as três versões do neo-institucionalismo

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O termo “neo-institucionalismo” é utilizado na ciência política para designar uma perspectiva teórica que atrai muita atenção e também certas críticas. Reina, contudo, grande confusão no que concerne ao senti- do preciso do termo, às diferenças que o distinguem de outros procedi- mentos, e ao tipo de esperanças e de problemas que ele suscita. Pretende- se aqui fornecer algumas respostas provisórias a essa questão mediante um exame de alguns trabalhos representativos dessa escola na sua fase de expansão, nos anos 80 até meados dos anos 90. Uma grande parte da confusão que cerca o neo-institucionalis- mo desaparece quando se admite que ele não constitui uma corrente de pensamento unificada. Ao contrário, pelo menos três métodos de análise diferentes, todos reivindicando o título de “neo-institucionalismo”, apare- ceram de 1980 em diante. Designaremos essas três escolas de pensamento como institucionalismo histórico, institucionalismo da escolha racional e institucionalismo sociológico 1 . Esses diferentes métodos desenvolveram- se como reação contra as perspectivas behavioristas, que foram influentes AS TRÊS VERSÕES DO NEO-INSTITUCIONALISMO * PETER A. HALL ROSEMARY C. R. TAYLOR * “Political Science and the three New Institutionalisms”. Publicado originalmente em Political Studies, dec. 1996. Uma primeira versão foi apresentada pelos autores em 1994, no congresso da American Political Science Association e numa reunião no mesmo ano na Universidade de Maryland, sobre “What is Institutionalismo Now?”. Os autores agradecem o apoio do Stanford Center for Organizations Research e do Center for the Advanced Study in the Behavioral Sciences da mesma universidade. Tradução de Gabriel Cohn. 1 Em princípio seria possível identificar uma quarta escola, o “neo-institucionalismo” em Economia. No entanto, ele teria muito em comum com o institucionalismo da escolha racional, razão pela qual o tratamos na mesma rubrica no espaço deste artigo. Uma análise mais extensa poderia observar que o IER insiste de preferência na interação estratégica, ao passo que o neo-institucionalismo em Economia privilegia os direitos de propriedade, as ren- das e os mecanismos de seleção competitiva. Veja-se T. Eggertsson. Economic Behavior and Institutions. Cambridge University Press, 1990, e L. Putterman (ed) The Economic Nature of the Firm. Cambridge University Press, 1986.

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  • O termo neo-institucionalismo utilizado na cincia polticapara designar uma perspectiva terica que atrai muita ateno e tambmcertas crticas. Reina, contudo, grande confuso no que concerne ao senti-do preciso do termo, s diferenas que o distinguem de outros procedi-mentos, e ao tipo de esperanas e de problemas que ele suscita. Pretende-se aqui fornecer algumas respostas provisrias a essa questo mediante umexame de alguns trabalhos representativos dessa escola na sua fase deexpanso, nos anos 80 at meados dos anos 90.

    Uma grande parte da confuso que cerca o neo-institucionalis-mo desaparece quando se admite que ele no constitui uma corrente depensamento unificada. Ao contrrio, pelo menos trs mtodos de anlisediferentes, todos reivindicando o ttulo de neo-institucionalismo, apare-ceram de 1980 em diante. Designaremos essas trs escolas de pensamentocomo institucionalismo histrico, institucionalismo da escolha racional einstitucionalismo sociolgico1. Esses diferentes mtodos desenvolveram-se como reao contra as perspectivas behavioristas, que foram influentes

    AS TRS VERSES DONEO-INSTITUCIONALISMO*

    PETER A. HALLROSEMARY C. R. TAYLOR

    *Political Science and the three New Institutionalisms. Publicado originalmente em Political

    Studies, dec. 1996. Uma primeira verso foi apresentada pelos autores em 1994, no congressoda American Political Science Association e numa reunio no mesmo ano na Universidade deMaryland, sobre What is Institutionalismo Now?. Os autores agradecem o apoio do StanfordCenter for Organizations Research e do Center for the Advanced Study in the BehavioralSciences da mesma universidade. Traduo de Gabriel Cohn. 1 Em princpio seria possvel identificar uma quarta escola, o neo-institucionalismo emEconomia. No entanto, ele teria muito em comum com o institucionalismo da escolharacional, razo pela qual o tratamos na mesma rubrica no espao deste artigo. Uma anlisemais extensa poderia observar que o IER insiste de preferncia na interao estratgica, aopasso que o neo-institucionalismo em Economia privilegia os direitos de propriedade, as ren-das e os mecanismos de seleo competitiva. Veja-se T. Eggertsson. Economic Behavior andInstitutions. Cambridge University Press, 1990, e L. Putterman (ed) The Economic Nature ofthe Firm. Cambridge University Press, 1986.

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    UsurioNotaAs trs verses - pois o neo-institucionalismo no corresponde a uma corrente de pensamento unificada, pelo contrrio aps 1980 surgiram trs correntes reivindicando este ttulo.

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    UsurioNotaTambm designado comportamentismo diz respeito a um conjunto de teorias que postulam o comportamento como o objeto mais adequado de estudo da Psicologia. O comportamento definido por meio de unidades analticas respostas e estmulos...anlise do comportamento.

  • nos anos 60 e 70. Todas elas buscam elucidar o papel desempenhado pelasinstituies na determinao de resultados sociais e polticos. As imagensque apresentam do mundo poltico, contudo, so muito diferentes.

    Exporemos em seguida a gnese de cada uma dessas escolas edefiniremos, tambm em termos sucintos, o que distingue suas maneiras detratar dos problemas sociais e polticos. Em seguida, vamos comparar asforas e fraquezas tericas dessas trs escolas de pensamento, com especialateno atitude de cada qual em face de duas questes que deveriam serfundamentais em toda anlise institucional : (1) como construir a relaoentre instituio e comportamento; (2) como explicar o processo pelo qualas instituies surgem ou se modificam.

    Considerando-se os objetos que elas tm em comum, para-doxal que essas trs escolas de pensamento tenham se desenvolvido demodo independente, ao menos a julgar pela escassez de refernciascruzadas na literatura. Em conseqncia, um dos nossos principais cuida-dos consiste em nos perguntar o que cada uma delas poderia aprender dasoutras. Na concluso, formulamos a questo sobre a medida em que seriapossvel sintetizar suas respectivas contribuies.

    O INSTITUCIONALISMO HISTRICO

    O institucionalismo histrico desenvolveu-se como reao contraa anlise da vida poltica em termos de grupos e contra o estruturo-fun-cionalismo, que dominavam a cincia poltica nos anos 60 e 702. Eleemprestou esses dois mtodos enquanto se empenhava em ultrapass-los.Seus tericos retinham do enfoque dos grupos a idia de que o conflito entregrupos rivais pela apropriao de recursos escassos central vida poltica,mas buscavam melhores explicaes, que permitissem dar conta das situa-es polticas nacionais e, em particular, da distribuio desigual do poder edos recursos3. Eles encontraram essa explicao no modo como a organiza-o institucional da comunidade poltica e das estruturas econmicas entramem conflito, de tal modo que determinados interesses so privilegiados emdetrimento de outros. Nisso eles se inspiraram numa tradio mais antiga da

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    2 Emprestamos o termo institucionalismo histrico a S. Steinmo et al., Structuring Politics.Historical Institutionalism in Comparative Analysis. Cambridge University Press, 1992.3 Aqui, por necessidade, faz-se uma exposio excessivamente sinttica de desenvolvimentosmltiplos e complexos. Para mais detalhes, ver Ronald Chilcote, Theories of ComparativePolitics. Boulder. Westview, 1981, e J. Bill and R. L. Hardgrave, Jr., Comparative Politics.Washington. University of America Press, 1981.

    UsurioNotaChama ateno de Hall e Taylor o fato destas escolas de pensamento terem se desenvolvido de forma to independente inclusive no que se refere a literatura utilizada. Os autores se pergunta de que maneira elas poderiam aprender das outras o que ele tentar fazer na concluso.

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    cincia poltica, que atribui importncia s instituies polticas oficiais aomesmo tempo que desenvolve uma concepo mais ampla das instituiesque tm importncia e do modo como essa importncia se manifesta4.

    Esses tericos foram igualmente influenciados pela concepo,prpria aos estruturo-funcionalistas, da comunidade poltica como sistemaglobal composto de partes que interagem5. Eles aceitavam esse princpio,mas criticavam a tendncia de numerosos estruturo-funcionalistas a consi-derar as caractersticas sociais, psicolgicas ou culturais dos indivduos comoos parmetros responsveis por uma boa parte do funcionamento do sistema.Consideravam, ao contrrio, que a organizao institucional da comunidadepoltica ou a economia poltica era o principal fator a estruturar o comporta-mento coletivo e a estruturar resultados distintos. Em conseqncia, privile-giavam o estruturalismo inerente s instituies da comunidade poltica depreferncia ao funcionalismo das teorias anteriores, que consideravam assituaes polticas como respostas s exigncias funcionais do sistema.

    O estruturo-funcionalismo e as teorias dos conflitos entre gruposapresentavam-se tambm sob a forma de variantes pluralistas e neomarxis-tas, e os debates referentes a essas ltimas tiveram papel particularmentedeterminante no desenvolvimento do institucionalismo histrico ao longodos anos 706. Em particular, conduziram numerosos deles a dedicar umaateno particular ao Estado, que no era mais um agente neutro arbitrandoentre interesses concorrentes, mas um complexo de instituies capaz deestruturar a natureza e os resultados dos conflitos entre os grupos7. Poucotempo depois, os tericos dessa escola comearam a examinar como outrasinstituies sociais e polticas, a exemplo daquelas associadas organizaodo capital e do trabalho, podiam estruturar as interaes sociais de modo aengendrar situaes polticas e econmicas prprias a cada pas8. Vriosdesses trabalhos trazem comparaes transnacionais ou estudos comparados4 Veja-se H. Eckstein and D. Apter (ed.), Comparative Politics. Glencoe. Free Press, 1963.5 Para uma sntese notvel, veja-se G. Almond e G. Bigham Powell, Jr., Comparative Politics A Developmental Approach. Boston. Little Brown, 1956.6 Veja-se R. Blackburn (ed.) Idelology and Social Sciences. London. Fontana, 1972, cap. 11;F. Block, Revising State Theory. Philadelphia. Temple University Press, 1987; M. Carnoy, TheState and Political Theory. Princeton University Press, 1984.7 Veja-se P. Evans et al. (ed.) Bringing the State Back In. Cambridge University Press, 1985;S. Krasner, Defending the National Interest. Princeton University Press, 1980; P. Katzenstein(ed) Between Power and Plenty. Madison. University of Wisconsin Press, 1978.8 Isso deu margem a aproximaes significativas com a literatura referente ao neo-corpora-tivismo. Veja-se J. Zysman, Governments, Markets and Growth. Berkeley. University ofCalifornia Press, 1983; Ph. Schmitter and G. Lembruch (ed.) Patterns of Corporativist Policy-Making. Beverly Hills. Sage, 1982; P. A. Hall, Governing the Economy The Politics os StateIntervention in Britain and France. Oxford. Polity, 1986.

    UsurioNotaOs tericos do institucionalismo histrico desenvolveram sua corrente de pensamento contra outras duas o estrututo-funcionalismo e a anlise da vida poltica em termos de grupo, no entanto fizeram uso delas para construir sua perspectiva terica considerando uma parte e refutando outra.

