as vacas leiteiras e os animais que as possuem - eduardo almeida reis

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Deguste deste excelente livro do ilustre Eduardo Almeida Reis que consegue expor de maneira divertida os percalços de ser criador de gado leiteiro

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AS VACAS LEITEIRASe os animais que as possuem

Eduardo Almeida Reis

AS VACAS LEITEIRAS

e os animais que as possuem

3 edio revista e ampliada

A Editora Nobel tem como objetivo publicar obras com qualidade editorial e grfica, consistncia de informaes, confiabilidade de traduo, clareza de texto, impresso, acabamento e papel adequados. Para que voc, nosso leitor, possa expressar suas sugestes, dvidas, crticas e eventuais reclamaes, a Nobel mantm aberto um canal de comunicao. Entre em contato com: CENTRAL NOBEL DE ATENDIMENTO AO CONSUMIDOR Fone: (011) 876-2822 ramais 259/262 Fax: (011) 876-6988 End.: Rua da Balsa, 559 So Paulo CEP 02910-000 internet: www.livrarianobel.com.br.

1998 Eduardo Almeida Reis Direitos desta edio reservados Rua da Balsa, 559 02910-000 So Paulo, SP. Fone: (011) 876-2822 Fax: (011) 876-6988 e-mail: [email protected] Assistncia editorial: M. Elisa Bifano Reviso: Ana Luiza Frana e Maria Aparecida Amaral Produo grfica: Mirian Cunha Capa: Joo Lino Composio: CompLaser Studio Grfico Impresso:Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) (Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Reis, Eduardo Almeida As vacas leiteiras e os animais que as possuem / Eduardo Almeida Reis. 3 ed. rev. e ampl. So Paulo: Nobel, 1998. ISBN 85-213-0987-2 1. Gado leiteiro Alimentao 2. Gado leiteiro Criao 3. Leite Produo 4. Pastagens I. Ttulo. 97-4827 CDD-637.1 636.2142 ndices para catlogo sistemtico: 1. Leite: Produo : Cincias agrcolas 637.1 2. Produo de leite : Cincias agrcolas 637.1 3. Vacas leiteiras: Criao 636.2142

Livraria Nobel S.A.

PROIBIDA A REPRODUO Nenhuma parte desta obra poder ser reproduzida, copiada, transcrita ou mesmo transmitida por meios eletrnicos ou gravaes, sem a permisso, por escrito, do editor. Os infratores sero punidos pela Lei n 5.988, de 14 de dezembro de 1973, artigos 122-130. Impresso no Brasil / Printed in Brazil

SumrioNotada3edio,6 Introduo,7 Afazendaleiteira,14 Sede,piscina,estbulo,30 Ser o leite um bom negcio?, 58 O leite, 72 Organizaodaempresa,92 Sistemasdeproduo,111 Climaeproduoanimal,128 Bosprimigenius,143 Raas&cruzamentos,153 Osanimaisqueaspossuem,176 Homo sapiensL.,var.retireiro,187 No bico do lpis, 200 Fazendamodelo,212 O pulo do gato, 220 Comes&bebesnaconjuntura,236 Notasmedicinais,249 A ordem do burro, 262 Glossrio,271

N ota da 3 ediodepraxedizer-sequetodanovaediofoirevistaeconsideravelmente aumentada pelo autor; mas estafoimesmo.Etambmfoiadaptadas novas condies de criao em nossas bacias leiteiras, que mudaram muitonosltimos18anos. O livro foi escrito no final de 1980 numa IBM 82-C, de esferas, que eucriaseramelhormquinaeltricadomundo.Equealiest,quieta,num cantodoescritrio,enquantoreescrevoeamplioesta3 edio,em1998, usandoumcomputadorIBMAptiva486DX2,de540MBdediscorgido e 8MB de memria-RAM, comprado outro dia e j obsoleto. Nesta edio, como novidade, sempre que possvel inclu no final de cadacaptuloumacrnica,escritanafazenda.Aocontrriodeumlivro, queumnegciomaisoumenospensado,esquematizado,divididopor assuntos, composto distncia dos acontecimentos, a crnica uma exploso da alma diante de um fato ocorrido na fazenda, rabiscada s pressas para botar no correio e ainda pegar a edio da revista, ou do jornal, sempre em cima do prazo de fechamento. Nos anos todos em que morei no mato, escrevi para quatro ou cinco jornais, revistas e suplementos agropecurios, geralmente os mais importantesdoBrasil. Creio que o contraste entre os textos das crnicas e o do livro resulta interessante.Eoleitornodeveestranharamudanadoslocaisdeonde as crnicas foram escritas; ao longo desses anos todos, as fazendas foram quatro, Cantagalo, Pau DAlho e Floresta, no Estado do Rio, e a CachoeiraAlegre,emMinasGerais.

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IntroduoPerguntoaomeubomamigo,leitoreventualdemanuaisagropecurios, se j lhe ocorreu a idia de escrever um livrinho. Aempreitadafascinante.Aindaquandonotenhasignificaomaior na histria da literatura dos povos do Ocidente, nem nos do Oriente, costumaserdamaiorimportnciaparaquemficasentadodiantedeum computador,horasafio,feitobobo,persuadidodequepodeimpedirque a vaca v para o terreno sfaro e agreste, que s d urzes, tambm conhecido como urzal ou brejo. Algunsescribas,maisdesinibidos,pensamtercondiesdesalvara ptria,enofaltamaquelesque,estimuladospelacaspaabundanteepelos companheirosdemesadebar,estorigorosamenteconvencidosdeque podemconsertarahumanidade. Pensandocomporseulivrinho,oautorjseaborrecedevspera,na papelaria do bairro, quando no encontra um pacote de papel A-4 Laserwork,porqueacreditapiamentequesuaimpressoraajatodetinta requeraqueletipodepapel,paraapresentarservioalgumacoisaescrita poraquelejumento. At os editores, s vezes, afetam demonstrar certo interesse pelo novolivrinho,interessequedeixadeexistirquandooautoraparecena empresa levando a pasta com os originais, ou manda o disquete pelo correio.Eocertoque,algumasvezes,encaminhamosoriginaispara7

altura da obra que pretende compor. E um livro supimpa requer impressodamaiorsupimpitude,pensaoautor,enquanto promete recorreraoAurlio,paraversetemsupimpaesupimpitude. Comaescolhadafonteemquevaicomporsuaobra,tarefadificultada pelosCD-ROMsquetmat10.000 (dezmil!)fontesdiferentes,nosso amigovailutadepoisdediscutircomamulher,partidriadaAmerican Bold BT, com os filhos, que se dividiram entre as fontes English 157, DomCasualBTeImpressBT,ecoma sogra,partidriadaModern,ela queumavelhainsuportvel. Fixado,finalmente,naTimesNewRoman,normal,12,enacerteza deque,qualquerquesejaafonteescolhida,vaisermudadapeloartista que opera o page-maker da editora, cujos conceitos estticos so naturalmente diversos dos de um produtor de leite, nosso amigo est em condies de iniciar seu trabalho pela etapa mais complicada, qual seja, o primeiro captulo. verdade que os ficcionistas no encontram a menor dificuldade nessa etapa. Tudo que precisam fazer tomar cuidado para no contar a histria inteira no primeiro captulo, acidente literrio que tem destrudo as carreiras de milhares de candidatos a romancistas. Diferente a situao dos autores de manuais agropecurios, que s precisam vencer a inrcia, representada pela soma da preguia com a falta de imaginao. E tm pressa, porque todos reclamam o novo livro. Parentes, amigos, conhecidos e companheiros de trabalho perguntam sempre pelo novo livro, como se tivessem, mesmo, a mais remota inteno de ler

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oleitordaeditora,geralmenteumintelectualdefundodequintal,que sehorrorizacomasimplicidadedotextoeavulgaridadebovinadotema escolhido. Comamania,muitobrasileira,debotarocarroadiantedosbois,vejo que cheguei editora e me indispus com o intelectualide de planto, quandoaindanohaviacompostooprimeirocaptulo. Deixe-medizercomotenhofeitoparavencerainrcia.Comeceium dos meus livrinhos apresentando a galinha: AFINAL, O QUE UMA GALINHA?egosteidafrmula,tantoassimquefuitratandodeapresentar umzebuno,quandoescrevioZEBUPARAPRINCIPIANTES.Eagora: serqueapresentoavacaleiteira? Seria muito fcil dizer que se trata de fmea da ordemArtiodactyla, subordem Ruminantia, infra-ordemPecora, superfamliaBovideae continuarpora,falandodegneroseespcies,masdevemosconvirem que o negcio no tem grande importncia, a no ser nos tratados de zoologia.Todososleitoresjtmproblemassuficientescomsuasprprias famliasparapreocuparem-secomafamliadavacaleiteira. Junte-se o fato de que esse negcio de falar sobre a famlia da vaca me d um trabalho tremendo, porque preciso copiar os autores mais miudamenteinformadosdosmistriosdasordens,dosgnerosedas espcies, sem que seja proveitoso a mim, ao leitor ou vaca. Nocasodestenossolivrinho,noqualsecuidadasvacasleiteirasedos animaisqueaspossuem,andeiumbompardemesesdepapelcomprado, semsabercomoiniciarotrabalho. Quisafortunaqueeupassasseavista,outrodia,numtextopotico doDr.JosRibamarFerreira,paraencontrarainspiraoquemefaltava. Ribamar, como sabe o leitor, escreve sob o pseudnimo de Ferreira Gullaregeralmenteconsideradoumrobustssimotalento.Naopinio meditadada4capadeseulivroTodaPoesia,Gullarapresentadocomo umdosmaisimportantesbrasileirosdetodosostempos;nemmais, nemmenos... Masapoesia,comosabeoleitor,requerinfelizmentenomespoticos9

Neruda,Pessoa,Drummond,Renault,Vincius,Bandeira,Bilac esuaconcessomxima,emquestesonomsticasoupatronmicas, deve ser o Dr. Joo Cabral de Mello Neto. forosoreconhecerqueJosRibamarFerreira,nomequeassentaria feitoumaluvanumgerentedebanco,numauxiliardealmoxarifeounum choferdeAssembliaLegislativa,nocongemina,sequerconjumina comovateconsiderado,pelainsuspeita4capadeseulivro,umdosmais importantesbrasileirosdetodosostempos. Foi,portanto,comopseudnimoFerreiraGullarqueoesguiopatrcio escreveu:Vai o animal no campo; ele o campo como o capim, que o campo se dando para que haja sempre boi e campo; que campo e boi o boi andar no campo e comer do sempre novo cho. Vai o boi, rvore que muge, retalho da paisagem em caminho. Deita-se o boi, e rumina, e olha a erva a crescer em redor de seu corpo, que cresce para a erva. Levanta-se o boi, o campo que se ergue em suas patas para andar sobre o seu dorso. E cada fato j a fabricao de flores que se erguero do p dos ossos que a chuva lavar, quando for o tempo.

