. 7. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 45. 3 MIRANDA, Pontes De. Tratado de Direito Privado. Parte Especial. Direi to das Obrigações . 2003. p. 242. 4 PEREIRA, Caio Mário Da Silva. Instituições de Direito Civil. Fontes das Obrigaçõe s. Volume III. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 415. 5 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil. Volume 2. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 387. 6 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. v. 7. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 113.

CONSUMIDOR:

É a pessoa física ou jurídica, que adquire produto, na qualidade de

destinatário final. O destinatário final do produto adquirido constitui a

grande massa, sobre a qual incidem as normas de proteção e defesa

constantes no presente Código7.

CONTRATO:

Constitui-se numa declaração de vontade destinada a produzir efeitos

jurídicos8.

CULPA:

A culpa é um dos pressupostos da responsabilidade civil [...] Agir com

culpa significa atuar o agente em termos de, pessoalmente, merecer a

censura ou reprovação do direito. E o agente só pode ser pessoalmente

censurado, ou reprovado na sua conduta, quando, em face das

circunstâncias concretas da situação, caiba a afirmação de que ele podia e

devia ter agido de outro modo9.

CULPA DE TERCEIRO:

É a existência de um ato negligente, imprudente ou imperito, por parte de

um estranho à lide, que deu causa ao dano10.

CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA:

É o ato culposo investido pela própria vítima do dano11. É causa de

exclusão do próprio nexo causal, porque o agente, aparente causador

direto do dano, é mero instrumento de determinada ocorrência12.

7 CRETELLA JUNIOR, José, René Ariel Dotti. Comentários ao código de defesa do consumidor. Rio de Janeiro: forense, 1992. p. 7e 8. 8 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos . 5. Ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 393. 9 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil . Vol. IV. São Paulo: Saraiva,1995. p. 295. 10 PEREIRA, Caio Mário Da Silva. Instituições de Direito Civil. Fontes das Obrigaç ões . Volume III. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 85. 11 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil . Vol. IV. São Paulo: Saraiva,1995. p. 334.

CLÁUSULA DE NÃO INDENIZAR:

É a estipulação através do qual uma das partes contratantes declara, com

a concordância da outra, que não será responsável pelo dano13.

DANO:

É o prejuízo suportado pela vítima14.

ESTACIONAMENTO:

Área onde veículos podem ser deixados temporariamente15.

FORNECEDOR:

São fornecedores, as entidades pertencentes a qualquer setor de

atividade, sejam hotéis, hospitais, corretoras de imóveis, empreiteiras de

mão-de-obra do setor de construção imobiliária, empresas de transportes,

oficinas mecânicas ou elétricas, depósitos, seguradoras, financeiras,

administradoras de consórcio, cooperativas de crédito, assim como o são

os pedreiro, pintores, jardineiros, etc. Em suma, qualquer pessoa física ou

jurídica que forneça produto ou serviço a outrem16.

NEXO DE CAUSALIDADE:

É o elo entre o dano e a ação ou omissão que o originou, ou seja, é o

liame que une a conduta do agente ao Dano17.

OMISSÃO:

A omissão, como pura atitude negativa, a rigor não pode gerar física ou

materialmente o dano sofrido pelo lesado, porquanto do nada nada

provém. Mas tem-se entendido que a omissão adquire relevância jurídica e

torna o emitente responsável, quando este tem dever jurídico de agir, de

12 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil . 6. Ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 89. 13 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. Responsabilidade Civil . vol. IV. 19 ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 120. 14 SAMPAIO, Rogério Marrone De Castro. Direito Civil Responsabilidade Civil . 2003, p. 98. 15 DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. Vol. II . São Paulo: Saraiva, 1998. p. 402. 16 LEITE, Roberto Basilone. Introdução ao Direito do Consumidor . São Paulo: LTR, 2002. pág.43. 17 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil . Vol. IV. São Paulo: Saraiva,1995. p. 329.

praticar um ato para impedir o resultado, dever, esse, que pode advir da

lei, do negócio jurídico ou de uma conduta anterior do próprio emitente,

criando o risco da ocorrência do resultado, devendo, por isso, agir para

impedi-lo18.

RELAÇÃO DE CONSUMO :

É a atividade que compreende, conjunta ou separadamente, a produção,

montagem, criação construção, transformação, importação, exportação,

distribuição ou comercialização de Produto ou Serviços19.

RESPONSABILIDADE CIVIL:

É a obrigação que incumbe uma pessoa a pagar o prejuízo causado a

outra pessoa20.

RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA:

É a obrigatoriedade à indenização sem que haja a culpa do agente.21

RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA:

É a obrigação de indenizar o dano, [...] pressupondo sempre a existência

de culpa22.

RESPONSABILIDADE CONTRATUAL:

Em sentido amplo, quer a expressão exprimir a obrigação assumida pelas

partes contratantes em virtude da qual se acham no dever de fazer ou

cumprir tudo que tenham convencionado ou ajustado23.

18 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil . 6. Ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 48. 19 KRIEGER FILHO, Domingos Afonso. O contrato de seguro no direito brasileiro . Niterói: frater et labor, 2000. p. 15. 20 RODRIGUES, Sílvio. Responsabilidade Civil: vol. IV. 19 ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 6. 21 GOLÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro . Volume I. São Paulo: Saraiva,1995, p. 451. 22 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: Direito das obrigações . 34. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 449. 23 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil . 6. Ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 95.

RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL:

É a transgressão de um dever jurídico imposto por preceito geral de

Direito, ou pela própria lei24.

SERVIÇO:

É qualquer atividade fornecida no mercado de consumo mediante

remuneração, inclusive as de natureza bancária financeira, de crédito e

securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista25.

24 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil . 6. Ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 89. 25 BRASIL, Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990: Código de defesa do consumidor.

SUMÁRIO

RESUMO ................................................................................ 14

INTRODUÇÃO ................................. Erro! Indicador não definido.

CAPÍTULO 1 ........................................ .................................. 18

RESPONSABILIDADE CIVIL ............................ ...................... 18

1.1. CONSIDERAÇÕES GERAIS ......................... ................................................ 18

1.2. RESPONSABILIDADE CIVIl ....................... .................................................. 20

1.3. AÇÃO OU OMISSÃO DO AGENTE .................... .......................................... 25

1.4. DANO OU PREJUÍZO ............................. ...................................................... 27

1.5. NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE O FATO E O DANO .... .......................... 30 1.6. EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE, ROMPIMENTO DO NEXO CAUSAL ............................................ ................................................................... 32

1.6.1. Culpa exclusiva da vítima .................. ..................................... ....34 1.6.2. Caso fortuito ou força maior ............... ..................................................... 35

1.6.3. Cláusula de não indenizar e outros ......... ................................................ 36

1.7. CULPA ........................................ ................................................................... 37

1.7.1. Gradação da Culpa .......................... ......................................................... 40

CAPÍTULO 2 ........................................ ............................................ 43

ESPECIES DE RESPONSABILIDADE....................... .............. 43

2.1. ESPÉCIES DE RESPONSABILIDADE ................. .................... 43

2.2. RESPONSABILIDADE CONTRATUAL E EXTRACONTRATUAL ...... 44

2.3. RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA E OBJETIVA .. ................ 54

2.4. RESPONSABILIDADE CIVIL DIRETA E INDIRETA ..... .................... 62

CAPÍTULO 3 ........................................ .................................. 64

RESPONSABILIDADE CIVIL DOS ESTACIONAMENTOS ....... 64

3.1. RELAÇÃO DE CONSUMO ........................... ................................................. 64

3.2. CONTRATO DE DEPÓSITO ......................................................................... 68

3.3. NATUREZA DO CONTRATO DE ESTACIONAMENTO ....... ........................ 70

3.4. RESPONSABILIDADE CIVIL DOS ESTACIONAMENTOS ........ .................. 71

3.5. EXCLUDENTES DA RESPONSABILIDADE CIVIL DOS ESTACIONAMENTOS ................................... ....................................................... 75

3.6. CASUÍSTICAS .................................. ......................................... 77

3.6.1. Estacionamento de clube recreativo ......... .............................................. 78

3.6.2. Estacionamento de edifício em condomínio ... ....................................... 79

3.6.3. Estacionamento da empresa em relação ao empr egado ....................... 81 3.6.4. Estacionamentos dos hospitais............... ................................................ 82

CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................. ....................... 84

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................ ................. 87

14

RESUMO

Na presente monografia abordam-se as questões

relevantes quanto ao tema da responsabilidade civil dos estacionamentos,

através de um exame baseado na legislação, na doutrina e na

jurisprudência, de forma a abordar todos os seus aspectos relevantes.

Num primeiro momento, faz-se uma análise dos

principais pontos acerca do instituto da responsabilidade civil. Após, é

tratado das espécies de responsabilidade civil, onde se destacam os

pontos da responsabilidade contratual e extracontratual e responsabilidade

subjetiva e objetiva. Por fim, é feita uma verificação pormenorizada do

instituto especificamente em relação aos estacionamentos, com citação de

casos especiais e destacados – casuísticas.

Diante da pesquisa realizada, verificou-se que, de

maneira geral, a responsabilidades civil dos estabelecimentos de

estacionamento é objetiva, pois derivada de um contrato de depósito, e

sobre a relação jurídica existente incidem as regras consumeristas, visto

ser o estabelecimento considerado um prestador de serviços ou

equiparado, na forma do Código de defesa do consumidor.

15

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objeto a temática

“Aspectos destacados da responsabilidade civil dos estabelecimentos de

estacionamento”.

O seu objetivo institucional é a obtenção do Título de

Bacharel e Direito pela Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI. O seu

objetivo geral é destacar os principais aspectos legais e doutrinários sobre

a responsabilidade civil e suas espécies no ordenamento jurídico

brasileiro. O seu objetivo específico verificar se os estabelecimentos

comerciais ou estabelecimentos que explorem a guarda de

veículos(estacionamento) podem ser responsabilizados pelos danos a

estes causados, em quais circunstâncias e sob que fundamentos.

A escolha do tema deu-se por se tratar-se

extremamente pertinente ao direto civil, com a aplicabilidade prática

freqüente. Ab initio, serão alinhavadas diversas teorias e reflexões, com

fundamento doutrinário e jurisprudencial, acerca da responsabilidade civil,

para então adentrar no tema específico da responsabilidade civil dos

estabelecimentos.

Além de atual e relevante, o tema instiga por ter sido

alvo de discussões tanto da doutrina quanto da jurisprudência, tendo em

vista que os empreendimentos denominados “Estacionamento” são

relativamente novos no cotidiano da sociedade brasileira, não havendo

normas regulamentadoras específicas e devidamente sedimentadas.

Para alcançar o objetivo da pesquisa, na forma

proposta, foi utilizado o método indutivo, desenvolvendo-se uma análise a

partir de pesquisa bibliográficas e documental no campo do Direito Civil.

16

Para o tema em análise surgem algumas formulações

do problema:

a) Os estabelecimentos de estacionamento

respondem pelos danos causados aos seus usuários?

b) Qual o tipo de responsabilidade deve ser aplicada

aos estabelecimentos de estacionamento?

c) As normas contidas no código de defesa do

consumidor se aplicam na relação entre estabelecimento e clientes

usuário?

Para responder tais problemas de pesquisa, bem como

alcançar os objetivos da pesquisa, o trabalho foi estruturado em três

capítulos, os quais examinam as seguintes hipóteses:

a) Os estabelecimentos de estacionamento respondem

pelos danos causados aos veículos de seus clientes ou usuários.

b) A responsabilidade dos estabelecimentos de

estacionamento por danos causados a seus clientes ou usuários é objetiva.

c) Aplicam-se à relação entre estabelecimentos de

estacionamento e seus clientes ou usuários as normas protetivas contidas

no Código de Defesa do Consumidor.

A presente monografia foi dividida em três capítulos. O

primeiro aborda considerações diversas acerca do instituto da

responsabilidade civil, inclusive com breve histórico, etimologia e

abordagem dos elementos que o estruturam, notadamente o dano, a culpa

e o nexo de causalidade.

17

Já o segundo visa tratar especificamente sobre as

espécies de responsabilidade civil, notadamente a responsabilidade

contratual e extracontratual e a subjetiva e objetiva, em razão de serem

fundamentais ao aprofundamento do tema específico “responsabilidade

civil dos estacionamentos”.

Por fim, no terceiro capítulo é examinado mais

centradamente a questão da responsabilidade civil dos estabelecimentos,

demonstrando sua caracterização como contrato de depósito e relação

estabelecida como sendo de consumo. Outros temas como a efetiva

obrigação de indenizar danos causados no interior dos estacionamentos, a

responsabilidade solidária quando o estacionamento é administrado por

empresa terceirizada e as hipóteses específicas de exclusão da

responsabilidade dos estacionamentos são abordados com vagar e

profundidade.

Importante destacar que o presente estudo não visa

apenas estabelecer se há ou não obrigação de indenizar por parte dos

estacionamentos, mas sim apresentar fundamentos e premissas para uma

conclusão nesse sentido, de modo a colaborar com a comunidade jurídica

nesta relevante discussão.

18

CAPÍTULO 1 RESPONSABILIDADE CIVIL

1.1. CONSIDERAÇÕES GERAIS

O instituto jurídico da Responsabilidade Civil integra o

direito das obrigações, tanto que se encontra inserido topicamente no título

IX do Livro I do CC/2002 (Do Direito das Obrigações).

Como bem explica Venosa, “o estudo da

responsabilidade civil é parte integrante do direito das obrigações, sendo a

reparação dos danos algo sucessivo à transgressão de uma obrigação,

dever jurídico ou direito”26.

A obrigação é conceituada pacificamente como sendo

“o vínculo jurídico que confere ao credor o direito de exigir do devedor o

cumprimento da prestação”27.

Esta obrigação pode ter como fonte tanto um ato da

vontade humana (os contratos, as declarações unilaterais de vontade e os

atos ilícitos) como a vontade do Estado (a lei).

Deve a obrigação ser livre e espontaneamente

cumprida. Quando o cumprimento da obrigação não ocorre e sobrevém o

inadimplemento, advém a responsabilidade, que é a conseqüência jurídica

26 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Reponsabilidade Civil . 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005. v.4. p. 14. 27 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito das Obrigações: parte especial, tomo II: Responsabilidade Civil. 3. Ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 01.

19

patrimonial do inadimplemento da relação obrigacional. Assim, só existirá a

responsabilidade se o devedor não cumprir espontaneamente a obrigação.

Apesar da correlação entre os institutos, não se deve

confundir obrigação com responsabilidade, pois é possível a existência de

uma sem a outra.

As dívidas de jogo e as prescritas, por exemplo, são

exemplos de obrigações sem responsabilidade. Isto porque, apesar de

existir um vínculo jurídico originário entre duas pessoas, credor e devedor,

o inadimplemento deste último não lhe acarreta conseqüência patrimonial

forçada.