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  • de polticas pblicas, em geral dando nfase ao impacto das instituiespolticas nacionais, incluindo aquelas que estruturam as relaes entre legis-ladores, os interesses organizados, o eleitorado e o poder judicirio9. Umaimportante literatura secundria no domnio da economia poltica compara-tiva estende essas anlises aos movimentos de trabalhadores, s organizaespatronais e aos sistemas financeiros de diversos pases10.

    Como os tericos do institucionalismo histrico defineminstituio? De modo global, como os procedimentos, protocolos, normase convenes oficiais e oficiosas inerentes estrutura organizacional dacomunidade poltica ou da economia poltica. Isso se estende-se das regrasde uma ordem constitucional ou dos procedimentos habituais de funciona-mento de uma organizao at s convenes que governam o comporta-mento dos sindicatos ou as relaes entre bancos e empresas. Em geral,esses tericos tm a tendncia a associar as instituies s organizaes es regras ou convenes editadas pelas organizaes formais11.

    Com relao s outras escolas aqui examinadas, quatro carac-tersticas prprias quela que acabamos de descrever so relativamente ori-ginais. Em primeiro lugar, esses tericos tendem a conceituar a relao entreas instituies e o comportamento individual em termos muito gerais.Segundo, elas enfatizam as assimetrias de poder associadas ao funciona-mento e ao desenvolvimento das instituies. Em seguida, tendem a formaruma concepo do desenvolvimento institucional que privilegia as traje-trias, as situaes crticas e as conseqncias imprevistas. Enfim, elas bus-cam combinar explicaes da contribuio das instituies determinaode situaes polticas com uma avaliao da contribuio de outros tipos defatores, como as idias, a esses mesmos processos. Desenvolvamos breve-mente cada um desses pontos12.

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    9 Veja-se S. Steinmo et al. (ed.) Structuring Politics, citado, e R. Kent Weaver and B. A.Rockman (ed.) Do Institutions Matter?. Washington. Brookings, 1993.10 Veja-se J. Goldthorpe (ed.) Order and Conflit in Contemporary Capitalism. CambridgeUniversity Press, 1984; D. Soskice, Wage Determination. The Changing Role of Institutions inAdvanced Industrialized Countries. Oxford Review of Economic Policy, 6, 1990, 4, pp. 36-61;F. Scharpf, Crisis and Choice in Social Democracy. Ithaca. Cornell University Press, 1992.11 Veja-se K. Thelen e S. Steinmo, Historical Institutionalism in Comparative Politics, emS. Steinmo et al. (ed.) Structuring Politics, citado; P. A. Hall, Governing the Economy, cita-do, p. 19. Como exemplo de concepo mais ampla veja-se J. Ikenberry, Conclusion: anInstitutional Approach to American Foreign Policy, em J. Ikenberry et al. (ed.) The State andAmerican Foreign Policy. Ithaca. Cornell University Press, 1988, p. 226.12 Para uma sntese excelente da qual nos valemos na nossa anlise, veja-se J. Ikenberry,Historys Heavy Hand: Institutions and the Politics of the State, comunicao apresentadaem 1994 reunio What is Institutionalism Now?, na Universidade de Maryland.

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    Uma questo crucial para toda anlise institucional a seguinte:como as instituies afetam o comportamento dos indivduos? Afinal, emltima anlise por intermdio das aes de indivduos que as instituiesexercem influncia sobre as situaes polticas. De modo geral, os neo-institucionalistas fornecem dois tipos de resposta a essa questo, que po-deramos designar como a perspectiva calculadora e a perspectiva cul-tural. Cada uma delas responde de modo ligeiramente diferente a trsquestes bsicas: como os atores se comportam, que fazem as instituies,por que as instituies se mantm?

    Para responder primeira dessas trs questes, os partidrios daperspectiva calculadora do nfase aos aspectos do comportamentohumano que so instrumentais e orientados no sentido de uma clculoestratgico. Eles postulam que os indivduos buscam maximizar seu rendi-mento com referncia a um conjunto de objetivos definidos por umafuno de preferncia dada e que, ao faz-lo, eles adotam um comporta-mento estratgico, vale dizer, que eles examinam todas as escolhas pos-sveis para selecionar aquelas que oferecem um benefcio mximo. Emgeral, os objetivos ou preferncias do autor so definidos de maneira ex-gena com relao anlise institucional.

    Que fazem as instituies, segundo a perspectiva calculadora?Elas afetam os comportamentos em primeiro lugar ao oferecerem aosatores uma certeza mais ou menos grande quanto ao comportamento pre-sente e vindouro dos outros atores. Essa formulao exprime bem o papelcentral que reservado interao estratgica nessas anlises. Mais precisa-mente, as instituies podem fornecer informaes concernentes ao com-portamento dos outros, aos mecanismos de aplicao de acordos, s pena-lidades em caso de defeco, etc. Mas o ponto central que elas afetam ocomportamento dos indivduos aos incidirem sobre as expectativas de umator dado no tocante s aes que os outros atores so suscetveis derealizar em reao s suas prprias aes ou ao mesmo tempo que elas.

    A perspectiva cultural trata dessas questes de modo dife-rente, ao sublinhar at que ponto o comportamento jamais inteiramenteestratgico, mas limitado pela viso do mundo prpria ao indivduo. Emoutros termos, embora reconhecendo que o comportamento humano racional e orientado para fins, ele enfatiza o fato de que os indivduosrecorrem com freqncia a protocolos estabelecidos ou a modelos de com-portamento j conhecidos para atingir seus objetivos. Ela tende a conside-rar os indivduos como satisficers mais do que como optimizers em buscada maximizao da sua utilidade, e a enfatizar a que ponto a escolha de

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  • uma linha de ao depende da interpretao de uma situao mais do quede um clculo puramente utilitrio.

    Que fazem as instituies? Desse ponto de vista, as instituiesfornecem modelos morais e cognitivos que permitem a interpretao e a ao.O indivduo concebido como uma entidade profundamente envolvida nummundo de instituies composto de smbolos, de cenrios e de protocolos quefornecem filtros de interpretao, aplicveis situao ou a si prprio, a par-tir das quais se define uma linha de ao. No somente as instituies for-necem informaes teis de um ponto de vista estratgico como tambm afe-tam a identidade, a imagem de si e as preferncias que guiam a ao13.

    interessante ter em vista que esses dois enfoques fornecem expli-caes diferentes do fato de que os modelos normalizados de comportamen-to que associamos s instituies exibem uma inegvel continuidade ao longodo tempo14. A perspectiva calculadora sugere que as instituies se mantmporque elas realizam algo da ordem de um equilbrio de Nash. Em outros ter-mos, os indivduos aderem a esses modelos de comportamento porque o indi-vduo perder mais ao evit-los do que ao aderir a eles15. Segue-se disso que,quanto mais uma instituio contribui para resolver dilemas relativos aocoletiva, ou quanto mais ela torna possveis os ganhos resultantes de trocas,mais ela ser robusta16. Por seu lado, a perspectiva cultural, explica a per-sistncia das instituies ao enfatizar que muitas das convenes ligadas sinstituies sociais no podem ser o objeto explcito de decises individuais.Pelo contrrio, enquanto componentes elementares a partir das quais a aocoletiva elaborada, certas instituies so to convencionais ou so to

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    13 Para uma descrio particularmente penetrante dessa posio, veja-se J. March and J. P. Olsen,Rediscovering Institutions. The Organizational Basis of Politics. New York. Free Press, 1989.14 Pode-se tambm ver nelas respostas dimenso mais importante do problema das relaesentre estrutura e agente, a saber: como se pode dizer de uma instituio que ela estrutura a aohumana, num sentido mais ou menos determinista, de modo a produzir um modelo normalizadode comportamento, quando habitualmente a existncia de instituies depende ela mesma da pre-sena desses modelos de comportamento e, em conseqncia, da disposio dos atores a com-portar-se de uma certa maneira. O problema consiste em exprimir simultaneamente o carter vo-luntrio e determinista dessas instituies. Para uma anlise mais geral desses problemas, veja-seA. Giddens, Central Problems in Social Theory. London. Macmillan, 1978. 15 Para uma exposio radical desse ponto de vista, veja-se R. L. Calvert, The RationalChoice Theory of Social Institutions, em J. S. Banks e E. A. Hanushek (ed.) ModernPolitical Economy. Cambridge University Press, 1995, pp. 216-266.16 A esse argumento Kenneth Shepsle adicionou a observao de que os atores hesitaro emmudar as regras institucionais porque, ainda que uma reforma pudesse permitir-lhes um ganhoimediato ligado ao contexto atual, eles enfrentam grandes incertezas no tocante ao impactodas novas regras sobre decises ainda no previstas. Veja-se K. A. Shepsle, InstitutionalEquilibrium and Equilibrium Institutions, em H. F. Weisberg (ed.) Political Science. TheScience of Politics. New York. Agathon, 1986, pp. 51-81.

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    usuais que escapam a todo questionamento direto e, enquanto construescoletivas, no podem ser transformadas de um dia para o outro pela simplesao individual. Em suma, as instituies resistem a serem postas radical-mente em causa porque elas estruturam as prprias decises concernentesuma eventual reforma que o indivduo possa adotar17

    Os tericos do institucionalismo histrico recorrem a ambas essasperspectivas quando tratam da relao entre instituies e aes na suaanlise. Ellen Immergut, por exemplo, explica as diferenas entre pases emmatria de reforma do sistema de sade pelo grau em que os agrupamentos demdicos esto dispostos a compor com os partidrios da reforma, e liga issoao modo como a estrutura institucional do sistema poltico afeta as expectati-vas desses grupos no tocante s possibilidades de sucesso no caso de con-testarem uma deciso que no lhes conviesse18. Sua anlise repousa sobre umprocedimento calculador clssico. Victoria C. Hattam emprega um enfoquesemelhante quando afirma que o poder estabelecido do poder judicirio con-duziu o movimento trabalhista norte-americano a abandonar estratgias quecorriam o risco de serem derrubadas pela reviso judicial. Entretanto, comonumerosos tericos dessa escola, ela vai mais longe ao examinar o modocomo as diferenas do contexto institucional nos Estados Unidos e na GrBretanha suscitaram movimentos trabalhistas ligados a vises de mundomuito diferentes. Esse tipo de anlise sugere que as estratgias induzidas porum contexto institucional dado podem fossilizar-se ao longo do tempo etornar-se vises de mundo, que so propagadas por organizaes oficiais e ter-minam por moldar a imagem de si e as preferncias dos interessados19.

    A segunda propriedade notvel do institucionalismo histricoconsiste na importncia que atribui ao poder, em particular s relaes depoder assimtricas. Todos os estudos institucionais tm incidncia diretasobre relaes de poder. De fato, possvel ver nisso um esforo de eluci-dao da segunda e da terceira dimenses do poder identificadas halguns anos no curso do debate sobre o poder nas comunidades locais20.

    17 Para uma crtica radical, que toma essa anlise como ponto de partida para ultrapass-laamplamente, veja-se R. Grafstein, Institutional Realism. Social and Political Constraints onRational Actors. New Haven. Yale University Press, 1992.18 E. Immergut, Health Politics. Interests and Institutions in Western Europe. CambridgeUniversity Press, 1992.19 V. C. Hattam. Labor Visions and State Power. The Origins of Business Unionism in theUnited States. Princeton University Press, 1993.20 Veja-se S. Lukes, Power: a Radical View. London. Macmillan, 1972, e J. Gaventa, Powerand Powerlessness. Quiscence and Rebellion in an Appalachian Valey. Urbana. University ofIllinois Press, 1980.

