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1 FACULDADES INTEGRADAS “ANTÔNIO EUFRÁSIO DE TOLEDO” FACULDADE DE DIREITO DE PRESIDENTE PRUDENTE/SP AS VIOLAÇÕES AO DIREITO À LIBERDADE DA CRIANÇA Michel Salati Beraldi Presidente Prudente/SP novembro/2005

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    FACULDADES INTEGRADAS ANTNIO EUFRSIO DE TOLEDO

    FACULDADE DE DIREITO DE PRESIDENTE PRUDENTE/SP

    AS VIOLAES AO DIREITO LIBERDADE DA CRIANA

    Michel Salati Beraldi

    Presidente Prudente/SP novembro/2005

  • 2

    FACULDADES INTEGRADAS ANTNIO EUFRSIO DE TOLEDO

    FACULDADE DE DIREITO DE PRESIDENTE PRUDENTE/SP

    AS VIOLAES AO DIREITO LIBERDADE DA CRIANA

    Michel Salati Beraldi

    Monografia apresentada como requisito

    parcial de Concluso do Curso para obteno

    do grau de Bacharel em Direito, sob

    orientao da Professora Fabiana Junqueira

    Tamaoki.

    Presidente Prudente/SP novembro/2005

  • 3

    AS VIOLAES AO DIREITO LIBERDADE DA CRIANA

    Trabalho de Concluso de Curso aprovado

    como requisito parcial para obteno do Grau

    de Bacharel em Direito

    Fabiana Junqueira Tamaoki

    Orientadora

    Marivaldo Gouveia

    Examinador

    Rodrigo Lemos Arteiro Examinador

    Presidente Prudente/SP, 23 de Novembro de 2005.

  • 4

    Dedico a presente pesquisa aos meus pais, pela

    dedicao e pelo incentivo.

  • 5

    O ouro dos tigres

    At a hora do ocaso amarelo

    Quantas vezes terei contemplado

    O poderoso tigre de bengala

    Ir e vir pelo predestinado caminho

    Por detrs das barras de ferro,

    Sem suspeitar que eram seu crcere.

    Depois viriam outros tigres,

    O tigre de fogo de Blake;

    Depois viriam outros ouros,

    O metal amoroso que era Zeus,

    O anel que a cada nove noites

    Engendra nove anis e estes, nove,

    E no h um fim.

    Com os anos foram me deixando

    As outras belas cores

    E agora s me restam

    A vaga luz, a inextricvel sombra

    E o ouro do princpio.

    Oh, poentes, oh, tigres, oh, fulgores

    Do mito e da pica,

    Oh, um ouro mais precioso, teus cabelos

    Que estas mos almejam.

    Jorge Luis Borges.

  • 6

    Agradecimentos

    A todos que, direta ou indiretamente, ajudaram-me a concluir o presente

    trabalho, orientando-me para ultrapassar todos os obstculos.

    A professora Fabiana Junqueira Tamaoki, minha orientadora, pessoa de notvel

    saber jurdico, merecedora de toda a admirao, pela ateno e dedicao

    dispensadas.

    Aos professores Marivaldo Gouveia e Rodrigo Lemos Arteiro, pela valiosa

    ateno e ajuda em terem aceitado ao convite para serem examinadores.

  • 7

    Resumo

    O presente trabalho discute o direito liberdade e sobre possveis violaes, nos

    aspectos que se relacionam com a criana, previstos na Constituio Federal e

    no Estatuto da Criana e do Adolescente.

    Procurou-se demonstrar que esse direito inerente a todos os seres humanos,

    surgindo desde os primrdios da inteligncia humana a necessidade do homem

    ser livre, pois se trata de um direito natural e que, por conta disso, sua positivao

    se tornou necessria para garantir sua exigibilidade.

    Argumenta-se que a criana, como ser humano, tambm detentor deste e dos

    demais direitos fundamentais. Observa-se no presente trabalho que houve a

    necessidade de ocorrer a positivao dos direitos da criana e do adolescente no

    ordenamento jurdico a fim de que estes gozassem de tais direitos fundamentais.

    Demonstra-se, outrossim, o desenvolvimento do direito liberdade da criana,

    atualmente, no que diz respeito sua defesa e adaptao. importante ressaltar

    que referida defesa e adaptao do direito liberdade da criana deve ser

    realizada de forma a respeitar as condies peculiares do frgil estado de

    desenvolvimento em que se encontra a criana, bem como sua mentalidade

    diversa da do adulto.

    O presente trabalho tambm analisa o que deve ser feito para preservar esse

    direito e como preservar a integridade da criana, mesmo que para isso se tenha

    que restringir algum aspecto do direito liberdade da criana.

    Palavras-chave: Constituio Federal. Estatuto da Criana e do Adolescente. Liberdade. Criana. Direito fundamental.

  • 8

    ABSTRACT This current work discusses the right to freedom and about possible violations, in

    aspects related to child mention in the Federal Constitution and in the Child and

    Adolescent Bylaw.

    This work wants to demonstrate that this right is inherent every human being. It

    has been inexistence since the beginning of human inteligence about the human

    needs to be free. Its a natural extinct and therefore its realization become

    necessary to guarantee a requeriment. Its argued that the child, as a human

    being, owns this and other fundamental rights.

    This current work shows that theres a need to make the rights of child and

    adolescent happen as an orderness, in order to have them enjoy privilegies.

    This work presents, as well, how the right to childs freedom has been developing,

    nowadays, regarding their protection and adjustment.

    Its important to emphasize the statement above about the adjustment to the right

    to freedom for the child must be achieved in a way that the peculiar conditions of

    the child fragile state of development are respected as well as, their different

    mentality when compared to the adult.

    The present work also analysis what must be done to preserve this right and how

    to preserve the integrity of child even when to restrain some aspects from the right

    to the freedom of child.

    Keywords: Federal Constituition. Children and Adolescent Bylaw. Freedom. Child.

    Fundamental rights.

  • 9

    SUMRIO

    INTRODUO......................................................................................................10

    CAPTULO PRIMEIRO Da liberdade................................................................11 O que liberdade?................................................................................................11

    A liberdade como Direito Natural...........................................................................12

    A liberdade como um Direito Humano...................................................................15

    A Positivao do Direito Liberdade.....................................................................16

    CAPTULO SEGUNDO Do Direito Liberdade da Criana............................19 2.1 Definio de direito liberdade.......................................................................19

    2.2 Distino entre criana e adolescente.............................................................21

    2.3 Do reconhecimento do direito liberdade para a criana e o adolescente.....24

    2.4 Do direito liberdade da criana.....................................................................25

    2.4.1 Da liberdade de ao....................................................................................26

    2.4.2 Da liberdade de ir, vir e estar........................................................................28

    2.4.3 Da liberdade de opinio................................................................................29

    2.4.4 Da liberdade de crena e culto.....................................................................29

    2.4.5 Da liberdade de brincar, praticar esportes e divertir-se................................30

    2.4.6 Da liberdade de buscar refgio, auxlio e orientao....................................33

    2.5 Dos princpios voltados a Criana...................................................................34

    2.5.1 Princpio da Proteo Integral.......................................................................34

    2.5.2 Princpio do Respeito Peculiar Condio de Pessoa em

    Desenvolvimento...................................................................................................35

    2.5.3 Princpio da Igualdade de Crianas e Adolescentes....................................37

    2.5.4 Princpio da Prioridade Absoluta...................................................................39

    2.5.5 Princpio da Participao Popular na Defesa dos Direitos de Crianas e

    Adolescentes.........................................................................................................41

    2.6 O direito liberdade da criana e do adolescente na atualidade....................43

  • 10

    CAPTULO TERCEIRO Das polticas de atendimento dos direitos da criana e do adolescente....................................................................................46 3.1 Da importncia das polticas de atendimento dos direitos da criana e do

    adolescente............................................................................................................46

    3.2 Das linhas de ao das polticas de atendimento............................................49

    CAPTULO QUARTO As violaes ao direito liberdade da criana .........57 4.1 Das restries legais e sociais ao direito liberdade da criana....................57

    4.2 Formas de evitar e combater as violaes ao direito liberdade da criana e

    do adolescente.......................................................................................................67

    CONSIDERAES FINAIS..................................................................................69

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS.....................................................................71

  • 11

    INTRODUO

    O presente trabalho pretendeu definir o que o direito liberdade e como

    ele pode ser aplicado criana. A pesquisa tambm procurou demonstrar as

    violaes a esse direito, bem como as atitudes do governo e de toda a sociedade

    para evitar tais violaes.

    A atitude de respeitar os direitos fundamentais das crianas e adolescentes

    torna a sociedade brasileira mais justa e melhor. A criana e o adolescente de

    hoje o homem adulto do amanh. Dito isto, fica evidente a importncia de se

    tratar desse assunto, pois uma criana no sabe reconhecer quais so seus reais

    direitos e se a sociedade e o governo no se preocupar em tutel-la, corre-se o

    risco destes direitos tornarem-se letra morta na legislao brasileira.

    Respeitar o direito liberdade da criana uma forma de garantir que a

    sociedade brasileira esteja em um patamar elevado e de respeito aos direitos

    fundamentais da pessoa humana. Pode-se afirmar isso porque essa liberdade,

    vista com desprezo por alguns, que essencial para formar o carter adequado

    do ser humano.

    Salienta-se que o procedimento adotado para o estudo do presente

    trabalho foi essencialmente bibliogrfico e documental, colhidos sistemtica e

    aleatoriamente, conforme a natureza dos dados.

    Por fim, o tema abordado neste trabalho buscou analisar de maneira crtica

    as violaes ao direito liberdade nos aspectos pertinentes criana, buscando

    na medida do possvel, confrontar as opinies divergentes.

  • 12

    CAPTULO PRIMEIRO: DA LIBERDADE 1.1 O que liberdade?

    A liberdade algo almejado por todos, pois quem a tem no quer perd-la

    e quem no a tem sempre busca consegui-la. algo que no se pode ver, mas

    pode-se sentir e quando no a sentimos nos falta algo, haja vista a liberdade ser

    intrnseca ao ser humano.

    O homem para ser considerado como pessoa deve ser, livre. A liberdade

    uma qualidade ou propriedade da pessoa, e entre seus diversos significados

    podem ser referidos a vontade ou ao.

    Norberto Bobbio (2000, p. 49 a 56), dispe como sendo liberdade de ao

    a liberdade negativa, que se refere a ao, ou seja, a liberdade como sendo

    ausncia de impedimento ou constrangimento; e a liberdade como vontade, a

    liberdade positiva, pela autonomia, pela auto determinao, que se baseia em

    impulsos conforme a razo.