Assimmesmo,meubomleitor:comaquelavrguladepoisdeachuva lavar e o quando for o tempo cuidadosamente composto na linha seguinte. Eraainspiraoquemefaltavaparacomearolivrinho. Senoforpedirdemais,rogo-lheofavormuitoespecialdevoltarum poucoatrs,pararelerotextodovatemaranhense,doqualemerge,com meridiana clareza, a explicao para todos os problemas da pecuria leiteira, nesta Repblica Federativa do Brasil, que corre o risco de ser transformadaemBrasil,puroesimples,emprojetodeleiapresentadopor outroJosRibamar,tambmmaranhense,queatendeempolticapela alcunhadeSarney. No importa que o poeta fale em boi, quando o assunto de nossa preocupao a vaca; irrelevante o fato de ir o boi ao campo, quando muitoscriadoresdevacasleiteirasnodeixamqueseugadotenhaacesso aospastos;secundrioopormenordeovateinsistirnaerva,quando os agrostologistas gostam de especificar se estamos diante de uma1 0

gramnea,deumaleguminosaoumesmodeumacipercea,nospastos ondeabundaatiririca. O que muito me impressionou no texto de Gullar, e j me tinha impressionadonapecurialeiteira,algoqueambos,textoepecuria, tmemcomum:ningumentende. Masnohdeseraininteligibilidadequenosimpedirdeestudara pecurialeiteira,nestepasgrandeebobo*.Confusa,hermtica,amalucada, desorientada,esbulhada,quemsabeseela,pecurialeiteira,nome transformanumbrasileiroimportantssimo,aindaquena4capadeste livrinho? Cuidemos,portanto,dasvacasleiteirasedosanimaisqueaspossuem, com as desculpas que devo ao leitor pelo fato decham-lo de voc, ao correr da pena. Estou certo de que as minhas cs j me permitem recorrer a esse tratamento pouco formal, quando me dirijo a um leitor. Sei que voc est farto de saber que o feminino de co cachorra, ou cadela, mas no me creia um idiota completo pelo s fato de ter dito que as cs me permitem cham-lo de voc neste livro, mesmo porque seria incapaz de fazerumacachorradacomalgumqueinvestiuumapartedesuapoupana na aquisio deste manual. As cs a que me refiro so os meus cabelos brancos. E os tenho s mos-cheias, depois de tentar viver da produo de leite neste pas. E viverrelativamentebem,tanto assimquecostumoandarcalado,consegui formar trs filhas e me permito o luxo de um charutinho, vez por outra. Vamos ao livro, meu bom amigo. Ningum entende a pecuria leiteira no Brasil; nem por isso, ela deixa de ser divertidssima. Vamos falar de suafazendinha,dosseusempregados,dosseusgadosedesuacooperativa. Presumo que voc esteja ansioso para proceder mungidura de suas vaquinhas. E a mungidura, como voc est farto de saber, o ato de mungir, ou a poro do leite mungido, como quer o grande Aurlio. Isso no impede que os zootecnistas portugueses insistam em que a mungidura a operao pela qual se extrai o leite fmea. Assim,*. A constatao, que perfilhei, de Octvio Thyrso de Andrade.

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pensam evitar que algum se estabelea, em Portugal, com o sombrio propsito de extrair o leite aos machos. Sero castradores, machistas, discriminadores? No sei. O tema da competncia das feministas e eu no passo de modesto produtor de leite, com o hbito de escovar os dentes pelo menos trs vezes por dia. Devo comear um outro captulo para falar um pouco do muito que precisamos conversar. Faz um calor terrvel aqui na sala onde estou tentando escrever este livro. Queira, portanto, renovar o gelo do seu uisquinho, que tambm vou cuidar do meu. Daqui a pouco nos encontramos, OK?

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Riscos de julho Folha de S.Paulo, julho de 1991.Alm do frio de rachar os ossos e do poeiro das estradas, julho ms de alto risco aqui na roa. Risco de geada, de fogo nos pastos e de frias dos namorados das meninas. Hspedes normais j so uma praga nas fazendas mineiras. Hspedes com regalias, como os candidatos a genros, so rigorosamente insuportveis, ovinho mexido no caf da manh, suquinho de lima-da-prsia, presuntinho, pozinho quente tudo disposio de Suas Excelncias. Depois, preciso mandar arrear os cavalos para Suas Excelncias. Nunca vi genro, ou candidato ao posto, que fizesse um passeio a cavalo sem perder metade do arreamento. Arreios novos, dos melhores fabricantes, perdem loros, estribos, barrigueiras, peitorais perdem quase tudo pelo caminho. Pssimos cavaleiros, que s sabem andar a galope, os genros soincaveis, com licena do ministro Magri. Um tombinho, s para desconjuntar o marreco pelo prazo de 15 dias, jamais acontece com Suas Excelncias. S pode ser proteo divina. Numa regio pobre como a nossa, os candidatos a genros no tm Mercedes, BMWs ou Mitsubishis. Mas podem ter Monzas, Santanas e Veronas, que ficam guardadinhos na garagem da fazenda, enquanto o carro do futuro sogro, um Opala 79, vai torrar ao sol. E o curioso da estria que os donos dos Monzas, dos Santanas e dos Veronas adoram pilotar o velho Opalo, sob o argumento de que as estradas esto muito esburacadas para seus carrinhos. Num pas grande e bobo, que deve ter 18 mil leis florestais, faz muita falta um decreto-lei, uma Medida Provisria, um dispositivo constitucional que proba o genro de passear na fazenda. A agropecuria tupiniquim, penhorada, muito agradeceria.

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A FAZENDA LEITEIRAPresumo que o meu bom amigo, cheio das conversas do captulo anterior e reconfortado pelo uisquinho mamado com muito gelo, esteja querendo perguntar: Afinal, como devo instalar minha fazenda leiteira? O primeiro conselho que lhe posso dar, e voc vai se fartar de receber conselhos neste livro, o seguinte: procure estabelecer-se numa bacia leiteira. Tenho visto diversas tentativas de explorao leiteira fora das chamadas bacias e quase todas deram com os burros ngua. Transportar o leite por conta prpria est inteiramente fora de cogitao, a no ser que sua fazenda fique nas imediaes da usina compradora. Um pequeno caminho diesel, com o inevitvel motorista, capaz de lhe dar mais aborrecimentos e prejuzos, do que toda uma fazenda. Portanto, corte essa de pensar que voc pode transportar o leite entre a fazenda e a plataforma da usina, misso normalmente confiada a uma instituio muito singular nos quadros gerais da nao, chamada caminho do leite. Esse veculo, que tanto pode pertencer usina como ser propriedade de um particular que trabalha sob Portanto, no creio que voc deva meter-se na aventura de produzir queijos industrialmente, se o seu sonho a produo de leite.14

contrato, um negcio realmente sui generis, porque consegue circular em estradas projetadas para o trfego de burros de carga (em fila indiana) e pilotado por um sujeito sempre disposto a sair de casa s duas horas da manh, debaixo de qualquer tempo, 365 dias por ano. Evidentemente, se o caminho fosse propriedade do meu prezado leitor, o chofer da fazenda tiraria frias, teria descanso semanal remunerado, horas extras, arrancaria dentes de siso, operaria as hemorridas e guardaria todos os dias santificados, noves fora os feriados. Nessas emergncias, que devem passar de 120 dias por ano, fcil adivinhar quem vai tomar o lugar do motorista ao volante do caminho, s trs da matina, no dia de Natal. A fabricao de queijos, alternativa dos que se estabelecem fora das bacias leiteiras, tambm seria muito bonita, se examinada pela ptica dos fabricantes que foram bemsucedidos. Mas preciso pensar nas milhares de fbricas malsucedidas, porque a tirotecnia, antes de ser uma cincia, tem muita coisa de arte. E os artistas devem cuidar de outros assuntos, que no a fabricao e a comercializao de queijos. J sei que o meu bom leitor, inteligentssimo, deve estar farto de saber que a tirotecnia a tcnica da fabricao de queijos. Ainda assim, julguei de bom alvitre dar a explicao, uma vez que a palavra no encontrada no Aulete, no Laudelino nem no Aurlio. Encontra-se tiromancia, adivinhao por meio do queijo. No posso exigir que o leitor tenha aptides de tiromante para adivinhar que tirotecnia, antes de ser uma tcnica, uma arte e quem o diz so os melhores tirotcnicos.

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Mesmo porque, para produzir queijos, muito mais inteligente, mais simples e mais barato comprar o leite de terceiros. Como tambm foi exaustivamente demonstrado que voc no se deve meter a transportar o leite por largas distncias, a soluo adquirir propriedade rural numa bacia leiteira, que pode ter linhas de leite, usinas compradoras de leite, cooperativas de laticnios s vezes pode ter, at, alguns retireiros dando sopa. Como identificar uma bacia leiteira? Nos mapas, voc encontra divises fsicas, polticas, pedolgicas (epa! que essa dose: pedologia = edafologia, cincia que estuda os solos), encontra diversas divises mas no acha uma bacia leiteira, das muitas que existem em nosso pas. Ser que uma bacia leiteira se caracteriza pela existncia de cooperativas e de indstrias compradoras de leite? No necessariamente. Ser que se caracteriza pela existncia de comrcio organizado de vacas leiteiras? Tambm no. Ser que se caracteriza pela existncia de mo-de-obra especializada? Infelizmente no. Seria, ento, chamada de bacia leiteira pelo fato de apresentar condies timas para a produo comercial de leite? No e no! Ento, seria porque a regio tem diversos mdicos-veterinrios especializados em vacas leiteiras? NO! porque tem nutricionistas? No. porque tem fartura de raes balanceadas e medicamentos? Outra vez, no! porque est prxima dos mercados consumidores? Nada disso. Afinal, que diabo caracteriza uma bacia leiteira? A explicao fcil: uma regio que no se presta para nenhuma outra forma de explorao agropecuria. Fosse boa para o gado de corte e todos os produtores s trabalhariam com o gado de corte; fosse boa para a agricultura e toda gente iria agricultar; fosse boa para o reflorestamento e ningum deixaria de reflorestar. Assim tambm com a16

olericultura: logo teramos uma invaso de produtores de legumes. Mas quando uma regio no d para o gado de corte, nem para caf, cana, laranja, soja, feijo, eucalipto, cenouras e pimentes, quase certo que dela emergir pujante bacia leiteira, cheia de revendedores de remdios e raes balanceadas, de veterinrios que se dizem especializados em gado leiteiro e de usinas compradoras do produto lcteo. No falei da abundncia de retireiros, porque os bons profissionais da mungidura esto cada vez mais raros e menos profissionais. Mas esse um problema a ser tratado mais adiante, em seu devido captulo. Por ora, cuidamos da bacia leiteira, que tanto pode ser muito prxima dos centros consumidores, como pode ser bem distante. Pouco importa. quase certo que o leite do Rio v ser vendido em Gois, enquanto o leite de So Paulo vendido em Minas, o de Minas em Santa Catarina e por a fora. Portanto, o fator distncia acaba se tornando irrelevante, diante da baguna que vai pela economia tupiniquim. Houve tempo em que os currais eram instalados dentro das cidades, com todos os inconvenientes imaginveis, o menor dos quais era a espantosa propenso para a tuberculose das vacas presas em locais imundos, sem sol e sem qualquer tipo de exerccio. Mais tarde, a falta de estradas de rodagem limitava as bacias leiteiras s proximidades das ferrovias. E o espetculo do leite sendo transportado em pedras geladas, nos vages infectos de uma ferrovia qualquer, era de desanimar qualquer cristo, sem prejuzo de tambm desanimar budistas, maometanos, judeus, agnsticos e ateus. Nesse tempo, muitas bacias leiteiras viram-se obrigadas a transformar em queijo todo o leite que produziam. Queijo que era transportado em jacs e em lombo de burro, por distncias enormes.17

Recentemente, a tcnica do transporte em carretas isotrmicas e as melhores condies das estradas federais e estaduais tm permitido o transporte do leite in natura desde as bacias leiteiras at os centros de consumo. Apesar dos preos dos combustveis, as imensas carretas isotrmicas chegam a transportar o leite gelado e pasteurizado por distncias to absurdas como 1.000 quilmetros, ou mais. Evidentemente, isso no parece fazer sentido para pessoas dotadas de um mnimo de bom senso. Mas o que se v por a. E ns no estamos aqui para reformar o mundo, nem para prejudicar os patrcios que ordenham suas vaquinhas a centenas de quilmetros dos centros de consumo. tudo uma questo de ter, ou no, condies de concorrer comercialmente com os produtores estabelecidos em regies de distncias mais educadas. Talvez fizesse sentido secar o leite naquelas regies longnquas, estocando-o sob a forma de leite em p, para ser reidratado nos grandes centros. Sobretudo se considerarmos que, nessas regies distantes, a produo marcadamente sazonal e tem relao estreita com as chuvas e a exploso vegetativa das pastagens. Entretanto, as coisas que fazem sentido no costumam ter aplicao num pas grande e bobo, em que sempre da maior convenincia deixar boa margem para negociaes, que acabam resultando na importao anual de milhares de toneladas de leite em p de pases to estimveis como o Canad, a Nova Zelndia e a Frana. Afinal, a instituio da mamata, na forma como deve ser entendida, no poderia ter curso nas compras feitas base de 30 litros do Z, 50 litros do Adolfo, mais 30 litros do Antnio, pela razo muito simples de que essas comprinhas, com os respectivos vales das cooperativas, no deixam margem para as comisses de praxe.18