Já o caso do fiador pode ser citado como exemplo de

uma responsabilidade sem obrigação. Isto porque o fiador pode ser

responsabilizado pelo pagamento de determinado débito, cuja obrigação

inadimplida não é sua, mas sim do afiançado.

O vocábulo “responsabilidade” tem sua origem no verbo

latino respondere, significando a obrigação que alguém tem de assumir as

conseqüências jurídicas de sua atividade. Tal termo contém, ainda, a raiz

latina spondeo, fórmula pela qual se vinculava, no direito romano, o

devedor nos contratos verbais28.

O termo responsabilidade é utilizado juridicamente para

situações nas quais uma pessoa deva arcar com as conseqüências de um

ato, fato ou negócio danoso (situações que causem dano a outrem).

28 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. v. 7: Responsab ilidade civil . 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 87

20

Daí a Venosa destacar que “o estudo da

responsabilidade civil abrange todo o conjunto de princípios e normas que

regem a obrigação de indenizar”29.

O princípio motriz da responsabilidade civil é o da

reparação do dano, tanto que “os ordenamentos contemporâneos buscam

alargar cada vez mais o dever de indenizar, alcançando novos horizontes,

a fim de que cada vez menos restem danos irresarcidos”30.

Identificando que um fator de instabilidade e

inquietação social seria a existência de um dano ou prejuízo não reparado

é que atuam os princípios e ideais da responsabilidade civil, mormente ao

buscar a restauração de um equilíbrio patrimonial ou moral violado.

Partindo de tais premissas, Lisboa31 salienta que

responsabilidade é o dever jurídico de recomposição do prejuízo

suportado, cominado ao seu agente direto ou indireto, compondo um

vínculo obrigacional cuja finalidade é o ressarcimento.

1.2. RESPONSABILIDADE CIVIL

A responsabilidade civil está fundamentada no

restabelecimento da situação anterior ao dano, isto é, todo dano tem o

29 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Reponsabilidade Civil . 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005. v.4. p. 13. 30 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Reponsabilidade Civil . 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005. v.4. p. 14. 31 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil. Obrigações e Responsabilid ade Civil . 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. v. 2. p. 112.

21

direito de ser indenizado na mesma magnitude, restabelecendo-se o

equilíbrio das relações32.

Gagliano e Pamplona Filho33 salientam que no regime

jurídico da reparação civil existem três funções de fácil visualização: a

função compensatória do dano à vítima, a punitiva do ofensor e a

desmotivação social da conduta lesiva.

Dower34 informa que quando alguém causa prejuízo a

outrem está obrigado a reparar o dano. Tal situação jurídica tem como

pressuposto que o ser humano, desde que capaz, deve responder por seus

atos. Havendo um comportamento positivo (ação) ou negativo (omissão),

contrário ao direito e alcançando terceiro, causando-lhe prejuízo, deve o

agressor arcar com as suas conseqüências, ou seja, deve reparar o dano

causado, restaurando o equilíbrio que sua ação ou omissão, dolosa ou

culposa, atingiu.

Assim, o ato material que infringe o dever legal e causa

prejuízo a outrem é considerado ato ilícito. Sua conseqüência, no campo

privado, está na responsabilidade civil que consiste no dever que alguém

tem de reparar o dano a que der causa. A respeito desse tema, para

fundamentar sua posição, o autor antes citado apresenta a seguinte

jurisprudência:

Reparar o dano, na responsabilidade civil por ato ilícito, é o

mesmo que recompor o patrimônio prejudicado na mesma

medida em que foi diminuído mercê da ação danosa, sendo

32 STOCCO, Rui. Responsabilidade civil e sua interpretação jurispru dencial. 4ª ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1999. p. 67. 33 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil . São Paulo: Saraiva, 2003. v. 3. p. 10. 34 DOWER, Nelson Godóy Brassil. Curso moderno de direito civil: Contratos e responsabilidade civil . 3. ed. São Paulo: Nelpa, 2005. p. 95.

22

certo o minus deixado no patrimônio do credor, efetivamente

e realmente o restaure por completo35.

A responsabilidade civil, na acepção de Diniz36, pode

ser definida como a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa, em

razão de seu próprio ato, a reparar o dano moral ou patrimonial causado a

terceiros, de pessoa por quem ele responde, ou de fato de coisa ou animal

sob sua guarda (responsabilidade subjetiva) ou, ainda, de simples

imposição legal (responsabilidade objetiva). Salienta, ainda, que esta

definição guarda em seu arcabouço a noção de culpa quando se cogita da

existência de ilícito e a do risco, ou seja, da responsabilidade sem culpa.

Rodrigues37 frisa que o princípio geral de direito,

informador de toda a teoria da responsabilidade, encontradiço no

ordenamento jurídico de todos os povos civilizados e sem o qual a vida em

social é quase inconcebível, é aquele que impõe a quem causa dano a

outrem o dever de repará-lo. Informa que tal princípio se encontra

registrado, no direito pátrio, no art. 186 do Código Civil (CC).

Por sua vez, o art. 186 do CC disciplina que “aquele

que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar

direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete

ato ilícito”.

Gagliano e Pamplona Filho38 consideram tal dispositivo

mais preciso do que o correspondente da lei anterior, uma vez que este

não fazia menção ao dano moral. Da análise do art. 186 do CC, entendem

que é possível extrair os seguintes elementos ou pressupostos gerais da

responsabilidade civil: a) conduta humana (positiva ou negativa); b) dano

35 RT 582/156. 36 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidad e civil. 7. Vol. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 123. 37 RODRIGUES, Sílvio. Responsabilidade Civil , vol. IV. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 74. 38 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil . Vol. 3. São Paulo:Saraiva, 2003. p. 10.

23

ou prejuízo; c) nexo de causalidade. Para esses autores a culpa é

elemento acidental da responsabilidade civil, embora mencionada no

referido dispositivo de lei por meio das expressões “ação ou omissão

voluntária, negligência ou imprudência”.

Rodrigues39, desdobrando o artigo 186 do Código Civil,

verifica que este engloba alguns conceitos que insinuam a existência de

pressupostos, comumente necessários, para que exista a responsabilidade

civil. Aponta como pressupostos da responsabilidade civil a ação ou

omissão do agente, culpa do agente, relação de causalidade e dano

experimentado pela vítima.

Para Monteiro40 a responsabilidade civil tem como

derradeiros legais: a existência de um dano contra o direito; a relação de

causalidade entre esse dano e o fato imputável ao agente; e, a culpa

deste, isto é, que ele tenha obrado com dolo ou culpa (negligência,

imprudência ou imperícia).

Segundo lição de Lisboa:

A responsabilidade civil deve ser analisada a partir de um

grupo de elementos que possibilitem o reconhecimento do

dever de reparação do prejuízo patrimonial ou

extrapatrimonial. Aponta que os elementos da

responsabilidade civil são de duas categorias. Os primeiros,

por considerar imprescindíveis, cognomina de essenciais,

distinguindo os elementos subjetivos – agente e vítima –

dos elementos objetivos – conduta, dano e nexo de

causalidade. A outra categoria nomeia de elementos

acidentais, pois podem existir em determinadas relações

jurídicas específicas, sem, contudo sua carência não

39 RODRIGUES, Sílvio. Responsabilidade Civil. vol. IV. 19 ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 38. 40 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: Direito das obrigações . 34ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 115.

24

impedir a responsabilização. São elementos essenciais

subjetivos os que municiam determinada qualidade jurídica

ao agente ou à vítima e os objetivos aqueles que

possibilitam a responsabilidade a determinado título, de

forma específica. Com isso, conclui que os pressupostos da

responsabilidade civil são as partes, o dano e o nexo de

causalidade41.

Diniz42 corrobora que a caracterização dos

pressupostos necessários à conformação da responsabilidade civil, ante a

ampla ambigüidade doutrinária, é tarefa complexa. No seu entender, a

responsabilidade civil requer a existência de uma ação comissiva ou

omissiva qualificada juridicamente - com e sem culpa -; ocorrência de um

dano moral ou patrimonial; nexo de causalidade entre o dano e a ação

(fato gerador da responsabilidade).

Viana Pinto43 cita que os elementos básicos que

compõem o instituto jurídico da responsabilidade civil, em atenção ao texto

do artigo 186 do Código Civil, são a ação ou omissão, o dano impingido à

vítima, a culpa ou dolo do autor do dano, o nexo de causalidade entre o

fato culposo ou doloso e o mesmo dano. Assim, para que determinada

pessoa seja obrigada a indenizar, é necessária a presença de

pressupostos que integram a responsabilidade civil.

Em linhas gerais, a responsabilidade civil tem os

seguintes pressupostos: ação ou omissão do agente, o dano, o nexo de

causalidade entre aquele ato e este dano, e a presença ou não de culpa ou

dolo.

41 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil. Obrigações e Responsabilid ade Civil . Vol. II. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 95. 42 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidad e civil. 7. Vol. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.p. 156. 43 VIANA PINTO E. Responsabilidade Civil de acordo com o Novo Código Civil. Síntese, Porto Alegre, 2003. p. 88.

25

1.3. AÇÃO OU OMISSÃO DO AGENTE

Até por um imperativo de precedência lógica, o ato

voluntário é o primeiro elemento da responsabilidade civil44.

Para Gagliano e Pamplona Filho45, apenas o homem,

portanto, por si ou por meio das pessoas jurídicas que forma, poderá ser

civilmente responsabilizado. Nesse contexto, fica descomplicado perceber

que a ação ou omissão humana voluntária é pressuposto cogente para a

configuração da responsabilidade civil. Trata-se, em outras palavras, da

conduta humana, positiva (ação) ou negativa (omissão), inspirada pela

vontade do agente, que desemboca no dano.

O núcleo fundamental da noção de conduta humana é a

voluntariedade, que resulta exatamente da liberdade de escolha do agente

imputável, com discernimento necessário para ter consciência daquilo que

faz.

Nesse aspecto, interessante conhecer a lição de

Diniz46, in verbis:

A ação, elemento constitutivo da responsabilidade, vem a

ser o ato humano, comissivo ou omissivo, ilícito ou lícito,

voluntário e objetivamente imputável, do próprio agente ou

de terceiro, ou de fato de animal ou coisa inanimada, que

cause dano a outrem, gerando o dever de satisfazer os

direitos do lesado.

44 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Responsabilidade Civil . 4ªed. São Paulo: Atlas; 2004. p. 136. 45 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil . Vol. 3. São Paulo:Saraiva, 2003. p. 10. 46 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidad e civil , 7º Volume. 18. ed. São Paulo:Saraiva, 2004. p. 43-44.

26

A ação, fato gerador da responsabilidade, poderá ser ilícita

ou lícita. A responsabilidade decorrente de ato ilícito baseia-

se na idéia de culpa, e a responsabilidade sem culpa funda-

se no risco, que se vem impondo na atualidade,

principalmente ante a insuficiência da culpa para solucionar

todos os danos. O comportamento do agente poderá ser

uma comissão ou uma omissão.

Já a omissão é um não fazer. Nas palavras da

doutrinadora anteriormente citada47:

A comissão vem a ser a prática de um ato que não se

deveria efetivar, e a omissão, a não-observância de um

dever de agir ou da prática de certo ato que deveria se

realizar. A omissão é, em regra, mais freqüente no âmbito

da inexecução das obrigações contratuais. Deverá ser

voluntária no sentido de ser controlável pela vontade à qual

se imputa o fato, de sorte que excluídos estarão os atos

praticados sob coação absoluta; em estado de

inconsciência, sob o efeito de hipnose, delírio febril, ataque

epiléptico, sonambulismo, ou por provocação de fatos

imprevisíveis como tempestades, incêndios desencadeados

por raios, naufrágios, terremotos, inundações etc.

Importante, ainda, citar que a responsabilidade pode

resultar de ato do próprio agente (CC, art. 940 etc), de ato de terceiro que

esteja sob a guarda do agente (CC, art. 932) ou ainda de danos causados

por animais (CC, art. 936) ou coisas (CC, art. 937) que lhe pertençam.

Por fim, destaca, quanto à responsabilidade por

omissão, que o pressuposto da responsabilidade é a existência de um

dever jurídico quanto à prática de determinado ato, além de que, como

47 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidad e civil , 7º Volume. 18. ed. São Paulo:Saraiva, 2004. p. 43-44.

27

bem adverte Gonçalves48, “se demonstre que, com sua prática, o dano

poderia ter sido evitado”.

1.4. DANO OU PREJUÍZO

Para Lisboa49, dano é o prejuízo suportado por uma

pessoa.

O dano pode ser patrimonial, se a vítima deixou de

auferir ou perdeu bens em razão do dano, ou extrapatrimonial, se não

houver repercussão na órbita financeira do lesado (como na ofensa aos

direitos da personalidade). A Constituição Federal (CF) de 1988 assegurou

o direito a indenização tanto pelo dano material como o moral decorrente

de sua violação.

Como o dano moral, hoje, também é indenizável, cabe

bem delimitá-lo. Gonçalves50 assim o conceitua:

Dano moral é o que atinge o ofendido como pessoa, não

lesando o seu patrimônio. É lesão de bem que integra os

direitos de personalidade, como a honra, a dignidade, a

intimidade, a imagem, o bom nome etc., como se infere dos

arts. 1°, III, e 5°, V e X, da Constituição Federal , e que

acarreta ao lesado dor, sofrimento, tristeza, vexame e

humilhação.

48 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito das Obrigações: parte especial, tomo II: Responsabilidade Civil. 3. Ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 17. 49 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil. Obrigações e Responsabilid ade Civil . 2. V. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. 50 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito das Obrigações: parte especial, tomo II: Responsabilidade Civil. 3. Ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 107.

28

O desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de

Janeiro, Sérgio Cavalieri, excetua que “o mero dissabor, aborrecimento,

mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano

moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia-a-

dia [...] tais situações não tão intensas e duradouras, a ponto de romper o

equilíbrio psicológico do indivíduo”51.

Importante destacar que o dano moral dispensa

qualquer espécie de prova em concreto, visto passar-se no interior da

personalidade do indivíduo. Assim, existe in re ipsa, tratando-se de

presunção absoluta. Como exemplifica Gonçalves, “não precisa a mãe

comprovar que sentiu a morte do filho; ou o agravado em sua honra

demonstrar em juízo que sentiu a lesão”52. Necessário apenas provar a

ofensa, o nexo e a culpa que o dano moral será presumível.

Já o dano material, que é aquele com repercussão

financeira direta, pode ser subdividido em dano emergente e lucro

cessante.

O primeiro corresponde ao prejuízo efetivo sofrido pela

vítima, enquanto o segundo corresponde à frustração da expectativa de

lucro.

Seja material (dano emergente ou lucro cessante), seja

moral, é condição essencial para a responsabilização civil que exista dano.

Não existe a obrigação de reparar, quando não se tem dano.