    A liberdade quanto a ao, isto , aquela como ausncia de impedimento

    ou de constrangimento, decorre da situao em que um sujeito tem a

    possibilidade de agir sem ser impedido, ou de no agir sem ser obrigado por

    outros sujeitos.

    Em relao a liberdade como vontade, tambm chamada de

    autodeterminao, de autonomia, a situao na qual um sujeito tem a

    possibilidade de orientar seu prprio querer no sentido de uma finalidade, de

    tomada de decises, sem ser determinado pelo querer de outros. A liberdade

    positiva pode ser considerada como um princpio motor, vez que abre a

    possibilidade de autodeterminao e a torna exeqvel ao ser humano.

    Na concepo de Jos Afonso da Silva (1999, p. 234 a 235), existem dois

    tipos de liberdade: a liberdade interna (liberdade subjetiva ou psicolgica), que o

    querer ou o livre arbtrio, como manifestao de vontade no mundo interno do

    homem; e a liberdade externa, que consiste na expresso externa do querer

    individual.

  • 13

    A liberdade interna o poder de escolha e de opo, que quando se

    exterioriza, transforma-se na liberdade objetiva ou externa.

    Fala-se em liberdade para fazermos o que quisermos, para ter o emprego

    que almejamos, liberdade para escolher uma mulher ou um homem, liberdade

    para ler qualquer livro, ou liberdade para no ler absolutamente nada. Somos

    livres, e usamos essa liberdade para nos expressarmos, para fazermos aquilo

    que gostamos.

    Nos Estados Totalitrios no h liberdade alguma, pois tm-se a idia de

    que a liberdade produz a degenerao do homem. Portanto, eles controlam e

    reprimem toda espcie de liberdade, inclusive a de pensamento.

    Ento, o que liberdade? algo que se baseia na escolha para fazermos

    exatamente o que queremos?

    A liberdade est no mundo exterior, onde voc expressa o que quer, ou

    seja, a liberdade individual e tambm no mundo interior, onde comea dentro de

    voc, para se expressar inteligentemente fora de voc.

    Contudo, podemos dizer que a verdadeira liberdade est em ns mesmos

    quando a ordem completa. E essa ordem s vem quando nos sentimos livres no

    nosso interior e quando efetivamente somos livres no mundo exterior.

    1.2 A Liberdade como um Direito Natural.

    A lei natural no escrita e fundamenta-se no ser e em sua inteligncia,

    no em uma vontade arbitrria ou em um poder voluntarista. originria da

    prpria natureza humana, do juzo da razo e indica o que o ser humano entende

    como bom e o que deve ser feito, ou seja, evitar o mal e fazer o bem.

    A lei natural na verdade, o conjunto de coisas que se deve fazer e o que

    no se deve fazer, retiradas do interior do prprio ser e de sua inteligncia.

    O direito natural o conjunto de normas que so aptas a resolver os

    conflitos humanos, mas essas normas, que so conhecidas pelo homem em sua

    razo no necessitam de estarem positivadas para esse propsito, da prpria

    natureza humana e independe do legislador, e esse direito est enraizado na

    prpria ndole do ser humano.

  • 14

    O Direito Natural mais do que um conhecimento e uma base para a

    defesa dos valores e dignidades humanas, uma atitude. E a positivao desse

    direito, no se fez necessria para que auxilie o homem a viver em sociedade.

    algo universal, protegendo todos os homens sem distino e tambm algo

    perptuo, que sempre existiu, surgindo juntamente com a conscincia humana e

    no vinculados a valores jurdicos e religiosos, sendo durvel enquanto o ser

    humano existir.

    No entender de Maria Helena Diniz (1997, p. 37), os primeiros princpios da

    moralidade correspondem ao que h de permanente e universal da natureza

    humana, perceptveis de maneira imediata, independente de fatores externos,

    como cultura, civilizao e religio. So deveres do homem para si prprios e

    para com Deus e sendo o princpio fundamental que o bem deve ser feito,

    evitando-se o mal.

    O direito natural acompanha a moralidade do ser humano, mesmo que

    este tenha influncias externas, como religio e cultura. Tal moralidade algo

    comum a todos os seres humanos, algo universal da natureza humana e o

    homem apenas consegue sua paz interior se realizar suas condutas de acordo

    com sua moralidade.

    (... )devido ao processo de secularizao da vida, que levou o jusnaturalismo a arredar suas razes teolgicas, buscando os seus fundamentos de validade na identidade da razo humana. O direito natural tornou-se subjetivo enquanto radicado na regulao do sujeito humano, individualmente considerado, cuja vontade cada vez mais assume o sentido de vontade subjetiva e absolutamente autnoma. Nesta concepo jusnaturalista a natureza do homem uma realidade imutvel e abstrata, por ser-lhe a forma inata, independente das variaes materiais da conduta. (DINIZ, 1997, p. 38)

    O direito natural surge pelo mtodo dedutivo, conforme a realidade

    observada e influenciada pela racionalidade do homem e sua livre e autnoma

    vontade subjetiva.

    Um dos princpios impostos pela natureza humana o dever de o homem

    respeitar sua racionalidade, ou seja, sua inteligncia, sendo que o homem deve

    procurar a verdade, buscar o conhecimento da realidade.

    E o homem s buscar a verdade e o conhecimento da realidade quando

    tiver a liberdade, ou seja, a liberdade de pensamento, a liberdade para

  • 15

    exteriorizar seus pensamentos, a liberdade de agir, pois s assim conseguir

    atingir seus objetivos.

    A liberdade, assim como a vida, a propriedade, a educao, a dignidade e

    a igualdade, tambm um direito natural. O homem, como ser racional tem de

    possuir a liberdade, pois sem ela no poderia pensar e agir de forma racional,

    mas sim de forma pr-ordenada. Para alcanar seu fim, o homem tem de ser livre

    para escolher os meios de alcan-lo.

    A autodeterminao frente as situaes cotidianas, aos caminhos a serem

    tomados e frente as diversas escolhas denominada liberdade psicolgica.

    Nossa racionalidade permite tal autodeterminao.

    Autodeterminao ento significa a liberdade ou independncia moral ou

    intelectual de o homem pensar e de agir, sem a interveno de fatores externos.

    Quanto ao pensar, sendo o pensamento livre, se tem a liberdade psicolgica.

    Quanto ao agir, a liberdade psicolgica sendo exteriorizada.

    A liberdade psicolgica consiste, pois, na iseno da necessidade intrnseca de sua faculdade ativa, ou em outros termos, no poder que esta possui de autodeterminar-se frente a um objeto, j no sentido de agir ou no agir (liberdade de contradio ou exerccio), j no sentido de determinar-se a um objeto ou outro e ao seu contrrio (liberdade de especificao e contrariedade, respectivamente). 0 homem, como ser racional, deve reflexionar e determinar-se por si mesmo no emprego de cada meio, coisa que a criatura irracional, diferentemente, recebe j feita por Deus nas inclinaes intrnsecas de sua natureza. Da que o problema moral seja especfico e exclusivo do homem. Surge no homem como uma necessidade moral de dirigir a atividade livre a seu fim, em substituio (e superando-a) necessidade fsica da ordem natural no espiritual. A necessidade fsica e a necessidade moral, as leis da Fsica e das Cincias Naturais e da tica, o "tem que ser" e o "dever ser", respectivamente, em ltima instncia metafsica, assinalam as duas realizaes por onde Deus conduz a atividade das criaturas para obter o fim ltimo por ele intentado. (GUIMARES, 1991, p. 254)

    A possibilidade de o homem escolher o fim a que se destina sua vida ou que o

    quer realizar durante sua vida depende da liberdade psicolgica, de poder se auto

    determinar frente a um dilema ou escolha, de agir ou no agir, empregando o

    meio que ache necessrio. Sendo assim, a liberdade no poderia deixar de ser

    um direito natural do ser humano.

    1.3 A Liberdade como um Direito Humano

  • 16

    A Declarao Universal dos Direitos do Homem, aprovada pela ONU, em

    1948, consagrou no plano mundial um conjunto de valores que reputados de

    essenciais, no apenas para servirem de ideal ao humana, mas tambm para

    definirem o enquadramento legal dentro do qual os Estados podem legislar, julgar

    e atuar. A Declarao Universal dos Direitos Humanos possui valores ou direitos,

    dos quais podem se destacar os seguintes: -a dignidade humana a liberdade a

    igualdade a fraternidade.

    Esses direitos da Declarao Universal dos Direitos Humanos foram

    classificados em duas espcies: os direitos civis e polticos e os direitos

    econmicos, sociais e culturais. Posteriormente, somaram-se a esses ltimos os

    direitos da solidariedade.

    O artigo III da Declarao Universal determina: Todo homem tem direito

    vida, liberdade e segurana pessoal.

    Consoante tal artigo, de se notar que o direito liberdade, que faz parte

    dos direitos civis e polticos, fica reconhecido universalmente e legalmente como

    um direito humano, ou seja, inerentes a todos os seres humanos. Vejamos o que

    dispe a seguinte citao:

    Com a Declarao de 1948, tem incio uma terceira e ltima fase, na qual a afirmao dos direitos , ao mesmo tempo, universal e positiva: universal no sentido de que os destinatrios dos princpios nela contidos no so mais apenas os cidados deste ou daquele Estado, mas todos os homens; positiva no sentido de que pe em movimento um processo em cujo final os direitos do homem devero ser no mais apenas proclamados ou apenas idealmente reconhecidos, porm efetivamente protegidos at mesmo contra o prprio Estado que os tenha violado. (BOBBIO, 1992, p.30)

    Para ser protegido pelos direitos humanos basta equivaler como ser

    humano. A Declarao Universal dos Direitos do Homem colocou o homem no

    patamar de sujeito de direitos, protegido por suas normas onde quer que este

    sujeito esteja, independente de raa, cor ou etnia.

    Alm do artigo III, trata tambm o artigo IV da Declarao, de maneira

    indireta sobre a liberdade, quando transcreve a proibio da escravido nos

    seguintes termos: Ningum ser mantido em escravido ou servido; a

    escravido e o trfico de escravos sero proibidos em todas as suas formas.

  • 17

    Esse artigo trata da liberdade individual de cada ser humano, proibindo que

    o homem seja propriedade de outro ou do Estado. Mesmo operante esta

    proibio, de uma forma diversificada, ainda continua ocorrer a escravido em

    todos os continentes, principalmente na frica e na sia.