Contudo, quando um patriota tem condies de fechar importao de 18 mil toneladas (18 x 1.000 x 1.000) de leite em p, de um pas que esteja doido para livrar-se de seus estoques, muitssimo compreensvel que as comisses respectivas sejam creditadas diretamente na conta numerada do benfeitor da ptria. Os espanhis chamam o produto de leche en polvo, como que insinuando os muitos tentculos do negcio anualmente repetido pelas autoridades tupiniquins. Deixamos de lado a bacia leiteira para falar de tetas outras, de que se dependuram, vorazes, alguns burocratas dos primeiros escales, com o apoio entusiasmado da indstria de laticnios, que est no seu papel de ganhadora de dinheiro, e de certa parcela da administrao cooperativista, esquecida da filosofia do negcio que dirige. Receio que o meu bom leitor, assustado com a tirotecnia, a pedologia e outras complicaes emergentes deste IBM, ao correr do texto, esteja querendo contestar minha definio de bacia leiteira, com o argumento indiscutvel de que em Campinas, e noutras regies formidveis, tambm se produz leite. Ora, Deus meu! no me venha com excees, nem com o propsito de descobrir imperfeies no livrinho que l vou tentando compor. Li alguma vez, em algum lugar, que s os espritos medocres procuram imperfeies nas obras de arte. Portanto, peo-lhe o obsquio de no contestar o meu texto, mesmo porque sei que, de medocre, voc no tem nada. At pelo contrrio, cidado da melhor qualidade, cujo nico defeito justamente a vontade de se transformar em produtor de leite. Console-se dessa ressalva com a notcia de que19

conheo muita gente boa, mas boa de verdade, tirando leite neste pas. Gente honesta, trabalhadora, ordeira, digna, informada cujo defeito maior consiste em se amarrar no mojo de uma novilha, ou acreditar que o negcio leiteiro, entre ns, poder vir a conhecer melhores dias. Anos atrs, um presidente do Banco do Brasil fez qualquer referncia desabonadora sobre os produtores rurais, o que me levou a fazer uma comparao entre a diretoria daquele banco e os produtores de minha regio. Saiba o leitor que, num s municpio do Rio de Janeiro, entre os produtores de leite, encontrei gente muito mais inteligente, culta, esclarecida e bem-sucedida na vida do que entre os diretores do BB. Dei conta da comparao num jornal, tendo o cuidado de omitir o nome do banco, ao qual devia o equivalente ao dobro do valor de minha fazendinha e muitas dvidas j estavam vencidas havia meses. De qualquer forma, a comparao era inquestionvel. E no vai nisso nenhuma vantagem para os produtores rurais, porque o Banco do Brasil tem tido diretorias, de 1964 para c, que no se distinguem da administrao de uma escola de samba, a no ser, talvez, pelo fato de trabalharem de terno e gravata. H excees, certo, que no fazem mais do que confirmar a regra. Por isso, se voc est mesmo querendo transformar-se num produtor de leite e parece que est, a julgar pela velocidade com que est devorando as pginas deste livro , no se acanhe nem se envergonhe. E trate de arranjar uma propriedade rural numa regio que no sirva para qualquer tipo de explorao agropecuria: Parabns! Voc estar estabelecido numa bacia leiteira. Viu como foi fcil encontrar? J sei que voc deve estar preocupado, porque ainda no sabe qual deve ser o tamanho ideal de sua fazenda. Afinal, depois de comprar o primeiro pedao de terra, surgiu a oportunidade de anexar o stio de20

um vizinho, para dobrar sua rea. E j ouviu aquela conversa de que terra de rumo no tem preo. Acho que vou ficar credor de mais um favor, dos muitos que pretendo lhe prestar nas pginas seguintes. No vou falar em alqueires, para no confundir sua pobre cuca, atormentada por problemas que vo desde a recesso, que se seguiu inflao galopante, at a onda de violncia que tomou conta de nossas cidades e que, infelizmente, est chegando aos campos. Sei que voc vai dizer, com ar superior: Bobagem sua, doutor Eduardo, porque estou farto de saber que o alqueire paulista mede 24.200 m 2 e o alqueire mineiro, ou geomtrico, 48.400 m2. Eta erudio alqueiral! Pois, ento, fique sabendo que existem alqueires mineiros, que no so necessariamente geomtricos, como tambm existem alqueires goianos, fluminenses, capixabas existem alqueires de todos os tamanhos, para todos os gostos. Se eu quisesse, poderia ma-lo com alqueires de 50 x 50 braas, que tm 1,21 hectare; e poderia falar de alqueires de 1,82ha, 2,90ha e 3,02ha, que tm 79 x 79 braas. E poderia falar de alqueires de 3,10ha, 3,63ha e 9,68ha, de 100 x 200 braas. E o meu alarmado fazendeiro vai perguntar se existe alqueire de 200 x 200 braas. Existe, sim: o alqueiro do nordeste de Minas, que tem 19,36 hectares. Portanto, um sujeito que lhe diga que tem 200 alqueires de terra tanto pode ter 240 hectares como tambm pode ter quase 4 mil hectares formados em colonio, l para os lados de Pedra Azul, regio onde foi descoberta aquela gua-marinha gigantesca, chamada Marta Rocha. O nmero mnimo de hectares que voc deve adquirir, para iniciar uma explorao leiteira, extremamente21

varivel, conforme o tipo de negcio que pretenda montar. Vi fotos de uma granja leiteira de pouco mais de 20 hectares, na Califrnia, que produzia 18 mil litros de leite. O fazendeiro mantinha 800 vacas num ptio de terra, sem qualquer calamento, e comprava fora toda a rao de que precisava: feno, concentrados, verde e silagem. Escusado dizer que na tal regio quase no chove; caso contrrio, o lamaal impossibilitaria a continuidade do negcio, porque a lama anda de mos dadas com as vacas leiteiras. Voc vai descobrir esse fato quando resolver pavimentar a entrada de seu curral, que onde se forma quase toda a lama da fazenda. Logo, logo, o barro muda de lugar. Voc vai l e pavimenta. Mas a poa de lama no se conforma e anda um pouquinho mais, transferindo o atoleiro de local. De duas, uma: ou voc pavimenta a fazenda inteira, ou deixa a lama quieta l no lugar dela. No pense que esse negcio de pavimentar a fazenda inteira seja licena literria; h precedentes. Um bicheiro do Rio, muito rico, cimentou um laranjal de bons 100 hectares, na Baixada Fluminense, deixando apenas uma rodinha de terra para cada p de laranja. O grande problema do fazendeiro que lhe sucedeu, e resolveu produzir leite, era quebrar o cimento a marretadas, para conseguir alguns metros de terra em que pudesse plantar pastos e capineiras. Falei de uma explorao californiana de 20 hectares, com 18 mil litros de leite por dia, mas espero que voc no tenha tomado o exemplo como sugesto. Sou meio reticente no que respeita experincia norte-americana em questes leiteiras, quando se trata de sua adaptao s condies brasileiras. certo que, de vez em quando, vou citar os americanos, como tambm vou falar dos israelenses e dos neozelandeses. Mas peo que voc atente ao fato de que sua fazenda no vai ser montada nos Estados Unidos, em Israel ou na Nova22

Zelndia. Voc precisa levar em conta que vai produzir leite na Repblica Federativa do Brasil e essa repblica, em questes agropecurias, inteiramente diferente dos EUA, do clima desrtico de Israel e do clima temperado neozelands. diferente, tambm, do clima tropical australiano, apesar do que disso possam pensar alguns bocs, que vivem querendo transferir para c, sem qualquer verificao preliminar, toda a tecnologia australiana. Quem quer que examine a carta climtica de De Martonne ver que o trpico australiano inteiramente diferente do brasileiro, apesar das dimenses continentais dos dois pases, ambos tropicais. Nossa meteorologia, como diz Rubens Junqueira Villela, no tem paralelo em nenhuma outra rea tropical, nem mesmo na frica! Isso deve servir de advertncia aos que pretendem aplicar dados climatolgicos agrozootecnia: podem coincidir as cifras das temperaturas mdias, da quantidade de chuvas, etc., mas a distribuio, a freqncia e os mecanismos atmosfricos costumam apresentar diferenas essenciais, que invalidam as comparaes estatsticas. Portanto, a experincia que vale, em termos de pecuria leiteira, aquela que deu certo em So Paulo, em Minas, no Estado do Rio, no Esprito Santo ou em Catol do Rocha, com os Zs retireiros, os bernes e os carrapatos, os vrus e as mazelas que a gente encontra por aqui. Voltando ao tamanho de sua fazendinha, posso plagiar o conselheiro Accio, dizendo que voc pode encontrar melhores condies de explorao numa rea de 60 hectares do que em fazendas de 600 hectares. Elementar, meu caro Watson. Fazenda de 150 hectares, como a velha Pau DAlho da famlia Dutilh, em Campinas, produzindo 720 mil litros de leite/ano, vendendo reprodutores de alta qualidade, era organizao23

modelar no tempo em que a conheci. Muito mais importante do que a rea necessria para instalar a fazenda a adequao do negcio leiteiro rea disponvel. Voc pode ser bem-sucedido em 100 hectares e quebrar a cara em 5.000 hectares, conforme instale um negcio adequado aos 100 hectares ou meta os ps pelas mos na tal rea imensa. Sem querer insistir nos conselhos acacianos, parece bvio que, em igualdade de condies, uma fazenda maior muito melhor do que uma pequena. Mas s em condiesparecidas de clima, fertilidade do solo, distncia do mercado, etc. Vejo que escrevi, escrevi, falei uma poro de coisas e no disse da rea necessria para voc instalar um negcio leiteiro; pudera: no existem regras a esse respeito. E, se no existem, no sou eu que vou inventar, mesmo porque tenho coisa mais importante para fazer, nos prximos captulos, do que ficar por aqui elucubrando sobre o nmero de alqueires, perdo, hectares, que o meu ilustre amigo deve adquirir. A partir dos 20 metros quadrados, rea geralmente considerada mnima para instalar uma vaca em razoveis condies de conforto, j sei que voc vai se considerar fazendeiro, cuidando de arranjar indumentria compatvel com a nova profisso, alm de sacrificar o espao disponvel para a vaca e logo com qu? Ora, com a construo de um silo! Feliz proprietrio de razoveis 500 metros quadrados, voc j pensa em construir dois silos, para prolongar a agonia carencial em que vo viver as 30 vacas instaladas no seu estbulo. Disse estbulo? Esquece. O recinto vai ser apelidado de free stall, qualquer coisa como estabulao livre em ingls, para desespero do Z retireiro, que mal fala o portugus. punho, tentavam convencer uma vaca a subir na tal24