Assim revela a lição de Gonçalves53:

51 CAVALIERI, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil . 2. Ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 78. 52 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito das Obrigações: parte especial, tomo II: Responsabilidade Civil. 3. Ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 108. 53 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito das Obrigações: parte especial, tomo II: Responsabilidade Civil. 3. Ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 88.

29

Ação de indenização sem dano é pretensão sem objeto,

ainda que haja violação de um dever jurídico e que tenha

existido culpa e até mesmo dolo por parte do infrator. Se,

por exemplo, o motorista comete várias infrações de

trânsito, mas não atropela nenhuma pessoa nem colide com

outro veículo, nenhuma indenização será devida, malgrado

a ilicitude de sua conduta.

Não bastasse, somente se viabiliza a obrigação de

reparar o dano se o prejuízo for ressarcível. Dano ressarcível é o prejuízo

jurídico que apresenta as seguintes características: certeza, atualidade e

subsistência. Assim, não há responsabilidade civil sem dano, dano este

que deve ser certo, concreto e atual.

Desse modo, dano é o prejuízo resultante da lesão a

um direito. Venosa54 cita que o dano incide no prejuízo tolerado pelo

agente. Pode ser individual ou coletivo, material ou moral, ou melhor,

econômico e não econômico. Para esse autor, o conceito de dano sempre

foi objeto de muita controvérsia. Na idéia de dano está sempre presente a

ciência de prejuízo. Nem sempre a transgressão de uma norma causa

dano. Somente haverá probabilidade de indenização, como regra, se o ato

ilícito provocar dano. Cuida-se, portanto, do dano injusto, em atenção ao

princípio do qual a ninguém é dado o direito de prejudicar a alguém

(neminem laedere).

Em uma visão mais atual, pode-se alcançar que a

expressão dano injusto traduz a mesma noção de lesão a um interesse,

expressão que se torna mais própria modernamente, tendo em vista o vulto

que tomou a responsabilidade civil. No dano moral, leva-se em conta a dor

psíquica ou mais propriamente o desconforto comportamental. Trata-se,

em última análise, de interesses que são cingidos de maneira injusta. O

dano ou interesse deve ser atual e certo; não sendo indenizáveis, a

54 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Responsabilidade Civil . 4ªed. São Paulo: Atlas, 2004.

30

princípio, os danos hipotéticos. Sem dano ou sem interesse transgredido,

patrimonial ou moral, não se corporifica a indenização.

Assim, a materialização do dano sobrevém com a

definição do efetivo prejuízo experimentado pela vítima, sem o qual não

haverá responsabilidade e a conseqüente indenização. Segundo

Gonçalves55, “mesmo que haja violação de um dever jurídico, e que tenha

existido culpa e até mesmo dolo por parte do infrator, nenhum indenização

será devida sem que se tenha verificado prejuízo”, ou seja, sem que tenha

havido dano.

1.5. NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE O FATO E O DANO

Nexo causal é a verificação da conexão da causa e seu

efeito, que segundo a doutrina de nomeada vem expressa no verbo

“causar”, utilizado no art. 186 do CC.

Para que reste efetivada a obrigação de indenizar o

dano suportado pela vítima, é indispensável o nexo causal entre o ato ou

omissão do agente e o dano propriamente dito, sob pena de não ser

caracterizada a responsabilidade civil.

Neste mesmo diapasão, afirma Gonçalves56, que o

nexo de causalidade é um dos pressupostos da responsabilidade civil,

entre o fato ilícito e o dano por ele produzido. Mesmo havendo o dano,

deve haver o nexo de causalidade entre estes, um dano só produz

55 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito das Obrigações: parte especial, tomo II: Responsabilidade Civil. 3. Ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 139. 56 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. Ed. São Paulo: Saraiva 1995.p. 129.

31

responsabilidade, quando ele tem por causa uma falta cometida ou um

risco legalmente sancionado.

Esta é a lição de Gomes, que passa a bem definir este

elemento de pressupõe a responsabilidade civil:

[...] o nexo de causalidade é o elo entre o dano e a ação ou

omissão que o originou. Além do dano e da culpa do agente,

a vítima deverá provar que foi esta que produziu aquele. [...]

O nexo de causalidade revela a causa do dano,

identificando o fato que o produziu.57

Disto resulta a necessidade de que haja uma

interligação entre a prática do ato e a sua conseqüência, ou seja, o dano.

Venosa58 explica que o conceitua de nexo causal, nexo

etiológico ou relação de causalidade (expressões sinônimas) deriva das

leis naturais.

Cumpre debruçar-se na lição de Venosa59, que

conceitua e discorre brilhantemente sobre o tema nexo causal, in verbis:

É o liame que une a conduta do agente ao dano. É por meio

da análise da relação causal que é possível concluir quem

foi o causador do prejuízo. Trata-se de elemento

indispensável. A responsabilidade objetiva dispensa a

culpa, mas nunca exonerará o nexo causal. Se a vítima, que

experimentou um dano, não coligar o nexo causal que leva

o ato danoso ao responsável, não há como ser ressarcida.

57 GOMES, Marcelo Kokke. Responsabilidade Civil: Dano e Defesa do Consumidor . 2001. p. 45. 58 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Responsabilidade Civil . 4ªed. São Paulo: Atlas; 2004. p. 53. 59 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Responsabilidade Civil . 4ªed. São Paulo: Atlas; 2004. p. 53.

32

Nem sempre é fácil, no caso concreto, estabelecer a relação

de causa e efeito.

Sampaio chama a atenção para a existência das

concausas, o que poderiam dificultar a análise do nexo causal, verbis:

[...] na prática, contudo, esbarra-se na dificuldade de se

identificar o necessário liame de causalidade que permita

atribuir determinado resultado ao comportamento de uma

pessoa, principalmente diante da presença de vários

comportamentos, que, de alguma forma, contribuíram para o

resultado. São as chamadas concausas, que podem ser

sucessivas ou simultâneas.60

Para Diniz61, nexo de causalidade entre o dano e a

ação é fato gerador da responsabilidade civil, pois esta não poderá existir

sem o liame entre a ação e o dano. Se o lesado experimentar um dano,

mas este não resultou da conduta do réu, o pedido de indenização será

improcedente. Para a indenização ser procedente, será indispensável a

inexistência de causa excludente de responsabilidade, como, por exemplo,

a ausência de força maior, de caso fortuito ou de culpa exclusiva da vítima

(que serão tratadas à frente).

1.6. EXCLUDENTES DA RESPONSABILIDADE. ROMPIMENTO DO NEXO

CAUSAL

Existem situações que podem vir a interferir nos

eventos ilícitos, rompendo ou impedindo que se concretize o nexo causal

entre o dano e o ato do agente causador do dano.

60 SAMPAIO, Rogério Marrone De Castro. Direito Civil Responsabilidade Civil . 2003. p. 87. 61 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, 7º Vol: Respons abilidade civil. 18ª ed. São Paulo:Saraiva, 2004.

33

Com o rompimento do nexo causal, não haverá

obrigação de indenizar, razão por que tais eventos são caracterizados

como excludentes da responsabilidade civil.

Para Gomes62, as excludentes da responsabilidade civil

são causas que afastam a obrigação indenizatória, não obstante a

existência do dano. Há casos em que a responsabilidade de arcar com a

indenização, não chega a ser formada e concretizar, enquanto que em

demais fatos, a responsabilidade realmente existia, mas por ocasião de

outro fato, deixou de existir. É, principalmente, dentre os elementos da

caracterização da responsabilidade civil, o do nexo de causalidade, como

forma de afastar a obrigação.

Neste sentido afirma Coelho, que:

[...] verificada a excludente, a responsabilidade civil não se constitui. São três as razões de exclusão da responsabilidade civil, subjetiva ou objetiva: a inexistência de danos ou da relação de causalidade e a cláusula de não indenizar. À vítima, em princípio, cabe provar os elementos constitutivos da responsabilidade civil, enquanto ao demandado incube a prova da excludente que tiver suscitado.63

Enfim, as excludentes são a culpa ou fato exclusivo da

vítima, o caso fortuito ou força maior e, no campo contratual, a cláusula de

não indenizar.

Ve-mo-las uma a uma.

62 GOMES, Marcelo Kokke. Responsabilidade Civil. Dano e Defesa do Consumidor. 2001. p. 78. 63 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil. V. 2. 2004. p. 383.

34

1.6.1. Culpa Exclusiva da Vítima

Em havendo culpa exclusiva da vítima, “o causador do

dano não passa de mero instrumento do evento danoso”, conforme

palavras de Gonçalves64, desaparecendo, assim, sua responsabilidade civil

quanto aos desdobramentos do fato. Exemplo típico é o da pessoa que,

pretendendo suicidar-se, atira-se sobre o carro de outrem, que apesar de

causar dano ao suicida, não será obrigado a repará-lo, pois terá havido

rompimento do nexo de causalidade pelo comportamento da vítima, único

responsável pelo dano ocorrido.

Coelho destaca que:

[...] quando o dano decorre de culpa exclusiva da vítima, também não se estabelece a relação de causalidade entre ele e o ato ou atividade do demandado. [...] é a vítima que causou o dano e não há razões para imputar-se a quem quer que seja a responsabilidade pela indenização dos prejuízos. A vítima deve suportá-los inteiramente porque foi apenas dela a culpa pelo evento danoso. [...] É necessário que seus atos ou atividades tenham sido a causa do prejuízo. A culpa exclusiva da vítima afasta esta possibilidade.65

Nesta excludente de responsabilidade resta rompida a

relação de causa e efeito pela própria conduta da vítima. Assim, mesmo

havendo a comprovação do dano, deixa de existir a obrigação de indenizar

a vítima, pois esta é quem deu causa ao evento danoso, devendo, pois,

suportar suas conseqüências.

64 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito das Obrigações: parte especial, tomo II: Responsabilidade Civil. 3. Ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 144. 65 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil. V. 2 . 2004. p. 393.

35

Interessante mencionar que a melhor doutrina tem

apontado, quanto à nomenclatura desta excludente, ser mais preciso o uso

da terminologia “fato” exclusivo da vítima do que “culpa” exclusiva, pois ao

tratar de uma pesquisa do liame da causalidade, ainda não estaremos

perquirindo sobre a culpa dos envolvidos no evento, que seria um passo

seguinte no fechamento da idéia de responsabilidade civil.

1.6.2. Caso Fortuito ou Força Maior

O caso fortuito ou a força maior também são causas

excludentes da responsabilidade civil, pois o ato ou fato será alheio à

vontade das partes.

Leciona Stoco66 que nosso ordenamento jurídico

consagra a inexistência da responsabilidade civil frente ao dano causado

por caso fortuito ou força maior, destacando a distinção entre estes, onde

o primeiro é um acontecimento natural, advindo da natureza, como um

raio, uma enchente, um terremoto, etc. Já na força maior, há um elemento

humano, como a ação das autoridades, a revolução, etc.

De qualquer forma, não parece haver necessidade de

traçar nítida distinção entre as figuras do caso fortuito ou da força maior,

pois o CC não mais os distingue, conforme se denota do seu art. 393, que

assim dispõe: “O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato

necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir” (grifo nosso).

66 STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil Responsabilidade Civil e sua Interpretação Doutrinária e Jurisprudencial . São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 89.

36

Da redação legal tem-se que a principal característica destes eventos é a

inevitabilidade (e não mais a previsibilidade).

Impende destacar que “modernamente se tem feito,

com base na lição de Agostinho Alvim, a distinção entre ‘fortuito interno’

(ligado à pessoa, ou à coisa, ou à pessoa do agente) e ‘fortuito externo’

(força maior, o Act of God dos Ingleses). Somente o fortuito externo, isto é,

a causa ligada à natureza, estranha à pessoa do agente e à máquina,

excluiria a responsabilidade, principalmente se esta se fundar no risco. O

fortuito interno não”67.

1.6.3. Cláusula de Não Indenizar e Outros

Quanto a cláusula de não indenizar, leciona Gonçalves

que trata-se do “acordo de vontades que objetiva afastar as conseqüências

da inexecução ou da execução inadequada do contrato68”, esclarecendo

Venosa que “essa cláusula tem por função alterar o sistema de riscos no

contrato”69.

Rodrigues70 aponta quanto à existência de cláusulas

restritivas de direito, dentre as quais estão às cláusulas de não indenizar.

Segundo o autor:

67 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito das Obrigações: parte especial, tomo II: Responsabilidade Civil. 3. Ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 151. 68 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito das Obrigações: parte especial, tomo II: Responsabilidade Civil. 3. Ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 152. 69 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Responsabilidade Civil (vol. 4). 4. Ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 59. 70 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Responsabilidade Civil. V. 4 . 2000. p. 179.

37

Cláusula restritiva é aquela estipulação através da qual uma

das partes contratantes declara, com a concordância da

outra, que não será responsável pelo dano por esta

experimentada, [...] dano este, sem a cláusula, deveria ser

indenizado.

Para os fins deste trabalho, insta apenas destacar que

o Código de Defesa do Consumidor não admite nas relações de consumo a

existência de cláusulas restritivas ou de não indenizar, como se verifica

dos arts. 24 e 25 do diploma consumerista, in verbis:

Art. 24. É vedada a exoneração contratual do fornecedor.

Art. 25. É vedada a estipulação contratual de cláusula que

impossibilite, exonere ou atenue a obrigação de indenizar.

Há doutrina apontado o estado de necessidade (CC,

art. 188, II), a legítima defesa (CC, art. 188, I) e o exercício regular de um

direito (CC, art. 188, I) também como excludentes do liame causal. Já em

relação ao fato de terceiro, impende destacar que, em matéria de

responsabilidade civil, “predomina o princípio da obrigatoriedade do

causador direto de reparar o dano”, ou seja, o fato de terceiro não exonera

o autor direto do dano quanto ao dever jurídico de indenizar, apenas

facultará a este a possibilidade de restituição do que pagou via ação

regressiva, conforme expresso nos arts. 929 e 930 do CC.

1.7. CULPA

A doutrina, de um modo geral, estabelece ser de difícil

conceituação do elemento culpa.

38

Um dos grandes doutrinadores acerca do tema

responsabilidade civil, Sérgio Cavalieri Filho, conceitua culpa como sendo

a “conduta voluntária, contrária ao dever de cuidado imposto pelo Direito,

com a produção de um evento danoso involuntário, porém previsto ou

previsível”71.

Explica ainda que a culpa - em sentido lato, abrange o

dolo - não é pressuposto geral da responsabilidade civil, sobretudo no

novo Código, tendo em vista a previsão de outra espécie de

responsabilidade, que prescinde desse elemento subjetivo para a sua

configuração que é a responsabilidade objetiva. Aponta que se a pretensão

é de instituir os pressupostos básicos que formam a responsabilidade, não

poderia ser inserido um elemento que não possui características de

generalidade. No entanto, deixa evidente também a necessidade de se

discutir o elemento culpa por ter sofrido profundo desenvolvimento, que se

confunde com a própria evolução da responsabilidade civil.