    Pode-se equiparar a escravido com o trabalho forado ou no, sem

    remunerao, assim como tambm o trabalho infantil, que priva crianas do

    direito liberdade, ignorando sua situao especial e de pessoa em

    desenvolvimento.

    No Brasil, conforme a imprensa apontou por diversas vezes, esse tipo de

    escravido ou trabalho escravo tambm est presente. Pessoas so obrigadas a

    trabalhar, sem receber sequer um salrio e s vezes sem o mnimo de respeito s

    necessidades bsicas das quais qualquer pessoa necessita.

    1.4 A Positivao do Direito Liberdade

    O conjunto de normas estabelecido por um poder poltico que se impe e

    regulam a vida social de um dado povo em determinada poca, pode ser

    denominado direito positivo.

    A positivao do direito ocorre quando surge um fato, que a ele atribudo

    um valor e que para alcanar a harmonia ou para que regule a vida social de um

    povo, um poder poltico impe a norma e eventual sano pela sua violao.

    O direito positivo o conjunto de normas estabelecidas pelo poder poltico

    que se impem e regula a vida social de um dado povo em determinada poca e

    que obedecido pelo motivo de haver uma sano a quem o desrespeita.

    mediante normas que o direito pretende obter o equilbrio social e

    impedir que o caos e a desordem destruam a vida em sociedade.

    Dito isso, pode se chegar concluso de que o direito positivo uma

    ordenao que o homem deve obedecer e que regula as relaes sociais,

    baseada na integrao normativa de fatos e valores que surgem na sociedade.

    A nossa sociedade possui um grande nvel de mudana. Isso leva a

    caminhos repletos de conflitos, confuses e incertezas.

    A cincia do Direito enfrenta o problema de o direito no ter uma definio

    precisa, acarretando um grande nmero de possibilidades que varia de autor para

  • 18

    autor. Isso acontece porque o conceito depende de quem o elabora, pois a esto

    concepes de realidade, de sociedade, do Estado, ou seja, as quais so

    delimitadas em conformidade com a viso do autor. Talvez, nunca se chegue a

    uma concepo consensual, pois os tempos mudam e novas correntes de

    pensamento surgem.

    Em virtude da mutabilidade da sociedade, e conseqentemente do direito,

    a positivao do direito encontra muitas dificuldades.

    A liberdade surgiu como um fato e tambm como um direito natural e que o

    poder poltico, visando preservar o bem estar social, imps normas e uma

    conseqentemente sano pela violao ou desrespeito das mesmas. Fazendo

    isso, o Estado realizou a positivao do direito liberdade.

    O direito liberdade um direito objetivo ou positivo, que, segundo Maria

    Helena Diniz (1997, p. 37), o complexo de normas impostas ao comportamento

    humano, autorizando o indivduo a fazer ou no fazer algo. Estando, portanto,

    fora do homem, indica-lhe o caminho a seguir, prescrevendo medidas repressivas

    em caso de violao de normas.

    O adjetivo natural, aplicado a um conjunto de normas, j evidencia que so

    os preceitos de convivncia criados pela prpria natureza e pela prpria essncia

    humana e que precederiam a lei escrita, ou o direito positivo, que na verdade so

    normas postas ou impostas pelo Estado.

    Portanto, fica demonstrado que o direito liberdade surgiu no apenas

    como um fato, mas sim como um direito natural do ser humano e que o Estado,

    visando proteger a efetividade e garantir concretizao desse direito, o

    transformou em lei positiva, que est previsto no artigo 5 caput e em alguns de

    seus incisos da Constituio Federal.

  • 19

    CAPTULO SEGUNDO Do Direito Liberdade da Criana 2.1 Definio de direito liberdade

    A liberdade de pensamento, ou a liberdade positiva , como j dito, a

    liberdade interna e por isso o direito positivo no tem como control-la, podendo

    somente regular a liberdade de agir, ou a liberdade externa, que na verdade a

    liberdade interna exteriorizada para o mundo.

    O Estado edita leis visando proteger a coletividade, mantendo a paz social.

    Os direitos individuais ficam flexveis frente aos direitos coletivos, considerando

    que s vezes esses direitos individuais sofrem coaes ou limitaes. Vejamos o

    que dispe a seguinte citao:

    (...) no correta a definio de liberdade como ausncia de coao . O que vlido afirmar que a liberdade consiste na ausncia de toda coao anormal, ilegtima e imoral. Da se conclui que toda lei que limita a liberdade precisa ser lei normal, moral e legtima, no sentido de que seja consentida por aqueles cuja liberdade restringe. (SILVA, 1999, p. 235)

    Para manter a ordem social, o Estado impe regras de conduta que podem

    levar a uma coao do direito liberdade do indivduo. Essa coao necessria

    para manter a paz social. Sendo assim, um mnimo de coao h sempre de

    existir, entretanto, no poder ser excessiva ao ponto de torn-la imoral, anormal

    ou ilegtima.

    O direito liberdade consiste no direito que todo indivduo tem de dispor

    livremente de seu corpo, agir, pensar e expressar o que desejar, sem presses

    externas. Mas tal liberdade no pode tambm ultrapassar os limites da ordem

    pblica.

    O direito liberdade um direito fundamental do homem e digno de

    considerao constitucional especfica. Este direito liberdade est positivado no

    artigo 5 da Constituio Federal, que assim dispe:

  • 20

    Artigo 5 Todos so iguais perante a lei, sem distino de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no pas a inviolabilidade do direito vida, liberdade, igualdade, segurana e propriedade, nos termos seguintes:

    O inciso II do artigo 5 da Constituio Federal diz que ningum obrigado

    a fazer ou deixar de fazer alguma coisa seno em virtude de lei.

    (...)Dele se extrai a idia de que a liberdade, em qualquer de suas formas, s pode sofrer restries por normas jurdicas preceptivas (que impe um conduta positiva) ou proibitivas (que impe uma absteno), provenientes do Poder Legislativo e elaboradas segundo o procedimento estabelecido na Constituio. Quer dizer: a liberdade s pode ser condicionada por um sistema de legalidade legtima. (SILVA, 1999, p. 239)

    A Constituio Federal, com o inciso II, do artigo 5 prev a liberdade de

    fazer ou de no fazer o que bem entender, salvo quando a lei determinar o

    contrrio. Trata-se do princpio da legalidade, que uma garantia constitucional

    que abrange todos os seres, em sua relaes particulares. Difere da

    administrao, pois esta s pode fazer o que a lei expressamente permitir.

    O princpio da legalidade surgiu com o estado de direito, opondo-se a toda

    e qualquer forma de poder autoritrio, antidemocrtico.

    Tal princpio j estava previsto no artigo 4 da Declarao dos Direitos do

    Homem e do Cidado e na Brasil ele est previsto nos artigos 5, II, 37 e 84, IV

    da Constituio Federal.

    De acordo com o princpio da legalidade, em se tratando de relaes

    particulares, pode-se fazer tudo o que a lei no probe, o ser tem autonomia na

    sua vontade. Quando se fala em lei que pode restringir o direito liberdade, no

    qualquer lei, tem de ser uma lei justa.

    O direito liberdade somente pode ser restringido por uma lei legtima, por

    norma elaborada conforme o procedimento estabelecido na Constituio Federal

    e sempre quando houver dvida quanto a eventual restrio liberdade, esta

    prevalece, pois o direito a liberdade absoluto e no relativo.

    O legislador ordinrio, quando autorizado pela Constituio Federal, pode

    intervir para regular o direito de liberdade, vejamos:

  • 21

    A caracterstica de normas de eficcia contida, apontada acima, tem extrema importncia, porque da que vm os sistemas de restries das liberdades pblicas consideradas neste captulo. Vimos j que o legislador ordinrio, quando expressamente autorizado pela Constituio, intervm para regular o direito de liberdade conferido. Algumas normas constitucionais, conferidoras de liberdades e garantias individuais, mencionam uma lei limitadora (art. 5, VI, VII, XIII, XV, XVIII). Outras limitaes podem provir da incidncia de normas constitucionais (p. ex., art. 5, XVI: reunir-se pacificamente, sem armas(...) (SILVA, 1999, p. 272)

    O bem estar social algo mais importante que o direito individual, ou seja,

    o direito de um indivduo no pode ser considerado mais relevante do que a paz e

    o bem estar social, comum a todos da sociedade e por isso o legislador pode

    regular o direito liberdade.

    O modo com que o Estado regula o direito de liberdade, com o fim de

    assegurar a paz social acarreta uma espcie de restrio, que somente pode

    ocorrer quando for para manter algo maior, ou seja, o bem estar social. Se ocorrer

    de o Estado ultrapassar esse limite, deixa de ser um controle para torna-se um

    arbtrio ou uma restrio ao direito liberdade.

    2.2 Distino entre criana e adolescente

    A Constituio Federal no distingue entre criana e adolescente em

    relao fixao do critrio etrio, porm o Estatuto da Criana e do Adolescente

    faz a distino entre criana e adolescente, considerando a criana entre 0 a 12

    anos e o adolescente de 12 a 18 anos.

    O artigo segundo do Estatuto da Criana e do Adolescente, Lei

    8069/90, diferencia criana de adolescente:

    Art. 2 Considera-se criana, para os efeitos desta Lei, a pessoa at doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade. Pargrafo nico. Nos casos expressos em lei, aplica-se excepcionalmente este Estatuto s pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade.

    Essa diferena tcnica visa evitar a rotulao da palavra menor como

    aquele em situao irregular, como ocorria antigamente, no Cdigo de Menores.

  • 22

    Atualmente, com o Estatuto da Criana e do Adolescente, no se permite a marca

    ou a marginalizao.

    A palavra menor designa a pessoa que no atingiu a maioridade penal e

    civil, ou seja, 18 anos e a ele no se atribui a imputabilidade penal. Antes do

    Estatuto da Criana e do Adolescente, o Cdigo de Menores utilizava a palavra

    menor como sinnimo de carente, abandonado, delinqente e o colocava sob o

    status da situao irregular, o que provocava trauma e marginalizao dos

    menores.

    A Conveno sobre os direitos da criana, em seu artigo primeiro,

    determina como criana todo ser com idade inferior a 18 anos. O Estatuto da

    Criana e do Adolescente tomou como base esse artigo primeiro da Conveno,

    mas por fatores do conhecimento cientfico sobre a infncia e a adolescncia e a

    importncia dessas duas fases da vida, diferenciou crianas de adolescentes.