Depois de ouvir dizer da lotao de nossos trens suburbanos e do metr de Tquio, voc acabou por se convencer de que as leis da fsica so bobagens inventadas pelos fsicos. Portanto, aquele negcio de que dois corpos no podem ocupar, ao mesmo tempo, o mesmo lugar no espao, papo furado. Se preciso botar 50 vacas num estbulo, perdo, free stall de 300 metros quadrados... d-se um jeito. Se os japoneses, com seu PIB formidvel, conseguem acomodar-se nos carros do metr, ainda que para isso precisem contar com as botinas dos policiais empurrando suas bundas no de espantar que suas vaquinhas tambm tenham de se conformar com pouco espao e comida escassa, na tarefa meritria de transformar seu ilustre proprietrio num autntico produtor de leite. Free stall ou estbulo convencional, eu poderia encher sua cachola de nmeros e conselhos to importantes como os do prof. A. Maton, doutor em cincias, do centro de pesquisas de Merelbeke-Gant, que, como todo mundo ignora, fica na Blgica. Publicado com o ttulo De Huisvesting Van Dieren, o livro do pesquisador belga tem mil e um conselhos sobre construes rurais. Contudo, acho melhor que voc visite umas quatro ou cinco fazendas, fotografe as instalaes, anote as medidas, converse com os donos (e com os empregados!), para terminar construindo um free stall muito prprio, muito seu, inteiramente diferente de tudo aquilo que viu e anotou. J fiz viagem de mil quilmetros para visitar uma fazenda em que as vacas eram mungidas mo, sobre uma plataforma, de tal sorte que os retireiros trabalhavam em p. Por sorte, cheguei ao estbulo na hora em que quatro retireiros, laos e ferres em25

plataforma, para permitir que eles trabalhassem em p. V em frente, meu bom amigo, e no se abespinhe com essas consideraes joviais, que no tm o menor intuito de ofender. Se eu lhe contar que j vi um idiota, proprietrio de modestssimos 60 hectares de pirambeiras, construir uma bateria de silos, estbulo, currais, esterqueiras, dividir os morros em piquetes, comprar algumas dezenas de vacas e intitular-se fazendeiro, voc pode pensar que mentira. Eu tambm pensaria, se no fosse o prprio idiota. Tenho um bom amigo, proprietrio de quatro hectares de terras acidentadas, numa regio de veraneio, que tem vacas, silos, botas, jipe, caminho e administrador! Dir voc que quatro hectares, racionalmente explorados, so capazes de produzir muito capim. Certo. Mas eu me esqueci de dizer que o excelente cidado ocupa trs dos quatro hectares com uma belssima casa de campo, com piscinas, quadras de tnis e gramados maravilhosos. O movimento pecurio com as botas, os silos, o jipe, o caminho, as vacas e o administrador est confinado no hectare restante. E sou capaz de jurar que, se ele contasse com a comodidade de um ptio de manobras, j teria comprado um trator. Trator um negcio importante, um negcio que dstatus de fazenda a uma propriedade rural. Negcio de ferro, financiado, at a dcada de 70, a juros convenientes. Ningum pense que esses juros se destinam a estimular a pecuria ou a produo rural; eu no disse isso. Os juros subsidiados do tal financiamento destinam-se a proteger a muito mais do que duvidosa.

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Tambm embarquei nessa do trator: comprei um, imenso, vermelhssimo, com gigantescos pneus importados de Luxemburgo... Afinal, um trator d status fazenda, assim como a fazenda d status ao ricao da cidade, que procura disfarar sua condio de agiota, bicheiro, traficante, senhorio ou banqueiro sob a capa simptica do fazendeiro. E fazendeiro produtor de leite, o que ainda mais simptico. No, no se ofendam os bicheiros com as companhias que lhes arranjei no pargrafo anterior. No tive a inteno de ofend-los, como tambm no tive a inteno de agredir uns quatro ou cinco banqueiros meus amigos, os nicos que se salvam na selva dos manipuladores do mercado financeiro. Pensando bem, no devem salvar-se, mas como so meus amigos fico procurando uma forma de dizer que so diferentes do resto da classe. Veja o meu bom leitor que estou falando de uma poro de coisas que no tm a menor relao com As vacas leiteiras, nem com os animais que as possuem a no ser o fato de que todos os banqueiros que conheo, mas todos mesmo, tambm so produtores de leite. E s conseguiram s-lo porque so banqueiros. Quase todos montaram negcios leiteiros ruinosos para qualquer sujeito que no seja feliz proprietrio de um enorme banco, dos chamados de varejo; bancos de investimentos tambm servem. Acho que j hora de examinarmos alguns aspectos da montagem de sua fazendinha. Vamos a eles, mas s no prximo captulo. Continua fazendo um calor infernal e eu preciso provar de um tal de Cattos, usque de 12 anos, com muito gelo e soda. Ganhei a garrafa ontem noite. Ser que bom?

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Quando o caminho encostou no barranco e despejou o imenso trator, ao preo de 84 mil cruzeiros, que fiquei devendo ao Banco do Brasil por intermdio de uma cdula rural pignoratcia tive a ntida sensao de estar sendo furtado. Afinal, o veculo no tem material para custar 8.500 dlares, mormente quando se sabe que seus pneus so fabricados num tal de Luxemburgo, pequeno e misterioso pas que ningum sabe onde fica. Qual no foi minha surpresa quando, 22 dias depois, o mesmssimo trator, que eu j achava um furto por 8.500 dlares, passou a ser vendido por 12 mil dlares. Isso, de certa forma, serviu de consolo, porque descobri que, trs semanas depois do assalto de que fui vtima, outros agricultores brasileiros passaram a ser pungados numa escala bem mais alta. O certo que um veculo desse preo s poderia ser operado por trs pessoas: pelo presidente da fbrica de tratores, pelo presidente da Repblica e pelo signatrio da cdula rural pignoratcia. Como o presidente da fbrica um executivo muito ocupado, que no vai deixar sua indstria para tratorar nestas serras, e o presidente da Repblica, evidentemente, tem mais o que fazer tocou ao Eduardo a tarefa de manobrar o monstro nos minguados pedaos planos de que dispomos, com o propsito louvvel de preparar o terreno para o plantio da aveia. Nessa hora, tendo verificado que o arado do velho Cockshut no congemina com os trs pontos do novo veculo, recorri ao estoque de implementos de um vizinho, cujo ptio de mquinas rivaliza com o de empreiteiras famosas, como a Camargo Corra e a Mendes Jnior, e obtive por emprstimo um arado de trs discos, reversvel, implemento muito original na medida em quereverte quando menos se espera, e no reverte nas horas necessrias, nem com o adjutrio entusiasmado de quatro crioulos reforados. E o curioso da histria que o tal arado tem uma alavanquinha, dirigida para os lados do tratorista, como que insinuando que a reverso deve ser feita pelo prprio operador da mquina, com a mo disponvel se que existem mos disponveis para um sujeito que tem de manejar as 200 alavanquinhas de um trator. Montado o arado, sob a superviso de um experimentado fazendeiro de Valena, o excelente Vito Pentagna, parti para o trabalho de arao reversvel, tendo consumido quatro horas de segundas e marchas a r reduzidas, no primeiro dia. Evidentemente, para um sujeito que tem dores crnicas nos rins e na coluna, onde conta com a companhia de veneranda hrnia de disco uma empreitada de 28

Mecanizao da Pau DAlho O Produtor de Leite CCPL, 1976.

quatro horas deve significar a morte. Pelo que me despedi da famlia, tomei algumas cervejas e fui deitar-me sonhando com dores terrveis em todas as juntas do corpo. Dia seguinte, cedo, surpreendi-me inteiro e intacto, sem dor de espcie alguma. At as dores renais e vertebrais desapareceram, como que por encanto. O vizinho que emprestou o arado tinha vaticinado horrveis dores no pescoo, mas o meu pescoo nunca amanheceu to bom como agora, nem mesmo nos tempos do boxe praticado na academia, que me obrigava a ter todos os msculos desenferrujados. Sendo assim, deixei passar um dia, para ver se no aparecia alguma dor atrasada, e resolvi atacar firme de tratorista, com os tanques cheios de 120 litros de leo diesel. Mandei levar meu almoo, o que chique para um operador de mquina, e pedi condutora da refeio que me levasse, tambm, duas latinhas de cerveja, estupidamente geladas, que o tratorista no de ferro. Sob um sol de rachar e com um chapu de feltro que voava toda hora, comecei os servios na manh de uma quinta-feira. E devo confessar que os trabalhos corriam muito bem, tanto assim que, ao cabo de trs horas de arao, eu j me considerava um tratorista nato. Quando a vrzea comeou a minar gua, num lugar aparentemente seco, descobri que, passando despinguelado, em terceira, com o reversvel levemente enterrado, o servio podia ser feito. E j me considerava um gnio da operao de mquinas, por trabalhar naquelas condies com excelentes resultados. Tudo isso at a hora em que, no lugar de mover a alavanquinha do hidrulico para cima, movi para baixo, e o belo reversvel enterrou firme no barro molhado. Tracionado pelos pneus de Luxemburgo e pelo motor de 82 cavalos SAE (?), o arado empacou irremediavelmente. E o trator comeou a afundar. A partir da, afundou numa velocidade espantosa, o que me leva a indagar dos motivos pelos quais os tratores de rodas no so utilizados como sondas de petrleo, pois no h sonda americana, russa ou japonesa capaz de rivalizar em velocidade com um trator, quando se trata de afundar terra adentro. Engoli o almoo, a que faltavam as duas cervejas, por esquecimento da senhora me de minhas filhas, e voltei possesso ao servio, para tomar um banho de lama que nem ao menos medicinal, como a do Arax. E o resultado que, hoje, no lugar onde esperava plantar aveia, plantei um trator de 84 mil contos (j est custando 120), depois de peripcias vrias, a que no faltou, nem mesmo, a perspectiva de uma capotagem. Resta saber se, a exemplo das sementes de aveia, os tratores brotam e frutificam, hiptese em que, dentro de pouco tempo, alm de vender bezerros pitangueiras estarei vendendo filhotes de tratores nacionais. 29

SEDE, PISCINA,ESTBULOEstabelecido o fato de que sua fazenda dever situar-se numa bacia leiteira, podendo variar de uns poucos hectares at milhares deles, deixe-me falar das construes necessrias para as vacas leiteiras e para os animais que as possuem. Antes, porm, quero dizer que, ao escreverA arte de amolar o boi (Manual do proprietrio de stios e fazendas), fiz dos corretores de imveis o seguinte juzo:Confesso que no sei qual o melhor sistema para se procurar uma fazenda: se diretamente, se por intermdio de um corretor. Eu prefiro procurar diretamente, ou por intermdio de um amigo, porque no tenho tido sorte com os corretores que encontrei at hoje. Estou certo de que devem existir corretores honestos, profissionais que se preocupam quase tanto com a qualidade da coisa vendida, como com a sua comisso de 5%. Mesmo sem ser muito amigo das mximas e das concluses definitivas, vou mais longe quando afirmo que existem corretores honestos. Devem existir. S no tive, at hoje, a oportunidade de conhecer um deles.