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  • Mas os tericos do institucionalismo histrico prestaram ateno sobretu-do ao modo como as instituies repartem o poder de maneira desigualentre os grupos sociais. Assim, ao invs de basear seus cenrios sobre aliberdade dos indivduos de firmar contratos, eles preferem postular ummundo onde as instituies conferem a certos grupos ou interesses umacesso desproporcional ao processo de deciso. Alm disso, ao invs deinvestigar em que medida uma situao dada beneficia a todos, eles tendema insistir no fato de que certos grupos sociais revelam-se perdedores,enquanto outros so ganhadores. Sven Steinmo, por exemplo, explica asdiferenas entre pases em matria de poltica fiscal em termos da maneiracomo as instituies polticas estruturam as categorias de interesse sociaismais suscetveis de serem representadas no processo de deciso21. Nodomnio da poltica econmica nos Estados Unidos, Margaret Weirmostrou como a estrutura do sistema poltico favorece a constituio decertas condies sociais em detrimento de certas outras22.

    Os adeptos do institucionalismo histrico tambm vinculam-seestreitamente a uma concepo particular do desenvolvimento histrico.Tornaram-se ardentes defensores de uma causalidade social dependente datrajetria percorrida, path dependent, ao rejeitarem o postulado tradicionalde que as mesmas foras ativas produzem em todo lugar os mesmos resul-tados em favor de uma concepo segundo a qual essas foras so modifi-cadas pelas propriedades de cada contexto local, propriedades essas her-dadas do passado. Como seria de esperar-se, as mais importantes dessaspropriedades so consideradas como de natureza institucional. As insti-tuies aparecem como integrantes relativamente permanentes da pai-sagem da histria, ao mesmo tempo que um dos principais fatores quemantm o desenvolvimento histrico sobre um conjunto de trajetos23.

    Em conseqncia, os adeptos do institucionalismo histrico ten-taram explicar como as instituies produzem esses trajetos, vale dizer,como elas estruturam a resposta de uma dada nao a novos desafios. Osprimeiros tericos enfatizaram o modo como as capacidades do Estado e

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    21 S. Steinmo. Taxation and Democracy. Swedish, British and American Approaches toFinancing the Modern State. New Haven. Yale University Press, 1993.22 M. Weir. Ideas and the Politics of Bounded Innovation, em S. Steinmo et al., StructuringPolitics, citado, pp. 188-216.23 Veja-se D. Collier e R. Collier, Shaping the Political Arena. Princeton University Press, 1991;M. Downing, The Military Revolution and Political Change.Origins of Democracy andAutocracy in Early Modern Europe. Princeton University Press, 1992; S. Krasner, Sovereignty:an Institutional Perspective, Comparative Political Studies, 21, 1988, pp. 66-94.

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    as polticas herdadas existentes estruturam as decises ulteriores24.Outros insistem no modo pelo qual as polticas adotadas no passado condi-cionam as polticas ulteriores, ao encorajarem as foras sociais a se orga-nizar segundo certas orientaes de preferncia a outras, a adotar identi-dades particulares, ou a desenvolver interesses em polticas cujo abandonoenvolveria um risco eleitoral25. Em numerosos casos esses tericos insis-tem em especial nas conseqncias imprevistas de instituies existentes edas insuficincias que elas produzem, opondo-se assim imagem quemuitos economistas propem da criao institucional26.

    No mesmo esprito, numerosos tericos dessa escola tendem a dis-tinguir no fluxo dos eventos histricos perodos de continuidade e situaescrticas, vale dizer, momentos nos quais mudanas institucionais importantesse produzem, criando desse modo bifurcaes que conduzem o desenvolvi-mento por um novo trajeto27. O principal problema consiste evidentementeem explicar o que provoca as situaes crticas, e em geral os tericos insis-tem no impacto das crises econmicas e dos conflitos militares28.

    Enfim, embora chamem a ateno para o papel das instituiesna vida poltica, raro que os tericos do institucionalismo histricoafirmem que as instituies so o nico fator que influencia a vida polti-ca. De moldo geral, procuram situar as instituies numa cadeia causal quedeixe espao para outros fatores, em particular os desenvolvimentos socio-econmicos e a difuso das idias. Desse ponto de vista, apresentam ummundo mais complexo que o universo de preferncias e de instituies comfreqncia postulado pelos tericos da escola da escolha racional. Em par-ticular, mostraram-se no raro atentos s relaes entre as instituies e as24 Veja-se M. Weir e Theda Skocpol, State Structures and the Possibility for KeynesianResponse to the Great Depression in Swede, Britain and the Unites States, em P. Evans et al.,Bringing the State Back In, citado, pp. 107-163.25 Veja-se P. Pierson, Dismantling the Welfare State?. Cambridge University Press, 1994, e,do mesmo autor, When Effect Becomes Cause. Policy Feedback and Political Change.Worlld Politics, 45, 1993, 4, pp. 595-628; J. Jenson, Paradigms and Political Discourse.Protective Legislation in France and the Unites States before 1914, Canadian Journal ofPolitical Science, 22, 1989, pp. 235-258; I. Katznelson, City Trenches. Urban Politics and thePatterning of Class in the United States. New York. Pantheon Books, 1981.26 Veja-se J. March e J.P. Olsen, The New Institutionalism. Organizational Factors inPolitical Life. American Political Science Review, 78, 1984, pp. 734-749, e D. C. North,Institutions, Institutional Change and Economic Performance. Cambridge University Press,1990.27 Veja-se P. A. Gourevitch, Politics in Hard Times. Ithaca, Cornell University Press, 1986;D. Collier e R. Collier, Shaping the Political Arena, citado, e S. Krasner, Approaches to theState. Comparative Politics, 1984, pp. 223-246.28 Esse ponto ainda no recebeu toda a ateno que merece. Veja-se, no entanto, Th. Skocpol,States and Social Revolutions. Cambridge University Press, 1979.

  • idias ou as crenas. Judith Goldstein, por exemplo, mostra como a estru-tura institucional montada para elaborar a poltica comercial dos EstadosUnidos tende a reforar o impacto de certas idias em matria de comrcioenquanto prejudica outras, e Margaret Weir sustenta que as diferenasestruturais que distinguem os sistemas polticos britnico e norte-ameri-cano contribuem para explicar porque o keynesianismo no tem o mesmoimpacto sobre as polticas levadas a efeito nos dois pases, e porque suainfluncia no teve a mesma durao neles29

    O INSTITUCIONALISMO DA ESCOLHA RACIONAL

    Um fato curioso da cincia poltica contempornea o desen-volvimento relativamente recente de um segundo neo-institucionalismoparalelo ao institucionalismo histrico. Na origem, o institucionalismo daescolha racional surgiu no contexto do estudo de comportamentos no inte-rior do Congresso dos Estados Unidos. Ele inspirou-se, em larga medida,na observao de um paradoxo significativo. Se os postulados clssicos daescola da escolha racional so exatos, deveria ser difcil reunir maioriasestveis para votar leis no Congresso norte-americano, onde as mltiplasescalas de preferncia dos legisladores e o carter multidimensional dasquestes deveriam rapidamente gerar ciclos, nos quais cada nova maioriainvalidaria as leis propostas pela maioria precedente30. No entanto, asdecises do Congresso so de notvel estabilidade. No final dos anos 70,os tericos da teoria da escolha racional comearam a se interrogar comoessa anomalia poderia ser explicada.

    Eles buscaram uma resposta pelo lado das instituies. Muitospuseram-se a afirmar que a existncia de maiorias estveis em matria delegislao se explicava pelo modo como as regras de procedimento e ascomisses do Congresso estruturam as escolhas e as informaes de que

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    29 Veja-se J. Goldstein, Ideas, Institutions and American Trade Polity. InternationalOrganization, 42, 1988, 1, pp. 179-217; M. Weir, Ideas and Politics: the Acceptance osKeynesianism in Britain and the United States, em P. A. Hall (ed) The Political Power ofEconomic Ideas. Princeton University Press, 1989, pp. 53-86; K. S. Sikking, Ideas andInstitutions. Developmentalism in Brazil and Argentina. Ithaca. Cornell University Press, 1991.30 O texto fundamental de W. Riker, Implications from the Disequilibrium of MajorityRule for the Study of Institutions. American Political Science Review, 74, 1980, pp. 432-447.Veja-se tambm R.McCelvey, Instransivities in Multidimensional Voting Models and someImplications for Agenda Control. Journal of Economic Theory, 12, 1976, pp. 472-482 e J.Ferehjohn e M. Fiorina, Purposive Models of Legislative Behavior. American EconomicReview. Papers and Proceedings, 65, 1975, pp. 407-415.

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    dispem seus membros31. Algumas dessas regras permitem fixar a pautade modo a limitar o surgimento de decises submetidas ao voto dos re-presentantes. Outras atribuem a responsabilidade das questes-chave acomisses estruturadas de modo a servir aos interesses eleitorais dosmembros do Congresso, ou produzem mecanismos de adoo de leis quefacilitam a negociao entre parlamentares. No conjunto, explicava-se queas instituies do Congresso diminuem os custos de transao ligados concluso de acordos, de modo a propiciar aos parlamentares os benef-cios da troca, permitindo a adoo de leis estveis. Na prtica, as institui-es resolvem uma grande parte dos problemas de ao coletiva enfrenta-dos pelos legisladores32.

    Como se v, os tericos da escola da escolha racional impor-taram de maneira fecunda no domnio da cincia poltica recursos tericosemprestados nova economia da organizao, que insiste na importn-cia dos direitos de propriedade, das rendas e dos custos de transao parao desenvolvimento e o funcionamento das instituies33. Uma tese parti-cularmente influente foi a desenvolvida por Oliver Williamson, para quemo desenvolvimento de uma dada instituio, por exemplo os aspectos orga-nizacionais de uma empresa, podem ser compreendidos como um esforopara reduzir os custos de transao ligados ao fato de empreender a mesmaatividade sem passar por essa instituio34 . Douglas C. North aplicou tesessimilares histria das instituies polticas35 Enfim, as teorias da ao,que se interessam pelos mecanismos institucionais pelos quais principaispodem exercer controle sobre a atividade e a obedincia de seus agentes,revelaram-se extremamente teis para compreender como o Congressopode estruturar suas comisses ou suas relaes com as autoridades admi-nistrativas independentes que supervisiona36.

    31 K. A. Shepsle, Institutional Equilibrium and Equilibrium Institutions, citado [nota 16] e,do mesmo autor, Studying Institutions. Some Lessons from the Rational Choice Approach.Journal of Theoretical Politics, 1, 1989, 2, pp. 131-147. 32 Veja-se B. Weingast e W. Marshall, The Industrial Organization of Congress. Journal ofPolitical Economy, 96, 1988, 1, pp. 132-163. 33 Dois artigos fundamentais so: T. Moe, The New Economics of Organization. AmericanJournal of Political Science, 28, 1984, pp. 739-777; B. Weingast e W. Marshall, TheIndustrial Organization of Congress, citado [nota 32]. 34

    Williamson. Markets and Hierarchies. New York. Free Press, 1975, e, do mesmo autor, TheEconomic Institutions of Capitalism. New York, Free Press, 1985. 35 D. C. North e P. Thomas. The Rise of the Western World. Cambridge University Press, 1973.36 P. Milgrom e J. Roberts. Economics, Organization and Management. New York, Prentice-Hall, 1992; J. W. Pratt e R. Zeckhauser. Principals and Agents. Boston, Harvard BusinessSchool Press, 1991.