Para Venosa72 o art. 159 do Código Civil de 1916 e o

art. 186 do atual Código elegeram a culpa como o cerne da

responsabilidade civil no direito brasileiro, com a nova perspectiva já

enfatizada, descrita no art. 927, parágrafo único.

Já para Viana Pinto73, todavia, só se pode conjeturar da

figura da culpa quando o evento é previsível; se, entretanto, este é

imprevisível, inexiste culpa. O parâmetro para identificação e constatação

da culpa é o confronto do comportamento do agente com o modo de agir

do Homo Medius, ou seja, pelo padrão do homem médio.

71 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil . 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 39. 72 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Responsabilidade Civil . 4ªed. São Paulo: Atlas; 2004. 73 VIANA PINTO E. Responsabilidade Civil de acordo com o Novo Código Civil. Síntese, Porto Alegre, 2003.

39

Para esse autor, a ação ou omissão do indivíduo, que

implica em ato danoso, apresenta-se sob as formas de imprudência ou

negligência. Esta última figura engloba a idéia de imperícia, diante de seu

sentido amplo e abrangente. A imprudência é a conduta do agente que age

sem as cautelas necessárias. A negligência é a desatenção, quando deixa

de prever o resultado que podia e devia ser considerado. A imperícia se

reveste de inaptidão técnica, é a culpa profissional.

A culpa lato sensu é adotada pelo nosso Código Civil.

Engloba tanto o dolo como a culpa strictu sensu74. Diniz75 doutrina que:

A culpa em sentido amplo, como violação de um dever

jurídico, imputável a alguém, em decorrência de fato

intencional ou de omissão de diligência ou cautela,

compreende: o dolo, que é a violação intencional do dever

jurídico, e a culpa em sentido estrito, caracterizada pela

imperícia, imprudência ou negligência, sem qualquer

deliberação de violar um dever. Portanto, não se reclama

que o ato danoso tenha sido, realmente, desejado pelo

agente, pois ele não deixará de ser responsável pelo fato de

não ter-se apercebido do seu ato nem medido as suas

conseqüências.

Continua essa autora que o dolo é a pretensão

consciente de transgredir o direito, orientada à consecução do fim ilícito, e

a culpa compreende a imprudência, a negligência e a imperícia.

Gagliano e Pamplona Filho76 salientam que a

negligência é a deficiência na verificação do dever de ser cuidadoso, por

omissão. Isto sobrevém, por exemplo, quando um motorista provoca grave

74 DOWER, Nelson Godoy Brassil. Contratos e responsabilidade civil , in Curso moderno de direito civil, 3ªed. rev. e atual., São Paulo: Nelpa, 2005. 75 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, 7º Vol: Respons abilidade civil. 18. ed. São Paulo:Saraiva, 2004. p.46. 76 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil . São Paulo: Saraiva, 2003. v. 3. p. 10.

40

acidente por não haver consertado a sua lanterna traseira, por desídia;

imprudência qualifica-se quando o agente culpado decide afrontar

desnecessariamente o perigo. O sujeito, pois, atua contra os princípios

básicos de cautela, como por exemplo, quando o indivíduo deixa o seu

filho menor alimentar um cão de guarda, expondo-o ao perigo. A imperícia

é uma espécie de exteriorização da culpa proveniente da ausência de

aptidão ou habilidade específica para a realização de uma atividade

técnica ou científica. É o que ocorre quando existe erro médico em uma

cirurgia em que não se empregou corretamente a técnica de incisão ou

quando o advogado deixa de interpor recurso, segundo jurisprudência

dominante, que possibilitaria acolhimento da pretensão do seu cliente.

Pelo que foi estudado até aqui, já se pode concluir que

não há responsabilidade sem culpa, exceto disposição legal expressa,

caso em que se terá responsabilidade objetiva (tratada à frente).

1.7.1. Gradação da Culpa

Em regra, não se mede o dano pelo grau de culpa, mas

sim por sua extensão (CC, art. 944). Assim, todo dano deve ser

indenizável, qualquer que seja o grau de culpa do ofensor. Entretanto, “se

houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano,

poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização” (CC, art. 944,

parágrafo único).

41

Para Monteiro77, o Código Civil de 1916 não adotou o

sistema da gradação da culpa, de modo que a indenização era medida

apenas pela extensão do prejuízo, notadamente quando se discutia o dano

material. O novo Código Civil (Lei n°. 10.406/ 2002 ), em seu art. 944,

embora estabeleça em seu caput que “a indenização mede-se pela

extensão do dano”, em seu parágrafo único dispõe que, “se houver

excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz

reduzir, eqüitativamente, a indenização”. Destarte, o parágrafo único desse

artigo, incorporaria a teoria da gradação da culpa, que influencia o

quantum indenizatório, possibilitando somente sua diminuição diante da

desproporção entre a gravidade da culpa e o dano.

Venosa78 lembra:

A doutrina tradicional triparte a culpa em três graus: grave,

leve e levíssima. A culpa grave é a que se manifesta de

forma grosseira e, como tal, se aproxima do dolo. Nesta se

inclui, também, a chamada culpa consciente, quando o

agente assume o risco de que o evento danoso e previsível

não ocorrerá. A culpa leve é a que se caracteriza pela

infração a um dever de conduta relativa ao homem médio, o

bom pai de família. São situações nas quais, em tese, o

homem comum não transgrediria o dever de conduta. A

culpa levíssima é constatada pela falta de atenção

extraordinária, que somente uma pessoa muito atenta ou

muito perita, dotada de conhecimento especial para o caso

concreto poderia ter.

Diniz79 expõe que a culpa será grave quando,

dolosamente, a negligência extrema do agente encontrar-se presente, não

77 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: Direito das obrigações . 34. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. 78 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Responsabilidade Civil . 4ªed. São Paulo: Atlas; 2004. 79 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade civil. 7º Vol. 18. ed. São Paulo:Saraiva, 2004.

42

antevendo aquilo que é previsível ao comum dos homens. A leve ocorrerá

quando a lesão de direito puder ser evitada com atenção ordinária, ou

adoção de diligências próprias de um bonus pater familias. Será levíssima

se a falta for evitável por uma atenção extraordinária, ou especial

habilidade e conhecimento singular.

Enfim, como o CC não faz a distinção alguma entre

dolo e culpa ou mesmo entre os graus de culpa, para fins de reparação do

dano, qualquer tipo de culpa resultará na obrigação de indenizar, cujo

cálculo se dará de acordo com a extensão da culpa. Como bem destacam

Gagliano e Pamplona, até mesmo a culpa levíssima obriga a indenizar80, o

que significa, para Gonçalves81, que “adotou o legislador a norma romana”.

80 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil . São Paulo: Saraiva, 2003. v. 3. p. 10. 81 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito das Obrigações: parte especial, tomo II: Responsabilidade Civil. 3. Ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 67.

43

Capítulo 2

2.1. ESPÉCIES DE RESPONSABILIDADE

Lisboa82 aponta que, no decorrer dos anos, a

responsabilidade civil passou por considerável transformação. A

consagração dos seus pressupostos e a adoção de outros fundamentos

para a responsabilidade viabilizou um estudo mais profundo sobre o dever

de reparação do dano. Ante esses aspectos frisa que é de se esperar

várias classificações de responsabilidade civil, destacando-se quanto à

origem, em responsabilidade contratual e responsabilidade extracontratual;

quanto à culpa em responsabilidade subjetiva, responsabilidade subjetiva

com presunção de culpa e responsabilidade sem culpa (objetiva); quanto à

causa, em responsabilidade direta e responsabilidade indireta; quanto ao

perigo, em responsabilidade por atividade perigosa e responsabilidade por

atividade não perigosa; e, quanto à causa no perigo, responsabilidade pura

e responsabilidade impura.

Gagliano e Pamplona Filho83, tecendo considerações

sobre as espécies de responsabilidade civil, apontam que:

[...] enquanto fenômeno jurídico decorrente da convivência

conflituosa do homem em sociedade é, na sua essência, um

conceito uno, incindível. No entanto, ressalvam que em

função de algumas peculiaridades dogmáticas, faz-se mister

82 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil, vol. II: Obrigações e Resp onsabilidade Civil . 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. 83 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil . São Paulo: Saraiva, 2003. v. 3. p. 10.

44

estabelecer uma classificação sistemática, tomando por

base justamente a questão da culpa e, depois disso, a

natureza da norma jurídica violada. Assim, classificam

primeiramente a responsabilidade civil em subjetiva e

objetiva e posteriormente em contratual e extracontratual ou

aquiliana.

Para Diniz84 a responsabilidade civil pode apresentar-

se sob diferentes espécies, conforme a perspectiva sob a qual é

decomposta. Deste modo, poderá ser classificada quanto ao seu fato

gerador como responsabilidade contratual ou responsabilidade

extracontratual ou aquiliana; em relação ao seu fundamento como

responsabilidade subjetiva ou objetiva e; em relação ao agente se direta

ou, indireta ou complexa.

Ainda que não haja unanimidade quanto às espécies de

responsabilidade civil, há certa similaridade dentre a doutrina quanto a

algumas delas, que se passará a dispor a seguir.

2.2. Responsabilidade contratual e extracontratual

Uma pessoa pode vir a causar prejuízo a outra pelo

descumprimento de uma obrigação contratual, o que acarretará na

responsabilidade de indenizar perdas e danos (CC, art. 389). Pode também

causar prejuízo a outrem em razão de infração a um dever de conduta

(dever de não causar dano a outrem = neminem laedere), quando a

conseqüência jurídica será praticamente a mesma, qual seja, a de ressarcir

84 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade civil. 7º Vol. 18. São Paulo: Saraiva, 2004.

45

o prejuízo. A primeira é chamada pela doutrina e jurisprudência de

responsabilidade contratual, enquanto a segunda é denominada de

responsabilidade extracontratual ou aquiliana.

Nesse sentido, Gagliano e Pamplona Filho85, ao

referenciarem a espécie da responsabilidade em virtude da natureza da

norma jurídica violada pelo agente causador do dano acreditam que uma

subdivisão pode ser feita, subtipificando-se a responsabilidade civil em

contratual e extracontratual. Ressaltam que esta tem muito mais função

didática e legislativa do que propriamente científica. Assim, se por força da

atuação ilícita do agente infrator o prejuízo decorre diretamente da

violação de um mandamento legal, por exemplo, no caso do sujeito que

bate em um carro, evidenciada está a responsabilidade extracontratual.

Por outro lado, se entre as partes envolvidas já se fazia presente norma

jurídica contratual que as vinculava, e o dano decorre justamente pelo

descumprimento de obrigação fixada neste contrato, este corrobora para a

formação da responsabilidade contratual.

Estes autores ainda salientam que tradicionalmente, o

nosso Direito Positivo adotou essa classificação bipartida, consagrando

regras específicas para as duas espécies de responsabilidade. Gonçalves

também chega a esta conclusão, verbis:

O Código Civil brasileiro distinguiu as duas espécies de

responsabilidade, acolhendo a teoria dualista e afastando a

unitária86.

Assim também assegura Lisboa87, ao preceituar que “o

sistema pátrio adotou a teoria dualista ou clássica da origem da

85 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil . São Paulo: Saraiva, 2003. v. 3. p. 10. 86 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito das Obrigações: parte especial, tomo II: Responsabilidade Civil. 3. Ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 13.

46

responsabilidade, repartindo-a em contratual e extracontratual, o que é

criticado pela teoria monista, que sustenta a desnecessidade da fixação de

um regime que procura regular diferentemente a responsabilidade”. Para

este autor, responsabilidade contratual é aquela que decorre da violação

de obrigação disposta em um negócio jurídico e responsabilidade

extracontratual é aquela que decorre diretamente da lei.

Segundo Venosa88 o art. 159, agora substituído pelo

art.186 do mais recente Código, fundamental em sede de indenização por

ato ilícito, estabeleceu a base da responsabilidade extracontratual ou

extranegocial no direito brasileiro: “Aquele que, por ação ou omissão

voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a

outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. De outro

giro, a responsabilidade tradicionalmente denominada de contratual,

modernamente mais aceita como negocial, cuida do inadimplemento de

contratos e outros negócios jurídicos.

Este autor salienta que o nosso Código Civil de 1916,

fiel à tradição, tratou da responsabilidade contratual nos arts. 955 a 963

(atuais, arts. 389 e ss) e 1056 a 1064; e da responsabilidade

extracontratual nos arts. 159 e 160 (atuais, arts. 186 e 188) e 1.518 e ss

(atuais arts. 927 e ss).

Tratando do tema em análise, Dower89 assim se

pronuncia:

A responsabilidade, o dever de indenizar, pode ser legal ou

contratual. O legislador estabeleceu regimes distintos para a

responsabilidade extracontratual e para a contratual. A

87 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil. Obrigações e Responsabilid ade Civil . Vol. 2. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. 88 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Responsabilidade Civil . 4ªed. São Paulo: Atlas; 2004. 89 DOWER Nelson Godoy Brassil. Contratos e responsabilidade civil , in Curso moderno de direito civil, 3ªed. rev. e atual., São Paulo: Nelpa, 2005, p. 455.

47

primeira surge da violação de um dever jurídico geral,

enquanto a segunda decorre da transgressão de uma

obrigação contratual. O ato ilícito é aquele que não decorre

de um contrato, mas do ato que se caracteriza pela infração

ao dever jurídico, oriundo de culpa ou de dolo, e que causa

prejuízo a outrem. É a chamada responsabilidade

extracontratual ou aquiliana, por ter sido a Lei Aquília uma

das primeiras, no Direito Romano, a tratar da matéria.

[...]

A responsabilidade também pode ser contratual. Se

preexistiu ou ocorreu o seu descumprimento ou, ainda, se o

seu cumprimento foi defeituoso, a condenação judicial será

para obrigar o agente a pagar o prejuízo causado. Tal

situação é orientada pelo artigo 389 do CC, in verbis: `Não

cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e

danos, mais juros e atualização monetária segundo índices

oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de

advogado’ (grifo nosso).

Britto90 expõe que na Parte Geral do CC, nos arts. 186,

187 e 188, ficou estabelecida a regra universal da responsabilidade

aquiliana e algumas excludentes. Já na Parte Especial, art. 389, tratou-se

da responsabilidade contratual, dedicando-lhe, ainda, dois capítulos, um

para a “obrigação de indenizar” e outro para a “indenização”, sob o título

“Da Responsabilidade Civil”.

Viana Pinto91 aponta que tanto a regra do art. 186

quanto do art. 389 do Código Civil têm em mira, fundamentalmente,

estabelecer a responsabilidade do agente ofensor pelo seu comportamento

90 BRITTO, MS. Alguns aspectos polêmicos da responsabilidade civil objetiva no novo Código Civil. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 314, 17 maio 2004. Disponível em:URL: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5159. 91 VIANA PINTO, E. Responsabilidade Civil de acordo com o Novo Código Civil. Síntese, Porto Alegre, 2003.