    As duas fases agora conhecidas como criana e adolescente

    desempenham diferentemente suas funes para a formao da personalidade

    sadia ou problemtica do ser. Fatores externos influenciam e podem retardar ou

    causar danos ao desenvolvimento, causando uma infncia infeliz e problemtica

    quando esta pessoa se tornar adulta.

    Por esse motivo que preciso diferenciar crianas de adolescentes,

    reconhecendo as necessidades e as limitaes de cada uma dessas duas fases.

    o que ensina Wilson Donizeti Liberati:

    Na verdade, quando o Estatuto se referiu ao estado de criana e de adolescente, quis caracterizar aqueles seres humanos em peculiares condies de desenvolvimento, devendo ser, em todas as hipteses, ontologicamente respeitados. (1991, p. 03)

    Diferentemente, alguns autores, entre eles, Albergaria e Nogueira, no

    concordam com a distino de crianas e adolescentes, com o incio da

    adolescncia com 12 anos de idade, pelo fato de no coincidir com a evoluo

    biolgica de uma fase para outra. Defendem ento, que se adote um critrio

    biopsicosocial.

    Outra crtica de que a fixao do inicio da adolescncia pelo Estatuto aos

    12 anos completos, principalmente para responder por ato infracional, atravs de

  • 23

    processo contraditrio com ampla defesa, no deixa de ser uma temeridade, pois

    aos 12 anos, a pessoa ainda criana.

    Com as expresses criana e adolescente, o legislador pretendeu acabar

    com marginalizao e a marca dada a palavra menor, evitando o trauma que

    eventualmente ocorria ao empreg-la.

    Outro motivo de distino entre crianas e adolescentes a determinao

    da idade para a imputabilidade penal. Difere o tratamento dado em atos de

    conduta descritos como delitos ou contravenes pela lei penal.

    A criana infratora fica sujeita s medidas de proteo previstas no artigo

    101 do Estatuto da Criana e do Adolescente, que implicam em um tratamento

    atravs de sua prpria famlia ou comunidade, sem ocorrer a privao de

    liberdade.

    O adolescente infrator pode ser submetido a tratamento com medidas

    scio-educativas do artigo 112, do Estatuto acima citado, com privao de

    liberdade. So tambm concedidas ao adolescente as garantias do artigo 111 do

    mesmo ordenamento, observando o procedimento dos artigos 171 e seguintes do

    mesmo diploma legal.

    No obstante as diferenas propostas pelo ECA, na diferenciao de

    criana e adolescente, ambos gozam dos mesmos direitos fundamentais,

    reconhecendo-se sua condio especial de pessoas em desenvolvimento,

    recebendo a proteo integral e a prioridade absoluta na preservao de seus

    direitos.

    2.3 Do reconhecimento do direito liberdade para a criana e o adolescente

    As crianas e adolescentes atualmente, alm de titulares de todos os

    direitos individuais e sociais reconhecidos aos seres humanos (artigos 5,6, 7 da

    Constituio Federal), gozam de outros direitos fundamentais, que se encontram

    na Constituio Federal, nos artigos 227 e 228, alm dos elencados no Estatuto

    da Criana e do Adolescente, dos quais so titulares em razo da peculiar

    condio de vulnerabilidade que se encontram.

  • 24

    Em decorrncia da Constituio Federal de 1988, em seu artigo 227 e com

    mais nfase ainda, atravs do Estatuto da Criana e do Adolescente e tambm

    em razo do inicio de uma batalha jurdica e cultural, que a criana e o

    adolescente passaram a realmente serem reconhecidos como merecedores

    desses direitos fundamentais e no somente como objetos de interveno do

    mundo adulto, pois possuam os alguns direitos fundamentais dos adultos, mas

    no podiam exerc-los, por serem incapazes e por isso, tinham de ser

    representados.

    Podemos dizer que com o Estatuto da Criana e do Adolescente criado

    pela Lei n 8.069, de 13 de julho de 1990, se constitui um marco jurdico de todos

    os que se preocupam com a necessidade de proteger e educar, em sentido

    amplo, s crianas e adolescentes.

    Alm de assegurar os direitos vida, sade, alimentao, ao esporte,

    ao lazer, profissionalizao, cultura, dignidade,ao respeito, liberdade e

    convivncia familiar e comunitria a crianas e adolescentes, o Estatuto da

    Criana e do Adolescente probe prticas prejudiciais ao pleno desenvolvimento

    desses seres em formao. Entre os seus objetivos, portanto, esto o fim do

    trabalho infantil, a extino da violncia e a execuo de melhores polticas de

    sade e educao.

    Portanto, apenas com a Constituio Federal, em seus artigos 227 e 228,

    consecutivamente com o Estatuto da criana e do Adolescente, que o direito

    fundamental liberdade da criana e do adolescente foi realmente reconhecido,

    tornando-os em verdadeiramente sujeitos de direitos especiais em relao aos

    adultos e no apenas objetos de interveno do mundo adulto.

    2.4 Do Direito liberdade da criana O direito liberdade uma das formas expressivas dos direitos

    fundamentais da pessoa humana e como visto no tpico anterior, a criana passou a ser considerada como merecedora desse e dos demais direitos

    fundamentais.

    Quanto expresso liberdade, se fala em: 1) liberdade da pessoa fsica

    (liberdade de locomoo, de circulao, ou liberdade de ir e vir e de estar);

  • 25

    2)liberdade de pensamento (liberdades de opinio, de religio, crena,

    informao, artstica, comunicao do conhecimento); 3)liberdade de expresso

    coletiva em sua vrias formas (de reunio, de associao); 4)liberdade de ao

    profissional (livre escolha de exerccio de trabalho, ofcio e profisso); 5)liberdade

    de contedo econmico e social (liberdade econmica, livre iniciativa, liberdade

    de comrcio, liberdade ou autonomia contratual, liberdade de ensino e liberdade

    de trabalho).

    O Estatuto da Criana e do Adolescente menciona em vrios dispositivos o

    direito a liberdade em favor da criana, que so eles: 3, 4, 5, 15, 106, 230. Em

    seu artigo 15, o Estatuto faz o comentrio sobre a existncia do direito liberdade

    das crianas e adolescentes, explicitando-o logo a seguir, com o seu artigo 16.

    O artigo 16 do Estatuto da Criana e do Adolescente no abrange todo o

    contedo do direito liberdade. Alguns aspectos no se aplicam s crianas,

    como as liberdades de iniciativa econmica, de contrato e de comrcio, da

    escolha de trabalho, ofcio e de profisso.

    Esses aspectos no se aplicam ao direito da criana porque seu exerccio

    requer condies de capacidade e a criana no a possui, pelo fato de faltar

    discernimento adequado para determinar-se conveniente em face do objeto de

    escolha. J o adolescente, depois dos 16 anos de idade, adquire capacidade

    relativa para o exerccio dessas funes.

    Portanto, a criana no apresenta a capacidade necessria para desfrutar

    de todos os aspectos do direito liberdade inerente a toda pessoa. Nos casos em

    que a criana no possuir a capacidade de exercer o direito liberdade, ocorrer

    uma restrio a esse direito.

    Observa-se, portanto, que somente haver alguma restrio ao direito

    liberdade da criana, nas situaes em que ela no possuir a capacidade plena

    do exerccio desse direito.

    O legislador, no artigo 16 do Estatuto da Criana e do Adolescente,

    explicitou somente os aspectos de pertinncia com a criana e o adolescente.

    Entretanto, a enumerao feita nos incisos do referido artigo no exaustiva, mas

    somente exemplificativa, portanto pode ser ampliada.

    Vejamos o referido artigo 16 do Estatuto:

  • 26

    art. 16. O direito liberdade compreende os seguintes aspectos: I- ir, vir e estar nos logradouros pblicos e espaos comunitrios, ressalvados as restries legais; II- opinio e expresso; III- crena e culto religioso; IV- brincar, praticar esportes e divertir-se; V- participar da vida familiar e comunitria, sem discriminao; VI- participar da vida poltica, na forma da lei; VII- buscar refgio, auxlio e orientao.

    Partiremos agora para a anlise das formas de liberdade da criana,

    arroladas nesses incisos.

    2.4.1 Da liberdade de ao

    A liberdade de ao, embora no explicitada nos incisos do artigo 16 do

    Estatuto da Criana e do Adolescente, h de ser analisada. Ela est prevista no

    artigo 5, II, da Constituio Federal, que diz: ningum ser obrigado a fazer ou

    deixar de fazer alguma coisa seno em virtude de lei. Revela o princpio da

    legalidade e a liberdade de ao, que a liberdade de fazer, de atuar e agir.

    A liberdade de ao a liberdade me, ou seja, a liberdade geral de

    atuar, e de acordo com essa liberdade de poder atuar, o sujeito pode fazer ou no

    fazer o que bem entender, at que uma lei legtima o proba. Vejamos o que diz

    Jos Afonso da Silva:

    (...)cabe considerar aquela que constitui, Por assim dizer, a liberdade-matriz, a liberdade-base, que a liberdade de ao em geral, a liberdade geral de atuar, que decorre do art. 5, II, da Constituio, segundo o qual ningum ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa seno em virtude de lei. um modo de dizer diferente daquele de Montesquieu. Para este, a liberdade consistiria no direito de fazer tudo o que as leis permitissem. O texto constitucional supra, ao contrrio, prev a liberdade de fazer, a liberdade de atuar ou liberdade de agir, como princpio . Vale dizer, o princpio o de que todos tm a liberdade de fazer e de no fazer o que bem entender, salvo quando a lei determine o contrrio. (1999, p. 238).

    Todos possuem essa liberdade, salvo quando a lei determine o contrrio.

    Exemplo de restrio a essa liberdade a proibio que a Constituio Federal

    traz no tocante ao trabalho de menores de 14 anos, salvo no caso de aprendiz. O

  • 27

    Estatuto da Criana e do Adolescente que regula a situao jurdica dos

    menores de 18 anos e, por isso, pode trazer limitaes ao direito liberdade.

    O artigo 5, II, da Constituio Federal apresenta duas dimenses. Uma,

    muito clara, que o princpio da legalidade e outra, que nem sempre

    considerada pela doutrina, que a liberdade de ao. Nas palavras de Jos

    Afonso da Silva:

    O art. 5, II, em anlise, revela duas dimenses. Uma muito clara e explcita, que consubstancia o princpio da legalidade, que, por ser uma garantia individual, merecer considerao aprofundada mais adiante. Outra, nem sempre considerada pela doutrina, que essa regra de direito fundamental, de liberdade de ao, que estamos estudando. Por isso, esse dispositivo um dos mais importantes do direito constitucional brasileiro, porque, alm de conter a previso da liberdade de ao (liberdade-base das demais), confere fundamento jurdico s liberdades individuais e correlaciona liberdade e legalidade. (1999, p. 239).