  • Multiplicaram-se, nessas condies, os trabalhos sobre o poderlegislativo americano inspirados pela teoria da escolha racional37. Demaneira geral, esses trabalhos buscam explicar como os regulamentos doCongresso afetam o comportamento dos legisladores e por que foram adota-dos, com especial ateno ao sistema de comisses do Congresso e srelaes entre o Congresso e as autoridades administrativas independentes.Mais recentemente, Gary W. Cox e Mathew D. McCubbins tentaram deslo-car o debate mediante a nfase no modo como os partidos polticos estrutu-ram as deliberaes. John Ferejohn vem-se dedicando ao exame das relaesentre o Congresso e os tribunais, e um debate animado desenvolveu-se sobrea capacidade do Congresso de enquadrar as autoridades administrativas38.

    Por outro lado, a partir dos anos 90 os tericos da escola da esco-lha racional interessaram-se tambm pela explicao de um certo nmero deoutros fenmenos polticos, entre os quais o comportamento das coalizessegundo os pases, o desenvolvimento histrico das instituies polticas e aintensidade dos conflitos tnicos39. Adam Przeworski, Barbara Geddes, GaryMarks e outros autores analisam as transies para a democracia segundo omodelo da teoria dos jogos40; George Tsebelis e outros estudam as conse-qncias da reforma institucional no seio da Unio Europia41; pesqui-

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    37 Coletneas de trabalhos representativos dessa safra so: M. D. McCubbins e T. Sullivan(ed.) Congress: Structure and Policy. Cambridge University Press, 1987 e o nmero demaio/1994 de Legislative Studies Quarterly.38 Veja-se G. W. Cox e M. D. McCubbins, Legislative Leviathan. Berkeley, University ofCalifornia Press, 1987; J. Ferejohn, Law, Legislation and Positive Political Theory, em J. S.Banks e E. A. Hanushek (ed.) Modern Political Economy, citado, pp. 191-215; K. A. Shepslee B. R. Weingast. Positive Theories of Congressional Institutions, Legislative StudiesQuarterly, may 1994; T. Moe, An Assessment of the Positive Theory of CongressionalDominance. Legislative Studies Quarterly, 12, 1987, 4, pp. 475-520; M. D. McCubbins eTh. Schwartz, Congressional Oversight Overlooked. Police Patrols versus Fire Alarms.American Journal of Political Science, 28, feb. 1984, pp. 165-179.39 Veja-se M. Laver e K. A. Shepsle, Coalitions and Cabinet Government. American PoliticalScience Review, 84, 1990, pp. 843-890; D. North e B. Weingast, Constitutions and CredibleCommitments: the Evolution of Institutions Governing Public Choice in 17th Century England.Journal of Economic History, 49, dec. 1989, pp. 803-832; B. Weingast, Institutionalizing Trust:the Political and Economic Roots of Ethnic and Regional Conflict, comunicao apresentadana reunio sobre What is Institutionalism Now?, citada.40 Veja-se A. Przeworski, Democracy and the Market. Cambridge University Press, 1991; B.Geddes, Politicians Dillema. Berkeley, University of California Press, 1994; G. Marks,Rational Sources of Chaos in Democratic Transitions. American Behavioral Scientist, 33,1992, 4/5, pp. 397-421; Y. Cohen, Radicals, Reformers and Reactionaries. ChicagoUniversity Press, 1994; J. de Nardo, Power in Numbers. Princeton University Press, 1985.41 Veja-se G. Tsebelis, The Power of the European Parliament as a Conditional AgendaSetter. American Political Science Review, 88, 1994, 1, pp. 795-815; M. Pollack, ObedientServant or Runaway Eurocracy?. Working Paper, Harvard Center for European Studies,1995; L. Martin, The Influence of National Parliaments on European Integration. WorkingPaper, Harvard Center for International Affairs, 1994.

    UsurioRealce

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    sadores especializados em relaes internacionais empregam os conceitos doinstitucionalismo da escolha racional para explicar a ascenso ou a queda dosregimes internacionais, o tipo de responsabilidades que os estados delegams organizaes internacionais e a forma dessas organizaes42.

    Como todas as escolas desse gnero, o institucionalismo daescolha racional abriga um certo nmero de debates internos, e existemcertas variantes entre uma anlise e outra. Entretanto, a busca de pontoscomuns revela quatro propriedades ligadas a esse enfoque que esto pre-sentes na maioria das anlises.

    Em primeiro lugar, esses tericos empregam uma srie caracters-tica de pressupostos comportamentais. De modo geral, postulam que osatores pertinentes compartilham um conjunto determinado de preferncias oude gostos (conformando-se habitualmente a condies muito precisas, comoo princpio da transitividade) e se comportam de modo inteiramente utilitriopara maximizar a satisfao de suas preferncias, com freqncia num alto deestratgia, que pressupe um nmero significativo de clculos43.

    Em segundo lugar, os tericos da escola da escolha racional ten-dem a considerar a vida poltica como uma srie de dilemas de ao coletiva,definidos como situaes em que os indivduos que agem de modo a maxi-mizar a satisfao dos suas prprias preferncias o fazem com o risco de pro-duzir um resultado sub-timo para a coletividade (no sentido de que seria pos-svel encontrar um outro resultado que satisfaria melhor um dos interessadossem que qualquer outro sasse lesado). Em geral, tais dilemas se produzemporque a ausncia de arranjos institucionais impede cada ator de adotar umalinha de ao que seria prefervel no plano coletivo. Entre os exemplos cls-sicos, os mais conhecidos so o dilema do prisioneiro ou a tragdia dosbens comuns, mas numerosas situaes comportam tais dilemas44.

    Em seguida, os tericos enfatizam o papel da interao estrat-gica na determinao das situaes polticas. Suas intuies fundamentaisso, primeiro, que plausvel que o comportamento de um ator determi-

    42 Veja-se R. O. Kehoane e L. Martin, Delegation to International Organizations, comuni-cao apresentada reunio de 1994, citada; L. Martin, Interests, Power and Multilateralism.International Organization, 46, 1992, 4, pp. 765-792; K. A. Oye (ed.) Cooperation underAnarchy. Princeton University Press, 1993; S. Krasner, Global Communications and NationalPower: Life on the Pareto Frontier. World Politics, 43, 1991, p. 336-366.43 Veja-se K. A. Shepsle e B. Weingast, The Institutional Foundations of Commitee Power.American Political Science Review, 81, 1987, pp. 85-104; tambm J. Elster e A. Hylland (ed.)Foundations of Social Choice Theory. Cambridge University Press, 1986.44 Veja-se G. Hardin, The Tragedy of the Commons. Science, 162, 1968, pp. 1243-1248;R. Hardin, Collective Action. Baltimore, John Hopkins Press, 1982; E. Ostrom, Governingthe Commons. Cambridge University Press, 1990.

  • nado, no por foras histricas impessoais, mas por um clculo estratgi-co, e, segundo, que esse clculo fortemente influenciado pelas expectati-vas do ator relativas ao comportamento provvel dos outros atores. Asinstituies estruturam essa interao ao influenciarem a possibilidade e aseqncia de alternativas na agenda, ou ao oferecerem informaes oumecanismos de adoo que reduzem a incerteza no tocante ao comporta-mento dos outros, ao mesmo tempo que propiciam aos atores ganhos detroca, o que os incentivar a se dirigirem a certos clculos ou aes pre-cisas. Trata-se de um enfoque calculador clssico para explicar ainfluncia das instituies sobre a ao individual.

    Por fim, os institucionalistas dessa escola desenvolveram umenfoque que lhe prpria no tocante explicao da origem das institu-ies. Em geral eles comeam utilizando a deduo para chegar a umaclassificao estilizada das funes desempenhadas por uma instituio.Explicam em seguida a existncia da instituio com referncia ao valorassumido por essas funes aos olhos dos atores influenciados pela insti-tuio. Essa formulao pressupe que os atores criam a instituio demodo a realizar esse valor, o que os tericos conceituam no mais das vezescomo um ganho obtido pela cooperao. Assim, o processo de criao deinstituies geralmente centrado na noo de acordo voluntrio entre osatores interessados. Se a instituio est submetida a algum processo deseleo competitiva, ela desde logo deve sua sobrevivncia ao fato de ofe-recer mais benefcios aos atores interessados do que as formas institu-cionais concorrentes45.

    Assim, a forma de organizao da empresa se explica por refe-rncia ao modo como ela minimiza os custos de transao, de produo ede influncia46. Os regulamentos do Congresso norte-americano so expli-cados em termos dos ganhos obtidos nas trocas entre seus membros. Asdisposies constitucionais adotadas na Inglaterra em 1688 so explicadascom referncia s vantagens que oferecem aos proprietrios. Poderamosmultiplicar os exemplos. H espao para muito debate no interior dessequadro geral, mas habitualmente os debates tm como foco saber se asfunes desempenhadas pela instituio em causa foram definidas correta-

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    45 Como seria de esperar-se, as anlises relativas a legislaturas tendem a enfatizar a importn-cia do acordo voluntrio, ao passo que as anlises relativas s instituies econmicas insis-tem mais na seleo competitiva.46 Veja-se O. Williamson, Markets and Hierachies, citado; P. Milgrom e J. Roberts,Economics, Organization and Management, citado; dos mesmos autores, Bargaining Costs,Influence Costs and the Organization of Economic Activity, em J. Alt e K. A. Shepsle (ed.)Perspectives on Positive Political Economy. Cambridge University Press, 1990, pp. 57-89.

  • NEO-INSTITUCIONALISMO 207

    mente. Desse modo, Keth Krehbiel abriu um debate animado sobre aquesto de saber se as comisses do Congresso norte-americano tm portarefa principal oferecer aos seus membros vantagens obtidas da troca oudas informaes sobre as conseqncias da legislao proposta47.

    O INSTITUCIONALISMO SOCIOLGICO

    Paralelamente a esses desenvolvimentos da Cincia Poltica,um neo-institucionalismo desenvolveu-se na Sociologia. Como nas outrasescolas de pensamento, trata-se de debates internos. Entretanto, seus par-tidrios desenvolveram uma srie de teorias que deveriam ser de consi-dervel interesse para os pesquisadores em Cincia Poltica.

    O institucionalismo sociolgico surgiu no quadro da teoria dasorganizaes. Esse movimento remonta ao fim dos anos 70, no momentoem que certos socilogos puseram-se a contestar a distino tradicionalentre a esfera do mundo social, vista como o reflexo de uma racionalidadeabstrata de fins e meios (de tipo burocrtico) e as esferas influenciadas porum conjunto variado de prticas associadas cultura. Desde Max Weber,numerosos socilogos consideraram as estruturas burocrticas que domi-nam o mundo moderno, sejam elas ministrios, empresas, escolas, gruposde interesse etc., como produto de um intenso esforo de elaborao deestruturas cada vez mais eficazes, destinadas a cumprir tarefas formais li-gadas a essas organizaes. Parecia-lhes que a forma organizacional dessasestruturas era praticamente a mesma, devido racionalidade ou da eficciainerentes a elas e necessrias para o cumprimento de suas tarefas48. A cul-tura lhes parecia algo inteiramente diverso.