48

danoso. Reflete que na Responsabilidade Extracontratual há uma infração

a dever legal. Na Contratual, o descumprimento do convencionado,

tornando-se inadimplente o sujeito. Logo, na Responsabilidade Contratual

existe um ajuste celebrado antecipadamente, e que foi desonrado,

enquanto que na Responsabilidade Extracontratual inexiste liame jurídico

entre ofensor e ofendido, quando da ocorrência do dano.

Fernandez92 salienta:

[...] tanto a culpa contratual quanto a extracontratual

acarretam a responsabilidade civil pelos prejuízos

causados. Na extracontratual, o lesado deve demonstrar

todos os elementos da responsabilidade: o dano, a infração

da norma e o nexo de causalidade. Já na culpa contratual,

há a inversão do ônus da prova e a posição do lesado torna-

se mais vantajosa. Enquanto nesta há um dever positivo de

se cumprir o que estava pactuado, naquela se invoca a

obrigação de não prejudicar outrem.

Este doutrinador aponta importante elemento de

diferenciação entre as duas espécies de responsabilidade, que merece ser

destacado. Na responsabilidade contratual o inadimplemento presume-se

culposo, encontrando-se o lesado em posição mais favorável, pois

somente restará a seu encargo a prova de que a obrigação foi

descumprida (culpa do inadimplente será presumida). Já na

responsabilidade extracontratual resta ao lesado o ônus de provar culpa ou

dolo do lesante (culpa não é presumida). Exemplificadamente, ao comprar

uma passagem de ônibus (contrato), que venha a acidentar-se, não terá

que comprovar a culpa do transportador no acidente para ser ressarcido,

ao passo que um pedestre que seja atropelado pelo mesmo ônibus, terá

92 Fernandez IIB, Responsabilidade aquiliana e responsabilidade contr atual; abuso de direito; teoria dos atos emulativos . Biblioteca da EMERJ Disponível em: URL:http://www.emerj.rj.gov.br/biblioteca/resenhas/2000/ilana.htm.

49

que provar a imprudência do condutor para se ver ressarcido dos prejuízos

causados.

De qualquer forma, as responsabilidades contratual e

extracontratual se fundam na culpa e visam à reparação do mal causado.

Essas responsabilidades não podem ser acumuladas na mesma demanda,

visto que, se assim ocorresse, o demandante receberia dupla indenização;

uma a título de responsabilidade contratual e a outra a título de

responsabilidade aquiliana. Tendo em vista as semelhanças entre as duas,

há uma tendência moderna de se afastar a dicotomização da

responsabilidade em contratual e extracontratual.

Monteiro93 explica que o Código Civil de 2002 conceitua

o ato ilícito no art. 186. A partir disso, expõe:

Essa regra, constante da parte geral do Código Civil, é a

fonte da responsabilidade contratual e extracontratual. As

demais regras sobre a responsabilidade civil vêm dispostas

em vários outros artigos, citando-se principalmente o art.

389 e o art. 927 [...]. Verificam-se nos demais artigos do

título "Da responsabilidade civil", sob os Capítulos "Da

obrigação de indenizar”e "Da indenização" (arts. 927 a 954),

disposições voltadas à regulamentação, principalmente da

responsabilidade extracontratual, com algumas normas

atinentes também à responsabilidade contratual. Em

princípio, portanto, parece inexistir diferença entre as duas

ordens de responsabilidade.

Realmente, as duas ordens de responsabilidade —

extracontratual e contratual — identificam-se em seus

pressupostos, por serem espécies de um mesmo gênero,

que é a responsabilidade civil, havendo diferenças em sua

93 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: Direito das obrigações . 34. ed. São Paulo:Saraiva, 2003, p. 450.

50

regulamentação jurídica, oriundas da existência de vínculo

anterior entre as partes na responsabilidade contratual, que

inexiste na responsabilidade extracontratual.

Rodrigues94 afirma que muitos entendem que as duas

responsabilidades são de igual natureza, não havendo por que discipliná-

las separadamente, pois tanto na configuração da responsabilidade

contratual, como na aquiliana, vários pressupostos são comuns. Em

ambas, mister se faz a existência do dano, a culpa do agente e a relação

de causalidade entre o comportamento do agente e o dano experimentado

pela vítima ou por outro contratante. Salienta que a tese clássica, hoje

extremamente combatida, persiste na afirmativa da diversa natureza de

tais espécies de responsabilidade. O autor entende que pelo menos para

efeito didático e de melhor entendimento, parece conveniente manter a

distinção, pois sob ângulos práticos ela se justifica amplamente, como em

matéria de prova e de capacidade.

Desse modo, as diferenças entre responsabilidade

contratual e extracontratual residem em relação à sua origem, à

capacidade do lesionador e à prova95.

No que concerne à sua origem, a responsabilidade

contratual promana de um contrato não cumprido, quando o autor e a

vítima já se aproximaram anteriormente e se vincularam para o

cumprimento da obrigação, enquanto que na extracontratual deriva da

inobservância do dever genérico de não lesar, de não causar dano a

ninguém, contemplado no art. 186 do CC96;97.

94 RODRIGUES, Sílvio. Responsabilidade Civil , vol. IV, 19 ed. São Paulo: Saraiva, 2002. 95 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil . São Paulo: Saraiva, 2003. v. 3. p. 10. 96 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil . São Paulo: Saraiva, 2003. v. 3. p. 10. 97 VIANA PINTO, E. Responsabilidade Civil de acordo com o Novo Código Civil. Síntese, Porto Alegre, 2003.

51

Na responsabilidade contratual o agente responde se

for plenamente capaz, condição exigida sine qua non, quando da

formalização dessa obrigação, sob pena de ser considerado nulo ou

anulável. Assim, o menor púbere só se vincula contratualmente assistido

por seu representante legal e, excepcionalmente sem ele, se

maliciosamente declarou-se maior. Portanto, só pode ser responsabilizado

por seu inadimplemento nesses casos. Na responsabilidade aquiliana,

entretanto, cumpre-lhe reparar o prejuízo sempre, pois se equipara ao

maior quanto às obrigações resultantes de atos ilícitos em que for

culpado98.

Viana Pinto99 reforça que a diferença mais significativa

diz respeito à prova. Na responsabilidade contratual, basta ao interessado

provar que a obrigação não foi cumprida. O devedor, para se desvencilhar

da reparação do dano, deve provar que o fato ocorreu em razão de caso

fortuito ou força maior, ou, ainda, por culpa exclusiva da vítima,

incumbindo-lhe o ônus da prova. Na Responsabilidade Extracontratual,

quem deve suportar esse encargo probatório, é o autor, a vítima, diante da

Teoria Subjetiva adotada pelo nosso estatuto civil.

Assim, em matéria de prova, na responsabilidade

contratual, caso demonstrado pelo credor que a prestação foi descumprida,

o ônus probandi se transfere para o devedor inadimplente, que terá que

evidenciar a inexistência de culpa de sua parte, ou a presença de força

maior, ou outra excludente da responsabilidade capaz de eximi-lo do dever

de indenizar. Enquanto que, se for aquiliana, o encargo de demonstrar a

culpa do indivíduo gerador da lesão caberá à vítima100.

98 VIANA PINTO, E. Responsabilidade Civil de acordo com o Novo Código Civil. Síntese, Porto Alegre, 2003. 99 VIANA PINTO, E. Responsabilidade Civil de acordo com o Novo Código Civil. Síntese, Porto Alegre, 2003. 100 DINIZ, Maria Helena. Responsabilidade civil, in Curso de Direito Civil B rasileiro , 7º Volume, 18ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

52

Gagliano e Pamplona Filho101 esclarecem:

Justamente por essa circunstância que, na responsabilidade

civil aquiliana, a culpa deve ser sempre provada pela vítima,

enquanto na responsabilidade contratual, ela é, de regra,

presumida, invertendo-se o ônus da prova, cabendo à vítima

comprovar, apenas, que a obrigação não foi cumprida,

restando ao devedor o ônus probandi, por exemplo, de que

não agiu com culpa ou que ocorreu alguma causa

excludente do elo de causalidade.

Quanto à inversão do ônus da prova, Monteiro102

entende que, tratando-se de responsabilidade contratual, tal possibilidade

encontra-se somente nas obrigações de resultado. Nas obrigações

contratuais de meio, em que a parte obriga-se a empregar todos os meios

ao seu alcance para atingir um determinado fim e não de satisfazer uma

certa prestação, a prova da culpa do infrator faz-se necessária, ou seja, a

prova de que o inadimplente não agiu com a diligência indispensável à

consecução da finalidade almejada pelo outro contratante.

As obrigações de meio podem ser exemplificadas como

aquelas do advogado e do médico, nas quais, via de regra, salvo algumas

exceções, o profissional obriga-se a utilizar todos os seus esforços para

alcançar um fim, mas não se compromete a atingi-lo. Via de regra, porque

até mesmo esses profissionais assumem obrigações de resultado, como o

advogado que se obriga a elaborar a minuta de um contrato, devendo

prestar esse serviço de modo a satisfazer plenamente os interesses do

contratante, ou o médico que se obriga a realizar cirurgia plástica

embelezadora no paciente, devendo melhorar a aparência do cliente e não

piorá-la.

101 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil . São Paulo: Saraiva, 2003. v. 3. p. 20. 102 MONTEIRO, Washington de Barros. Direito das obrigações , in Curso de direito civil. 34ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

53

Expõe Dias103 que a obrigação de meio implica em

dever de atenção e diligência, visando a um fim que, todavia, não entra

necessária e imperativamente nesse dever, podendo deixar de verificar-se,

não obstante desempenhados satisfatoriamente os deveres do devedor.

Isto é, na obrigação de meio, faz-se abstração do resultado, embora não

se compreenda um contrato sem resultado, para só considerar a diligência

e atenção com que se perseguiu esse resultado. Na obrigação de

resultado, abstrai-se, ao contrário, dos meios: o que ao devedor toca é a

prestação final, não obstante ser claro que dificilmente se poderá obter o

resultado se não foram empregados os meios necessários.

Kfouri Neto104 explica que existe obrigação de meio

quando o próprio pagamento exige pura e simplesmente o emprego de

acurado meio sem ficar adstrito ao resultado, nada mais sendo exigido do

devedor. O ônus de provar que o compromisso não foi cumprido

adequadamente compete ao credor. Na obrigação de resultado, o sujeito

se obriga a alcançar determinado fim sem o qual não terá cumprido sua

obrigação. Ou consegue o resultado avençado ou terá de arcar com as

conseqüências. Nesse tipo de obrigação o ônus da prova compete ao

devedor.

De qualquer forma, resta correto afirmar que tanto na

responsabilidade contratual quanto na extracontratual existe a obrigação

do lesante em ressarcir o prejuízo causado, mas na contratual o lesado

encontra-se numa situação mais cômoda.

103 DIAS, José Aguiar. Da Responsabilidade Civil, vol. 1. 10 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997. 104 KFOURI NETO, M. Responsabilidade Civil do Médico. São Paulo: Revista dos Tribunais,1996.

54

2.3. Responsabilidade Civil Subjetiva e Objetiva

Expõe Gonçalves que “a teoria clássica, também

chamada de teoria da culpa ou subjetiva, pressupõe como fundamento a

culpa como fundamento da responsabilidade civil”105.

Enfim, para a teoria subjetiva (tradicional), há

necessidade do elemento culpa para como fundamento da

responsabilidade civil, enquanto que na teoria objetiva basta haver o dano

e uma relação de causa e efeito entre este dano e a ação ou omissão do

lesante, sem qualquer verificação do elemento culpa.

Rodrigues106 afirma:

Em rigor não se pode afirmar serem espécies diversas de

responsabilidade, mas sim maneiras diferentes de encarar a

obrigação de reparar o dano.

Para o autor acima citado, dentro da concepção

tradicional a responsabilidade do agente causador do dano só se configura

se agiu culposa ou dolosamente, de modo que a prova da culpa do agente

causador do dano é indispensável para que surja o dever de indenizar. A

responsabilidade, no caso, é subjetiva, pois depende do comportamento do

sujeito.

Gagliano e Pamplona Filho107 entendem que esta culpa,

por ter natureza civil, se caracterizará quando o agente causador do dano

atuar com negligência ou imprudência, conforme cediço doutrinariamente,

105 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito das Obrigações: parte especial, tomo II: Responsabilidade Civil. 3. Ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 10. 106 RODRIGUES, Sílvio. Responsabilidade Civil , vol. IV, 19 ed. São Paulo: Saraiva, 2002. 107 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil . São Paulo: Saraiva, 2003. v. 3. p. 10.

55

através da interpretação da primeira parte do art. 159 do Código Civil de

1916 ("Art. 159. Aquele que por ação ou omissão voluntária, negligência,

ou imprudência, violar direito ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a

reparar o dano"), regra geral mantida, com aperfeiçoamentos, pelo art. 186

do Código Civil de 2002 ("Art. 186. Aquele que por ação ou omissão

voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a

outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito").

Para Viana Pinto108 o nosso Código Civil adota a Teoria

Subjetiva, como é exemplo clássico o art. 186, que consagra o dolo e a

culpa como sustentáculos para o dever de reparar o dano. Assim, para que

se possa validamente postular o direito à reparação do dano, é

indispensável que se produza a prova da culpa do ofensor. Logo, o lesante

somente será responsável pelo ato danoso praticado, se ficar demonstrado

que agiu com culpa ou dolo. Com efeito, incomprovada a culpa do agente,

ficará a vítima sem ressarcimento.

Para Dower109 vê-se, desde logo, que o dever de

ressarcir o dano é oriundo da culpa ou do dolo, provado ou presumido.

Trata-se da aplicação da teoria da responsabilidade subjetiva que

pressupõe sempre a existência de culpa (lato sensu). A culpa lato sensu

abrange a culpa stricto sensu e o dolo. Se esses acarretam prejuízo ou

dano a outrem, surge a obrigação de indenizar. Isto por um princípio geral

de que o ser humano capaz deve responder por seus atos. Se houver um

comportamento positivo (ação) ou negativo (omissão) que, desrespeitando

a ordem jurídica, cause prejuízo a outrem, o agente deve arcar com as

conseqüências, reparando o dano. Se a pessoa age negligentemente ou

imprudentemente, mas não viola direito nem causa prejuízo a outrem, nada

terá que pagar.

108 VIANA PINTO E. Responsabilidade Civil de acordo com o Novo Código Civil Síntese, Porto Alegre, 2003. 109 DOWER, Nelson Godoy Brassil. Contratos e responsabilidade civil , in Curso moderno de direito civil, 3ªed. rev. e atual., São Paulo: Nelpa, 2005,

56

Para Monteiro110 esta é a teoria clássica e tradicional

da culpa, também chamada teoria da responsabilidade subjetiva, que

pressupõe sempre a existência de culpa (lato sensu), abrangendo o dolo

(pleno conhecimento do mal e direta intenção de o praticar) e a culpa

(stricto sensu), violação de um dever que o agente podia conhecer e

acatar, mas que descumpriu por negligência, imprudência ou imperícia.