Pois muito bem: quiseram os fados que, depois de ter escrito e publicado o trecho a de cima, que ainda maledicncia de alguns amigos, que viam no fato de eu ter feito, e fazer ainda, alguma intermediao de imveis rurais, um crime imperdovel, pelo que havia escrito no tal livrinho. Assumo a condio de corretor bissexto de fazendas, leiteiras ou no, e desde j me disponho a procurar comprador para sua fazenda, na hiptese de voc ficar desgostoso com o negcio leiteiro.30

hoje assino de cruz, eu acabasse fazendo alguma intermediao profissional, em negcios de compra e venda de fazendas. a tal coisa: aqui se faz, aqui se paga. O leitor tem todo o direito de perguntar se mudei de idia a respeito dos corretores de fazendas. No, no mudei. Os colegas parecem muito mais interessados nas comisses do que na qualidade das fazendas vendidas. E os que trabalham nas bacias leiteiras no tm mesmo muitas opes, j que as condies regionais variam de ruins a pssimas, como vimos no captulo anterior. S devo mudar, naquele trecho de A arte de amolar o boi, a frase que diz: S no tive, at hoje, a oportunidade de conhecer um deles (corretores honestos). Afinal, depois de ter vendido algumas fazendas, posso dizer que j vi corretor honesto. Fico meio vermelho, desconverso, no chego a desiludir um comprador que pretende ficar rico em 150 hectares de morros cobertos de sap, mas tambm no tenho a coragem de dizer que a fazenda excelente e o negcio, magnfico. Tenho visto coisas deliciosas no ramo, porque um corretor agropecurio se caracteriza, basicamente, pelo fato de se vestir de cowboy e de afirmar, com a cara mais limpa deste mundo, que no corretor. A indumentria no privativa dos corretores de imveis, porque os criadores de cavalos quarto de milha tambm fazem tudo para imitar John Wayne. Mas se voc encontrar um cowboy tupiniquim, ainda que encarapitado na sela de um quarter horse, afirmando que no corretor de fazendas pode ficar certo de que est diante de um autntico profissional do ramo. A explicao se fazia necessria, para acalmar a

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Prometo no usar botinhas bicudas, que me apertam as unhas encravadas, ou de salto alto, que faz mal coluna. Tambm desgosto das calas jeans, cujo fecho cremalheira pode beliscar-me as partes baixas. Por fim, devo dizer que prefiro o chapu de palha ao imponente Stetson de feltro, que quente, pesado e coisa de cowboy, quando j passei da idade de agentar o pulo mais desanimado do mais desanimado dos cavalos. E tem mais uma coisa: bon, s se for com a pala sobre os olhos. Bon virado ao contrrio coisa de bandido, ou, quando menos, de sujeitos vocacionados para a bandidagem. Cuidemos, agora, de alojar convenientemente os animais de sua fazenda. De todos eles, os mais importantes, com todo o respeito, naturalmente, continuam sendo o meu preclaro fazendeiro e sua ilustre famlia. Sendo o meu bom amigo um bilionrio, permito-me sugerir a compra de uma casa imensa e velhssima, do tempo dos bares do caf. Essas casas tm a enorme, a indizvel vantagem de dar status. C entre ns, que ningum nos oua: o que que voc andava procurando quando se transformou em produtor de leite? Dinheiro voc tem bastante, graas aos seus esforos empresariais. Estive para escrever graas a Deus; sendo embora ateu, no achei justo misturar o Criador com os seus negcios empresariais. Afinal, o contrabando de caf, a sonegao de impostos, as contas fantasmas, a venda fraudulenta do controle acionrio daquele banco, que at determinou modificaes na Lei das Sociedades Annimas, as comisses creditadas l fora, o superfaturamento e outras velhacarias, em que o meu ilustre amigo costuma exceler, no chegam a ser modelos de atividades decentes e produtivas. No almoo do Jquei, no bar do Country, na quadra de tnis do Harmonia, voc no pode dizer: Muito prazer, Fulano de Tal, contrabandista. Mas pode dizer que produtor de leite e pode mesmo convidar o interlocutor para visitar sua32

fazenda, no prximo final de semana. Como tambm pode esquecer-se de convidar, sem ficar livre de receber a visita assim mesmo, porque o instituto da hospedagem uma das maiores pragas da agropecuria. O presidente da Volks, o diretor da Bangu, o procurador do Estado, o dono da multinacional de bebidas esto desobrigados de hospedar pessoas na Volks, na Bangu, na Procuradoria e nas fbricas de aperitivos amargos, instaladas pelo mundo todo. Contudo, no se livram dos hspedes em suas fazendas. Sei disso porque fui freqentador assduo das fazendas do Joaquim Guilherme da Silveira, do Ro berto Salgado e do Fritz Underberg. E s no visitei a fazenda do presidente da Volks porque ela fica em So Paulo e eu moro em Minas. Perguntar o leitor: E voc amigo do presidente da Volks? No, nem o conheo. Mas o conhecimento e a amizade so absolutamente dispensveis quando se trata de invadir as fazendas dos outros. Sempre recebi dezenas de hspedes que no conhecia. Nem por isso deixavam de exigir usques de 12 anos, vinhos importados, banhos de piscina, passeios a cavalo e outras comodidades. Quando se trata de gente de nossa gerao, tudo bem: o fazendeiro ainda tem o consolo de ser cumprimentado pelo hspede e de trocar, com ele, duas palavras. Pior quando se trata de gente jovem, das relaes de amizade de nossos filhos: ouvem msicas absolutamente idiotas, no volume mximo, e so quase sempre incapazes de dar bom dia ao dono da casa. Na fria que me d um bando de idiotas, ouvindo msicas cretinas no mximo volume de minha vitrolinha, acabei perdendo o fio da meada, quando estava querendo dizer que voc procurou sua fazendinha em busca de status, no foi? E a casa enorme, dita estilo colonial, ou estilo imprio, conforme tenha sido construda antes, ou depois de 1822, tem a vantagem de no deixar o meu bom amigo com sentimento de inferioridade, desses que vo roendo o sujeito por dentro e33

podem se transformar numa lcera perfurada. Afinal, o S rgio, o Pedro, o Olavo, o Nlton, o Lineu, o Ronaldo todos tm fazendas com sedes maravilhosas e voc, que amigo e scio deles, ainda no tinha comprado a sua. No era justo. De-fi-ni-ti-va-men-te no era justo que os seus amigos se afazendassem com sedes deslumbrantes e voc ficasse a ver navios, ou, o que ainda seria pior, a ver os barcos do Iate Clube. Casas antigas tm a sublime vantagem de ser ecolgicas, sobretudo e principalmente nestes dias de histeria ecolgica. Nelas, voc convive com milhares de bichos: cupins, lagartos, lagartixas, ratos, cobras e gambs. E participa, ativamente, dos temporais, correndo pelos cmodos a distribuir baldes, bacias e panelas, nos lugares em que as goteiras so inevitveis. Depois de muito matutar, descobri o motivo pelo qual os arquitetos do Brasil Colnia no usaram lajes de concreto armado no forro das casas que projetavam: que a primeira notcia daquela tcnica data de 1854, quando o francs Joseph Lambot construiu um barco de concreto. Ainda assim, s em 1873 o concreto armado comeou a ser divulgado por Monier. No Brasil, as referncias mais antigas ao concreto datam de 1904. Da os tetos de madeira e esteira de taquara, usados nas casas coloniais, permitindo que os gambs possam mijar sobre nossa literatura. No duro, mesmo: havia um gamb, morador no sto l da fazenda, que sofria de tosse. Tossia a noite inteira. E tinha especial aptido para mijar sobre os artigos que eu escrevia para cinco importantes revistas agropecurias. Mudei mquina e papel, do escritrio para a sala de jantar. O excelente marsupial, como que avisado, comeou a mijar sobre a mesa da sala. Mas vinha dormir sobre a esteira do forro do meu quarto, que era para me acordar com sua tosse de O34

tuberculoso. Outra vantagem soberba das construes antigas que voc fica livre de cair nas mos de um desses arquitetos geniais, que abundam por a, inventando materiais de construo rigorosamente incompatveis com a nossa realidade climtica, descobrindo solues que s fazem complicar a vida de quem vai morar nas casas que arquitetam e terminando por projetar, como vi nas serras do Rio de Janeiro, um banheiro em que no cabia um simples e singelssimo lavatrio. Um lavatrio desses que voc utiliza, na antemanh serrana, para apoiar o birro enquanto vai fazendo a barba. E j que o birro est apoiado, no custa livrar-se dos usques da vspera. Dir voc, indignado, que sujeito educadssimo e jamais faria xixi na pia; no sabe como desce bem. H coisas que todo mundo faz, mas ningum confessa. Tive uma boa amiga, desiludida com os rendimentos do leite, que desabafou na reunio da cooperativa: Prejuzo de leite feito hemorrida; todo mundo tem, mas ningum confessa. J que a problemtica anorretal veio baila, deixe-me dizer-lhe da convenincia e oportunidade de instalar bids em todos os banheiros, e bids dotados de esguichinhos, por favor. Fuja dos telefoninhos instalados nas paredes, aparentemente para lavar o fiof, que esguicham gua na roupa, nos cabelos, no cho e no teto do banheiro, com risco de molhar o gamb que reside por l. Molham tudo e no limpam o principal, que me abstenho de citar, porque sou o mais pudico dos escribas. Vista e examinada a vantagem de sua fazenda contar com uma belssima sede colonial, para deixar Olavo, Srgio e Ronaldo rodos de inveja, vou arriscar um palpite: se fosse eu, no construiria a piscina. Sem piscina eu no vou! explodir aquela jovem senhora, que l est diante da novela das oito, enquanto voc l este livro no escritrio, mamando respeitosamente um belo Cohiba.35

certo que voc vai acabar construindo a piscina, como eu tambm j fiz uma, de 6 x 10m, azulejada, contando os tostes. A construo no tem mistrio, a no ser que se recorra a um calculista. Sei disso, porque constru sem calculista e a piscininha agentou firme. Um amigo meu, que tinha 360 (trezentos e sessenta!) engenheiros empregados em sua firma de consultoria, caiu na besteira de encomendar os clculos da piscina ao departamento competente. Como se tratava do dono da quitanda, o negcio foi preparado em trs dias e veio impresso em papel da melhor qualidade, encadernado. S que tinha trs vezes mais ferragens do que o dono da firma, da fazenda e da piscina, efetivamente usou. Se a construo simples e pode ser feita com os pedreiros rurais, a limpeza de uma piscina tambm no bicho-desete-cabeas. Evidentemente, o ideal que tenha todo aquele equipamento de filtragem, um negcio que custa quase o preo da piscina. Na falta dos filtros, mas com um sifo, sulfato de alumnio, sulfato de cobre, alguns quilos de cloro e um jardineiro analfabeto, voc pode conservar a traquitana perfeitamente piscinvel. O constrangimento maior reside nos banhos que voc possa tomar, abordoado a um belo copo de usque, ao alcance e vista dos retireiros, que l esto no estbulo, desde as quatro horas da manh, com o propsito mal-remunerado de mungir e alimentar suas vaquinhas. Encontro mil e uma razes para justificar o fato de voc estar de calo, com o uisquinho a tiracolo, beira de uma piscina que custou o seu dinheirinho, honestamente ganho. Ningum tem nada com isso, dir voc, piscineiro em perspectiva. Mas eu me permito lembrar que sempre existe uma situao de constrangimento, que leva muitos produtores de leite a jamais utilizarem os seus tanques azulejados, com as bordas caladas em pedra de So Tom.36