    Contra essa tendncia, os neo-institucionalismo comearam asustentar que muitas das formas e dos procedimentos institucionais utiliza-dos pelas organizaes modernas no eram adotadas simplesmente porquefossem as mais eficazes tendo em vista as tarefas a cumprir, como implicaa noo de uma racionalidade transcendente. Segundo eles, essas formase procedimentos deveriam ser consideradas como prticas culturais, com-parveis aos mitos e s cerimnias elaborados por numerosas sociedades.47 K. Krehbiel, Information and Legislative Organization. Ann Arbor, University ofMichigan Press, 1991; tambm K. A. Shepsle e B. Weingast, Positive Theories ofCongressional Institutions, citado.48 Para uma apresentao mais desenvolvida, veja-se F. Dobbin, Cultural Models ofOrganization. The Social Construction of Rational Organizing Principles, em D. Crane (ed.)The Sociology of Culture, Oxford, Blackwell, 1994, pp. 117-153.

  • Essas prticas seriam incorporadas s organizaes, no necessariamenteporque aumentassem sua eficcia abstrata (em termos de fins e meios), masem conseqncia do mesmo tipo de processo de transmisso que d origems prticas culturais em geral. Desse modo, mesmo a prtica aparentementemais burocrtica deveria ser explicada nesses termos culturalistas49.

    Dada a sua tica prpria, os socilogos institucionalistas em geralescolhem uma problemtica que envolve a explicao de por que as organi-zaes adotam um especfico conjunto de formas, procedimentos ou smbo-los institucionais, com particular ateno difuso dessas prticas. Eles ten-tam, por exemplo, explicar as surpreendentes semelhanas, do ponto de vistada forma e das prticas institucionais, entre os ministrios da educaoatravs do mundo, sejam quais forem das diferenas de contexto, ou entreempresas pertencentes a setores industriais diferentes, no importa o produ-to que fabriquem. Frank Dobbin usa esse enfoque para mostrar como con-cepes culturalmente determinadas do Estado e do mercado condicionarama poltica ferroviria na Frana e nos Estados Unidos no sculo XIX50. JohnW. Meyer e W. Richard Scott o utilizam para explicar a proliferao de pro-gramas de formao nas empresas norte-americanas51. Outros empenham-sena explicao dos isomorfismos institucionais no Extremo Oriente e dadifuso relativamente fcil das tcnicas de produo dessa zona atravs domundo52. Neil Fligstein serve-se dele para explicar a diversificao da inds-tria norte-americana, e Yasemin Soyal o faz para explicar a atual poltica deimigrao na Europa e na Amrica do Norte53.

    Trs caractersticas do institucionalismo em Sociologia confe-rem-lhe uma certa originalidade relativamente s outras variedades deneo-institucionalismo. Primeiro, os tericos dessa escola tendem a de-finir as instituies de maneira muito mais global do que os pesquisadores

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    49 Os primeiros a explorar esse terreno foram socilogos de Stanford. Veja-se J. W. Meyer e B.Rowan, Institutionalized Organizations. Formal Structure as Myth and Ceremony. AmericanJournal of Sociology, 83, 1977, pp. 340-363; J. W. Meyer e W. R. Scott, OrganizationalEnvironments. Rirual and Rationality. Beverly Hills, Sage, 1983. Para uma muito boa viso deconjunto, veja-se a introduo de P. DiMaggio e W.W. Powell coletnea organizada por eles, TheNew Institutionalism in Organizational Analysis. University of Chicago Press, 1991, pp. 1-40.50 F. Dobbin, Forging Industrial Policy. Cambridge University Press, 1994.51 W. R. Scott, J. W. Meyer et al., Institutional Environments and Organizations. ThousandOaks, Sage, 1994, cap. 11 e 12.52 M. Orru et al., Organizational Isomorphism in East Asia, em W. W. Powell e P. DiMaggio(ed.), citado, pp. 361-389. Tambm R. E. Cole, Strategies for Industry: Small Group Activities inAmerican, Japanese and Swedish Industry. Berkeley, University of California Press, 1989. 53 Veja-se N. Fligstein, The Trasnformation of Corporate Control. Harvard University Press,1990; Y. Soysal, Limits of Citizenship. University of Chicago Press, 1994.

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    em Cincia Poltica, incluindo no s as regras, procedimentos ou normasformais, mas tambm os sistemas de smbolos, os esquemas cognitivos eos modelos morais que fornecem padres de significao que guiam aao humana54. Dessa posio derivam duas conseqncias importantes.Em primeiro lugar, ela rompe a dicotomia conceitual que ope insti-tuies e cultura, levando-as interpenetrao. Isso pe em perigo adistino cara a muitos especialistas em cincia poltica, entre explicaesinstitucionais, que consideram as instituies como as regras e os proce-dimentos institudos pela organizao, e explicaes culturais, que re-metem cultura, definida como um conjunto de atitudes, de valores e deabordagens comuns face aos problemas55. Em segundo lugar, esse enfoquetende a redefinir a cultura como sinnimo de instituies56. Sob esseaspecto, ele reflete uma virada cognitivista no prprio seio da So-ciologia, que consiste em afastar-se de concepes que associam a culturas normas, s atitudes afetivas e aos valores, para aproximar-se de umaconcepo que considera a cultura como uma rede de hbitos, de smbolose de cenrios que fornecem modelos de comportamento57.

    Os neo-institucionalismo sociolgicos distinguem-se igual-mente pelo seu modo de encarar as relaes entre as instituies e a aoindividual, em consonncia com o enfoque culturalista mencionadoacima, desenvolvendo contudo certos matizes particulares. Uma escola deanlise sociolgica mais antiga resolvia o problema das relaes entreinstituies e ao ao associar as instituies a papis aos quais se vin-culavam normas prescritivas. Segundo esse ponto de vista, os indivdu-os levados pela sua socializao a desempenhar papis especficos inter-nalizam as normas associadas a esses papis, sendo esse o modo pelo qualse concebe a influncia das instituies sobre o comportamento. Po-deramos designar essa concepo como dimenso normativa do im-pacto das instituies.

    54 Veja-se J. L. Campbell, Institutional Analysis and the Role of Ideas in PoliticalEconomy, comunicao apresentada no seminrio sobre Estado e capitalismo desde 1800,Harvard, 1995, e W. R. Scott, Institutions and Organizations: Toward a TheoreticalSynthesis, em Scott, Meyer et al., Institutional Environments..., citado, pp. 55-80.55 Veja-se G. Almond e S. Verba, The Civic Culture. Boston, Little Brown, 1963. Tambm P.A. Hall, Governing the Economy, citado, cap. 1.56 Veja-se L. Zucker, The Role of Institutionalization in Cultural Persistence, em Powell eDiMaggio, citado, pp. 83-107; J. W. Meyer et al., Ontology and Rationalization in theWestern Cultural Account, em Meyer, Scott et al., citado. 57 Veja-se A. Swidler, Culture in Action: Symbols and Strategies. American SociologicalReview, 51, 1986, pp. 273-286. Tambm J. March e J. P. Olsen, Rediscovering Institutions,citado, cap. 3.

  • Ainda que alguns continuem a utilizar tais concepes,numerosos tericos concentram-se agora naquilo que poderamos chamara dimenso cognitiva do impacto das instituies. Em outros termos,concentram-se no modo como as instituies influenciam o comportamen-to ao fornecer esquemas, categorias e modelos cognitivos que so indis-pensveis ao, mesmo porque, sem eles, seria impossvel interpretar omundo e o comportamento dos outros atores58. As instituies exerceminfluncia sobre o comportamento no simplesmente ao especificarem oque se deve fazer, mas tambm o que se pode imaginar fazer num contex-to dado. Neste ponto pode-se constatar a influncia do construtivismosocial sobre o neo-institucionalismo sociolgico. Em numerosos casos,espera-se das instituies que ofeream as condies mesmas da atribuiode significados na vida social. Segue-se que as instituies influenciam noapenas os clculos estratgicos dos indivduos, como sustentam os tericosda escola da escolha racional, mas tambm suas preferncias mais funda-mentais. A identidade e a imagem de si dos atores sociais so elas mesmasvistas como sendo constitudas a partir das formas, imagens e signos insti-tucionais fornecidos pela vida social59.

    Em conseqncia, numerosos institucionalistas enfatizam anatureza altamente interativa das relaes entre as instituies e a ao indi-vidual, na qual cada polo constitui o outro. Quando agem conforme uma con-veno social, os indivduos se constituem simultaneamente como atoressociais, vale dizer, empreendem aes dotadas de significado social ereforam a conveno a que obedecem. Um corolrio fundamental dessaviso das coisas a idia de que a ao est estreitamente ligada interpre-tao. Desse modo, os tericos do institucionalismo sociolgico sustentamque, uma vez confrontado com uma situao, o indivduo deve encontrar ummeio de identific-la e de reagir a ela, e que os cenrios ou modelos inerentesao mundo da instituio lhe oferecem os meios de resolver uma e outradessas tarefas, no raro de modo relativamente simultneo. A relao que ligao indivduo e a instituio repousa portanto sobre uma espcie de raciocnioprtico pelo qual, para estabelecer uma linha de ao, o indivduo utiliza osmodelos institucionais disponveis ao mesmo tempo que os confecciona60.

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    58 Veja-se a introduo de DiMaggio e Powell, citado.59 Veja-se o clssico de P. Berger e Th. Luckmann, The Social Construction of Reality. NewYork, Anchor, 1966, e sua aplicao mais recente cincia poltica por A. Wendt, The Agent-Structure Problem in International Relations Theory. International Organization, 43, 1987,3, pp. 335-370.60 Veja-se a introduo de DiMaggio e Powell, citada, e os artigos de L. Zucker e R.Jepperson no mesmo volume.

  • NEO-INSTITUCIONALISMO 211

    Nada nisso tudo sugere que os indivduos no sejam dotados deintenes, ou sejam irracionais. O que os tericos do institucionalismo soci-olgico sublinham que aquilo que um indivduo tende a considerar comouma ao racional ele prprio um objeto socialmente constitudo, e elesconceituam os objetivos que um autor se impe numa perspectiva muito maisampla que a de outros tericos. Se os tericos da escola da escolha racionalpostulam um universo de indivduos ou de organizaes empenhados emmaximizar seu bem-estar material, os socilogos, por seu lado, descrevem umuniverso de indivduos ou de organizaes em busca de definir ou de expri-mir suas identidades conforme modos socialmente apropriados.

    Por fim, os neo-institucionalismo sociolgicos distinguem-sepela sua maneira de tratar do problema da explicao do surgimento e damodificao das prticas institucionais. Como vimos, muitos tericos doinstitucionalismo da escolha racional explicam o desenvolvimento de umainstituio referindo-se eficcia com a qual ela serve s finalidades mate-riais daqueles que a aceitam. Em oposio a isso, os institucionalistas soci-olgicos sustentam que as organizaes adotam com freqncia uma novaprtica institucional por razes que tm menos a ver com o aumento da suaeficincia do que com reforo que oferece sua legimitidade social a deseus adeptos. Em outros termos, as organizaes adotam formas e prticasinstitucionais particulares porque elas tm um valor largamente reconheci-do num ambiente cultural mais amplo. Em certos casos pode ocorrer queessas prticas sejam aberrantes quando relacionadas ao cumprimento dosobjetivos oficiais da organizao. John L. Campbell exprime bem essemodo de ver as coisas ao falar de uma lgica das convenincias sociaispor oposio a uma lgica instrumental61.