    Contudo, sempre quando houver dvida entre a liberdade e a restrio a

    liberdade, a liberdade sempre prevalece, porque ela o direito fundamental que

    no se restringe por suposies ou arbtrio.

    2.4.2 Da liberdade de ir, vir e estar.

    As liberdades de ir, vir e estar, so atinentes liberdade de locomoo,

    que a Constituio Federal prev no artigo 5, inciso XV, em sentido mais amplo

    do que o disposto no artigo 16, I do Estatuto da Criana e do Adolescente. O

    dispositivo constitucional declara ser livre a locomoo no territrio nacional em

    tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar,

    permanecer ou dele sair com seus bens.

    A criana e tambm o adolescente no gozam da liberdade em seu sentido

    mais amplo, porque sua condio jurdica impe limitaes sua liberdade de

    locomoo, por isso que o artigo 16 do Estatuto da Criana e do Adolescente traz

    a expresso: ... ir, vir e estar nos logradouros pblicos e espaos comunitrios,

    ressalvadas as restries legais.

    Essa liberdade de ir, vir ou estar no significa que a criana e o

    adolescente pode locomover-se nos logradouros pblicos como quiser, pois esto

  • 28

    sujeitos autorizao dos pais ou responsveis, que determinaro como ser

    realizada a educao deles. No entanto, os pais ou responsveis no podero

    impor a criana e ao adolescente um constrangimento abusivo ou excessivo,

    configurando crcere privado, violncia e situao cruel e opressiva.

    A criana jamais pode ser privada de sua liberdade e o adolescente

    somente poder ser privado de sua liberdade na forma do artigo 106 do Estatuto

    da Criana e do Adolescente, ou seja, pode ser apreendido em flagrante, pelo

    cometimento de ato infracional ou por ordem escrita e fundamentada de juiz

    competente.

    A liberdade de ir, vir e estar, restringida para a criana nos casos do

    artigo 75 do Estatuto da Criana e do Adolescente, no acesso s diverses

    pblicas e espetculos classificados como adequados sua faixa etria, e a

    criana somente poder ingressar e permanecer nos locais de apresentao e

    exibio quando acompanhada dos pais ou responsveis; artigo 80, as crianas

    no podem entrar e nem permanecer em locais que explorem jogos e apostas;

    artigo 83, a criana e o adolescente no podem viajar para fora da comarca, onde

    reside, desacompanhada dos pais ou responsvel, sem autorizao judicial;

    artigo 84 e 85, a criana no pode viajar para o exterior desacompanhados dos

    pais ou responsvel, sem autorizao especial.

    Por fim, a liberdade de ir, vir e estar encontra-se protegida pelo habeas

    corpus, de acordo com o artigo 5, inciso LXVIII, da Constituio Federal, sempre

    que algum sofrer ou se achar ameaado de sofrer violncia ou coao em sua

    liberdade de locomoo, por ilegalidade ou abuso de poder. Trata-se de um writ

    constitucional que visa tutelar a liberdade de ir, vir e estar.

    2.4.3 Da liberdade de opinio

    A liberdade de opinio a liberdade de pensamento e de manifestao de

    pensamento. Ela prevista no artigo 5, inciso IV, da Constituio Federal e

    tambm est explicitada no artigo 16, inciso II, do Estatuto da Criana e do

    Adolescente.

  • 29

    A liberdade de opinio consiste de um indivduo ter a liberdade de adotar a

    atitude intelectual, artstica e a crena de sua escolha, seja no seu intelecto, no

    seu pensamento ntimo, ou na exteriorizao de seu pensamento.

    A liberdade de expresso o aspecto externo da liberdade de opinio e

    est consagrada no artigo 5, inciso IX da Constituio Federal. Consiste na

    liberdade de o indivduo exercer a expresso da atividade intelectual, artstica,

    cientfica e de comunicao, independente de censura ou licena.

    A criana deve sempre ser estimulada ao exerccio de sua liberdade de

    expresso sem limites, pois essa atividade constitui um fator de formao da

    personalidade de muita relevncia e por isso nunca deve ser restringida.

    2.4.4 Da liberdade de crena e culto A liberdade de crena e de culto corolria da liberdade religiosa, cuja

    exteriorizao a manifestao do pensamento.

    Liberdade de crena o direito de escolha livre da religio, de adquirir ou

    no uma seita religiosa e de mudar de religio. algo interno, ntimo, que no

    precisa ser exteriorizado, ou seja, pode ser uma simples contemplao do

    sagrado, do ente divino.

    Na liberdade de culto ocorre exteriorizao da crena religiosa atravs da

    prtica dos ritos, das cerimnias, manifestaes, reunies, tradies prprias da

    religio escolhida.

    Quanto liberdade de crena e culto da criana, a famlia tem uma

    influncia sobre ela. Os pais podem orientar a criana na religio preferida, pois

    uma faculdade do poder familiar, como dever de educar os filhos. No entanto, os

    pais ou familiares no podero constranger a criana que optou por uma crena

    diversa da deles.

    Entendemos que terceiros, autoridades, entidades e instituies no

    podem impor crenas e cultos s crianas, pois o dever que incumbe o Estado e

    a sociedade de educar, nos termos do artigo 227 da Constituio Federal, exclui-

    se a educao religiosa, a no ser que a criana a requeira.

  • 30

    2.4.5 Da liberdade de brincar, praticar esportes e divertir-se

    Liberdade de brincar, praticar esportes e divertir-se encontra elencada no

    inciso IV do artigo 16 do Estatuto da Criana e do Adolescente, e consiste em

    deixar a criana colocar em prtica sua fantasia, exteriorizando seus

    pensamentos, que so muito frteis e fantasiosos e tambm gastar sua energia

    com esportes e diverses, o que a torna uma pessoa muito mais saudvel e

    alegre.

    A liberdade de brincar, praticar esportes e divertir-se um tipo especial de

    liberdade, inerente a todas as crianas, onde a criana est em fase de

    desenvolvimento intelectual e fsico e, por isso, necessita muito colocar essa

    liberdade em prtica.

    Esse tipo de liberdade visa proteger o reino de fantasia da criana,

    permitindo lev-la para a ao. A infncia poca de brinquedos e qualquer

    sistema que ignore isso, est educando erroneamente.

    Os adultos, como j passaram por essa etapa de desenvolvimento da

    personalidade e da mente, se esqueceram das fantasias dessa fase e podem, por

    esse motivo querer impedir de uma criana brincar, praticar esportes e divertir-se,

    o que pode prejudicar a criana, pois estaria contrariando essas necessidades,

    que so imprescindveis nessa fase.

    O adulto tem a forma de pensar diferente da forma de pensar da criana e,

    por isso, algumas vezes pode chegar a privar a criana de brincar, praticar

    esportes e se divertir. No entanto, a criana tem de aproveitar essa fase para

    brincar e deixar para se preocupar com o futuro mais tarde.

    A prtica dessa liberdade importante para a formao da personalidade

    do homem de amanh.

    A criana que no se d oportunidade de brincar, praticar esportes e

    divertir-se pode se tornar uma pessoa amarga quando adulta, alm de uma

    criana triste e insatisfeita.

    As diverses como teatro, dana, msica, esportes, etc, estimulam o

    desenvolvimento intelectual e fsico da criana, alm do seu esprito criador e as

    fantasias criativas, fazendo com que as crianas gastem sua energia e seu tempo

    em algo saudvel.

  • 31

    Reconhecer esse tipo de liberdade apenas um passo para beneficiar a

    criana, sendo que o segundo e tambm importante passo para benefici-las a

    implementao de polticas sociais que ofeream meios que propiciem a todas as

    crianas o pleno exerccio dessa liberdade.

    Ao contrrio de muitas outras polticas sociais, est sendo realizada um

    incentivo s crianas a prtica dessa liberdade, por meio do Programa Escola da

    Famlia, que uma iniciativa que une 6 (seis) mil profissionais da educao, 25

    (vinte e cinco) mil estudantes universitrios e milhares de voluntrios para criar

    uma cultura da paz, despertar potencialidades e desenvolver hbitos saudveis

    junto aos mais de 7 (sete) milhes de jovens que vivem no Estado de So Paulo.

    Alm do Programa Escola da Famlia, muitos outros programas voltados

    para a criana e tambm para o adolescente devem ser implementados, com o

    fim de atender os interesses das crianas, proteger seus direitos e colocar em

    prtica as polticas sociais do Estatuto da Criana e do Adolescente e do artigo

    227 da Constituio Federal, assegurando o direito liberdade desses seres, com

    absoluta prioridade, pois estes so os deveres da famlia, da sociedade e do

    Estado.

    A liberdade de participar da vida comunitria sem discriminaes consiste

    em preservar o direito da criana de ser criadas e educadas no seio da famlia

    substituta, assegurando a convivncia familiar e comunitria em ambiente livre da

    presena de pessoas dependentes de substncias entorpecentes.

    A participao da criana na vida comunitria no apenas uma espcie

    de liberdade ou uma possibilidade que se reconhece criana, mas tambm um

    direito subjetivo.

    Esse direito subjetivo de a criana participar na vida comunitria requer

    prestaes positivas e condies favorveis e efetivas para o seu acontecimento.

    As prestaes e condies tero de ser prestadas sem preconceitos de origem,

    raa, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminaes, conforme

    artigos 3, inciso IV e 227 da Constituio Federal.

    Em se tratando da liberdade de participar da vida poltica, na forma da lei,

    elencada no inciso VI do artigo 16 do Estatuto da Criana e do Adolescente, a

    criana no dispe da capacidade necessria para o exerccio de atividades

    polticas.

  • 32

    O adolescente adquire essa liberdade com 16 anos de idade, quando se

    reconhece para este a faculdade para o alistamento eleitoral, de voto e filiao

    partidria.

    A criana e o adolescente tm o direito de exercer outras atividades

    participativas que, num sentido mais amplo, podem configurar como polticas.

    Exemplo dessa atividade participativa o direito de organizao e participao

    em entidades estudantis.

    2.4.6 Da liberdade de buscar refgio, auxlio e orientao.

    A liberdade de buscar refgio, auxlio e orientao, segundo dispe o

    inciso VII do artigo 16 do Estatuto da Criana e do Adolescente consiste em

    reconhecer criana e ao adolescente a liberdade para escapar das situaes

    agressivas, opressivas, abusivas ou cruis.