Ainda quando possa parecer meio covarde, a melhor soluo, para aqueles que no podem prescindir de uma piscina, escond-la num ptio interno, longe do alcance da vista dos que esto no curral ajudando a impedir que a vaca v para o terreno sfaro e agreste, que s d urzes. O conjunto das atividades desenvolvidas dentro, e em torno, de uma piscina prima sempre pelo ridculo: so os gritinhos, as corridinhas, os empurres, os caldos e as constataes trmicas est gelada!; vem, que est uma delcia!. Tudo isso e mais as tangas, e os biqunis, no combina com a seriedade de um empreendimento agropecurio visando produo comercial de leite. Ponha-se no lugar do Z retireiro, que s come a comadre bexigosa e desdentada, e veja que no merece o castigo de contemplar, l do estbulo onde se encontra desde as quatro horas da manh, o espetculo representado pela mulher daquele seu amigo, muito liberal como mesmo o nome dele? , que boa pra dedu e usa aquela tanga transbordante de plos louros, com a bunda de fora e uns peitinhos (o Z diria mojinhos...) que cabem, inteirinhos, dentro da boca. O tempora! O mores! diria o Z, se tivesse a metade do latim de Ccero. No, no devemos, no temos o direito de submeter o retireiro ao suplcio de ver, l do curral, a desbundante e sapeca mulher do seu amigo. Alieno culo piper refrigerium, j dizia Ccero, mas muita pimenta para o pobre Z. Em sete anos de fazendeiro-piscineiro, tomei uns trs ou quatro banhos, e olhem l. O Roberto Salgado s mergulhou duas vezes, em 18 anos de fazenda com piscina. Conheo inmeros fazendeiros que jamais pularam nas guas azuis de suas piscinas rurais, muito embora no lhes desgostem as piscinas urbanas. Se o negcio no corre por conta do tal constrangimento, no entendo mais nada. Deixo a seu critrio a construo da sede de sua empresa37

rural, ou a reforma da casa colonial que voc comprou numa bacia leiteira, isto , numa regio em que os bares do caf derrubaram a mata, ganharam dinheiro plantando caf nas pirambeiras com a mo-de-obra escrava, mandaram construir casas belssimas e deixaram uma poro de netos na mais negra das misrias. Recomendo, com o maior entusiasmo, a construo de um quarto de vestir compatvel com as exigncias do negcio, onde, no raro, voc vai ser obrigado a levantar-se pelo dilculo da madrugada, ou pelo crespsculo matinal, que significam exatamente a mesma coisa: o dealbar da aurora, a hora em que branqueia, ou clareia, a aurora. Nessas condies, de toda convenincia construir um quarto de vestir onde voc possa calar suas botinas sem a necessidade de acordar uma santa, que est pouco ligando para currais e vacas, e j faz muito quando concorda em passar os fins de semana na fazenda, cozinhando para 80 pessoas, arrumando dezenas de quartos de hspedes, providenciando gelo para o usque, salgadinhos para o pessoal da piscina, refrigerantes para as crianas, remdio para dor de cabea de um chato que bebeu demais, repelex para outro chato, que no se d com os mosquitos locais; enfim, uma atividade fascinante. Poupei-me o trabalho de dar conselhos diversos na construo e na reforma de sua casa, meu caro fazendeiro, mas no posso e no devo deixar de falar sobre as casas dos seus empregados. As boas casas de colonos costumam constituir-se num fator de atrao a mais (quais so os outros?) na difcil tarefa de fixar a mo-de-obra no campo. Quem chamou minha ateno para esse fato, de resto indiscutvel, foi um amigo que tinha timas casas de colonos e no costumava ter qualquer dificuldade para arranjar empregados, ou para conservar os muitos que tinha.38

Dizia ele, com inteira razo, que uma boa casa, espaosa, bem localizada, com gua abundante, luz eltrica e quintal era fator de atrao para a mulher do obreiro; e que estando a comadre satisfeita, o resto se arranjava. O sbio produtor rural, dono de diversas fazendas nas serras do Estado do Rio, tinha mulher e filhos morando numa das sedes e a namorada residindo noutra fazenda, a trs quilmetros de distncia. Constava, por l, que seu dinheiro fora subtrado de um desses institutos oficiais de previdncia: pouco importa. O que importa que foi muitssimo bem aplicado. O brasileiro do campo, ao contrrio do seu irmo da cidade, que paga milhes de dlares para viver numa prateleira de granito e vidro fum, prefere habitar uma casa razoavelmente afastada da residncia do seu vizinho. Ainda quando essa preferncia no seja um ato consciente, resulta do prprio nvel de educao do patrcio e de sua cara-metade. Portanto, meu bom amigo, fuja, mas fuja feito um desesperado, das casas geminadas, das casas muito prximas e das vilas de casas, que apresentam inmeras vantagens na construo e na distribuio de gua e energia eltrica, mas acabam da pior maneira possvel, j porque as comadres se ofendem, j porque a televiso de uma incomoda a outra, ou porque o leito de uma terceira fua as couves das demais. Uma boa distncia, de uns largos 200 metros, entre uma e outra casa de colonos, coisa que nunca fez mal fazenda de ningum. E a sua no vai fugir regra. Boa providncia, tambm, construir as casas beira das estradas municipais, porque a residncia do trabalhador rural brasileiro, a exemplo dos tmulos famosos, vive exposta visitao pblica. So centenas de sujeitos, milhares de amigos, compadres, companheiros e parentes, que vivem visitando nossos empregados rurais. Nessas condies, da melhor convenincia tirar a multido de dentro da fazenda, construindo as casas beira das estradas, ao preo de39

algumas galinhas atropeladas. Falei, a atrs, da convenincia de levar fora e luz s casas rurais. No so muitas as fazendas brasileiras em regies servidas pelas redes de energia eltrica, mesmo porque o fenmeno relativamente novo na histria da humanidade. Ainda em 1902, que foiontem em termos de histria, anncios publicados no jornalO Estado de S.Paulo, tentavam convencer o pblico das vantagens do uso domstico de energia eltrica. O crescimento efetivo do sistema eltrico data do governo Kubitschek. Ainda em 1945, nossas trs maiores hidreltricas, Cubato e Ituporanga, em So Paulo, e Fontes, no Estado do Rio, somavam 479.400 kWA, pouco mais da metade da capacidade de cada uma das unidades geradoras de Itaipu. E Itaipu tem 18 unidades geradoras... Onde h luz e fora, o servio deve ser estendido s casas de colonos e faz parte do salrio indireto, mesmo porque ningum tem a coragem de descontar no fim do ms. Tenho amigos que instalaram relgios medidores de luz em cada uma das casas da colnia, mas terminam bancando as contas mensais. E o curioso que as lmpadas do trabalhador rural, inspiradas talvez nas piras dos monumentos militares, ficam acesas dia e noite, como se os interruptores no existissem. Esse gosto pela iluminao permanente, que explicado pelo fato de o trabalhador rural no pagar a conta do fim do ms, envolve tambm uma espantosa despesa com as lmpadas que se queimam e so substitudas da maneira mais simples possvel: trocando pelas outras, das partes comuns da fazenda escritrios, galpes, oficinas, estbulos e a casa do doutor. No penso que a providncia constitua um abuso, porque o trabalhador rural encara as lmpadas da mesma forma como o funcionrio pblico v o material da repartio. Acompanhei, durante muitos anos, as compras mensais dos40

empregados da fazenda, porque lhes dava carona, e no me lembro, jamais, em tempo algum, de ter visto um compadre adquirindo lmpadas eltricas. Compravam de tudo, menos lmpadas, enquanto a fazenda adquiria os bulbos pelo atacado, em pacotes enormes, de 100 ou 200 unidades. Empresrio de escol, preocupadssimo com o social, no creio que voc deva preocupar-se com essa despesinha extra, mesmo porque uma fazenda leiteira tem despesas bem mais pesadas. No captulo dos caminhes de rao, voc vai tomar cada susto que vou lhe contar. E vai descobrir que as vacas do conta, em pouqussimo tempo, de um caminho com 500 sacos de 40 quilos de rao: 20 toneladas de rao balanceada. Mesmo porque os porquinhos e as galinhas dos compadres sempre ajudam as vaquinhas a dar cabo daquela montoeira de farelo. E o negcio das lmpadas acaba correndo por conta dos fringe benefits. Chique, n? O Z retireiro com fringe benefits... A, voc se lembra daquele diretor do seu banco, almofadinha que tem salrio de US$ 20 mil, mais US$ 10 mil pelo caixa 2, automvel e motorista pagos pelo banco, s viaja de primeira classe e sempre traz as notas das refeies, de todas as refeies, para o banco pagar. Nessa hora, sabe qual sua reao? Vai ao armrio, escolhe seis camisas que j no usa h muito tempo, algumas at com os colarinhos pudos, e leva de presente para o Z. As camisas e um vinho nacional, horrvel, que ganhou de presente de um contnuo do banco. Vistas a sede e as demais residncias de uma fazenda leiteira, hora de cuidar das construes necessrias; e mesmo das desnecessrias. Silos costumam ser da maior utilidade, desde que voc tenha algo para ensilar e encontre quem ensile, isto , desde que a fazenda tenha capim, milho ou sorgo; e consiga descobrir uma turma disposta a cortar, transportar e socar aquelas gramneas no seu silo, mediante remunerao compatvel com o valor final do produto ensilado. No se iluda com o41

desemprego nas grandes cidades, ou mesmo com o desemprego rural: no tm a menor relao com a disponibilidade de mo-de-obra rural. Mesmo porque, na fazenda, voc precisa de gente para trabalhar e os estimveis patrcios andam atrs de um emprego, o que coisa muito diferente. Sorgo, milho e capim, gramneas sim, meu bom amigo. Sei que voc, desde que se afazendou, andou lendo uma poro de livros sobre agricultura e pode ter pensado que milho e sorgo, tendo caroos, pertencem famlia das leguminosas, como a soja perene, o carrapichinho-de-beio-de-boi e o feijo que voc vai temperar com toucinho de fumeiro, muito alho, cebola dourada, lingia e caldo de carne, quando me convidar para almoar em sua fazenda. Existem silos de diversos formatos. Os que mais impressionam so os areos, que do fazenda um aspecto de empresa rural norte-americana, ou canadense. J fiz vrios deles, quadrados uns, cilndricos na maioria, que me obrigaram a calcular aquela histria do pi, que igual a 3,1416, ou coisa que o valha. Hoje, se fosse fazer um silo, no fugiria dos modelos de trincheira, que so mais fceis de socar com um trator e mais fceis de descarregar, sempre que a gente no disponha de equipamentos sofisticados, como aqueles usados para encher, socar e descarregar os silos cilndricos areos. Sem falar do fato, importantssimo, de que um silo trincheira de construo muito mais barata. Uma traquitana que me parece da maior utilidade numa fazenda, mesmo leiteira, que trabalha com gado manso, uma seringa, ou corredor, terminando num tronco para vacinao, ferra, castrao, inseminao, transplante de embries, curativos, diagnsticos de gestao, lavagens uterinas e o mais que se possa pensar. Se o gado tem sangue zebuno, o tronco indispensvel; se gado de puro-sangue europeu, o tronco da maior42

utilidade. E l vem voc com os exemplos do Fulano e do Beltrano, que sempre tiraram muito leite e jamais tiveram troncos em suas fazendas. Est bem. Tambm conheo uma poro de gente que nunca fez um tronco mas gente que no sabe da utilidade do equipamento e da economia de tempo e mo-de-obra. Em ltima anlise, economia de leite, porque no h rebanho que no quebre o leite depois de passar uma tarde, num curral, a galope, enquanto a vacinao feita a lao, ou no cambo. Tem gente que prefere a mquina de escrever, como eu tambm preferia, antes de me acostumar com o computador. Hoje, quando pifa o computador, fico de ps e mos atados, mesmo tendo aqui no escritrio, instalada sobre uma bela mesa de sucupira, uma bela mquina IBM 82-C. Acho que j instalamos os animais de duas patas, com piscina e esguicho de bid, e comeamos a cuidar das instalaes necessrias para os quadrpedes, como a seringa e o tronco. Sei que voc est louco para comear a construo do seu estbulo, onde pretende mostrar aos idiotas da vizinhana, e mesmo aos cretinos de outras regies, como deve ser construdo um estbulo supimpa. Nas livrarias, voc j comprou dois ou trs livros de construes para o gado, como o do j citado professor belga, e o excelente Construes rurais, um verdadeiro clssico do professor Orlando Gomes. H estbulos para todos os gostos, de todos os feitios e tamanhos, telhados em diversos estilos e material de acabamento que pode variar do prosaico cimento aos pisos carssimos e supostamente prova de cido lctico. foroso admitir: mesmo um empresrio vitorioso, como voc, acostumado a decidir, acaba ficando numa dvida dos diabos... Ser que uso telha de barro? Mas o madeiramento est pela hora da morte... Quem sabe o cimento amianto, para43

economizar no engradamento? Logo aparecem dois amigos, engenheiros competentes, com opinies diametralmente opostas: o primeiro diz que o fibrocimento esquenta pra chuchu, enquanto o segundo jura que no existe qualquer motivo tcnico para o fibrocimento esquentar um curral. Na emergncia, depois de ouvir que o alumnio timo para climas quentes, mas faz muito barulho, voc pensa seriamente num telhado de ardsia, carssimo, ao melhor estilo dos castelos europeus. O dinheiro seu. Ningum tem nada com isso. Quais seriam os melhores mtodos de conteno de bovinos leiteiros? A corrente que desliza sobre outra corrente? O canzil de madeira? O canzil de ferro? O canzil automtico alemo (esse supimpa!)? Eis o nosso candidato a produtor de leite na maior sinuca... Copiar o estbulo do vizinho est inteiramente fora de cogitaes. crime ainda mais grave do que sua mulher copiar o vestido de sua melhor amiga. Alm do mais, voc precisa dar vazo aos seus complexos de arquiteto frustrado, sobretudo e principalmente depois que ouviu que alguns dos melhores e mais famosos profissionais brasileiros, Zanine, Claudinho Bernardes e Alfredo Brandi, no se formaram em arquitetura. Alm disso, o apartamento da Vieira Souto foi projetado pelo Musa, pelo Cas, pelo Pecegueiro, pelo Paulo Villela. E voc no fez mais do que se mudar com sua mala de executivo, mesmo porque a decorao ficou a cargo do Hlio Fraga, que no aceitou nenhum dos palpites do dono da casa. A sede da fazenda foi construda h 150 anos: linda, mas voc no deu palpites. Quando se tratou de escolher a pintura da fachada, voc ainda insinuou que gosta muito de um rosaimprio, com janelas brancas, mas sua mulher fechou questo em torno do azul forte, chamado azul-colonial justamente porque no tem nada de colonial.44