Pereira111 enfatiza:

O fundamento maior da responsabilidade está na culpa. É

fato comprovado que esta se mostrou insuficiente para

cobrir toda a gama dos danos ressarcíveis; mas é fato

igualmente comprovado que, na sua grande maioria, os atos

lesivos são causados pela conduta antijurídica do agente,

por negligência ou por imprudência. Aceitando, embora, que

a responsabilidade civil se construiu tradicionalmente sobre

o conceito de culpa, o jurista moderno convenceu-se de que

esta não satisfaz. Deixado à vítima o ônus da prova de que

o ofensor procedeu antijuridicamente, a deficiência de

meios, a desigualdade de fortuna, a própria organização

social acaba por deixar larga série de danos descobertos e

sem indenização. A evolução da responsabilidade civil

gravita em torno da necessidade de socorrer a vítima, o que

tem levado a doutrina e a jurisprudência a marcharem

adiante dos códigos, cujos princípios constritores entravam

o desenvolvimento e a aplicação da boa justiça. Foi preciso

recorrer a outros meios técnicos, e aceitá-los, vencendo

para isto resistências quotidianas, que em muitos casos o

dano é reparável sem o fundamento da culpa.

110 MONTEIRO, Washington de Barros. Direito das obrigações , in Curso de direito civil. 34ª ed., São Paulo:Saraiva, 2003. 111 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil. 9.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 566.

57

Diniz112 doutrina que em certos casos a teoria da culpa

ou subjetiva, que funda a responsabilidade civil na culpa, caracterizada

como uma violação de um dever contratual ou extracontratual, não oferecia

solução satisfatória, devido, por exemplo, aos progressos técnicos que

trouxeram um grande aumento de acidentes. A corrente objetivista

desvinculou o dever de reparação do dano da idéia de culpa, baseando-se

no risco com o intuito de permitir ao lesado, ante a dificuldade da prova da

culpa, a obtenção de meios para reparar os danos experimentados. Assim,

o agente deverá ressarcir o prejuízo causado, mesmo que isento de culpa,

porque sua responsabilidade é imposta por lei independentemente de

culpa e mesmo sem necessidade de apelo ao recurso da presunção.

O dever ressarcitório, estabelecido por lei, ocorre

sempre que se positivar a autoria de um fato lesivo, sem necessidade de

se indagar se contrariou ou não norma predeterminada, melhor dizendo, se

houve ou não um erro de conduta. Com a apuração do dano, o ofensor ou

seu proponente deverá indenizá-lo. Mas, como não há que se falar em

imputabilidade da conduta, tal responsabilidade só terá cabimento nos

casos expressamente previstos em lei.

Rodrigues113 expõe que na responsabilidade objetiva a

atitude culposa ou dolosa do agente causador do dano é de menor

relevância, pois, desde que exista relação de causalidade entre o dano

experimentado pela vítima e o ato do agente, surge o dever de indenizar,

quer tenha este último agido ou não culposamente.

A teoria do risco é a da responsabilidade objetiva.

Segundo essa teoria, aquele que, através de sua atividade, cria um risco

de dano para terceiros deve ser obrigado a repará-lo, ainda que sua

atividade e o seu comportamento sejam isentos de culpa. Examina-se a

112 VIANA PINTO, E. Responsabilidade Civil de acordo com o Novo Código Civil. Síntese, Porto Alegre, 2003. 113 RODRIGUES, Sílvio. Responsabilidade Civil , vol. IV, 19 ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

58

situação e se for verificada, objetivamente, a relação de causa e efeito

entre o comportamento do agente e o dano experimentado pela vítima,

esta tem direito de ser indenizada por aquele.

Nela a responsabilidade civil desloca-se da noção de

culpa para a idéia de risco, ora encarada como “risco-proveito”, que se

funda, segundo magistério de Gonçalves114, “no princípio segundo o qual é

reparável o dano causado a outrem em conseqüência de uma atividade

realizada em benefício do responsável (ubi emolumentum, ibi onus, isto é,

quem aufere os cômodos [lucros] deve suportar os incômodos ou riscos).

Gagliano e Pamplona Filho115 salientam:

[...] há hipóteses em que não é necessário sequer ser

caracterizada a culpa. Nesses casos, estaremos diante do

que se convencionou chamar de responsabilidade civil

objetiva. Segundo tal espécie de responsabilidade, o dolo

ou culpa na conduta do agente causador do dano é

juridicamente irrelevante, haja vista que somente será

necessária a existência do elo de causalidade entre o dano

e a conduta do agente responsável para que surja o dever

de indenizar.

Viana Pinto116 ensina que estamos diante da figura da

responsabilidade objetiva quando a lei impõe ao ofensor o dever de

indenizar o dano cometido sem culpa, contentando-se apenas com os

pressupostos do prejuízo e do nexo causal. Não se exigiria prova de culpa

do ofensor para que este seja compelido a indenizar o dano cometido. Em

114 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito das Obrigações: parte especial, tomo II: Responsabilidade Civil. 3. Ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 11. 115 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil . São Paulo: Saraiva, 2003. v. 3. p. 10. 116 VIANA PINTO, E. Responsabilidade Civil de acordo com o Novo Código Civil. Síntese, Porto Alegre, 2003.

59

certas hipóteses, a culpa é presumida. Em outras, é inteiramente

prescindível.

Leciona Monteiro117 somente diante de previsão legal

expressa ou quando a atividade normalmente exercida pelo agente, por

sua natureza, representar risco para os direitos alheios, aplica-se a teoria

objetiva, que independe da culpa, na conformidade do parágrafo único do

art. 927 do Código Civil de 2002.

Dower118 aponta que é de extrema relevância que se

registre o avanço em matéria de responsabilidade civil, o que pode ser

observado diante da norma insculpida no parágrafo único do art. 927. Ali

se admite expressamente a responsabilidade sem culpa pelo simples

exercício de atividade que, pela sua natureza representa riscos para os

direitos de outrem.

Na vida moderna existem numerosos casos de

responsabilidade sem culpa. É possível verificar sua previsão, no direito

positivo pátrio, no Código Brasileiro do Ar (Dec. 2.681/1912), na Lei de

Acidentes do Trabalho, na lei que regula a responsabilidade civil das

estradas de ferro (DL 2.681/1912, na lei que estabelece a responsabilidade

do operador de instalação nuclear (Lei 6.453/1977), no próprio CODECON

e demais legislações esparsas, não se esquecendo das disposições do

próprio Código Civil, como é o caso dos arts. 929/930, 932/I-V, 936/940.

Monteiro119 enfatiza que a teoria objetiva foi adotada

nas relações de consumo, expressão disposta no Código do Consumidor

(CODECON), Lei n°. 8.078, de 11/09/1990. Disciplina que,

independentemente da culpa do fornecedor de produtos ou de serviços,

117 MONTEIRO, Washington de Barros. Direito das obrigações , in Curso de direito civil. 34ª ed. São Paulo:Saraiva, 2003. 118 DOWER, Nélson Godoy Brassil. Contratos e responsabilidade civil , in Curso moderno de direito civil, 3ªed. rev. e atual., São Paulo: Nelpa, 2005. 119 MONTEIRO, Washington de Barros. Direito das obrigações , in Curso de direito civil. 34ª ed., São Paulo:Saraiva, 2003.

60

exsurge sua responsabilidade pela reparação integral dos danos materiais

e morais acarretados ao consumidor em razão de defeito no produto ou na

prestação do serviço e, ainda, de insuficiente ou inadequada informação

sobre sua utilização ou fruição e riscos.

Esse conceito está inserido no teor do Código de

Defesa do Consumidor, cujo artigo 1º, esclarece a finalidade de suas

normas: “a proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse

social, nos termos dos arts. 5°, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição

Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias”.

Assim, o CODECON consagra a Teoria Objetiva dos

fornecedores de serviços conforme podemos verificar no caput do artigo

14, quando institui que “o fornecedor de serviços responde,

independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos

causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos

serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre

sua fruição e riscos”.

A essa teoria, o CODECON manifesta uma solução de

continuidade. O parágrafo 4º, do artigo 14 abre uma exceção para os

profissionais liberais de modo que a sua responsabilidade pessoal será

apurada mediante a verificação de culpa.

Na esteira da doutrina de Nery Junior120:

É necessário distinguir, ainda, as obrigações de meio das

de resultado, para que se individualize nitidamente a

responsabilidade do profissional liberal. Quando a obrigação

do profissional liberal, ainda que escolhido intuitu personae

pelo consumidor for de resultado, sua responsabilidade pelo

120 NERY JUNIOR, Nélson. Os Princípios Gerais do Código Brasileiro de defesa do Consumidor . Direito do Consumidor 3, Revista dos Tribunais set./dez. 1992.

61

acidente de consumo ou vício do serviço é objetiva. Ao

revés, quando se tratar de obrigação de meio, aplica-se o §

4° do art. 14 do CODECON em sua inteireza, devendo ser

examinada a responsabilidade do profissional liberal sob a

teoria da culpa.

De todo modo, nas ações de indenização movidas

contra o profissional liberal, quer se trate de obrigação de meio ou de

resultado (objetiva ou subjetiva), é possível haver a inversão do ônus da

prova em favor do consumidor, conforme autoriza o art.6°, VIII, do

CODECON.

Quanto à responsabilidade civil da Administração

Pública, Viana Pinto121 assevera que esta deriva da responsabilidade sem

culpa, fundada na teoria do risco, o que se constata pela leitura do art. 37,

§ 6° da CF/88. Registre-se, porém, que o ente públi co só admite esta

responsabilidade objetiva quando os danos causados o forem por atos de

seus agentes, não se responsabilizando, objetivamente, por atos

predatórios de terceiros, nem por fenômenos naturais que causam

prejuízos a particulares.

De qualquer maneira, frise-se que a regra geral imposta

pelo CC ainda é a da responsabilidade civil subjetiva ou com culpa (a partir

da demonstração da culpa), como se verifica do art. 186 do citado diploma,

sendo as hipóteses apontadas quanto à objetivação da responsabilidade

uma exceção, que sempre necessitarão de moldagem legal expressa para

plena configuração.

121 VIANA PINTO, E. Responsabilidade Civil de acordo com o Novo Código Civil. Síntese, Porto Alegre, 2003.

62

2.4. Responsabilidade Civil Direta e Indireta

Para Diniz122 em relação ao agente a responsabilidade

pode ser direta e indireta ou complexa. Será direta se for proveniente da

própria pessoa imputada. O indivíduo responderá pelo seu próprio ato. A

figura indireta ou complexa se concretiza por ato de terceiro, com o qual o

agente tem vínculo legal de responsabilidade, de fato de animal e de

coisas inanimadas sob sua guarda.

Nessa linha, expõe Lisboa123:

Sob o ponto de vista da causa, a responsabilidade civil pode

ser direta e indireta. A responsabilidade é direta quando

proveniente de conduta cometida pelo próprio sujeito sobre

o qual recai a imputabilidade. Nela, o responsável é quem

pratica o ato danoso. Poderá ser ainda, aquele que se torna

o mandante da conduta prejudicial aos interesses da vítima.

Por sua vez, responsabilidade indireta é aquela proveniente

de conduta cometida ou de coisa relacionada como o sujeito

sobre o qual recai a imputabilidade.

Tal classificação funda-se na razão de ser possível

responsabilizar determinada pessoa por ato de outrem.

Ora, como já exposto, os ordenamentos jurídicos têm

procurado ampliar as hipóteses e possibilidades de reparação dos

prejuízos causados ao patrimônio (material ou moral) da pessoa.

122 DINIZ, Maria Helena. Responsabilidade civil, in Curso de Direito Civil B rasileiro , 7º Volume, 18ª ed. São Paulo:Saraiva, 2004. 123 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil. Obrigações e Responsabilid ade Civil . 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2. v., 2004.

63

Como descreve Venosa, “se unicamente os causadores

dos danos fossem responsáveis pela indenização, muitas situações de

prejuízo ficariam irressarcidas”124.

Em razão disso, citado autor conclui que:

[...] de há muito, os ordenamentos admitem que, em

situações descritas na lei, terceiros sejam responsabilizados

pelo pagamento do prejuízo, embora não tenham concorrido

diretamente pelo evento125.

Enfim, responsabilidade civil direta é aquela em que o

agente responde civilmente pelo seu próprio ato (comissivo ou omissivo),

enquanto que a indireta é aquela em que haverá responsabilização por

obrigação de outrem ou de alguma coisa, que tenha consigo uma relação

tal fixada na lei.

124 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: Responsabilidade civil . 4. Ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 65. 125 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: Responsabilidade civil . 4. Ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 65.

64

CAPÍTULO 3 RESPONSABILIDADE CIVIL DOS ESTACIONAMENTOS

3.1. RELAÇAO DE CONSUMO

Relação de consumo é a relação existente entre o

consumidor e o fornecedor na compra e venda de um produto ou na

prestação de um serviço.

O Código de Defesa do Consumidor tutela as relações

de consumo e sua abrangência está adstrita às relações negociais, das

quais participam, necessariamente, o consumidor e o fornecedor,

transacionando produtos e serviços, excluindo destes últimos os gratuitos

e os trabalhistas.

A palavra “consumo”, documentada no início do século XVI,

provém do verbo latino consumere, ‘comer, consumir,

gastar’, o qual, por sua vez deriva do latim sumere, ‘tomar’,

de onde resultou o verbo português “sumir”. Este foi o

modelo para a adaptação de consumir.

Basilone Leite explica que, “em seu sentido genérico,

consumo significa todo ato ou processo humano de

utilização de bens e serviço econômicos destinados à

satisfação direta de necessidade ou desejo. Os bens de

serviços econômicos utilizados nesse ato ou processo são

denominados bens de consumo e serviços de consumo”126.

126 LEITE, Roberto Basilone. Introdução ao Direito do Consumidor . São Paulo: LTR, 2002. p. 53.

65

Nery Júnior nos premia com importante conceito a

respeito da relação de consumo, in verbis: “é a relação jurídica existente

entre fornecedor e consumidor tendo como objeto a aquisição de produtos

ou utilização de serviços pelo consumidor”127.

Relação de consumo, nas palavras de Lisboa, é “o

vínculo entre duas partes estabelecido por lei ou pela vontade humana,

que importa na transmissão de algum bem, a título provisório (transitório)

ou definitivo (permanente), para a satisfação de interesses”128.

O próprio CODECON nos traz importantes conceitos,

verbis:

Art. 2°. Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que

adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

[...]

Art. 3°. Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública

ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes

despersonalizados, que desenvolvem atividade de

produção, montagem, criação, construção, transformação,

importação, exportação, distribuição ou comercialização de

produtos ou prestação de serviços. [...]

§ 2°. Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de

consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza

bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as

decorrentes da relação de caráter trabalhista.