    Em decorrncia das situaes agressivas, opressivas, abusivas ou cruis,

    a criana ou o adolescente pode buscar amparo fora do meio familiar, longe de

    onde ocorrem essas situaes.

    Tal afirmao encontra amparo nos artigos 86 e 87, inciso III do Estatuto

    da Criana e do Adolescente, que estabelecem que a poltica de atendimento dos

    direitos da criana e do adolescente sero realizadas atravs de um conjunto

    articulado de aes governamentais e no governamentais, da Unio, dos

    Estados, do Distrito Federal e dos Municpios, atendendo a servios especiais de

    preveno e atendimento mdico e psicossocial s vtimas de negligncia , maus-

    tratos, explorao, abuso, crueldade e opresso.

    Tambm os artigos 130 e 141 do Estatuto da Criana e do Adolescente

    prevem medidas para a proteo das crianas e adolescentes vtimas de

    situaes agressivas, opressivas, abusivas ou cruis. O artigo 130 dispe que a

    autoridade judiciria poder determinar como medida cautelar, o afastamento do

    agressor da moradia comum. O artigo 141 dispe sobre o acesso da criana e do

    adolescente Defensoria Pblica, ao Ministrio Pblico e ao Poder Judicirio.

    O Poder Pblico incumbido de criar as condies necessrias para que a

    criana e o adolescente convivam em um meio familiar democrtico e livre de

    violncias e de opresses. O pargrafo 8 do artigo 226 da Constituio Federal

    assim dispe: O Estado assegurar assistncia famlia na pessoa de cada um

  • 33

    dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violncia no mbito de

    suas relaes.

    Portanto, as crianas e os adolescentes possuem a liberdade de buscar

    refgio, auxlio e orientao, mas o Estado quem est incumbido de assegurar

    que isto seja capaz de ser realmente feito.

    O direito liberdade precisa ser efetivado para a criana crescer de

    maneira natural, saudvel e correta, formando a personalidade ideal para o adulto

    do futuro.

    No entanto, qualquer questo envolvendo a liberdade da criana envolve

    uma problemtica. Isso se deve ao fato de a criana estar em condio peculiar

    de pessoa em desenvolvimento e pelo fato de ela ser uma pessoa subordinada

    ao ptrio poder.

    A liberdade da criana diferente da liberdade do adulto. A criana possui

    uma forma diferente de se expressar, sendo, para alguns adultos um incmodo.

    Por fim, no se pode medir a liberdade de uma criana como se mede a

    liberdade de um adulto, ou seja, tem de se ter maior tolerncia com a criana,

    pois ela est em uma fase de muitas mudanas, onde diversas coisas so

    novidades e, por isso, sua personalidade comea a ser moldada.

    2.5 Dos princpios voltados a criana A Constituio Federal de 1988, em seu Captulo VII do Ttulo VIII, e o

    Estatuto da Criana e do Adolescente, trouxeram alguns princpios relativos aos

    direitos fundamentais da criana, que sero comentados adiante.

    2.5.1 Princpio da Proteo Integral

    A proteo integral da criana e tambm do adolescente se d quando

    todo o conjunto de direitos (os direitos fundamentais), ou seja, quando os direitos

    civis, ou direitos da liberdade e os direitos sociais ou os direitos da igualdade

    esto efetivamente sendo alcanados. Nesse sentido:

  • 34

    Na base da noo de proteo integral est a idia de efetivao de todos os direitos fundamentais de crianas e adolescentes, centrada na concepo de que estes direitos fundamentais formam um todo unitrio e interdependente, que deve ser igualmente assegurado, para que se alcance proteo material plena dos cidados crianas e dos cidados adolescentes. (MACHADO, 2003, p. 411)

    Para conseguir a proteo integral, precisa-se de um tratamento

    diferenciado da forma como so tratados os direitos fundamentais dos adultos,

    preciso o reconhecimento e a efetivao de todos os direitos fundamentais, tanto

    pelo Estado, como pela famlia e pela sociedade, formando esses direitos um

    todo unitrio e interdependente. A Constituio Federal adotou a concepo

    unitria dos direitos humanos, que, como j dito, considera a proteo integral

    quando todos os direitos fundamentais estiverem suficientemente satisfeitos. Diz-

    se isso porque:

    Na base de proteo integral est a idia de efetivao dos direitos fundamentais. Logo, na criao de instrumentos jurdicos que assegurem essa efetivao. Um deles, como dito, so as polticas sociais pblicas. Outro a tutela jurisdicional..., penso que o respeito peculiar condio de pessoa em desenvolvimento est no centro, tambm, dos fundamentos de uma tutela jurisdicional diferenciada, que a noo de proteo integral demanda. (MACHADO, 2003, p. 140)

    Contudo, para a efetivao dos direitos fundamentais preciso a criao

    de instrumentos que a assegurem. Um dos instrumentos para a efetivao desses

    direitos so as polticas sociais pblicas, que instituem programas pblicos de

    ateno aos direitos das crianas e dos adolescentes.

    Outro instrumento para a efetivao dos direitos fundamentais a tutela

    jurisdicional diferenciada para as crianas e adolescentes pela sua condio

    especial como sujeitos de direitos especiais em relao aos adultos.

    O Governo Federal, Estadual, os municpios e toda a sociedade precisam

    aliar suas foras para implementar esses instrumentos para a efetivao dos

    direitos fundamentais das crianas e dos adolescentes.

    2.5.2 Princpio do Respeito Peculiar Condio de Pessoa em Desenvolvimento

  • 35

    As crianas e adolescentes tem uma personalidade ainda em formao.

    Esse prinmcpio invoca o reconhecimento da condio peculuar de pessoas em

    desenvolvimento, e por conseqencia disso, precisam de um sistema especial de

    proteo de seus direitos. Vejamos o que diz Martha de Toledo Machado:

    (...)Seu contedo central o reconhecimento da condio peculiar de crianas e adolescentes de seres humanos ainda em fase de desenvolvimento, no reconhecimento de que a personalidade infanto-juvenil tem atributos distintos da personalidade adulta, os quais obrigam a conformao de um sistema especial de proteo de seus direitos; esse sistema especial se caracteriza pela positivao de direitos fundamentais especficos de crianas e adolescentes - que se somam aos direitos fundamentais outorgados ao adulto - e pela estruturao especial dos direitos fundamentais daqueles cidados peculiares, pela nota distintiva de conform-los de maneira que produzam essencialmente obrigaes de natureza comissiva, e no meramente omissiva, consubstanciadas no dever de asseguramento pelo mundo adulto (Estado, Sociedade e Famlia) dos direitos de crianas e adolescentes. (2003: 411, 412)

    A criana est em desenvolvimento de sua personalidade, sendo esta

    diferente da personalidade do adulto. Por isso tem de se reconhecer para a

    criana a peculiar condio de pessoa em desenvolvimento, reconhecendo no

    s os direitos fundamentais dos adultos, como tambm direitos especiais,

    especficos das crianas.

    Crianas e adolescentes esto em situao especial, de maior

    vulnerabilidade e por isso carecem de um regime especial de preservao, que

    garanta o desenvolvimento completo de sua personalidade.

    O princpio do Respeito Peculiar Condio de Pessoa em Desenvolvimento

    consiste em reconhecer que a criana e o adolescente esto em desenvolvimento

    de sua personalidade (que distinta do adulto) e garantir a possibilidade de

    formar a personalidade humana adulta s crianas e aos adolescentes. Vejamos:

    (...), em primeiro lugar, emerge, com clareza solar, que os direitos elencados nos artigos 227 e 228 da Constituio Federal so direitos fundamentais do ser humano e direitos de um ser humano especial. Em segundo, que os direitos fundamentais de crianas e adolescentes demandam uma conformao especial, uma estruturao distinta daquela conferida aos direitos fundamentais dos adultos, eis que, se assim no se concebesse faltaria o minimum necessrio e imprescindvel que constitui o contedo da noo de personalidade, a que aludia De Cupis; se assim no se concebesse as crianas e os adolescentes seriam apenas objetos de direito do mundo adulto. (MACHADO, Martha de Toledo, 2003: 115, 116)

  • 36

    Antes da Constituio Federal de 1988 e do Estatuto da Criana e

    Adolescente, crianas e adolescentes eram tratados como objetos de interveno

    do mundo adulto, figurando como sujeitos titulares de determinados direitos,

    iguais aos adultos, mas impossibilitados de exerc-los por serem incapazes.

    Depois do surgimento da Constituio Federal de 1988, passaram a ser

    considerados como sujeitos de direitos, amparados por direitos especiais em face

    dos adultos.

    2.5.3 Princpio da Igualdade de Crianas e Adolescentes

    De acordo com a Constituio Federal de 1988, em seu artigo 5 caput,

    todos so iguais, sem distino de qualquer natureza.

    Essa igualdade deve ser interpretada da maneira material e no na

    maneira formal, ou seja, devem ser tratados os iguais e desiguais de forma

    desigual e os iguais, de forma igual. Dessa forma est se realizando uma

    igualdade real, perante a vida real e diversa daquela apenas formalizada perante

    a lei.

    O Princpio da Igualdade de Crianas e Adolescentes consiste em

    considerar que todas as crianas e adolescentes tem um mesmo estatus jurdico.

    Dito isto, vejamos o que diz Martha de Toledo Machado:

    Todas as crianas e os adolescentes tm um mesmo status jurdico, gozando da mesma gama de direitos fundamentais... essencialmente essa uma das caractersticas fundamentais da ruptura do atual paradigma com o paradigma anterior -, no alcano como se poderia deixar de inclu-lo entre os princpios constitucionais gerais. E a tentativa de fundi-lo com um dos dois anteriores, penso que apenas tornaria menos exato o contedo de qualquer deles. (2003: 412)

    O ordenamento jurdico concedeu a todas as crianas e adolescentes um

    sistema de garantias, fundado na sua condio peculiar de pessoa em

    desenvolvimento e vulnerabilidade.

    A Constituio Federal, em seu artigo 227 no menciona sobre essa

    igualdade de crianas e adolescentes, pois assim o fez no seu artigo 5. O

    Estatuto da Criana e Adolescente, em seus artigos 1 e 2 dispe sobre a

    proteo integral criana e ao adolescente, compreendidos entre todos os seres

    humanos de zero a dezoito anos.

  • 37

    A igualdade entre crianas e adolescentes, est mais evidente ainda no

    artigo 3 do Estatuto da Criana e do Adolescente, que dispe: A criana e o

    adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes pessoa

    humana, sem prejuzo da proteo integral de trata a esta Lei, assegurando-se-

    lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de

    lhes facultar o desenvolvimento fsico, mental, moral, espiritual e social, em

    condies de liberdade e dignidade.