Por mal dos pecados, aquele arquiteto que voc contratou a peso de ouro para redesenhar o interior da sede inventou maldita chamin, que mais parece um pombal. E teve o descoco de plantar imensa lareira no salo principal, lareira que s poder ser acesa no dia em que voc instalar um sistema de ar-condicionado central. Lareira... no Vale do Paraba? Agora, chegou a vez do estbulo. Voc rilhou os dentes postios: esse, ningum me tira! E foi tratando de comprar dzias de folhas de papel milimetrado, canetas de nanquim, esquadros, compassos, rguas, prancheta... Prancheta? Comprou, sim senhor! Temo-lo s voltas com o projeto, depois de ter visitado mais de cem estbulos-modelo. Esse um fenmeno que s acontece com os estbulos: todo estbulo considerado modelo. Neles, seu esprito crtico excelia, com todo o respeito devido ao dono da fazenda, projetista da construo rural. Voc viu estbulos de 4 (quatro!) andares numa fazenda de 500 hectares, como se fosse preciso construir um prdio de quatro pavimentos numa propriedade de 5 milhes de metros quadrados. Viu estbulos construdos no mais puro estilo colonial espanhol; viu cpias de estbulos canadenses, hermeticamente fechados, para proteger o gado de um frio de 30 graus negativos e isso no trpico brasileiro. Viu estbulos com 1,80m de p-direito e saiu de um deles com um galo na testa; viu estbulos de todas as cores, formatos e tamanhos. E chegou a uma concluso definitiva: no existe um modelo padronizado de estbulo. Deve ser por isso que todos so estbulos-modelo. Portanto: papel milimetrado, tabelas, nanquim e mos obra! Se me fosse dado palpitar sobre o assunto, e apesar do receio de o decepcionar, eu me atreveria a dizer que no encontro justificativa para a construo de estbulos nas fazendas brasileiras, a no ser o desejo de que o fazendeiro tem de fazer um estbulo maior e mais bonito que os outros.45

Epa! J sei que essa caiu feito uma bomba. Sugiro que voc relaxe, faa um xixi (no vaso, por favor), reforce a dose de usque e acomode o traseiro naquela poltrona gostosa do escritrio, para acompanhar meu raciocnio e me dar toda a razo. Quero dizer, de incio, que j constru um estbulo coberto de telhas francesas, feitas em Marselha, com engradamento em peroba rosa. As telhas, verdade, comprei-as numa demolio e me custaram quatro vezes menos que as nacionais novas. So as tais abelhinhas que do de dez a zero nas melhores telhas brasileiras. E a esnobao foi de arromba. Tambm constru um estbulo coberto de alumnio, com as paredes da sala de ordenha azulejadas, exigncia para a produo do leite tipo B, e o resto em madeira de lei. O exagero foi exigncia do Banco do Brasil, que s me emprestava o dinheiro subsidiado do Condepe-Leite se eu fizesse estbulo para 60 vacas, numa fazenda em que s cabiam 30. , portanto, com a autoridade de construtor de dois estbulos, modstia parte funcionais, que me permito discordar daqueles que recomendam esse tipo de construo no trpico brasileiro, ainda quando se pretenda trabalhar com gado europeu puro de origem. Quase todas as coisas que se fazem num estbulo podem ser feitas, com vantagem, num sistema de arraoamento livre. Evito escrever estabulao livre, et pour cause. As sombras das rvores, dos bambus, das trepadeiras, so muito mais naturais e bem mais frescas do que a maioria das sombras dos telhados. O arraoamento de volumoso (capim verde picado, silagem, feno, etc.) pode, perfeitamente, ser feito em vrios cochos, onde as vacas se alimentam vontade. conveniente pavimentar o local, no s pelo aproveitamento do estrume, como tambm para no ficar intransitvel na poca das chuvas. Mas o calamento com cimento spero no nenhum bicho-de-sete-cabeas46

lavados sob presso, para serem distribudos pelas capineiras e pelos pastos. Numa sala de ordenha, limpssima, arejadssima, com um eficiente equipamento de refrigerao do leite, voc pode fazer a mungidura e dar o concentrado, quando for o caso. Evidentemente, se voc tem um lote de alta produo, que precisa comer grande quantidade de concentrado, talvez seja preciso recorrer ao arraoamento individualizado controlado pelo computador. No se assuste: computadormesmo. Cada vaca leva uma coleira com um transmissor que a identifica e libera a rao, individualmente, vrias vezes por dia, de acordo com a produo de leite. equipamento corriqueiro, hoje, nas fazendas que trabalham com gado de alta produo. Nas fazendas de produo mdia, o concentrado pode ser dado durante a ordenha. De qualquer maneira, tudo que eu possa dizer do estbulo como construo cara, ineficiente, para ser usada poucas horas por dia, pouco, diante de sua vontade de construir um estbulo-modelo. Enfio, portanto, a viola no saco, o que sempre melhor do que enfiar uma agulha, e deixo que voc construa seu monumento inutilidade. No fao sua inteligncia a descortesia de dizer que tudo que foi escrito contra o estbulo, modelo ou no, deixa de ter cabimento nos casos de free stall, quando, pela prpria filosofia do negcio, o estbulo o nico lugar com que contam as vacas para passar dia e noite, no raras vezes a vida inteira. Penitencio-me de j ter construdo um negcio chamado canzil sueco e, o que mais srio, ter influenciado uma poro de gente para copiar aquela asneira. Levei horas e horas estudando as larguras de47

e ainda permite que se recolham esterco e urina, diversas vacas, at descobrir um livro que trazia as caractersticas biolgicas da espcie, com o espao ocupado por uma vaca deitada, uma vaca em p, um bezerro dormindo: tudo bobagem. Calculei os bezerreiros para 20 animais novos, 20 na faixa de trs a seis meses e mais 40 maiores e constru aquele besteirol, s Deus e o Banco do Brasil sabem como. Pois muito bem: na pressa de lavarem o recinto, os empregados enfiavam 100 bezerros num compartimento cientificamente projetado para abrigar 20 animais recm-nascidos. E misturavam tudo, de tal forma que sempre me pareceu um milagre que os bezerros quase desmamados no esmagassem os recmnascidos. Dizem que p de gua no mata potro, mas o negcio discutvel, porque j vi potrinho, num dos nossos melhores haras, com a perna quebrada por um coice de sua excelentssima genitora. Agora, que o bezerrinho novo extremamente resistente ao pisoteio dos mais velhos, l isso ! Depois de muitos anos de fazenda, voc vai acabar descobrindo que a comida muito mais importante que o cocho. H criadores vitoriosos porque tm abundncia de comida, servida no cho ou em cochos de bambu, enquanto h milhares de criadores ineficientes, que se lembraram de revestir seus cochos com a melhor cermica, mas no tm capim para a encomenda. Sem a interferncia do homem, a vaca um bicho que tem condies de nascer, crescer e produzir sem jamais travar conhecimento com um pedao de cermica, ou com meio metro de piso cimentado. Mas uma vaca, instalada num estbulo de ouro e pedras preciosas, no tem condies de sobrevivncia se no tiver comida. Como no posso impedir que voc construa um estbulo, a campo, pastando um honesto capim, que tanto pode ser48

fico meio constrangido de sugerir uma visita Fazenda Fortaleza, em Nova Odessa, SP, onde vi instalaes da melhor inteligncia para quem explora gado leiteiro de raa europia pura de origem. Informado de que a fazenda, que visitei nos anos 70, propriedade do Dr. Aloysio Faria, voc vai chegar a duas concluses precipitadas: primeira, de que estou elogiando as instalaes porque devo dinheiro ou favores ao Banco Real; segunda, que as instalaes so muito bem boladas porque o Aloysio milionrio. Creio que voc perdeu bela oportunidade de ficar sem concluir coisa alguma, porque no devo um ceitil ao Real, nem ponho l os ps, depois que os marrecos me recusaram um Realmaster. Por fim, o fato de ser o Aloysio um homem rico no quer dizer absolutamente nada, j que, em questes de pecuria leiteira, os milionrios so os que fazem as maiores besteiras, entre outros motivos porque tm o dinheiro para fazer. As instalaes que vi na Fazenda Fortaleza eram primorosas: valiam a visita. E desmitificavam o estbulo profissional, o que venho tentando fazer h trs ou quatro pginas. Outra visita que sempre recomendei, com o maior entusiasmo, era Fazenda Trs Barras, em Pitangueiras, SP. Quando reescrevo a terceira edio deste livro j no sei como ficaram aquelas instalaes, pois o Frigorfico Anglo, proprietrio da fazenda, sofreu modificaes em seu controle acionrio e a maioria de suas fazendas foi posta venda. verdade que as instalaes da Fazenda Trs Barras s funcionavam maravilha por causa da notria resistncia da raa pitangueiras ao meio tropical. De qualquer forma, funcionam com qualquer gado euroindiano, ou com gado puro sangue zebu. Suas bezerras, isto , as bezerras da fazenda que voc est montando, se forem mestias de zebu, vivero49

uma braquiria, quanto o meloso, o jaragu, o colonio, a estrela-africana, as bermudas, como pretendo explicar no devido tempo, quando tratar dos diversos aspectos da medicina veterinria. No, no se trata de erro de impresso: escrevi medicina veterinria, mesmo. que os veterinrios das bacias leiteiras tm insopitvel vocao para o exerccio da agrostologia,cincia normalmente restrita agronomia e zootecnia, talvez pelo fato de muitos deles freqentarem uma universidade onde tambm se ensinava a cincia agronmica. A contrapartida, isto , os agrnomos sempre dispostos a fazer uma operao cesariana e uma lavagem uterina, sendo embora menos freqente, tambm existe. Freud explica. Para aumentar a confuso, bom lembrar que os zootecnistas acusam agrnomos e veterinrios de se imiscurem nos assuntos da competncia exclusiva da cincia zootcnica. E o caldo entorna de vez quando voc, que s tirou o primrio completo, ou tem o mestrado em economia, o que mais ou menos a mesma coisa quando voc, fazendeiro de fim de semana, comear a opinar sobre adubao qumica, fisiopatologia da reproduo, nutrio de ruminantes e os testes de Rhoad. Falei que suas bezerras devem viver a pasto, o que no exclui a convenincia do arraoamento suplementar, sobretudo na primeira seca depois da desmama. A receita baseada em dois pressupostos: 1 existncia de pasto; 2 gado adaptado ao meio. Se voc no tem pastos, nem trabalha com um gado adaptado ao meio, e quer criar boas garrotas, vejo q u e estou diante de um candidato a fregus das multinacionais que dominaram o mercado das raes balanceadas.50