Tem-se, do exposto, que a relação de consumo

compreende dois sujeitos fundamentais para sua composição, o fornecedor

127 DE LUCCA, Newton. Direito do consumidor. São Paulo: Quartier Latin, 2003. p. 103. 128 LISBOA, Roberto Senise. Relação de consumo e Proteção judicial do consumidor no direito brasileiro. São Paulo: Juarez de Oliveira, 1999. p. 1.

66

(de produtos e serviços) e o consumidor, cada um deles com suas

características próprias.

Insta destacar que o conceito de fornecedor é bastante

amplo e significa, de maneira sintética, que fornecedor é todo ente que

provisione o mercado de consumo, de produtos ou serviços.

Marques129 ratifica tal constatação ao afirmar que a

definição de fornecedor é ampla, visto que abrange todos os participantes

do ciclo de produção/distribuição. Basta, assim, que se pratique atividades

tipicamente profissionais, tais como produção, comercialização, ou

prestação de serviços e com certa habitualidade.

Para Nunes130, fornecedores são todas as pessoas que

tem capacidade, física ou jurídica, não havendo nenhuma exclusão quanto

ao tipo de personalidade jurídica. Fornecedor pode tanto a pessoa jurídica

pública ou privada, com sede ou não no País, com ou sem fins lucrativos,

autarquias, órgãos da administração, entre outros.

A definição de fornecedor foi legalmente exaurida, haja

vista abranger quase todas as suas formas de execução. A lição de

Roberto Basilone Leite dá idéia da largura do conceito, verbis:

São fornecedores, assim, as entidades pertencentes a

qualquer setor de atividade, sejam hotéis, hospitais,

corretoras de imóveis, empreiteiras de mão-de-obra do setor

de construção imobiliária, empresas de transportes, oficinas

mecânicas ou elétricas, depósitos, seguradoras, financeiras,

administradoras de consórcio, cooperativas de crédito,

assim como o são os pedreiro, pintores, jardineiros, etc. Em

129 MARQUES, Cláudia lima. Contratos no código de defesa do consumidor. 4 ed. ver. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 326 130 NUNES, Luiz Antonio Rizzato. Curso de direito do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2004. p.86.

67

suma, qualquer pessoa física ou jurídica que forneça

produto ou serviço a outrem131.

Em relação ao conceito de consumidor, consagrado no

já citado art. 2° do CODECON, pode ser sintetizado como sendo todo o

sujeito que usufrui um produto ou serviço, com o escopo de consumi-lo,

desgastá-lo ou utilizá-lo, não tendo o intuito de revenda.

De acordo com Lisboa, consumidor é “o sujeito de

direito que encerra a cadeia econômica de consumo, retirando de

circulação um produto ou serviço obtido junto a um fornecedor”132.

Com maior profundidade, Nunes conceitua consumidor

da seguinte forma:

Consumidor é a pessoa física, a pessoa natural e também a

pessoa jurídica. Quanto a esta última, como a norma não

faz distinção, trata-se de toda e qualquer pessoa jurídica,

quer seja uma microempresa, quer seja multinacional,

pessoa jurídica civil ou comercial, associação ou fundação

etc.

[...] não se trata de apenas adquirir, mas também de utilizar

o produto ou serviço, ainda quando quem o utiliza não tenha

adquirido. Isto é, a norma define como consumidor tanto

quem efetivamente adquire (obtém) o produto ou serviço

como aquele que, não tendo adquirido, utiliza-o ou

consome133.

Nota-se, pois, que o Código de Defesa do Consumidor,

ao definir consumidor, procura de toda maneira evitar que os

131 LEITE, Roberto Basilone. Introdução ao Direito do Consumidor. São Paulo, LTR, 2002, p. 43. 132 LISBOA, Roberto Senise. Responsabilidade civil nas relações de consumo. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2001. p. 139. 133 NUNES, Luiz Antonio Rizzato. Curso de direito do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 72 e 74.

68

consumidores, efetivos ou em potencial, saiam lesados na relação de

consumo, conferindo a tutela mais ampla em benefício de todos. Aliás, esta

é a conclusão extraída da obra de Lisboa134.

Por fim, insta destacar que, uma vez caracterizada a

relação de consumo, sobre ela incide todas as normas protetoras previstas

no CODECON.

3.2. CONTRATO DE DEPÓSITO

O contrato de depósito tem por finalidade principal a

guarda de coisa alheia, restando efetivado com a entrega desta ao

depositário.

O Código Civil bem define tal espécie de contrato no

art. 627: “Pelo contrato de depósito recebe o depositário um objeto móvel,

para guardar, até que o depositante o reclame”.

Gonçalves trata as características do contrato de

depósito, in verbis:

É, portanto, contrato real: para existir exige-se a tradição

(não basta o acordo de vontades), que se presume caso o

objeto já esteja em poder do depositário. Este deve ser de

natureza móvel, entregue para guarda, e não para uso.

134 LISBOA, Roberto Senise. Responsabilidade civil nas relações de consumo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p.165.

69

[...] Quando assalariado, o depósito é contrato bilateral;

sendo gratuito, é unilateral, pois aperfeiçoa-se com a

entrega da coisa, após a qual restarão obrigações só para o

depositário135.

Diante de tais características, o contrato de depósito

não pode ser confundido com o comodato ou com o mandato. No comodato

o comodatário receberá o bem para seu uso, enquanto que no depósito

apenas é recebido o bem para sua guarda. Mesma diferenciação ocorre em

relação ao contrato de mandato, pois nele a coisa é entregue para ser

administrada, enquanto que no depósito apenas para ser guardada.

O CC estabelece em seu art. 633 que “ainda que o

contrato fixe prazo à restituição, o depositário entregará o depósito logo

que se lhe exija, salvo se tiver o direito de retenção”. No contrato de

depósito, ensina Diniz que “mesmo que não se tenha prazo estipulado, o

depositário será obrigado a restituir a coisa depositada com os acessórios,

frutos e acrescidos (CC, art. 629, in fine), assim que o depositante a exigir,

salvo os casos previstos no Código Civil”136.

A própria morte do depositário não extingue a

obrigação de restituir, “pois o depósito se transmite como um direito ou

como um dever aos herdeiros do depositante e do depositário”137.

Para desfecho do tópico, importante ainda consignar

que “se o depositário realizar algum serviço na coisa depositada (a

lavagem do veículo, p. ex.), o depósito não fica desnaturado. Da mesma

135 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito das Obrigações: parte especial, tomo I: Co ntratos. Vol. 6. 8. Ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 141. 136 Diniz, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, V. 7: Responsa bilidade civil . 20. Ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 356. 137 Diniz, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, V. 7: Responsa bilidade civil . 20. Ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 356.

70

forma se vier a usá-la, desde que tal uso não se constitua no fim precípuo

do contrato”138.

3.3. NATUREZA DO CONTRATO DE ESTACIONAMENTO

Diante das características já apontadas, doutrina e

jurisprudência têm reconhecido a responsabilidade dos estacionamentos,

de uma forma geral, como depositários.

Como destaca Gonçalves, “tem sido reconhecida a

responsabilidade dos donos de estacionamentos e postos de gasolina que

exploram a guarda de veículos mediante paga dos usuários, como

depositários”139.

Entretanto, mesmo que gratuito o estacionamento,

nada altera quanto à responsabilidade objetiva do empreendimento, o que

será tratado com mais vagar no tópico seguinte. O que importante, neste

momento, é definir, mesmo nestas hipóteses de gratuidade do

estacionamento, a característica de contrato de depósito.

Não bastasse, como os donos de estacionamentos ou

estabelecimentos que de alguma forma explorem ou ofereçam a guarda de

veículos são prestadores de serviço (serviço de guarda do veículo), a tais

contratos incidem as regras do CODECON, estabelecendo aos

proprietários dos veículos uma proteção ampla.

138 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito das Obrigações: parte especial, tomo I: Co ntratos. Vol. 6. 8. Ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 141. 139 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito das Obrigações: parte especial, tomo II: Responsabilidade civil. Vol. 6. 8. Ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 191.

71

3.4. RESPONSABILIDADE CIVIL DOS ESTACIONAMENTOS

Como destacado alhures, é o contrato de

estacionamento um contrato de depósito, do qual incidem as regras do

CODECON.

Neste tipo de contrato, afirma Gonçalves que o

depositário assume “o dever de segurança sobre a coisa depositada,

obrigação de resultado que tem por efeito a presunção de culpa contra ele,

se não a restitui ao final do contrato”140.

Se há dever de segurança e sendo a obrigação de

guarda de resultado, surgindo obrigação de restituição, temos que no

contrato de estacionamento a responsabilidade civil é objetiva em caso de

dano na coisa objeto de guarda.

O próprio CODECON ao estabelecer que os

prestadores de serviço respondem, independentemente de culpa, pelos

danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação do

serviço, define ser a espécie de responsabilidade como objetiva, pois não

há necessidade de prova da culpa.

Assim, havendo contrato de estacionamento, ainda que

tácito, há dever de restituição incólume da coisa depositada. Em havendo

perda ou deterioração da coisa depositada, não há necessidade do

proprietário provar a culpa do depositário quanto à guarda da coisa,

devendo apenas demonstrar o dano e o nexo que liga o dano à ação ou

omissão do depositário.

140 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito das Obrigações: parte especial, tomo II: Responsabilidade Civil. Vol. 6. 3. Ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 191.

72

Mesmo no caso dos contratos tácitos de

estacionamento que não são estabelecidos mediante pagamento, mas que

a partir deles a empresa ou depositário aufira lucro, ainda que

indiretamente, haverá a firmamento de contrato de depósito e incidência

dos preceitos consumeristas.

Um exemplo seria o estabelecimento que angaria

clientela através do oferecimento do estacionamento, devendo presumir-se

que o preço pela guarda e vigilância do veículo está embutido no valor das

mercadorias vendidas.

Por óbvio, se houver dois estabelecimentos comerciais,

um com estacionamento e outro sem, a probabilidade de um consumidor

que possua veículo buscar ao primeiro é bem maior do que em relação ao

segundo, demonstrando que o estacionamento é parte da estratégia

comercial e, ainda que indiretamente, acarreta lucro ou benefício àquele

que dele dispõe.

Stoco elucida ser cediço que “uma das maiores

atrações que os shoppings e supermercados oferecem é justamente a

facilidade e comodidade para estacionar. Buscam assim atrair clientes por

este meio”141.

A Jurisprudência encontra-se pacificada nessa linha,

como se depreende da Súmula 130 do Superior Tribunal de Justiça: “A

empresa responde, perante o cliente, pela reparação do dano ou furto de

veículo ocorridos em seu estacionamento”.

Também encontra-se nesta linha diversos arestos do

Tribunal de Justiça Catarinense, dos quais destaca:

141 STOCO, Rui. Tratado da responsabilidade civil . 5 ed. São Paulo: T, 2001.p.562.

73

Segundo pacífica jurisprudência, inclusive com a edição da

Súmula n. 130 do egrégio Superior Tribunal de Justiça, o

supermercado responde pelo furto ocorrido em

estacionamento anexo às suas dependências. Existe, em

tais casos, contrato implícito de depósito, que torna a

empresa responsável pela guarda e segurança do veículo142.

Farias estabelece uma relação do dever de guarda e

restituição, com responsabilização objetiva do estabelecimento no caso de

dano, como um corolário da boa-fé contratual, verbis:

É corolário natural da boa-fé objetiva, do dever de garantia,

decorrente da concepção ética que se exige dos

contratantes no Direito Privado contemporâneo: o

estacionamento é oferecido de forma convidativa para o

cliente impondo-lhe, via de conseqüência, a

responsabilidade pela integridade dos veículos

estacionados143.

E se o estacionamento de determinado estabelecimento

for administrado por empresas terceirizadas, a responsabilidade será

solidária entre ambas, conforme estipula o Código Civil e o Código de

Defesa do Consumidor.

O Código Civil trata de tal solidariedade notadamente

nos arts. 264 e 942, parte final, verbis:

Art. 264 . Há solidariedade, quando na mesma obrigação

concorre mais de um credor, ou mais de um devedor, cada um com direito, ou obrigação, à divida toda [...]

142 SANTA CATARINA, Tribunal de Justiça. Ap. Civ. n° 9 7.008491-9, rel. Des. Carlos Prudêncio, j. 07.10.97. Disponível em: <http://www.tj.sc.gov.br>. 143 FARIAS, Cristiano Chaves de. Responsabilidade civil dos estacionamentos por dano s causados em seus estacionamentos. Revista de Direito Privado. n° 21 janeiro-março. Ed . Revista dos tribunais. 2005. p. 71/72.

74

Art. 942 . Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito a outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação.

O Código de Defesa do Consumidor tem previsão

análoga expressa no parágrafo único do art. 7° e pa rágrafo primeiro do art.

25, senão vejamos:

Art. 7° Os direitos previstos neste código não excluem

outros decorrentes de tratados ou convenções

internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação

interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas

autoridades administrativas competentes, bem como dos

que derivem dos princípios gerais do direito, analogia,

costumes e eqüidade.

Parágrafo único . Tendo mais de um autor a ofensa, todos

responderão solidariamente pela reparação dos danos

previstos nas normas de consumo.

[...]

Art. 25 É vedada a estipulação contratual de cláusulas que

impossibilite, exonere ou atenue a obrigação de indenizar

prevista nesta e nas Seções anteriores.

§ 1º Havendo mais de um responsável pela causação do

dano, todos responderão solidariamente pela reparação

prevista neste e nas Seções anteriores.

Desta maneira, fica a critério do consumidor, em tais

hipóteses, indicar contra quem vai litigar, podendo escolher um ou todos os

responsáveis e apontá-los no mesmo processo. Se escolher mover a ação

75

contra ambos e “como a solidariedade obriga a todos responderem

simultaneamente, todos responderão pelo total dos danos causados”144.

3.5. EXCLUDENTES DA RESPONSABILIDADE CIVIL DOS

ESTACIONAMENTOS

Em sendo o contrato de estacionamento um contrato

de depósito, a irresponsabilidade resta mitigada, estando a obrigação de

indenizar patente quando não restituída a coisa objeto do depósito, salvo

algumas poucas exceções.

O CC de 1916 previa expressamente (art. 1.285, II) que

o depositário somente se escusava da responsabilidade da coisa

depositada quando provasse um caso fortuito ou de força maior. Contudo,

o CC de 2002 não manteve tal disposição no capítulo atinente ao depósito.

De qualquer forma, o art. 650 do CC de 2002

estabelece que cessa a responsabilidade dos depositários se provarem

que os fatos prejudiciais não podiam ser evitados. Muito embora tal

dispositivo legal esteja previsto na seção atinente ao depósito necessário,

tem sido aplicado pela doutrina e jurisprudência, de uma maneira geral,

aos contratos de depósito num todo, a justificar o caso fortuito ou força

maior como excludentes da responsabilidade dos estacionamentos.