    Desse modo, diversamente dos tericos que explicam a diversi-ficao das empresas norte-americanas nos anos 50 e 60 como uma reaofuncional a exigncias econmicas ou tecnolgicas, Neil Fligstein susten-ta que os empresrios fizeram essa escolha por conta do valor que acabousendo atribudo a essa noo em numerosos foros profissionais dos quaisparticipavam, e porque essa escolha ratificava seu papel social e sua visodo mundo62. Da mesma maneira, Yasemin Soysal sustenta que a poltica deimigrao adotada por numerosos estados foi levada a efeito, no porquefosse mais funcional para cada Estado, mas porque a nova concepo dosdireitos do homem proclamada pelos regimes internacionais fazia parecer

    61 Conforme citao em March e Olsen, Rediscovering Institutions, citado.62 N. Fligstein, The Transformation of Corporate Control, citado [nota 53].

  • apropriada essa poltica enquanto outras pareciam ilegtimas aos olhos dasautoridades nacionais63.

    A questo fundamental, nessa tica, evidentemente a de saber oque confere legitimidade a certos arranjos institucionais antes do que a ou-tros. Em ltima anlise, essa questo conduz a uma reflexo sobre as fontesda autoridade cultural. Em Sociologia, certos institucionalistas enfatizam ofato de que a expanso do papel regulador do Estado moderno impe, pelavia da autoridade, numerosas prticas s organizaes. Outros salientam quea crescente profissionalizao de numerosas esferas de atividade engendracomunidades profissionais dotadas de uma autoridade cultural suficientepara impor a seus membros certas normas ou certas prticas64. Em outroscasos, prticas institucionais comuns so tidas como nascendo de um proces-so de discusso mais interpretativo entre os atores de uma dada rede (relati-vo a problemas comuns, sua interpretao e sua soluo), que se d em diver-sos foros, desde a escola de gesto at o colquio internacional. Intercmbiosdesse tipo so vistos como oferecendo aos atores esquemas interpretativoscomuns, que concretizam a intuio das prticas institucionais apropriadas,as quais so em seguida amplamente difundidas. Nesse caso, as dimensesinterativa e criativa do processo pelo qual as instituies so socialmenteconstitudas aparecem com nitidez65. Afirmam alguns que mesmo possvelobservar esses processos em escala transnacional, na qual os conceitos habi-tuais da modernidade conferem um certo grau de autoridade s prticas dosestados mais desenvolvidos, e onde os intercmbios que ocorrem sob agide dos regimes internacionais encorajam acordos que difundem prticascomuns alm das fronteiras nacionais66.

    OS INSTITUCIONALISMOS COMPARADOS

    Nas suas mltiplas variantes, os neo-institucionalismos fazemprogredir de maneira significativa nossa compreenso do mundo poltico.

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    63 Y. Soysal, Limits of Citizenship, citado.64 Veja-se P. J. DiMaggio e W. W. Powell, The Iron Cage Revisited: InstitutionalIsomorphism and Collective Rationality, e W. W. Powell, Expanding the Scope osInstitutional Analysis, em Powell e DiMaggio, The NewInstitutionalism, citado, cap. 3 e 8. 65 Sobre esse ponto somos devedores da anlise penetrante desenvolvida por J. L. Campbellem Recent Trends in Institutional Analysis, p. 11. 66 Veja-se J. W. Meyer et al., Ontology and Rationalization; J. W. Meyer, RationalizedEnvironments; D. Strang e J. W. Meyer, Institutional Conditions for Diffusion, em Scott eMeyer, Institutionalized Environments, citado, cap. 1, 2 e 5.

  • NEO-INSTITUCIONALISMO 213

    Entretanto, as imagens que eles propem do mundo poltico certamenteno so idnticas, e cada uma apresenta vantagens e fraquezas peculiares.

    Consideremos primeiro o problema da definio as relaesentre instituies e comportamento.

    O institucionalismo histrico oferece a concepo mais ampladessa relao. Os tericos dessa corrente utilizam com freqncia os enfoquescalculador e culturalista. Isto, ao nosso ver, uma virtude no negli-gencivel, pois os consideramos, ambos, enfoques no s convincentes comoimportantes. Entretanto, o ecletismo tem seus inconvenientes: o instituciona-lismo histrico dedicou menos ateno que as outras escolas de pensamentoao desenvolvimento de uma compreenso fina da maneira precisa pela qualas instituies afetam o comportamento, e certos trabalhos no definem comos cuidados necessrios o encadeamento causal preciso pelo qual as institui-es que eles identificam como importantes afetam o comportamento que seesperam que elas expliquem. Sob esse aspecto, o institucionalismo histricopoderia tirar partido de intercmbios mais apurados com as outras escolas.

    O institucionalismo da escolha racional, por seu lado, desen-volveu uma concepo mais precisa das relaes entre as instituies e ocomportamento, junto com um conjunto generalizvel de conceitos que seprestam elaborao de uma teoria sistemtica. Mas esses microfunda-mentos to gabados repousam sobre uma imagem relativamente simplistadas motivaes humanas, que corre o risco de passar ao lado de algumasdas suas dimenses mais importantes67. Os defensores desse enfoque incli-nam-se a compar-lo a um conjunto de equaes de forma reduzida, queconvm julgar no tanto pela exatido dos seus postulados quanto luz dacapacidade de predio de seus modelos68. Isto, porm, nos leva a um ter-reno escorregadio, considerando-se que as predies engendradas por essesmodelos com freqncia so sensveis a pequenas modificaes, no raroarbitrrias ou sem fundamento emprico, relativas matriz de ganhos, sestruturas de preferncias etc.69. A utilidade desse enfoque ainda limita-do pela necessidade de especificar as preferncias ou os objetivos subja-67 Para anlises mais desenvolvidas, veja-se K. S. Cook e M. Levi (ed.) The Limits ofRationality. University of Chicago Press, 1990; J. Mansbridge (ed.) Beyond Self-Interest.Auniversity of Chicago Press, 1990.68 Somos gratos a Kenneth Shepsle por ter chamado nossa ateno sobre esse ponto. Veja-se M.Friedman, The Methodology of Positive Economics, em Essays in Positive Economics.University of Chicago Press, 1953.69 O problema aumentado pelo fato de que numa situao dada numerosas solues de equi-lbrio podem apresentrar-se, como sugere o teorema da pessoas comuns (folk theorem). Demodo mais geral, veja-se P. Green e I. Shapiro, Pathologies of Rational Choice Theory. YaleUniversity Press, 1994.

    UsurioRealce

  • centes dos atores de modo exgeno em relao anlise, em particular emsituaes empricas nas quais essas preferncias apresentam facetas mlti-plas e so ambguas ou difceis de identificar ex ante.

    Considerando-se, entretanto, que os componentes instrumentaisconstituem um dado de primeira linha da vida poltica, o institucionalismoda escolha racional contribuiu em larga medida para a sua anlise, em par-ticular ao chamar a ateno para aspectos fundamentais da vida polticasubestimados pelos outros enfoques e ao oferecer as ferramentas analticascorrespondentes. Os partidrios dessa escola enfatizam que a ao polticaenvolve a gesto da incerteza, que por longo tempo permaneceu como umdos aspectos mais fundamentais e mais negligenciados da realidade polti-ca. Demonstram, alm disso, a importncia dos fluxos de informao tantopara as relaes de poder como para as situaes polticas.

    Especialmente importante que essa escola d relevo ao papelda interao estratgica na determinao das situaes polticas. Essa abor-dagem representa um progresso considervel em relao s tradicionais,que explicam as situaes polticas como resultando da aplicao de forasque variveis estruturais como o nvel de desenvolvimento socio-econmi-co, o nvel educacional ou de satisfao material supostamente exercemdiretamente sobre o comportamento individual. Em contraste com isso, asanlises dos tericos da escola da escolha racional reservam espao muitomaior intencionalidade humana na determinao das situaes polticas,sob a forma do clculo estratgico, sem deixar de reservar um papel paraas variveis estruturais, sob a forma das instituies. Pode-se resumir essadiferena pela passagem de modelos nos quais a causalidade representa-da por coeficientes de variveis estruturais nas equaes de regresso amodelos inspirados na teoria dos jogos. O inconveniente, evidentemente,consiste em que esse progresso realizado ao preo de uma conceituaoda intencionalidade a partir de uma teoria relativamente ligeira da raciona-lidade humana.

    Basta ter esperado alguma vez diante de um sinal vermelho semningum em volta para reconhecer que h dimenses da relao entre asinstituies e a ao que talvez no sejam muito utilitrias, nem corretamentemodeladas pelas teorias da escolha racional. Os tericos do institucionalismosociolgico no raro esto em melhor posio para esclarecer tais dimenses.Por um lado, suas teorias definem as vias pelas quais as instituies podeminfluenciar as preferncias ou identidades subjacentes dos atores, que osinstitucionalistas da escolha racional tm que aceitar como dadas. Por outrolado, eles nos ensinam que mesmo um ator fortemente utilitrio pode esco-

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  • NEO-INSTITUCIONALISMO 215

    lher estratgias em repertrios dotados de uma especificidade cultural, e poressa via eles identificam novas possibilidades para a influncia do ambienteinstitucional sobre as escolhas estratgicas dos atores. Num certo sentido, ossocilogos exprimem aspectos do impacto das instituies que talvez sejamuma preliminar necessria ao instrumental70.

    Se examinarmos agora o segundo ponto que nos preocupava,observaremos ainda vantagens e fraquezas prprias a cada um desses enfo-ques na sua explicao da origem e das modificaes das instituies.

    Os institucionalismo da escola da escolha racional produziramas explicaes mais elegantes da origem das instituies, interessando-sesobretudo pelas funes que elas cumprem e pelas vantagens que propi-ciam. Do nosso ponto de vista, essa abordagem de uma incontestvelpotncia quando se trata de explicar a permanncia das instituies, con-siderando-se que essa permanncia no raro depende das vantagens que ainstituio pode oferecer. No entanto, certas caractersticas dessa abor-dagem reduzem consideravelmente sua capacidade de servir de quadroterico que permita explicar a origem das instituies.

    Primeiro, trata-se de abordagem no raro retrospectiva: a origemde uma instituio dada explicada em larga medida pelos efeitos da suaexistncia. Ainda que seja possvel que esses efeitos contribuam para a per-manncia da instituio, no se deve confundir a explicao dessa per-manncia com a explicao da origem da instituio. Tendo em vista que omundo social oferece numerosos exemplos de conseqncias no inten-cionais, remontar das conseqncias s origens um caminho perigoso71.Depois, uma abordagem demasiado funcionalista. Com freqncia elapostula que as instituies existentes so as mais eficientes, considerando-seas condies iniciais que poderiam ser mobilizadas em termos realistas paracumprir a tarefa visada. Em certos casos, os numerosos exemplos de inefi-cincia apresentados por tantas instituies permanecem sem explicao.Alm disso, a teoria arrisca-se a exagerar a eficincia real de algumas entreelas72. Em outros termos, ela tende a postular que o processo de criao de

    70 Veja-se J. Johnson, Symbolic Dimensions of Social Order, comunicao apresentada reunio de 1994, citada [nota 11].71 o que afirma E. Bates, Contra Contractarianism. Some Reflections on the NewInstitutionalism. Politics and Society, 16, pp. 387-401.72 Para uma tentativa impressionante de enfrentar esse problema sem renunciar aos postuladosda teoria da escolha racional, veja-se T. Moe, The Politics of Structural Choice. Towards aTheory of Public Bureaucracy, em O. Williamson (ed.) Organizational Theory from ChesterBarnard to the Present and Beyond. Oxford University Press, 1990, pp. 116-153. No entanto,nem todas as aplicaes das teorias da escolha racional so igualmente funcionalistas.