    Sendo assim, todas as crianas e adolescentes possuem o mesmo status

    jurdico de todos os seres humanos, sem o prejuzo do seu sistema especial de

    proteo, como o da proteo integral e o respeito a condio peculiar de pessoa

    em desenvolvimento e vulnerabilidade. No mesmo entendimento:

    Se o Direito se funda num sistema de garantias dos direitos fundamentais das pessoas, e no tocante a crianas e adolescentes um sistema especial de proteo, as pessoas (entre elas crianas e adolescentes) necessariamente tm um mesmo status jurdico: aquele que decorre dos artigos 227, 228 e 226 da CF e se cristalizou, na lei ordinria, no Estatuto da Criana e do Adolescente. (MACHADO, Martha de Toledo, 2003: 146)

    O ordenamento jurdico ( a Constituio Federal e o Estatuto da Criana e

    do Adolescente) no possui a dualidade, a categoria de crianas e adolescentes,

    todos so considerados como uma s, detentores dos mesmos direitos

    fundamentais. Isso no impede de o ordenamento reconhecer situaes jurdicas

    especficas e criar instrumentos para o tratamento delas.

    2.5.4 Princpio da Prioridade Absoluta

    O contedo central desse princpio de que todas as crianas e

    adolescentes, pelo fato de serem seres em condio peculiar de pessoa em

    desenvolvimento, precisam de prioridade, de ateno especial, sendo que entre

    uma criana ou um adolescente e um adulto, os primeiros sempre devero ter

    prioridade no atendimento de seus direitos. Vejamos o seguinte entendimento:

    Vejo esse princpio como um desdobramento do princpio do respeito peculiar condio de pessoa em desenvolvimento.... A estrutura especial dos direitos fundamentais de crianas e adolescentes... Em

  • 38

    essncia ele comanda que aquelas obrigaes diversas sejam cumpridas com prioridade absoluta pelos obrigados. "Prioridade absoluta", num plano maior de anlise, tem no texto constitucional a acepo de "prioridade primeira", de "prioridade nmero um" da Nao, como meio de equilibrar a desigualdade ftica decorrente da peculiar condio de pessoa em desenvolvimento e como meio de obteno da reduo das desigualdades sociais a que alude o artigo 3Q da CF; o sentido de, como regra geral, colocar os interesses de crianas e adolescentes num plano superior aos interesses dos adultos, luz desses valores maiores. Da por que essa noo, na tipologia dos princpios, embora imbricada com faceta do respeito peculiar condio, tem autonomia. (MACHADO, Martha de Toledo, 2003: 412, 413)

    Consiste o princpio da prioridade absoluta em o Estado, a sociedade e a

    famlia priorizar a assegurao dos direitos fundamentais e as necessidades das

    crianas e dos adolescentes, tendo em vista que so estes seres que esto em

    estgio de desenvolvimento, tanto no aspecto moral, fsico, psquico, intelectual e

    social. Vejamos o seguinte entendimento:

    Dar prioridade absoluta a esses seres humanos em pleno desenvolvimento fsico, psquico, intelectual, moral e social de fundamental importncia, haja vista que, se deixarmos para depois, para o amanh, poder ser tarde, pois as necessidades acabam indo embora "ficando apenas as conseqncias irreparveis da invalidao dos direitos, representada muitas vezes pela morte, debilidade fsica ou mental, ignorncia, ausncia de instrumental para enfrentar os desafios do cotidiano, psicoses, neuroses etc. (TAMAOKI, Fabiana Junqueira, 2004:192)

    A criana um ser em estgio de desenvolvimento e por isso ela est em

    situao de vulnerabilidade e no se pode alongar o atendimento de suas

    necessidades. No correto dar o mesmo tratamento uma pessoa em estado

    de vulnerabilidade da mesma forma que um adulto, o que autoriza a aparente

    quebra do princpio da igualdade. No mesmo sentido pensa Fabiana Junqueira

    Tamaoki:

    As crianas tm a vulnerabilidade como noo distintiva fundamental em relao aos seres humanos adultos. E essa vulnerabilidade que autoriza a aparente quebra do princpio da igualdade, haja vista, serem elas portadoras de uma desigualdade inerente, intrnseca, conferindo-lhes o ordenamento jurdico um tratamento jurdico mais abrangente, com o escopo de equilibrar a desigualdade de fato e atingir a igualdade jurdica material e no meramente formal. H diferenas bvias entre as pessoas, que so perceptveis a olhos vistos, as quais no poderiam ser erigidas como critrios distintivos

  • 39

    vlidos para justificar tratamentos jurdicos dspares, como, por exemplo, os homens altos dos homens de baixa estatura. (2004: 192)

    Esse princpio tem como o corolrio o princpio do respeito peculiar

    condio de pessoa em desenvolvimento, pois como j dito, a criana est em

    desenvolvimento e em situao de maior vulnerabilidade, por isso necessitam de

    prioridade, pois quando as necessidades se forem e as conseqncias ficarem,

    pode ser tarde demais para se comear a proteg-los.

    O princpio da absoluta prioridade, justifica a aparente quebra do princpio

    da igualdade, pois as crianas e adolescentes esto em situao de

    vulnerabilidade e sendo assim, em situao de desigualdade em relao a um

    adulto, o que justifica o tratamento prioritrio.

    A verdadeira igualdade, isto , a real interpretao do princpio da

    igualdade tratar as pessoas iguais, de forma igual e as pessoas desiguais, de

    forma desigual. Sendo assim, as crianas e adolescentes merecem serem

    tratadas de forma diferenciada, recebendo a prioridade, pelo motivo de estarem

    em desenvolvimento e em situao de vulnerabilidade.

    A vulnerabilidade o fator de desigualao entre as crianas e

    adolescentes dos adultos. esse o motivo que permite a quebra do princpio da

    igualdade, concedendo o ordenamento, uma maior abrangncia de normas a

    crianas e adolescentes.

    Esse princpio deve ser respeitado, pois h entendimentos doutrinrios e

    psicolgicos de que a criana ou o adolescente, quando mais velhos, podero se

    tornar um adulto frustrado.

    2.5.5 Princpio da Participao Popular na Defesa dos Direitos de Crianas e Adolescentes

    A comunidade quando organizada tem um grande poder na resoluo dos

    problemas da sociedade, sendo ela que deve buscar seus direitos, exigir seus

    direitos e no esperar que os governantes os concedam de livre e espontnea

    vontade, o que quase nunca acontece.

  • 40

    Por isso muito importante a participao da comunidade organizada para

    a defesa dos direitos das crianas e dos adolescentes, buscando a efetividade da

    proteo integral. Isso porque a sociedade ou a comunidade que, de certa

    forma deve fiscalizar e participar das polticas pblicas para garantir o efetivo

    cumprimento dos direitos fundamentais das crianas e adolescentes. Vejamos o

    que diz Martha de Toledo Machado:

    A noo central nesse princpio chamar a comunidade organizada a participar da defesa dos direitos de crianas e adolescentes, para reforar a proteo integral. Com efeito, seja porque o interesse social na efetivao dos direitos de crianas e adolescentes de particular magnitude na Constituio Federal, seja porque a Constituio imps tambm Sociedade e Famlia o dever de asseguramento dos direitos fundamentais, a comunidade organizada, ou a sociedade civil para usar outro termo, foi chamada a participar tanto na esfera da tutela jurisdicional desses direitos como na esfera das polticas pblicas necessrias efetivao deles, participando direta-mente da formulao, do controle e da execuo das polticas pblicas de ateno infncia e juventude.(2003: 413)

    O Princpio da Participao Popular na Defesa dos Direitos de Crianas e

    Adolescentes impe tambm toda a sociedade e famlia a defesa e o dever de

    asseguramento dos direitos fundamentais das crianas e dos adolescentes.

    Tal princpio tem fora e independncia o suficiente para ser autnomo.

    Isto porque a quanto fora, a proteo integral obriga a existncia de polticas

    pblicas para assegurarema proteo dos direitos das crianas e adolescentes e

    quanto participao da comunidade um dos princpios constitucionais

    orientadores da Ordem Social. Da mesma maneira pensa Martha de Toledo

    machado:

    Penso que essa noo tem fora e independncia suficiente para figurar como princpio autnomo, porque, quanto primeira, o conceito diz com o reforo da faceta da proteo integral de obrigar polticas pblicas que assegurem proteo efetiva dos direitos e de reforar a faceta da proteo integral que demanda tutela jurisdicional diferenciada desses direitos, pela legitimao da comunidade organizada na provocao da prestao jurisdicional; sobre o aspecto da autonomia, ressalto que a participao da comunidade apontada como um dos princpios constitucionais orientadores da Ordem Social (arts. 194 e 204, II, da CF),1 sendo que ltimo dispositivo vem referido expressamente no artigo 227, 7Q. (2003: 413, 414)

  • 41

    A participao popular acresce a melhor capacidade de uma proteo

    integral s crianas e aos adolescentes, utilizando-se das polticas pblicas e da

    tutela jurisdicional diferenciada.

    O princpio da participao popular na defesa dos direitos de crianas e

    adolescentes d a cincia de que a comunidade tem de participar da defesa dos

    direitos das crianas e dos adolescentes, isto porque a prpria Constituio

    Federal imps sociedade e famlia o dever de assegurar esses direitos.

    A populao, atravs da participao popular e da tutela jurisdicional

    diferenciada, como j dito, potencializa a efetividade da proteo dos direitos

    humanos das crianas e adolescentes, garantindo a proteo integral.

    Na tutela jurisdicional diferenciada, a participao da sociedade, oferece na

    medida que a Constituio Federal criou instrumentos de defesa judicial dos

    direitos fundamentais, sendo um dos mais importante deles, a Ao Civil Pblica,

    que legitima a sociedade para a provocao da tutela jurisdicional na defesa

    desses direitos.

    No tocante as polticas pblicas, a participao popular veio expressa no

    pargrafo 7 do artigo 227 que remete ao artigo 204 da Constituio Federal,

    instituindo o controle da execuo das polticas pblicas relacionadas com a

    proteo de crianas e adolescentes.

    Essa participao da sociedade na defesa dos direitos das crianas e dos

    adolescentes muito importante para o cumprimento do princpio da proteo

    integral e tambm para a diminuio das desigualdades existentes na sociedade.