chegada a hora de instalarmos os seus bezerros. Alis, chegada a hora de eu ir dormir, porque passa de meia-noite e amanh preciso levantar cedo. Se voc tambm est cansado, sugiro que deixe a leitura do final deste captulo para amanh, porque vai levar nova bordoada em suas iluses arquitetnicas e a dose pode ser fatal. Boa noite. Amanh tem mais. Pronto: c estou de banho e caf tomados, barba feita, com o nmero 1 e o nmero 2 tempestivamente processados. Muitssimo a propsito do nmero 1, deixe-me contar-lhe o caso de um produtor de leite, o coronel Juca, que saiu em excurso automobilstica, nos anos 30, com seu amigo doutor Evaristo. As estradas eram de terra e pontificava o Ford de bigodes. Na frente, o doutor Evaristo com toda a famlia num Fordinho; atrs, o coronel Juca, mulher e filhos, noutro Fordinho. Quando passaram pela primeira cidade, o doutor Evaristo parou num botequim e a famlia inteira foi ao banheiro. Do carro do coronel no desceu ningum. Mais adiante, outro botequim e a turma do doutor Evaristo, em fila, no banheiro. O coronel e famlia, firmes, no arredavam p do Fordinho. Quando parou pela terceira vez, o doutor Evaristo lembrouse de perguntar: Como , seu Juca, ningum vai ao banheiro? E o excelente coronel, produtor de leite dos mais considerados das Gerais, gritou l do volante de seu carro: No senhor, doutor Evaristo. Meu pessoal, quando sai, j sai tudo cagado e mijado. Falvamos de qu? Ah, dos bezerros. J sei que voc no abre mo da construo de um bezerreiro, ainda que eu possa dizer que se trata de alojamento perfeitamente dispensvel. Dispensvel, como? perguntar o meu paciente leitor, certo de que est lendo um livrinho escrito por uma cavalgadura. Como dispensvel? se voc est farto de saber51

que os bezerreiros devem ter gaiolas individuais, com dois baldinhos pendurados em cada portinhola, com uma plaquinha de identificao do nascituro, tudo construdo dentro de um cmodo amplo, arejado, soalheiro e protegido dos ventos e das chuvas. assim que faz o Dr. Beltrano, criador famoso, com dois baldinhos estanhados diante de cada bezerro; assim que faz o Dr. Fulano, famoso e rico, muito caprichoso, o doutor,tanto assim que mandou fazer baldes de ao inoxidvel; assim que fazem todos os criadores, que passam por caprichosos e competentes na arte, difcil, alis, de produzir leite nos trpicos. Gaiolas... gaiolas... tpica da espcie humana essa mania de engaiolar os animais. Criam-se galinhas em gaiolas, coelhos em gaiolas, porcos em gaiolas, passarinhos em gaiolas. Salvo engano, de Desmond Morris, famoso zologo ingls, a seguinte constatao: Toda gaiola biologicamente imoral. Imoral... Sai dessa, meu bom produtor de leite: imoral, indecente, indigna, a gaiola dos bezerros nem ao menos eficiente, como a das galinhas. Criados em gaiolas, os bezerros esto sujeitos a uma srie de complicaes, quando, finalmente, so postos no cho, em contato com a realidade do ambiente. Criadores menos evoludos mantm seus bezerros em baias coletivas, sobre piso de palha, ou sobre ripado de ip, que das madeiras mais indicadas para o mister de construir ripados modelares. Eu tambm j tive bezerreiros com piso concretado, para ser usado com palha por cima. Escusado dizer que a palha, escassa, acaba sendo substituda pelo capim-gordura encharcado ainda das ltimas chuvas. J tive bezerreiros de ip, em ripado, tudo calculado de tal forma que o p do bezerrinho no entrasse no vo das ripas, por onde deveriam entrar o coc e o xixi. Deveriam, mas o coc acaba se acumulando sobre as ripas.52

Depois de ter visto centenas de bezerreiros de todos os materiais possveis e imaginveis, bambu, borracha, azulejo, tela de ao, peroba do campo, acabei por encontrar em Pindamonhangaba, SP, um bezerreiro genial, que apresentava sempre os melhores resultados zootcnicos e sanitrios: o pasto. A fazenda de Pinda trabalhava com gaiolas de madeira, feitas com madeira de marinha, tudo muito limpo, envernizado, higienizado, sem frestas nem arestas, num capricho total. Quando os bezerros eram postos no cho, depois de dois ou trs meses metidos nas tais gaiolas, davam marcha a r. Diante disso, o fazendeiro aposentou as tais gaiolas construdas pelo melhor marceneiro de So Paulo (estavam venda, quando a primeira edio deste livro foi publicada) e botou seus bezerros no pasto, desde o primeiro dia de vida. Mesmo trabalhando com gado holands puro de origem, das melhores e mais famosas linhagens americanas, o fazendeiro obtinha ndices de desenvolvimento dos bezerros iguais ou superiores aos norte-americanos: vi as fichas comparativas, com o padro da raa e as curvas de crescimento de cada animal. No sistema de Pinda, os bezerros mais novos eram protegidos do sol nas horas mais quentes do dia: num dos cantos do piquete h uma coberta rstica, sempre muito limpa. Os animais com mais de 20 dias tambm contavam com um rancho coberto de palha, muito limpo, piso de areia, mas ficava a seu critrio recorrer, ou no, sombra, nas horas mais quentes do dia. O resto era um piquete bem drenado, muito bem empastado, com um cochinho para mistura mineral, um bebedouro e uns cochos ao ar livre, que recebiam capim picado, feno e rao balanceada, tudo de acordo com o desenvolvimento dos animais, fmeas e machos, estes ltimos vendidos como reprodutores.53

O mtodo de Pinda, da Fazenda So Francisco da Boa Vista, deve ter sido abandonado com a morte do fazendeiro Fernando Alencar Pinto, depois das duas Inspeo de Produtos de Origem Animal, com a deliciosa sigla ETIPOA. 54

Os resultados obtidos eram excelentes e infinitamente melhores do que a fazenda conseguia, quando trabalhava com as tais gaiolas feitas em madeira de marinha. Duasvezes por dia, os bezerros eram amamentados num sistema de baldes dispostos em espinha-de-peixe, numa construo situada entre os vrios piquetes usados como bezerreiros. O fundamental, no mtodo de Pinda, que os bezerros ficavam no cho desde o primeiro dia de vida, um cho bem empastado, sem poas de lama, perfeitamente saudvel, porque desinfetado pelo sol, que continua sendo o melhor desinfetante que existe. Com bezerros mestios, ou com os indianos purosangue, o sistema de Pinda deve funcionar mil vezes melhor. De qualquer forma, o essencial ter piquetes muito bem gramados e empastados a base fsica para a criao de seus bezerrinhos, qualquer que seja a raa. Mistura mineral e gua de boa qualidade so indispensveis. Feno timo e rao balanceada deve ser fornecida de acordo com suas disponibilidades financeiras e os objetivos de sua criao, sempre tendo em vista a relao preo do leite/preo da rao. Na alimentao dos bezerros, no faz sentido substituir o leite pela rao, nos perodos em que esta ltima est mais cara do que o leite. Espero que o meu bom amigo no se esquea de dar um leitinho para o filho de sua vaca, que no tem culpa de ter nascido bezerro leiteiro, numa bacia leiteira, e logo na fazenda de um cidado que resolveu fazer economia na criao de bovinos jovens.

primeiras edies deste livro. Foi o que vi de melhor e mais inteligente, para criar bezerros. Mas tinha o inconveniente de ser muito simples, muito bvio, muito eficiente e muito pouco sofisticado. Vai da que a tecnologia leiteira tupiniquim resolveu inventar a criao de bezerros leiteiros em gaiolas individuais mveis, parecendo casinhas de cachorros, em que os bezerros ficam acorrentados, com direito a uma coleira, cada um na sua casinha. Abstraindo a trabalheira de mudar de lugar, todo santo dia ( fundamental), todas as casinhas, com cada um dos bezerrinhos acorrentados; a trabalheira de levar gua, leite e rao a cada uma das casinhas; o ridculo daquela cidade de bezerros acorrentados; o custo das casinhas e tudo mais possvel que, com as gaiolinhas loucas o criador obtenha resultados semelhantes aos alcanados, durante anos e anos, em Pinda, com os bezerros soltos nos pastos desde o primeiro dia de vida. Mas o mtodo da gaiolinha recomendado, at, por institutos de pesquisas srios, de relevantes servios prestados ao pas, como a Embrapa. E sofisticado. Da o sucesso que vem alcanando entre os criadores de gado europeu puro de origem. Se bem que a Embrapa, em matria de bezerros, j tenha inventado um sistema de lavar bezerreiros pelo mtodo da imerso que foi um desastre total. Conseguiu, a um s tempo, dar com os bezerros e os burros ngua.

Walter Pitkin e o leite tipo B O Produtor de Leite CCPL, maro de 1974.Num pas que j possuiu, ou possui ainda, em seu Ministrio da Agricultura, um rgo denominado Comisso Executiva da Mandioca, no chega a causar espanto a existncia de uma Equipe Tcnica de Padronizao, Classificao e 55

Inspeo de Produtos de Origem Animal, com a deliciosa sigla ETIPOA. E foi essa mesma ETIPOA que baixou as Instrues Sobre a Regulamentao da Produo do Leite Tipo B, trabalho admirvel pelo que encerra de lgica e vnculo com a realidade brasileira. Devidamente interpretadas pelos tcnicos encarregados da fiscalizao regional, as Instrues constituem a prova cabal da existncia de vida em outros planetas. Se algum ainda tinha dvidas sobre a existncia de vida em Marte, ou em Pluto, deixou de t-las com a leitura das Instrues e a notcia de sua interpretao em diversas regies do territrio brasileiro, todas inteiramente de acordo com a pecuria leiteira marciana. No sei se o meu bom leitor trabalha em zona que j p roduz o leite tipo B devidamente misturado com a inevitvel soluo de hipoclorito de sdio, em que os ordenhadores devem lavar as mos cerca de 1.500 vezes (!) por ms. O certo que todos os que se esto habilitando para a produo daquele tipo de leite j devem ter tomado conhecimento da obra da ETIPOA e da fria interpretativa dos tcnicos regionais, capazes de sustentar que lajotas de pedra rejuntadas no so similares do piso concretado; capazes, ainda, de exigir que um produtor pinte os caibros de seu estbulo com tinta a leo, enquanto seu vizinho autorizado a dar uma caiao e um terceiro vizinho, tambm candidato a produtor de leite tipo B, no precisa pintar coisa alguma. Evidentemente, instrues em 10 laudas no podem ser analisadas por inteiro no espao de uma crnica. Desde j me penitencio do crime de deixar passar sem comentrio alguma bobice importante. Mas os pontos principais, que vm dando teto para os vos interpretativos dos tcnicos regionais costumam ser os seguintes: 1) O curral deve ser devidamente cercado de rguas. Pronto: rgua e estamos conversados. Com isso, um fazendeiro que tinha seu curral cercado de cabos de ao que so o tipo de fecho mais eficiente e mais inteligente que existe, porque os cabos so resistentes, durveis, higinicos e tudo mais foi obrigado a substituir a cordoalha de ao por uma rgua mambembe, que lasca e fere uma vaca ao primeiro esbarro. 2) Desaconselha-se o uso do canzil de madeira. E eu pergunto qual a relao exis