    UsurioRealce

  • uma instituio fortemente intencional, sob amplo domnio pelos atores,que tm uma percepo correta dos efeitos das instituies que criam, e queeles as criam justamente com o objetivo preciso de obter esses efeitos. Aindaque a existncia de um elemento de intencionalidade na gnese das institu-ies esteja fora de dvida, tais anlises envolvem amide postulados heri-cos relativos prescincia dos atores histricos e sua capacidade de controlesobre os eventos. Em certos casos, essas anlises imputam intenes exces-sivamente simples aos atores histricos, que, vistos mais de perto, parecemagir conforme uma conjunto de motivaes muito mais complexas73.

    Em quarto lugar, essas anlises com freqncia so marcadamentevoluntaristas. Em outros termos, como afirma Robert Bates, elas tm umatendncia a apresentar a criao das instituies como um processo quase con-tratual caracterizado por um acordo voluntrio entre atores relativamenteiguais e independentes, inteiramente do gnero daqueles que poderamosencontrar no estado de natureza74. Ainda que semelhante descrio pudessedar conta de maneira adequada de certos casos, para muitos outros ela corre orisco de subestimar o fato de que a assimetria das relaes de poder conferemuito mais influncia a certos atores que a outros no processo de criao dasinstituies75. Por fim, o postulado do equilbrio desse enfoque conduz ostericos a uma contradio. Um dos componentes inerentes a esse enfoque ,com efeito, que a situao inicial a partir da qual uma instituio criada temtodas as possibilidades de refletir um equilbrio de Nash. Desse modo, no demodo algum evidente que os atores devessem por-se de acordo para mudar asinstituies existentes. Paradoxalmente, os esforos de Kenneth Shepsle e deoutros autores para mostrar que as instituies so estveis mediante a invo-cao da incerteza que cerca a mudana institucional tornam ainda mais difcilcompreender porque ocorra que as instituies mudem76. Esse enfoque neces-sita, pelo menos, de uma teoria dos equilbrios dinmicos muito mais robusta.

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    73 Como exemplo, veja-se a anlise de resto valiosa desenvolvida em D. C. North e B.Weingast, Contributions and Credible Commitments, citado. igualmente possvel quenumerosas anlises da escola da escolha racional postulem de modo excessivamente rpidoque a presena de problemas de ao coletiva engendrem automaticamente uma demandade criao institucional. Para corretivos, veja-se o trabalho de R. Bates, citado [nota 71].Tambm J. Knight, Institutions and Social Conflict. Cambridge University Press, 1992.74 R. Bates, citado. Tambm R. Grafstein, Institutional Realism, citado, cap. 3.75 Para uma anlise penetrante que tenta introduzir uma considerao das assimetrias dopoder na anlise da criao de instituies em termos de escolha racional, veja-se J. Knight,Institutions and Social Conflit, citado [nota 73]. Isso pode constituir um problema, mesmonuma legislatura, na qual maiorias no raro podem impor mudanas constitucionais s mino-rias, como mostram os estudos sobre o governo dos partidos. Veja-se Cox e McCubbin,Legislative Leviathan, citado [nota 38] 76 Veja-se de K. Shepsle, Institutional Equilibrium ..., citado.

  • NEO-INSTITUCIONALISMO 217

    Essas reflexes sugerem que, embora o institucionalismo daescolha racional possa contribuir para explicar porque as instituies con-tinuem a existir, a explicao que ele prope da sua gnese no se aplicacom xito seno a um nmero limitado de contextos. Mais precisamente,seu alcance terico maior em contextos nos quais o consenso entre osatores dispostos ao estratgica e de estatuto relativamente idntico indispensvel para assegurar uma mudana institucional, como em certasassemblias legislativas ou em arenas internacionais. Por seu turno, essateoria aplicvel a contextos nos quais uma competio intensa selecionaaqueles dotados de uma certa eficincia possvel de definir com preciso exante, como, por exemplo, em certas situaes concorrenciais de mercado77.

    Em contrapartida, o institucionalismo histrico e o sociolgico tra-tam de maneira inteiramente diferente da explicao da origem e da mudanadas instituies. Um e outro comeam por sublinhar que as instituies novasso criadas e adotadas num mundo que j as tem em abundncia. Isso podeparecer andino, mas uma observao prenhe de conseqncias.

    Em Sociologia, os institucionalistas partem dessa constatao paraexaminar o modo como as instituies existentes estruturam o campo de visodos atores que tm em vista uma reforma institucional. Dessa forma, dirigemsua ateno para os processos pelos quais os atores que criam novas institui-es tomam de emprstimo elementos dos modelos de instituio existentes.Essa abordagem d til relevo ao fato de que o mundo institucional existentecircunscreve a gama de criaes possveis. Os socilogos dessa escola tambmdesenvolvem uma concepo mais ampla das razes pelas quais uma institui-o particular pode ser escolhida, que vai bem alm das meras consideraesde eficcia para englobar o papel que esforos interativos de interpretao euma preocupao com a legitimidade social podem ter nesse processo. Esseenfoque permite ir muito longe na explicao de numerosos casos de inefic-cia constatados em instituies sociais e polticas78.

    77 Ainda que certos pesquisadores tenham sustentado que a competio entre estadosnacionais ou entre elites polticas tenda a selecionar certos tipos de instituies de prefern-cia a outras, so surpreendentemente escassas as pesquisas sobre esse ponto. Veja-se Th.Ertman, Birth of the Leviathan. Cambridge University Press, 1997; H. Root, Fountain ofPrivilege. Berkeley, University of California Press, 1994; W. G. Runciman, A Treatise inSocial Theory. Cambridge University Press, 1984; e, de modo mais geral, J. Knight,Institutions and Social Conflit, citado [nota 73], e D. C. North, Institutions, InstitutionalChange and Economic Performance, citado [nota 26]. 78 Veja-se J. W. Meyer e B. Rowan, Institutionalized Organizations, citado, e G. M.Thomas et al., Institutional Structure: Constituting State, Society and the Individual. BeverlyHills, Sage, 1987.

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    Do ponto de vista da Cincia Poltica, contudo, a abordagem doinstitucionalismo sociolgico amide parece estranhamento etrea.Especificamente, ela pode deixar inteiramente de lado o fato de que o proces-so de criao ou de reforma institucional envolvem um conflito de poder entreatores cujos interesses entram em competio79. Tudo considerado,numerosos atores, internos ou externos a uma organizao, tm um jogo deinteresses profundos no tocante adoo ou no pela empresa ou pelo gover-no de novas prticas institucionais, e as iniciativas de reforma muitas vezesengendram lutas de poder entre esses atores, coisa que uma excessiva atenonos processos de difuso tende a negligenciar. Em certos casos, os neo-insti-tucionalistas sociolgicos parece privilegiar de tal modo os processos macro-sociolgicos que os atores em jogo parecem desvanecer-se ao longe, tornan-do o resultado semelhante a uma ao sem atores. De maneira geral, seuenfoque poderia beneficiar-se de uma maior ateno ao modo como os esque-mas de significados, os cenrios e os smbolos nascem no somente deprocessos de interpretao, mas tambm de processos de conflito80.

    Os institucionalistas que adotam um enfoque histrico partem damesma constatao, de um mundo saturado de instituies, para trazer nossa ateno o modo como as relaes de poder inscritas nas instituiesexistentes conferem a certos atores ou interesses mais poder do que a outrosno tocante criao de novas instituies81. Sob esse ponto de vista eles sejuntam aos institucionalistas da escola da escolha racional, que se inspiramna clebre constatao, resumida por uma gerao anterior de tericos na fr-mula segundo a qual a organizao a mobilizao do preconceito82. Noentanto, eles combinam com esse ponto de vista uma concepo da influn-cia do percurso que reconhece igualmente a importncia dos modelos insti-tucionais existentes nos processos de criao e de reforma institucional.

    79 H excees importantes, como N. Fligstein, The Transformation of Corporate Control, cita-do [nota 53].80 Para certos trabalhos excepcionais que dedicam especial ateno a essa dimenso da insti-tucionalizao, veja-se P. J. DiMaggio, Constructing an Organizational Field as aProfessional Project, em Powell e DiMaggio, The New Institutionalism in OrganizationalAnalysis, citado, pp. 267-292; N. Fligstein, The Transformation of Corporate Power, citado,e L. Edelman, Legal Environments and Organizational Governance. American Journal ofSociology, 95, 1990, pp. 1401-1440.81 Como assinalaram T. Moe e J. Knight, numerosas anlises da escola da escolha racionalso curiosamente apolticas. Sua insistncia nas vantagens coletivas propiciadas pelas institu-ies no raro parece ocultar a extenso em que estas, como tanta coisa em poltica, resultamde conflitos pelo poder e por recursos. Veja-se T. Moe, The Politics of Structural Choice,citado, e J. Knight, Institutions and Social Conflict, citado. 82 Veja-se S. Teinmo, Taxation and Democracy, citado, p. 7, e E. Schattschneider, The Semi-Sovereign People. New York, Holt Rinehart, 1960.

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    Se na tica da escolha racional a origem das instituies apre-sentada de modo sobretudo dedutivo, no caso do institucionalismo histricoparece predominar a induo. Em geral, os tericos dessa escola mergulhamnos arquivos histricos na busca de indcios das razes pelas quais os atoreshistricos se comportaram como o fizeram. Essa insistncia neo-weberianano significado atribudo pelos atores histricos s suas prprias aes aumen-ta consideravelmente o realismo das anlises produzidas por esses tericos,e lhes permite escolher entre explicaes rivais quando o clculo dedutivoligado ao postulado de atores racionais resulta em mais do que uma situaode equilbrio. Em conseqncia, eles provocaram revises no raro agudasda nossa compreenso habitual da origem de certas instituies, como porexemplo o corporativismo sueco83. Mas essa insistncia na induo umafraqueza tanto quanto uma fora: os institucionalismo que adotam umenfoque histrico dedicaram menos tempo do que outros pesquisadores areunir seus resultados em teorias sistemticas relativas aos processos geraisenvolvidos na criao e na mudana institucionais.

    * *

    Em resumo, a cincia poltica encontra-se hoje diante de, noum s, mas trs neo-institucionalismos. Surpreende, ademais, quantoessas escolas de pensamento permaneceram fechadas. Cada uma passou otempo afinando seu prprio paradigma. Como avanar? Numerososautores preconizam a adoo de um s desses enfoques em detrimento dosoutros. O presente artigo busca sugerir que tempo de intensificar os inter-cmbios entre essas diferentes escolas. No mnimo, sugerimos que um me-lhor conhecimento recproco permitiria aos praticantes de cada uma delasperceber melhor as questes subjacentes ao seu prprio paradigma.