    2.6 O direito liberdade da criana e do adolescente na atualidade A Constituio Federal, em seu ttulo VIII, no Captulo VII e o Estatuto da

    Criana e do Adolescente introduziram mudanas significativas em relao

    legislao anterior, o chamado Cdigo de Menores, institudo em 1979.

    Crianas e adolescentes passaram a ser considerados cidados com

    direitos pessoais e sociais garantidos, invocando o Estado a implementar polticas

    pblicas especialmente dirigidas a esse segmento. Esses dispositivos, acima citados, asseguraram os direitos vida, sade,

    alimentao, ao esporte, ao lazer, profissionalizao, cultura, dignidade,

  • 42

    ao respeito, liberdade e convivncia familiar e comunitria a crianas e

    adolescentes, e tambm probem prticas prejudiciais ao pleno desenvolvimento

    desses seres em desenvolvimento. Entre os seus objetivos, portanto, est o fim

    do trabalho infantil, a extino da violncia contra essa clientela e a execuo de

    melhores polticas de sade e educao.

    Evidencia-se, nesses termos, o acolhimento do princpio da proteo

    integral, que se contrape doutrina da situao irregular do menor antes vigente

    no cdigo de menores. Em vez de irmanar pobreza e delinqncia e impor

    criana e ao adolescente o cumprimento de deveres, como fazia o Cdigo do

    Menor, o estatuto ressalta a condio peculiar de pessoa em desenvolvimento

    tanto da criana quanto do adolescente e reconhece seus direitos.

    Desse modo, a Constituio Federal, em seu ttulo VIII, no Captulo VII e o

    Estatuto da Criana e do Adolescente exigem polticas sociais voltadas para a

    infncia e a adolescncia que tenham por pressupostos a descentralizao do

    atendimento, a instaurao de relaes entre o Estado e a sociedade e a garantia

    dos direitos de cidadania para crianas e adolescentes.

    A Constituio Federal de 1988, em seu captulo VII, no seu artigo 227 e

    seguintes, juntamente com o Estatuto da Criana e do Adolescente vm

    provocando uma srie de mudanas na sociedade brasileira, com impacto

    positivo na qualidade de vida das crianas e dos adolescentes.

    O direito liberdade das crianas ficou reconhecido juntamente com essas

    mudanas, trazidas pela Constituio Federal e com o Estatuto da Criana e do

    Adolescente, isso porque tambm um direito fundamental, e conseqentemente

    mudou a maneira como os adultos encaram as crianas.

    No entanto, o que se observa que o Estado e a sociedade no tm

    contribudo para a garantia do direito liberdade das crianas e at mesmo com

    os outros direitos fundamentais.

    Muitos so os casos observados pela mdia de violaes aos direitos das

    crianas. A mdia em muitos casos o que faz com que autoridades comecem a

    tomar iniciativas na proteo das crianas contra abusos praticados pelos adultos.

    As polticas sociais que tanto ajudariam ao combate das injustias contras

    as crianas e a proteger os direitos das fundamentais das crianas, inclusive o da

    liberdade, quase no existem, o que torna ainda mais difcil a assegurao

  • 43

    desses direitos, pois se a sociedade no se mobilizar o Estado tambm no

    tomar iniciativas realmente satisfatrias na proteo desses direitos.

    A famlia, ao lado da escola, precisa organizar mais programas de polticas

    sociais com o fim de assegurar esses direitos das crianas e tambm

    conscientizar a populao de que precisam participar, de adquirirem cultura

    participativa.

    Observa-se tambm que o governo federal no prioriza a destinao de

    recursos para os conselhos tutelares e para os conselhos de direitos da criana e

    do adolescente, tornando-os impossibilitados de funcionarem conforme dispe a

    legislao.

    Quando surgiu a legislao que resguarda os direitos da criana e do

    adolescente, com o artigo 227 da Constituio Federal e o Estatuto da Criana e

    do Adolescente, houve a substituio da doutrina da situao irregular do menor

    pela doutrina da proteo integral. Observa-se que o Brasil inovou, sendo o

    primeiro pas da Amrica Latina a renovar sua legislao, no que tange aos seres

    menores de idade.

    No entanto, mesmo a legislao tendo sido renovada, trazendo muitas

    esperanas para o futuro dos direitos das crianas, o que se observa na prtica,

    que no ocorreram muitas mudanas, tornando, assim, a legislao letra morta ou

    semimorta.

  • 44

    CAPTULO TERCEIRO Das polticas de atendimento dos direitos da criana e do adolescente

    3.1 Da importncia das polticas de atendimento dos direitos da criana e do adolescente

    A poltica de atendimento dos direitos das crianas e adolescentes foi

    instituda pelo Estatuto da Criana e do Adolescente, que veio complementar o

    artigo 227 da Constituio Federal. So essas polticas que colocaro em prtica

    e tambm defendero os direitos das crianas e adolescentes.

    A Constituio Federal, com o artigo 227 e o Estatuto da Criana e do

    Adolescente entraram para a histria poltica e social do Brasil como exemplos de

    construo cidad transformando a criana e o adolescente em pessoas que

    possuem direitos. Esses instrumentos jurdicos abriram as portas de caminhos

    rumo cidadania da infncia e da adolescncia.

    Na defesa dos direitos da criana, o Brasil foi o primeiro pas da Amrica

    Latina e um dos primeiros do mundo a ajustar sua legislao com o que h de

    melhor na normativa internacional.

    O artigo 227 da Constituio Federal e o Estatuto da Criana e do

    Adolescente (Lei 8.069/90) ultrapassam o modelo da doutrina da situao

    irregular, do antigo Cdigo de Menores, substituindo-o pelo enfoque da proteo

    integral da criana e do adolescente, ponto de vista que sustentava a Conveno

    Internacional dos Direitos da Criana, aprovada pela Assemblia Geral da

    Organizao das Naes Unidas em 20 de novembro de 1989.

  • 45

    Esse processo de mudana no resultou do trabalho isolado de um certo

    grupo de especialistas. Tanto o dispositivo constitucional como a lei que o

    regulamenta (o Estatuto da Criana e do Adolescente) foram produzidos no seio

    de um processo de mobilizao tica, social e poltica, que envolveu

    representantes do mundo jurdico, das polticas pblicas e do movimento social.

    A implementao de um novo instrumento jurdico feita de uma maneira

    muita lenta, trata-se de um processo lento, laborioso e difcil.

    Colocar o Estatuto da Criana e do Adolescente na prtica e o tir-lo do

    papel uma operao que, alm de implicar mudanas no panorama legal dos

    Estados e Municpios, requer tambm um esforo para o amplo reordenamento

    institucional dos organismos que atuam na rea.

    Este processo necessita, tambm, de uma atuao concentrada e

    continuada de capacitao de todo o pessoal dirigente, tcnico e auxiliar

    envolvido diretamente no atendimento populao infanto-juvenil, a fim de

    implantar prticas novas.

    J pode se dizer que se fez alguma coisa. O Conselho Nacional e quase

    todos os Conselhos Estaduais j esto funcionando, mas, no entanto, no esto

    sendo suficientes para garantir a defesa integral de todos os direitos dos

    adolescentes e crianas.

    Muitos Municpios implantaram ou j iniciaram a implantao de seus

    Conselhos de Direitos, o que est sendo um processo indito de mobilizao em

    favor da criana. Nunca uma lei organizou tantas pessoas, em tantos lugares

    diferentes, em defesa de uma mesma causa, qual seja, a criana e o adolescente.

    Os avanos, porm, no se resumem ao plano da mobilizao. A

    mortalidade infantil vem sendo enfrentada com seriedade e competncia em

    vrios estados do Brasil. Na educao, h Estados e Municpios traduzindo, em

    termos prticos, o direito educao como ingresso, regresso, sucesso e

    permanncia de todas as crianas na escola.

    No campo da proteo, a criatividade institucional e comunitria de

    Estados, Municpios e Organizaes no Governamentais tm gerado um

    expressivo elenco de programas voltados para a idia de "educao o dia inteiro,

    sem que isso signifique que a criana e o adolescente tenham que permanecer

    na escola o dia inteiro.

  • 46

    Finalmente, no que diz respeito ao Judicirio, j se pode apontar juzes,

    promotores e advogados capazes de enfrentar os problemas que envolvem

    crianas e adolescentes com severidade e justia, mas, sem abrir mo das

    garantias prprias do Estado Democrtico de Direito.

    Esses profissionais do direito possuem conhecimento e preparao

    especializados para atuarem na rea da infncia e juventude, o que significa que

    no violaro nenhum direito da criana e do adolescente.

    No entanto, resta muito a fazer, principalmente no campo das polticas

    sociais bsicas: educao, sade e profissionalizao.

    As culturas poltica, administrativa e tcnica, vigentes no passado ainda

    continuam barrando os avanos dos Conselhos Estaduais e Municipais. E

    tambm a burocracia, o corporativismo, o clientelismo e o fisiologismo ficam

    criando obstculos aos anseios de participao e de transparncia que o novo

    direito da infncia e da juventude, abordados pelo Estatuto da Criana e do

    Adolescente e Constituio Federal, pressupe e requer.

    Em meio a tantas barreiras a serem derrubadas, entretanto, surgem sinais

    que nos levam a olhar com alguma esperana para o futuro da proteo aos

    direitos da criana e do adolescente, com a implementao das polticas sociais

    ao ponto que garantam a efetivao de todos os direitos a elas concedidas.

    A mobilizao da sociedade em favor da criana, a cada dia se aprofunda

    e amplia em todo o pas. Essa mobilizao fator essencial para que a criana e

    o adolescente no tenham seus direitos violados ou esquecidos pelas pessoas

    que governam o Brasil.

    Os Pactos pela Infncia, ou sejam, o Estatuto da Criana e do Adolescente

    e a Constituio Federal, por sua vez, so as demonstraes da capacidade da

    criana de servir de base para a edificao de consensos em uma sociedade

    democrtica.

    As idias concentradas na Constituio Federal e no Estatuto da Criana e

    do Adolescente conseguiram colocar, de fato, os direitos da populao infanto-

    juvenil acima de qualquer outro bem ou interesse, pondo de lado as divergncias

    e incompatibilidades que os separam em outros planos da vida nacional.

    Infelizmente impossvel negar que h pessoas que pregam o retrocesso

    ao sistema anterior (o antigo Cdigo de Menores). So tais pessoas e grupos que

    no acreditam que o Brasil seja capaz de conviver com os avanos mais recentes

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    no campo dos direitos da criana. Advogam, por isso mesmo, o retorno ao

    panorama legal ante