144 NUNES, Luiz Antônio Rizzato. Curso de direito do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2004. p.138.

76

Assim, o fato inevitável exclui a responsabilidade do

depositário. A inevitabilidade, importante destacar, é justamente o

elemento que caracteriza o caso fortuito.

O Superior Tribunal de Justiça bem sintetiza a questio,

como se extrai do seguinte julgado:

A inevitabilidade e não a imprevisibilidade é que

efetivamente mais importa para caracterizar o fortuito. E

aquela há de entender-se dentro de certa relatividade,

tendo-se o acontecimento como inevitável em função do que

seria razoável exigir-se145.

Malgrado o STJ venha admitindo a alegação de caso

fortuito ou força maior como excludentes de responsabilidade, tem

mitigado a caracterização de tais institutos, inclusive ao não aceitar

alegação de roubo na espécie. Ora, o roubo, como conseqüência da

violência urbana, poderia ser caracterizado como caso fortuito, mas, na

caso dos estacionamentos, o STJ tem repelido tal argumentação, conforme

lição que se extrai do seguinte acórdão:

Empresa que explora estacionamento, cobrando pelo

serviço prestado, tem dever de guarda e vigilância sobre

veículos parqueados, respondendo por indenização em caso

de subtração. O roubo, a exemplo do furto, não pode ser

alegado como motivo de força maior por quem, em razão do

seu ramo de atividade, tem por obrigação e especialidade

prestar segurança146.

Gonçalves entende caber aos Tribunais decidir, “em

cada caso, se o assalto à mão armada, nas condições em que foi

realizado, no caso em julgamento, era inevitável, equiparado ao fortuito ou

145 RSTJ, 132/311. 146 STJ, Resp 182.390, 4ª T., rel. Min. Barros Monteiro.

77

força maior, ou não, dizendo se era de se presumir, em face da atividade

do depositário, tivessem sido tomadas especiais providências, visando à

segurança”147.

Por fim, cumpre destacar que a cláusula de não

indenizar não é admitida tanto pela doutrina como pela jurisprudência,

quando se trata da responsabilidade dos estacionamentos.

Isto porque o CDC não admite sua estipulação aos

contratos de consumo, ao expor que “é vedada a exoneração contratual do

fornecedor” (art. 24) e que “é vedada a estipulação contratual de cláusula

que impossibilite, exonere ou atenue a obrigação de indenizar” (art. 25).

Venosa, ao argüir também que a cláusula de não

indenizar, quando admitida, deveria ser livremente negociada, razão da

exclusão de sua imposição por contrato de adesão, conclui e exemplifica

que “não é válida a cláusula normalmente aposta nos estacionamentos:

‘Não nos responsabilizamos por furto e danos do veículo’”148.

Pelo exposto, somente poderia ser alegado força maior

ou caso fortuito para exclusão da responsabilidade dos estacionamentos.

3.6. CASUÍSTICAS

Busca-se, agora, para efeito de verificação

pormenorizada do instituto da responsabilidade civil em relação aos

147 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume IV: responsabilid ade civil . São Paulo: Saraiva, 2007. p. 280. 148 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil, vol. 4: responsabilidade civil . 5. Ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 68.

78

estacionamentos, citar casos especiais e destacados, o que se chamou de

casuísticas.

3.6.1 ESTACIONAMENTO DE CLUBE RECREATIVO

O sócio de clube recreativo, por vezes paga

determinada quantia (denominada jóia) para poder fazer parte da

sociedade. Quando não, ao menos paga mensalidade para manutenção

dos benefícios.

Todos os integrantes deste clube recreativo estão

sujeitos aos estatutos sociais e esperam da sociedade confiança e

segurança, mormente nos dias hodiernos, em que a segurança cada vez

mais está na pauta de prioridades das famílias.

Diante disso, STOCO149 leciona:

Cabe a essa sociedade civil zelar e velar pelos seus sócios

e pelos bens destes que estejam sob a sua proteção, pois

que recebe um valor mensal para isso, suficiente mesmo

para manter uma apólice coletiva de seguro contra furtos e

roubos, além do que os associados pagam por tudo que

utilizam no interior do clube, como, v. g., bar, restaurante,

sauna, prática de esportes etc.

149 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil . 6. Ed. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2004. p. 712.

79

Este mesmo autor conclui estar o dever de aguarda

incluído no próprio valor da mensalidade ou mesmo no embutido no preço

dos diversos serviços postos à disposição dos associados.

Em interessante conclusão, STOCO aduz que

“mantendo o clube área privativa para o estacionamento de veículos, maior

será o interesse de associar-se, posto que se subentende ter o clube

assumido o dever de guarda e de incolumidade não só dos associados,

quando em seu interior, como dos veículos ali estacionados”.

3.6.2. ESTACIONAMENTO DE EDIFÍCIO EM CONDOMÍNIO

A responsabilização dos edifícios em condomínio não

se opera quando da ocorrência de furto de veículos, seus acessórios ou

objetos neles deixados, quando estacionados na garagem do prédio.

Quando o veículo é estacionado na vaga de garagem

do prédio, o condomínio ou seu morador/usuário não transfere a guarda do

bem à administração do condomínio, nem entre as partes se opera um

contrato de depósito. Tanto é verdade, que as próprias convenções de

condomínio trazem disposições nesse sentido, uma vez que, as vagas de

garagem constituem unidades agregadas à própria unidade residencial ou

comercial pertencente ao usuário.

Uma vez ciente o usuário da inexistência de garantia

por parte do condomínio, não poderá àquele alegar ignorância, devendo

tomar as providências que entender cabíveis para proteger o seu bem.

80

Assim, conclui-se que a obrigação de guarda só poderá

prevalecer se estiver expressamente prevista na convenção ou no

regulamento interno do condomínio, ou se o próprio condomínio mantiver

vigia ou guarda com o fim específico de protege ou salvaguardar a

incolumidade dos veículos estacionados na garagem do prédio.

Nesse sentido é a Jurisprudência:

Somente cláusula expressa na convenção condominial

tocante à guarda e vigilância de coisa dos condôminos, em

espaços comuns, pode imputar ao condomínio a

responsabilidade por furto daqueles bens ou dano150.

Civil. Condomínio. Responsabilidade. Furto. Não tendo

assumido explícita ou implicitamente o dever de guarda e

vigilância, o condomínio não pode ser responsabilizado por

furto de veículo ocorrido na garagem do edifício151.

Silente a convenção do condomínio, no que tange a

responsabilidade pela guarda de veículos nas garagens e

pela guarda dos bens no interior das unidades habitacionais

e inexistindo culpa do condomínio e de seus prepostos, não

responde ele por eventuais furtos ali ocorridos152.

Oportuno registrar que, por tratar-se relação entre

particulares, em que não há incidência das regras consumeristas, é

possível estabelecer cláusula de não indenizar, que restaria caracterizada

como excludente de nexo causal.

Na mesma senda do entendimento acima perfilhado, é

a Jurisprudência:

150 STJ - 3.ª T. REsp – Rel. Cláudio Santos – j. 14/06/1993 – RSTJ 52/273. 151 STJ - 3.ª T. REsp – Rel. Costa Leite – j. 21/09/93 – RSTJ 57/399 e RT 706/210. 152 TJBA - 3.ª C. Ap – Rel. Justino Telles – j. 05/06/96 –RT 733/294.

81

Prevendo a convenção que o condomínio não é responsável

pelos danos sofridos por veículos estacionados na garagem

do prédio, não é admissível, em caso de furto, pleitear-se

indenização, porque lícita a cláusula de não indenizar.

Precedentes da 3.ª T. do STJ: REsp 10.285 e 13.027.

Súmulas 83 e 7 do STJ153.

3.6.3. ESTACIONAMENTO DA EMPRESA EM RELAÇÃO AO

EMPREGADO

Quando a empresa dispõe de estacionamento e permite

que seus empregados o utilizem, e sendo este dotado, mesmo que

precariamente, de segurança e/ou vigilância, assume o dever de guarda,

tornando-se civilmente responsável pelos furtos dos automóveis de seus

empregados.

Tal entendimento se justifica uma vez que a empresa

“aufere como contrapartida ao comodismo e segurança proporcionados,

maior e melhor produtividade dos funcionários, notadamente por lhes

retirar, na hora do trabalho, qualquer preocupação quanto à incolumidade

de seus veículos”154.

153 STJ - 3.ª T. REsp – Rel. Nílson Naves – j. 24/05/94 – RSTJ 67/457 e RT 710/196. 154 STJ, 4. T. Resp – Rel Sávio de Figueiredo Teixeira – j. 04/04/1995 – RT 718/279.

82

3.6.4. ESTACIONAMENTO DE HOSPITAL

Quanto a responsabilidade de estacionamentos de

hospitais, doutrina e jurisprudência proclamam a necessidade de

verificação da conotação comercial ou empresarial do estabelecimento

para caracterização de sua responsabilização civil.

Assim, havendo intuito de lucro na atividade do

hospital, responderá este segundo a regra geral de responsabilidade dos

estacionamentos, ou seja, de acordo com as regras do contrato de

depósito (responsabilidade objetiva) e com a incidência das regras

consumeristas.

Por outro turno, se o hospital não detiver finalidade

lucrativa, ou seja, funcionar sem qualquer intuito econômico ou de lucro,

não será responsabilizado civilmente pelas eventuais avarias ou furtos

ocorridos nos veículos que utilizarem seu estacionamento.

Nessa linha têm se pronunciado a jurisprudência, in

verbis:

Indenização. Responsabilidade Civil. Hospital. Furto de

veículo em estacionamento que mantêm para clientes.

Entidade sem finalidade lucrativa e local aberto ao público.

Hipótese de contrato unilateral e gratuito, com vantagens

apenas para os usuários. Verba não devida. Recurso não

provido155.

Mesmo nas hipóteses em que há vigias no

estacionamento a responsabilidade não tem sido declarada, verbis:

155 TJ/SP-5ª C. Dir. Público – AP. 19.845-5, Rel. Paulo Franco. J. 28/05/1998.

83

Indenização. Responsabilidade Civil. Furto de veículo em

estacionamento de hospital. Ação contra este ajuizada. Réu

que constitui entidade com fins filantrópicos, sem objetivos

econômicos ou de lucro. Irrelevância que mantenha vigias

nas dependências. Ação improcedente. Recurso Improvido –

‘Inexistindo finalidade de lucros, e não havendo o intuito de

atrair clientela com a oferta de estacionamento, não há o

dever de indenizar em caso de furto de veículo’156.

Assim, independentemente da situação fática existente

em cada caso, o que importa para delinear a responsabilidade dos

hospitais pelos danos ocorridos em seus estacionamentos é tão somente

sua finalidade social.

156 TJ/SP - 1ª C. Dir. Privado – AP. Rel. Guimarães de Souza – j. 07/10/1997.

84

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A figura jurídica advinda da relação entre o proprietário

de um veículo e um estacionamento nem sempre restou muito clara

perante os operadores do direito. Como em nosso ordenamento jurídico

não há lei impondo o dever de guarda, vigilância ou custódia no caso dos

estacionamentos, a doutrina e a jurisprudência procuraram justificar a

existência deste dever através das circunstâncias em que o

estabelecimento (seja um estacionamento seja uma sociedade empresária

que disponha de serviço/local para o cliente estacionar) voluntariamente se

investiu.

Em relação ao estacionamento, como sociedade

empresária cujo objeto social seja a guarda de veículos, não se torna difícil

verificar sua responsabilidade sob a coisa guardada, até porque esta

guarda e proteção resumem-se em seu próprio fim. Aqui, inclusive, resta

simplificada a tarefa de caracterização da relação jurídica existente como

contrato de depósito.

Já em relação aos estabelecimentos comerciais que

oferecem local ou serviço para a deixa do veículo, tem-lhes sido atribuído

esses deveres de guarda e proteção em razão de lograrem interesse

econômico no oferecimento e manutenção do estacionamento, como por

vincular aos usuários do estacionamento uma impressão razoável de

segurança, seja por serem murados ou cercados, seja pela existência de

vigias, ou ainda por outros fatores que criem essa impressão de

segurança. Violados esses deveres, resta então configurada a

responsabilidade civil dos estabelecimentos comerciais, através das

considerações acerca da relação jurídica existente, de forma a abrandar os

prejuízos das vítimas através da presunção de culpa daqueles

estabelecimentos.

85

Enfim, a própria tendência da responsabilidade civil,

atualmente, é de que, se não abandonada à noção de culpa, reste ao

menos suavizada/mitigada, o que proporcionará às vítimas maiores

possibilidades de terem reparados os prejuízos sofridos.

O próprio conceito de culpa na obrigação de guarda

está ligado a concepção objetivista, pois, para a sua configuração, basta o

fato de não ser restituída a coisa guardada, a que se estava obrigado de

modo expresso ou tácito, não se investigando sobre a existência ou não da

culpabilidade.

A responsabilidade civil dos estacionamentos, sob o

enfoque da teoria objetiva do risco do empreendimento, reside no fato de

que, se o empresário colhe os benefícios de sua atividade econômica, seja

por sua própria atividade fim a guarda de veículos, seja por ser ínsito ao

negócio comercial, seja pelo lucro auferido direta ou indiretamente da

guarda do veículo, surge o seu dever de suportar o ônus decorrente do

risco criado aos consumidores, de forma que, se algum veículo é furtado

ou danificado, deve o empresário arcar com o prejuízo.

A aceitação da teoria objetiva do risco implica no

reconhecimento da obrigação de indenizar em um maior número de casos,

independentemente de ser o estacionamento gratuito ou pago, ou de haver

ou não vigias, ou ainda de haver ou não controle de entrada de saída de

veículos (com emissão de tíquetes, por exemplo).

Embora a jurisprudência já viesse reconhecendo a

responsabilidade dos estabelecimentos comerciais nesses casos, mesmo

sem haver lei imperativa que o estabelecesse, a matéria ganhou novos

contornos com o Código de Defesa do Consumidor. Este diploma

determinou a responsabilidade independente de culpa dos prestadores de

serviço por quaisquer defeitos ocorridos. E nesse conceito de prestadores

de serviço se enquadram os estacionamentos e estabelecimentos

86

comerciais que oferecem área de parqueamento a seus clientes, cuja

responsabilidade será objetiva.

A efetiva reparação do dano, aliás, também está de

acordo com o princípio da confiança e da boa-fé, que devem nortear todo o

tipo de contrato, em especial os de estacionamento.

Conclui-se que os empresários em geral, diante dessa

nova realidade, devem assumir uma postura pró-ativa, buscando

alternativas para, além de socializar os riscos de sua atividade, através da

contratação de seguro, também prevenir os sinistros de qualquer espécie

em estacionamentos sob sua responsabilidade, garantindo a tão

pretendida segurança destes serviços.

Pelo exposto, diante do presente trabalho e através da

exposição do assunto pesquisado, entende terem sido respondidas às

perguntas previamente propostas e, confirmadas as hipóteses assumidas.

87

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