    Pode-se ir mais longe? Poderia cada uma dessas escolasemprestar das outras algumas das suas intuies? Seria uma tentativa ne-cessariamente limitada. No nvel altamente terico dos primeiros princ-pios, os representantes extremos de cada escola adota posies radical-mente diferentes sobre questes to fundamentais como a de saber se admissvel tratar a identidade dos atores em termos endgenos para umaanlise institucional, ou se cabe postular a existncia de algo como umaao racional ou estratgica homognea seja qual for o contexto cultural.83 Veja-se P. Swenson, Bringing Capital Back In or Social Democracy Reconsidered. WorldPolitics, 43, 1991, 4, pp. 513-544, e B. Rothstein, Explaining Swedish Corporatism: theFormative Moment. Scandinavian Political Studies, 14, 1991, 2, pp. 149-171.

  • Apesar disso, somos partidrios de levar esses intercmbios tolonge quanto possvel, pela razo fundamental de que cada uma dessasescolas parece revelar aspectos importantes do comportamento humano edo impacto que as instituies podem ter sobre ele. Nenhuma dessas esco-las parece ir em m direo, ou ter em sua base postulados profundamenteerrneos. No mais das vezes, cada uma parece suprir uma explicao par-cial das foras ativas numa situao dada, ou exprimir dimenses dife-rentes do comportamento humano e do impacto das instituies.

    nesses termos que o comportamento de um ator pode serinfluenciado ao mesmo tempo pelas estratgias provveis de outros atorese pela referncia a um conjunto familiar de modelos morais e cognitivos,cada fator estando ligado configurao das instituies existentes.Tomemos o caso dos trabalhadores franceses que se interrogavam sobre aadeso a uma poltica de rendas nos anos 50. Por um lado, a estrutura divi-dida do movimento operrio francs desencorajava uma estratgia deadeso porque ela favorecia um comportamento free rider. Por outro lado,as ideologias sindicalistas de numerosos sindicatos franceses militavamigualmente contra toda cooperao entre eles em semelhante empreendi-mento84. possvel que na poca essas duas caractersticas das instituiesdo movimento operrio francs, cada qual expressa numa escola de pensa-mento diferente, tenham influenciado os comportamentos.

    Alm disso, se tornamos mais flexveis os postulados extremosdas teorias prprias a cada escola, podemos encontrar um terreno tericocomum, a partir do qual as intuies de cada um desses enfoques poderiamser utilizadas para completar ou reforar aquelas das outras. Desse modo,os enfoques calculador e cultural da relao que liga as instituies ao constatam ambas que as instituies influenciam a ao ao estrutu-rarem as expectativas relativas s aes futuras dos outros atores, ainda queos modelos que propem da origem dessas expectativas sejam ligeiramentediferentes. Num caso, a teoria afirma que essas expectativas so determi-nadas por aquilo que o outro ator deveria considerar vivel do ponto devista instrumental; no outro, elas so tidas como determinadas pelo que ooutro ator deveria considerar apropriado do ponto de vista social. Nessascondies, h espao para um dilogo fecundo. Da mesma forma, no seriadifcil para os praticantes dos enfoques calculador e cultural reconheceremque uma boa parte dos comportamentos so estratgicos ou guiados porobjetivos, mas que a gama de possibilidades visadas por uma ator estratgi-

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    84 Para mais informao sobre esse exemplo, veja-se P. A. Hall, Governing the Economy, cita-do, pp. 247-249.

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    co suscetvel de estar circunscrito por um sentimento culturalmente apro-priado do que apropriado fazer.

    Um certo nmero de tericos j comearam a integrar noesestratgicas e culturalistas nas suas anlises, tornando tais snteses muito pro-missoras. Assim, numa anlise de resto conforme teoria da escolha racional,David Kreps, ao estudar o modo como as organizaes absorvem e regulam oscomportamentos dos seus empregados, amplia seu tratamento do tema demaneira a englobar a cultura organizacional, definida como um conjunto demodelos de ao coletivos. Afirma ele que tais culturas podem agilizar efi-cazmente os mecanismos tradicionais de observao e de regulao de que dis-pe uma organizao, em particular quando ela no tem condies para definirimediatamente os comportamentos apropriados a todas as eventualidades85.

    Outros pesquisadores da escola da escolha racional comearama integrar nos seus trabalhos a cultura ou as crenas para explicarporque os atores se orientam para uma situao dada quando uma anliseconvencional define vrios equilbrios possveis. Geoffrey Garrett e BarryWeingast, por exemplo, afirmam que as normas ou as idias beneficiadaspor um ambiente institucional dado fornecem amide os pontos locais quepermitiro aos atores racionais convergirem em direo de um nico dosdiversos equilbrios possveis86. Numa anlise particularmente sugestivados jogos com equilbrios mltiplos, Fritz Scharpf mostra como o compor-tamento pode ser determinado simultaneamente por regras de decisoque representam os incentivos que as instituies podem propor aos atoresconsiderados como calculadores racionais, e pelos estilos de decisodesses atores, pelo que se pode compreender as crenas relativas aos com-portamentos apropriados que constituem o objeto das anlises culturalistas.Para tomar ujm nico exemplo, esses estilos podem determinar se o atoratribui um maior valor aos ganhos absolutos ou relativos quando a matrizde ganhos impe escolher entre eles87. Da mesma maneira. R. Bates e B.

    85 Veja-se D. Kreps, Corporate Culture and Economic Theory, em Alt e Shepsle,Perspectives on Positive Political Economy, citado [nota 46], pp.90-143.86 Veja-se G. Garrett e B. Weingast, Ideas, Interests and Institutions: Constructing theEuropean Comunitys Internal Market, em J. Goldstein e R. Keohane (ed.) Ideas andForeign Policy. Ithaca, Cornell University Press, 1993, pp. 173-206. Tambm S. Krasner,Global Communication and National Power, citado.87 Veja-se P. Scharpf, Decision Rules, Decision Styles and Policy Choice. Journal ofTheoretical Politics, 1, 1989, 2, pp. 149-176. Encontramos quase a mesma tese defendida porRobert Putnam, quando afirma que as regies da Itlia que tm um passado rico de experin-cia de associao coletiva mesmo aps sculos constituem um terreno melhor para esforoscoletivos do que as regies desprovidas dessa experincia. Veja-se R. Putnam, MakingDemocracy Work. Civic Traditions in Modern Italy. Princeton University Press, 1993.

  • Weingast sustentam que as interaes estratgicas so jogos de sinalizao,nos quais o significado e o que est em questo no so compreensveisseno mediante a compreenso do contexto cultural que atribui um signifi-cado a smbolos especficos. Eles vo mesmo mais longe, ao sugerirem quenumerosas categorias de interao estratgica orientam-se precisamentepara a influncia sobre essas crenas88.

    O institucionalismo histrico est colocado numa posio par-ticularmente crucial. Numerosas teses recentemente propostas por essaescola poderiam facilmente ser traduzidas na linguagem da escolharacional, ao passo que outras exibem uma certa tendncia a se abrir ao neo-institucionalismo sociolgico89. Dentre essas anlises as melhores j inte-gram elementos emprestados das outras escolas, por exemplo quando, maneira dos tericos da escola da escolha racional, elas mostram como osatores histricos selecionam novas instituies com um objetivo instru-mental, mas o fazem a partir de uma lista de alternativas historicamentedeterminadas por mecanismos que o institucionalismo sociolgicodescreve90. Como observamos mais acima, outros trabalhos foram aindamais longe na sugesto de que as reaes estratgicas a um ambiente insti-tucional dado podem no final engendrar vises do mundo e das prticasinstitucionais que continuam a condicionar a ao mesmo tendo-se modi-ficado o ambiente institucional inicial91.

    Que sejamos bem compreendidos: nossa inteno no afirmarque uma sntese grosseira das posies desenvolvidas por cada uma dessasescolas imediatamente realizvel ou mesmo necessariamente desejvel.Feitas todas as contas, precisamente porque o debate implcito que se dentre elas tem sido to esclarecedor que tentamos aqui torn-lo maisexplcito, e h muito a dizer em favor de um debate sustentado. O quequeremos dizer sobretudo que, aps alguns anos em que cada escola teve,

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    88 Veja-se R. Bates e B. Weingast, A New Comparative Politics. Integrating Rational Choiceand Interpretivist Perspectives, Working Paper, Harvard Center for International Affairs,1995; B. Weingast, The Political Foundations of Democracy and the Rule of Law, em viasde publicao; A=J. Ferejohn, Rationality and Interpretation: Parliamentary Elections inEarly Stuart England, em K. R. Monroe (ed.) The Economic Approach to Politics. NewYork, Harper Collins, 1991.89 Para exemplos de primeiro caso, veja-se E. Immergut, Health Politics, citado [nota 18], eP. A. Hall, Central Bank Independence and Coordinated Wage Bargaining. TheInterdependence of Germany and Europe. German Politics and Society, 1994. Para exemp-los do segundo caso, veja-se C. V. Hattam, Labor Visions and State Power, citado [nota 19],e S. Steinmo, Taxation and Democracy, citado [nota 21].90 Veja-se Th. Ertman, Birth of the Leviathan, citado [nota 77].91 Veja-se V. C. Hattam, Labor Visions and State Power, citado.

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    isolada, seu perodo de incubao, chegado para elas o tempo paraentabular intercmbios mais explcitos e mais sustentados. H todas asrazes de pensar que temos a aprender de todas as escolas de pensamento,como cada uma delas a aprender das outras.

    PETER A. HALL escreveu este artigo na condio de professor deCincia Poltica e pesquisador do Center for European Studies daHarvard University. Dedica-se anlise comparada de polticas pbli-cas e economia poltica da Europa. Recentemente organizou, juntocom David W. Soskice, Varieties of Capitalism: the InstitutionalFoundations of Competitive Advantage. Oxford University Press, 2001.

    ROSEMARY C. TAYLOR professora de Sociologia e de SadePblica na Tufts University e pesquisadora associada no mesmo Centroem Harvard.

  • AS TRS VERSES DO NEO-INSTITUCIONALISMOPETER A.HALL

    ROSEMARY C. R. TAYLOR

    O neo-institucionalismo no constitui uma corrente de pensamentounificada. Ao contrrio, pelo menos trs mtodos de anlise diferentesapareceram nessa rea no ltimo quarto de sculo: o institucionalismohistrico, o institucionalismo da escolha racional e o institucionalismosociolgico. Todas elas tratam, por ngulos diferentes, do papel desempen-hado pelas instituies na determinao de resultados sociais e polticos.Expe-se e examina-se a gnese de cada uma dessas variantes do neo-institucionalismo, assim como o que distingue suas maneiras de tratar dosproblemas sociais e polticos.

    Palavras-chave: Instituies; anlise institucional; neo-institucionalismo.

    THE THREE VERSIONS OF NEO-INSTITUTIONALISM

    Neo-institutionalism is not a un ified current of thought. On thecontrary, at least three different methods of analysis emerged in this areain the last 25 years: historical institutionalism, rational choice institution-alism, and sociological institutionalism. All of them deal, from differentangles, with the role performed by institutions in the determination ofsocial and political results. The genesis as well as the peculiarities of thesevariants of neo-institutionalism are exposed and examined.

    Keywords: Institutions; institutional analysis; neo-institutionalism.

    RESUMOS/ABSTRACTS